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DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL

PROVA ACADÉMICA

1ª CHAMADA

PROPOSTA DE SOLUÇÃO1

GRUPO I

12,5 Valores

ESTUPEFACIENTES – 2 valores

CARLOS - Um crime de tráfico de estupefacientes p.p. no artigo 21 n.º 1 do DL 15/93


de 21 de janeiro.

BELMIRO – co-autor do crime de tráfico de estupefaciente cometido por CARLOS


(participação essencial e indispensável no plano gizado por aquele para fazer chegar o
estupefaciente à Madeira ou domínio do facto na execução do mesmo plano) e ainda autor de
uma contra-ordenação (consumo de estupefacientes) p.p. no artigo 2 da Lei n.º 30/2000 de 29
de novembro ou, caso os pacotinhos que guardava na mesa-de-cabeceira contivessem
estupefaciente em quantidade superior à necessária para o consumo próprio médio durante
um período superior a 10 dias, o crime p.p. no artigo 40 n.º 2 do DL 15/93 de 22 de janeiro –
Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 8/2008 de 25 de junho.

Nota: O candidato não tem que identificar em concreto o tipo legal de contra-
ordenação em causa, sendo para tanto suficiente que diga, por exemplo, “… que não sendo
fornecidos elementos factuais que permitam concluir que os pacotinhos que guardava na
mesa-de-cabeceira contivessem estupefaciente em quantidade superior à necessária para o

1
As indicações que seguem são as que se afiguram como as soluções mais corretas para as diversas
situações abordadas, sem prejuízo de serem valorizadas outras opções, desde que plausíveis e
alicerçadas em fundamentos consistentes.
consumo próprio médio durante um período superior a 10 dias, a detenção de estupefacientes
para consumo não constitui crime”, ou uma qualquer outra fórmula equivalente.

ARMANDINA - co-autora do crime de tráfico de estupefaciente cometido por CARLOS


e BELMIRO (participação essencial e indispensável no plano gizado pelo primeiro para fazer
chegar o estupefaciente à Madeira ou domínio do facto na execução do mesmo plano)
admitindo-se que possa assumir pelas circunstâncias da ação uma menor gravidade nos
termos da alínea a) do artigo 25.

É de afastar a consideração de qualquer causa que exclua a ilicitude ou a culpa na sua


ação, designadamente o estado de necessidade justificante ou o estado de necessidade
desculpante.

NA CASA DE BELMIRO - 2 valores

BELMIRO – num primeiro momento comete um crime de violência doméstica p.p. no


artigo 152 n.º 1 alínea b) e 2 (que consome a autoria em concurso efetivo de um crime de
ofensas à integridade física do artigo 143 n.º 1 e de um crime de coação p.p. no artigo 154 n.º
1). É admissível a consideração apenas destes dois últimos desde que se afaste fundadamente
a aplicação do primeiro.

Num segundo momento BELMIRO, ao ler as mensagens no telemóvel de ARMANDINA,


comete um crime de conhecimento não autorizado do conteúdo de telecomunicação p.p. no
artigo 194 n.º 2.

Na sequência desse facto, e para saber quem era DANIEL, preenche de novo – e.g. o
par de bofetadas - o tipo legal de crime de violência doméstica p.p. no artigo 152 n.º 1 alínea
b) e 2 (que consome a autoria em concurso efetivo de um crime de ofensas à integridade física
do artigo 143 n.º 1 e de um crime de coação p.p. no artigo 154 n.º 1). É admissível a
consideração apenas destes dois últimos desde que se afaste fundadamente a aplicação do
primeiro.

Será valorizada a discussão sobre se o preenchimento por duas vezes do tipo legal de
violência doméstica consubstancia a prática de um ou dois crimes dessa natureza.
NA OFICINA DE CARLOS – 1 valor

CARLOS comete um crime de falsificação de documento p.p. no artigo 256 n.º 1 alínea
a) e n.º 3 do Código Penal (por cujo uso não podem ser responsabilizados ARMANDINA e
BELMIRO que desconheciam a alteração da matrícula), em concurso com um crime de furto de
uso de veículo p.p. no artigo 208 n.º 1.

Nota: Quanto a este último ilícito é perfeitamente defensável – e consequentemente


merecedor da pontuação máxima correspondente – a invocação de que a disponibilidade do
veículo numa oficina configura por si só uma autorização expressa ou tácita do uso da viatura
para a respetiva utilização, concedida pelo dono desta ao dono daquela e, por via disso,
sustente a posição expressa por Faria e Costa (Comentário, § 12) e Paulo Albuquerque
(Comentário, § 10) no sentido de que a ultrapassagem dos limites dessa autorização constitui
apenas um abuso de uso não punível. Contudo, parece-nos não merecer censura quem assim
não considere – ou seja, que a disponibilidade do veículo para efeitos de reparação tenha que
implicar necessariamente uma autorização de uso, ainda que limitada - e conclua pela
verificação de um crime de furto de uso de veículo.

A consideração de que CARLOS pratica um crime de furto de uso de veículo imporá


que o candidato especifique que, e por conhecer a sua utilização indevida, BELMIRO deva ser
responsabilizado em idênticos termos, ao passo que, nada indicando que ARMANDINA tivesse
conhecimento que o veículo não pertencia a CARLOS ou que estava a ser por este utilizado
sem autorização, falta quanto a ela o dolo – erro sobre a factualidade típica – que impede a
sua punibilidade por este crime.

ETELVINO E FELIZBERTO – 2,5 valores

FELIZBERTO é instigador de um crime de homicídio qualificado p.p. no artigo 131 e 132


alínea j), estando a sua punibilidade dependente de haver execução ou começo de execução
(artigo 26).
Nota: Não se faz qualquer referência ao teor do Acórdão de Fixação de Jurisprudência
n.º 11/2009 – que permitiria qualificar FELIZBERTO como autor e não instigador - na medida
em que, do texto do exame, parecem não constar os elementos factuais necessários e
indispensáveis que permitam a subsunção da situação ali descrita aos termos do citado
acórdão. Não obstante, qualquer solução formulada nesta base deve ser objeto de cuidada
ponderação.

ETELVINO visando DANIEL com a sua espingarda de guerra, equipada com mira
telescópica para visão noturna e preparando-se para disparar é autor de um crime de
detenção de arma proibida p.p. no artigo 86 n.º 1 alínea a) da Lei n.º 5/2006 de 23 de fevereiro
e de um homicídio qualificado na forma tentada p.p. nos artigos 22 n.º 1 e 2 alínea c), 131 e
132 alíneas e) e j) do Código Penal.

Constatando que DANIEL morreria se não fosse rapidamente assistido, facto altamente
improvável naquele local, ETELVINO, ao nada fazer, e em autoria paralela relativamente ao
processo causal já desencadeado por CARLOS (e que é adequado a conduzir à morte de
DANIEL), e porque se encontra numa posição de garante relativamente à não verificação desse
resultado em face de, nessa circunstância, possuir o monopólio dos meios de salvamento,
acaba por cometer aquele crime de homicídio qualificado, agora por omissão, por via do
disposto no artigo 10 n.º 2 do Código Penal.

Na medida em que ao “contrato para matar” era indiferente qual o meio efetivamente
utilizado e porque ETELVINO terá omitido o agir por tal lhe ser imposto pela obrigação que
assumiu, FELIZBERTO passa a ser punido como instigador desse crime de homicídio qualificado
na forma consumada.

O ROUBO – 2 valores

ARMANDINA, BELMIRO e CARLOS são co-autores de um crime de roubo, sendo que o


plano acordado tinha em vista a execução de um crime p.p. no artigo 210 n.º 1 e 2 alínea b),
com referência f) do n.º 2 do artigo 204.

BELMIRO comete ainda um crime de detenção de arma proibida p.p. no artigo 86 n.º 1
alínea c) da Lei n.º 5/2006 de 23 de fevereiro.
Aplicando as teses doutrinárias no que se refere ao momento da consumação do furto,
quem conclua que o citado roubo se consuma apenas quanto à carteira, aos documentos e a
10 euros (não tendo, nenhum dos três, tocado no telemóvel, e como a carteira só possuía o
valor de 20€) o valor efetivamente subtraído é diminuto, o que obsta à qualificação do crime
que foi consumado – artigos 204 n.º 4 e parte final da alínea b) do n.º 2 do artigo 210.

Concluiria assim que ARMANDINA, BELMIRO e CARLOS cometeram, em co-autoria,


um crime de roubo na forma tentada p.p. no artigo 210 n.º 1 e 2 alínea b), com referência à
alínea f) do n.º 2 do artigo 204, em concurso aparente com um crime de roubo na forma
consumada p.p. no artigo 210 n.º 1, mas agravado nos termos dos n.º 3 e 4 do artigo 86 da Lei
n.º 5/2006 de 23 de fevereiro.

Nota: A proposta de solução constante do parágrafo antecedente visa salvaguardar a


aplicação ao caso das diversas posições doutrinárias quanto ao momento em que ocorre a
consumação do crime de roubo.

Quem considere que o crime de roubo se não consumou justificando com a falta de
intenção de apropriação da carteira, dos documentos e a 10 euros deverá concluir pela prática
de um crime de roubo na forma tentada p.p. nos artigos 22, 23 e 210 n.º 1 e 2 alínea b), com
referência à alínea f) do n.º 2 do artigo 204.

O EXCESSO – 1,5 valores

CARLOS comete um crime de ofensas à integridade física do artigo 143 n.º 1,


qualificadas pela alínea a) do artigo 145, por força do n.º 2 desse mesmo artigo 145, com
referência à alínea e) do artigo 132.

A circunstância de DANIEL vir a falecer em consequência dos ferimentos infligidos por


CARLOS, enquanto resultado não pretendido por este último, agrava o citado crime nos
termos do n.º 1 do artigo 147.

Em qualquer caso, trata-se de um excesso de co-autor, não previsto no plano de roubo


inicial e pelo qual não podem ser responsabilizados BELMIRO e ARMANDINA.

Comete ainda um crime de detenção de arma proibida p.p. no artigo 86 n.º 1 alínea c)
da Lei n.º 5/2006 de 23 de fevereiro, ao apoderar-se da arma de BELMIRO.
A FUGA E A MORTE DE DANIEL – 1,5 valores

ARMANDINA e BELMIRO praticam, cada um, um crime de omissão de auxílio do artigo


200 n.º 1, a menos que se demonstre que se encontravam em erro sobre a factualidade típica
(o estado de grave de necessidade em que se encontrava DANIEL) na medida em que se trata
de um crime doloso.

Nota: No que toca a ARMANDINA e BELMIRO a exclusão da sua punibilidade pela


prática do crime do artigo 200 apenas poderá ocorrer se estiverem em erro sobre qualquer um
dos elementos típicos do ilícito, designadamente o estado de grave de necessidade em que se
encontrava DANIEL. Esclarece-se que o sentido do texto da solução proposta não pretende
afastar a punibilidade da não prestação do auxílio se estivesse em causa qualquer outra
consequência diferente da do resultado “morte de DANIEL”.

Quanto a CARLOS:

- Caso não tenha configurado como possível que da sua conduta - de não prestação de
auxílio a DANIEL - poderia resultar a morte deste ou, configurando tal possibilidade,
encontrava-se convicto que a mesma não iria ocorrer, com fundamento no dever de garante
(ingerência), é possível imputar-lhe apenas um crime de homicídio negligente p.p. no artigo 10
n.º 2 e 137 do CP, o qual é contudo consumido pelo ilícito mais grave que lhe foi imputado
anteriormente – cf. O EXCESSO - crime de ofensas à integridade física do artigo 143 n.º 1,
qualificadas pela alínea a) do artigo 145, por força do n.º 2 desse mesmo artigo 145, com
referência à alínea e) do artigo 132 e agravadas pelo resultado nos termos do n.º 1 do artigo
147.

- Caso tenha configurado que DANIEL poderia vir a morrer como consequência direta e
necessária do facto de lhe não ser prestado auxílio e querendo ou conformando-se com tal
resultado poderá imputar-se-lhe, com fundamento nesse mesmo dever de garante, um crime
de homicídio doloso por omissão p.p. no artigo 10 n.º 2 e 131 que, neste caso, consome o
ilícito que lhe foi imputado anteriormente (crime de ofensas à integridade física do artigo 143
n.º 1, qualificadas pela alínea a) do artigo 145, por força do n.º 2 desse mesmo artigo 145, com
referência à alínea e) do artigo 132 e agravadas pelo resultado nos termos do n.º 1 do artigo
147).
GRUPO II

7,5 Valores

A – 2 Valores

O procedimento descrito enferma de dois vícios essenciais:

Os agentes da PSP não serão, em princípio, autoridade de polícia criminal tal como definido
no artigo 1 alínea d) do CPP e, ainda que o fossem, certo é que o artigo 252-A, n.º 1 do mesmo
Código, apenas confere a tais autoridades a possibilidade de obterem dados sobre a
localização celular, por iniciativa própria e sem recurso a uma prévia autorização judicial,
quando estes forem necessários para afastar perigo para a vida ou de ofensa à integridade
física grave, sob pena de nulidade do procedimento – n.º 4 da mesma norma – o que não se
verificava.

A detenção de ARMANDINA opera-se fora de um quadro de flagrante delito – artigo 256 do


CPP, a contrario - pelo que, na sua detenção, deveriam ter sido observados os formalismos
descritos nos artigos 257 e seguintes, designadamente a emissão de mandados de detenção
pela entidade competente.

Será valorada a menção de que essa detenção ilegal deveria ter sido anotada pelo MP quando
a arguida lhe é presente – artigo 261 n.º 1 do CPP.
Nota: Pretende-se com o último parágrafo valorizar a resposta do candidato que refira que a
presença de um arguido perante o JIC para efeitos do artigo 141 só poderia ocorrer sob
promoção do MP incumbindo a este, no momento em que o arguido lhe é presente pelas
entidades policiais, ter em atenção o disposto no artigo 261 n.º 1. Será valorizado que o
candidato discuta qual o procedimento processual que o MP deveria seguir no caso concreto
– libertação pura e simples com ou sem emissão de novos mandados de detenção fora de
flagrante delito para presença imediata perante o JIC.
B- 3 Valores

Referência à admissibilidade potencial de aplicação da medida de coação de prisão preventiva


prevista no artigo 202 do CPP com referência aos tipos legais de crime imputáveis à arguida.

Referência aos requisitos gerais da aplicação de uma medida de coação para além do TIR
previstos no artigo 204, alíneas a), b), e c), concatenando fundamentadamente esses requisitos
com a factualidade que, em concreto, deflui do caso em análise.

Enunciação da conclusão lógica explanada na fundamentação anterior, com afastamento da


possibilidade de aplicação da prisão preventiva

C - 2,5 valores

Referência à redução fáctico-jurídica, de impossível sustentação técnica, constante do


requerimento da Defesa, com indicação, ainda que de forma genérica ou sucinta, da
factualidade subsumível aos demais ilícitos indiciados (designadamente o tráfico de
estupefacientes e o roubo) que foi igualmente apreciada para efeitos de decisão na
presente diligência, sem embargo de a competência para delimitar o objeto do
presente processo, nesta fase de Inquérito, pertencer ao Ministério Público.

No que se refere à pretensão formulada pela arguida de conversão das suas


declarações, por um lado em queixa-crime e, por outro, em declarações para memória
futura:

 Desnecessidade de apresentação de queixa-crime uma vez que


se trata de um crime público que se basta com a notícia deste
 A necessidade de ser observado todo o procedimento constante
do disposto no artigo 271 do CPP no que tange à tomada de
declarações para memória futura, sendo essencial a referência à
manifesta inexistência de contraditório (artigo 271, nº 3) e ao
não cumprimento das formalidades da inquirição, constantes do
n.º 4 da mesma norma
 Cujo incumprimento determinaria a verificação da nulidade a
que se reporta o artigo 119, al. c) do CPP. Nestes termos, a
pretensão não pode deixar de ser julgada manifestamente
improcedente, não relevando, no caso, quer a natureza urgente
do processo de violência doméstica quer o princípio de
aproveitamento dos atos, cujas finalidades, num caso e noutro,
são insuscetíveis de prevalecer sobre outros princípios gerais,
designadamente o do contraditório.
DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL

PROVA ACADÉMICA

2ª CHAMADA

GRUPO 1

Alínea A) - (1,5 valores)

Lei Penal aplicável aos factos praticados por A e C

Na medida em que o candidato deve ficcionar que as leis penais portuguesa e alemã são
exatamente iguais e tendo os factos praticados por ALBERTO e CARL ocorrido em território
alemão, a lei deste país será desde logo aplicável – artigo 4º n.º 1 do Código Penal Alemão –
independentemente da nacionalidade do agente.

Contudo, a lei portuguesa pode também ser aplicável, sem prejuízo do que a este propósito se
dispõe no artigo 6º, n.º 1, nos termos da alínea e), do n.º 1, do artigo 5º, do Código Penal
Português, ou seja, e verificado que está o requisito da dupla incriminação, sempre que os
agentes forem encontrados em Portugal e os tribunais portugueses decidam pela sua não
entrega em execução de mandado de detenção europeu emitido pelo Estado Alemão
relativamente a tais factos.

Alínea B) - (3 valores)

NA ALEMANHA – responsabilidade penal de A e B

Ao administrar-lhe a vacina em três ocasiões diferentes, ALBERTO preenche por três vezes um
crime de ofensas à integridade física qualificada na pessoa de BERTA (143º n.º 1 e 145º n.º 1
alínea a) e 2, com referência às alíneas i) e j) do artigo 132º).

Serão valorizadas as respostas dos candidatos que discutam a questão da unidade ou


pluralidade de infrações face ao comportamento descrito.

