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PROVA ACADÉMICA
1ª CHAMADA
PROPOSTA DE SOLUÇÃO1
GRUPO I
12,5 Valores
ESTUPEFACIENTES – 2 valores
Nota: O candidato não tem que identificar em concreto o tipo legal de contra-
ordenação em causa, sendo para tanto suficiente que diga, por exemplo, “… que não sendo
fornecidos elementos factuais que permitam concluir que os pacotinhos que guardava na
mesa-de-cabeceira contivessem estupefaciente em quantidade superior à necessária para o
1
As indicações que seguem são as que se afiguram como as soluções mais corretas para as diversas
situações abordadas, sem prejuízo de serem valorizadas outras opções, desde que plausíveis e
alicerçadas em fundamentos consistentes.
consumo próprio médio durante um período superior a 10 dias, a detenção de estupefacientes
para consumo não constitui crime”, ou uma qualquer outra fórmula equivalente.
Na sequência desse facto, e para saber quem era DANIEL, preenche de novo – e.g. o
par de bofetadas - o tipo legal de crime de violência doméstica p.p. no artigo 152 n.º 1 alínea
b) e 2 (que consome a autoria em concurso efetivo de um crime de ofensas à integridade física
do artigo 143 n.º 1 e de um crime de coação p.p. no artigo 154 n.º 1). É admissível a
consideração apenas destes dois últimos desde que se afaste fundadamente a aplicação do
primeiro.
Será valorizada a discussão sobre se o preenchimento por duas vezes do tipo legal de
violência doméstica consubstancia a prática de um ou dois crimes dessa natureza.
NA OFICINA DE CARLOS – 1 valor
CARLOS comete um crime de falsificação de documento p.p. no artigo 256 n.º 1 alínea
a) e n.º 3 do Código Penal (por cujo uso não podem ser responsabilizados ARMANDINA e
BELMIRO que desconheciam a alteração da matrícula), em concurso com um crime de furto de
uso de veículo p.p. no artigo 208 n.º 1.
ETELVINO visando DANIEL com a sua espingarda de guerra, equipada com mira
telescópica para visão noturna e preparando-se para disparar é autor de um crime de
detenção de arma proibida p.p. no artigo 86 n.º 1 alínea a) da Lei n.º 5/2006 de 23 de fevereiro
e de um homicídio qualificado na forma tentada p.p. nos artigos 22 n.º 1 e 2 alínea c), 131 e
132 alíneas e) e j) do Código Penal.
Constatando que DANIEL morreria se não fosse rapidamente assistido, facto altamente
improvável naquele local, ETELVINO, ao nada fazer, e em autoria paralela relativamente ao
processo causal já desencadeado por CARLOS (e que é adequado a conduzir à morte de
DANIEL), e porque se encontra numa posição de garante relativamente à não verificação desse
resultado em face de, nessa circunstância, possuir o monopólio dos meios de salvamento,
acaba por cometer aquele crime de homicídio qualificado, agora por omissão, por via do
disposto no artigo 10 n.º 2 do Código Penal.
Na medida em que ao “contrato para matar” era indiferente qual o meio efetivamente
utilizado e porque ETELVINO terá omitido o agir por tal lhe ser imposto pela obrigação que
assumiu, FELIZBERTO passa a ser punido como instigador desse crime de homicídio qualificado
na forma consumada.
O ROUBO – 2 valores
BELMIRO comete ainda um crime de detenção de arma proibida p.p. no artigo 86 n.º 1
alínea c) da Lei n.º 5/2006 de 23 de fevereiro.
Aplicando as teses doutrinárias no que se refere ao momento da consumação do furto,
quem conclua que o citado roubo se consuma apenas quanto à carteira, aos documentos e a
10 euros (não tendo, nenhum dos três, tocado no telemóvel, e como a carteira só possuía o
valor de 20€) o valor efetivamente subtraído é diminuto, o que obsta à qualificação do crime
que foi consumado – artigos 204 n.º 4 e parte final da alínea b) do n.º 2 do artigo 210.
Quem considere que o crime de roubo se não consumou justificando com a falta de
intenção de apropriação da carteira, dos documentos e a 10 euros deverá concluir pela prática
de um crime de roubo na forma tentada p.p. nos artigos 22, 23 e 210 n.º 1 e 2 alínea b), com
referência à alínea f) do n.º 2 do artigo 204.
Comete ainda um crime de detenção de arma proibida p.p. no artigo 86 n.º 1 alínea c)
da Lei n.º 5/2006 de 23 de fevereiro, ao apoderar-se da arma de BELMIRO.
A FUGA E A MORTE DE DANIEL – 1,5 valores
Quanto a CARLOS:
- Caso não tenha configurado como possível que da sua conduta - de não prestação de
auxílio a DANIEL - poderia resultar a morte deste ou, configurando tal possibilidade,
encontrava-se convicto que a mesma não iria ocorrer, com fundamento no dever de garante
(ingerência), é possível imputar-lhe apenas um crime de homicídio negligente p.p. no artigo 10
n.º 2 e 137 do CP, o qual é contudo consumido pelo ilícito mais grave que lhe foi imputado
anteriormente – cf. O EXCESSO - crime de ofensas à integridade física do artigo 143 n.º 1,
qualificadas pela alínea a) do artigo 145, por força do n.º 2 desse mesmo artigo 145, com
referência à alínea e) do artigo 132 e agravadas pelo resultado nos termos do n.º 1 do artigo
147.
- Caso tenha configurado que DANIEL poderia vir a morrer como consequência direta e
necessária do facto de lhe não ser prestado auxílio e querendo ou conformando-se com tal
resultado poderá imputar-se-lhe, com fundamento nesse mesmo dever de garante, um crime
de homicídio doloso por omissão p.p. no artigo 10 n.º 2 e 131 que, neste caso, consome o
ilícito que lhe foi imputado anteriormente (crime de ofensas à integridade física do artigo 143
n.º 1, qualificadas pela alínea a) do artigo 145, por força do n.º 2 desse mesmo artigo 145, com
referência à alínea e) do artigo 132 e agravadas pelo resultado nos termos do n.º 1 do artigo
147).
GRUPO II
7,5 Valores
A – 2 Valores
Os agentes da PSP não serão, em princípio, autoridade de polícia criminal tal como definido
no artigo 1 alínea d) do CPP e, ainda que o fossem, certo é que o artigo 252-A, n.º 1 do mesmo
Código, apenas confere a tais autoridades a possibilidade de obterem dados sobre a
localização celular, por iniciativa própria e sem recurso a uma prévia autorização judicial,
quando estes forem necessários para afastar perigo para a vida ou de ofensa à integridade
física grave, sob pena de nulidade do procedimento – n.º 4 da mesma norma – o que não se
verificava.
Será valorada a menção de que essa detenção ilegal deveria ter sido anotada pelo MP quando
a arguida lhe é presente – artigo 261 n.º 1 do CPP.
Nota: Pretende-se com o último parágrafo valorizar a resposta do candidato que refira que a
presença de um arguido perante o JIC para efeitos do artigo 141 só poderia ocorrer sob
promoção do MP incumbindo a este, no momento em que o arguido lhe é presente pelas
entidades policiais, ter em atenção o disposto no artigo 261 n.º 1. Será valorizado que o
candidato discuta qual o procedimento processual que o MP deveria seguir no caso concreto
– libertação pura e simples com ou sem emissão de novos mandados de detenção fora de
flagrante delito para presença imediata perante o JIC.
B- 3 Valores
Referência aos requisitos gerais da aplicação de uma medida de coação para além do TIR
previstos no artigo 204, alíneas a), b), e c), concatenando fundamentadamente esses requisitos
com a factualidade que, em concreto, deflui do caso em análise.
C - 2,5 valores
PROVA ACADÉMICA
2ª CHAMADA
GRUPO 1
Na medida em que o candidato deve ficcionar que as leis penais portuguesa e alemã são
exatamente iguais e tendo os factos praticados por ALBERTO e CARL ocorrido em território
alemão, a lei deste país será desde logo aplicável – artigo 4º n.º 1 do Código Penal Alemão –
independentemente da nacionalidade do agente.
Contudo, a lei portuguesa pode também ser aplicável, sem prejuízo do que a este propósito se
dispõe no artigo 6º, n.º 1, nos termos da alínea e), do n.º 1, do artigo 5º, do Código Penal
Português, ou seja, e verificado que está o requisito da dupla incriminação, sempre que os
agentes forem encontrados em Portugal e os tribunais portugueses decidam pela sua não
entrega em execução de mandado de detenção europeu emitido pelo Estado Alemão
relativamente a tais factos.
Alínea B) - (3 valores)
Ao administrar-lhe a vacina em três ocasiões diferentes, ALBERTO preenche por três vezes um
crime de ofensas à integridade física qualificada na pessoa de BERTA (143º n.º 1 e 145º n.º 1
alínea a) e 2, com referência às alíneas i) e j) do artigo 132º).
CARL é co-autor do citado ilícito, aderindo ao plano de ALBERTO num momento posterior ao
início da respetiva execução. Numa dada perspetiva, o seu silêncio parece tornar-se essencial
ao prosseguimento do plano criminoso de ALBERTO – sendo tal facto entendido por este da
mesma forma – sendo inegável, numa outra perspetiva, que possui o domínio positivo e
negativo do facto criminoso.
