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FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE LISBOA

DIREITO COMERCIAL I – TURMA B

Regência: PROFESSOR DOUTOR LUÍS MENEZES LEITÃO


Época normal
11.01.2022 – Duração: 120 minutos

A é o único sócio e gerente da “Lua na Valeta – Unipessoal, Lda”, que explora dois
restaurantes em Lisboa, estando um instalado numa loja de rua, arrendada, na Av. da Liberdade,
e outro numa loja no 3.º Piso do Centro Comercial Colombo, ambos com a denominação
comercial “O Cabrito transmontano”, frase que compõe um logótipo registado.
Em junho de 2015, a sociedade celebrou com C ― produtor de vinhos do Douro com a
maior quota de mercado nacional de vinho branco e amigo de infância da A ― um acordo pelo
qual se vinculava a adquirir-lhe anualmente um mínimo de 20.000 garrafas de vinho branco da
marca “Touro sentado”, ao preço unitário de 4€, para consumo no restaurante e revenda aos
retalhistas de restauração na região de Lisboa e Vale do Tejo, bem como à divulgação, na mesma
região, das marcas de vinho tinto de C, organizado regularmente provas junto de potenciais
clientes empresariais e recebendo e encaminhando notas de encomenda.
O acordo foi celebrado durante uma viagem turística de barco de subida do Douro,
tendo C prometido a A, durante a conversa que mantiveram, que a sua sociedade não teria
concorrência na região de Lisboa e Vale do Tejo quanto à marca “Touro sentado”.
Até 2018, as atividades da sociedade na negociação com os vinhos de C correram muito
bem, tendo os vinhos alcançado um significativo aumento de vendas na restauração de Lisboa.
Em 2020, em resultado de várias limitações impostas pelo governo à atividade de
restauração e da consequente pouca liquidez gerada, a sociedade não conseguiu cumprir a
quantidade mínima da compra do “Touro sentado”, além do que não conseguiu cumprir todas
as obrigações relativas aos vinhos tintos, tendo recebido pouquíssimas encomendas.
C faleceu em dezembro de 2020; a partir de abril de 2021, os seus herdeiros começaram
a vender o “Touro sentado” diretamente a clientes de restauração em Lisboa. Em setembro de
2021, os herdeiros comunicaram à sociedade o termo do acordo, com efeitos imediatos,
alegando incumprimento das obrigações assumidas.
A replicou que nada pudera fazer quanto à diminuição do volume de negócios, exigindo,
aliás, o pagamento de uma parte do preço dos vinhos vendidos diretamente pelos herdeiros em
Lisboa.
Desanimado, A, agindo como gerente da sociedade, vendeu a D os negócios de
restauração da mesma, não obstante da transmissão ter sido excluído o logótipo. O contrato foi
comunicado por D aos proprietários das lojas 18 dias depois da celebração. Ao receberem as
cartas, os dois proprietários comunicaram à sociedade a resolução dos contratos por
incumprimento culposo da mesma quanto à cedência do gozo dos imóveis a terceiros.

Responda, fundamentadamente, às seguintes questões:

1. Qualifique, do ponto de vista jurídico-privado, A, C e a “Lua na Valeta – Unipessoal, Lda”.


[4 valores]
• A não pode ser qualificado como comerciante (art. 13.º, 1), na medida em que, sendo
sócio, ainda que único de uma sociedade comercial, é esta que, sendo um ente jurídico
autónomo (art. 5.º do CSC), poderá, hipoteticamente, realizar atos jurídico-comerciais
que, nos termos do art. 1.º, 2, do CSC, e 13.º, 2 do CCom, lhe atribuam a qualidade de
comerciante, atento o tipo de sociedade por quotas (art. 200.º, 1, CSC).
• Coloca-se, efetivamente, a questão da qualificação do objeto da sociedade– restauração
– como civil ou comercial para efeitos do art. 1.º, 2, do CSC, havendo doutrina que
admite a extensão analógica do art. 230.º, 2, à atividade de restauração, o que,
portanto, permitiria qualificar a sociedade como comercial/comerciante desde que
existisse empresa, o que, perante o enunciado não suscita dúvidas (organização de
meios materiais e humanos visando um resultado para mercado);
• A qualificação de C como comerciante coloca a questão central da agricultura realizada
empresarialmente (o enunciado permite concluir que C é titular de empresa), mas a
doutrina divide-se quanto à interpretação do art. 230, § 1.º; uma interpretação atualista
aceita a restrição da exclusão legal à agricultura de tipo tradicional, admitindo que a
agricultura empresarial possa integrar o art. 230.º, 2; uma interpretação declarativa do
art. 230, § 1.º, inclui a agricultura, seja qual for o seu modo de exercício, na exclusão;
para o primeiro entendimento C é comerciante; para o segundo, não.
2. Qualifique o negócio celebrado entre a sociedade e C, determinando que eventuais
direitos podem assistir à sociedade com fundamento no mesmo e na atuação dos
herdeiros de C. [8 valores]
• O ”acordo”, na parte relativa ao vinho branco, contém os requisitos de tipicidade social
do contrato de concessão comercial, implicando a compra dos bens do produtor, com
finalidade de distribuição e vinculação a quantidades mínimas de aquisição por período
de referência; a concessão é legalmente atípica, sendo que, genericamente a doutrina
e jurisprudência admitem a aplicação a tal contrato do regime do contrato de agência
(DL 178/86) à concessão comercial ;
• Na parte relativa aos vinhos tintos, o “acordo” tem as caraterísticas típico-legais de
contrato de agência (DL 178/86, art. 1.º, 1): promoção da celebração de negócios pela
contraparte, por conta desta, mediante retribuição;
• Os contratos são independentes; uma união de contatos só poderia sustentar-se com
fundamento no facto de terem sido celebrados simultaneamente;
• A lei não exige forma especial para a celebração de qualquer um dos contratos, não
sendo o art. 1.º, 2, do DL 178/86, uma verdadeira exigência de forma escrita para ambas
as declarações negociais;
• Os contratos têm conteúdo patrimonial, sendo, portanto, pacífico que as posições
jurídicas deles decorrentes se transmitem por via sucessória (arts. 2024.º e 2025.º,
ambos do CC), uma vez que não existe no DL 178/86,, quanto à morte do principal, regra
paralela à do art. 26, 1, c).
• A exclusividade conferida à sociedade é nula, por violação da forma escrita legalmente
exigida (art. 4.º do DL 178/86, aplicado analogicamente, e art. 220.º do CC); o facto de
os herdeiros terem começado a vender diretamente em Lisboa não viola, pois, um
exclusivo geográfico, não obstante se poder colocar, genericamente, a questão de saber
se a atuação dos herdeiros cumpre o padrão da boa-fé na execução do contrato (art.
762.º, 1);
• O “termo do acordo” constitui declaração de resolução, que atinge os dois contratos; o
DL 178/86 admite a extinção do contrato de agência (e de concessão, aplicada a norma
analogicamente) por resolução, tratando-se de contratos de execução continuada (seria
valorizada uma referência ao art. 27.º do DL 178/86). A resolução tem o enquadramento
do art. 30.º DL 178/86. Perante as circunstâncias elencadas no caso (contexto
pandémico), não se vê como é que a inexigibilidade da manutenção da relação
contratual [al. b)] pudesse verificar-se, sendo que, para efeitos da alínea a), não parece
que se verifique a gravidade legalmente exigida para a falta de cumprimento das
obrigações relativas a ambos os contratos. Seria valorizada uma referência ao regime
geral da resolução dos contratos (art. 801.º, 2, do CC);
• Sendo a resolução julgada ilícita, os danos causados à sociedade são indemnizáveis nos
termos gerais (art. 483.º do CC);
• A resolução ilícita suscita a questão da sua eficácia/ineficácia quanto à extinção do
contrato, tema sobre o qual a doutrina se encontra dividida; a jurisprudência inclina-se
para a resposta positiva;
• Da resposta positiva (resolução ilícita equiparada a denúncia sem pré-aviso) depende a
firmação na esfera jurídica da sociedade de um direito a indemnização de clientela, cujo
pressuposto é a cessação do(s) contrato(s) (art. 33.º, 1); deveria ser feita a análise crítica
da aplicação, no caso, das diversas alíneas do n.º 1, designadamente da al. b), no
contexto das consequências da pandemia descritas no caso relativamente às vendas;
seria valorizada, quanto ao contrato de concessão, uma referência ao Ac. do STJ n.º
6/2019.
3. Analise as pretensões dos proprietários dos imóveis quanto à resolução dos contratos
que permitiram à sociedade o gozo desses imóveis. [6 valores]
• O enunciado é expresso na qualificação do título de ocupação da loja de rua como
“arrendamento”, o que, portanto, o subsume ao tipo/subtipo dos arts. 1022.º e 1023.º
do CC (relevam também os arts. 1064.º e 1108.º];
• Já o título de ocupação da loja em centro comercial é genericamente considerado pela
doutrina – em posição aceite pela jurisprudência – que se trata de contrato legalmente
atípico (contrato de integração de lojista em centro comercial);
• No caso do arrendamento, para fim não habitacional, como é o caso, a transmissão da
posição de arrendatário não depende da autorização do senhorio se houver trespasse
do estabelecimento comercial;
• O enunciado refere a venda do negócio de restauração, o que pode constituir um dos
negócios de concretização do trespasse (transmissão definitiva da titularidade do
estabelecimento), que, em tal caso, seria onerosa;
• No caso presente, não parece que a venda possa qualificar-se como trespasse para
efeitos do art. 1112.º, 2, a), do CC, uma vez que a transmissão não foi acompanhada de
um elemento, o direito ao uso do logótipo, que, aliás, pode constituir um aspeto
importante de fixação e captação de clientela;
• Assim, não havendo trespasse, não seria aplicável a regra do art. 1112.º, 1, mas antes a
do art. 1030.º, 1, f), o que exigia, para a licitude da cessão do gozo do imóvel, o
consentimento do senhorio. Não se tendo verificado tal consentimento, o senhorio tem
direito à resolução do contrato, nos termos do art. 1083.º, 1, e) do CC, sendo
juridicamente irrelevante a comunicação do negócio pelo cessionário;
• Relativamente ao contrato de instalação de lojista em centro comercial, o eventual
direito do proprietário à resolução teria de fundar-se no contexto de direitos e
obrigações assumidos pelas partes, relativamente aos quais o caso não fornece dados.

4. Admitindo que no exercício de 2020 a sociedade tem registado em balanço um passivo


de 500.000 € (débitos vencidos e não pagos) e um ativo de 25.000 €, mas que havia
celebrado um contrato de abertura de crédito com o Banco “X” em 2018, até ao
montante de 700.000 €, pelo prazo de 5 anos, determine se a mesma se encontra em
situação de insolvência e, a ser a resposta afirmativa, quem tem legitimidade para a
requerer a sua declaração. [2 valores]
• Os dados do balanço apontam para uma situação patrimonial de passivo
significativamente superior ao ativo da sociedade;
• A sociedade pode ser sujeito passivo de processo de insolvência (art. 2.º, 1, e)];
• Segundo o n.º 1 do art. 3.º do CIRE, uma vez que a sociedade tem crédito que lhe
permite solver os seus débitos, não estaria em situação de insolvência (critério do
balanço);
• Todavia, a sociedade integra-se no âmbito do n.º 2 do art. 3.º do CIRE (critério do cash-
flow) e, assim, estaria em situação de insolvência, o que, todavia, poderia sofrer as
exceções do n.º 3, para o que caso não fornece dados;
• Têm legitimidade para requerer a declaração de insolvência o próprio insolvente (art.
18.º do CIRE) e, bem assim, os elencados no art. 20.º, 1, do CIRE, sendo que o enunciado
da pergunta indica a verificação de passivo inscrito no balanço, de 500.000, €,
correspondente a obrigações vencidas, podendo admitir-se a suspensão generalizada
de pagamentos a que se refere o art. 20.º, 1, a) do CIRE.
Direito Comercial I -Turma B
Exame de Coincidências (Época Normal)
Regência: Professor Doutor LUÍS MANUEL MENEZES LEITÃO
27.01.2022 | 120 minutos

António decide abrir uma loja de vestuário, à qual chamou “A Melhor Indumentária de Lisboa”, no
prédio de Baltazar, em São Sebastião. Na mesma possuía um abastecimento desejável de vestuário
e de malas.

Dado seu o estrondoso sucesso, António pretende melhorar as instalações da sua loja, comprando
novos equipamentos. Com o objetivo de contrair um empréstimo, abordou o Banco Tudo
Empresta, S.A., que o questionou sobre as garantias que poderia oferecer, para a cobertura das
obrigações de reembolso do financiamento e de pagamento dos juros.

António, após muita reflexão, ponderou oferecer a própria loja em garantia. Porém, por lhe parecer
uma ideia pouco ortodoxa, decidiu antes pedir ajuda ao seu amigo João, na qualidade de fiador.
Carolina, mulher de António, tinha dúvidas sobre este empreendimento.

A Melhor Indumentária de Lisboa continuou a ser muito bem-sucedida, tanto que António decidiu
reformar-se e viajar com Carolina para as Caraíbas. Eduardo, quando soube que A Melhor
Indumentária de Lisboa se encontrava à venda, decidiu aproveitar a oportunidade e adquirir o
estabelecimento. Sempre quis ter uma loja de banda desenhada e iria aproveitar o espaço de
António para o efeito. Baltazar, completamente alheio à existência de um novo arrendatário, fica
muito zangado.

Para melhorar as vendas do seu novo estabelecimento, Eduardo contrata Gustavo para promover
a venda dos seus produtos na área metropolitana de Lisboa.

Porém, com o passar do tempo, o negócio de Eduardo começa a, sistematicamente, revelar


resultados negativos, e este vê-se impossibilitado de pagar aos seus fornecedores e aos seus
trabalhadores.