CARL é co-autor do citado ilícito, aderindo ao plano de ALBERTO num momento posterior ao
início da respetiva execução. Numa dada perspetiva, o seu silêncio parece tornar-se essencial
ao prosseguimento do plano criminoso de ALBERTO – sendo tal facto entendido por este da
mesma forma – sendo inegável, numa outra perspetiva, que possui o domínio positivo e
negativo do facto criminoso.
Alínea C) Responsabilidade penal de Daniel, Ernesto e Gonçalo - (7, 5 valores)

1. NO CAMINHO – (4, 5 valores)

Ao recusar-se a transportar BERTA, depois de se ter apercebido de que a mesma carecia de


urgente assistência médica, ERNESTO comete o crime de omissão de auxílio (artigo 200 n.º 1)
já que não parece configurar-se que sobre ele recaia qualquer obrigação de garante.

Ao obrigar ERNESTO a transportar BERTA ao hospital mediante o aperto do pescoço, a ameaça


de ofensas físicas mais graves e a utilização por ele próprio do táxi, DANIEL comete os crimes
de ofensas à integridade física (143º, n.º 1) e coação (154º, n.º 1) que se mostram justificados
atenta a verificação dos pressupostos do estado de necessidade justificante (artigo 34º).

Quem radique o fundamento da justificação de tal conduta face à ordem jurídica em legítima
defesa de terceiros (artigo 32º) – ante a omissão pura e ilícita de ERNESTO (artigo 200º n.º 1) –
deverá justificar as razões que o levam a considerar que uma omissão pura é suscetível de ser
considerada como uma agressão ilícita para efeitos de legítima defesa.

No acidente de tráfego causado por ERNESTO, por circular a velocidade superior à permitida e
violando a regra de prioridade num cruzamento, poderá existir um crime de condução
perigosa de veículo rodoviário (artigo 291º, n.º 1, alínea b)) doloso ou negligente (n.º 3)) se
configurados os restantes elementos do tipo.

Do mesmo acidente resultaram ferimentos nas pernas de ERNESTO e FRANCISCO.

Pratica assim ERNESTO, também um crime de ofensas à integridade física por negligência
(artigo 148º, n.º 1) por não ser crível que tivesse previsto a ocorrência desse resultado ou,
prevendo-a, que se tivesse conformado com a sua hipotética concretização.

Admite-se, contudo, a invocação de uma causa de exclusão da culpa relativamente ao


cometimento destes dois últimos ilícitos – estado de necessidade desculpante do artigo 35º -
em virtude de ERNESTO estar a agir sob coação de DANIEL, sendo, nessas circunstâncias, um
mero instrumento daquele.

Ao forçar ERNESTO a adotar tais comportamentos, DANIEL é autor mediato dos aludidos
crimes de condução perigosa de veículo rodoviário (artigo 291º, n.º 1, alínea b)) doloso ou
negligente (n.º 3) e ofensas à integridade física por negligência (artigo 148º, n.º 1).

Não parece verificar-se na conduta de DANIEL uma exclusão da ilicitude relativamente à


prática dos ilícitos referidos por força de um direito de necessidade (artigo 34º) na medida em
que parece não haver uma sensível superioridade do interesse a salvaguardar (integridade
física de BERTA) face aos que com essa ação são colocados em crise (segurança das
comunicações e bens pessoais potencialmente suscetíveis de lesão em caso de acidente).
Já não assim quanto ao estado de necessidade desculpante (artigo 35º) na medida em que a
conduta ilícita prosseguida é adequada a afastar o perigo atual e não removível de outro modo
para a integridade física de BERTA.

2. NO HOSPITAL – (3 valores)

GONÇALO, em virtude de assumir funções profissionais de assistência a pessoas que dela


carecem, assume uma verdadeira posição de garante que o vincula quer perante ERNESTO
quer perante FRANCISCO.

É à luz desta perspetiva que deve ser analisado o seu comportamento subsequente.

Ao não proceder a um exame atento de ambos os pacientes, GONÇALO atua negligentemente,


embora também se aceite a alegação de dolo eventual. Por outro lado, sendo médico, não
pode deixar de estar ciente nas consequências da falta de assistência que poderiam resultar
para qualquer um dos pacientes.

Nestes termos, tendo decidido não assistir ERNESTO, o resultado (amputação da perna) é-lhe
objetivamente imputável.

Na medida em que ERNESTO estava mais gravemente ferido do que FRANCISCO, exclui-se a
possibilidade de configuração de um conflito de deveres do artigo 36º.

Contudo, GONÇALO configura a existência de uma situação que, a verificar-se, redundaria na


existência desse conflito. Há pois um erro de suposição da verificação de um estado de coisas
que, a existir, excluiria a ilicitude (artigo 16º, n.º 2).

É irrelevante a circunstância de o agente se encontrar erroneamente convencido que tem


perante FRANCISCO uma posição de garante. Na configuração da situação tal como o agente a
representou, o dolo encontra-se excluído – 16º, n.º 2 – e, ressalvada a punibilidade a título de
negligência – ele é punido pelo artigo 10.º n.º 1 e 2 e 148º, n.º 3, com referência ao artigo
144º, alínea a), no que concerne às ofensas à integridade física sofridas por ERNESTO.

DANIEL é punido por um crime de homicídio privilegiado do artigo 133º.

ALBERTO e CARL não são responsabilizados criminalmente pelas deformações provocadas no


feto.
GRUPO II - (8 valores)

a) – (2 valores)
Sim, esta decisão é recorrível, pois de acordo com o disposto no art. 219º, nº 1, do
CPP, da decisão que aplicar uma medida de coação cabe recurso. Deve existir sempre a
possibilidade de um grau de recurso, ou seja, a possibilidade de ver uma decisão de
aplicação inicial de medida de coação sindicada. Ora, se é o TR que decreta a medida,
está a funcionar como um primeiro decisor, recaindo sobre a quem a decisão se dirige
o direito de a ver sindicada, pelo menos num grau de recurso.

b) – (2 valores)
Não compete ao TR aplicar uma medida de coação que não se encontra
expressamente controvertida em primeira instância e se remete para decisão superior.
Essa aplicação extravasaria o objeto do recurso que é delimitado pela questão a
decidir, a saber: é aplicável ao caso, por ser suficiente e adequada, a medida de coação
de caução em lugar da de obrigação de permanência na habitação?

c) – (2 valores)
O objeto deste requerimento de abertura de instrução não se conforma com o
disposto no art. 286º, CPP – submeter ou não a causa a julgamento. O que se pretende
é uma alteração da qualificação jurídica que, contudo, não logra atingir a referida
finalidade. Admite-se que a instrução vise a alteração da qualificação jurídica se e
quando ela tiver repercussões ao nível da submissão da causa a julgamento – por
exemplo, se um crime que é público passar a semipúblico, possibilitando
subsequentemente a desistência de queixa. No caso, não se vislumbra utilidade afim
na requerida instrução, pois ainda que o JIC considerasse que a responsabilidade penal
do arguido se subsumia à figura do cúmplice, tal circunstância não obviaria a que fosse
submetido a julgamento.

d) – (2 valores)
Constatado o vício da falta de notificação nos termos legais – 92º, nº 2 e 113º, nº 10,
do CPP, deve o juiz remeter os autos para o MP competente, que proferiu a acusação,
a fim de que a mesma seja notificada ao arguido devidamente traduzida para a língua
francesa. Só então se poderá considerar o arguido devidamente informado sobre os
factos que lhe foram imputados, com a efetivação do direito de defesa – art. 32º, da
CRP, art. 61º, n.º 1, c) e g), do CPP -, devendo correr, então, o prazo para a abertura da
instrução.
CENTRO DE ESTUDOS JUDICIÁRIOS

PROVA ESCRITA DE DIREITO PENAL E DIREITO PROCESSUAL PENAL

VIA ACADÉMICA

2014 - 1ª CHAMADA

CRITÉRIOS DE CORREÇÃO

A cotação máxima exige um tratamento completo das várias questões suscitadas, que
deverá ser coerente e corretamente fundamentado, com referência e apreciação crítica das
várias teses eventualmente em confronto, sendo tidos em consideração a pertinência do
conteúdo, a qualidade da informação transmitida em relação ao tema proposto, a
organização da exposição, a capacidade de argumentação e de síntese e o domínio da língua
portuguesa. Não deixarão de ser valorizadas outras soluções plausíveis, desde que
fundamentadas.

GRUPO I

Identifique cada um dos crimes praticados e os respetivos responsáveis.

Justifique.

- Art.º 212º, nº 1, do CP – crime de dano simples (sebe), na forma consumada, por


parte de Alfredo e de Benjamim. Questionamento de eventual autoria exclusiva por parte de
Benjamim e consequente afastamento da coautoria de Alfredo;

- Art.ºs 203º, nº 1, 204º, nºs 2, al. a) e e), e 202º, al. b) e d), 22º, nºs 1 e 2, al. c), e 23º
do CP – coautoria por parte de Alfredo e Benjamim de um crime de furto qualificado, na forma
tentada, por parte de Alfredo e Benjamim. Questionamento da inexistência de meros atos
preparatórios – artºs 21º e 22º, nºs 1 e 2, al. c) do CP.

- Referência à relação de consunção com o crime de introdução em lugar vedado ao


público do art.º 191º do CP.

- Cumplicidade de Carlota no crime de furto qualificado, na forma tentada, supra


referido – art.º 27º do CP.

- Questionamento da possibilidade da autoria de um crime de introdução em lugar


vedado ao público, na forma consumada, por parte de Alfredo e Benjamim – art.º 191º do CP –
, quando saltam para o pátio do prédio vizinho.

- Questionamento da desistência referida no enunciado e o seu afastamento pelo facto


de a mesma não se traduzir num facto voluntário mas corresponder antes a uma frustração na
consumação do crime inicialmente planeado, dado o aparecimento da autoridade policial –
art.º 24º CP.
- Art.º 143º do CP – autoria, na forma consumada de um crime de ofensa à integridade
física simples, por parte de Alfredo. Eventual questionamento de coautoria por parte de
Carlota e de Benjamim, hipótese pouco provável por não resultar do enunciado que a agressão
tivesse merecido o acordo destes. Em tal hipótese, a valorar apenas como tal, seria necessário
questionar o afastamento de Benjamim do local, enquanto comportamento irrelevante no
âmbito da desistência (art.º 25º po CP), o que implicaria a subsunção das respetivas condutas
ao tipo-de-ilícito de ofensa à integridade física qualificada – art.ºs 143º, 145º, nº 1, al. a), e
132º, al. h), do CP e, também, art.º 132º, nº 2, al. b), do CP, relativamente a Carlota.

- Autoria, na forma consumada de um crime de coação agravada, por parte de Alfredo,


em relação a Benjamin – art.ºs 154º e 155º, nº 1, al. a), do CP.

- Autoria de um crime de homicídio por omissão, na forma tentada, por parte de


Carlota, com questionamento da existência ou não de um homicídio qualificado pro omissão,
na forma tentada – artºs 10º,131º e 132º, nºs 1 e 2, al. b) do CP.

- Autoria de um crime de homicídio por ação, na forma tentada, por parte de Alfredo,
ao impedir os atos de salvamento praticados por Benjamim – artºs 10º e 131º do CP.

- Referência ao concurso aparente (relação de subsidiariedade) com um crime omissão


de auxílio – art.º 200º do CP.

- Referência ao concurso aparente entre o crime de homicídio, na forma tentada, e o


de ofensa à integridade física grave, na forma consumada – artºs 143º e 144º, al. b) do CP –
relação de consunção.

- Autoria, na forma consumada, de um crime de dano qualificado, por parte de Alfredo


(destruição do caixote de lixo, integrando eventualmente a conduta de destruição isqueiro),
desqualificando-o, em razão do desconhecimento do valor do bem destruído – art.ºs 212º,
213º, nº 1, al. c), nº 3, e 204º, nº 4 do CP.

- Autoria, na forma consumada, de um crime de corrupção passiva, por parte de


Ernesto – art.º 373º, nºs 1 e 2 do CP.

- Inexistência de corrupção ativa por parte de Benjamim – art.º 373º do CP -, dado não
resultar do enunciado que este conhecesse a qualidade de funcionário (polícia) de Ernesto.
Havendo erro sobre a factualidade típica – art.º 16º, nº 1, do CP -, que exclui o dolo. Além
disso, sempre poderia estar a atuar no âmbito do direito de necessidade – art.º 34º do CP.

GRUPO I

Caso fosse o magistrado do Ministério Público titular do inquérito, e tratando-se de


diligência indispensável à prova dos factos e à descoberta da verdade, o que faria?

- Existênica de fortes indícios de factos constitutivos de um crime de violência doméstica, na


forma consumada, em concurso efetivo com um crime de homicídio qualificado, na forma
consumada – artºs 152º, nº 1, al. b), 131º e 132º, nºs 1 e 2, al. b) do CP.
- Questionamento da existência, em concreto, de alguma das necessidades cautelares
previstas no artº 204º do CP.

- A difícil verificação das mesmas e a sustentação da aplicação do TIR como a medida


legalmente admissível face aos factos concretamente indiciados.

- Fundamentação com sucinta referência aos princípios que presidem à aplicação das
medidas de coação, onde a prisão preventiva surge como ultima ratio.

GRUPO II

Indique cada um dos crimes praticados e identifique os respetivos responsáveis.


Justifique.

- Referência à inimputabilidade de Ricardo – artº 19º do CP.

- Coautoria de um crime de roubo agravado, na forma consumada, por parte de Carlos


- artºs 210º, nºs 1 e 2, al. b), 204º, nº 1, al. a), e 202º, al. a), do CP (com inimputabilidade de
Ricardo).

- Questionamento da existência ou não de intenção de apropriação por parte de Carlos


e Ricardo, sendo sustentável a plausibilidade da referida intenção nas circunstâncias em que
foi encontrado o veículo, mais de 2 meses depois, entre outros fundamentos – mudança das
chapas de matrícula, etc..

- Referência às coisas desaparecidas do interior do veículo como abrangidas pela


conduta típica do crime de roubo já realizado (não havendo autonomia).

- Referência ao crime de coação agravada, não punível, por parte de Maria – art.º
154º, nºs 1 e 3, al. a), do CP.

- Questionamento da relevância jurídico-penal do consumo conjunto de cannabis –


mero consumo ou tráfico de menor gravidade, por parte de Mariana e Carlos – art.º 25º do DL
nº 15/93, de 22/01.

- Coautoria, por parte de José (instigador/autor) de um crime de falsificação de


documento autêntico, na forma consumada – art.º 256º, nº 1, al. b), e nº 3, do CP e Acórdão
de Fixação de Jurisprudência nº 3/98. Coautoria do mesmo crime por parte de Carlos (Ricardo
é inimputável).

- Questionamento do eventual concurso efetivo com um crime de favorecimento


pessoal, por parte de José – art.º 367º, nº 1, do CP.
GRUPO II

Caso fosse o magistrado do Ministério Público titular do inquérito, e tratando-se de


diligência indispensável à prova dos factos e à descoberta da verdade, o que faria?

- Referência aos deveres do arguido, apenas em relação a Carlos – art.º 61º, nº 3, al.
d), do CPP -, pois Ricardo é inimputável.

- Questionamento da prévia notificação com a cominação do crime de desobediência –


art.º 348º do CP.

- Referência à necessidade de intervenção do juiz – art.º 154º, nºs 2 e 3, do CPP.

GRUPO II

Considerando cumpridas todas as formalidade legais, admitia a constituição de


assistente requerida por Bernardino?

E realizava a instrução, nos termos requeridos?

- Admissibilidade da constituição de Bernardino como assistente num crime de ofensa


à integridade física grave de que fora vítima – art.º 68º, nº 1, al. a), do CPP.