Alínea C) Responsabilidade penal de Daniel, Ernesto e Gonçalo - (7, 5 valores)
Quem radique o fundamento da justificação de tal conduta face à ordem jurídica em legítima
defesa de terceiros (artigo 32º) – ante a omissão pura e ilícita de ERNESTO (artigo 200º n.º 1) –
deverá justificar as razões que o levam a considerar que uma omissão pura é suscetível de ser
considerada como uma agressão ilícita para efeitos de legítima defesa.
No acidente de tráfego causado por ERNESTO, por circular a velocidade superior à permitida e
violando a regra de prioridade num cruzamento, poderá existir um crime de condução
perigosa de veículo rodoviário (artigo 291º, n.º 1, alínea b)) doloso ou negligente (n.º 3)) se
configurados os restantes elementos do tipo.
Pratica assim ERNESTO, também um crime de ofensas à integridade física por negligência
(artigo 148º, n.º 1) por não ser crível que tivesse previsto a ocorrência desse resultado ou,
prevendo-a, que se tivesse conformado com a sua hipotética concretização.
Ao forçar ERNESTO a adotar tais comportamentos, DANIEL é autor mediato dos aludidos
crimes de condução perigosa de veículo rodoviário (artigo 291º, n.º 1, alínea b)) doloso ou
negligente (n.º 3) e ofensas à integridade física por negligência (artigo 148º, n.º 1).
2. NO HOSPITAL – (3 valores)
É à luz desta perspetiva que deve ser analisado o seu comportamento subsequente.
Nestes termos, tendo decidido não assistir ERNESTO, o resultado (amputação da perna) é-lhe
objetivamente imputável.
Na medida em que ERNESTO estava mais gravemente ferido do que FRANCISCO, exclui-se a
possibilidade de configuração de um conflito de deveres do artigo 36º.
a) – (2 valores)
Sim, esta decisão é recorrível, pois de acordo com o disposto no art. 219º, nº 1, do
CPP, da decisão que aplicar uma medida de coação cabe recurso. Deve existir sempre a
possibilidade de um grau de recurso, ou seja, a possibilidade de ver uma decisão de
aplicação inicial de medida de coação sindicada. Ora, se é o TR que decreta a medida,
está a funcionar como um primeiro decisor, recaindo sobre a quem a decisão se dirige
o direito de a ver sindicada, pelo menos num grau de recurso.
b) – (2 valores)
Não compete ao TR aplicar uma medida de coação que não se encontra
expressamente controvertida em primeira instância e se remete para decisão superior.
Essa aplicação extravasaria o objeto do recurso que é delimitado pela questão a
decidir, a saber: é aplicável ao caso, por ser suficiente e adequada, a medida de coação
de caução em lugar da de obrigação de permanência na habitação?
c) – (2 valores)
O objeto deste requerimento de abertura de instrução não se conforma com o
disposto no art. 286º, CPP – submeter ou não a causa a julgamento. O que se pretende
é uma alteração da qualificação jurídica que, contudo, não logra atingir a referida
finalidade. Admite-se que a instrução vise a alteração da qualificação jurídica se e
quando ela tiver repercussões ao nível da submissão da causa a julgamento – por
exemplo, se um crime que é público passar a semipúblico, possibilitando
subsequentemente a desistência de queixa. No caso, não se vislumbra utilidade afim
na requerida instrução, pois ainda que o JIC considerasse que a responsabilidade penal
do arguido se subsumia à figura do cúmplice, tal circunstância não obviaria a que fosse
submetido a julgamento.
d) – (2 valores)
Constatado o vício da falta de notificação nos termos legais – 92º, nº 2 e 113º, nº 10,
do CPP, deve o juiz remeter os autos para o MP competente, que proferiu a acusação,
a fim de que a mesma seja notificada ao arguido devidamente traduzida para a língua
francesa. Só então se poderá considerar o arguido devidamente informado sobre os
factos que lhe foram imputados, com a efetivação do direito de defesa – art. 32º, da
CRP, art. 61º, n.º 1, c) e g), do CPP -, devendo correr, então, o prazo para a abertura da
instrução.
CENTRO DE ESTUDOS JUDICIÁRIOS
VIA ACADÉMICA
2014 - 1ª CHAMADA
CRITÉRIOS DE CORREÇÃO
A cotação máxima exige um tratamento completo das várias questões suscitadas, que
deverá ser coerente e corretamente fundamentado, com referência e apreciação crítica das
várias teses eventualmente em confronto, sendo tidos em consideração a pertinência do
conteúdo, a qualidade da informação transmitida em relação ao tema proposto, a
organização da exposição, a capacidade de argumentação e de síntese e o domínio da língua
portuguesa. Não deixarão de ser valorizadas outras soluções plausíveis, desde que
fundamentadas.
GRUPO I
Justifique.
- Art.ºs 203º, nº 1, 204º, nºs 2, al. a) e e), e 202º, al. b) e d), 22º, nºs 1 e 2, al. c), e 23º
do CP – coautoria por parte de Alfredo e Benjamim de um crime de furto qualificado, na forma
tentada, por parte de Alfredo e Benjamim. Questionamento da inexistência de meros atos
preparatórios – artºs 21º e 22º, nºs 1 e 2, al. c) do CP.
- Autoria de um crime de homicídio por ação, na forma tentada, por parte de Alfredo,
ao impedir os atos de salvamento praticados por Benjamim – artºs 10º e 131º do CP.
- Inexistência de corrupção ativa por parte de Benjamim – art.º 373º do CP -, dado não
resultar do enunciado que este conhecesse a qualidade de funcionário (polícia) de Ernesto.
Havendo erro sobre a factualidade típica – art.º 16º, nº 1, do CP -, que exclui o dolo. Além
disso, sempre poderia estar a atuar no âmbito do direito de necessidade – art.º 34º do CP.
GRUPO I
- Fundamentação com sucinta referência aos princípios que presidem à aplicação das
medidas de coação, onde a prisão preventiva surge como ultima ratio.
GRUPO II
- Referência ao crime de coação agravada, não punível, por parte de Maria – art.º
154º, nºs 1 e 3, al. a), do CP.
- Referência aos deveres do arguido, apenas em relação a Carlos – art.º 61º, nº 3, al.
d), do CPP -, pois Ricardo é inimputável.
GRUPO II
PROVA ESCRITA
DE
DIREITO PENAL E DIREITO PROCESSUAL PENAL
Via Académica
2ª CHAMADA
1
PROVA ESCRITA
DE
VIA ACADÉMICA
2ª Chamada
Cotações:
2
GRUPO I
A
1. No dia 22 de fevereiro de 2013, João decidiu correr ao cair da noite,
como habitualmente fazia. De ténis e fato de treino preto vestido, saiu da
aldeia e meteu-se à estrada. Ia correr 5 Km até à aldeia mais próxima e
depois voltava. Ia e vinha sempre do mesmo lado da estrada, porque do
outro elevava-se a vertente da montanha, a pique, não lhe deixando
qualquer espaço de fuga, no caso de lhe aparecer algum veículo
desgovernado, o que já acontecia no lado onde seguia, ainda que
tivesse de saltar os rails, montanha abaixo, tanto mais que a largura da
estrada pouco mais dava do que para dois carros se cruzarem.
2. Nesse dia, mais ou menos a meio do percurso entre as duas aldeias,
sentindo a aproximação de um veículo nas suas costas, João
aproximou-se o mais possível dos rails de proteção, sobretudo depois de
se aperceber que do lado contrário se aproximava um outro veículo.
3. Mal tempo teve de olhar para trás, João foi colhido pelas costas com a
parte frontal direita do veículo PM-00-00, um jeep conduzido por Pedro,
no exato momento em que o veículo GD-00-00, conduzido por Zulmiro,
se encontrava a cerca de 20 metros de distância, circulando no sentido
contrário àquele.
4. A acesa discussão que Pedro mantinha com Gracinda, fez aquele
distrair-se da condução do veículo e não reparar na presença de João
naquela curva da estrada. João foi projetado por cima dos rails de
proteção acabando por ir bater com o corpo e a cabeça num plátano ali
existente, ficando inanimado entre os rails e a árvore.
5. Zulmiro deteve lentamente o veículo por si conduzido, ocupando o meio
da estrada, dado se ter apercebido que o outro condutor pretendia
continuar a sua marcha. De seguida, saiu do veículo e correu em
direção a João com a intenção de o levar ao hospital.
6. Mas Pedro, que entretanto tinha saído do seu veículo, colocou-se à
frente de Zulmiro, dizendo-lhe que não havia tempo a perder e que
tinham de sair todos dali. Acrescentando, em tom ameaçador: “Se não
tiras o carro do meio da estrada, a seguir és tu”.
7. Zulmiro retorquiu que seria pior para ele se não socorresse João, pois a
vida deste ainda podia ser salva. “Pior para mim?” Respondeu Pedro.
“Pior para nós”, quer você dizer. “Não se esqueça de que vai ser a sua
palavra contra a minha e a da minha mulher. E a minha Gracinda faz
sempre o que lhe digo.”
8. De seguida, Pedro explicou a Zulmiro que, se a tal fosse obrigado,
iriam dizer à polícia que ele vinha a conduzir o veículo GD no meio da
estrada com os máximos ligados, tendo Pedro ficado encandeado por
causa disso, e assim impedido de ver o peão.
