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O Brasil de Fernando Henrique Cardoso no Cenário Internacional em 2001

No terceiro ano de seu segundo mandato, Fernando Henrique Cardoso colhia os frutos
de seu trabalho político, econômico e diplomático com um Brasil que apresentava certo grau
de equilíbrio e segurança econômica e que possibilitava maiores avanços internacionais.
Entre eles, uma aproximação com a América do Sul e uma investida mais assertiva nas
conferências da ONU, ressaltando a importância da cooperação e dos valores democráticos
que faziam parte dos princípios do país naquele momento.
Como o primeiro presidente eleito e reeleito com voto direto no Brasil, FHC foi o
responsável, ainda enquanto Ministro da Fazenda de Itamar Franco, por desenvolver o Plano
Real e, posteriormente, em seu próprio mandato, por implementar o real como a nova moeda
do Brasil, conseguindo, assim, combater a inflação e governar um país mais estabilizado
economicamente.
As principais premissas em seus mandatos foram a “privatização, liberalização e
fiscalismo [...] não mais fundamentado na ação direta e onipresente do Estado” (BARRETO,
2010, p. 326), estratégia essa, usada para buscar a inserção do país no contexto internacional.
Tal investida ocasionou, como é possível perceber através do discurso analisado, na aderência
à algumas pautas internacionais, como: meio ambiente, refugiados, narcotráfico, direitos
humanos e assim por diante.
Dessa forma, nos últimos meses de 2001, quando ocorreu a Assemblelia, o cenário
internacional se encontrava conturbado, após passarem-se dois meses dos atentados do 11 de
Setembro que geraram muita instabilidade política e social. Por isso, era necessário que os
lideres dos países ali presentes mostrassem seu apoio no combate ao terrorismo, uma prática
que vai contra todos os princípios defendidos pela ONU e pelos países que dela fazem parte.
Por esse motivo, foram levantadas pautas principalmente sobre tratados de
cooperação internacional e segurança. A agressão aos Estados Unidos serviu como divisória
entre as ações de ajuda humanitária empreendidas no Afeganistão e o combate ao terrorismo
iniciado lá por George W. Bush com o que ele denominou de “Guerra ao Terror”, a qual,
trouxe como consequência “todo um discurso de xenofobia, desconfiança e racismo aos
muçulmanos” (HILU, 2021).
Ainda no Oriente Médio, Palestina e Israel passaram por um momento de grande
turbulência, ambos os países viviam um período tenso após não conseguirem “checar a um
consenso, principalmente em torno do problema de Jerusalém e dos refugiados de 1948” (G1,
2010), o que ocasionou a volta da intifada, e de intensas disputas na região.
A Angola, naquela altura, vivia um dos momentos mais complicados da sua história.
O país passava por uma preocupante guerra civil que resultou na morte de muitos cidadãos
angolanos. Além disso, a situação se complicava à medida que tal conflito era uma
consequência da independência do país de seu colonizador, Portugal (BARBOSA, WESLEY,
VIRGULINO, 2021).
No Timor Leste o objetivo de se tornar uma nação independente também levou a
problemas. Mais da metade da população votou pela independência do país da ocupação
indonésia, porém, a milícia local não possuía o mesmo objetivo. Embora os grupos
timorenses pró-independência tivessem grande apoio internacional, sua soberania ainda
precisava ser reconhecida para poder tomar decisões e postos juntos de outros países, por
isso, a missão de paz empreendida pela ONU.
E, por fim, os Estados Unidos, que se encontravam em um momento muito próspero
antes dos ataques do 11 de Setembro, com uma economia alavancada e o prestígio de servir
de referência mundial. Por conta disso, o mesmo possuía muitos acordos internacionais com
diversas nações, o que acabou servindo ao seu favor quando solicitou apoio.
Durante seu discurso na 56a sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas, FHC
abriu a reunião se compadecendo dos atentados do 11 de setembro de 2001, aproveitando a
oportunidade para ressaltar seu compromisso com a Carta das Nações Unidas e com o direito
de autodefesa que ela alega. Ele também evocou o Tratado Interamericano de Assistência
Recíproca, criado em 1947, como uma forma de garantir a paz e a assistência mútua no caso
de ataques armados contra qualquer Estado americano (TIAR, 1947). Dessa forma, ele
afirmava a posição do Brasil como um aliado dos Estados Unidos no combate ao terrorismo.
Entretanto, Cardoso ressaltou que, além da reação dos EUA ao ataque sofrido,
devia-se dar luz e importância também àqueles que sofreriam com a Guerra ao Terror
empreendida pelo país, principalmente o povo do Afeganistão. O então Presidente, diz que,
apesar das circunstâncias, não devem ser frustradas as ações de ajuda humanitária aos afegãos
e, que, dentro de suas possibilidades, o Brasil estaria disposto a abrigar refugiados, pois, em
suas palavras: “a luta contra o terrorismo não é, nem pode ser, um embate entre civilizações,
menos ainda entre religiões” (CARDOSO, 2001, p. 67).