- Referência à necessidade de delimitação dos factos para que possa haver


instrução/vinculação temática – art.º 287º, nº 2, do CPP – com questionamento de uma tal
necessidade em contraponto ao facto de a rejeição do requerimento só ser admissível nos
casos previstos no art.º 287º, nº 3, do CPP. Não há lugar a convite ao aperfeiçoamento –
Acórdão de Fixação de Jurisprudência nº 7/2005.
CENTRO DE ESTUDOS JUDICIÁRIOS
31º CURSO DE FORMAÇÃO PARA OS TRIBUNAIS JUDICIAIS

PROVA ESCRITA
DE
DIREITO PENAL E DIREITO PROCESSUAL PENAL

Via Académica

AVISO DE ABERTURA: AVISO Nº 214 0/2014, PUBLICADO EM


D.R. II SÉRIE, Nº 30, DE 12 DE FEVEREIRO DE 2014

DATA: 30 DE ABRIL DE 2014

2ª CHAMADA

HORA: 14H15M (DE ACORDO COM O DISPOSTO NO ARTº 12º


DO REGULAMENTO INTERNO DO CENTRO DE ESTUDOS
JUDICIÁRIOS, O TEMPO DE DURAÇÃO DA PROVA INICIA -SE
DECORRIDOS 15 MINUTOS APÓS A HORA DESIGNADA)

DURAÇÃO DA PROVA: 3 HORAS

1
PROVA ESCRITA

DE

DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL

VIA ACADÉMICA

2ª Chamada

O candidato deverá responder obrigatoriamente a todas as questões colocadas

A cotação máxima exige um tratamento completo das várias questões suscitadas,


que deverá ser coerente e corretamente fundamentado, com referência e apreciação
crítica das várias teses eventualmente em confronto, sendo tidos em consideração a
pertinência do conteúdo, a qualidade da informação transmitida em relação ao tema
proposto, a organização da exposição, a capacidade de argumentação e de síntese e o
domínio da língua portuguesa

Cotações:

Grupo I-A: 11 valores

Grupo I-B: 2 valores

Grupo II-A: 4 valores

Grupo II-B: 1,5 valores

Grupo II-C: 1,5 valores

2
GRUPO I
A
1. No dia 22 de fevereiro de 2013, João decidiu correr ao cair da noite,
como habitualmente fazia. De ténis e fato de treino preto vestido, saiu da
aldeia e meteu-se à estrada. Ia correr 5 Km até à aldeia mais próxima e
depois voltava. Ia e vinha sempre do mesmo lado da estrada, porque do
outro elevava-se a vertente da montanha, a pique, não lhe deixando
qualquer espaço de fuga, no caso de lhe aparecer algum veículo
desgovernado, o que já acontecia no lado onde seguia, ainda que
tivesse de saltar os rails, montanha abaixo, tanto mais que a largura da
estrada pouco mais dava do que para dois carros se cruzarem.
2. Nesse dia, mais ou menos a meio do percurso entre as duas aldeias,
sentindo a aproximação de um veículo nas suas costas, João
aproximou-se o mais possível dos rails de proteção, sobretudo depois de
se aperceber que do lado contrário se aproximava um outro veículo.
3. Mal tempo teve de olhar para trás, João foi colhido pelas costas com a
parte frontal direita do veículo PM-00-00, um jeep conduzido por Pedro,
no exato momento em que o veículo GD-00-00, conduzido por Zulmiro,
se encontrava a cerca de 20 metros de distância, circulando no sentido
contrário àquele.
4. A acesa discussão que Pedro mantinha com Gracinda, fez aquele
distrair-se da condução do veículo e não reparar na presença de João
naquela curva da estrada. João foi projetado por cima dos rails de
proteção acabando por ir bater com o corpo e a cabeça num plátano ali
existente, ficando inanimado entre os rails e a árvore.
5. Zulmiro deteve lentamente o veículo por si conduzido, ocupando o meio
da estrada, dado se ter apercebido que o outro condutor pretendia
continuar a sua marcha. De seguida, saiu do veículo e correu em
direção a João com a intenção de o levar ao hospital.
6. Mas Pedro, que entretanto tinha saído do seu veículo, colocou-se à
frente de Zulmiro, dizendo-lhe que não havia tempo a perder e que
tinham de sair todos dali. Acrescentando, em tom ameaçador: “Se não
tiras o carro do meio da estrada, a seguir és tu”.
7. Zulmiro retorquiu que seria pior para ele se não socorresse João, pois a
vida deste ainda podia ser salva. “Pior para mim?” Respondeu Pedro.
“Pior para nós”, quer você dizer. “Não se esqueça de que vai ser a sua
palavra contra a minha e a da minha mulher. E a minha Gracinda faz
sempre o que lhe digo.”
8. De seguida, Pedro explicou a Zulmiro que, se a tal fosse obrigado,
iriam dizer à polícia que ele vinha a conduzir o veículo GD no meio da
estrada com os máximos ligados, tendo Pedro ficado encandeado por
causa disso, e assim impedido de ver o peão.

3
9. Zulmiro ainda tentou convencer Pedro a ir embora e deixá-lo socorrer
João, o qual tentava mexer-se, produzindo alguns gemidos, mas aquele
gritou-lhe: “Desaparece, antes que eu perca a cabeça”.
10. Ao ver que Zulmiro se afastava Pedro disse-lhe: “não te preocupes que
todos nós temos de morrer um dia, e tu também”.
11. Com receio de que Pedro pudesse estar armado, Zulmiro meteu-se no
carro e abandonou o local. Sendo que Pedro, depois de se assegurar
que Zulmiro tinha finalmente seguido viagem, partiu em direção a casa.
12. Zulmiro, desde que saiu do local do acidente, tentou várias vezes ligar
com o seu telemóvel para o 112, mas naquela zona não tinha rede e não
havia qualquer outro meio de telecomunicação disponível. Chegou a
casa 15 minutos depois. Ainda pensou ligar ao 112 do seu telefone fixo,
mas lembrou-se do que Pedro lhe havia dito e decidiu nada fazer, e
também porque pensou que nesse momento já de nada serviria chamar
uma ambulância.
13. Por seu turno, quando Gracinda, meio assustada com tudo aquilo, disse
no carro que o “pobre coitado” devia estar muito ferido, Pedro gritou-lhe
que se calasse, “ali e para sempre”. Acrescentando: “Se não te calas já,
levas uma bofetada.” Gracinda calou-se imediatamente. Ainda pensou
chamar uma ambulância quando chegasse a casa, mas, com medo de
Pedro, desistiu da ideia e tentou esquecer o assunto.
14. Nessa e na noite seguinte, Gracinda não conseguiu dormir, mesmo
tomando os calmantes que a médica lhe havia receitado, e que
habitualmente usava para fazer face às noites de insónia que se
seguiam às discussões que o marido tinha com ela. Ainda tentou falar
mais uma vez com Pedro sobre o assunto, mas este deu-lhe um
encontrão, que quase a atirou ao chão, e afastou-se, dando-lhe a
entender que sobre isso não lhe admitia qualquer conversa.
15. Gracinda, porque nunca tinha saído do veículo e este se tinha
imobilizado uns metros mais à frente do local onde se encontrava o
corpo de João, nunca se inteirou do verdadeiro estado em que este
tinha ficado.
16. Entretanto, 30 minutos depois, passou no local do acidente Albertino,
jovem de 20 anos, que lutava há meses contra a sua toxicodependência,
a qual lhe causara já bastantes problemas com a polícia. Ao aperceber-
se da presença de um corpo e de uma mancha de sangue que invadia a
estrada, decidiu parar o carro, mantendo os respetivos faróis ligados, e ir
ver o que se passava.
17. João, nesse momento, não se mexia nem suspirava. O frio da noite
devia ter reduzido a tal ponto os batimentos cardíacos que Albertino
não conseguia pressenti-los, apesar de o ter tentado, no pulso e no
pescoço, o que aliado ao corpo frio e ao rosto pálido de João o deixou
convencido de que o mesmo já estaria morto. Por isso, saiu dali com

4
toda a pressa, decidido a não contar nada a ninguém, não fosse
pensarem que tinha sido ele a provocar aquela morte.
18. Acontece que, algumas dezenas de metros mais à frente, cruzou-se com
um carro da polícia, cujos agentes, Furtado e Felisberto, conhecia
bem. Estes mesmos agentes vieram, logo a seguir, a deparar-se com o
corpo de João. Via rádio, chamaram imediatamente uma ambulância,
informando que se tratava de um ferido grave.
19. A ambulância teria chegado ao local cerca de 15 minutos depois, mas
por ser a única disponível, o comandante dos bombeiros, Raimundo, a
pedido urgente de um médico seu amigo, determinou que a mesma
recolhesse em primeiro lugar um doente com enfarte do miocárdio. O
que implicou um desvio e um atraso de cerca de 10 minutos.
20. Transportado na ambulância ainda com vida, João acabou por morrer
quando dava entrada no hospital. Sendo que se tivesse chegado 10
minutos antes, uma transfusão de sangue teria possibilitado salvar-lhe a
vida.
21. Associando o sucedido à passagem de Albertino no local onde
encontraram João, os agentes Furtado e Felisberto decidiram ir
esperá-lo perto de um Café onde sabiam que estaria àquela hora.
Aguardaram que Albertino saísse e disseram-lhe para entrar no veículo.
Albertino acedeu, pensando desse modo ganhar a confiança dos
agentes.
22. Furtado conduzia o veículo e Felisberto seguia atrás, junto à porta do
lado direito, enquanto Albertino ia sentado no banco do meio.
Segurando-lhe no braço direito, que ia apertando cada vez mais,
Felisberto perguntou-lhe: “o que se passou hoje para os lados da curva
do plátano?” Albertino não respondeu. Felisberto repetiu a pergunta,
apertando ainda mais o braço, de tal modo que Albertino sentiu fortes
dores.
23. Furtado, que observava pelo retrovisor o que passava lá trás, imobilizou
o veículo na berma da estrada. Felisberto reagiu dizendo: “O que estás
a fazer? Continua!” Tendo Furtado respondido “Oh Felisberto! Vê lá o
que fazes, não quero problemas”. “Mas eu estou a fazer alguma coisa,
Furtado?” Retorquiu Felisberto. Tendo Furtado reiniciado de seguida a
marcha do veículo.
24. Ao passarem por um curral abandonado, sem porta, que ficava perto da
estrada, propriedade de um pastor chamado Leonardo, Felisberto
disse a Furtado para parar o veículo. De seguida, disse a Albertino
para sair e dirigir-se para o interior do dito curral, o que aquele fez sem
protestar, pois já os conhecia há alguns anos e sabia que tudo aquilo
não passaria afinal de uma encenação.
25. Furtado perguntou então a Felisberto o que é que ia fazer.
Respondendo Felisberto que não era nada com ele e que não se
“metesse”. De seguida, disse a Albertino que descalçasse as botas e

5
que lhas entregasse, o que aquele fez. Albertino só depois reparou que
a entrada do curral estava coberta de tojo, tão denso, que seria
impossível caminhar sobre ele, sem se picar dolorosamente.
26. Convencendo Furtado de que aquilo era apenas uma brincadeira,
saíram do local com o veículo, tendo Felisberto a intenção de ali voltar
cerca de 10 minutos depois.
27. Acontece que mal entravam no carro, já Albertino subia a parede em
pedra do curral e destapava a parte traseira do telhado, tirando algumas
telhas, que se quebravam à medida que eram atiradas para o chão.
Partiu 10 telhas até obter uma abertura, pela qual saiu.
28. Na parte traseira do curral a existência de um pinheiro centenário
impedia que à sua volta crescesse qualquer tojo, o que possibilitou a
Albertino caminhar descalço, até a um pequeno desvio que o levou à
estrada. Daí seguiu a pé, no sentido contrário ao tomado pelos agentes,
até conseguir boleia de um habitante da sua aldeia, que o levou a casa.
29. De regresso ao curral, cerca de 10 minutos depois, no mesmo veículo
conduzido por Furtado, Felisberto, ao aperceber-se que Albertino já lá
não se encontrava, disse a Furtado para saírem dali, o que aquele fez.
Momentos depois, Felisberto perguntou a Furtado se conhecia algum
penhasco onde pudessem ser lançadas as botas. Furtado conduziu-o
até um penhasco, sobre o qual Felisberto atirou as botas de Albertino.

Indique cada um dos crimes praticados e identifique os respetivos


responsáveis. Justifique (11 valores)

6
B
1. Na manhã do dia 12 de março de 2013, no decurso de uma busca à
residência do arguido Albertino, por suspeita fundada de tráfico de
estupefacientes, o órgão de polícia criminal que a executava veio a
apurar que o mesmo tinha uma outra residência, em Sintra.
2. Considerando o OPC necessário estender as buscas a essa outra
residência, solicitou ao Ministério Público que requeresse ao juiz de
instrução a emissão do respetivo mandado. O que foi feito, por
despacho proferido ao fim da manhã do mesmo dia.
3. Tal mandado foi transmitido, via faxe, ao OPC que desenvolvia a
investigação. A busca pretendida foi realizada ao início da tarde do
dia 12 de março com a presença do Presidente da Junta de
Freguesia, a quem foi entregue cópia do faxe do mandado, dada a
ausência do arguido e de qualquer seu familiar ou vizinho. A referida
cópia, porém, por deficiências do aparelho do faxe recetor, era
parcialmente ilegível, embora fosse percetível, com algum esforço, a
identificação do magistrado judicial que tinha ordenado a busca, o
tribunal em que aquele exercia funções, o local de realização da
busca, correspondente à morada da residência do arguido em Sintra
e respetivos anexos, e a permissão para proceder a arrombamentos
e escalamentos se tal se mostrasse necessário, bem como a
fundamentação sucinta, em termos de facto e de direito, da busca a
realizar.
4. Tal busca foi interrompida às 18h30m e retomada no dia seguinte às
7h00m, a fim de ser levada a cabo nos anexos da residência.
Estando presente a mulher do arguido, o defensor deste aconselhou-
a a recusar-se a entregar as chaves do anexo com fundamento no
facto de a cópia do mandado de busca inicialmente apresentado ser
parcialmente ilegível, abandonando ambos de seguida o local,
mesmo sabendo que entretanto já tinha chegado à posse do OPC
um exemplar do original do mandado e uma cópia do despacho que
determinara a realização da busca, os quais acabaram por ser
entregues ao Presidente da Junta de Freguesia, procedendo-se de
seguida ao arrombamento das portas dos anexos e à realização das
buscas pretendidas.
5. No dia 14 de Março, através do seu defensor, veio o arguido invocar
a nulidade da busca e de toda a prova com ela obtida, por considerar
tratar-se de prova absolutamente proibida, nos termos do art.º 126º
do CPP, e pela circunstância de não ter sido dado cumprimento ao
disposto no art.º 176º, nº 1, do CPP, o qual não se pode considerar
cumprido com mera entrega de fotocópia de um faxe do mandado,
sobretudo quando o mesmo era parcialmente ilegível.

Pronuncie-se sucintamente sobre a pretensão formulada pelo arguido


(2 valores)

7
GRUPO II
A
1. José nasceu a 15 de abril de 1933 e o seu filho Filipe a 13 de março de
1965. José vivia na sua residência com Filipe, que desde há algum
tempo sofre de problemas de cariz psiquiátrico, pelos quais já esteve
internado numa clínica psiquiátrica.
2. Desde o falecimento da sua mulher, ocorrido em 03/02/2012, que a sua
relação com Filipe se pautava por alguma conflitualidade, sendo que o
filho se vinha revelando cada vez mais irritado e nervoso para com o pai,
desconfiando de qualquer atitude que este tomasse, chegando
inclusivamente a examinar exaustivamente a comida que aquele lhe
preparava e servia.
3. Por força de tais circunstâncias, e conhecedor dos problemas
psiquiátricos de que padecia o filho, apesar de não ser titular de licença
de uso e porte de arma, José possuía um revólver carregado, calibre
6,35, em preto oxidado, marca Browning, bem como uma caixa com
trinta munições por deflagrar, os quais guardava na gaveta da mesa de
cabeceira da cama, a fim de se proteger contra qualquer investida mais
agressiva que Filipe pudesse vir a ter contra si, e já que a sua idade não
lhe concedia o vigor físico necessário para o poder dominar.
4. No dia 20 de abril de 2012, pelas 22h00m, José encontrava-se na casa
de banho da sua residência, quando foi abordado por Filipe, que iniciou
com ele uma discussão, no decorrer da qual lhe desferiu murros na
cabeça e pontapés no corpo.
5. José conseguiu libertar-se do filho e dirigiu-se ao quarto de dormir com
intenção de se servir da arma em sua defesa, tentando dessa forma
evitar que Filipe continuasse a agredi-lo. Entretanto, Filipe dirigiu-se
para o seu quarto.
6. Empunhando a arma, José procurou o filho, indo encontrá-lo no quarto
deste, a remexer num armário ali existente, posicionado de lado em
relação a si.
7. Ao ver o comportamento do filho, José pensou imediatamente que o
mesmo se iria munir de algum objeto para o agredir e, como forma de se
defender, apontou-lhe a arma que trazia consigo e disparou “à sorte”
dois tiros na direção de Filipe, que o atingiram no braço esquerdo.
Nesse momento, José encontrava-se a cerca de três metros de Filipe.

8
8. Ferido, Filipe dirigiu-se então ao pai e retirou-lhe a arma da mão. José
abandonou assustado a residência, indo para a rua, em busca de
socorro, onde foi ajudado por Luís, que o levou a casa de Belmiro, a
quem solicitou que chamasse ao local a polícia e uma ambulância.
9. Filipe, quando se encontrava no seu quarto a remexer no armário,
procurava, na realidade, um CD para ouvir música.
10. Filipe foi entretanto transportado numa ambulância para o hospital.
11. Em consequência dos disparos, Filipe apresentava dois orifícios no
antebraço esquerdo, correspondentes aos orifícios de entrada e de
saída do projétil, e um outro orifício, correspondente à entrada do projétil
que se encontra alojado no mesmo braço, tendo sofrido lesões que lhe
causaram quinze dias de doença com igual período de afetação da
capacidade de trabalho.

Indique cada um dos crimes praticados e identifique os respetivos


responsáveis. Justifique (4 valores)

9
B
Suponha que Armando, irmão de Filipe e filho de José, havia presenciado os
factos, tendo posteriormente prestado declarações como testemunha perante a
autoridade policial, em sede de inquérito, e perante o juiz de instrução, na fase
instrutória do processo. Todavia, o seu estado de saúde agravou-se, em
moldes que o impossibilitaram de prestar depoimento em sede de audiência de
julgamento. Nesta, José usou do seu direito ao silêncio, recusando-se a
prestar declarações.

Considerando as descritas circunstâncias, que valor atribuiria às declarações


anteriormente prestadas por Armando, sabendo que este era filho de José e irmão de
Filipe? Justifique (1,5 valores)

Suponha que Duarte, testemunha fulcral arrolada pelo Ministério Público,


apesar de se encontrar regularmente notificada, não compareceu à primeira
sessão da audiência de julgamento por se encontrar na Alemanha. Foram
ouvidas as pessoas presentes e designada nova data para a inquirição de
Duarte. Apesar de ter sido notificado, voltou a não comparecer por ainda se
encontrar na Alemanha, comunicando ao tribunal que regressaria ao país
dentro de dois meses.
O Ministério Público requereu o adiamento da audiência e a designação de
uma nova data para a sua continuação, que fosse posterior ao regresso de
Duarte.

