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Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (FD-USP)

DEF0429 - Direito Tributário I

Voto do Julgador
Seminário IV

Nome: Alice Conceição do Nascimento


Nº USP: 12510908
Trata-se de ação judicial ajuizada pela empresa Grão-Mestre Ltda. em face do Estado
de Tocantins, objetivando não recolher o ICMS incidente sobre a diferença entre o montante
que saiu de seu estabelecimento em Mato Grosso e aquele que efetivamente entrou no
estabelecimento destinatário no Tocantins, em virtude das chamadas “quebras” em
operações de exportação.

É o breve relatório. Decido.

O Estado de Tocantins alega que a incidência do imposto se justifica em virtude da


suposta ocorrência do fato gerador descrito no art. 12, I, da Lei Complementar nº 87/961, isto é, a
saída da mercadoria do estabelecimento do contribuinte.

Ocorre que, na realidade, essa saída da mercadoria se configura como fato indicativo do
fato gerador, mas com ele não se confunde. A confusão ocorre porque o Código Tributário
Nacional emprega a expressão “fato gerador” com três sentidos diversos: “hipótese de incidência
da regra de tributação”, “fato gerador da obrigação tributária” e “fato presuntivo do fato gerador
da obrigação tributária”.

Este último exprime uma presunção baseada em máximas da experiência e não pode ser
confundido com o verdadeiro fato gerador da obrigação tributária, já que ele apenas indica que a
sua ocorrência normalmente está vinculada à ocorrência do fato gerador da obrigação tributária.

O fato gerador da obrigação tributária, por sua vez, é a concretização da previsão


abstrata de incidência (hipótese de incidência) no plano fático. Pois bem. No caso do ICMS, de
acordo com o inciso II do art. 155 da Constituição, os Estados têm competência para tributar as
“operações relativas à circulação de mercadorias”. Ainda, conforme o inciso I do § 2º do mesmo
artigo, o referido imposto será “não cumulativo”.

Veja-se que a Constituição não só estabelece que a carga tributária deve ser
suportada pelos consumidores finais das mercadorias adquiridas, como também prevê que
o imposto só poderá incidir quando efetivamente ocorrerem as operações a eles
destinadas, com a transferência de titularidade. Se isso não ocorrer, a empresa será
responsável por uma carga tributária superior àquele incidente na operação a que deu
causa, fazendo não apenas com que o imposto seja cumulativo, mas que ele também seja
suportado economicamente pela empresa em vez do consumidor.

Isso significa dizer que o fato gerador do ICMS pressupõe i) um negócio


jurídico oneroso translativo de propriedade da mercadoria; e ii) que a carga tributária
agregada àquela operação possa ser transferida ao consumidor.

Assim, fica evidente que o “fato gerador” referenciado no art. 12, I, da Lei
Complementar nº 87/1966 é, na verdade, o fato indicativo do fato gerador. Isso é, ele
é apenas um fato cuja ocorrência está normalmente vinculada à ocorrência do fato
gerador. Vale dizer, tendo que escolher um fato representativo da consumação dos

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Art. 12. Considera-se ocorrido o fato gerador do imposto no momento:
I - da saída de mercadoria de estabelecimento de contribuinte
referidos negócios jurídicos, o legislador escolheu a “saída do estabelecimento” para
representar o fato que normalmente está vinculado à mencionada consumação (a venda).

Nesse sentido, a Súmula nº 166 do C. STJ dispõe expressamente que o simples


deslocamento de mercadoria de um para outro estabelecimento do mesmo contribuinte
não configura fato gerador do ICMS. Até mesmo em casos de deslocamento entre
estabelecimentos localizados em estados distintos o ICMS não incide, conforme o tema
1.099 do STF.

Além disso, tampouco a saída física de máquinas, utensílios e implementos a


título de comodato constitui fato gerador do ICMS, conforme a Súmula N. 537 do STF,
corroborando a certeza de que a mera saída do estabelecimento não constitui fato jurídico
tributário àquele bem.

Por fim, importante evidenciar que tomar o “fato presuntivo de fato gerador”
como se fosse o verdadeiro “fato gerador” viola a capacidade contributiva na sua
dimensão objetiva, que funciona como parâmetro para a instituição de qualquer imposto,
para que eles só sejam cobrados sobre situações indicativas de capacidade econômica.
Isso porque a mera circulação física, sem objeto negocial e sem a transferência da
titularidade não denota qualquer capacidade contributiva.

Ante o exposto, julgo procedente a ação proposta, para impedir tributação


sobre a diferença entre o montante que saiu do estabelecimento do contribuinte em Mato
Grosso e aquele que efetivamente entrou no estabelecimento destinatário no Tocantins

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