Gustavo, por sua vez, devido ao facto de Eduardo nunca lhe ter pago no dia convencionado, envia-
lhe uma carta a resolver o contrato.

01
1. Poderia António oferecer A Melhor Indumentária de Lisboa em garantia? [3 valores]
Discutir, a qualificar-se a loja como um estabelecimento comercial, se era ou não um objecto passível de penhor.
A favor, argumentar-se-ia que quem pode o mais (trespasse, enquanto transmissão definitiva do
estabelecimento), pode o menos (oneração com escopo de garantia). Adicionalmente, este penhor, sendo um
penhor comercial, admite um desapossamento meramente simbólico (artigo 397.º + artigo 398.º, § único) e
sendo um penhor em benefício de instituição de crédito, dispensa o desapossamento (Decreto n.º 29833 de 17
de Agosto). A favor da admissibilidade do penhor de estabelecimento depõe ainda a admissibilidade de penhor
do EIRL (artigo 21.º, n.º 1, do respetivo regime jurídico), assim como a possibilidade de penhora de
estabelecimento (artigo 782.º CPC).
Dever-se-ia acrescentar que a possibilidade de outros negócios em que o estabelecimento é tratado como
realidade unitária depõe a favor da possibilidade de, através uma única declaração negocial, empenhar o
estabelecimento. Aplicar-se-ia por último a possibilidade de continuação do funcionamento normal do
estabelecimento, sob gestão do potencial autor do penhor, nos termos dos artigos 1.º, § 1, Decreto n.º 29833
de 17 de Agosto (e artigo 782.º, n.º 2 CPC).
2. Perante o incumprimento da obrigação de reembolso do financiamento por parte de
António, poderia a Banco Tudo Empresta, S.A. demandar judicialmente Carolina e João? [5
valores]
Ponderação da qualificação de António como comerciante à luz dos requisitos do artigo 13.º, n.º 1 do CCom
(“pessoas, que, tendo capacidade para praticar actos de comércio, fazem deste profissão”). No tocante à prática
de atos de comércio por parte de António, seria de referir a provável existência de compra de vestuário e
acessórios para revenda em estabelecimento comercial (cfr. artigo 463.º, n.º 3 do CCom). Dada a ausência de
elementos em sentido contrário no enunciado, presumir, devidamente densificando, que os demais requisitos se
encontram preenchidos.
A concluir-se pela positiva, no tocante a Carolina, ponderação da aplicação do regime constante do artigo 15.º
do CCom, em articulação com o disposto no artigo 1691.º, n.º 1, alínea d) do Código Civil.
Quanto a João, enunciação do disposto no artigo 101.º do CCom, e concretização in casu do conceito de
“obrigação mercantil” (considerando que o objetivo do empréstimo seria a melhoria das instalações da loja).
Caracterização da obrigação de reembolso como obrigação “solidária” considerando a inexistência do benefício
da excussão prévia previsto no regime civil (artigo 638.º do CC) por aplicação do regime do artigo 101.º do
C.Com.

02
3. Poderia António transmitir a sua posição de arrendatário a Eduardo nos termos em que o
fez? Adicionalmente, qual o alcance, segundo o regime jurídico aplicável, de Eduardo
transformar a loja de António numa loja de banda desenhada? [6 valores]
Quanto à 1.ª questão: (i) ponderação da existência de trespasse de estabelecimento comercial, (ii) destacar a
necessidade de comunicação ao senhorio da transmissão da posição de arrendatário (cfr. artigo 1112.º, n.º 3
do Código Civil), e (iii) enunciar que, por o estabelecimento ter sido transmitido através de contrato de compra
e venda, o senhorio teria direito de preferência sobre o mesmo (cfr. artigo 1112.º, n.º 4 do Código Civil).
Enunciar as consequências da ausência de comunicação ao senhorio, nomeadamente, a possibilidade de resolver
o contrato (cfr. artigo 1083.º, n. º2, alínea e) do Código Civil).
Quanto à 2.ª questão: análise da transformação da loja à luz do disposto no artigo 1112.º, n.º 2, alínea b)
e 1112.º, n.º 5 do Código Civil, delimitando o âmbito das respetivas normas. Considerar, para estes efeitos,
no tocante ao momento de transformação, que no enunciado se lê que Eduardo sempre pretendeu transformar
A Melhor Indumentária de Lisboa numa loja de banda desenhada.
O senhorio poderia, perante a transformação do estabelecimento, resolver o contrato (articular devidamente o
disposto nos artigos 1112.º, n. º2, alínea b), 1083.º, n. º2, alínea e) e 1112.º, n. º 5 do Código Civil,
consoante a interpretação que seja feita do enunciado).
4. Gustavo teria fundamento para resolver o contrato? [3 valores]

Identificação do contrato em causa como contrato de agência e enunciação das suas principais características
(cfr. artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 178/86 de 3 de julho – “RJCA”).

Analisar o regime da resolução do contrato (artigos 30.º e 31.º do RJCA): (i) resolução enquanto modalidade
de cessação dos contratos motivada e (ii) que tem de observar a forma escrita (artigo 31.º do RJCA).

Considerar se o pagamento em atraso, não se tratando de uma total ausência de pagamento de retribuição, se
afigurava fundamento bastante para resolver o contrato, à luz do artigo 30.º, alínea a) do RJCA
(densificação).

5. Poderiam os credores de Eduardo requerer a sua declaração de insolvência? [3 valores]


Análise da legitimidade passiva (artigo 2.º, n.º 1, al. a), do CIRE) e ativa (artigo 20.º, n.º 1, carecendo, em
todo o caso, de demonstrar a sua qualidade de credor – artigo 25.º, n.º 1, do CIRE).
Apreciação geral do critério da determinação da situação de insolvência nos termos do artigo 3.º, n.º 1 do
CIRE (cash-flow: critério da ausência de liquidez/financiamento para o cumprimento das obrigações
vencidas). Era inaplicável no caso o critério do balanço (balance sheet) do artigo 3.º n.ºs 2 e 3 do CIRE na

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medida em que estamos perante a insolvência de uma pessoa singular. Seria de concluir pela possibilidade de
os credores de Eduardo iniciarem um processo de insolvência.
Referência ao regime geral do artigo 18.º, n.º 1 do CIRE, com a circunscrição de tal obrigação às pessoas
referidas nos n.ºs 2 e 3. Em concreto, Eduardo era titular de uma empresa na aceção do artigo 5.º do CIRE
e por isso estaria abrangido por tal obrigação. Em todo o caso, nunca poderia ocorrer a qualificação da
insolvência como culposa dado que esta se aplica a pessoas coletivas (artigo 186.º n.º 2 e n.º 3 do CIRE).
Seria valorizada a enunciação do tema da graduação de créditos, em particular, a qualificação do crédito dos
fornecedores como crédito comum (artigos 47.º, n.º 4, alínea c) e 176.º do CIRE), a ser graduado após os
créditos dos trabalhadores (crédito privilegiado, nos termos do artigo 333.º, n.º 1 do Código de Trabalho, do
artigo 47.º, número 4, alínea a) e do artigo 175.º, ambos do CIRE).

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Direito Comercial I -Turma B
Exame de Recurso
Regência: Professor Doutor LUÍS MANUEL MENEZES LEITÃO
15.02.2022 | 120 minutos

António, reputado consultor financeiro, desistiu, no ano de 2016, da sua promissora carreira na
Avaliamos Tudo e aventurou-se na venda de produtos acessórios para a prática de atividade
desportiva em ginásio. Para tanto, celebrou um acordo com a Ténis, Pesos e Batidos, S.A.,
detentora da marca “Tudo é Desporto”, a coberto do qual se comprometeu a: i) a comprar à Ténis,
Pesos e Batidos, S.A., para revender no seu estabelecimento, 100 pares de ténis, 50 packs de
pesos e 150 caixas de batidos por mês; ii) os produtos vendidos no estabelecimento de António,
localizado no Campo Grande, deveriam sê-lo sob a marca “Tudo é Desporto”; iii) a organização do
estabelecimento, o tratamento e a publicidade dos produtos devia seguir, escrupulosamente, o
Manual de Boas Práticas da Ténis, Pesos e Batidos, S.A.; iv) o acordo encetado vigoraria por 7
anos; v) durante esse período, apenas António tinha direito, na zona do Campo Grande, a
comercializar os produtos com a marca “Tudo é Desporto”.

Acontece que, com as medidas restritivas aplicadas pelo Governo no contexto do combate à
pandemia Covid-19, com um grande impacto no funcionamento dos ginásios, António foi
perdendo, aos poucos, o seu público-alvo: o desporto passou a ser praticado, maioritariamente, ao
ar livre, tendo o estabelecimento de António sofrido uma quebra abruta nas receitas. Este
circunstancialismo levou António, em março de 2021, a ligar a Bernardo, responsável pelos
recursos humanos da Ténis, Pesos e Batidos, S.A., com vista a colocar termo imediato ao
contrato que haviam celebrado. Para lá de ter comunicado que pretendia a cessação imediata do
contrato, António limitou-se a frisar que não iria abdicar de se ver compensado pelos inúmeros
clientes que angariou para os produtos da marca “Tudo é Desporto” e que permitiram que esta se
consolidasse junto dos mais novatos que povoam a Cidade Universitária.

Depois de se desenvencilhar dos materiais desportivos, António decidiu abrir, em conjunto com
Carlos e Diana, amigos de longa data, um restaurante vegan, tendo, para tanto, constituído a Aqui
tudo é Saudável e Sustentável, Lda. Qual não é a surpresa de Elsa quando descobre que Carlos
também participava neste projeto: afinal, tinha-lhe comprado, semanas antes, um snack-bar vegan,
que era «cópia chapada» do restaurante que Carlos estava agora a abrir com os seus amigos, ainda
para mais no mesmo quarteirão!

1. Qualifique o contrato celebrado entre António e a Ténis, Pesos e Batidos, S.A.,


especificando os indícios que suportam a dita qualificação. [4 valores]

- O contrato celebrado entre António e a Ténis, Pesos e Batidos, S.A. reconduz-se, pelos indícios constantes do caso
prático, ao contrato de concessão. Impunha-se, pois, a densificação do conceito de contrato de concessão, bem como a
enunciação das vantagens e interesse no recurso a esta figura pelos agentes económicos.

- Em concreto, deveriam ser indicados os seguintes indícios constantes do caso prático, que possibilitavam a
qualificação do acordo como contrato de concessão: i) António, concessionário, obrigava-se a comprar para revender
o produto da Ténis, Pesos e Batidos, S.A., concedente; ii) António, concessionário, utiliza a marca “Tudo é
Desporto”, que pertence à Ténis, Pesos e Batidos, S.A., concedente; iii) António atua, na venda dos produtos, em
nome próprio; iv) António integrava-se na rede da Ténis, Pesos e Batidos, S.A., pois encontrava-se adstrito a
observar as regras contidas no Manual de Boas Práticas da Ténis, Pesos e Batidos, S.A. no respeitante à organização
do estabelecimento, tratamento e publicidade dos produtos que vendia; v) foi acordada uma reserva territorial em
favor de António na zona do Campo Grande, o que permitia que, nessa zona, apenas António pudesse vender os
produtos com a marca “Tudo é Desporto”.

2. Pronuncie-se quanto à postura de António em face da Ténis, Pesos e Batidos, S.A., em


março de 2021. [5 valores]

- Alusão à posição da jurisprudência e da doutrina relativamente à tendencial aplicação analógica das soluções de
regime previstas no Decreto-Lei n.º 178/86, de 03.07 (RJA) ao contrato de concessão comercial, em especial no
respeitante à cessação do contrato, devendo indicar-se os vários argumentos que são convocados para essa aplicação.

- Nesta sequência, seria de ponderar a aplicação, ao caso, do regime previsto no art. 33.º RJA, sendo valorizada a
alusão, a este propósito, ao Ac. do STJ n.º 6/2019 (Uniformização de Jurisprudência). A indemnização de clientela
é devida se preenchidos os requisitos previstos nos n.ºs 1, 3 e 4 do art. 33.º RJA. Em face dos dados da hipótese,
importava decidir, por um lado, se António tinha fundamento para fazer cessar o contrato e, por outro, se a declaração
de cessação do contrato era eficaz.

- Seria de afastar a suscetibilidade de ser exercido o poder de denúncia do contrato, uma vez que o contrato foi
celebrado por prazo determinado (vide artigo 28.º do RJA). Diferentemente, seria defensável o acionamento do poder

02
de resolução do contrato em linha com a alínea b) do art. 30.º do RJA. Neste contexto, seria valorizada a menção
às hipóteses que a Doutrina tem vindo a enquadrar no conceito de «justa causa objetiva», para efeitos de resolução
do contrato, parecendo a hipótese prevista no caso prático integrar-se no elenco de fundamentos admissíveis.

- Desenvolvimento do ponto respeitante ao incumprimento dos requisitos da declaração resolutória previstos no artigo
31.º do RJA (in casu, declaração resolutória não fundamentada e sem observância de forma escrita), devendo o
avaliando discutir a aplicabilidade analógica do referido preceito ao contrato de concessão comercial e, bem assim,
elencar as razões materiais que justificam estas exigências e aprofundar as repercussões que a sua inobservância gera
para a eficácia da declaração resolutória e, por conseguinte, para o preenchimento do requisito da indemnização de
clientela atinente à «cessação do contrato».

3. Elsa tem margem para reagir à abertura do restaurante vegan de António, Carlos e Diana?
[6 valores]

- O avaliando devia principiar pela caracterização do negócio celebrado entre Carlos e Elsa: transmissão definitiva
do direito de propriedade sobre estabelecimento comercial (in casu, do snack bar vegan) – trespasse (densificação do
conceito).