Pronuncie-se sobre a pretensão deduzida pelo Ministério Público (1,5 valores)

10
CENTRO DE ESTUDOS JUDICIÁRIOS

PROVA ESCRITA DE DIREITO PENAL E DIREITO PROCESSUAL PENAL

VIA ACADÉMICA

2014 - 2ª CHAMADA

CRITÉRIOS DE CORREÇÃO

A cotação máxima exige um tratamento completo das várias questões suscitadas, que
deverá ser coerente e corretamente fundamentado, com referência e apreciação crítica das
várias teses eventualmente em confronto, sendo tidos em consideração a pertinência do
conteúdo, a qualidade da informação transmitida em relação ao tema proposto, a
organização da exposição, a capacidade de argumentação e de síntese e o domínio da língua
portuguesa. Não deixarão de ser valorizadas outras soluções plausíveis, desde que
fundamentadas.

GRUPO I

Indique cada um dos crimes praticados e identifique os respetivos responsáveis.


Justifique

- Autoria de um crime de coação agravada, na forma consumada, por parte de Pedro –


art.ºs 154º e 155º, nº1, al. a), do CP.

- Autoria de um crime de homicídio, na forma consumada, por parte de Pedro


(comissão por ação, na medida em que Pedro interrompe e impede um processo causal de
salvamento, que, a ter acontecido, teria com toda a probabilidade evitado a morte de João) –
art.º 131º do CP.

- Referência ao concurso aparente (relação de subsidiariedade) com um crime omissão


de auxílio – art.º 200º do CP.

- Autoria de um crime de omissão de auxílio por parte de Zulmiro e Gracinda, não


punível – art.º 200º, nº 3, do CP.

- Referência ao dever de garante de Zulmiro e Gracinda e consequente afastamento, à


partida, da autoria do crime de homicídio por omissão, em virtude de terem agido em estado
de necessidade desculpante – art.º 131º, 10º e 35º do CP.

- Questionamento da autoria de um crime de violência doméstica, na forma


consumada, por parte de Pedro - art.º 152º, nº 1, al. a), do CP.
- Autoria de um crime de omissão de auxílio, por parte de Albertino, não punível, por
erro sobre a factualidade típica, que exclui o dolo – art.º 200º e 16º, nº 1, do CP.

- Valendo o mesmo raciocínio para a hipótese do homicídio por omissão, com eventual
questionamento relativamente à possibilidade de a conduta de Albertino ser ou não
subsumível ao crime de homicídio negligente, por via do art.º 16º, nº 3, 137º, nº 1, e 15º, al.
b), do CP.

- Referência ao conflito de deveres na atuação de Raimundo, no âmbito de um estado


de necessidade justificante, que exclui a ilicitude – art.º 36º, nº 1, do CP.

- Questionamento da autoria, por parte de Felisberto, de um crime de tortura – art.º


243º, nº 1, al. a), e nº 3, do CP. Referência ao concurso aparente (relação de consunção) com o
crime de ofensa à integridade física qualificada – art.º 143º e 145º, nº, 1, al. a), nº 2, e 132º, nº
2, al. m), do CP.

- Autoria de um crime de sequestro qualificado, na forma consumada, por parte de


Felisberto – art.º 158º, nºs 1 e 2, al. g), do CP.

- Autoria de um crime de dano, na forma consumada, por parte de Albertino, cuja


ilicitude se mostra excluída em virtude de ter atuado no âmbito do direito de necessidade –
art.ºs 212º e 34º do CP.

- Questionamento da autoria por parte de Felisberto de um crime de abuso de poder,


quando retira as botas a Albertino – art.º 382º do CP – a possibilidade de um eventual
concurso efetivo com a coautoria de um crime de dano, quando lança as botas no penhasco –
art.º 212º do CP.

- Questionamento da coautoria, por parte de Furtado, de um crime de dano, na forma


consumada – art.º 212º do CP.

GRUPO I

Pronuncie-se sucintamente sobre a pretensão formulada pelo arguido

- Referência ao art.º 111º, nº 3, al. c), do CPP – possibilidade de comunicação dos atos
processuais entre as autoridades judiciárias e os OPC através de telecópia.

- Referência ao facto de a informação constante da cópia do faxe conter os elementos


essenciais legalmente previstos para a comunicação a realizar – artºs 174º, nº 2, 176º, nºs 1 e
2, e 177º, nº 1, do CPP.

- Referência ao facto de, a ter havido irregularidade, a mesma ficou sanada com a
entrega das cópias no dia seguinte, antes da efetivação da busca aos anexos – art.ºs 176º e
123º do CPP.
GRUPO II

Indique cada um dos crimes praticados e identifique os respetivos responsáveis.


Justifique

- Autoria, por parte de José, de um crime de detenção de arma proibida – art.ºs 2º, nº
1, al. p), 3º, nº 4, al. a), e 86º, nº 1, al. c), e nº 3, da Lei nº 5/2006, de 23/02, na revisão dada
pelo Lei nº 12/2011, de 27/04.

- Autoria de um crime de ofensa à integridade física, na forma consumada,


eventualmente qualificada, por parte de Filipe, questionando-se a eventual inimputabilidade
deste por anomalia psíquica – artºs 143º, nº 1, 145º, nº 1, al. a), nº 2, 132º, nº 2, al. a), e 20º
do CP.

- Enquadramento da conduta de José no tipo-de-ilícito de ofensa à integridade física


qualificada, questionando-se a possibilidade do homicídio qualificado, na forma tentada, com
dolo eventual – art.ºs 143º, nº 1, 145º, nº 1, al. a), e nº 2, 132º, nº 2, al. a), e 131º, 132º, nºs 1
e 2, al. a), 14º, nº 3, 22º, nºs 1, 2, al. b), e 23º do CP.

- Em qualquer caso, com a agravação prevista no art.º 86º, nº 3, da Lei nº 5/2006

- Sendo, porém, de ter em conta o erro sobre os pressupostos da legítima defesa, por
parte de José, com referência ao art.º16º, nºs 2 e 1, do CP.

- Poderia, no entanto, colocar-se ainda a possibilidade do excesso de legítima defesa, a


implicar a punibilidade da conduta de José a título de negligência – art.ºs 33º e 16º, nº 3, do
CP.

GRUPO II

Considerando as descritas circunstâncias, que valor atribuiria às declarações anteriormente


prestadas por Armando, sabendo que este era filho de José e irmão de Filipe? Justifique

- Questionar a relevância da faculdade de a testemunha se recusar a depor, durante as


várias fases processuais, e sobretudo na interpretação das disposições conjugadas dos art.ºs
356º, nºs 1, al. b), nº 4, nº 6, e art.º 134º, nº 1, al. a), do CPP.

- Podendo eventualmente considerar-se (ou questionar-se) que das disposições


normativas citadas resulta a possibilidade de valoração das declarações prestadas perante o
juiz de instrução, ao abrigo do nº 4 do art.º 356º do CPP, e já que a impossibilidade da sua
valoração ao abrigo das disposições conjugadas dos art.ºs 356º, nº 6, e 134º, nº 1, al. a), do
CPP, parece exigir ou pressupor uma verificação positiva de recusa de prestação de
depoimento em audiência de julgamento, que no caso não aconteceu.
GRUPO II

Pronuncie-se sobre a pretensão deduzida pelo Ministério Público

- Referência à impossibilidade de haver mais do que um adiamento da audiência de


julgamento por falta de testemunhas – art.º 331º, nºs 1 e 3, do CPP

- In casu, o adiamento implicaria a perda de eficácia da prova – art.º 328º, nº 6, do


CPP.

- Salvo melhor fundamentação, a solução seria o indeferimento da pretensão deduzida


pelo Ministério Público.
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2012 - 1ª CHAMADA

CRITÉRIOS DE CORREÇÃO

A cotação máxima exige um tratamento completo das várias questões suscitadas,


que deverá ser coerente e corretamente fundamentado, com referência e
apreciação crítica das várias teses eventualmente em confronto, sendo tidos em
consideração a pertinência do conteúdo, a qualidade da informação transmitida
em relação ao tema proposto, a organização da exposição, a capacidade de
argumentação e de síntese e o domínio da língua portuguesa. Não deixarão de ser
valorizadas outras soluções plausíveis, desde que fundamentadas.

GRUPO I

A
Identifique cada um dos crimes praticados e os respetivos responsáveis.
Justifique.

- Artº 210º, nº 1 do CP – dois crimes de roubo, por parte de Alfredo e de


Belmiro. Questionar, à luz do nº 2, al. b) do artº 210º do CP e do artº 204º, nº 1, al. h)
e nº 2, al. g) do CP a possibilidade ou não de estarmos perante a coautoria, na forma
consumada, em concurso efetivo, de dois crimes de roubo agravado, por parte de
Alfredo e de Belmiro.

- Artºs 203º e 207º, al. a) do CP- autoria, na forma consumada, de um crime de


furto simples, por parte de Belmiro (o qual, in casu, reveste natureza particular).

- Artº 231º, nº 2 do CP – questionamento da existência de autoria, na forma


consumada, de um crime de recetação, por parte de Alfredo. Além do mais, referir se
há ou não elementos que nos permitam concluir pela verificação de fundada suspeita
ou “suspeita razoável” sobre a proveniência ilícita típica dos comprimidos
“Lovegreen”.

- Artºs. 21º nº 1 e nº 4, e 25º al. b) do Dec-Lei nº 15/93 de 22-01, com


referência à tabela IV, anexa àquele Decreto-Lei - Autoria, na forma consumada, de
um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, por parte de Alfredo e de
Belmiro.

- Art. 221º nº 1 e nº 3, 22º, nºs 1 e 2, al. a), 23º, nºs 1, 2 e 3 do CP – Coautoria,


na forma tentada (tentativa impossível punível), de um crime de burla informática, por
parte de Alfredo e de Belmiro (podendo aqui entender-se, como solução plausível,
que a factualidade em causa estará ainda abrangida pelo roubo).

1
- Artº 165º, nº 2 do CP - Autoria, na forma consumada, de um crime de abuso
sexual de pessoa incapaz de resistência, por parte de Alfredo.

- Artº 199º, nº 2, al. a) e b) do CP - Autoria, na forma consumada, de um crime


de fotografia ilícita, por parte de Alfredo.

- Artºs 131º, 10º, 22º, 23º, nºs 1 e 2 e 73º, nº 1, al. a) e b) do CP – Autoria, na


forma tentada, de um crime de homicídio por omissão, com dolo eventual, por parte
de Alfredo e de Belmiro (este como instigador);

- Artºs 192º, nº 1, al. b) do CP - Autoria, na forma consumada, de um crime de


devassa da vida privada, por parte de Alfredo.

B
Pronuncie-se sucintamente sobre:

a) A legalidade da detenção de Alfredo

- Não constitui detenção ilegal o facto de Alfredo, após notificação efetuada ao


abrigo do artº 273º, nº 2 do CPP, ter acompanhado voluntariamente os agentes às
instalações da PJ, e aí ter permanecido enquanto se realizavam diligências
(reconhecimento e interrogatório), sem que em algum momento para tal tenha sido
obrigado ou haja manifestado a vontade de se ausentar do local.
- Verificavam-se os pressupostos previstos no art. 257º no 2, al. a), b) e c) do
CPP quando a PJ emitiu os mandados de detenção fora de flagrante delito.
- Foi apenas na sequência da execução dos mandados de detenção fora de
flagrante delito, validamente emitidos por autoridade policial competente, que o
arguido Alfredo acabou por ser detido.

b) O valor probatório a atribuir em julgamento ao reconhecimento efetuado


por Claire;

- A questão fundamental a resolver consiste em saber qual a credibilidade a


dar ao reconhecimento pessoal efetuado por Claire nas instalações da Polícia
Judiciária, nas circunstâncias em que o mesmo ocorreu. Isto é, em que medida foi ou
não tal reconhecimento determinado ou relevantemente condicionado pelo anterior
avistamento do arguido à porta do “Café Estrela”, e em que grau poderá tal
avistamento ter marcado a declaração de ciência de Claire, sobrepondo-se ou
contaminando a memória original que tinha do sujeito que havia praticado os factos
imputados. Referência à necessidade de ficarem a constar no auto de reconhecimento
(artº 99º do CPP) os elementos referidos no nº 1 do artº 147º do CPP, tendo em conta
o estabelecido no nº 7 do mesmo artigo? Nomeadamente o facto de Claire ter
avistado o arguido, e em que circunstâncias, cerca de duas horas e meia antes do
reconhecimento pessoal efetuado nas instalações da Polícia Judiciária. Cabendo ou
não a omissão de uma tal menção no disposto no artº 147º, nº 7, com a consequência
de poder retirar ao reconhecimento qualquer valor probatório, independentemente da
fase processual em que o mesmo for invocado.

2
c) a admissibilidade do recurso interposto pelo Ministério Público do
despacho judicial que julgou ilegal a detenção daquele arguido

- Quanto à admissibilidade do recurso, o Ministério Público tem interesse em


agir e legitimidade para recorrer do despacho que julgou ilegal a detenção do arguido,
mesmo que tenha sido determinada a aplicação da medida de coação de prisão
preventiva – artºs 399º, 400º, 401º, nº 1, al. a) do CPP.

GRUPO II

Identifique cada um dos crimes praticados e os respetivos responsáveis. Justifique.

- Artºs 203º, 204º, nº 1, al. a), nº 2, al. e) e f), e 202º, al. a) e d) do CP – Coautoria, na
forma consumada, de um crime de furto qualificado, por parte de Ernesto e
Feliciano. Mencionar o momento em que se verifica a consumação do crime de furto
e referir o abandono dos bens furtados, enquanto facto que precede o disparo da arma,
efetuado por Ernesto, para que se considere afastado o tipo de ilícito previsto no artº
211º do CP – violência depois da subtração – e possa tal conduta ser subsumível ao
tipo do artº 347º, nº 1 do CP. Referência ainda à possibilidade de aplicação do artº
206º do CP.

- Artºs 2º, nº 1, al. p), 3º, nº 4, al. a) e 86º, nº 1, al. c), e nº 3 da Lei nº 5/2006, de
23/02, na versão dada pela Lei nº 12/2011, de 27/04, e artº 347º, nº 1 do Código Penal
– autoria, por parte de Ernesto, em concurso efetivo, na forma consumada, de um
crime de detenção de arma proibida e de um crime de resistência e coação sobre
funcionário, cometido com arma, agravado nos termos do artº 86º, nº 3 da Lei nº
5/2006;

GRUPO III

Pronuncie-se sucintamente sobre a questão suscitada.

– Não há violação do princípio do contraditório. A alteração da qualificação foi


comunicada aos sujeitos processuais. Isto é, no momento próprio, foi dado
cumprimento ao artº 358º, nºs 1 e 3 do CPP. O que o arguido poderia ter feito na
altura era requerer prazo para defesa. Mas não o fez. Não haverá por isso qualquer
nulidade ou irregularidade.

3
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2012 - 2ª CHAMADA

CRITÉRIOS DE CORREÇÃO

A cotação máxima exige um tratamento completo das várias questões suscitadas,


que deverá ser coerente e corretamente fundamentado, com referência e
apreciação crítica das várias teses eventualmente em confronto, sendo tidos em
consideração a pertinência do conteúdo, a qualidade da informação transmitida
em relação ao tema proposto, a organização da exposição, a capacidade de
argumentação e de síntese e o domínio da língua portuguesa. Não deixarão de ser
valorizadas outras soluções plausíveis, desde que fundamentadas.

GRUPO I

A
Identifique cada um dos crimes praticados e os respetivos responsáveis.
Justifique.

- Artº 382º-A, nº 1 – Autoria, na forma consumada, de um crime de violação de regras


urbanísticas por funcionário, por parte de António;

- Artº 21º do DL nº 15/93, de 22/01 – Autoria, na forma consumada, de um crime de


tráfico de estupefacientes por parte de Joaquim; assim como por parte de Pedro; e
também por Feliciano, referindo-se quanto a este o momento em que com a sua conduta
se dá o preenchimento do tipo objetivo e do tipo subjetivo do ilícito em causa, dando-se
relevância ao seu comportamento final apenas para efeitos do artº 31º do mesmo
diploma; responsabilidade criminal da sociedade Constróissim, Lda., nos termos dos
artºs 33º-A do DL 15/93, de 23/01 e 11º, nº 2, al. a), e nº 4 do CP, referindo-se ou
questionando-se a atuação de Pedro em nome e no interesse coletivo, bem como a sua
posição de liderança no seio da empresa.

- Artºs 374º, nº 1, 22º e 23º do CP – Autoria, na forma tentada, de um crime de


corrupção ativa, por parte de Pedro; responsabilidade penal da sociedade Constróissim,
Lda., nos termos do artº 11º, nº 2, al. a) e nº 4 do CP, referindo-se ou questionando-se a
atuação de Pedro em nome e no interesse coletivo, bem como a sua posição de liderança
no seio da empresa. Questionamento da relevância jurídico-penal, ou não, do
telefonema de Pedro e da declaração nele feita a António, de que "só por esse facto,
passaria a merecer a sua simpatia".

- Artºs 154º, 155º, nº 1, al. a), 145º, nºs 1, al. a), e 2, e 132º, nº 2, al. h) do CP – Autoria,
na forma consumada, de um crime de coação grave, por parte de Barnabé,
eventualmente agravado pelo artº 86º, nº 3 da Lei nº 5/2006, de 23/02, com as alterações
introduzidas pela Lei nº 17/2009, de 06/05 e pela Lei nº n.º 26/2010, de 30/08. Não
haverá a burla prevista no artº 220º do CP (burla para obtenção de alimentos, bebidas ou
serviços), porquanto não resulta dos factos que Feliciano tivesse utilizado o serviço de
táxi com a intenção de o não pagar (animus de enriquecimento). A sua decisão de não
pagamento do serviço prestado só surge na sequência do desentendimento sobre os
termos em que o contrato deveria ser integralmente cumprido por Barnabé, fazendo
com que a questão, nos termos em que é posta no enunciado, possa apenas ser colocada
no âmbito do direito civil.