3
9. Zulmiro ainda tentou convencer Pedro a ir embora e deixá-lo socorrer
João, o qual tentava mexer-se, produzindo alguns gemidos, mas aquele
gritou-lhe: “Desaparece, antes que eu perca a cabeça”.
10. Ao ver que Zulmiro se afastava Pedro disse-lhe: “não te preocupes que
todos nós temos de morrer um dia, e tu também”.
11. Com receio de que Pedro pudesse estar armado, Zulmiro meteu-se no
carro e abandonou o local. Sendo que Pedro, depois de se assegurar
que Zulmiro tinha finalmente seguido viagem, partiu em direção a casa.
12. Zulmiro, desde que saiu do local do acidente, tentou várias vezes ligar
com o seu telemóvel para o 112, mas naquela zona não tinha rede e não
havia qualquer outro meio de telecomunicação disponível. Chegou a
casa 15 minutos depois. Ainda pensou ligar ao 112 do seu telefone fixo,
mas lembrou-se do que Pedro lhe havia dito e decidiu nada fazer, e
também porque pensou que nesse momento já de nada serviria chamar
uma ambulância.
13. Por seu turno, quando Gracinda, meio assustada com tudo aquilo, disse
no carro que o “pobre coitado” devia estar muito ferido, Pedro gritou-lhe
que se calasse, “ali e para sempre”. Acrescentando: “Se não te calas já,
levas uma bofetada.” Gracinda calou-se imediatamente. Ainda pensou
chamar uma ambulância quando chegasse a casa, mas, com medo de
Pedro, desistiu da ideia e tentou esquecer o assunto.
14. Nessa e na noite seguinte, Gracinda não conseguiu dormir, mesmo
tomando os calmantes que a médica lhe havia receitado, e que
habitualmente usava para fazer face às noites de insónia que se
seguiam às discussões que o marido tinha com ela. Ainda tentou falar
mais uma vez com Pedro sobre o assunto, mas este deu-lhe um
encontrão, que quase a atirou ao chão, e afastou-se, dando-lhe a
entender que sobre isso não lhe admitia qualquer conversa.
15. Gracinda, porque nunca tinha saído do veículo e este se tinha
imobilizado uns metros mais à frente do local onde se encontrava o
corpo de João, nunca se inteirou do verdadeiro estado em que este
tinha ficado.
16. Entretanto, 30 minutos depois, passou no local do acidente Albertino,
jovem de 20 anos, que lutava há meses contra a sua toxicodependência,
a qual lhe causara já bastantes problemas com a polícia. Ao aperceber-
se da presença de um corpo e de uma mancha de sangue que invadia a
estrada, decidiu parar o carro, mantendo os respetivos faróis ligados, e ir
ver o que se passava.
17. João, nesse momento, não se mexia nem suspirava. O frio da noite
devia ter reduzido a tal ponto os batimentos cardíacos que Albertino
não conseguia pressenti-los, apesar de o ter tentado, no pulso e no
pescoço, o que aliado ao corpo frio e ao rosto pálido de João o deixou
convencido de que o mesmo já estaria morto. Por isso, saiu dali com
4
toda a pressa, decidido a não contar nada a ninguém, não fosse
pensarem que tinha sido ele a provocar aquela morte.
18. Acontece que, algumas dezenas de metros mais à frente, cruzou-se com
um carro da polícia, cujos agentes, Furtado e Felisberto, conhecia
bem. Estes mesmos agentes vieram, logo a seguir, a deparar-se com o
corpo de João. Via rádio, chamaram imediatamente uma ambulância,
informando que se tratava de um ferido grave.
19. A ambulância teria chegado ao local cerca de 15 minutos depois, mas
por ser a única disponível, o comandante dos bombeiros, Raimundo, a
pedido urgente de um médico seu amigo, determinou que a mesma
recolhesse em primeiro lugar um doente com enfarte do miocárdio. O
que implicou um desvio e um atraso de cerca de 10 minutos.
20. Transportado na ambulância ainda com vida, João acabou por morrer
quando dava entrada no hospital. Sendo que se tivesse chegado 10
minutos antes, uma transfusão de sangue teria possibilitado salvar-lhe a
vida.
21. Associando o sucedido à passagem de Albertino no local onde
encontraram João, os agentes Furtado e Felisberto decidiram ir
esperá-lo perto de um Café onde sabiam que estaria àquela hora.
Aguardaram que Albertino saísse e disseram-lhe para entrar no veículo.
Albertino acedeu, pensando desse modo ganhar a confiança dos
agentes.
22. Furtado conduzia o veículo e Felisberto seguia atrás, junto à porta do
lado direito, enquanto Albertino ia sentado no banco do meio.
Segurando-lhe no braço direito, que ia apertando cada vez mais,
Felisberto perguntou-lhe: “o que se passou hoje para os lados da curva
do plátano?” Albertino não respondeu. Felisberto repetiu a pergunta,
apertando ainda mais o braço, de tal modo que Albertino sentiu fortes
dores.
23. Furtado, que observava pelo retrovisor o que passava lá trás, imobilizou
o veículo na berma da estrada. Felisberto reagiu dizendo: “O que estás
a fazer? Continua!” Tendo Furtado respondido “Oh Felisberto! Vê lá o
que fazes, não quero problemas”. “Mas eu estou a fazer alguma coisa,
Furtado?” Retorquiu Felisberto. Tendo Furtado reiniciado de seguida a
marcha do veículo.
24. Ao passarem por um curral abandonado, sem porta, que ficava perto da
estrada, propriedade de um pastor chamado Leonardo, Felisberto
disse a Furtado para parar o veículo. De seguida, disse a Albertino
para sair e dirigir-se para o interior do dito curral, o que aquele fez sem
protestar, pois já os conhecia há alguns anos e sabia que tudo aquilo
não passaria afinal de uma encenação.
25. Furtado perguntou então a Felisberto o que é que ia fazer.
Respondendo Felisberto que não era nada com ele e que não se
“metesse”. De seguida, disse a Albertino que descalçasse as botas e
5
que lhas entregasse, o que aquele fez. Albertino só depois reparou que
a entrada do curral estava coberta de tojo, tão denso, que seria
impossível caminhar sobre ele, sem se picar dolorosamente.
26. Convencendo Furtado de que aquilo era apenas uma brincadeira,
saíram do local com o veículo, tendo Felisberto a intenção de ali voltar
cerca de 10 minutos depois.
27. Acontece que mal entravam no carro, já Albertino subia a parede em
pedra do curral e destapava a parte traseira do telhado, tirando algumas
telhas, que se quebravam à medida que eram atiradas para o chão.
Partiu 10 telhas até obter uma abertura, pela qual saiu.
28. Na parte traseira do curral a existência de um pinheiro centenário
impedia que à sua volta crescesse qualquer tojo, o que possibilitou a
Albertino caminhar descalço, até a um pequeno desvio que o levou à
estrada. Daí seguiu a pé, no sentido contrário ao tomado pelos agentes,
até conseguir boleia de um habitante da sua aldeia, que o levou a casa.
29. De regresso ao curral, cerca de 10 minutos depois, no mesmo veículo
conduzido por Furtado, Felisberto, ao aperceber-se que Albertino já lá
não se encontrava, disse a Furtado para saírem dali, o que aquele fez.
Momentos depois, Felisberto perguntou a Furtado se conhecia algum
penhasco onde pudessem ser lançadas as botas. Furtado conduziu-o
até um penhasco, sobre o qual Felisberto atirou as botas de Albertino.
6
B
1. Na manhã do dia 12 de março de 2013, no decurso de uma busca à
residência do arguido Albertino, por suspeita fundada de tráfico de
estupefacientes, o órgão de polícia criminal que a executava veio a
apurar que o mesmo tinha uma outra residência, em Sintra.
2. Considerando o OPC necessário estender as buscas a essa outra
residência, solicitou ao Ministério Público que requeresse ao juiz de
instrução a emissão do respetivo mandado. O que foi feito, por
despacho proferido ao fim da manhã do mesmo dia.
3. Tal mandado foi transmitido, via faxe, ao OPC que desenvolvia a
investigação. A busca pretendida foi realizada ao início da tarde do
dia 12 de março com a presença do Presidente da Junta de
Freguesia, a quem foi entregue cópia do faxe do mandado, dada a
ausência do arguido e de qualquer seu familiar ou vizinho. A referida
cópia, porém, por deficiências do aparelho do faxe recetor, era
parcialmente ilegível, embora fosse percetível, com algum esforço, a
identificação do magistrado judicial que tinha ordenado a busca, o
tribunal em que aquele exercia funções, o local de realização da
busca, correspondente à morada da residência do arguido em Sintra
e respetivos anexos, e a permissão para proceder a arrombamentos
e escalamentos se tal se mostrasse necessário, bem como a
fundamentação sucinta, em termos de facto e de direito, da busca a
realizar.
4. Tal busca foi interrompida às 18h30m e retomada no dia seguinte às
7h00m, a fim de ser levada a cabo nos anexos da residência.