- Não decorrendo do caso prático que Carlos e Elsa tenham convencionado algo a esse respeito, era exigível o
desenvolvimento do debate sobre a previsão implícita de cláusula de proibição de concorrência que vincula o
trespassante, com o aprofundamento dos vários fundamentos convocados por quem defende uma e outra posição.

- Assumindo-se que existe uma obrigação de não concorrência, o avaliando devia densificar os vários limites que se
lhe impõem. A este propósito, deveria ser problematizada a relevância de Elsa ter adquirido a Carlos um snack bar
vegan (e não um restaurante), em articulação com o denominado «limite objetivo» da obrigação implícita de não
concorrência.

- Era ainda exigível o aprofundamento dos contornos dos pedidos que podem acompanhar a alegação de
incumprimento da obrigação implícita de não concorrência, como sejam a atribuição de indemnização e o encerramento
do estabelecimento concorrente.

- Seria valorizada a discussão em torno da relevância de Carlos ter iniciado a nova atividade (concorrente) através
de uma estrutura societária.

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4. Suponha que o restaurante vegan aberto por António, Carlos e Diana, não conseguiu
superar a concorrência do snack bar de Eva, que manteve o monopólio de comida saudável
no bairro. Suponha ainda que, em virtude dessa situação, a Aqui tudo é Saudável e
Sustentável, Lda. viu-se impossibilitada de pagar aos fornecedores e está em falha, há 10
meses, com o pagamento de impostos. A isto acresce que Diana pretende «ir à sua vida» e
planeia requerer a declaração de insolvência da Aqui tudo é Saudável e Sustentável,
Lda., recorrendo, para o efeito, ao crédito por suprimentos que alega ter. Pode fazê-lo?
[3,5 valores]

- Enquadramento do problema no seio do Direito da Insolvência, com a enunciação dos traços distintivos e
finalidades do processo.
- Análise dos pressupostos da declaração de insolvência – análise da legitimidade passiva (artigo 2.º, n.º 1,
alínea a) do CIRE);
- Análise dos pressupostos da declaração de insolvência (continuação) – análise da legitimidade ativa:
tratando-se de um pedido efetuado por credor, alusão ao artigo 20.º, n.º 1, alínea g), subalínea i), do CIRE;
seria valorizada a ponderação referente à aplicabilidade, in casu, de outros factos-índices listados no número
1 do artigo 20.º do CIRE. Menção à necessidade de ser observado o disposto no artigo 25.º, número 1 do
CIRE. Seria valorizado o desenvolvimento do ponto atinente à legitimidade do credor por suprimentos para
requerer a declaração de insolvência, confrontando a solução normativa resultante do número 1 do artigo 20.º
do CIRE com o disposto no n.º 2 do artigo 245.º do CSC. Por fim, exigia-se ainda, em face dos dados da
hipótese, a ponderação da eventual aplicabilidade do dever de apresentação à insolvência previsto no n.º 1 do
artigo 18.º do CIRE, acompanhada da menção ao disposto no artigo 186.º, n.º 3, alínea a) do CIRE, no
contexto da qualificação da insolvência como culposa. Seria valorizada a referência ao regime excecional e
transitório aprovado no contexto da pandemia Covid-19 a propósito da suspensão do prazo de apresentação
do devedor à insolvência.
- Análise dos pressupostos da declaração de insolvência (continuação): em face dos dados da hipótese,
pretendia-se o desenvolvimento do pressuposto material com recurso ao critério da determinação da situação de
insolvência previsto do n.º 1 do artigo 3.º do CIRE (critério do cash-flow), concluindo-se pela sua
aplicabilidade in casu.

04
5. A resposta à pergunta 4. mudaria se se descobrisse que o espaço onde funciona o
restaurante vegan, propriedade da Aqui tudo é Saudável e Sustentável, Lda., está avaliado
em vários milhões de euros? [1,5 valores]

- Enquadramento da questão nos pressupostos objetivos da declaração de insolvência: em face dos dados da
hipótese, pretendia-se o desenvolvimento do pressuposto material com recurso ao critério da determinação da
situação de insolvência previsto do n.º 2 do artigo 3.º do CIRE, complementado pelo n.º 3 do mesmo preceito
– o denominado critério do balanço.
- Ainda que, em face dos dados da hipótese, o balanço da Aqui tudo é Saudável e Sustentável, Lda. aparente
ser equilibrado (no ativo consta um bem avaliado num valor superior ao do passivo), exigia-se a explicitação
da autonomia das situações pressupostas pelo critério do cash flow e pelo critério do balanço: a circunstância
de o devedor ter um ativo superior ao passivo não significa que tenha liquidez para saldar as suas dívidas,
não sendo assim de afastar que se encontre em situação de insolvência técnica.

05
FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE LISBOA
DIREITO COMERCIAL I
TÓPICOS DE CORREÇÃO
REGÊNCIA: PROFESSOR DOUTOR LUÍS MENEZES LEITÃO
19.01.2021 – Duração: 120 m.

I. A, docente universitário, decidiu dedicar-se, também, a partir de 2010, à atividade de angariação


de trabalhos publicitários para modelos, para o que arrendou uma loja na Baixa de Lisboa, na qual
instalou mobiliário e equipamento eletrónico de escritório.
O negócio corria razoavelmente bem, mas A tinha a ambição de lançar uma marca própria
de dimensão internacional, para o que contactou a Imagem de Marca – Publicidade, S.A. para
orçamentar uma campanha; não dispondo, na altura, do preço pretendido, A solicitou ao seu
amigo B, arquiteto, que lhe emprestasse a quantia de 50.000,00 €, o que este só aceitou mediante
fiança prestada por C, também arquiteto, irmão de A e pessoa de vasto património.
1. Qualifique os sujeitos intervenientes para efeitos jurídico-privados. (3 v.)
Quanto a A: enunciação das posições doutrinárias relativas ao artigo 230.º do C.Com.;
eventual integração da atividade desenvolvida no artigo 230.º/3 do C.Com; verificação dos
requisitos para qualificar A. como comerciante nos termos do artigo 13.º do C.Com;
Admitir-se-ia, igualmente, que fosse ponderada a integração da atividade de A. como
mediador, desde que fossem enunciadas as características fundamentais da figura, e com a
devida ponderação sobre a “comercialidade” dos atos, por via de interpretação atualística
do artigo 2.º do C.Com, desde que verificados os requisitos do artigo 13.º do C.Com.
Quanto a B e C: inexistência, nos termos do C.Com. ou de qualquer outro diploma legal, da
“comercialidade” da atividade desenvolvida por B e C; integração da atividade dos
arquitetos no conceito de profissional liberal; enunciação e ponderação da integração de B
e C na categoria de “pessoas semelhantes a comerciantes” e respetivas consequências,
designadamente quanto a aplicação do regime comercial.
O contrato de mútuo celebrado entre A e B, tal como a fiança prestada por C –
independentemente da sua natureza (que não era objeto desta questão) seria irrelevante
para efeitos de qualificação destes intervenientes como comerciantes.
2. Admitindo que A não pagou os 50.000,00 € a B, determine, fundamentadamente, os
termos em que B pode exigir o cumprimento. (2 v.)
Caracterização do contrato celebrado como mútuo; ponderação da respetiva integração no
regime do empréstimo mercantil (artigo 394.º do C.Com); caracterização do empréstimo
mercantil como ato de comércio por acessoriedade (e enunciação dos carateres
fundamentais de tal classificação e posições doutrinárias existentes); o mútuo, era, apesar
do valor, formalmente válido por aplicação do regime do artigo 396.º do C.Com. (com
exclusão do artigo 1143.º do CC); caracterização da garantia prestada por C como fiança e
respetivo enquadramento, nomeadamente, para efeitos do artigo 101.º do C.Com.
Caracterização da obrigação de reembolso como obrigação “solidária” considerando a
inexistência do benefício da excussão prévia previsto no regime civil (artigo 638.º do CC)
por aplicação do regime do artigo 101.º do C.Com. (seria desvalorizada a resposta que
considerasse excluído o regime da solidariedade por via da aplicação do artigo 99.º do
C.Com).
Seria valorizada a enunciação das diferenças entre o Direito comercial e o Direito civil da
fiança e do mútuo.

II. Em 2013, A decidiu lecionar um ano letivo nos EUA e, não pretendendo cessar a sua outra
atividade, acordou com B que, na sua ausência, aquele passaria a fazer a exploração da atividade,
por sua conta, contra a remuneração mensal de 3.000,00 €, tendo ambos acertado os termos do
negócio telefonicamente.
Aquando do regresso de A, em 2014, o negócio de B não corria bem, não tendo este pago
as duas últimas remunerações mensais. Retomando A gestão da atividade e pensando numa futura
sociedade entre ambos, propôs-lhe que aquele contribuísse com a quantia de 5.000,00 € para
investimento na modernização da atividade, a troco de uma compensação de 10% dos lucros
anuais, o que este aceitou; mais uma vez tudo foi acordado telefonicamente, tendo B transferido
os 5.000,00 € para a conta bancária de A.
3. Qualifique, juridicamente, os negócios em causa. (2 v.)
Caracterização do primeiro negócio com cessão da exploração nos termos do artigo 1109.º
do CC; enunciação do regime a que ficaria sujeito, nomeadamente o dever de informação
do senhorio (artigo 1109.º/2 do CC); ponderação da validade formal do negócio atenta a
remissão do artigo 1109.º/1 in fine para, nomeadamente, o artigo 1112.º/3 do CC.
Caracterização do segundo negócio celebrado como associação em participação – artigos
21.º e ss. do DL n.º 231/81, de 28 de julho (“RJCAP”), com enunciação dos carateres gerais
do instituto.
4. A exige de B o pagamento das remunerações em falta, bem como 10% do prejuízo que a
atividade gerou em 2016. B alega invalidade. Quid iuris? (3 v.)
Enunciação do regime regra previsto no artigo 21.º do RJCAP; a participação nos lucros é
obrigatória, mas a participação nas perdas é meramente facultativa (artigo 21.º/2 do
RJCAP);
Considerando a forma adotada pelas partes, a exclusão da participação nas perdas é
inválida (artigo 23.º/2 do RJCAP). Adicionalmente, nos termos do artigo 25.º/2 do RJCAP
presume-se que a participação nas perdas será igual à participação nos lucros - as partes
apenas acordaram a participação em 10% dos lucros, presumindo-se a participação nas
perdas em 10%, pelo que A. teria razão). Contudo, salientar que, caso as perdas excedessem
5.000, € seria esse o limite pelo qual B. responderia (artigo 25.º/4 do RJCAP).
O contrato de associação em participação não está sujeito a forma especial – artigo 23.º/1
do RJCAP (com enunciação das exclusões dos n.ºs 2 e 3) – desta forma B. não teria razão na
alegação da invalidade formal.
O facto de B. não ter efetuado a contribuição a que estava obrigado não o exonera da
participação nas perdas (artigo 24.º/5 do RJCAP).
O incumprimento das obrigações de B. era fundamento para a resolução do contrato, nos
termos do artigo 30.º/1 do RJCAP, com a consequente obrigação de indemnizar (artigo
30.º/2 do RJCAP).

III. A tinha tomado conhecimento nos EUA de novas técnicas de marketing do trabalho de
modelos, tendo contactado, em 2017, a Model Inc. LLC, com sede em NY, propondo a celebração
de um contrato de representação da respetiva marca em Portugal, o que aquela aceitou; o contrato
estabelecia que A passasse a exercer a sua atividade exclusivamente sob essa marca, por contra
própria, beneficiando do know-how, das técnicas de comercialização do serviço e da rede de
contactos internacionais da Model, pagando-lhe, em contrapartida, um prémio de celebração do
contrato e, bem assim, uma percentagem variável dos contratos celebrados por A, devendo ainda
este participar no custo das campanhas de publicidade da marca e aceitar a fiscalização da Model
à sua faturação mensal. Foi acordado sujeitar o contrato ao direito português.
Ao longo do ano de 2018, A foi ganhando a confiança da administração da Model, tendo
celebrado vários contratos com modelos estrangeiro(a)s em nome desta, para trabalhos nos EUA,
que a mesma cumpriu, e com os quais A esperava obter uma futura renegociação mais favorável
do contrato.
Em março de 2019, a Model foi alvo de uma fraude financeira e extinguiu vários
contratos, semelhantes ao que mantinha com A, tendo resolvido o contrato com A alegando
representação abusiva, tendo-se recusado a pagar o trabalho de uma modelo (E) cujo contrato
havia sido celebrado por A em seu nome.
5. Como qualificaria o contrato descrito e qual o seu regime jurídico? (1,5 v)
Integração do contrato celebrado no âmbito do contrato de franquia (em concreto uma
franquia de serviços), com enunciação das principais características da figura,
concretizando e fundamentando a resposta com base nos dados do enunciado; ponderação
do contrato celebrado no contexto dos contratos de distribuição. Densificação dos vários
argumentos relativos à aplicação analógica do regime jurídico do contrato de agência
(Decreto-Lei n.º 178/86 de 3 de julho – “RJCA”).
Seria valorizada a identificação de algumas normas do RJCA que são de aplicação mais
problemática aos casos de franquia (v.g. arts. 28.º e 33.º)
6. A resolução é constitutiva de algum(ns) direito(s) na esfera jurídica de A? (2,5)
A sujeição do contrato ao direito português não resolveria, por si, a ausência de um regime
legal específico para o contrato de franquia;
Em concreto, sobre a resolução, ponderação da eventual ilicitude, por ausência de “justa
causa” para o efeito; enunciação do regime geral da representação abusiva (artigo 22.º) e
ligação ao instituto da representação aparente/representação tolerada (artigo 23.º do RJCA)
ou, ainda que não se considerasse aplicável o RJCA, enunciação das posições doutrinárias
que defendem que o instituto da representação aparente/representação tolerada é
extensível, para os presentes efeitos, a todos os contratos comerciais. Poderia igualmente ser
considerada a resolução abusiva, nos termos do artigo 334.º do CC, atendendo ao facto de,
os contratos celebrados no passado por A. em representação da Model terem sido
tolerados/conhecidos e, na prática, ratificados, pela Model (com a necessária integração no
regime do artigo 22.º do RJCA e nos artigos 268.º e 269.º do CC).
Sendo a resolução ilícita enunciação das respetivas consequências, designadamente da
posição doutrinária do Prof. Pinto Monteiro que defende que a resolução, ainda que ilícita,
produz efeitos, com o consequente dever de indemnizar (reforçada pelo facto de,
considerando o enunciado, o contrato ter sido celebrado por tempo indeterminado, podendo
ser denunciado a todo o tempo, desde que com antecedência conveniente).
Ponderação do eventual direito à indemnização de clientela prevista no artigo 33.º do RJCA
por aplicação analógica, com enunciação dos respetivos requisitos (em concreto, o facto de
A. ter sido o primeiro franqueado da Model em Portugal).
Caso se considerasse a resolução lícita, ponderação da aplicação da exclusão prevista no
artigo 33.º/3 do RJCA (analogicamente aplicado, com a respetiva motivação).
7. Assiste algum direito a E contra a Model ou contra A? (2v.)
Enunciação do regime da representação aparente/representação tolerada – artigo 23º do
RJCA, considerando os dados do enunciado (o contrato era do conhecimento da Model e o
contrato foi cumprido por E sem oposição da Model) e respetivas consequências, em
especial, vinculação do Model à obrigação de pagamento.