- Artº 86º, nº1, al. c) da Lei nº 5/2006, de 23.02, com as alterações introduzidas pela Lei
nº 17/2009, de 06/05, e pela Lei nº n.º 26/2010, de 30/08, conjugado com os arts. 2º, nº
1, al. e) e x) e 3º, nºs 1 e 2, al. l) – Autoria de um crime de detenção de arma proibida,
por parte do arguido Barnabé.

B
Pronuncie-se sucintamente sobre a questão suscitada.

- Artºs 313º, nº 2 e 123º do CPP – Trata-se, não de nulidade, mas de mera


irregularidade, já sanada por não ter sido arguida em tempo e por se ter tornado
entretanto inútil a sua apreciação, face ao adiamento da audiência para o dia 2 de abril
de 2012. Breve abordagem da distinção fundamental entre nulidades e irregularidades.
Referência à teleologia da norma, ademais se conjugada com os artºs 315º, nº 1, 77º e
78º do CPP, que aponta para a necessidade de os sujeitos processuais terem um
conhecimento prévio de todos os articulados, róis de testemunhas e outros meios de
prova que hajam sido deduzidos no processo, e ainda uma margem temporal suficiente
para, face a esse conhecimento, poderem preparar a audiência de julgamento. Por isso, o
entendimento de que o prazo de 30 dias do artº 313º, nº 2 do CPP se impõe apenas para
o despacho que designa pela primeira vez data para realização da audiência de
julgamento. No caso, além de a irregularidade não ter sido arguida em tempo, a data
finalmente indicada para realização da audiência de julgamento acaba por respeitar o
prazo de 30 dias previsto no artº 313º, nº 2 do CPP.

GRUPO II

A
Identifique cada um dos crimes praticados e os respetivos responsáveis.
Justifique.

- Artºs 280º, al. a), 279º, nº 1, al. a) e 143º, nº 1 do Código Penal – Plausível o
cometimento, na forma consumada, de um crime de poluição com perigo comum
(realçando-se neste caso o facto de estarmos perante um crime que é simultaneamente
de perigo comum e de perigo concreto, sublinhando-se a plausibilidadade ou não da
colocação em perigo de um número indeterminado de pessoas através da contaminação
não só da água do poço e seus potencias utilizadores mas também dos lençóis freáticos e
de outros poços eventualmente circundantes, assim como a sujeição a um perigo
concreto para a integridade física e a saúde de Guilherme e respetiva família
(sublinhando-se quanto ao tipo subjetivo a existência de dolo, relativamente à conduta e
ao perigo), em concurso efetivo com dois crimes de ofensa à integridade física simples
(pelo menos com dolo eventual), por parte de Ivo (instigador) e de Joaquim (autor
imediato). Dois crimes de ofensa à integridade física, porquanto estão em causa bens
eminentemente pessoais (tantos crimes quanto o número de vítimas).

Abordar e afastar a obediência indevida desculpante relativamente a Joaquim


(art. 37º do Código Penal)

B
Se fosse o juiz de julgamento, que valor probatório atribuiria ao depoimento
de Josefina?
- Trata-se de um depoimento indireto (arts. 128º e 129º do CPP).
- A questão fundamental traduz-se em saber se o tribunal, nas circunstâncias do
caso, pode ou não valorar um depoimento testemunhal indireto, que tem como fonte
extraprocessual declarações confessórias de um arguido, produzidas depois da prática
dos factos, quando esse mesmo arguido usa do seu direito ao silêncio na audiência de
julgamento.
- A posição tomada, além do enquadramento legal, deverá passar pela
abordagem do conflito de interesses e de valores em causa, à luz da Constituição da
República Portuguesa, nomeadamente do princípio da descoberta da verdade material e
das garantias de defesa do arguido, declarando ou não a proporcionalidade de uma
eventual valoração do depoimento indireto prestado, enquanto limitação razoável ou
não do direito de defesa do arguido.
CENTRO DE ESTUDOS JUDICIÁRIOS

PROVA ESCRITA DE DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL

2010 - 1ª CHAMADA

CRITÉRIOS DE CORRECÇÃO

Em todas as respostas é valorado positivamente o seu grau de desenvolvimento e


aprofundamento teórico, em especial ao nível da teoria da infracção quando se tratem
de questões de direito substantivo. Para além dos critérios de correcção que a seguir se
indicam, serão valoradas positivamente as respostas que, respeitando as premissas da
factualidade na hipótese, estejam dogmaticamente sustentadas.

Grupo I-1 11 valores

Pretende-se uma análise dos pressupostos típicos de cada crime indiciado, em função da
factualidade colocada na hipótese, analisando posteriormente a responsabilidade penal dos
participantes nos mesmos, nos seguintes termos:

299º CP - associação criminosa:


Um grupo com mais do que três pessoas, agindo de modo organizado no tempo para a prática
de crimes de roubo e falsificação de viaturas, sob as ordens de indivíduos determinados.
[afastar aqui e nos factos de dia 13 a prática de furtos ou furtos qualificados (203º e 204º CP),
pois a violência contra bens jurídicos pessoais, incompatível com a mera tutela do património,
está bem patente nas expressões “vítimas que não resistissem” ou “carjacking”, não sendo
exigido pela violência típica do roubo a existência de “feridos ou mortos”; no caso do roubo
de que Sara é vítima, a violência é clarificada, com esta a ser agarrada pelo braço no veículo,
intimidada verbalmente, amedrontada pelo comportamento e corpulência, agarrada na sala, e
privação da liberdade de locomoção]
- Autolino e Bisga fundaram e, em simultâneo, dirigem o grupo que actua sob as suas ordens,
pelo que são punidos como autores pelo nº3 (prevalece sobre o nº1 por consumpção);
- Cachorrão e Danado fazem parte do grupo, cometendo actos dos roubos e falsificações,
pelo que são punidos como autores pelo nº2;
- Embustim apoia o grupo, cometendo actos das falsificações, pelo que é punido pelo nº2
como autor.

1
210º nº2 CP, com refª 204º nº1 e nº2 CP - roubo qualificado:
[afastar a agravação pelo resultado (210º nº3 Código Penal), pois a morte de Sara não resulta
do “facto”, ou seja, da violência empregue para roubar, nem sequer a violação do dever de
cuidado pressuposta se insere no processo causal do roubo]
[afastar o sequestro, enquanto “crime-meio”, pois a privação da liberdade de Sara, é adequada
e proporcional aos actos de subtracção do veículo e posteriormente das jóias que integram
roubo; o qual se mantém em execução durante todo o período da privação da liberdade]
- Autolino e Bisga são co-instigadores, por determinarem Cachorrão e Danado (são os
“cérebros” com uma determinação inicial genérica, que se mantém ao longo do tempo por
sucessivos actos de direcção); ou eventualmente co-autores mediatos (os “homens de trás”
numa situação de “fungibilidade” na organização). É de afastar a co-autoria, pois não tomam
parte directa na execução do roubo.
Cometem um crime de roubo qualificado, apenas quanto ao veículo [valor 7.500€ - 204º nº1
al. a) CP], uma vez que a entrada no domicílio e a subtracção de valores no seu interior não
se inclui no conjunto dos factos realizados pelo grupo, estando fora do âmbito da sua
determinação/direcção. Ao se apoderarem de parte das jóias, posteriormente, cometem antes
um crime de receptação (cfr. abaixo).
- Cachorrão e Danado são co-autores materiais. Cometem um único crime de roubo
qualificado, embora quanto ao veículo e quanto às jóias [valor 107.500€ - 204º nº1 al. f), nº2
al. a) e nº3 CP], devido à unidade de resolução criminosa e pela ligação espácio-temporal na
subtracção de todos os objectos subtraídos, sendo a vítima a mesma.
Caso a conduta descrita no 1º parágrafo não tenha sido subsumida ao crime de associação
criminosa, o roubo deve ser também qualificado pela alínea g) do 204º nº2 CP, cometido por
membros de “bando”.

163º nº1 ou 164º nº1 al. a) CP, em qualquer caso com refª 22º nº1 al. c) CP, coacção
sexual ou violação na forma tentada
Há início da tentativa, pois os actos praticados, segundo a experiência comum, são de
natureza a fazer esperar que se lhes sigam actos que preenchem o tipo respectivo.
- Danado é o único autor material.

154º nº1 CP, com refª ao 32º CP, coacção, justificado por legítima defesa
- Cachorrão seria o único autor material, mas a sua conduta, ao agarrar e puxar Danado,
encontra-se justificada, para legítima defesa de terceiro, face à conduta daquele que se
encontra em curso. O meio empregue é adequado e proporcional para remover o perigo.

143º nº1 CP, com refª 147º nº1 CP – ofensa à integridade física simples agravada pelo
resultado; ou
137º nº1º – homicídio negligente
- O crime é cometido por Danado, havendo erro de execução (aberratio ictus) ao atingir com
o murro outra pessoa. Caso perfilhada a “teoria da concretização”, realiza uma ofensa tentada
(não punível – art. 23º nº1 CP), praticando apenas um crime de homicídio negligente. Caso
perfilhada a teoria da equivalência, a identidade da pessoa é irrelevante para o preenchimento

2
típico do crime de ofensa, pelo que comete um crime de ofensa à integridade física simples
agravada pelo resultado morte.
Não há dolo quanto ao resultado morte, nem sequer a título de dolo eventual (Sara não era a
destinatária do murro), pelo que restará a responsabilização pelo resultado a título de
negligência, caso a morte fosse no mínimo previsível e se verifiquem os demais requisitos
objectivos e subjectivos do tipo de negligência.

256º nº1 al. a) e nº3 – Falsificação de documento autêntico:


É jurisprudência constante desde o Assento nº 3/98 STJ, proferido no âmbito da redacção
original do Código Penal/82, que a chapa de matrícula de um veículo automóvel, quando nele
aposta, é um documento com igual força à de um documento autêntico.
Apesar da troca de duas chapas de matrícula (um par) trata-se de um único crime, porque a
identificação de um veículo exige duas chapas, pela unidade de resolução criminosa e pela
proximidade espácio-temporal entre as condutas.
- Cachorrão e Danado são co-autores materiais, ao colocar as matrículas falsas no veículo;
- Embustim é co-autor material, por fornecer um dos componentes do documento falso – a
matrícula (al. a) do art. 256º nº1, na nova redacção dada pela Lei nº59/2007, de 4 de
Setembro). Poderá ainda ser autor de um crime de auxílio material, previsto no art. 232º
nº1 Código Penal, devendo debater-se a questão do concurso quanto à falsificação.
- Bisga é instigador ou autor mediato (cfr. acima roubo).
- Autolino é autor material, ao circular com a viatura nessa noite (256º nº1 al. e) e nº3), o que
consome a instigação ou autoria mediata antecedente.

254 nº1 al. a) e nº 2 CP, com refª 22º nº1 al. a) e 23º nº3 CP – ocultação de cadáver, na
forma tentada;
367º nº3 CP, com refª 22º nº1 al. a) e 23º nº3 CP - Favorecimento pessoal, na forma
tentada:
Em ambos os casos, a ocultação e o favorecimento, seriam relativamente ao crime de
homicídio negligente ou ofensa agravada pelo resultado morte.Quanto ao favorecimento
pessoal, este não seria punível relativamente a Danado, enquanto autor material daquele
crime. Quanto à ocultação de cadáver, uma vez que este sabia que o cadáver ficara em casa, o
mesmo não comete este crime. Nem qualquer dos crimes poderia ser cometido por Bisga que
só posteriormente teve conhecimento desses factos, mesmo que diga apoiá-los.
- Cachorrão seria instigador do crime de ocultação de cadáver, mas não havendo início da
execução não é punível (art. 26º in fine CP).
- Autolino seria autor material, mas a tentativa não é punível, pois o cadáver não se
encontrava na mala da viatura, inexistindo o objecto essencial à consumação do crime.
Considerando não ser manifesta a inexistência do objecto, aceita-se a resposta contrária,
fundada na teoria da impressão, atento o desvalor social da acção e numa perspectiva
objectiva-subjectiva.

231º nº1 – Receptação:


- Autolino e Bisga são autores materiais, relativamente às jóias com que cada um ficou.

3
Grupo I-2 3 valores

Análise do regime das declarações para memória futura, previsto no 271º CPP e 356º nº1
al. a) CPP.
Em princípio este meio de prova será admissível, pois a vizinha é uma testemunha e vai
deslocar-se para o estrangeiro (271º nº1 CPP); podendo as declarações ser lidas em
julgamento (356º nº1 al. a) CPP). Todavia, inexistindo arguidos constituídos torna-se
impossível assegurar o contraditório mínimo previsto pelo instituto (nº3), para que a prova
possa valer em julgamento. A resposta deverá ter em consideração que o processo penal
assegura todas as garantias de defesa ao arguido e valoriza o princípio do contraditório (32º
nº1 e nº5 CRP), fazendo a concordância prática entre os direitos do arguido com os interesses
comunitários também constitucionalmente tutelados da justiça penal, segundo o princípio da
proporcionalidade (18º CRP). Neste contexto, quer a afirmativa quer a negativa serão aceites.

Grupo II-1 3,5 valores

277º nº1 al. a) CP com refª 285º CP – infracção de regras de construção, dano em
instalações e perturbação de serviços, agravado pelo resultado morte
Em concurso aparente com um crime de homicídio negligente - 137º CP.
Nenhum dos intervenientes é penalmente responsável, pois quer o resultado de perigo
concreto (perigo de queda) quer o resultado de dano (a morte) são exclusivamente imputáveis
ao próprio trabalhador falecido que, contrariamente às instruções expressas do responsável
pela segurança, infringiu as regras técnicas relativas à sua própria segurança, colocando a sua
vida em risco.
Da parte dos vários intervenientes foram cumpridas e promovidas todas as regras técnicas de
segurança, com excepção das relativas à colocação das redes exteriores. Contudo, não há nexo
de imputação objectiva a esse facto (omissivo) da situação de perigo criada ou da morte
consequente. a colocação da rede não era adequada a evitar o resultado (“causalidade
hipotética” ou “adequação hipotética”), nem a sua colocação em concreto (“comportamento
lícito alternativo”) o teria evitado. Acresce, no mesmo sentido, que a protecção de quedas dos
trabalhadores não cabia na “esfera de protecção” da “norma de cuidado” que exige a
colocação da rede.
Não obstante, a resposta não poderá deixar de analisar os pressupostos típicos do crime, cuja
indiciação é contrariada apenas na sequência dos actos de inquérito.

Grupo II-2 2,5 valores

A diligência é processualmente válida no âmbito das competências cautelares e de polícia,


próprias dos órgãos de polícia criminal, concretamente as previstas nos artigos 55º nº2, 249º
nº1 e nº2, als. a) e b), 171º nº1 nº2 e nº4, e 173º, todos do CPP.

4
Grupo III-1 2,5 valores

160º nº1 al. d) CP – Tráfico de Pessoas


[afastar o lenocínio agravado 169º nº1 e nº2 al. d) CP, por não resultar da hipótese a prática de
prostituição, tal como exigida por essa norma incriminatória]
Pretende-se uma análise dos pressupostos típicos do crime, em função da situação colocada,
sendo valorizada a análise do alargamento típico resultante da última revisão penal,
designadamente ao nível dos instrumentos internacionais que obrigavam o Estado português.
Deverá também ser analisada a questão relativa ao momento da consumação do crime
O conceito de “exploração sexual” é, actualmente, suficientemente amplo para incluir a
situação descrita.
Verifica-se uma situação de aproveitamento objectivo por Adão da situação de especial
vulnerabilidade resultante da toxicodependência da sua condição económica, familiar e de
ilegalidade.
A instrumentalização ou coisificação de Evelina, que não vê outra alternativa real e aceitável
a aceitar a proposta de Adão, é indiciada ainda na desproporção nos pagamentos efectuados,
confirmando a irrelevância do seu consentimento.

Grupo III-2 3,5 valores

Trata-se de uma busca domiciliária nocturna, uma vez que nessa “sala” pernoitam algumas
mulheres e o Adão, após o fecho do estabelecimento. É irrelevante que o estabelecimento
ainda esteja aberto aquando da busca, pois o carácter domiciliário do local mantém-se.
Nos termos do art. 177º nº2 al. a) CPP, a busca nocturna encontra-se expressamente prevista
para a criminalidade especialmente violenta ou altamente organizada, como é o caso do
tráfico de pessoas (art. 1º al. m) CPP). Todavia, nestes casos, a busca não pode ser realizada
pelo OPC sem autorização judicial (art. 177º nº1 e nº2 al. a) e 269º nº1 al. c), ambos do CPP),
o que não sucedeu.
Restam as situações previstas no art. 177º nº2 als. b) e c), ex vi nº3 al. b) do mesmo artigo
do CPP, ou seja, o consentimento documentado do visado ou flagrante delito do crime de
tráfico de pessoas.
Equacionando a inexistência de consentimento que teria de ser dado por Adão, único visado
com a diligência, no sentido constitucionalmente relevante (que deve ser indicado), haveria de
analisar se o crime indiciado, por se tratar de um crime permanente, apresentava “sinais que
mostrem claramente que o crime está a ser cometido e o agente está nele a participar” (256º
nº3 CPP). Aceitam-se os dois sentidos de resposta, desde que adequadamente fundamentados.
A resposta positiva quanto à competência do OPC, permitiria concluir pela admissibilidade da
prova recolhida; enquanto que a resposta negativa implicaria concluir que a prova não poderia
ser valorada, por se verificar a proibição de prova prevista no art. 126º nº3 CPP.

5
CENTRO DE ESTUDOS JUDICIÁRIOS

PROVA ESCRITA DE DIREITO PENAL E DIREITO PROCESSUAL PENAL

A prova tem a duração de 3 horas, que se iniciam 30 minutos após a entrega do


enunciado.