Estando presente a mulher do arguido, o defensor deste aconselhou-
a a recusar-se a entregar as chaves do anexo com fundamento no
facto de a cópia do mandado de busca inicialmente apresentado ser
parcialmente ilegível, abandonando ambos de seguida o local,
mesmo sabendo que entretanto já tinha chegado à posse do OPC
um exemplar do original do mandado e uma cópia do despacho que
determinara a realização da busca, os quais acabaram por ser
entregues ao Presidente da Junta de Freguesia, procedendo-se de
seguida ao arrombamento das portas dos anexos e à realização das
buscas pretendidas.
5. No dia 14 de Março, através do seu defensor, veio o arguido invocar
a nulidade da busca e de toda a prova com ela obtida, por considerar
tratar-se de prova absolutamente proibida, nos termos do art.º 126º
do CPP, e pela circunstância de não ter sido dado cumprimento ao
disposto no art.º 176º, nº 1, do CPP, o qual não se pode considerar
cumprido com mera entrega de fotocópia de um faxe do mandado,
sobretudo quando o mesmo era parcialmente ilegível.
7
GRUPO II
A
1. José nasceu a 15 de abril de 1933 e o seu filho Filipe a 13 de março de
1965. José vivia na sua residência com Filipe, que desde há algum
tempo sofre de problemas de cariz psiquiátrico, pelos quais já esteve
internado numa clínica psiquiátrica.
2. Desde o falecimento da sua mulher, ocorrido em 03/02/2012, que a sua
relação com Filipe se pautava por alguma conflitualidade, sendo que o
filho se vinha revelando cada vez mais irritado e nervoso para com o pai,
desconfiando de qualquer atitude que este tomasse, chegando
inclusivamente a examinar exaustivamente a comida que aquele lhe
preparava e servia.
3. Por força de tais circunstâncias, e conhecedor dos problemas
psiquiátricos de que padecia o filho, apesar de não ser titular de licença
de uso e porte de arma, José possuía um revólver carregado, calibre
6,35, em preto oxidado, marca Browning, bem como uma caixa com
trinta munições por deflagrar, os quais guardava na gaveta da mesa de
cabeceira da cama, a fim de se proteger contra qualquer investida mais
agressiva que Filipe pudesse vir a ter contra si, e já que a sua idade não
lhe concedia o vigor físico necessário para o poder dominar.
4. No dia 20 de abril de 2012, pelas 22h00m, José encontrava-se na casa
de banho da sua residência, quando foi abordado por Filipe, que iniciou
com ele uma discussão, no decorrer da qual lhe desferiu murros na
cabeça e pontapés no corpo.
5. José conseguiu libertar-se do filho e dirigiu-se ao quarto de dormir com
intenção de se servir da arma em sua defesa, tentando dessa forma
evitar que Filipe continuasse a agredi-lo. Entretanto, Filipe dirigiu-se
para o seu quarto.
6. Empunhando a arma, José procurou o filho, indo encontrá-lo no quarto
deste, a remexer num armário ali existente, posicionado de lado em
relação a si.
7. Ao ver o comportamento do filho, José pensou imediatamente que o
mesmo se iria munir de algum objeto para o agredir e, como forma de se
defender, apontou-lhe a arma que trazia consigo e disparou “à sorte”
dois tiros na direção de Filipe, que o atingiram no braço esquerdo.
Nesse momento, José encontrava-se a cerca de três metros de Filipe.
8
8. Ferido, Filipe dirigiu-se então ao pai e retirou-lhe a arma da mão. José
abandonou assustado a residência, indo para a rua, em busca de
socorro, onde foi ajudado por Luís, que o levou a casa de Belmiro, a
quem solicitou que chamasse ao local a polícia e uma ambulância.
9. Filipe, quando se encontrava no seu quarto a remexer no armário,
procurava, na realidade, um CD para ouvir música.
10. Filipe foi entretanto transportado numa ambulância para o hospital.
11. Em consequência dos disparos, Filipe apresentava dois orifícios no
antebraço esquerdo, correspondentes aos orifícios de entrada e de
saída do projétil, e um outro orifício, correspondente à entrada do projétil
que se encontra alojado no mesmo braço, tendo sofrido lesões que lhe
causaram quinze dias de doença com igual período de afetação da
capacidade de trabalho.
9
B
Suponha que Armando, irmão de Filipe e filho de José, havia presenciado os
factos, tendo posteriormente prestado declarações como testemunha perante a
autoridade policial, em sede de inquérito, e perante o juiz de instrução, na fase
instrutória do processo. Todavia, o seu estado de saúde agravou-se, em
moldes que o impossibilitaram de prestar depoimento em sede de audiência de
julgamento. Nesta, José usou do seu direito ao silêncio, recusando-se a
prestar declarações.
10
CENTRO DE ESTUDOS JUDICIÁRIOS
VIA ACADÉMICA
2014 - 2ª CHAMADA
CRITÉRIOS DE CORREÇÃO
A cotação máxima exige um tratamento completo das várias questões suscitadas, que
deverá ser coerente e corretamente fundamentado, com referência e apreciação crítica das
várias teses eventualmente em confronto, sendo tidos em consideração a pertinência do
conteúdo, a qualidade da informação transmitida em relação ao tema proposto, a
organização da exposição, a capacidade de argumentação e de síntese e o domínio da língua
portuguesa. Não deixarão de ser valorizadas outras soluções plausíveis, desde que
fundamentadas.
GRUPO I
- Valendo o mesmo raciocínio para a hipótese do homicídio por omissão, com eventual
questionamento relativamente à possibilidade de a conduta de Albertino ser ou não
subsumível ao crime de homicídio negligente, por via do art.º 16º, nº 3, 137º, nº 1, e 15º, al.
b), do CP.
GRUPO I
- Referência ao art.º 111º, nº 3, al. c), do CPP – possibilidade de comunicação dos atos
processuais entre as autoridades judiciárias e os OPC através de telecópia.
- Referência ao facto de, a ter havido irregularidade, a mesma ficou sanada com a
entrega das cópias no dia seguinte, antes da efetivação da busca aos anexos – art.ºs 176º e
123º do CPP.
GRUPO II
- Autoria, por parte de José, de um crime de detenção de arma proibida – art.ºs 2º, nº
1, al. p), 3º, nº 4, al. a), e 86º, nº 1, al. c), e nº 3, da Lei nº 5/2006, de 23/02, na revisão dada
pelo Lei nº 12/2011, de 27/04.
- Sendo, porém, de ter em conta o erro sobre os pressupostos da legítima defesa, por
parte de José, com referência ao art.º16º, nºs 2 e 1, do CP.
GRUPO II
CRITÉRIOS DE CORREÇÃO
GRUPO I
A
Identifique cada um dos crimes praticados e os respetivos responsáveis.
Justifique.
1
- Artº 165º, nº 2 do CP - Autoria, na forma consumada, de um crime de abuso
sexual de pessoa incapaz de resistência, por parte de Alfredo.
B
Pronuncie-se sucintamente sobre:
2
c) a admissibilidade do recurso interposto pelo Ministério Público do
despacho judicial que julgou ilegal a detenção daquele arguido
GRUPO II
- Artºs 203º, 204º, nº 1, al. a), nº 2, al. e) e f), e 202º, al. a) e d) do CP – Coautoria, na
forma consumada, de um crime de furto qualificado, por parte de Ernesto e
Feliciano. Mencionar o momento em que se verifica a consumação do crime de furto
e referir o abandono dos bens furtados, enquanto facto que precede o disparo da arma,
efetuado por Ernesto, para que se considere afastado o tipo de ilícito previsto no artº
211º do CP – violência depois da subtração – e possa tal conduta ser subsumível ao
tipo do artº 347º, nº 1 do CP. Referência ainda à possibilidade de aplicação do artº
206º do CP.
- Artºs 2º, nº 1, al. p), 3º, nº 4, al. a) e 86º, nº 1, al. c), e nº 3 da Lei nº 5/2006, de
23/02, na versão dada pela Lei nº 12/2011, de 27/04, e artº 347º, nº 1 do Código Penal
– autoria, por parte de Ernesto, em concurso efetivo, na forma consumada, de um
crime de detenção de arma proibida e de um crime de resistência e coação sobre
funcionário, cometido com arma, agravado nos termos do artº 86º, nº 3 da Lei nº
5/2006;
GRUPO III
3
CENTRO DE ESTUDOS JUDICIÁRIOS
PROVA ESCRITA DE DIREITO PENAL E DIREITO PROCESSUAL PENAL
VIA ACADÉMICA
2012 - 2ª CHAMADA
CRITÉRIOS DE CORREÇÃO
GRUPO I
A
Identifique cada um dos crimes praticados e os respetivos responsáveis.
Justifique.
- Artºs 154º, 155º, nº 1, al. a), 145º, nºs 1, al. a), e 2, e 132º, nº 2, al. h) do CP – Autoria,
na forma consumada, de um crime de coação grave, por parte de Barnabé,
eventualmente agravado pelo artº 86º, nº 3 da Lei nº 5/2006, de 23/02, com as alterações
introduzidas pela Lei nº 17/2009, de 06/05 e pela Lei nº n.º 26/2010, de 30/08. Não
haverá a burla prevista no artº 220º do CP (burla para obtenção de alimentos, bebidas ou
serviços), porquanto não resulta dos factos que Feliciano tivesse utilizado o serviço de
táxi com a intenção de o não pagar (animus de enriquecimento). A sua decisão de não
pagamento do serviço prestado só surge na sequência do desentendimento sobre os
termos em que o contrato deveria ser integralmente cumprido por Barnabé, fazendo
com que a questão, nos termos em que é posta no enunciado, possa apenas ser colocada
no âmbito do direito civil.