IV. Por força da perda de rendimento da atividade, A não pagou nenhuma das faturas emitidas
pelos seus fornecedores vencidas depois de março de 2019, tendo ainda pagamentos em atraso à
Administração Tributária e à Segurança Social.
A ainda tentou obter um empréstimo bancário para pagar as suas dívidas, mas, atento o
conhecido incumprimento com os fornecedores, nenhum dos vários bancos contactados aceitou
analisar o pedido, não obstante o seu passivo ser de 400.000, 00 €, mas a sua faturação não
recebida ser de 900.000,00 €.
F, credor de A pela quantia de 40.000,00 €, resultante de obrigação vencida há mais de
três meses, requereu em dezembro de 2019 a declaração de insolvência do mesmo, o que, não
obstante a oposição deduzida pela, veio a ocorrer; a sentença transitou em julgado e foi objeto de
registo. Alguns dias depois, A vendeu a G todo o recheio da loja.
H, o administrador da insolvência, três meses depois de nomeado, esqueceu-se de
instaurar uma ação de cobrança de um crédito de A com prazo prescricional de três anos antes de
decorrido o prazo de prescrição; contactado o devedor, este afirma que não pagará.
[8.] Quid iuris? (4v.)
Enunciação da legitimidade ativa (artigo 20.º/1 do CIRE) e da legitimidade passiva (artigo
2.º/1/a) e artigo 25.º do CIRE).
Caracterização da situação de insolvência – artigo 3.º/1 do CIRE; sendo A. pessoa singular
não se aplicaria o critério do balanço (balance sheet), valendo por isso o critério da ausência
de liquidez (agravada pela ausência de financiamento de terceiros). Utilização das
presunções do artigo 20.º do CIRE, em especial as previstas no n.º 1, a) e g), subalíneas i) e
ii).
Quanto à alienação do recheio da loja: artigo 81.º do CIRE e enunciação dos efeitos da
declaração de insolvência quanto aos poderes de disposição do insolvente; em princípio, o
negócio seria ineficaz, exceto ocorrência de alguma das exceções previstas artigo 81.º/6 do
CIRE.
O administrador da insolvência é nomeado na sentença de declaração de insolvência (artigo
36.º/1/d) e 52.º/1 do CIRE.
A regra do artigo 100.º do CIRE era inaplicável no caso, considerando que a prescrição do
direito de crédito é oponível pelo devedor do insolvente. Ponderação da eventual aplicação
do regime previsto no artigo 321.º do CC constituindo a insolvência motivo de força maior
para efeitos da não cobrança do crédito, relacionamento, em especial, o momento do início
da liquidação da massa insolvente com a assembleia de apreciação do relatório (artigo 156.º
do CIRE) a que acresce o facto de a liquidação poder ser suspensa no caso de a assembleia
cometer ao administrador da insolvência o encargo de proceder à elaboração de plano de
insolvência (artigo 156.º/3 do CIRE).
Caso se entenda que o artigo 321.º do CC não é aplicável, ponderação da eventual
responsabilidade do administrador da insolvência nos termos do artigo 59.º do CIRE,
podendo tal omissão constituir fundamento para a destituição nos termos do artigo 56.º do
CIRE.
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DIREITO COMERCIAL I – TURMA B
23 DE FEVEREIRO DE 2022

(14 valores)
Abel, advogado, é também proprietário de uma mercearia sita no Chiado, onde
vende, entre outros bens, vinho, oriundo de uma quinta alentejana de Bento, um
engenheiro agrónomo que explora vários latifúndios.
De modo a potenciar as vendas da mercearia gourmet, Abel contratou com Carlos,
engenheiro informático, a elaboração de vários spots publicitários destinados a ser
divulgados na Internet, pelo preço de € 4.000,00.
Para além do vinho de Bento, Abel vende igualmente queijo produzido pela
Chaparro, Produtos regionais, Lda. De modo a comercializar tal queijo, foi celebrado,
em Novembro de 2008, um contrato nos termos do qual Abel se obriga a comercializar
os queijos num expositor aprovado pela Chaparro e do qual conste a respetiva
identificação e logotipo, bem como a adquirir um mínimo de 500 kg de queijo por ano.
Responda, fundamentadamente, às seguintes questões, identificando os problemas
relevantes:
i. Qualifique, em termos jurídico-privados, os sujeitos do caso (5 valores);
ii. Tendo em consideração que Abel, que é casado em comunhão de
adquiridos com Vitória, não pagou o vinho fornecido por Bento, suponha
que este aciona ambos para procederem ao pagamento. Quid juris? (2
valores)
iii. Como qualifica o contrato celebrado entre Abel e Carlos, bem como a
posição jurídica de Carlos? (3 valores)
iv. Suponha que a Chaparro, mau grado ter aumentado anualmente as
vendas em 40% em consequência das encomendas de Abel, que ainda tem
na mercearia 350 kg de queijo, decreta a resolução unilateral do contrato.
Quid juris? (4 valores)

Grupo II
(6 Valores)

Duarte, Ema e Filipa exploram há já quase 10 anos o conhecido “Café da


Liberdade”, na Av. da Liberdade.
Ao fim do dia afluíam ao referido café dezenas de pessoas só para saborearem o
batido de morango.
Ainda assim, após terem tudo planeado, decidiram vender o seu negócio a Gustavo e
Heitor.
Celebraram, por isso, um contrato de compra e venda no dia 1 de janeiro de 2016,
onde se podia ler o seguinte:

“Clausula 15 (objeto)

DURAÇÃO: 2 HORAS COTAÇÃO: 20 VALORES


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DIREITO COMERCIAL I – TURMA B
23 DE FEVEREIRO DE 2022

1. O Contrato de Compra e Venda inclui mobília, loiça e máquinas de


café.
2. É excluída do presente contrato a receita do batido de morango.”

Duarte, Ema e Filipa consultaram-no a si porque querem abrir um novo café nos
Restauradores, no qual contam vender apenas batidos, entre os quais o famosíssimo
batido de morango, agora com o nome “I’shake”.
Gustavo e Heitor souberam de tal intento e instauraram uma providência cautelar
com vista a impedir a construção do novo café dos restauradores.

Responda, justificadamente, às seguintes questões:

1. Qualifique e caracterize o contrato celebrado entre os vendedores Duarte, Ema e


Filipa e os compradores Gustavo e Heitor tendo em atenção o clausulado pelas partes (4
valores).
2. Em que sentido deve decidir o tribunal? (2 valores).

Tópicos de correção:

Grupo I:

i) A celebra compras de vinho, que, de acordo com o artigo 463/1.º do CCom, são comerciais, porquanto
adquire o vinho com o objetivo de o revender. Atento o facto de, à luz do art. 13.º, § 1.º, do CCom, A ter
(i) capacidade comercial (de notar que o facto de exercer uma profissão liberal não obsta à qualificação
como comerciante), (ii) fazer do comércio profissão e de exercer profissionalmente tal atividade, pode
concluir-se que A é comerciante. Seria valorizada uma referência à tendencial exclusividade da atividade
comercial para qualificar o seu autor como comerciante, como pretende alguma doutrina.
Quanto a B, caberia discutir se, à luz do art. 230.º, 2.º, do CCom estaríamos perante um ato de comércio
objetivo, atento o tratamento legal desqualificador-mercantil das atividades agrícolas (artigo 230.º § 1).
Seria valorizada a abordagem da interpretação atualista/restritiva do artigo 230.º § 1 (havendo exploração
“profissional” dos latifúndios, estaríamos perante uma empresa, com a consequente comercialidade do ato
em questão) vs. interpretação tradicional/enunciativa; no primeiro caso, B deveria considerar-se como
comerciante; no segundo, não.
C, se profissional liberal, poeria ser considerado comerciante por aplicação analógica do art. 230, 3.º
(prestação de serviços), na medida em que tal atividade respeite os requisitos da profissional idade (art.
13, 1.º);
A Chaparro pode ser considerada comerciante se se tratar de uma sociedade comercial (art. 13, 2.º); tem
tipo comercial (art. 200 do CSC), e, quanto ao objeto, não parece que possa reduzir-se à atividade
agrícola, antes intrigando compras de coisa móveis para revender depois de modificadas (art. 463, 1.º),
podendo mesmo integrar a atividade de fornecimento; concluindo-se pela comercialidade do objeto,
deveria concluir-se pela qualificação da sociedade como comercial (art. 1.º, 2, CSC) e, assim, como
comerciante (art. 13.º, 2.º)

DURAÇÃO: 2 HORAS COTAÇÃO: 20 VALORES


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ii). A é comerciante. Por conseguinte, presume-se que a dívida foi contraída em proveito comum do casal,
sendo a dívida da responsabilidade de ambos.
Referência ao regime do Decreto-Lei n.º 32/2003, cujo artigo 4.º/1 prevê o vencimento de juros de mora,
nos termos do disposto no CCom. Referência ao regime de vencimento do artigo 4.º/2.
Quanto à taxa de juro, tratava-se de um crédito de um comerciante (B), relativo à prática de um ato de
comércio objetivo.
Uma vez que A incumpriu a obrigação de pagamento do preço, cabe aferir da comunicabilidade da
dívida, nos termos do artigo 15.º do CCom e do artigo 1691.º/ 1 d) do CC.

ii) Qualificação do contrato celebrado entre A e B como contrato de prestação de serviços lato sensu (a
priori, seria um contrato de encomenda, previsto e regulado no CDADC).
Da parte de A, estaríamos perante um ato de comércio subjetivo, uma vez que diz respeito ao seu
comércio, não estando expressamente regulado no CCom (art. 2.º).
Da parte de C, à luz do artigo 230.º/5.º, estaríamos perante uma atividade comercialmente relevante. De
notar, no entanto, que a criação de páginas web não era (nem podia ser prevista pelo CCom, que data de
1888), pelo que caberia interpretar atualisticamente o preceito. Haveria, ainda, que atentar no artigo
230.º,§ 3: apenas relevaria a comercialidade, caso C praticasse esta atividade profissionalmente.

iii) Qualificação do contrato como franquia de distribuição, i.e., o contrato através do qual o franqueado
se limita a vender determinados produtos num estabelecimento com a insígnia do licenciante.
Referência à tipicidade social do contrato de franquia, pese embora a atipicidade legal.
Indicação dos elementos comuns ao contrato de franquia:
(i) Concessão de licença de marca e/ou direito de uso de sinais distintivos do comércio do
franqueador;
(ii) Transmissão de saber fazer (“know how”);
(iii) Prestação de assistência do franqueador ao franqueado;
(iv) Controlo da atividade do franqueado pelo franqueador;
(v) Prestações pecuniárias do franqueado para com o franqueador;
Referência à obrigação de compra mínima.
Referência ao regime da cessação do contrato de franquia.
Admitia-se, também, uma resposta que qualificasse o contato como de concessão comercial.

iv. Aplicabilidade por analogia das normas relativas à indemnização de clientela previstas no artigo 33.º,
número 1 do DL n.º 178/86. Por força deste preceito, o franquiado/concessionário tem direito, após a
cessação do contrato, a uma indemnização de clientela, desde que sejam preenchidos, cumulativamente,
os requisitos seguintes:
a. Tenha angariado novos clientes para a outra parte ou aumentado substancialmente o volume de
negócios com a clientela já existentes;
b. A outra parte venha a beneficiar consideravelmente, após a cessação do contrato, da atividade
desenvolvida pelo agente;

DURAÇÃO: 2 HORAS COTAÇÃO: 20 VALORES


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DIREITO COMERCIAL I – TURMA B
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c. O licenciado deixe de receber qualquer retribuição por contratos negociados ou concluídos, após
a cessação do contrato, com os clientes referidos na alínea a).
Adicionalmente, há que determinar a sorte dos bens e/ou produtos que esta tivesse em stock. Não será por
via do enriquecimento sem causa (artigo 474.º CC), pelo que deverá ser equacionada uma obrigação com
faculdade alternativa: o ex-franqueador/ex- concedente deve retomar os bens ao seu preço atual ou
permitir que o ex-franqueado/ex-concessionário possa utilizá-los, única e exclusivamente para escoar o
stock.