A resposta aos grupos I e II é obrigatória.


Quanto ao grupo III, o candidato deverá optar pela resposta apenas às
perguntas do grupo III-A ou apenas às perguntas do grupo III-B.

Cotação das questões:


 Grupo I
o 1 – 7 valores
o 2 – 2 valores
 Grupo II
o 1 – 3 valores
o 2 – 2 valores
 Grupos III
o A–
 1) 4 valores
 2) 2 valores
o B–
 1) 4 valores
 2) 2 valores
GRUPO I
(RESPOSTA OBRIGATÓRIA)

A Bigodinhos agradava-lhe esta vida. Obtinha bilhetes de identidade roubados,


juntamente com cartões de contribuinte das Finanças, dos mesmos titulares e, com
eles, abria contas nos bancos. Depois, era só esperar mais uma das “encomendas” dos
seus amigos romenos. Esperava que lhe depositassem na conta que abrira aquelas
fabulosas quantias, e, de seguida, utilizando o acesso às contas pela Internet, procedia
à transferência dessas verbas para as contas estranhíssimas que os seus amigos lhe
indicavam. O plano era perfeito e permitia-lhe viver desafogadamente e sem grande
esforço. Apesar disso, preocupava-o o futuro, porque não sabia muito bem como iria
conseguir fazer manter o negócio quando toda a gente passasse a ter o tal novo cartão
único do cidadão de que já ouvir a falar.
Nesta manhã de Fevereiro Bigodinhos sentia-se satisfeito e despreocupado.
Havia uma semana, tinha-se dirigido à agência da Caixa Geral de Depósitos dos
Restauradores e tinha aberto uma conta com documentos roubados (um BI e um
cartão de contribuinte) a um tal Luís Lourenço Lacerda Lopes que, claro está,
Bigodinhos nunca tinha visto na vida. Os documentos tinham-lhe sido emprestados
por um colega que apenas conhecia por Cartolinas, que conhecera havia uns anos no
Linhó. Fora também o Cartolinas quem o ajudara a praticar a assinatura, para melhor
a poder falsificar no banco. Na própria agência bancária, perante o respectivo
funcionário, preencheu e assinou todos os impressos e a ficha de assinaturas, como se
verdadeiramente se tratasse do tal Luís.
Pouco depois de aberta a conta, logo verificou que, como combinado, os seus
amigos romenos tinham nela depositado 100.000 euros. Hoje mesmo, logo cedinho,
como lhe indicaram, transferiu 90.000 euros para uma conta estranha, num banco
com nome português, bem seu conhecido, mas que a seguir ao seu nome comercial
tinha ainda a referência “…. Cayman, Lted.” e tinha morada numas ilhas longínquas,
de que nunca ouvira falar.
Dirigiu-se ao balcão da Caixa, onde preencheu e assinou, com o nome de Luís
Lourenço Lacerda Lopes, um cheque sobre a conta que abrira, emitido ao portador,
no valor de 10.000 euros. Preencheu este cheque na frente do funcionário da caixa, a
quem também mostrou o BI do suposto titular da conta. O valor de 10.000 euros
correspondia à sua comissão, combinada com os romenos. Entregou esse cheque no
balcão e recebeu a respectiva quantia, que guardou consigo.
Que diabo - pensou. Não lhe custava nada pôr o dinheiro dos romenos a salvo
da polícia e era bastante lucrativo para si. Ainda por cima, tinha a convicção de que
não prejudicava ninguém: o cidadão cujo nome e documentos eram usados nunca
saberia da história e os romenos ficavam a lucrar, porque o dinheiro (que julgava ser
da prostituição infantil) que ganhavam, se não fosse assim, seria difícil de lavar. Às
vezes, imaginar que poderia haver miúdos explorados fazia-lhe pena, mas isso, se
fosse verdade, passava-se talvez lá longe, na Roménia e não era com ele. Este
pensamento dava-lhe satisfação e tranquilidade. Vivia disto havia, talvez, três ou
quatro anos.
Bigodinhos saiu da agência bancária afagando as notas que levava no bolso.
Foi de seguida procurar o seu colega Cartolinas, a quem ficara de devolver os
documentos roubados. Uma vez devolvidos esses documentos, decidiu deitar fora
todos os documentos referentes à conta bancária, que já não lhe faziam falta. Assim o
fez, em companhia do Cartolinas, num caixote do lixo, logo ali. Ao fazê-lo, ambos
repararam que dentro do caixote estava uma carteira em couro castanho e preto. Que
estranho - comentaram. Retiraram a carteira e viram que no seu interior estava um
cartão Multibanco, ao qual estava colado um papelinho amarelo com os dizeres 1988.
Ambos pensaram logo que poderia ser o código PIN daquele cartão. Em conjunto,
dirigiram-se a uma máquina ATM. Pretendiam levantar todo o dinheiro que fosse
possível e reparti-lo entre ambos. Introduziram o cartão e o código, verificando que
este era efectivamente o código PIN daquele cartão. Porém, logo a máquina lhes deu
a informação de que não tinha dinheiro disponível.

1 – Dos factos que se descreveram, resulta que Bigodinhos e Cartolinas


praticaram algum crime?

2 – Admita que Bigodinhos e Cartolinas foram detidos pela Polícia


Judiciária imediatamente depois de terem tentado levantar dinheiro. Mais
tarde, ouvidos em inquérito, confessaram todos os factos que praticaram e
disponibilizaram-se a colaborar numa reconstituição dos mesmos,
diligência que a polícia considerou importante para melhor perceber a
respectiva sequência. Confrontado com a confissão e com a reconstituição,
o Ministério Público prescindiu de mais diligências de inquérito e deduziu
acusação. Porém, em julgamento, os dois arguidos optaram por não
prestar nenhumas declarações.
Se fosse juiz do processo, como avaliaria esta prova?

GRUPO II
(RESPOSTA OBRIGATÓRIA)

José Carlos preferia os dias de sol. Na verdade, em dias de chuva havia menos
turistas entre a Baixa e a Sé e assim frustrava-se o seu ganha-pão: José Carlos vivia
há anos do dinheiro que obtinha em assaltos a turistas, que praticava por esta zona da
Sé e do Castelo de São Jorge, em Lisboa.
Neste dia de Fevereiro, chovia em frente da Igreja de Santo António. José
Carlos abrigou-se da chuva na paragem do eléctrico. Parou mesmo junto de um
aglomerado de turistas japoneses, que ali estavam (a José Carlos pareciam japoneses,
embora não estivesse seguro disso). Entretanto, chegou o eléctrico da carreira 28, que
se imobilizou para deixar entrar passageiros. O grupo de turistas japoneses começou a
entrar no eléctrico.
Rapidamente, com o fino instinto que o caracterizava, José Carlos seleccionou
uma turista já idosa para assaltar (veio mais tarde a saber que efectivamente era
japonesa e se chamava Koyama Yamashita). Viu que tinha a tiracolo uma carteira de
cabedal e ao pescoço, pendente por uma correia, uma máquina fotográfica. Pensou
logo que com o dinheiro que a carteira com certeza conteria poderia ir logo beber um
chocolate quente a uma pastelaria. Quanto à máquina, logo se veria, mas seguramente
que o seu amigo Yassuf, que conhecia do Martim Moniz, lhe daria bom dinheiro por
ela.
Com a velocidade de um raio e a agilidade de um tigre, José Carlos precipitou-
se sobre a senhora e puxou-lhe a carteira que tinha a tiracolo. Tentou ainda puxar-lhe
a máquina fotográfica, mas porque estava pendurada do pescoço, a mesma não se
soltou. Quem se soltou foi a senhora, que estava já com um pé no estribo do eléctrico.
Caiu na calçada, desamparada e bateu com a cabeça no chão, ficando aparentemente
inanimada e a sangrar. Ao presenciar a cena, um dos turistas que integrava o grupo,
que era namorado de Koyama Yamashita, ao vê-la assim, caiu igualmente inanimado
no chão. Veio a saber-se mais tarde que tinha história clínica na área das doenças
cardíacas e que lhe tinha sido medicamente desaconselhado ter emoções fortes.
Chamava-se Matsuo Sakurai e morreu em resultado de um enfarte agudo do
miocárdio.
José Carlos rapidamente percebeu que tinha que fugir, para não correr o risco
de ser preso e olhou em volta, procurando o melhor caminho. Porém,
instantaneamente viu-se rodeado pelo grupo de turistas. Como todos eles eram
idosos, pareceu-lhe que não teria problemas de maior. Deu um murro num dos que
lhe pareceu mais frágil e irrompeu para fora da multidão.
Iniciou a sua fuga, mas deu imediatamente de caras com um grupo de jovens
auditores do CEJ, que vinham de assistir a sessões de formação no velho edifício do
Limoeiro e desciam para a Baixa, onde iam almoçar.
Estes auditores não tinham presenciado a cena toda. Apenas se tinham
apercebido de que José Carlos tinha dado um murro a um idoso turista estrangeiro e
se tinha posto em fuga.
Perante esta situação, acharam o respectivo comportamento muito reprovável.
Além disso, como vinham de uma sessão de Penal na qual tinham discutido os
pressupostos da detenção, pareceu-lhes que deveriam proceder à detenção de José
Carlos. Assim fizeram. Deram-lhe voz de detenção e, socorrendo-se de um Código de
Processo Penal de um deles, imediatamente lhe comunicaram os seus direitos e o
constituíram arguido.
Por sorte, junto da Sé estava um agente da Polícia de Segurança Pública, a
quem entregaram logo o detido, explicando-lhe que o mesmo tinha dado um murro a
um turista.
O agente policial telefonou para a central e pediu que lhe enviassem um carro
patrulha. Chegado este, entregou José Carlos aos seus colegas, pedindo-lhes que o
conduzissem ao Comando Distrital da PSP, para os fins que aí tivessem por
convenientes, uma vez que, segundo parecia, tinha dado um murro a um turista e
recomendando-lhes ainda que telefonassem ao Magistrado do Ministério Público de
turno, a informar da detenção. Pediu ainda a estes colegas que, se porventura
voltassem a fazer giro por estes lados, lhe trouxessem uma caneta e um bloco de
papel, objectos que não tinha consigo e que por vezes lhe faziam falta.

1 – Dos factos que se descreveram, resulta que José Carlos praticou algum
crime?

2 – Quando os agentes policiais telefonaram ao Magistrado do Ministério


Público informando que José Carlos tinha sido detido por ter dado um
murro a um turista, o Magistrado de turno no DIAP ordenou a sua
imediata libertação. Comente esta decisão, tendo em conta os factos
descritos.

GRUPO III

(RESPOSTA APENAS ÀS PERGUNTAS DO GRUPO III-A OU ÀS


PERGUNTAS DO GRUPO III-B)

Em acção de fiscalização realizada pela ASAE junto da empresa “Bom


Marisco, Lda.”, foram suscitadas dúvidas sobre os produtos comercializados pela
sociedade.
Foi aberto um inquérito criminal e a competência para a realização das
diligências de investigação foi delegada na ASAE. No decurso do inquérito, foi
apurado que era prática habitual da “Bom Marisco, Lda.” desligar os frigoríficos
durante o fim-de-semana, para poupar energia. Em consequência, os produtos
congelados que lá estavam guardados, à espera de serem vendidos, descongelavam e,
por vezes, durante o tempo quente, apodreciam.
Foi igualmente apurado que, em todas as vezes em que os produtos
apodreceram, o único sócio gerente da sociedade, Bernardo Ermita Camarão deu
ordens ao encarregado do sector frigorífico, Frederico Frio, para voltar a congelar os
produtos (mariscos) e depois os colocar no único camião da sociedade, de modo a
serem distribuídos pelos clientes, no estado de congelados, como se nada de anormal
tivesse acontecido.
Com este procedimento, Bernardo Ermita Camarão pretendia reduzir os custos
da actividade da “Bom Marisco, Lda.”, mantendo os seus lucros. Sabia que é
prejudicial à saúde consumir produtos congelados que foram descongelados e de
novo congelados, o mesmo acontecendo com produtos que apodrecem.
GRUPO III - A
(RESPOSTA OPCIONAL)

1 – Comente os factos descritos, tendo em vista apurar se se indicia a


prática de algum crime previsto e punido pelo Código Penal Português e
quem são as pessoas a quem cabe responsabilidade criminal pelo mesmo.

2 – Admita que no decurso da investigação se apreendeu um telemóvel a


Frederico Frio, em cuja memória a ASAE descobriu uma SMS na qual
Bernardo Ermita Camarão lhe dava instruções para proceder da forma
que acima se descreveu. Pode esta prova ser utilizada?

GRUPO III – B
(RESPOSTA OPCIONAL)

1 – No decurso da investigação realizada, a ASAE procedeu à apreensão


do camião pertencente à “Bom Marisco Lda.” e por ela utilizado na
distribuição dos seus produtos, onde eram transportados também os
produtos estragados. Embora o Ministério Público não se tenha
apercebido dessa apreensão, que nunca foi levada ao seu conhecimento,
em julgamento sustentou que o camião deveria ser declarado perdido a
favor do Estado. Comente esta apreensão e a posição assumida pelo
Ministério Público. A valoração jurídica da situação seria diferente se a
apreensão tivesse sido validada pelo Ministério Público?

2 – No decurso do mesmo julgamento, após ouvir as testemunhas da


acusação e antes de passar a ouvir as testemunhas da defesa, o juiz decidiu
fazer um pequeno intervalo. Ao sair da sala de audiências escorregou e
partiu uma perna. Por essa razão, esteve durante dois meses
impossibilitado de comparecer ao serviço. No entanto, aproveitou este
tempo em casa para ouvir as cassetes onde estavam gravados os
depoimentos das testemunhas que já tinham sido inquiridas. Por esta
razão, quando regressou, prosseguiu o julgamento ouvindo somente as
testemunhas de defesa, que ainda não tinham sido inquiridas. Comente.
CENTRO DE ESTUDOS JUDICIÁRIOS

PROVA ESCRITA DE DIREITO PENAL E DIREITO


PROCESSUAL PENAL

PROVA VIA ACADÉMICA 1ª CHAMADA

CRITÉRIOS DE CORRECÇÃO

Nota- A cotação máxima exige um tratamento completo das várias questões


suscitadas, que deverá ser coerente e correctamente fundamentado, com referência
e apreciação crítica das várias teses eventualmente em confronto, sendo tidos em
consideração a pertinência do conteúdo, a qualidade da informação transmitida
em relação ao tema proposto, a organização da exposição, a capacidade de
argumentação e de síntese e o domínio da língua portuguesa.

GRUPO I
(RESPOSTA OBRIGATÓRIA)
Cotação
1 – 7 valores
2 – 2 valores

1 – Dos factos que se descreveram, resulta que Bigodinhos e Cartolinas


praticaram algum crime?

 Enquadrar no crime de uso de documento de identificação alheio –


Artigo 261º, nº1 – na abertura da conta
 Enquadrar no crime de falsificação de documento – Artigo 256º, nº
1,alínea c) – a abertura da conta com identidade falsa
○ Referir a cumplicidade de Cartolinas
● Enquadrar no crime de branqueamento de capitais – Artigo 368º-A,
nº 3
o Ponderar a agravação do nº 6
 Enquadrar no crime de falsificação de documento – Artigo 256º, nº
1, alínea c), e 3
 Enquadrar no crime de apropriação ilegítima de coisa achada –
Artigo 209º
 Quanto ao levantamento de dinheiro no MB,
o Referir a co-autoria
o Referir que se trata de tentativa

o Enquadrar como
 Ou como burla informática – Artigo 221º, nº 1
 Ou como furto – Artigo 203º, nº 1
 (ambas são admissíveis, por corresponderem às duas
qualificações adoptadas na jurisprudência)

2 – Admita que Bigodinhos e Cartolinas foram detidos pela Polícia


Judiciária imediatamente depois de terem tentado levantar dinheiro.
Mais tarde, ouvidos em inquérito, confessaram todos os factos que
praticaram e disponibilizaram-se a colaborar numa reconstituição dos
mesmos, diligência que a polícia considerou importante para melhor
perceber a respectiva sequência. Confrontado com a confissão e com a
reconstituição, o Ministério Público prescindiu de mais diligências de
inquérito e deduziu acusação. Porém, em julgamento, os dois arguidos
optaram por não prestar nenhumas declarações.
Se fosse juiz do processo, como avaliaria esta prova?

 Abordar a ausência de valor probatório da confissão no inquérito,


nestas circunstâncias
 Abordar em geral a reconstituição
Abordar o valor probatório da reconstituição considerando o facto de
os dois arguidos terem optado por não prestar declarações na audiência
de julgamento
GRUPO II
(RESPOSTA OBRIGATÓRIA)

Cotação
1 – 3 valores
2 – 2 valores

1 – Dos factos que se descreveram, resulta que José Carlos praticou


algum crime?

 Enquadrar a situação como crime de roubo, do Artigo 210º, nº 1 do


Código Penal.
o Abordar o preenchimento do nº 2 do Artigo 210º
o Suscitar a hipótese de, caso a vítima do roubo venha a morrer
(a história é aberta e não esclarece se sim ou não), se
preencher o nº 3 do mesmo Artigo 210º

 Enquadrar segunda situação como ofensa à integridade física


simples, do Artigo 143º, nº 1, do Código Penal.
o Referir que é crime semi-público e, portanto, o procedimento
criminal está dependente de queixa

 Abordar enfarte de miocárdio, referindo não ter relevância penal, por


não haver nenhuma relação causal com actos do agente do crime

2 – Quando os agentes policiais telefonaram ao Magistrado do


Ministério Público informando que José Carlos tinha sido detido por
ter dado um murro a um turista, o Magistrado de turno no DIAP
ordenou a sua imediata libertação. Comente esta decisão, tendo em
conta os factos descritos.