- Artº 86º, nº1, al. c) da Lei nº 5/2006, de 23.02, com as alterações introduzidas pela Lei
nº 17/2009, de 06/05, e pela Lei nº n.º 26/2010, de 30/08, conjugado com os arts. 2º, nº
1, al. e) e x) e 3º, nºs 1 e 2, al. l) – Autoria de um crime de detenção de arma proibida,
por parte do arguido Barnabé.
B
Pronuncie-se sucintamente sobre a questão suscitada.
GRUPO II
A
Identifique cada um dos crimes praticados e os respetivos responsáveis.
Justifique.
- Artºs 280º, al. a), 279º, nº 1, al. a) e 143º, nº 1 do Código Penal – Plausível o
cometimento, na forma consumada, de um crime de poluição com perigo comum
(realçando-se neste caso o facto de estarmos perante um crime que é simultaneamente
de perigo comum e de perigo concreto, sublinhando-se a plausibilidadade ou não da
colocação em perigo de um número indeterminado de pessoas através da contaminação
não só da água do poço e seus potencias utilizadores mas também dos lençóis freáticos e
de outros poços eventualmente circundantes, assim como a sujeição a um perigo
concreto para a integridade física e a saúde de Guilherme e respetiva família
(sublinhando-se quanto ao tipo subjetivo a existência de dolo, relativamente à conduta e
ao perigo), em concurso efetivo com dois crimes de ofensa à integridade física simples
(pelo menos com dolo eventual), por parte de Ivo (instigador) e de Joaquim (autor
imediato). Dois crimes de ofensa à integridade física, porquanto estão em causa bens
eminentemente pessoais (tantos crimes quanto o número de vítimas).
B
Se fosse o juiz de julgamento, que valor probatório atribuiria ao depoimento
de Josefina?
- Trata-se de um depoimento indireto (arts. 128º e 129º do CPP).
- A questão fundamental traduz-se em saber se o tribunal, nas circunstâncias do
caso, pode ou não valorar um depoimento testemunhal indireto, que tem como fonte
extraprocessual declarações confessórias de um arguido, produzidas depois da prática
dos factos, quando esse mesmo arguido usa do seu direito ao silêncio na audiência de
julgamento.
- A posição tomada, além do enquadramento legal, deverá passar pela
abordagem do conflito de interesses e de valores em causa, à luz da Constituição da
República Portuguesa, nomeadamente do princípio da descoberta da verdade material e
das garantias de defesa do arguido, declarando ou não a proporcionalidade de uma
eventual valoração do depoimento indireto prestado, enquanto limitação razoável ou
não do direito de defesa do arguido.
CENTRO DE ESTUDOS JUDICIÁRIOS
2010 - 1ª CHAMADA
CRITÉRIOS DE CORRECÇÃO
Pretende-se uma análise dos pressupostos típicos de cada crime indiciado, em função da
factualidade colocada na hipótese, analisando posteriormente a responsabilidade penal dos
participantes nos mesmos, nos seguintes termos:
1
210º nº2 CP, com refª 204º nº1 e nº2 CP - roubo qualificado:
[afastar a agravação pelo resultado (210º nº3 Código Penal), pois a morte de Sara não resulta
do “facto”, ou seja, da violência empregue para roubar, nem sequer a violação do dever de
cuidado pressuposta se insere no processo causal do roubo]
[afastar o sequestro, enquanto “crime-meio”, pois a privação da liberdade de Sara, é adequada
e proporcional aos actos de subtracção do veículo e posteriormente das jóias que integram
roubo; o qual se mantém em execução durante todo o período da privação da liberdade]
- Autolino e Bisga são co-instigadores, por determinarem Cachorrão e Danado (são os
“cérebros” com uma determinação inicial genérica, que se mantém ao longo do tempo por
sucessivos actos de direcção); ou eventualmente co-autores mediatos (os “homens de trás”
numa situação de “fungibilidade” na organização). É de afastar a co-autoria, pois não tomam
parte directa na execução do roubo.
Cometem um crime de roubo qualificado, apenas quanto ao veículo [valor 7.500€ - 204º nº1
al. a) CP], uma vez que a entrada no domicílio e a subtracção de valores no seu interior não
se inclui no conjunto dos factos realizados pelo grupo, estando fora do âmbito da sua
determinação/direcção. Ao se apoderarem de parte das jóias, posteriormente, cometem antes
um crime de receptação (cfr. abaixo).
- Cachorrão e Danado são co-autores materiais. Cometem um único crime de roubo
qualificado, embora quanto ao veículo e quanto às jóias [valor 107.500€ - 204º nº1 al. f), nº2
al. a) e nº3 CP], devido à unidade de resolução criminosa e pela ligação espácio-temporal na
subtracção de todos os objectos subtraídos, sendo a vítima a mesma.
Caso a conduta descrita no 1º parágrafo não tenha sido subsumida ao crime de associação
criminosa, o roubo deve ser também qualificado pela alínea g) do 204º nº2 CP, cometido por
membros de “bando”.
163º nº1 ou 164º nº1 al. a) CP, em qualquer caso com refª 22º nº1 al. c) CP, coacção
sexual ou violação na forma tentada
Há início da tentativa, pois os actos praticados, segundo a experiência comum, são de
natureza a fazer esperar que se lhes sigam actos que preenchem o tipo respectivo.
- Danado é o único autor material.
154º nº1 CP, com refª ao 32º CP, coacção, justificado por legítima defesa
- Cachorrão seria o único autor material, mas a sua conduta, ao agarrar e puxar Danado,
encontra-se justificada, para legítima defesa de terceiro, face à conduta daquele que se
encontra em curso. O meio empregue é adequado e proporcional para remover o perigo.
143º nº1 CP, com refª 147º nº1 CP – ofensa à integridade física simples agravada pelo
resultado; ou
137º nº1º – homicídio negligente
- O crime é cometido por Danado, havendo erro de execução (aberratio ictus) ao atingir com
o murro outra pessoa. Caso perfilhada a “teoria da concretização”, realiza uma ofensa tentada
(não punível – art. 23º nº1 CP), praticando apenas um crime de homicídio negligente. Caso
perfilhada a teoria da equivalência, a identidade da pessoa é irrelevante para o preenchimento
2
típico do crime de ofensa, pelo que comete um crime de ofensa à integridade física simples
agravada pelo resultado morte.
Não há dolo quanto ao resultado morte, nem sequer a título de dolo eventual (Sara não era a
destinatária do murro), pelo que restará a responsabilização pelo resultado a título de
negligência, caso a morte fosse no mínimo previsível e se verifiquem os demais requisitos
objectivos e subjectivos do tipo de negligência.
254 nº1 al. a) e nº 2 CP, com refª 22º nº1 al. a) e 23º nº3 CP – ocultação de cadáver, na
forma tentada;
367º nº3 CP, com refª 22º nº1 al. a) e 23º nº3 CP - Favorecimento pessoal, na forma
tentada:
Em ambos os casos, a ocultação e o favorecimento, seriam relativamente ao crime de
homicídio negligente ou ofensa agravada pelo resultado morte.Quanto ao favorecimento
pessoal, este não seria punível relativamente a Danado, enquanto autor material daquele
crime. Quanto à ocultação de cadáver, uma vez que este sabia que o cadáver ficara em casa, o
mesmo não comete este crime. Nem qualquer dos crimes poderia ser cometido por Bisga que
só posteriormente teve conhecimento desses factos, mesmo que diga apoiá-los.
- Cachorrão seria instigador do crime de ocultação de cadáver, mas não havendo início da
execução não é punível (art. 26º in fine CP).
- Autolino seria autor material, mas a tentativa não é punível, pois o cadáver não se
encontrava na mala da viatura, inexistindo o objecto essencial à consumação do crime.
Considerando não ser manifesta a inexistência do objecto, aceita-se a resposta contrária,
fundada na teoria da impressão, atento o desvalor social da acção e numa perspectiva
objectiva-subjectiva.
3
Grupo I-2 3 valores
Análise do regime das declarações para memória futura, previsto no 271º CPP e 356º nº1
al. a) CPP.
Em princípio este meio de prova será admissível, pois a vizinha é uma testemunha e vai
deslocar-se para o estrangeiro (271º nº1 CPP); podendo as declarações ser lidas em
julgamento (356º nº1 al. a) CPP). Todavia, inexistindo arguidos constituídos torna-se
impossível assegurar o contraditório mínimo previsto pelo instituto (nº3), para que a prova
possa valer em julgamento. A resposta deverá ter em consideração que o processo penal
assegura todas as garantias de defesa ao arguido e valoriza o princípio do contraditório (32º
nº1 e nº5 CRP), fazendo a concordância prática entre os direitos do arguido com os interesses
comunitários também constitucionalmente tutelados da justiça penal, segundo o princípio da
proporcionalidade (18º CRP). Neste contexto, quer a afirmativa quer a negativa serão aceites.
277º nº1 al. a) CP com refª 285º CP – infracção de regras de construção, dano em
instalações e perturbação de serviços, agravado pelo resultado morte
Em concurso aparente com um crime de homicídio negligente - 137º CP.
