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Esta vicissitude, aliás, não é um exclusivo lusitano, afetando também os elencos legais
previstos em outros Códigos europeus congéneres: assim, para o direito espanhol, a doutrina enfatiza
igualmente “a inadequação à realidade do tráfico atual de grande parte dos contratos contemplados no
Código Comercial vigente”.
contratos bancários e dos contratos de bolsa), e, sobretudo, que ele submergiu
completamente ante a massa verdadeiramente aluvional de novos contratos comerciais
progressivamente forjados na prática dos “mercatore” ou consagrados em legislação
mercantil extravagante (v.g. contratos de agência, concessão comercial, cessão
financeira, locação financeira, franquia, forfaiting, engineering, merchandising,
countertrade, know-how, e um imenso “et caetera”.
2
Diferentemente, embora vizinho, é o chamado “confirming”, negócio atípico mediante o qual
uma instituição bancária ou financeira especializada providencia um serviço consistente na gestão do
pagamento das dívidas de um empresário perante os respetivos fornecedores.
3
Qualificando-o como um contrato atípico misto, vide o Ac. RL de 27-5-2001, Salvador da
Costa.
Conquanto assente sobre a figura geral da cessão de créditos – cujas regras lhe
são, em princípio, supletivamente aplicáveis (arts. 577.º e segs. CC) 4 -, este contrato
exibe características distintivas próprias: no essencial, encontramo-nos
predominantemente diante de um contrato-quadro¸ celebrado entre um banco ou
instituição creditícia especializada (sociedade de “factoring”: cf. arts. 3.º, h) e 4.º, n.º 1,
b) de RGIC) e uma empresa, que regula e baliza a celebração futura de uma
multiplicidade de contratos individuais de cessão de créditos entre cedente de
cessionário financeiros.5 A cessão financeira ou “factoring” pode revestir diferentes
modalidades: fala-se assim em cessão financeira doméstica ou internacional (consoante
o aderente se obriga a ceder ao “factor” créditos decorrentes de contratos celebrados
com um sujeito do mesmo ou de outro Estado) 6, incompleta ou completa (também
designada “maturity” e “conventional factoring”, consoante o “factor” apenas se dispõe
a prestar ao aderente os seus serviços de cobrança e gestão de créditos, ou também um
serviço de financiamento, concedendo-lhe antecipações sobre o valor nominal dos
créditos cedidos), própria ou imprópria (também designada sem ou com recurso,
consoante o “factor” assume o risco de incumprimento dos devedores cedidos ou não), e
aberta ou fechada (consoante postula ou não a notificação do devedor cedido pelo
aderente). Finalmente, no que concerne ao seu regime jurídico, são múltiplos os aspetos
a considerar, que aqui não podem ser analisados exaustivamente: quanto à sua
formação, os contratos de cessão financeira devem revestir forma escrita (art. 7.º, n.º 1,
“ab initio”), consistindo caracteristicamente em contratos de adesão sujeitos ao controlo
da LCCG; quanto ao seu conteúdo, eles devem integrar a disciplina do conjunto das
relações entre o “factor” e o aderente “art. 7.º, n.º 1 in fine), de entre as quais merecem
destaque, por parte do aderente, as obrigações de exclusividade (apenas pode ter único
“factor”), de notificação (dos devedores cedidos) e de remuneração (“máxime”,
comissões de cobrança), e, por parte do “factor”, as obrigações de prestação de serviços
de cobrança, gestão de créditos e outros, de creditação em conta-corrente do aderente
dos montantes dos créditos vencidos, de antecipação de pagamentos de créditos não
vencidos (art.º 8, n.ºs 2 e 3, todos do Decreto-Lei nº. 179/95, de 18 de julho) e de
4
Atribuindo a este contrato a natureza de uma cessão de créditos, vide os Acórdãos do STJ de 1-
6-2000 (Simões Freire) e STJ, 27-4-2004 (Azevedo Ramos).
5
Em abstrato, a operação de cessão financeira pode ser estruturada segundo um modelo monista
(cessão global de créditos presentes e futuros) ou dualista (celebração de um negócio inicial pelo qual o
aderente se obriga a ceder ao “factor” os créditos de que venha a ser titular sobre certos clientes seus).
6
A crescente importância do “factoring” no seio das transações internacionais levou mesmo à
elaboração da “Convenção sobre o Factoring Internacional” de 1988, a qual, no essencial, contém um
conjunto de regras materiais uniformes diretamente aplicáveis ao contrato em apreço.
assunção do risco de incumprimento do devedor cedido (salvo cláusula de cessão com
recurso ou “pro solvendo”).7
7
Jurisprudência relevante: oponibilidade da compensação – ac. STJ, 6-10-1998, Fernandes de
Magalhães; cessões sucessivas do mesmo crédito, ac. STJ, 25-5-1999, Torres Paulo; natureza jurídica –
STJ, 1-5-2000, Simões Freire.