 Referir detenção no Código de Processo Penal - conceitos a abordar,


na resposta:
o Detenção em flagrante – Artigo 256, nºs 1 e 2
o Detenção por particulares – Artigo 255º, n 1, alínea b)

o Entrega de detido a agente policial – Artigo 255º, nº 2


 e elaboração de auto sumário, o que no caso não
aconteceu

 Uma vez que o Ministério Público só soube da existência do crime


de ofensa à integridade física (semi-público), não deveria ter sido
mantida a detenção sem que houvesse queixa do lesado – facto que
não está incluído na história

GRUPO III

GRUPO III - A
(RESPOSTA OPCIONAL)

Cotação
1) 4 valores
2) 2 valores

1 – Comente os factos descritos, designadamente tendo em vista apurar


se se indicia a prática de algum crime previsto e punido pelo Código
Penal Português e quem são as pessoas a quem cabe responsabilidade
criminal pelo mesmo.

 Enquadrar como crime de corrupção de substâncias alimentares –


Artigo 282º, nº 1, alínea b)
 Abordar a responsabilidade de Bernardo e de Frederico
o Autoria material de Frederico
o Autoria moral de Bernardo
o Afastar a obediência indevida desculpante

 Abordar a responsabilidade da pessoa colectiva – Artigo 11º, nº 2


2 – Admita que no decurso da investigação se apreendeu um telemóvel
a Frederico Frio, em cuja memória a ASAE descobriu uma SMS na
qual Bernardo Ermita Camarão lhe dava instruções para proceder da
forma que acima se descreveu. Pode esta prova ser utilizada?
 Admissibilidade da apreensão e utilização como prova de SMS
o O regime do Artigo 189º do Código de Processo Penal

o Valorizará a resposta a referência à jurisprudência no âmbito


da redacção anterior do mesmo Código

GRUPO III – B
(RESPOSTA OPCIONAL)

Cotação
1) 4 valores
2) 2 valores

1 – No decurso da investigação realizada, a ASAE procedeu à


apreensão do camião pertencente à “Bom Marisco Lda.” e por ela
utilizado na distribuição dos seus produtos, onde eram transportados
também os produtos estragados. Embora o Ministério Público não se
tenha apercebido dessa apreensão, que nunca foi levada ao seu
conhecimento, em julgamento sustentou que o camião deveria ser
declarado perdido a favor do Estado. Comente esta apreensão e a
posição assumida pelo Ministério Público. A valoração jurídica da
situação seria diferente se a apreensão tivesse sido validada pelo
Ministério Público?

Deverá ser referido:


 A problemática da perda de objectos
O artigo 109º do Código Penal
 O camião como instrumento essencial da prática do
crime e o eventual perigo de vir a ser utilizado na
prática de outros crimes
 O regime processual – a necessidade de validação de apreensão
e a consequência da não validação (mera irregularidade) –
Artigo 178º, nº2 do CPP
 (Deve referir-se, mesmo que brevemente, o tipo de crime de
corrupção de substâncias alimentares – Artigo 282º, nº 1, alínea
b)

2 – No decurso do mesmo julgamento, após ouvir as testemunhas da


acusação e antes de passar a ouvir as testemunhas da defesa, o juiz
decidiu fazer um pequeno intervalo. Ao sair da sala de audiências
escorregou e partiu uma perna. Por essa razão, esteve durante dois
meses impossibilitado de comparecer ao serviço. No entanto,
aproveitou este tempo em casa para ouvir as cassetes onde estavam
gravados os depoimentos das testemunhas que já tinham sido
inquiridas. Por esta razão, quando regressou, prosseguiu o julgamento
ouvindo somente as testemunhas de defesa, que ainda não tinham sido
inquiridas. Comente.

Deverá ser referido:

 O prazo de eficácia da prova produzida em audiência, do Artigo


328º, nº 6, do Código de Processo Penal (30 dias)
 O Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº 11/2008
CENTRO DE ESTUDOS JUDICIÁRIOS

PROVA ESCRITA DE DIREITO PENAL E DIREITO


PROCESSUAL PENAL

A prova tem a duração de 3 horas, que se iniciam 30 minutos após a


entrega do enunciado.

A resposta aos grupos I e II é obrigatória.


O candidato deverá optar pela resposta apenas às perguntas do grupo
III ou apenas às perguntas do grupo IV.

Cotação das questões:


 Grupo I
 9 valores

 Grupo II
 1) 3 valores
 2) 1,5 valores

 Grupo III
 1) 4,5 valores
 2) 2 valores

 Grupo IV
 1) 4,5 valores
 2) 2 valores
GRUPO I
(RESPOSTA OBRIGATÒRIA)
I
Antónia vinha a debater-se com graves dificuldades económicas, na sequência
da acumulação de dívidas de valor avultado.
Sabendo que o seu velho tio, Beato, havia feito testamento a seu favor, resolve
acelerar-lhe a morte.
Para o efeito, e a fim de adquirir substância venenosa, desloca-se à drogaria de
Carlos, simulando pretender veneno para ratos.
Carlos, apercebendo-se de que o veneno dos ratos acabara, mas não querendo
perder a cliente e algum dinheiro, decide vender-lhe duzentos gramas de farinha ao
preço de 10 euros, dizendo tratar-se de substância muito eficaz, bastante perigosa e letal
também para o homem.
Munida da substância, Antónia, por seis vezes, em dias consecutivos, vai
misturando no almoço do tio pequenas doses do pretenso veneno.
Perante a ausência de resultados, e tendo esgotado toda a substância, Antónia
decide aceder mais rapidamente a dinheiro do tio, por outra via.
Assim, beneficiando do facto de se mover livremente na casa deste, subtrai de
uma pasta um envelope contendo três cheques.
Junto dos cheques estava o B.I. de Beato, aproveitando Antónia para copiar para
um papel a respectiva assinatura, a fim de a poder vir a utilizar.
Imitando a assinatura do tio, preenche então um dos cheques, no valor de cinco
mil euros, e dirige-se a um banco de capitais inteiramente públicos, a fim de o levantar.
É atendida por Dalila, funcionária bancária, que recusa o desconto do cheque por
falta da necessária exibição do B.I. do titular da conta sacada, que no caso se impunha.
Antónia oferece-lhe cem euros para que ela facilite o levantamento da verba,
dizendo que o titular do cheque perdeu o B.I. e que o levantamento é urgente.
Dalila aceita a quantia, a troco do levantamento do cheque sem conferência de
assinatura.
Perante o sucesso da primeira ida ao banco, e vendo que Beato, dada a idade
avançada, deixara de fazer o controlo do movimento da conta bancária, e que Dalila se
mostrava receptiva a novos levantamentos, Antónia preenche mais dois cheques, agora
no valor de dez mil euros cada um.
Desloca-se por mais duas vezes ao banco, na semana seguinte, dirigindo-se
sempre a Dalila, que novamente facilita o levantamento. Dalila, também ela confiante
por não ter sido detectada a sua anterior conduta, omite assim por mais duas vezes a
conferência de assinatura que se impunha, a troco de cem euros por levantamento.
O último desses levantamentos foi observado por Eva, colega de Dalila, que se
apercebeu da irregularidade da situação.
Eva exige a Dalila metade da quantia de cem euros em troca do seu silêncio.
Perante a recusa de Dalila, pessoa de quem aliás há muito não gostava, Eva
resolve causar-lhe problemas com a justiça.
Com essa finalidade, narra aquele facto, bem como outros que sabia serem
falsos, tais como apropriações de verbas de contas de depositantes por parte de Dalila, a
um jornalista amigo. Fá-lo para que o jornalista os divulgue no jornal, o que este
concretiza de imediato.

Analise a eventual responsabilidade criminal de Antónia, Carlos, Dalila e


Eva.

GRUPO II
(RESPOSTA OBRIGATÓRIA)
1.
Imagine que Antónia acaba por empurrar o tio para a frente de um veículo
automóvel em andamento, quando ambos saíam de casa deste, e que estes factos são
visualizados por um agente da PSP que passava no local, e que observa ainda Antónia a
preparar-se para abandonar o local, deixando Beato inanimado no chão.

Qual a conduta do agente da PSP adequada ao caso, relativamente à pessoa


de Antónia?
No caso do agente da PSP ter procedido à detenção de Antónia, qual o iter
processual que se lhe deve seguir?
Pretendendo a PSP deslocar-se de imediato a casa de Antónia a fim de nela
entrar para eventual recolha de provas, que deve fazer?
2.
Imagine que Antónia vem a ser julgada e condenada na pena (única) de doze
anos de prisão. Fora-lhe anteriormente definido nos autos, pelo juiz de instrução
criminal, estatuto processual de sujeição a TIR e obrigação de apresentação semanal no
posto policial da área da residência.
Antónia, que sempre comparecera em tribunal e cumprira as obrigações
processuais impostas, falta à leitura do acórdão condenatório.

Pode o tribunal ordenar, nessa ocasião, a sua prisão imediata? Fundamente


a resposta.

GRUPO III (OPCIONAL)


1.
Fernando deambulava à noite por Lisboa, tendo-se apercebido de que a janela do
1º andar de uma habitação se encontrava apenas encostada, e que seria fácil içar-se e
transpô-la, a fim de se introduzir na residência e apoderar-se de tudo o que pudesse
levar consigo.
Içando o corpo, espreita pela janela e observa um pesado televisor. Verifica que
para retirar o máximo de bens de valor, necessita de arranjar rapidamente meio de
transporte adequado.
Obtém então de Guida, que morava ali perto, uma furgoneta, dizendo-lhe que
precisa de “fazer” uma casa, e que se tudo correr bem a compensará do empréstimo.
Guida conhece a má vida de Fernando e sabe que fazer uma casa quer dizer
assaltá-la.
Já com a furgoneta de Guida, Fernando volta ao local e, içando o corpo, entra na
residência pela referida janela. Vai percorrendo as várias divisões da casa e, entrando e
saindo dela por seis vezes, retira para o exterior o televisor, um LCD, um leitor de CD,
uma mala com 100 DVDs, um computador e o respectivo monitor.
Ao entrar na residência, pela sétima vez, depara-se com Hélder e Isabel,
respectivamente o motorista e a empregada doméstica, que dormiam num dos quartos
da casa.
Quando se preparava para abandonar este quarto, já na posse do relógio de pulso
de Hélder e do fio em ouro de Isabel que retirara de cima da mesinha de cabeceira,
Hélder e Isabel acordam e tentam impedi-lo de fugir com as coisas.
Fernando exibe-lhes então um objecto em plástico, com a aparência de uma
pistola e que Hélder e Isabel tomam como tal, conseguindo assim atemorizá-los e pôr-se
em fuga, tudo levando consigo.
Fernando logrou assim apoderar-se de um televisor no valor de 700 euros, um
LCD no valor de 5.000 €, um leitor de CD no valor de 200€, jogos de computador no
valor global de 80€, um computador e o respectivo monitor nos valores de 1000€ e
100€, um relógio de pulso no valor de 50€ e um fio no valor de 40€, que transportou na
furgoneta de Guida.
Todos os bens, à excepção do relógio e do fio, pertenciam aos donos da casa,
João e a Luísa, que se encontravam a dormir e de que nada se aperceberam.

Analise a eventual responsabilidade criminal de Fernando e de Guida.

2.
Imagine que um dos crimes imputados a Fernando na acusação, de natureza
pública à data dos factos, adquire natureza semi-pública, por força de lei entrada em
vigor no dia do julgamento, um ano após a data da prática dos factos.

Não tendo sido apresentada queixa no processo até esse dia (de julgamento),
quais as consequências processuais da alteração legislativa e qual a decisão ou
decisões a tomar pelo juiz?

GRUPO IV (OPCIONAL)
1.
Mariano e Maria exploravam uma agência de cobranças difíceis, a PAYNOW,
dividindo entre si os lucros.
A Maria competia apenas fazer a contabilidade da Paynow, desconhecendo a
forma como as cobranças eram efectuadas.
Mariano ocupava-se de todas as restantes tarefas, designadamente da direcção e
gestão de toda a actividade respeitante aos processos de cobrança e aos contactos entre
os cobradores (empregados da Paynow) e os devedores (devedores dos clientes da
Paynow).
Nasser, Octávio e Paulo eram empregados da Paynow e, como tal, cobradores de
dívidas.
Semanalmente reuniam com Mariano, que lhes distribuía os processos de
cobrança e os instruía no sentido de utilizarem, junto dos devedores, eficazes meios de
convencimento de pagamento das dívidas.
Recomendava-lhes que seguissem preferencialmente a via do diálogo mas, não
se revelando esta eficaz, que utilizassem os meios necessários à obtenção dos
pagamentos.
Por meios necessários queria Mariano dizer o uso de ameaças e mesmo da força
física, indicando-lhes como exemplos de tais actos, pisadelas, empurrões, estaladas,
murros e pontapés.
A tudo Nasser Octávio e Paulo manifestavam total acordo.
Assim, agindo sempre segundo as instruções e com o conhecimento de Mariano,
Nasser Octávio e Paulo telefonaram a Querubim, dizendo-lhe que, caso não pagasse em
oito dias a quantia de 1000€ que devia a Renato, cliente da PAYNOW, lhe iriam fazer
uma visitinha.
Embora reconhecesse dever tal quantia a Renato, Querubim nada pagou porque
não dispunha de dinheiro.
Nasser, Octávio e Paulo procuraram-no por isso na sua casa, onde foram
recebidos, poucos dias depois do telefonema.
Começaram por lhe lembrar que vinham cobrar a dívida, que era melhor pagar
ou teriam que utilizar outros meios.
Mantendo-se Querubim na negativa, Nasser, Octávio e Paulo pisaram-no por
diversas vezes, insistindo para que pagasse.
Querubim começou então a gritar por socorro, o que motivou a retirada e fuga de
Nasser, Octávio e Paulo.
Já na rua, sem que ninguém o previsse, e apenas porque não gostara da cara de
Querubim, Paulo resolveu retroceder e voltar junto deste, dando-lhe ainda uma estalada.

Analise a eventual responsabilidade criminal de Mariano, Maria, Nasser,


Octávio e Paulo.
2.
Temendo já o pior aquando da recepção do telefonema, Querubim resolveu
gravar a conversa que teve lugar durante a visita dos cobradores da Paynow, sem que
estes se apercebessem, utilizando um gravador portátil que previamente programara
para o efeito.

Podem tais gravações (da conversa presencial) ser utilizadas como prova
num processo-crime decorrente de queixa apresentada por Querubim contra
Nasser, Octávio e Paulo?
CENTRO DE ESTUDOS JUDICIÁRIOS

PROVA ESCRITA DE DIREITO PENAL E DIREITO


PROCESSUAL PENAL

PROVA VIA ACADÉMICA 2ª CHAMADA

CRITÉRIOS DE CORRECÇÃO

GRUPO I (9 valores)

ANTÓNIA : Comete em autoria e concurso real:


- Um crime de homicídio agravado tentado dos arts. 131º, 132º, nºs 1 e 2 als. i) e j),
22º, 1-a) e c)
(todos os actos relativos à aquisição e ministração do pretenso veneno).
Deve ainda ser discutido, justificadamente, o modo de funcionamento (ou não
funcionamento) das agravantes supra indicadas, bem como a questão da punibilidade
(ou não punibilidade) da tentativa, in casu, de acordo com a disciplina do nº3 do art.
23º;
- Um crime de subtracção de documento do art. 259º, nº1
(os actos relativos à subtracção dos cheques)
É errado concluir pelo enquadramento dos actos no crime do art. 203º, a não ser a título
de mero concurso aparente;
- Um crime continuado de falsificação dos arts. 256º nºs 1 e 3, 30º nº2, 79º nº1 e um
crime continuado de burla qualificada dos arts. 218º nº1, 30º nº2, 79º nº1
(os actos de preenchimento e posterior levantamento dos três cheques)
Deve ainda ser feita referência ao Assento nº 8/2000 de 04/05/2000;
- Um crime continuado de corrupção activa dos arts 374º nº1, 30º nº2, 79º nº1
(os actos relativos às ofertas e pagamentos de dinheiro a Dalila para omissão de acto de
dever do cargo).

CARLOS: Comete em autoria:


- Um crime de burla simples do art. 217º
(os actos de venda de farinha simulando tratar-se de substância venenosa, para obtenção
de enriquecimento ilegítimo).
Não procede qualquer tipo de imputação subjectiva relativamente ao crime de
homicídio tentado, uma vez que Carlos desconhece o fim a que se destinava a
substância que vende a Antónia)

DALILA:
- Um crime de corrupção passiva para acto ilícito continuado dos arts. 372º nº1, 30º
nº2, 79º nº1
(os actos relativos ao levantamento dos cheques com omissão de acto devido –
confronto de assinatura dos cheques com o B.I. do titular da conta – em troca de quantia
indevida)
EVA:
- Um crime de extorsão tentado dos arts 223º, 22º e 23º
(os actos relativos à tentativa de obtenção de dinheiro sob ameaça de divulgação de
factos)

- Um crime de denúncia caluniosa do art. 365º, nº1


(os actos relativos à comunicação a jornalista de factos falsos para que aquele os
divulgue e contra a visada seja instaurado procedimento)

Nota: Relativamente a todos os crimes continuados deverá ser concretizada e


devidamente fundamentada a unificação dos vários comportamentos autónomos na
figura do crime continuado, com referência às exigências do nº 3 do art. 30º, maxime ao
seu segmento final (considerável diminuição da culpa).