Nenhum dos intervenientes é penalmente responsável, pois quer o resultado de perigo
concreto (perigo de queda) quer o resultado de dano (a morte) são exclusivamente imputáveis
ao próprio trabalhador falecido que, contrariamente às instruções expressas do responsável
pela segurança, infringiu as regras técnicas relativas à sua própria segurança, colocando a sua
vida em risco.
Da parte dos vários intervenientes foram cumpridas e promovidas todas as regras técnicas de
segurança, com excepção das relativas à colocação das redes exteriores. Contudo, não há nexo
de imputação objectiva a esse facto (omissivo) da situação de perigo criada ou da morte
consequente. a colocação da rede não era adequada a evitar o resultado (“causalidade
hipotética” ou “adequação hipotética”), nem a sua colocação em concreto (“comportamento
lícito alternativo”) o teria evitado. Acresce, no mesmo sentido, que a protecção de quedas dos
trabalhadores não cabia na “esfera de protecção” da “norma de cuidado” que exige a
colocação da rede.
Não obstante, a resposta não poderá deixar de analisar os pressupostos típicos do crime, cuja
indiciação é contrariada apenas na sequência dos actos de inquérito.
4
Grupo III-1 2,5 valores
Trata-se de uma busca domiciliária nocturna, uma vez que nessa “sala” pernoitam algumas
mulheres e o Adão, após o fecho do estabelecimento. É irrelevante que o estabelecimento
ainda esteja aberto aquando da busca, pois o carácter domiciliário do local mantém-se.
Nos termos do art. 177º nº2 al. a) CPP, a busca nocturna encontra-se expressamente prevista
para a criminalidade especialmente violenta ou altamente organizada, como é o caso do
tráfico de pessoas (art. 1º al. m) CPP). Todavia, nestes casos, a busca não pode ser realizada
pelo OPC sem autorização judicial (art. 177º nº1 e nº2 al. a) e 269º nº1 al. c), ambos do CPP),
o que não sucedeu.
Restam as situações previstas no art. 177º nº2 als. b) e c), ex vi nº3 al. b) do mesmo artigo
do CPP, ou seja, o consentimento documentado do visado ou flagrante delito do crime de
tráfico de pessoas.
Equacionando a inexistência de consentimento que teria de ser dado por Adão, único visado
com a diligência, no sentido constitucionalmente relevante (que deve ser indicado), haveria de
analisar se o crime indiciado, por se tratar de um crime permanente, apresentava “sinais que
mostrem claramente que o crime está a ser cometido e o agente está nele a participar” (256º
nº3 CPP). Aceitam-se os dois sentidos de resposta, desde que adequadamente fundamentados.
A resposta positiva quanto à competência do OPC, permitiria concluir pela admissibilidade da
prova recolhida; enquanto que a resposta negativa implicaria concluir que a prova não poderia
ser valorada, por se verificar a proibição de prova prevista no art. 126º nº3 CPP.
5
CENTRO DE ESTUDOS JUDICIÁRIOS
GRUPO II
(RESPOSTA OBRIGATÓRIA)
José Carlos preferia os dias de sol. Na verdade, em dias de chuva havia menos
turistas entre a Baixa e a Sé e assim frustrava-se o seu ganha-pão: José Carlos vivia
há anos do dinheiro que obtinha em assaltos a turistas, que praticava por esta zona da
Sé e do Castelo de São Jorge, em Lisboa.
Neste dia de Fevereiro, chovia em frente da Igreja de Santo António. José
Carlos abrigou-se da chuva na paragem do eléctrico. Parou mesmo junto de um
aglomerado de turistas japoneses, que ali estavam (a José Carlos pareciam japoneses,
embora não estivesse seguro disso). Entretanto, chegou o eléctrico da carreira 28, que
se imobilizou para deixar entrar passageiros. O grupo de turistas japoneses começou a
entrar no eléctrico.
Rapidamente, com o fino instinto que o caracterizava, José Carlos seleccionou
uma turista já idosa para assaltar (veio mais tarde a saber que efectivamente era
japonesa e se chamava Koyama Yamashita). Viu que tinha a tiracolo uma carteira de
cabedal e ao pescoço, pendente por uma correia, uma máquina fotográfica. Pensou
logo que com o dinheiro que a carteira com certeza conteria poderia ir logo beber um
chocolate quente a uma pastelaria. Quanto à máquina, logo se veria, mas seguramente
que o seu amigo Yassuf, que conhecia do Martim Moniz, lhe daria bom dinheiro por
ela.
Com a velocidade de um raio e a agilidade de um tigre, José Carlos precipitou-
se sobre a senhora e puxou-lhe a carteira que tinha a tiracolo. Tentou ainda puxar-lhe
a máquina fotográfica, mas porque estava pendurada do pescoço, a mesma não se
soltou. Quem se soltou foi a senhora, que estava já com um pé no estribo do eléctrico.
Caiu na calçada, desamparada e bateu com a cabeça no chão, ficando aparentemente
inanimada e a sangrar. Ao presenciar a cena, um dos turistas que integrava o grupo,
que era namorado de Koyama Yamashita, ao vê-la assim, caiu igualmente inanimado
no chão. Veio a saber-se mais tarde que tinha história clínica na área das doenças
cardíacas e que lhe tinha sido medicamente desaconselhado ter emoções fortes.
Chamava-se Matsuo Sakurai e morreu em resultado de um enfarte agudo do
miocárdio.
José Carlos rapidamente percebeu que tinha que fugir, para não correr o risco
de ser preso e olhou em volta, procurando o melhor caminho. Porém,
instantaneamente viu-se rodeado pelo grupo de turistas. Como todos eles eram
idosos, pareceu-lhe que não teria problemas de maior. Deu um murro num dos que
lhe pareceu mais frágil e irrompeu para fora da multidão.
Iniciou a sua fuga, mas deu imediatamente de caras com um grupo de jovens
auditores do CEJ, que vinham de assistir a sessões de formação no velho edifício do
Limoeiro e desciam para a Baixa, onde iam almoçar.
Estes auditores não tinham presenciado a cena toda. Apenas se tinham
apercebido de que José Carlos tinha dado um murro a um idoso turista estrangeiro e
se tinha posto em fuga.
Perante esta situação, acharam o respectivo comportamento muito reprovável.
Além disso, como vinham de uma sessão de Penal na qual tinham discutido os
pressupostos da detenção, pareceu-lhes que deveriam proceder à detenção de José
Carlos. Assim fizeram. Deram-lhe voz de detenção e, socorrendo-se de um Código de
Processo Penal de um deles, imediatamente lhe comunicaram os seus direitos e o
constituíram arguido.
Por sorte, junto da Sé estava um agente da Polícia de Segurança Pública, a
quem entregaram logo o detido, explicando-lhe que o mesmo tinha dado um murro a
um turista.
O agente policial telefonou para a central e pediu que lhe enviassem um carro
patrulha. Chegado este, entregou José Carlos aos seus colegas, pedindo-lhes que o
conduzissem ao Comando Distrital da PSP, para os fins que aí tivessem por
convenientes, uma vez que, segundo parecia, tinha dado um murro a um turista e
recomendando-lhes ainda que telefonassem ao Magistrado do Ministério Público de
turno, a informar da detenção. Pediu ainda a estes colegas que, se porventura
voltassem a fazer giro por estes lados, lhe trouxessem uma caneta e um bloco de
papel, objectos que não tinha consigo e que por vezes lhe faziam falta.
1 – Dos factos que se descreveram, resulta que José Carlos praticou algum
crime?
GRUPO III
GRUPO III – B
(RESPOSTA OPCIONAL)
CRITÉRIOS DE CORRECÇÃO
GRUPO I
(RESPOSTA OBRIGATÓRIA)
Cotação
1 – 7 valores
2 – 2 valores
o Enquadrar como
Ou como burla informática – Artigo 221º, nº 1
Ou como furto – Artigo 203º, nº 1
(ambas são admissíveis, por corresponderem às duas
qualificações adoptadas na jurisprudência)
Cotação
1 – 3 valores
2 – 2 valores
GRUPO III
GRUPO III - A
(RESPOSTA OPCIONAL)
Cotação
1) 4 valores
2) 2 valores
GRUPO III – B
(RESPOSTA OPCIONAL)
Cotação
1) 4 valores
2) 2 valores
Grupo II
1) 3 valores
2) 1,5 valores
Grupo III
1) 4,5 valores
2) 2 valores
Grupo IV
1) 4,5 valores
2) 2 valores
GRUPO I
(RESPOSTA OBRIGATÒRIA)
I
Antónia vinha a debater-se com graves dificuldades económicas, na sequência
da acumulação de dívidas de valor avultado.
Sabendo que o seu velho tio, Beato, havia feito testamento a seu favor, resolve
acelerar-lhe a morte.
Para o efeito, e a fim de adquirir substância venenosa, desloca-se à drogaria de
Carlos, simulando pretender veneno para ratos.
Carlos, apercebendo-se de que o veneno dos ratos acabara, mas não querendo
perder a cliente e algum dinheiro, decide vender-lhe duzentos gramas de farinha ao
preço de 10 euros, dizendo tratar-se de substância muito eficaz, bastante perigosa e letal
também para o homem.
Munida da substância, Antónia, por seis vezes, em dias consecutivos, vai
misturando no almoço do tio pequenas doses do pretenso veneno.