Grupo II

1. Identificação e caraterização geral do estabelecimento comercial. O âmbito mínimo do


estabelecimento comercial: discussão. No caso concreto: haveria ainda um estabelecimento comercial
atendendo à exclusão da receita? Discussão atendendo à centralidade do batido e da sua (previsível)
importância para a faturação do café. Qualificação do negócio projetado: um trespasse de estabelecimento
comercial, concretizado através de uma compra e venda. Em concreto: negócio unitário. O problema do
esvaziamento do estabelecimento comercial e da descaraterização do trespasse. O peso da receita e
discussão das consequências da sua exclusão. Eventual descaracterização do trespasse e demais
consequências de regime.

2. Breve caraterização da obrigação de não concorrência no direito comercial, em geral e nos


negócios sobre estabelecimento comercial em particular. A sua (discutida) existência e fundamentação.
Distinção entre obrigação implícita de não concorrência e obrigação convencional de não concorrência e
contratual e pós-contratual. Peso da receita e capacidade do batido de morango “angariar” clientela.
Segundo uma das teses em presença: conclusão pela procedência do pedido: proximidade temporal,
territorial e de objeto.

DURAÇÃO: 2 HORAS COTAÇÃO: 20 VALORES


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DIREITO COMERCIAL I
TÓPICOS DE CORREÇÃO

Regência: PROFESSOR DOUTOR LUÍS MENEZES LEITÃO


Exame de época de coincidências
25.01.2021 – Duração: 90 minutos

Adalberto trabalha há 10 anos com a Eletrodomésticos, S.A., promovendo a venda dos


frigoríficos desta e celebrando contratos com clientes, sempre se acompanhando dos produtos da
empresa, na área metropolitana de Lisboa. No dia 02.02.2020, Gustavo, administrador único da
Eletrodomésticos, S.A., decide cessar o contrato celebrado com Adalberto, comunicando-lhe
que teria 3 meses para devolver os frigoríficos que tinha em sua posse e que nada seria devido após
a cessação do contrato.

Perante esta comunicação, Adalberto decide abrir uma loja em Telheiras. Numa chamada Skype,
negoceia com o seu amigo Bernardo a compra da “Eletrodomésticos de Lisboa”. Como condições
para a venda do espaço, Bernardo propôs que os contratos com os trabalhadores do
estabelecimento e que os famosos micro-ondas 5000 não fossem transmitidos, o que Adalberto
prontamente aceita.

Bernardo envia, 20 dias depois, uma carta a Ernesto, seu senhorio, a informá-lo do contrato
celebrado com Adalberto. Ernesto, quando recebe a carta, liga de imediato a Bernardo e
relembra-o do disposto na cláusula 3.1. do contrato de arrendamento: “Fica expressamente
proibida a sublocação ou cedência a qualquer título do local arrendado, sem o consentimento
prévio e escrito do senhorio”. Afirma também que deveria ter sido avisado mais cedo.

Adalberto, nunca tendo antes gerido uma loja, não consegue pagar aos seus fornecedores, aos seus
trabalhadores, e à Administração Tributária.

Perante a ruinosa situação financeira, Adalberto vê-se obrigado a contrair um empréstimo com o
Banco BRP, S.A., no qual foi convencionado que em caso de atraso no pagamento dos montantes
devidos, seria aplicável a sobretaxa anual máxima de 5%.

1. São Adalberto, Gustavo e Eletrodomésticos, S.A. comerciantes? (3 valores)


Quanto a A, análise dos requisitos para qualificar A., agente, como comerciante nos termos do artigo 13.º
do C.Com.; nomeadamente, exigia-se a discussão sobre a existência da prática de atos objetivos de comércio
na aceção do artigo 2.º do C.Com., no âmbito de uma interpretação “atualista” do preceito, incluindo atos
fora do âmbito do C.Com. (v.g. RJCA).

Quanto a G, classificação do prévio como não comerciante, por virtude de não cumprir a exigência de
profissionalidade do artigo 13.º do CCom., visto que não exerce qualquer atividade em nome próprio, mas
em nome e em representação da Eletrodomésticos, S.A..

Quanto a Eletrodomésticos, S.A., classificação como comerciante, à luz do artigo 13.º, n.º 2 do CCom. e
1.º, n.º 2 do CSC.

2. Considerando as vicissitudes do contrato celebrado, assiste a Adalberto algum direito


contra Eletrodomésticos, S.A., após a celebração do contrato? Adicionalmente, poderia
posteriormente Adalberto exercer a atividade de venda de eletrodomésticos? (5 valores)
Identificação do contrato celebrado entre A e E como contrato de agência, enunciando as principais
caraterísticas da figura. Análise dos contornos específicos do contrato celebrado entre A e E, equacionando
se A se trata de um agente com representação (artigo 2.º do RJCA) e de um agente exclusivo (artigo 4.º do
RJCA), consoante a verificação dos requisitos dos mencionados artigos. A considerar-se que A se trata de
um agente exclusivo, ponderar a aplicação do artigo 16.º, n.º 2 do RJCA.
Qualificação da comunicação dirigida a A, como denúncia, com enunciação do regime aplicável (seria
exigível referir que se está perante um contrato celebrado sem termo). Análise do cumprimento dos requisitos
estabelecidos no artigo 28.º do RJCA. Seria valorizada a enunciação da crítica do Professor Pinto Monteiro
quanto à insuficiência do prazo de 3 meses do n.º 1, do artigo 28.º do RJCA, no âmbito de relações
contratuais duradouras.
Destacar a obrigação do agente de restituir todos os objetos prestados no âmbito do contrato – artigo 36.º
do RJCA.
No respeitante aos direitos que assistem a A, ponderação do eventual direito à comissão, por virtude dos
contratos celebrados após o termo da relação de agência, mediante prova produzida pelo agente, nos termos
do artigo 16.º, n. º3 do RJCA.
Ponderação do eventual direito à indemnização de clientela nos termos do artigo 33.º do RJCA, com
enunciação dos respetivos requisitos (considerando, em particular, a verificação ou não da alínea c) do mesmo
artigo, subordinado à existência ou não, de direito à comissão com base no artigo 16.º, n.º 3 do RJCA).
Seria valorizada a coerência neste ponto.
No respeitante à abertura da “Eletrodomésticos de Lisboa”, ponderação da eventual violação da obrigação
de não concorrência, por parte de A. Análise da verificação dos requisitos do artigo 9.º, n.º 1 do RJCA.
Referência à obrigação de segredo a observar por parte do agente (artigo 8.º do RJCA).

3. Analise o contrato celebrado entre Bernardo e Adalberto e pondere a pertinência das


afirmações de Ernesto perante o regime legal aplicável. (5 valores)
Identificação da temática relativa ao estabelecimento comercial e ao trespasse de estabelecimento comercial.
Enunciação e apreciação crítica do conceito de estabelecimento comercial e dos diversos elementos que o
compõe (em especial, aviamento e clientela). Referência às implicações da exclusão dos elementos do
estabelecimento para efeitos de descaracterização do negócio (artigo 1112.º, n.º 2 do CC): em particular, a
exclusão dos “famosos micro-ondas 5000” numa loja de eletrodomésticos. Referência à inobservância de
forma escrita, como disposto no artigo 1112.º, n.º 3 do Código Civil.
Enunciação da obrigatoriedade de comunicação da celebração do contrato de trespasse ao senhorio, no prazo
de 15 dias, a contar da celebração do contrato (artigo 1038.º, alínea g) do Código Civil), constituindo
fundamento de resolução do contrato de arrendamento o incumprimento do referido prazo. Seria valorizada
a observação, já realçada pela Doutrina, da incongruência entre o regime estabelecido no artigo 1109.º, n.º
2 do Código Civil (em que se estabelece o prazo de 30 dias de comunicação ao senhorio) e o regime aplicável
a trespasse.
Considerando a imperatividade do disposto no artigo 1112.º, n.º 1 do Código Civil, e a sua ratio, a cláusula
celebrada entre E e B, é nula, não sendo admissível fazer depender a realização de trespasse do consentimento
prévio do senhorio.

4. Um dos fornecedores de Adalberto, Carlos, pretende recuperar os montantes que


Adalberto lhe deve, iniciando um processo de insolvência, bem como resolver o contrato
celebrado entre Adalberto e o Banco BRP, S.A.. Pronuncie-se sobre as pretensões de
Carlos. (5 valores)
Quanto ao instauração de um processo de insolvência, análise da legitimidade passiva (art. 2.º, n.º 1, al.
a), do CIRE) e ativa (art. 20.º, n.º 1, alínea g), subalínea i), e, eventualmente, da alínea a), carecendo,
em todo o caso, C de demonstrar a sua qualidade de credor – 25.º, n.º 1, do CIRE).
Apreciação geral do critério da determinação da situação de insolvência nos termos do artigo 3.º, n.º 1 do
CIRE (cash-flow: critério da ausência de liquidez/financiamento para o cumprimento das obrigações
vencidas). Era inaplicável no caso o critério do balanço (balance sheet) do artigo 3.º n.ºs 2 e 3 do CIRE
na medida em que estamos perante a insolvência de uma pessoa singular. Seria de concluir pela possibilidade
de C iniciar um processo de insolvência.
Referência ao regime geral do artigo 18.º, n.º 1 do CIRE, com a circunscrição de tal obrigação às pessoas
referidas nos n.ºs 2 e 3. Em concreto, A era titular de uma empresa na aceção do artigo 5.º do CIRE e
por isso estaria abrangido por tal obrigação. Em todo o caso, nunca poderia ocorrer a qualificação da
insolvência como culposa dado que esta se aplica a pessoas coletivas (artigo 186.º n.º 2 e n.º 3 do CIRE).
Seria valorizada a enunciação do tema da graduação de créditos, em particular, a qualificação do crédito de
C como crédito comum (47.º, n.º 4, alínea c) e 176.º do CIRE), a ser graduado após os créditos dos
trabalhadores (crédito privilegiado, nos termos do artigo 333.º, n.º 1 do Código de Trabalho, do artigo
47.º, número 4, alínea a) e do artigo 175.º, ambos do CIRE) e após os créditos da Administração
Tributária (crédito privilegiado, nos termos do artigo 747.º, n.º 1, alínea a) do Código Civil, e dos artigos
47.º, número 4, alínea a) e 175.º do CIRE).
Adicionalmente, e quanto ao negócio celebrado entre o Banco BRP, S.A. e A, enunciação da temática dos
negócios prejudiciais à massa insolvente.
Em concreto, explanar o regime relativo à resolução em benefício da massa insolvente, com indicação dos
seus requisitos, entre eles, o elemento temporal, o prejuízo e a má-fé, com distinção entre a resolução
condicional (art. 120.º do CIRE) e a resolução incondicional (121.º do CIRE); neste caso, seria de
ponderar o cumprimento dos requisitos expostos no artigo 120.º do CIRE. Contudo, apenas o
administrador da insolvência e não os credores, in casu C, poderão exercer o mecanismo em causa (artigo
123.º do CIRE; seria valorizada a enunciação da posição contrária do Professor Gravato de Morais).

5. Qualifique o contrato celebrado entre Adalberto e o Banco BRP, S.A. e pronuncie-se


sobre a validade da cláusula que convencionaram. (2 valores)
Caraterização do mútuo bancário, com particular relevo para a distinção entre juros moratórios e juros
remuneratórios.
Enunciação da invalidade da cláusula convencionada, por incumprimento do disposto no artigo 8.º, n.º 1
do Decreto-Lei n.º 58/2013 de 8 de maio, não sendo permitida, em caso de mora do devedor e enquanto
a mesma se mantiver, a cobrança de juros moratórios, com uma sobretaxa anual superior a 3%,a acrescer
à taxa de juros remuneratórios aplicável à operação.
DIREITO COMERCIAL I
3.º Ano – Turma B - 2020/2021
Regência: Prof. Doutor Luís Menezes Leitão
Exame Escrito – Época de Recurso 9-abr.-2021
Duração: 120 minutos

GRUPO I
Verónica, herdeira de um vasto património, explorava um cabeleireiro na Rua Castilho desde
2010, sito numa loja arrendada a Filipe. Muitas eram as senhoras que peregrinavam para
arranjar o cabelo no cabeleireiro “V de Vaidade”. A afluência era tanta que Verónica contratou
um serviço de “finger foods” para as ditas senhoras que aguardavam pela sua vez.

Entretanto, Verónica não mais queria saber de cabelos, pelo que decidiu doar à sua prima
Maria o “V de Vaidade”, pois gostava muito da dita prima e, dizia, “o dinheiro não me faz falta!”.
Maria ficou radiante com a ideia, pois há muito que pretendia gerir o seu próprio negócio.
Filipe, por sua vez, achou muito estranho não lhe ter sido pedida autorização para a alienação
do cabeleireiro. Contudo, Filipe estava disposto a transigir caso Verónica e Maria
reconhecessem que Filipe teria direito a adquirir o cabeleireiro pelo valor de mercado.

Já Verónica, para se distrair, abriu, meses mais tarde e no quarteirão abaixo do cabeleireiro,
um pequeno café chamado “Brunchit”, onde aproveitou os contactos das empresas
fornecedoras das “finger foods”. As clientes do “V de Vaidades”, radiantes, passaram a ir
petiscar ao “Brunchit” antes de irem ao cabeleireiro.

Entretanto, Verónica cansou-se também do Brunchit. Afinal, dizia, “preciso de dar a volta ao
mundo para me descobrir”. Lá foi. Quando voltou começou a fazer esculturas verdadeiramente
surrealistas que muito agradaram a vários colecionadores de arte. Verónica organizava
exposições e os clientes multiplicavam-se tendo, por isso, sentido necessidade de contratar
uma secretária, um segurança para o armazém e ainda Goji, um jovem artista que se propôs
a promover os quadros, exposições e conferências que Verónica organizava.

