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A Filoso a de Immanuel Kant - PARTE 3

A CRÍTICA DA RAZÃO PRÁTICA

Uma vez que Kant demonstrou a impossibilidade do conhecimento metafísico pela via da razão
teórica, ele agora investiga se há uma outra maneira de se alcançar tal conhecimento, isto é, de
conhecer as coisas tais quais elas são. Nossa personalidade humana não consta somente da atividade
de conhecer. Mais ainda: a atividade de conhecer, o esforço para situar-nos diante das coisas para
conhecê-las, é somente uma de tantas atividades que o homem exerce. O homem vive, trabalha,
produz: o homem faz comércio com outros homens, edi ca casas, estabelece instituições morais,
políticas e religiosas; por conseguinte, o vasto campo da atividade humana ultrapassa de longe a
simples atividade do conhecimento. O ponto onde a metafísica é de fato possível é, segundo
Kant, na lei moral.

1. A lei moral é Imperativo Categórico

O ponto básico da Crítica da Razão Prática é que Kant diz que a lei moral é evidente para os
homens. Por lei moral ele entende aqueles princípios práticos que são comuns a todos os homens,
independentes da cultura, e que ditam as ações da vontade. Ex.: faça o bem e não o mal; cuida de
tua saúde etc. Tais princípios práticos são chamados de imperativos categóricos; imperativos
porque são deveres e categóricos porque não são hipotéticos (ex.: se quiser passar no vestibular é
preciso estudar), mas necessários (ex.: deves, necessariamente, dizer a verdade).

Quando a pessoa percebe a lei moral, ela percebe necessariamente que é livre, pois essa lei é
diferente das "leis" da natureza. É lei moral justamente porque pode ser obedecida ou desobedecida.
As leis da natureza não podem ser contrariadas (ex.: lei da ação e reação ou a lei de Lavoisier), mas
as leis morais podem. É por isso que a liberdade é o fundamento da lei moral.

Essa lei moral é, segundo Kant, evidente para todos os homens e não vem pelos sentidos. Isso
signi ca, por incrível que pareça, que ela não veio pelos objetos sensíveis e não foi moldada pelo
espaço e tempo, ou seja, isso é aquilo que Kant chama de noumeno. Assim, a razão prática
(intelecto prático) é muito mais poderosa que a razão especulativa (intelecto especulativo).

Mas Kant não está dizendo a verdade.

Santo Agostinho, no De Trinitate, já falava do trabalho da inteligência com os conceitos e de como


inteligência não vê a as coisas de maneira direta e sem intermediários, como é o caso da inteligência
angélica ou da visão beatí ca, mas há um trabalho do imaginário e a abstração para a formação do
conceito. A lei moral não é um noumeno, pois também foi obtida por um trabalho de abstração
(vemos coisas boas e daí obtemos o conceito de bondade, por exemplo). É o que Kant não enxergou
na Crítica da Razão Pura. Um anjo sim vê o noumeno, ou seja, a realidade direta sem
intermediários, mas o homem só vê pelos conceitos. O erro dele foi não levar em consideração
que a inteligência humana é capaz de abstração quando vê os objetos sensíveis. Assim, quando
ele vê a abstração da lei moral, ele pensa ser de fato um noumeno.

Como Kant era nominalista, no geral ele não conseguia fazer abstração, mas em matéria moral ele
ainda conseguia. Quando Kant fazia introspecção ele percebia um conceito verdadeiramente
abstrato da lei moral, mas como ele não entendia, achava que estava enxergando o noumeno, sem
passar pelos sentidos. Na verdade ele fez uma abstração e separou os conceitos morais dos
conceitos de espaço e do tempo. No campo moral, ele não era nominalista. Como a ideia de
inteligência dele era outra (cogitativa) e não conseguia entender o processo que se passava dentro
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dele, ele tinha a impressão de estar enxergando diretamente a própria realidade, como um anjo.
Assim, especulativamente ele era nominalista e moralmente não era nominalista. Kant formou
uma ideia esquizofrênica de homem, pois na Crítica da Razão Pura, o homem é só um animal, pois
não tem intelecto, mas apenas cogitativa e, na Crítica da Razão Prática, Kant iguala os homens aos
anjos, que obtém um conhecimento da realidade de maneira direta.

Na concepção de Kant não existe escravidão do pecado. O ser humano, para ele, é
necessariamente livre só porque vê a lei moral; ser livre é não estar determinado pelas leis da
natureza. Está implícito aí que o homem não precisa fazer nada para alcançar a liberdade. Ele é
normalmente livre, basta soltá-lo. É a ideia da Revolução Francesa.

Santo Tomás mostra que não é assim que funciona ao dizer que ser livre é não estar pré
determinado a uma conduta. Segundo ele, isso acontece porque a mente humana é capaz de
enxergar relações de causa e efeito, o que os sentidos não fazem. Para se alcançar um efeito, a
inteligência analisa as possíveis causas para alcançá-lo e não é predeterminada por nenhuma delas,
a menos que a pessoa esteja sendo tiranizada pelas paixões. É por isso que não basta apenas ter
consciência da lei moral para ser livre.

2. A primazia da Razão Prática

Esse pensamento tem consequências. Se a razão teórica é tão débil, a educação de alguém não
pode focar-se na razão teórica, mas deve se focar na prática. Uma educação baseada na
psicologia de Kant dá prioridade para a Vontade e deixa as disciplinas abstratas como matemática e
lógica em segundo plano. A nal, a função mais alta da inteligência é moral, é a capacidade de tomar
decisões morais, pois o homem é um animal livre.

O problema é que a liberdade depende do desenvolvimento da inteligência. Se educamos uma


pessoa para agir sem o desenvolvimento intelectual, ela não será livre, mas sim vítima de seu pobre
intelecto e escravo das próprias paixões. Dar prioridade na educação à vontade e não à
inteligência irá condicionar o ser humano e não educá-lo. O educador acabará impondo uma
agenda ao educando. É isso o que acontece hoje. Em vez de elevar a inteligência aos seus limites, o
homem hoje é treinado na escola a fazer uma determinada coisa, como uma pro ssão. Uma conduta
é dada ao homem antes que ele tenha a capacidade de enxergar múltiplos caminhos e escolher
livremente. O homem é condicionado a escolher aquilo que ele gosta por paixão numa lista muito
estreita de opções. A educação moderna é exatamente isso.

Na Filoso a Perene, a nalidade da educação é a contemplação e o pré requisito é o


desenvolvimento de uma vida moral e o desenvolvimento da inteligência. São os mesmos requisitos
para a liberdade, segundo Santo Tomás. A vida moral liberta das paixões e a inteligência deixa
evidente as relações de causa e efeito. Existe uma relação, portanto, entre contemplação e
liberdade. Isso vem ao encontro do que Jesus diz: "conhecereis a Verdade e ela vos libertará."

A grande patologia envolvida nessa história estava não só em Kant, mas na sociedade e
especialmente entre os intelectuais, pois ninguém conseguiu enxergar o seu erro. Não havia os
chamados homens sábios porque as escolas da época não preparavam para isso. As faculdades de
loso a e teologia eram nominalistas. A falta de homens sábios, homens capazes de apontar esses
erros losó cos, foi o grande problema.
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