Perante a ausência de resultados, e tendo esgotado toda a substância, Antónia
decide aceder mais rapidamente a dinheiro do tio, por outra via.
Assim, beneficiando do facto de se mover livremente na casa deste, subtrai de
uma pasta um envelope contendo três cheques.
Junto dos cheques estava o B.I. de Beato, aproveitando Antónia para copiar para
um papel a respectiva assinatura, a fim de a poder vir a utilizar.
Imitando a assinatura do tio, preenche então um dos cheques, no valor de cinco
mil euros, e dirige-se a um banco de capitais inteiramente públicos, a fim de o levantar.
É atendida por Dalila, funcionária bancária, que recusa o desconto do cheque por
falta da necessária exibição do B.I. do titular da conta sacada, que no caso se impunha.
Antónia oferece-lhe cem euros para que ela facilite o levantamento da verba,
dizendo que o titular do cheque perdeu o B.I. e que o levantamento é urgente.
Dalila aceita a quantia, a troco do levantamento do cheque sem conferência de
assinatura.
Perante o sucesso da primeira ida ao banco, e vendo que Beato, dada a idade
avançada, deixara de fazer o controlo do movimento da conta bancária, e que Dalila se
mostrava receptiva a novos levantamentos, Antónia preenche mais dois cheques, agora
no valor de dez mil euros cada um.
Desloca-se por mais duas vezes ao banco, na semana seguinte, dirigindo-se
sempre a Dalila, que novamente facilita o levantamento. Dalila, também ela confiante
por não ter sido detectada a sua anterior conduta, omite assim por mais duas vezes a
conferência de assinatura que se impunha, a troco de cem euros por levantamento.
O último desses levantamentos foi observado por Eva, colega de Dalila, que se
apercebeu da irregularidade da situação.
Eva exige a Dalila metade da quantia de cem euros em troca do seu silêncio.
Perante a recusa de Dalila, pessoa de quem aliás há muito não gostava, Eva
resolve causar-lhe problemas com a justiça.
Com essa finalidade, narra aquele facto, bem como outros que sabia serem
falsos, tais como apropriações de verbas de contas de depositantes por parte de Dalila, a
um jornalista amigo. Fá-lo para que o jornalista os divulgue no jornal, o que este
concretiza de imediato.
GRUPO II
(RESPOSTA OBRIGATÓRIA)
1.
Imagine que Antónia acaba por empurrar o tio para a frente de um veículo
automóvel em andamento, quando ambos saíam de casa deste, e que estes factos são
visualizados por um agente da PSP que passava no local, e que observa ainda Antónia a
preparar-se para abandonar o local, deixando Beato inanimado no chão.
2.
Imagine que um dos crimes imputados a Fernando na acusação, de natureza
pública à data dos factos, adquire natureza semi-pública, por força de lei entrada em
vigor no dia do julgamento, um ano após a data da prática dos factos.
Não tendo sido apresentada queixa no processo até esse dia (de julgamento),
quais as consequências processuais da alteração legislativa e qual a decisão ou
decisões a tomar pelo juiz?
GRUPO IV (OPCIONAL)
1.
Mariano e Maria exploravam uma agência de cobranças difíceis, a PAYNOW,
dividindo entre si os lucros.
A Maria competia apenas fazer a contabilidade da Paynow, desconhecendo a
forma como as cobranças eram efectuadas.
Mariano ocupava-se de todas as restantes tarefas, designadamente da direcção e
gestão de toda a actividade respeitante aos processos de cobrança e aos contactos entre
os cobradores (empregados da Paynow) e os devedores (devedores dos clientes da
Paynow).
Nasser, Octávio e Paulo eram empregados da Paynow e, como tal, cobradores de
dívidas.
Semanalmente reuniam com Mariano, que lhes distribuía os processos de
cobrança e os instruía no sentido de utilizarem, junto dos devedores, eficazes meios de
convencimento de pagamento das dívidas.
Recomendava-lhes que seguissem preferencialmente a via do diálogo mas, não
se revelando esta eficaz, que utilizassem os meios necessários à obtenção dos
pagamentos.
Por meios necessários queria Mariano dizer o uso de ameaças e mesmo da força
física, indicando-lhes como exemplos de tais actos, pisadelas, empurrões, estaladas,
murros e pontapés.
A tudo Nasser Octávio e Paulo manifestavam total acordo.
Assim, agindo sempre segundo as instruções e com o conhecimento de Mariano,
Nasser Octávio e Paulo telefonaram a Querubim, dizendo-lhe que, caso não pagasse em
oito dias a quantia de 1000€ que devia a Renato, cliente da PAYNOW, lhe iriam fazer
uma visitinha.
Embora reconhecesse dever tal quantia a Renato, Querubim nada pagou porque
não dispunha de dinheiro.
Nasser, Octávio e Paulo procuraram-no por isso na sua casa, onde foram
recebidos, poucos dias depois do telefonema.
Começaram por lhe lembrar que vinham cobrar a dívida, que era melhor pagar
ou teriam que utilizar outros meios.
Mantendo-se Querubim na negativa, Nasser, Octávio e Paulo pisaram-no por
diversas vezes, insistindo para que pagasse.
Querubim começou então a gritar por socorro, o que motivou a retirada e fuga de
Nasser, Octávio e Paulo.
Já na rua, sem que ninguém o previsse, e apenas porque não gostara da cara de
Querubim, Paulo resolveu retroceder e voltar junto deste, dando-lhe ainda uma estalada.
Podem tais gravações (da conversa presencial) ser utilizadas como prova
num processo-crime decorrente de queixa apresentada por Querubim contra
Nasser, Octávio e Paulo?
CENTRO DE ESTUDOS JUDICIÁRIOS
CRITÉRIOS DE CORRECÇÃO
GRUPO I (9 valores)
DALILA:
- Um crime de corrupção passiva para acto ilícito continuado dos arts. 372º nº1, 30º
nº2, 79º nº1
(os actos relativos ao levantamento dos cheques com omissão de acto devido –
confronto de assinatura dos cheques com o B.I. do titular da conta – em troca de quantia
indevida)
EVA:
- Um crime de extorsão tentado dos arts 223º, 22º e 23º
(os actos relativos à tentativa de obtenção de dinheiro sob ameaça de divulgação de
factos)
GRUPO II –
1. (3 valores)
- O agente da PSP pode/deve proceder à detenção ao abrigo do art. 254º nº1-a) e 255º
nº1-a) do CPP – flagrante delito de crime punível com prisão; deve ainda constituir a
detida como arguida – art. 58º nº1-c).
- No caso, a detenção é efectuada para apresentação, em 48h, ao juiz, para primeiro
interrogatório judicial – art. 28º nº1 CRP e 254º nº1 –a) CPP
- A entrada em residência faz-se por meio de busca domiciliária; no caso, é necessário a
autorização do juiz ou o consentimento do visado – respectivamente art. 177º nº1 e 174º
nº5-b). Fora destas situações a busca é ilegal, sendo por exemplo errado considerar que
se estaria na situação prevista na al. c) do nº5 do art. 174º, reservada para os casos em
que o domicílio é a cena do crime.
2. (1,5 valores)
- Sendo a decisão condenatória exequível apenas após trânsito em julgado, a prisão só
pode ser ordenada aquando da leitura da sentença se o tribunal decidir decretar a prisão
preventiva. A alteração do estatuto processual definido ao arguido não pode resultar da
mera condenação em pena de prisão efectiva. Mas esta condenação aliada a outros
factos, tais como a falta à leitura da sentença, pode permitir considerar que ocorre
alteração dos pressupostos que serviram de fundamento ao estatuto processual anterior,
e preenchimento do requisito do art. 204º, al a). CPP., legitimando a decisão de
decretação da prisão preventiva.
GRUPO III -
1. (4,5 valores)
- Dois crimes de violência após a subtracção dos arts. 211º, 210º nº1 e nº2-b), 204º
nº2-e) e 4.
(os actos relativos à subtracção do relógio de pulso e do fio, pertencentes
respectivamente a Hélder e a Isabel).
Surpreendido em flagrante com os objectos, Fernando consegue conservá-los na sua
posse através da utilização dos meios previstos no art. 210º.
Tratando-se de crime contra bens eminentemente pessoais, o número de crimes
determina-se aqui pelo número de vítimas.
Independentemente do funcionamento do nº4 do art. 204º, que aqui se impõe, deve
discutir-se a virtualidade da utilização de arma como agravante (com referência ao art.
4º D.L.48/95 de 15/03), defendendo-se justificadamente uma das duas posições
conhecidas: perigo objectivo da utilização da arma – jurisprudência do STJ, v.g. Ac
25.10.2007 www.dgsi.pt, ou teoria da impressão – José Faria Costa,
Coment.Conimbricense.)
2. (2 valores)
- As normas dos arts. 113º a 116º do CP são normas processuais penais materiais, pelo
que a lei nova favorável ao arguido deve ser aplicada retroactivamente – art. 2º, nº4, CP.
Assim, na ausência de queixa por parte do titular deste direito, da lei nova resultaria a
extinção do procedimento criminal por ilegitimidade do MP.
Só que no instituto da queixa confluem razões públicas (politico-criminais) e razões
pessoais do ofendido, que devem igualmente ser acauteladas.
Salvaguardado sempre o princípio da aplicação da retroactividade lei nova mais
favorável, deve no entanto dar-se ao ofendido a possibilidade de manifestar o seu
propósito de prosseguimento da acção penal.