Responda às seguintes questões:

1. Maria recebeu uma carta a solicitar o pagamento de 1.000,00 €, relativos às “finger


foods” dos 4 (quatro) últimos meses em que Verónica ainda estava à frente do
cabeleireiro, que não foram ainda pagas. Está Maria adstrita ao pagamento deste
montante ao fornecedor? Manteria a sua resposta se Verónica e Maria tivessem
acordado que Maria suportaria todas dívidas relativas aos últimos 4 (quatro) meses?
(4 valores)

Tópicos de Correção

a) Caracterização do estabelecimento comercial em causa.

b) Densificação do conceito de trespasse: o efeito translativo deu-se, in casu, a título


gratuito.

c) Na ausência de qualquer acordo entre trespassante e trespassário, vigora o regime


do art. 595.º CC, i.e., o trespassante só fica desonerado se o credor o declarar

1
expressamente; explicação de que está em causa a tutela do credor e que o regime
civil-geral se adequa à “lógica” comercial.

d) Havendo acordo, este é inoponível ao credor, donde Verónica teria de pagar.


Contudo, na medida em que o acordo vincula Verónica e Maria, Verónica poderia
exercer o direito de regresso sobre aqueles montantes relativamente a Maria.

e) Seria valorizada:

- Análise à doutrina relativa aos efeitos externos e internos do trespasse;

- Desenvolvimento da adequação deste regime ao trespasse de estabelecimento


comercial;

- Referência ao facto de que, caso assim não fosse, o estabelecimento comercial


valeria menos, porque as dívidas já vencidas seriam igualmente transferidas.

2. Analise crítica e desenvolvidamente as pretensões de Filipe (4 valores)

Tópicos de Correção

a) Identificação dos sujeitos: Filipe – Senhorio; Verónica – arrendatária.

b) Identificação do problema: (i) a ausência de pedido de autorização; (ii) o intento de


Filipe em adquirir o estabelecimento.

c) Quanto a (i): contextualização e densificação da não exigibilidade de autorização do


senhorio nos casos de trespasse de estabelecimento comercial [art. 1112.º, n.º 1 al. a)];
explicação das razões para este desvio ao regime geral; justificação de que se está
diante um estabelecimento comercial; existência de dever de comunicação (art.
1112.º, n.º 3 CC); discussão dos efeitos do incumprimento do dever de comunicação,
designadamente, análise crítica da possibilidade em torno da ineficácia do contrato
e ainda da possibilidade de resolução.

d) Quanto a (ii): o senhorio tem direito de preferência nos casos de venda ou dação em
cumprimento (art. 1112.º, n.º 4 CC); explicação desta opção do legislador; contudo,
o efeito translativo operou através de um contrato de doação, donde, não teria na
sua esfera qualquer direito de preferência, independentemente de alegar que pagava
o valor de mercado (é valorizada a discussão crítica desta solução normativa).

3. Considera Verónica – enquanto escultora de sucesso – comerciante? (4 valores)

Tópicos de Correção

a) Delimitação do âmbito de aplicação do CCom pelos atos de comércio (art. 1.º); a


distinção entre atos de comércio objetivos e subjetivos (art. 2.º); a delimitação do
conceito de comerciante à luz do art. 13.º CCom e a sua relevância sistemática.

b) A relevância do art. 230.º CCom e a querela doutrinária em seu torno (visão


objetivista e subjetivista).

2
c) Verónica seria artista, donde estaria excluída a sua qualificação como comerciante
com base na venda das esculturas por si produzidas (art. 230.º, n.º 5 e § 3.º, art. 464.º,
n.º 3 CCom).

d) Verónica aparenta ter um esquema organizativo com alguma complexidade


(contrata uma secretária, um segurança, um agente). Face a esta complexidade, seria
valorizada a discussão crítica sobre se Verónica pode ser qualificada como “pessoa
semelhante a comerciante” ou se estes factos convocam uma diferente interpretação
(atualista) do art. 230.º CCom.

4. Pode Verónica contratar outra pessoa para – simultaneamente – desempenhar as


mesmas funções que Goji? Assuma que o contrato entre Verónica e Goji era omisso
quanto a este ponto. (4 valores)

Tópicos de Correção

a) Descrição e identificação dos elementos caracterizadores do contrato de agência.

b) Identificação do principal (Verónica) e do agente (Goji).

c) Identificação do problema: no silêncio do contrato, tem o agente (Goji) direito a ser


o agente exclusivo daquele principal (Verónica)?

d) Densificação e análise crítica do art. 4.º RJA e da possibilidade de Verónica se poder


socorrer de outro agente.

e) É valorizada a referência à alteração legislativa havida em 1993 e a não reciprocidade


da exclusividade.

GRUPO II

Responda a duas, e apenas duas, das seguintes questões (2 valores cada):

1. Comente a seguinte afirmação: “a obrigação de juros remuneratórios só se vai


vencendo à medida em que o tempo a faz nascer pela disponibilidade de capital” (Ac.
STJ 25.03.2009).
Tópicos de Correção

a) Contextualização e compreensão dos seguintes elementos: mútuo e juros.


b) Enunciação da posição do STJ.
c) O mutuário que – por sua vontade – pretenda antecipar o pagamento (“pagar mais
cedo”), terá de devolver o capital em dívida acrescido dos juros vincendos, por força
do art. 1147.º CC.
d) O mutuante que – em face do incumprimento por parte do mutuário – pretenda exigir
o pagamento antecipado, apenas tem direito ao capital em dívida e aos juros vencidos.

3
e) Crítica e desenvolvimento da doutrina que propões, por exemplo, a redução
teleológica do art. 1147.º CC, atenta a natureza do creditante (maxime, um banco) e o
regime geral do art. 1147.º CC.

2. Distinga fundamentadamente entre contratos de distribuição e contratos de


organização.
Tópicos de Correção

a) Os contratos de organização, também ditos de colaboração entre empresas,


correspondem a mecanismo de colaboração comercial entre dois ou mais sujeitos,
marcados pela estabilidade e pela sua projeção no tempo;. Forma de prossecução de
objetivos comuns admitindo que o aport de cada sujeito é diferente. Exemplos:
associação em participação e consórcio: breve enquadramento destes dois tipos
contratuais.
b) Os contratos de distribuição como esquemas económicos de distribuição de bens que
medeiam, de forma integrada, o caminho entre produtor e o consumidor final. Caso
paradigmático e central da agência. É valorizada:

- A análise crítica da aplicação analógica do RJA a outros contratos (franquia e


concessão)

- A análise crítica da prática de enriquecer o contrato com vários elementos típicos dos
diferentes contratos de distribuição

3. Comente a seguinte afirmação: “Casos há em que é admissível a concessão de


indemnização de clientela ao franqueador”

Tópicos de Correção

a) Caracterização da franquia
b) Identificação de que se trata de um tipo social e não tipo legal
c) Argumentos doutrinários e jurisprudenciais para a aplicação analógica do RJA ao
contrato de Franquia
d) Densificação do conceito de Indemnização de clientela explicitando a sua (à partida)
inaptidão nos casos de franquia
e) Contudo: havendo uma atuação excecional, pode haver lugar a indemnização de
clientela. Desenvolvimento da posição de Pinto Monteiro

4. Distinga fundamentadamente abertura de crédito de mútuo bancário.

Tópicos de Correção

4
a) caracterização do mútuo bancários e seus principais elementos: disponibilização de
capital; prazo de vencimento; juros; mutuante é instituição financeira (maxime, banco)

b) Explicitação de funcionamento típico de mútuo bancário: disponibilização de


capital e pagamento faseado do capital e juros mediante “prestações”. A transferência
de capital opera ab initio

c) caracterização de abertura de crédito: banco disponibiliza crédito até certo limite


dentro de certo lapso temporal

d) Explicitação do funcionamento típico da abertura de crédito: o cliente utiliza o


capital aberto e ainda não disponibilizado á medida das suas necessidades

e) Diferenças fundamentais: (i) mútuo: forma escrita; abertura de crédito: liberdade


de forma; (ii) mútuo: disponibilização (tipicamente) imediata; abertura de crédito:
disponibilização à medida das solicitações do cliente (posição potestativa)

5
FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE LISBOA
DIREITO COMERCIAL I

REGÊNCIA: PROFESSOR DOUTOR LUÍS MENEZES LEITÃO


10.09.2021 – Duração: 120 m.

I
Em maio de 2019, A, proprietário da Pet Shop “LULU”, instalada, há vários anos, numa
loja arrendada no Bairro Alto, doou-a aos seus sobrinhos B e E, em partes iguais. A doação foi
celebrada por escrito, tendo ficado clausulado que no negócio não seriam incluídas as peças de
cerâmica “cães de loiça”, utilizadas para decoração da montra.
Em junho seguinte, B recebeu uma fatura de fornecimento de um lote de comida para
cães da sociedade Animais para sempre, Lda., que havia sido entregue antes da doação. B
considera que o produto em causa é de pouca qualidade e, assim, devolveu a fatura, alegando não
ser devedor da mesma.
Entretanto, B e E contrataram com D, tosquiador, a realização de um serviço de tosquia
na Pet Shop, uma vez por semana, pelo valor de 80 euros por sessão, ao mesmo tempo que
contrataram uma abertura de crédito, com um plafond de 50.000,00 €, com o Banco Verde Alface
S.A.
Pouco tempo depois, C, o proprietário do imóvel, tomou conhecimento da doação, tendo
remetido uma carta a B e a E na qual afirmava que, não tendo “[…] autorizado previamente a
transmissão do arrendamento, venho resolver o contrato com justa causa”.
Em dezembro de 2020, B e E zangaram-se, tendo o primeiro deixado de exercer atividade
na Pet Shop, a partir do que a E passou a pagar a C apenas metade da renda.
D continuou a fazer as tosquias até março de 2021, apesar de nada lhe ter sido pago desde
a zanga dos proprietários da Pet Shop, tendo instaurado ação judicial contra B para condenação
ao pagamento do valor em dívida; este contestou excecionando que só é responsável pelo
pagamento de metade da quantia exigida.
Até agosto de 2021, B e E haviam mobilizado, nos termos do contrato celebrado com o
banco, a quantia de 25.000,00 €.
O Banco Verde Alface S.A., ao tomar conhecimento de não estar a renda da Pet Shop a ser
integralmente paga há vários meses, requereu ontem a declaração de insolvência de B e E.

1. Qualifique, para efeitos jurídico-privados, B, D, E e a Animais para sempre, Lda. (3


valores)
B e E são os proprietários da “Pet Shop” desde a doação. Explorando-a, realizam compras
para revenda e venda de coisas móveis compradas com tal finalidade (art. 463, 1.º e 3.ºdo
CCom). O caso permite ainda identificar que os proprietários da “Pet Shop” realizarão
ainda, nessa qualidade, contratos de fornecimento (art. 230, 2.º do CCom), na qualidade
de fornecidos, o que releva para o setor doutrinal que reconduz o art. 230 do CCom a uma
particular categoria de atos de comércio. O caso permite ainda identificar a prestação de
serviços com intermediação especulativa, no que se refere às tosquias, que, para certo
sector doutrinal pode qualificar-se, analogicamente, como ato de comércio, por aplicação
do art. 230, 2.º.
B e E são, assim, de qualificar, como comerciantes, nos termos do art. 13.º, 1.º, na medida
em que realizam atos de comércio legalmente típicos (art. 2.º, 1; sem margem para
divergência doutrinal, pelo menos a compra para revenda e as respetivas vendas), por
profissão, i.e., com habitualidade e finalidade de ganho económico, ainda que o possam
desenvolver outras atividades profissionais (o que o caso não indica)
D é um prestador de serviços, que, pese embora o que já se referiu sobre o art. 230, 2.º,
tem a sua atividade desqualificada como comercial pelo art. 230, § 1.º (exercício
industrial direto).
A Animais para sempre, Lda. é uma sociedade com tipo comercial (sociedade por quotas;
arts. 1.º, 2, e 200, 1, do CSC. O caso permite admitir que a sociedade tem por objeto a
fabricação e fornecimento de alimentos para animais, o que permite qualificar o seu
objeto como comercial, senão (por razões doutrinárias) pelo art. 230, 1.º e 2.º, pelo menos
pelo art. 463, 1.º e 3.º. Em suma, a sociedade é comercial e, nos termos do art. 13.º, 2.º
do CCom., um comerciante.

