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Um dos fatores que põe em causa a tese de que foi o mesmo autor a compor os dois
poemas homéricos são as várias diferenças que se encontram quando se comparam as duas
obras diretamente. Não se pode, no entanto, deixar de se considerar as semelhanças que
também é possível encontrar entre os dois épicos. Estudiosos acreditam que o que os dois
poemas se distanciam no tempo em algumas décadas sendo daí que surge a teoria de que
Homero compusera a Ilíada na juventude e a Odisseia na velhice.
Semelhanças
Linguagem:
o Repetição de fórmulas e versos, epítetos, símiles;
O mesmo plano de fundo - a Guerra de Tróia:
o Sendo que, em termos temporais, a Odisseia segue a linha temática da Ilíada;
Ambiente e atmosfera;
Conceitos éticos que se mantêm:
o Mesmos costumes;
o Normas de convívio social;
o Respeito pelos suplicantes e hóspedes;
Fundo arqueológico e linguístico parecido;
Processos literários idênticos:
o Por exemplo, de maneira quase visual, descrever as mais simples ações;
Diferenças (resumido)
Mundividência
Teologia
Axiologia
Técnica narrativa
Qualidades poéticas
Mundividência
O Odisseia apresenta um herói muito mais próximo da realidade humana do que Aquiles,
ou seja, menos frio. Existe, também uma maior atenção a personagens secundárias. Isto
evidencia-se no papel mais vincado da mulher e dos escravos na ação em relação à Ilíada
A relação com os animais também difere nas duas obras sendo estes muito mais violentos
na Ilíada e na Odisseia mais dóceis. Os cavalos, no entanto, já são um animal companheiro
do homem na Ilíada (sendo que os corcéis até choram a morte de Pátroclo). A grande
novidade da Odisseia é o cão também ser um companheiro do homem.
Teologia
A narrativa da Odisseia é inspirada em passagens semíticas como o Épico de Gilgamesh
sendo que isso remete muito mais a ação para o homem do que para os deuses. Os deuses
são os mesmos que na Ilíada, mas o conceito de divindade depurou-se sendo que estes são
mais afastados do humano. Uma grande diferença entre as duas obras é que na Odisseia,
os deuses não participam na intriga e são muito mais distantes da ação com a exceção de
Atena e de Poséidon em algumas ocasiões.
Na Odisseia estamos perante um poema onde os seres humanos não estão tão
determinados pela vontade dos deuses e têm mais liberdade de ação do que na Ilíada,
onde eram quase marionetes dos deuses (chegando algumas figuras a ser isso mesmo).
Existe também uma diferença de culturas quanto à conduta heróica que é importante
destacar. Ou seja, o conceito de excelência diverge nas 2 obras:
Cultura da vergonha (Ilíada)
Neste épico os heróis querem a glória, mesmo que isso implique a morte. O contrário da
glória é "aidos" (vergonha) e é uma grande desonra para o herói. Nesta lógica, o herói tem
de se sobressair sendo a morte, o menor dos males. Para o entender da mentalidade
guerreira da Ilíada, morrer jovem na guerra é "uma coroa de glória".
Cultura da culpa (Odisseia)
O paradigma do herói muda radicalmente em relação à Ilíada. Este já não busca a glória e a
excelência no campo de batalha. Já não são punidos com a vergonha, mas são punidos, por
uma culpa que carregam. O herói é culpado de algo e, por isso, é punido:
No canto I, Zeus afirma que embora os homens imputem aos deuses, os males que
lhes sucedem, os próprios homens é que são os culpados com os seus desvarios.
Isto é um grande contraste com a conduta dos deuses na Ilíada;
A justiça na Odisseia pode equivaler ao temor dos deuses - no canto XIX, quando
Ulisses fala com Penélope do bom Governo, dá-lhe como condição o temor dos
deuses e a obediência ao direito;
Axiologia
A cultura da culpa e da vergonha também está também ligada à axiologia, uma vez que esta
discrepância quanto ao conceito de excelência sugere o aparecimento de novos valores.
Apesar de existirem valores comuns às duas obras: como a hospitalidade, o valor da súplica
e o respeito pelos mais velhos surgem também novos valores na Odisseia:
Hospitalidade;
Condição humana (neste tópico, o eixo de aproximação é diferente, apostando a
Ilíada na procura da glória pelo combate e a Odisseia valorizando a resiliência e o
espírito ardiloso);
Poder e justiça;
Amor, explorando-o dos seus vários ângulos (erótico, afetivo, filial, entre
companheiros);
Morte e imortalidade;
Violência;
Religião e a importância dos deuses:
o Estes deuses moldaram a religião helénica e são deuses antropomórficos, ou
seja, à imagem do Homem (são apenas maiores, mais bonitos e imortais,
mas têm emoções humanas, sendo de certo modo mais cáusticos e intensos
que os próprios humanos na Ilíada);
Breve comparação entre a Ilíada e a Odisseia: uma evolução moral