Deveria assim o juiz de julgamento, antes de o iniciar, perguntar ao ofendido se
pretendia proceder criminalmente contra o arguido, ou seja, o prosseguimento do
processo, agindo em conformidade com essa manifestação de vontade.
(Admite-se outra posição, desde que devidamente fundamentada e apoiada na doutrina
e/ou na jurisprudência)
GRUPO III
1. (4,5 valores)
MARIA – Não comete nenhum crime, uma vez que desconhece os meios utilizados na
cobrança das dívidas, bem como todas as instruções previamente dadas por dadas por
Mariano. Falta de dolo, quer na vertente volitiva quer intelectual.
2. (2 valores)
– A gravação não poderá ser utilizada no processo. A questão deverá ser equacionada
no quadro das proibições de prova, sendo de considerar proibida a valoração de
gravação ilicitamente produzida, já que se trata de agressão a um direito fundamental
por parte de um particular (direito à palavra – art. 26º, nº1 CRP). As gravações não
consentidas feitas por particulares, porque penalmente ilícitas (art. 199º, nº1 a) CP) não
podem ser valoradas no processo penal (art. 167ºPP). Assim, o princípio da proibição de
valoração da prova proibida deve estender-se às provas obtidas ou realizadas por
particulares.
CENTRO DE ESTUDOS JUDICIÁRIOS
PROVA ESCRITA
DE
DIREITO PENAL E PROCESSO PENAL
1ª CHAMADA
GRUPO I
(RESPOSTA OBRIGATÓRIA)
Berta, a jovem que Arlindo engravidara, cedera aos argumentos que ele
apresentara para que abortasse, já passadas as 16 semanas de gravidez.
Foi ele a tratar de tudo com Carla, antiga enfermeira reformada sua conhecida,
que, após diversas insistências e mediante a oferta do pagamento de € 750 em dinheiro,
acabou por aceitar fazer o serviço. Naquela tarde, Arlindo tinha levado Berta à casa de
Carla, pago o dinheiro e, passado algum tempo, estava tudo resolvido e era menos uma
preocupação.
Berta, de 15 anos de idade, era filha dos caseiros e fazia trabalhos domésticos na
casa de Arlindo, mediante remuneração. Este, em três ocasiões distintas – a primeira
quando Berta, cujos pais se haviam ausentado, ficou a pernoitar na casa dos patrões; a
segunda quando seguiu os passos dela e a surpreendeu no barracão que ficava nas
traseiras; a terceira no sótão onde, de caso pensado, a mandara fazer arrumações, altura
em que a engravidou –, mantivera com ela relações sexuais de cópula. E nunca se
deteve perante as súplicas de Berta, que repetidamente dizia que não e se debatia para
que ele a largasse. Em cada uma das vezes, Arlindo, depois de fazer o que queria,
dissera-lhe com voz séria: “se contares o sucedido, corto-te o pescoço”.
Agora que resolvera a questão da gravidez indesejada, Arlindo podia suspirar de
alívio.
O problema era Maria, sua mulher. Já não podia com ela nem com o sogro,
Daniel. Este nunca tinha gostado do genro. Mas agora nem o podia ver. Arlindo
persistia em embriagar-se quase todos os dias, bem sabendo que, nesse estado, acabava
sempre por discutir com Maria, desferindo-lhe bofetadas, murros e pontapés, puxando-
lhe os cabelos, chamando-lhe “puta” e “burra”, quer em casa, quer na rua. Não poucas
vezes Maria, lavada em lágrimas, tivera de refugiar-se na casa dos pais para escapar às
fúrias do marido. A todas estas cenas assistia o filho de ambos com 11 anos.
Ora, aquele tinha sido mais um dia em que Arlindo passara pela taberna antes de
regressar a casa. Sucederam-se os insultos e agressões habituais e Maria acabou por ir
para a casa dos pais, ostentando uma ferida na boca, a deitar sangue, em resultado de
um soco que Arlindo lhe desferira na cara.
Para Daniel a situação tornara-se insustentável. Exaltado, gritou: “foi a última
vez que esse traste agrediu a minha filha: de hoje já não passa”. E, sempre aos gritos foi
buscar a arma de caça ao armário, mais dois cartuchos.
Sempre a vociferar, carregou a arma e dirigiu-se a casa do genro, a cerca de 150
metros da sua. A porta da casa ficara aberta após a saída de Maria. Daniel entrou, viu de
perfil um homem sentado no sofá, que identificou como sendo Arlindo. Apontou a
arma que empunhava e efectuou um disparo, na direcção do homem, a uma distância
não superior a 5 metros, causando-lhe lesões na cabeça que determinaram a sua morte.
Porém, não era Arlindo quem estava na sala, mas sim Flávio, seu irmão, que
estava de visita e que, vendo a porta aberta e não dando por ninguém em casa, decidira
entrar e sentar-se no sofá.
2 - Suponha que correu processo criminal contra Arlindo pela prática dos
factos descritos.
No âmbito desse processo criminal, Arlindo prestou termo de identidade e
residência. No entanto, posteriormente, veio a ausentar-se para parte incerta do
Brasil.
O julgamento realiza-se sem a sua presença, tendo sido condenado em pena de
prisão efectiva.
Recorre da sentença alegando que o julgamento (de cuja realização não teve
conhecimento) não poderia ser realizado na sua ausência, designadamente
porque as normas aplicadas seriam inconstitucionais por comprometerem as
suas garantias de defesa.
Terá razão?
GRUPO II
(RESPOSTA OBRIGATÓRIA)
GRUPO III
(RESPOSTA OPCIONAL)
Lúcia era a pessoa mais bem sucedida a ler a sina dos namorados, nas tardes
solarengas de Domingo, do Parque Central da cidade.
Ali, em 31 de Dezembro de 2007, abeirou-se de Cândido a quem, em breves
momentos e a partir de informações que obtivera de uma vizinha dele, diagnosticou uma
doença bipolar, uma dívida ao banco por crédito à habitação, a saída de casa da esposa e
das duas filhas menores, havia precisamente 2 meses e 5 dias.
Surpreendido, Cândido quis continuar a ouvi-la. Veio, então, a antevisão do
futuro: uma promoção na carreira e mudança de local de trabalho; uma paixão
correspondida por alguém que acabara de conhecer... E tudo era tão plausível para
Cândido – face à reorganização que se estava a processar no seu departamento, à
recente chegada da esbelta Joana à sua secção... – que, entusiasmado, perguntou se era
preciso fazer alguma coisa para que tudo se concretizasse como dizia. Claro: ele teria de
passar pelo “Multibanco” e Lúcia de auscultar os astros sobre detalhes.
Assim, após auscultação dos astros, estava encontrado o veredicto: dentro de
duas semanas, ocorreria o regresso das filhas, a paixão de Joana, a promoção, e até a
renegociação da dívida em condições favoráveis. Cândido teria, apenas, de entregar a
Lúcia 300€ e não provocar a ira dos astros. Entregou, de imediato, tal valor.
Mais tarde, Lúcia deslocou-se ao supermercado para comprar alguma fruta. Já
na caixa, como o custo total da fruta eram 14€, entregou uma nota de 20€ a Vanessa,
que ali procedia ao registo de valores. A empregada, após recolher a nota e a colocar na
caixa mas antes de fazer o troco, ainda respondeu às perguntas de uma colega e quando
retomou a operação do troco – cansada pelo longo dia de trabalho e confusa quanto ao
valor da nota que recebera –, voltou-se para Lúcia perguntando-lhe: “ora, entregou-me
uma nota de 100€, não é assim?” e, sem esperar pela resposta, entregou 86€ de troco a
Lúcia que o arrecadou sem nada dizer.
Dois meses depois, Cândido ainda protestava contra o atraso dos astros...
2. - Suponha que foi remetida aos serviços do Ministério Público uma carta
anónima a denunciar uma situação, descrevendo-a com bastante pormenor,
que pode integrar um crime público. Deve o Ministério Público proceder à
abertura de inquérito?
GRUPO IV
(RESPOSTA OPCIONAL)
PROVA ESCRITA
DE
DIREITO PENAL E PROCESSO PENAL
2ª CHAMADA
DURAÇÃO: 3 HORAS
GRUPO I
(RESPOSTA OBRIGATÓRIA)
GRUPO II
(RESPOSTA OBRIGATÓRIA)
GRUPO III
(RESPOSTA OPCIONAL)
2. - Suponha que correu processo criminal contra Alfredo pela prática dos
factos descritos.
No âmbito desse processo criminal, Alfredo prestou termo de identidade e
residência. No entanto, posteriormente, vem a ausentar-se para parte incerta do
Brasil.
O julgamento realiza-se sem a sua presença, tendo sido condenado em pena de
prisão efectiva.
Poderá ser preso logo que for notificado da sentença?
GRUPO IV
(RESPOSTA OPCIONAL)
Grupo I – 1 - 6 valores
Grupo I –2 – 1,5 valores
Grupo II – 1 – 4 valores
Grupo II – 2 – 1,5 valores
Grupo II – 3 – 1,5 valores
Grupo III – 1 – 4, 5 valores
Grupo III – 2 – 1 valor
Grupo IV – 1 – 4 valores
Grupo IV – 2 - 1, 5 valores