2. Analise, fundamentadamente, a pretensão de B quanto à fatura da Animais para sempre,


Lda. (3 valores)
A análise de pretensão supõe a identificação da causa da obrigação, que reside num
contrato celebrado com A antes da doação da “Pet Shop”. O aluno deverá identificar a
“Pet Shop” como estabelecimento comercial, referindo a sua composição abstrata (coisas
corpóreas e incorpóreas na esfera patrimonial do seu titular afetas ao exercício do
comércio).
Os bens que compõem o estabelecimento foram objeto de um ato de disposição, por
conjunto, a doação. Pode discutir-se, à luz do art. 1112 do CC, 2, a), se a doação configura
trespasse, dada a exclusão dos elementos decorativos, admitindo-se, porém, que tal
exclusão não atinge o núcleo mínimo de bens do específico estabelecimento (Gravato
Morais), ao que acresce que a decoração de uma montra é, no plano da tipicidade social,
volátil, admitindo-se, portanto que há trespasse e que o mesmo resulta da doação (não
havendo razão material para excluir um negócio gratuito como veste do trespasse. O
negócio foi celebrado por escrito, o que garante o cumprimento do art. 1112, 4, do CC.
Havendo trespasse, a questão de saber quem é o responsável pelo cumprimento da
obrigação suscita a problemática doutrinária do âmbito da transmissão das situações
jurídicas inerentes à exploração, que o aluno deve enunciar. Para a doutrina das “situações
jurídicas exploracionais”, esta é-o sem dúvida e, portanto, a posição de devedor teria sido
transmitida a B e C por efeito do trespasse. Para a doutrina dos efeitos internos/externos,
o silêncio das partes, os trespassários não estariam vinculados perante o credor, a menos
que se verificasse assunção de dívida/cessão da posição contratual.
3. Analise, fundamentadamente, a pretensão de C (2,5 valores)
Não se sabe exatamente como foi que o senhorio tomou conhecimento da doação, o que
pode ter sucedido nos termos do art.112,3, do CC. Havendo trespasse (vd. questão
anterior), a transmissão do direito ao arrendamento, que segue a sorte do estabelecimento,
não depende de autorização do senhorio (art. 112, 1, a, do CC). Improcede, portanto, o
argumento da falta de autorização do senhorio como condição da licitude da transmissão,
e assim, a eventual invocação do art. 1083, 2, e), do CC (cessão ilícita). Seria valorizada
a problematização da obtenção da pretensão C através do eventual incumprimento da
obrigação de comunicação do trespasse ao senhorio, aludindo-se ás divergências
doutrinárias sobre o prazo e forma da comunicação
4. Analise, fundamentadamente, a defesa apresentada por B na ação que lhe foi movida (1,
5 valores)
D não tem razão. Os proprietários do estabelecimento, que são ambos partes no contrato
celebrado com D. O contrato (vd. Resposta à pergunta 1) terá de considera-se comercial,
senão por outro motivo, pelo menos nos termos da segunda parte do art. 2.º do CCom (ato
de comércio atípico ou subjetivo, por não se verificarem os requisitos da exclusão
qualificativa). A obrigação resultante para B e C é, pois, “ato de comércio” – todos os
contratos e obrigações -, sujeita, assim, ao regime da solidariedade dos devedores (arts.
99 e 100,proémio, ambos do CCom)
5. Analise, fundamentadamente, a pretensão do Banco Verde Alface S.A. (2 valores)
Enquadramento da pretensão do banco, genericamente, nos arts. arts. 1.º, 2.º, 3.º, bem
como referência específica ao art. 20, 1, g), iv), todos do CIRE.

II
B e C, amigos de longa data, celebraram entre si um contrato mediante o qual C se
obrigava a comprar a B, por ano, 10.000 unidades de um produto inovador que este produz, e a
revendê-lo em território português. O negócio ficou fechado durante o almoço, não tendo sido
reduzido a escrito. Durante a refeição, B entusiasmou-se e prometeu a C que ele seria o único
distribuidor do produto em Portugal. Acordaram ainda que o contrato vigoraria por cinco anos.
Nos três primeiros anos de vigência do contrato, C comprou sempre entre 11.000 a 15.000
unidades do produto, as quais revendeu com facilidade. Mas B convenceu-se de que o seu produto
poderia vender muito mais, mas que assim não sucedia porque C era preguiçoso. De modo que
decidiu contratar D como agente para o mesmo produto, podendo este promover negócios em
todo o território nacional.
Vindo a saber desta contratação, C decidiu resolver o contrato invocando a violação do pacto
de exclusividade. Depois de fazê-lo, remoeu sobre a hipótese de pedir uma indemnização de
clientela a B. Pensava em fazê-lo, mas depois hesitava, pois não lhe agradava a ideia de demandar
um velho amigo. Até que, quase 15 meses passados sobre a resolução, lá se decidiu propor ação
contra B.

1. Qualifique e caracterize o contrato celebrado entre B e C. (3 valores)


2. A resolução operada por C é lícita? (3 valores)
3. Tem o C direito a receber uma indemnização de clientela? (2 valores)

1. Qualifique e caracterize o contrato celebrado entre B e C:

• O negócio jurídico celebrado entre B e C é um contrato de concessão, uma vez que a


prestação a que C se obrigou – comprar a B o seu produto e revendê-lo – constitui a
característica essencial do contrato de concessão e é incompatível com o conteúdo
obrigacional de um contrato de agência, sendo ainda certo que os dados da hipótese não
indiciam a presença dos elementos característicos do contrato de franquia.
• O contrato de concessão é legalmente atípico; havendo, todavia, AA. que o consideram
socialmente típico.
• Sendo legalmente atípico, a validade do contrato de concessão não está condicionada pelo
cumprimento de um requisito de forma na celebração (v. artigo 219.º CC).
• Sendo legalmente atípico, o contrato de concessão não é um ato de comércio objetivo (v.
artigo 2.º, 1.ª parte, C.Com.). Todavia, atendendo a que a prestação principal típica do
contrato de concessão – compra para revenda – é um ato de comércio objetivo (artigo
463.º/1.º e 3.º CCom.), o concessionário, neste caso o C, se executar profissionalmente o
mencionado contrato, deve ser considerado comerciante (v. artigo 13.º/1 CCom.). Acresce
que os dados da hipótese indiciam que também B desempenha, a título profissional, uma
atividade objetivamente comercial (v. artigo 230.º/1.º CCom.). Sob este prisma, o contrato
de concessão pode ser considerado ato de comércio subjetivo (artigo 2.º, 2.ª parte, CCom.).

2. A resolução operada por C é lícita?

• A resolução será lícita se foi fundada em justa causa, ou seja, se C incumpriu uma obrigação
a que estava adstrito e se as características desse incumprimento tornam inexigível a
subsistência do vínculo na perspetiva do contraente adimplente.
• No caso em apreço, é debatível se a contratação de um agente corresponde ao
incumprimento de uma obrigação a que B se encontrava adstrito. Com efeito:

o Muito embora a validade do contrato de concessão não esteja sujeita à adoção de forma
escrita, alguma jurisprudência e doutrina considera que, tal como sucede no âmbito do
contrato de agência (v. artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 178/86 de 3 de julho – adiante RJCA),
a aquisição de exclusividade depende de acordo escrito entre as partes. No caso em
apreço, não foi celebrado qualquer acordo escrito entre as partes;
o Admitindo a validade, no caso em apreço, do acordo não escrito por meio do qual B
concedeu exclusividade a C, haveria ainda que discutir se a mesma se circunscreve à
figura do concessionário, ou se abrange toda a distribuição, independentemente da forma
jurídica que assuma. A hipótese aponta para esta segunda solução, designadamente no
trecho seguinte: "(…)B entusiasmou-se e prometeu a C que ele seria o único distribuidor
do produto em Portugal."

• Caso se entendesse que a conduta de B é qualificável como incumprimento do contrato,


haveria ainda que discutir se o mesmo encerrava uma gravidade que tornaria, na perspetiva
de B, insustentável a manutenção do vínculo contratual. Em casos como o da hipótese,
supondo que a extensão do investimento que o concessionário realiza na preparação e
execução da sua atividade pode ser avultada em consequência da exclusividade concedida,
a violação deste direito encerra gravidade suficiente para justificar a resolução. Com efeito,
com a sua conduta, B estaria a impedir ou a dificultar a C a obtenção de proveitos
resultantes da execução do contrato de concessão.

3. Tem o C direito a receber uma indemnização de clientela?

• Como questão prévia, seria necessário discutir se o disposto no artigo 33.º do RJCA é
aplicável ao contrato de concessão. A maioria da jurisprudência e da doutrina responde
positivamente a esta questão.
• Supondo que a tese deve ser seguida, o direito à indemnização de clientela estaria
dependente de a resolução do contrato ter sido considerada lícita. Caso contrário, seria de
aplicar a exclusão prevista no artigo 33.º/3 RJCA.
• Finalmente, atendendo a que, entre a cessação do contrato de agência e a propositura da
ação de indemnização de clientela mediou um período de quase 15 meses, e que a hipótese
não revela que B tivesse, anteriormente, comunicado a C a sua pretensão compensatória,
seria de considerar que o direito à indemnização de clientela que, hipoteticamente, assistia
a B havia caducado (v. artigo 33.º/4 RJCA).
• Referência ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 6/2019, que versa sobre o direito
à indemnização de clientela por parte do concessionário, após a cessação do contrato de
concessão comercial.
Direito Comercial I – Turma A
Época de Recurso – 13.02.2020 (120 min.)
Regência: Prof. Luís Menezes Leitão
Critérios de Correção

Anabela é uma empresária caída em desgraçada que tem um imenso stock de vinhos que
pretende escoar. Como forma de contornar o problema, decide contratar Bártolo, acordando
as partes que este iria proceder à venda dos vinhos em stock sem menção ou alusão ao
verdadeiro “vendedor” e com a obrigação deste lhe retransmitir os contratos celebrados e de
garantir que os clientes iriam pagar efetivamente o preço.

Como o negócio corria inicialmente bem, Anabela celebra com o Banco dos Vinhateiros um
contrato de mútuo, tendo, para o efeito, solicitado que a sua tia, Carolina, dirigisse uma
missiva ao Banco dos Vinhateiros com o seguinte teor: “A minha sobrinha Anabela é
abastada e, além disso, eu «meto as minhas mãos no fogo» pelo cumprimento desse contrato”.

Daniel adquiriu 1000 garrafas de Dom Pérignon para revender na sua loja do Saldanha, não
tendo procedido a qualquer assento nos seus livros. Anabela, a quem a posição contratual
havia sido cedida por Bártolo, pretende agora exigir o pagamento da dívida (bem como as
demais compensações a que tem direito) diretamente de Daniel.

Na sequência de uma grande crise económica que se veio a instalar, Anabela incumpre as
prestações ao Banco dos Vinhateiros que exige, como garantia, em dezembro de 2019, a
casa de Anabela, tendo esta procedido em conformidade.

Contudo, Anabela vê a sua situação patrimonial deteriorar-se, tendo já dívidas às finanças, e


resolve abandonar o país e fugir para parte incerta. Ermelinda, que lhe havia fornecido várias
embalagens personalizadas para os vinhos que comercializava e que nunca chegara a receber
o preço, resolve requerer a declaração de insolvência de Anabela, a qual vem a ser decretada
em fevereiro de 2020.

Filipe, nomeado administrador da insolvência, procede, no dia seguinte à sua nomeação, à


venda de todo o stock de vinhos que encontrou, ao seu melhor amigo, Gonçalo, com o objetivo
de os recomprar após o termo do processo.

Responda de forma sucinta, mas fundamentada, às seguintes questões:


1. Qualifique o contrato celebrado entre Anabela e Bártolo, distinguindo-o de
figuras contratuais próximas e apreciando as estipulações contratuais
acordadas (3 valores)
Qualificação do contrato como de comissão – artigos 266.º e seguintes do
C.Com., com desenvolvimento dos seus elementos constitutivos e típicos.
Alusão à existência de convenção del credere e suas consequências – artigo
269, §2 do C. Com.
Distinção da comissão de figuras contratuais próximas como o mandato
comercial, a agência e mediação.
2. Como qualifica a missiva remetida por Carolina e quais as consequências legais
a extrair dela? (3 valores)
Qualificação da referida missiva como carta de conforto e explicação da sua
origem e fundamento, em especial no âmbito do direito bancário.
Distinção (doutrinária) de cartas de conforto fracas, médias e fortes.
Em especial, indicação da natureza da carta de conforto em presença e, tendo
concluído tratar-se de uma fiança, análise das diferenças entre o regime
mercantil da fiança (artigo 101.º do C. Com) e o regime civil (artigos 627.º e
seguintes e, em particular, artigos 637.º, 638.º e 642.º do CC).
3. Bártolo defende que nada deve a Anabela por não ter qualquer inscrição nos
seus livros a respeito da transação em causa. Tem razão? Analise, igualmente,
a pretensão de Anabela quanto ao pagamento da dívida e demais
compensações a que terá direito (3 valores)
Referência e explicitação do regime probatório dos livros de escrituração
mercantil, em particular o regime do n.º 2 e § único do artigo 44.º do C.Com.
Qualificação da obrigação como mercantil e verificação, fundamentada, da
aplicação do regime jurídico dos atrasos no pagamento de transações
comerciais (DL. n.º 62/2013, de 10.05), em especial a compensação imediata
pelos custos de recuperação de crédito (art. 7.º) e juros comerciais (art. 4.º e
9.º + art. 100.º, §5, do C.Com., alíneas a) e b) do artigo 1.º da Portaria n.º
277/2013, de 26.08 e Aviso da Direção-Geral do Tesouro e Finanças, de
02.01.2020, que fixa a taxa de juro de mora comercial em 8%).
4. Existia fundamento para a declaração de insolvência de Anabela? (2 valores)
Análise da legitimidade passiva (art. 2.º, n.º 1, al. a), do CIRE); análise da
legitimidade ativa (art. 20.º, n.º 1, als. c), g), subalínea i), e, eventualmente,
da alínea a), carecendo, em todo o caso, Ermelinda de demonstrar a sua
qualidade de credora – 25.º, n.º 1, do CIRE).
Apreciação geral do critério da determinação da situação de insolvência nos
termos do artigo 3.º, n.º 1 (cash-flow) e n.ºs 2 e 3 (balance sheet), com
explicação da predominância do primeiro critério.
5. Filipe poderia ter atuado da forma descrita? (3 valores)
Explicitação das funções do administrador da insolvência, designadamente as
referidas nos artigos 55.º, 81.º, 149.º-155.º, todos do CIRE.
Densificação das funções do administrador da insolvência no contexto da
liquidação do ativo do devedor e, em particular, do regime da venda antecipada
prevista nos n.ºs 2 a 5 do artigo 158.º do CIRE.
Em concreto não parecessem verificar-se os critérios, nem os procedimentos,
para a venda antecipada de bens, o que gerará responsabilidade do
administrador da insolvência, nos termos do artigo 59.º, com possibilidade da
sua destituição com justa causa, nos termos do artigo 56.º, ambos do CIRE.
6. Filipe, quando elabora a lista de credores reconhecidos e não reconhecidos, não
menciona qualquer crédito de Ermelinda. Indique o eventual meio de reação de
Ermelinda, procedendo à qualificação do respetivo crédito (3 valores)
Enunciação das funções da lista de credores reconhecidos e não reconhecidos
(art. 129.º do CIRE), sua relação com a sentença de verificação e graduação de
créditos (art. 140.º do CIRE) e caráter preclusivo da ausência de reclamação
(ou verificação ulterior de créditos) resultante, entre outros, dos artigos 128.º,
n.º 5, e 173.º, ambos do CIRE.
Referência ao regime da reclamação de créditos – art. 128.º e ao dever do
administrador da insolvência proceder ao reconhecimento não apenas dos
créditos reclamados mas, igualmente, dos constantes da contabilidade do
devedor (que igualmente poderão resultar da lista do art. 24.º, n.º 1, al. a),
junta pelo devedor, mesmo nos casos em que a insolvência não tenha sido por
si requerida – art. 29.º, n.º 2 e 36.º, n.º 1, al. f), ambos do CIRE), ou que de
outro modo tenha conhecimento (in casu, Ermelinda era a requerente no
processo, tendo, obrigatoriamente o seu crédito de ser apreciado na sentença
de declaração de insolvência (art. 25.º), pelo que o administrador não poderia
ter ignorado a sua existência, tudo nos termos do art. 129.º, n.º 1, do CIRE.
Desta forma, poderia Ermelinda ter impugnado a lista de credores reconhecidos
e não reconhecidos, por não inclusão do seu crédito, com base no art. 130.º do
CIRE, nos prazos aí mencionados.
Caso tivesse deixado passar o prazo em questão, poderia colocar-se o recurso
à ação de verificação ulterior de créditos nos termos dos arts. 146.º a 148.º do
CIRE.
A respeito da graduação do crédito de Ermelinda, referência à qualidade de
requerente da declaração de insolvência, com atribuição do privilégio
mobiliário geral constante do art. 98.º do CIRE e referência ao regime e
consequências de tal graduação – 47.º, n.º 4.º, al. a), 175.º, ambos do CIRE.