Em seguida, FHC culpa as diferenças entre os regimes fiscais dos países como um
instrumento usado para as finanças do crime organizado e das ações terroristas. Afirmando
que, os paraísos fiscais, enquanto parte desse problema, deveriam deixar de existir.
Ele também defende a democracia e aponta que a globalização assimétrica e o déficit
de governança que ela causa no cenário internacional podem ser revistas e concertadas
através de uma parceria mais justa entre os diversos países do globo, a qual, ele chama de
“globalização solidária”. Cardoso propõe que, para isso, “é indispensável avançar com
prioridade nos temas mais relevantes para a eliminação das práticas e barreiras protecionistas
nos países desenvolvidos”, tornando maior a quantidade de “produtos dos países em
desenvolvimento nos mercados mais prósperos” (CARDOSO, 2001, p. 68).
Por conta disso, ele pede que o Banco Internacional para a Reconstrução e
Desenvolvimento (Bird) e o Fundo Monetário Internacional (FMI) sejam revistos, de forma
que, se tornem menos vulneráveis a crises financeiras. Bem como, que seja pensada uma
alternativa melhor e menos obrigatória do que a “Taxa Tobin” para dissuadir o ganho de
grandes lucros no curto prazo perante a especulação da moeda de um país.
No quesito humanitário e ecológico, FHC cita como a cooperação pode ajudar a
melhorar as condições daqueles que vivem o problema da AIDS, principalmente na África, e
como a ratificação do Protocolo de Kyoto é um passo necessário para a proteção do meio
ambiente, uma vez que, ele estabeleceria um controle para a emissão dos gases de efeito
estufa na atmosfera.
Sendo os direitos humanos uma pauta mais forte no século XXI do que no anterior, se
esperava pela criação do Tribunal Penal Internacional no próximo ano (2002), o qual, visava
“investigar e julgar indivíduos acusados de genocídio, crimes contra a humanidade, crimes de
guerra e crime de agressão” (Ministério das Relações Exteriores, 2022), para que os males do
século XX não se repetissem e nem permanecessem sem consequências.
A respeito da Angola que já passava por mais de 26 anos de guerra civil, e do Timor
Leste que vivenciava uma missão de paz da ONU que tinha o objetivo de criar condições no
país para que pudessem haver eleições, o então presidente Fernando Henrique Cardoso, que
havia visitado o Timor Leste no início daquele ano, demandou na assembleia a enfim
superação desses conflitos, para que esses países pudessem ter oportunidade de retomar seu
desenvolvimento social e econômico e, após isso, chegarem a ocupar assentos na Assembleia
Geral das Nações Unidas.
Em contrapartida, FHC prestou tributo a República da Coréia, que, segundo ele,
serviu de exemplo de “dedicação à paz e ao desenvolvimento” (CARDOSO, 2001, p. 65).
Já em relação a reconstrução do Oriente Médio, FHC afirma que será necessário que
haja a autodeterminação do povo palestino assim como houve o apoio a existencia de Israel
como Estado soberano.
Por fim, FHC pediu, apelando para valores democráticos, que a ONU se torne mais
atuante em sua Assembleia Geral e mais representativa em seu Conselho de Segurança, “cuja
composição não pode continuar a refletir o arranjo entre os vencedores de um conflito
ocorrido há mais de 50 anos” (CARDOSO, 2001, p. 70).
Fica claro, portanto, que o Brasil de 2001 havia abraçado os valores da democracia e,
após uma longa luta para se ver mais incluído nas agendas internacionais da virada do século
XX e início do século XXI, finalmente pôde se mostrar mais atuante em relação às demandas
externas, principalmente aquelas relacionadas aos direitos humanos e as questões ambientais.
Fernando Henrique Cardoso solicitou questões na Assembleia que revelaram que o país se
sentia forte e pronto para mais compromissos multilaterais, seja com a América do Sul, seja
com a ONU, ou com países da África e do Oriente Médio. O então contexto internacional
também fez com que o Brasil mostrasse sua posição perante o terrorismo e o que ele achava
importante para acabar com esse male, uma vez que, como é dito acima, o próprio Cardoso
acusava os diferentes regimes fiscais de financiar tais ações. Dessa forma, a posição mostrada
diante da Assembleia Geral das Nações Unidas no dia 10 de novembro de 2001 foi de um
país reconstruído após o período da ditadura militar e pronto para atuar e negociar no cenário
internacional como uma democracia sul americana em crescimento.
REFERÊNCIAS:
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