7. Ermelinda, ao ter conhecimento da garantia prestada a favor do Banco dos


Vinhateiros, pretende impugná-la por considerar que esta coloca em causa a
satisfação de todos os credores. Poderá fazê-lo? Em caso de resposta
afirmativa, indique o meio respetivo (3 valores)
Enunciação da temática dos negócios prejudiciais à massa insolvente.
No contexto em apreço cumprirá distinguir:
(i) Resolução em benefício da massa insolvente, com indicação dos seus
requisitos, entre eles, o elemento temporal, o prejuízo e a má-fé, com
distinção entre a resolução condicional (art. 120.º) e a resolução
incondicional (121.º); neste caso, atento o lapso decorrido entre a
constituição da garantia e o momento da declaração de insolvência
parece poder aplicar-se o artigo 121.º, n.º 1, al. c). Contudo, neste caso,
apenas o administrador da insolvência e não os credores poderão
exercer o mecanismo em causa (art. 123.º - devendo ser enunciada a
posição contrária do Prof. Gravato de Morais).
(ii) Impugnação pauliana – mecanismo geral da tutela de garantia
patrimonial dos artigos 610.º e ss. do CC; o mecanismo em causa pode
ser exercido por qualquer credor, mas não pelo administrador da
insolvência. Ponderação e enunciação da articulação entre a resolução
em benefício da massa insolvente e a impugnação pauliana nos termos
do art. 127.º do CIRE.
Direito Comercial I
3.º Ano – Turma A - 2020/2021
Regência: Prof. Doutor Luís Menezes Leitão
Exame de Época Especial 8 de setembro de 2020
Duração: 120 minutos
Grupo I (16 valores)

Em 1-jan.2016 André celebrou um contrato com Beatriz nos termos do qual aquele ficava adstrito
a divulgar e entregar amostras do vinho verde produzido por Beatriz. O contrato fora celebrado
sem prazo e André apenas podia efetuar as atividades de promoção na zona de Setúbal. Mais se
previa que André ficava adstrito a comprar a Beatriz 100 caixas de trufas ao ano; trufas essas que
deveria revender aos clientes que contactasse. Todavia, cedo se incompatibilizaram.
Assim, em 1-jan.-2019 André decidiu denunciar o contrato – com efeitos imediatos – que havia
celebrado com Beatriz, após o que começou o seu próprio negócio de vinho e trufas. Assim,
volvidos 4 meses, veio a abrir uma loja na grande Lisboa num espaço arrendado a Sara.
Contudo, cedo se fartou. Assim, em 1-ago.-2018 decidiu doar a loja a Joana, benemérita, por esta
ter sido sua fiadora aquando da contratação de um crédito à habitação. Todavia, acordaram excluir
os stocks, as marcas registadas, os adereços das provas de vinho e ainda o balcão principal. O
funcionário – o Sr. Evaristo – esse, continuaria afeto à loja. Sara – a proprietária do locado –
apenas foi notificada em 25-ago.-2018 por carta registada.
Entretanto, Joana desafiou André a embarcar num novo negócio: mobília vintage. Foi, então,
constituída a sociedade comercial vintage vinte e um, Lda (“Sociedade”) da qual André era sócio
mas não gerente1. Tendo em vista garantir o cumprimento das obrigações com o fornecedor
Móveis Velhos, Lda., a Sociedade solicitou ao Banco Ocixot, S.A. (“Banco”) a emissão por este
de uma garantia bancária autónoma no valor de € 350.000,00. O Banco apenas o fez porque Joana
remeteu uma carta ao Banco na qual referia: “Apesar da vinte e um, Lda. ser nova no mercado os sócios
estão empenhados na sua atividade e tudo farão para garantir que cumpra as suas obrigações”.

1. Pronuncie-se justificadamente quanto à natureza do contrato celebrado entre André e


Beatriz e sua cessação. (5 valores)
Tópicos de correção
a) Identificação do núcleo contratual: agência. Caracterização dos traços identificadores do contrato de agência
(art. 1.º LCA); referência a ausência de prazo; circunscrição territorial;
b) Contudo: o contrato fora enriquecido com um elemento adicional: compra para a revenda por conta e em nome
do próprio André o que aproximava este contrato da concessão – enunciação das características gerais desta
modalidade contratual. Consequências da aplicação do regime, tout court, da LCA.
c) Densificação do conceito de contratos mistos, modalidade e regime aplicável. Em concreto: tomar em
consideração a aplicação dos prazos mencionados no artigo 28.º da LCA, com enunciação das teses que defendem
que tais prazos poderão ser majorados atendendo ás características do caso concreto (o que teria aqui especial
relevância por não se tratar de um contrato de agência em sentido puro).

1 André não era gerente, i.e. não exercia as funções de gestão e representação da sociedade em causa.
d) A denúncia era a priori possível pois que o contrato em causa era um contrato celebrado por tempo
indeterminado. Contudo, teria “efeitos imediatos”.
e) Enunciação da discussão a respeito do destino final dos stocks aquando da cessação do contrato e enunciação
das diversas posições sobre a questão.
- Seria valorizada a análise da problemática relativa à exclusão da indemnização de clientela em caso de denúncia
do contrato de agência em face da interpretação do segmento “causa imputável” ao agente – artigo 33.º, n.º 3, da
LCA – com referência às posições que defendem a inaplicabilidade de tal exclusão atendendo à natureza da
indemnização de clientela.
- Seria valorizada a ponderação do desenvolvimento de atividade concorrente com a anteriormente exercida por
André após a cessação do contrato, com enunciação da inexistência de obrigação de não concorrência, exceto se
acordada entre as partes (artigo 9.º da LCA), salientando o dever de segredo que não carece de acordo entre as
partes (8.º da LCA), discutindo, nomeadamente, as questões atinentes aos contactos dos clientes angariados no
âmbito do contrato de agência.
- Seria valorizada a distinção entre união de contratos e contratos mistos.

2. Pronuncie-se quanto ao contrato celebrado entre André e Joana e, bem assim, quanto
à tutela da posição de Sara. (5 valores)
Tópicos de correção
a) Caracterização, ante os dados do caso, da existência de um estabelecimento comercial, com enunciação dos
seus diversos elementos.
b) Em causa estava um contrato de doação em que operava o efeito translativo da titularidade do direito de
propriedade.
c) Estava em causa um trespasse de estabelecimento comercial?
Enunciação dos designados âmbitos de transmissão do estabelecimento e a necessária de caracterização do
trespasse como negócio translativo unitário.
Discussão se a exclusão dos elementos provocava uma descaracterização do estabelecimento comercial, i.e. se
aquilo que foi doado ainda era um estabelecimento comercial, nomeadamente com ponderação respeitante ao
designado âmbito mínimo do estabelecimento comercial e a necessária referência ao aviamento do estabelecimento.
Referência aos diversos âmbitos do estabelecimento comercial – com destaque para o âmbito mínimo.
d) Caso se entenda que estava a ser transmitido um estabelecimento comercial: não haveria necessidade de
consentimento (art. 1112.º, n.º 1 CC).
d) Caso não se estivesse perante a transmissão de um estabelecimento comercial haveria lugar a transmissão
individualizada dos bens que eventualmente restassem da dita loja. Donde, a alteração da posição de
arrendatário carece de autorização, nos termos gerais (v.g., artigo 424.º e 1059.º, n.º 2, ambos do Código Civil)
– consequências da ausência de acordo.

3. Como a Móveis Velhos, Lda. precisava de liquidez urgente, procedeu, ainda antes do
vencimento dos seus créditos, ao acionamento da garantia bancária. O Banco pagou o
valor integral da garantia e vem agora pedir a Joana o pagamento de EUR 350.000,00
por entender que Joana deve ser considerada fiadora da Sociedade.
Joana está furiosa porque nunca pretendeu assumir qualquer obrigação da Sociedade e,
por outro lado, entende que o Banco deveria ter recusado o pagamento porque, em
reunião tida na véspera, Joana tinha referido que a Sociedade não tinha quaisquer
créditos vencidos. Quid juris? (4 valores)
Tópicos de correção
a) Identificação dos carateres fundamentais das garantias bancárias e inclusão das garantias bancárias
autónomas no seu núcleo;
b) Características fundamentais da garantia bancária autónoma, nomeadamente quanto à possibilidade e
fundamentos de recusa de pagamento da obrigação
c) Integração da missiva remetida por Joana no regime das cartas de conforto, com explicitação do respetivo
regime e enquadramento numa das diversas modalidades de carta de conforto
d) Análise do regime da responsabilidade do emitente de carta de conforto e recondução ao regime comercial

4. Considera André um comerciante? Atenda – apenas – ao momento em que este era


sócio da Sociedade. (2 valores)

Tópicos de correção
a) Art. 13.º do CCom: enunciação dos elementos necessários para a qualificação de André como comerciante e análise
quanto à titularidade participações sociais configurar um exercício profissional do comércio.
b) Comerciante seria a sociedade. Sem mais dados, teria de se concluir que não seria comerciante. A mera titularidade
de participações sociais numa sociedade não permite a conclusão quanto a natureza comercial do sujeito, atenda a
insusceptibilidade de demonstração de que faz do comércio profissão – destaque para o facto de que, quem pratica os
potenciais atos de comércio é a pessoa coletiva e não o sócio.
Grupo II (4 valores)

Comente, critica e fundamentadamente, uma e apenas uma das seguintes afirmações:

5. «Por virtude da declaração de insolvência, passa a ser plenamente aplicável o princípio


da paridade dos credores (par conditio creditorum), caducando as garantias incompatíveis
com esse princípio».
- desenvolvimento do princípio da paridade dos credores e sua relevância no contexto da insolvência, com
referências necessárias, nomeadamente, aos artigos 604.º do CC e 194.º do CIRE.
- referência aos efeitos da declaração de insolvência, designadamente os contidos nos artigos 81.º, 86.º,
90.º, 91.º e 97.º do CIRE e sua relação com o princípio em causa;
- explicitação da articulação do regime enunciado no artigo 604.º, n.º 1, do CC com o n.º 2 do mesmo
preceito legal e respetivo impacto na configuração do princípio
- reconhecimento das manifestações contidas na frase em análise, em particular à luz dos artigos 97.º e
120.º 1 121.º, alíneas c), d) e e) do CIRE.

6. «Materialmente, o chefe de consórcio é um agente com poderes de representação dos


demais elementos do consórcio».

- enquadramento do regime jurídico e dogmático do consórcio no contexto do Direito Comercial;


- distinção entre consórcio interno e consórcio externo e seus reflexos em matéria de regime aplicável;
- explicitação do conceito e do regime aplicável aos agentes e comparação com o regime e funções do chefe
de consórcio, em particular no contexto dos poderes de representação que lhe podem ser conferidos (art.
14.º do DL. 231/81, de 28 de julho), interesses visados e regime de responsabilidade aplicável

7. «A ‘aparência’ é merecedora, no Direito Comercial, de uma tutela menos significativa


do que aquela se verifica no Direito Civil.»

- enunciação da temática a aparência e sua relação com o princípio da tutela da confiança e da primazia
da materialidade subjacente;
- requisitos da tutela da confiança baseada em aparência e respetivos referenciais jurídicos e dogmáticos;
- enunciação da proteção conferida à aparência pelo Direito Civil e pelo Direito Comercial
- exemplificação e desenvolvimento, nomeadamente, do regime previsto nos artigos 22.º e 23.º do RJCA
(DL 178/86, de 3 de julho) e seus reflexos ao nível do Direito Comercial e sua eventual extensão ao
Direito Civil (posições contrárias e favoráveis a tal extensão).

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