GRUPO II –

1. (3 valores)
- O agente da PSP pode/deve proceder à detenção ao abrigo do art. 254º nº1-a) e 255º
nº1-a) do CPP – flagrante delito de crime punível com prisão; deve ainda constituir a
detida como arguida – art. 58º nº1-c).
- No caso, a detenção é efectuada para apresentação, em 48h, ao juiz, para primeiro
interrogatório judicial – art. 28º nº1 CRP e 254º nº1 –a) CPP
- A entrada em residência faz-se por meio de busca domiciliária; no caso, é necessário a
autorização do juiz ou o consentimento do visado – respectivamente art. 177º nº1 e 174º
nº5-b). Fora destas situações a busca é ilegal, sendo por exemplo errado considerar que
se estaria na situação prevista na al. c) do nº5 do art. 174º, reservada para os casos em
que o domicílio é a cena do crime.

2. (1,5 valores)
- Sendo a decisão condenatória exequível apenas após trânsito em julgado, a prisão só
pode ser ordenada aquando da leitura da sentença se o tribunal decidir decretar a prisão
preventiva. A alteração do estatuto processual definido ao arguido não pode resultar da
mera condenação em pena de prisão efectiva. Mas esta condenação aliada a outros
factos, tais como a falta à leitura da sentença, pode permitir considerar que ocorre
alteração dos pressupostos que serviram de fundamento ao estatuto processual anterior,
e preenchimento do requisito do art. 204º, al a). CPP., legitimando a decisão de
decretação da prisão preventiva.

GRUPO III -

1. (4,5 valores)

FERNANDO: Comete em autoria e concurso real:


- Um crime de furto qualificado dos arts 203º nº1, 204º nº1-a) e nº2-e), 202º-e).
(todos os actos relativos à subtracção da totalidade dos bens pertencentes aos donos da
casa, João e Luísa).
O crime é único uma vez que as várias entradas e saídas da casa transportando os artigos
subtraídos são mera execução da mesma e única intenção inicial de subtracção da
totalidade dos bens que pudessem ser retirados e transportados pelo agente.
Deve ser, por isso, considerado errado o enquadramento no crime continuado (que
pressupõe pluralidade de resoluções ou intenções iniciais).

- Dois crimes de violência após a subtracção dos arts. 211º, 210º nº1 e nº2-b), 204º
nº2-e) e 4.
(os actos relativos à subtracção do relógio de pulso e do fio, pertencentes
respectivamente a Hélder e a Isabel).
Surpreendido em flagrante com os objectos, Fernando consegue conservá-los na sua
posse através da utilização dos meios previstos no art. 210º.
Tratando-se de crime contra bens eminentemente pessoais, o número de crimes
determina-se aqui pelo número de vítimas.
Independentemente do funcionamento do nº4 do art. 204º, que aqui se impõe, deve
discutir-se a virtualidade da utilização de arma como agravante (com referência ao art.
4º D.L.48/95 de 15/03), defendendo-se justificadamente uma das duas posições
conhecidas: perigo objectivo da utilização da arma – jurisprudência do STJ, v.g. Ac
25.10.2007 www.dgsi.pt, ou teoria da impressão – José Faria Costa,
Coment.Conimbricense.)

GUIDA: Cúmplice dos crimes cometidos pelo Fernando.


(Actos relativos à cedência da furgoneta para utilização pelo Fernando no assalto à
residência)

2. (2 valores)

- As normas dos arts. 113º a 116º do CP são normas processuais penais materiais, pelo
que a lei nova favorável ao arguido deve ser aplicada retroactivamente – art. 2º, nº4, CP.
Assim, na ausência de queixa por parte do titular deste direito, da lei nova resultaria a
extinção do procedimento criminal por ilegitimidade do MP.
Só que no instituto da queixa confluem razões públicas (politico-criminais) e razões
pessoais do ofendido, que devem igualmente ser acauteladas.
Salvaguardado sempre o princípio da aplicação da retroactividade lei nova mais
favorável, deve no entanto dar-se ao ofendido a possibilidade de manifestar o seu
propósito de prosseguimento da acção penal.
Deveria assim o juiz de julgamento, antes de o iniciar, perguntar ao ofendido se
pretendia proceder criminalmente contra o arguido, ou seja, o prosseguimento do
processo, agindo em conformidade com essa manifestação de vontade.
(Admite-se outra posição, desde que devidamente fundamentada e apoiada na doutrina
e/ou na jurisprudência)

GRUPO III
1. (4,5 valores)

MARIANO – Comete em co-autoria com Nasser, Octávio e Paulo, e em concurso


real:
- Um crime de associação criminosa do art. 299º nºs 1, 3 e 5
(os actos relativos à constituição e exploração da agência de cobranças difíceis, bem
como todo o quadro de instruções totalmente aceite pelos três empregados, no que se
refere ao modo como tais dívidas deveriam ser cobradas)

- Um crime de extorsão do art. 223º, nº1, na forma tentada


(Mariano previu e quis os actos cometidos pelos seus empregados na pessoa de
Querubim, no sentido de cobrarem a dívida de 1000 euros; já não a última estalada de
Paulo)

NASSER, OCTÁVIO E PAULO - Cometem em co-autoria, entre si e com


Mariano, e em concurso real:
- Um crime de associação criminosa do art. 299º nºs 2 e 5
(os actos relativos à aceitação e concretização das instruções do seu patrão no sentido
lograrem levar a cabo as cobranças difíceis, numa realização de factos conhecidos,
queridos e aceites por todos, no âmbito de uma estrutura organizada)
- Um crime de extorsão, na forma tentada do art. 223º nº1
(Todos os actos cometidos pelos três, na pessoa de Querubim, no sentido de cobrarem a
dívida de 1000 euros, também numa realização de um mesmo facto partilhado,
conhecido, querido e aceite por todos; já não, a última estalada de Paulo)
Deverá ser especificamente abordada a questão do “enriquecimento ilegítimo”, face ao
facto da quantia extorquida ser efectivamente devida pela vítima, resolvendo-se a
questão pela positiva: preenchimento dos elementos típicos da infracção, uma vez que
se deve entender que, no caso, o enriquecimento é sempre ilegítimo dado que não pode
ser obtido desta forma.

PAULO – Comete ainda um crime de ofensa à integridade física simples do art.


143º nº 1. (a estalada final)

MARIA – Não comete nenhum crime, uma vez que desconhece os meios utilizados na
cobrança das dívidas, bem como todas as instruções previamente dadas por dadas por
Mariano. Falta de dolo, quer na vertente volitiva quer intelectual.

2. (2 valores)

– A gravação não poderá ser utilizada no processo. A questão deverá ser equacionada
no quadro das proibições de prova, sendo de considerar proibida a valoração de
gravação ilicitamente produzida, já que se trata de agressão a um direito fundamental
por parte de um particular (direito à palavra – art. 26º, nº1 CRP). As gravações não
consentidas feitas por particulares, porque penalmente ilícitas (art. 199º, nº1 a) CP) não
podem ser valoradas no processo penal (art. 167ºPP). Assim, o princípio da proibição de
valoração da prova proibida deve estender-se às provas obtidas ou realizadas por
particulares.
CENTRO DE ESTUDOS JUDICIÁRIOS

PROVA ESCRITA
DE
DIREITO PENAL E PROCESSO PENAL

1ª CHAMADA

O candidato deverá responder, obrigatoriamente, às questões do grupo I e


II e, de acordo com a sua opção, à questões do grupo III ou do grupo IV.

Deverá considerar que todos os factos ocorrem no âmbito de vigência das


actuais versões do Código Penal e do Código de Processo Penal

GRUPO I
(RESPOSTA OBRIGATÓRIA)

Berta, a jovem que Arlindo engravidara, cedera aos argumentos que ele
apresentara para que abortasse, já passadas as 16 semanas de gravidez.
Foi ele a tratar de tudo com Carla, antiga enfermeira reformada sua conhecida,
que, após diversas insistências e mediante a oferta do pagamento de € 750 em dinheiro,
acabou por aceitar fazer o serviço. Naquela tarde, Arlindo tinha levado Berta à casa de
Carla, pago o dinheiro e, passado algum tempo, estava tudo resolvido e era menos uma
preocupação.
Berta, de 15 anos de idade, era filha dos caseiros e fazia trabalhos domésticos na
casa de Arlindo, mediante remuneração. Este, em três ocasiões distintas – a primeira
quando Berta, cujos pais se haviam ausentado, ficou a pernoitar na casa dos patrões; a
segunda quando seguiu os passos dela e a surpreendeu no barracão que ficava nas
traseiras; a terceira no sótão onde, de caso pensado, a mandara fazer arrumações, altura
em que a engravidou –, mantivera com ela relações sexuais de cópula. E nunca se
deteve perante as súplicas de Berta, que repetidamente dizia que não e se debatia para
que ele a largasse. Em cada uma das vezes, Arlindo, depois de fazer o que queria,
dissera-lhe com voz séria: “se contares o sucedido, corto-te o pescoço”.
Agora que resolvera a questão da gravidez indesejada, Arlindo podia suspirar de
alívio.
O problema era Maria, sua mulher. Já não podia com ela nem com o sogro,
Daniel. Este nunca tinha gostado do genro. Mas agora nem o podia ver. Arlindo
persistia em embriagar-se quase todos os dias, bem sabendo que, nesse estado, acabava
sempre por discutir com Maria, desferindo-lhe bofetadas, murros e pontapés, puxando-
lhe os cabelos, chamando-lhe “puta” e “burra”, quer em casa, quer na rua. Não poucas
vezes Maria, lavada em lágrimas, tivera de refugiar-se na casa dos pais para escapar às
fúrias do marido. A todas estas cenas assistia o filho de ambos com 11 anos.
Ora, aquele tinha sido mais um dia em que Arlindo passara pela taberna antes de
regressar a casa. Sucederam-se os insultos e agressões habituais e Maria acabou por ir
para a casa dos pais, ostentando uma ferida na boca, a deitar sangue, em resultado de
um soco que Arlindo lhe desferira na cara.
Para Daniel a situação tornara-se insustentável. Exaltado, gritou: “foi a última
vez que esse traste agrediu a minha filha: de hoje já não passa”. E, sempre aos gritos foi
buscar a arma de caça ao armário, mais dois cartuchos.
Sempre a vociferar, carregou a arma e dirigiu-se a casa do genro, a cerca de 150
metros da sua. A porta da casa ficara aberta após a saída de Maria. Daniel entrou, viu de
perfil um homem sentado no sofá, que identificou como sendo Arlindo. Apontou a
arma que empunhava e efectuou um disparo, na direcção do homem, a uma distância
não superior a 5 metros, causando-lhe lesões na cabeça que determinaram a sua morte.
Porém, não era Arlindo quem estava na sala, mas sim Flávio, seu irmão, que
estava de visita e que, vendo a porta aberta e não dando por ninguém em casa, decidira
entrar e sentar-se no sofá.

1 – Abstraindo da subsunção das condutas às normas penais relativas ao uso e


detenção de armas (o que não se pretende), analise as questões da
responsabilidade criminal de Arlindo, Berta, Carla e Daniel.

2 - Suponha que correu processo criminal contra Arlindo pela prática dos
factos descritos.
No âmbito desse processo criminal, Arlindo prestou termo de identidade e
residência. No entanto, posteriormente, veio a ausentar-se para parte incerta do
Brasil.
O julgamento realiza-se sem a sua presença, tendo sido condenado em pena de
prisão efectiva.
Recorre da sentença alegando que o julgamento (de cuja realização não teve
conhecimento) não poderia ser realizado na sua ausência, designadamente
porque as normas aplicadas seriam inconstitucionais por comprometerem as
suas garantias de defesa.
Terá razão?

GRUPO II
(RESPOSTA OBRIGATÓRIA)

Os corpos gerentes da SOPPEL, SA., sociedade anónima produtora de pasta de


papel, estavam cientes do elevado custo que acarretava ter em funcionamento a estação de
tratamento de águas residuais (e.t.a.r) da fábrica de celulose que a firma explorava na
margem esquerda do rio Albiviela e, por essa razão, mantinham a e.t.a.r. encerrada, há mais
de um ano, apesar de terem a perfeita noção de que o seu funcionamento constituía uma
imposição legal e uma exigência da licença de laboração.
O conselho de gerência, composto por Jack Stuart, presidente, e Roger Sam e
Harry Joe, vogais, deliberou encarregar Óscar, trabalhador indiferenciado do quadro de
pessoal da empresa, de proceder à rejeição dos efluentes no leito do rio quando as
necessidades da empresa o justificassem e as condições do curso fluvial o permitissem, sob
a supervisão de Fausto Pardelhas, engenheiro químico e director de produção da fábrica.
Assim, no dia 30 de Junho, Óscar e Fausto Pardelhas, apercebendo-se de que o
caudal do rio estava bastante baixo e sabendo que tal circunstância potenciava os efeitos
nocivos do efluente, ainda hesitaram, mas como anoitecia, e movidos pelo zelo que
colocavam no desempenho das suas funções em prol dos interesses da SOPPEL, SA, em
particular, por a capacidade de armazenamento dos depósitos de efluentes da fábrica estar
esgotada, decidiram arriscar, procedendo à respectiva descarga, pelo que Óscar, sob o
olhar apreensivo de Fausto Pardelhas, abriu as comportas da e.t.a.r., lançando todo o
efluente no rio, sem qualquer tratamento prévio.
Com a passagem das massas de águas residuais pelo leito do rio, toda a fauna
piscícola pereceu (mais de 500 Kg de barbos, trutas, etc.), o que veio a inviabilizar a pesca
desportiva que se praticava nos 60 Km daquele curso de água, durante os 8 meses que se
seguiram. As praias fluviais da Sardoeira e do Picoto ficaram, durante a época balnear,
interditas a banhistas. Ficou ainda contaminada a água da albufeira do Canhoto, onde se
procedia à captação de água para abastecimento da aldeia de Unhais do Monte, por se ter
tornado imprópria para consumo humano. Além disso, cinco dos 16 habitantes da aldeia
tiveram de ser internados com diversas complicações e lesões no tubo digestivo,
decorrentes da ingestão de água da albufeira. De resto, prevê-se que o abastecimento de
água não possa ser retomado, nos próximos anos, devido à deposição de poluente químico
no fundo da albufeira, com elevado risco para a saúde das pessoas.

1 – Analise a responsabilidade criminal, identificando os respectivos agentes,


emergente do caso relatado no texto que antecede.

2 - Apesar de a análise pericial realizada às amostras colhidas no leito do curso de


água ter identificado o elemento químico poluente com correspondência no
encontrado no esgoto da fábrica, as declarações dos arguidos e os depoimentos de
algumas testemunhas vieram trazer uma versão segundo a qual a poluição da
ribeira se tinha ficado a dever às escorrências de fertilizantes utilizados na
agricultura de terrenos contíguos à ribeira, bem como de unidades de pecuária
(abegoarias e pocilgas) ali existentes. Num tal contexto, como pode o magistrado
do MP, no momento do encerramento do inquérito, conformar a sua convicção e
decisão?

GRUPO III
(RESPOSTA OPCIONAL)

Lúcia era a pessoa mais bem sucedida a ler a sina dos namorados, nas tardes
solarengas de Domingo, do Parque Central da cidade.
Ali, em 31 de Dezembro de 2007, abeirou-se de Cândido a quem, em breves
momentos e a partir de informações que obtivera de uma vizinha dele, diagnosticou uma
doença bipolar, uma dívida ao banco por crédito à habitação, a saída de casa da esposa e
das duas filhas menores, havia precisamente 2 meses e 5 dias.
Surpreendido, Cândido quis continuar a ouvi-la. Veio, então, a antevisão do
futuro: uma promoção na carreira e mudança de local de trabalho; uma paixão
correspondida por alguém que acabara de conhecer... E tudo era tão plausível para
Cândido – face à reorganização que se estava a processar no seu departamento, à
recente chegada da esbelta Joana à sua secção... – que, entusiasmado, perguntou se era
preciso fazer alguma coisa para que tudo se concretizasse como dizia. Claro: ele teria de
passar pelo “Multibanco” e Lúcia de auscultar os astros sobre detalhes.
Assim, após auscultação dos astros, estava encontrado o veredicto: dentro de
duas semanas, ocorreria o regresso das filhas, a paixão de Joana, a promoção, e até a
renegociação da dívida em condições favoráveis. Cândido teria, apenas, de entregar a
Lúcia 300€ e não provocar a ira dos astros. Entregou, de imediato, tal valor.
Mais tarde, Lúcia deslocou-se ao supermercado para comprar alguma fruta. Já
na caixa, como o custo total da fruta eram 14€, entregou uma nota de 20€ a Vanessa,
que ali procedia ao registo de valores. A empregada, após recolher a nota e a colocar na
caixa mas antes de fazer o troco, ainda respondeu às perguntas de uma colega e quando
retomou a operação do troco – cansada pelo longo dia de trabalho e confusa quanto ao
valor da nota que recebera –, voltou-se para Lúcia perguntando-lhe: “ora, entregou-me
uma nota de 100€, não é assim?” e, sem esperar pela resposta, entregou 86€ de troco a
Lúcia que o arrecadou sem nada dizer.
Dois meses depois, Cândido ainda protestava contra o atraso dos astros...

1. – Analise a responsabilidade criminal de Lúcia

2. - Suponha que foi remetida aos serviços do Ministério Público uma carta
anónima a denunciar uma situação, descrevendo-a com bastante pormenor,
que pode integrar um crime público. Deve o Ministério Público proceder à
abertura de inquérito?

GRUPO IV
(RESPOSTA OPCIONAL)

Aristides, toxicodependente, porque não dispunha de dinheiro para comprar a


sua dose diária de heroína, decidiu assaltar a casa de Bruna.
Com uma pistola de brinquedo que passava por verdadeira, entrou em casa
desta por uma janela que se encontrava aberta. Ao deparar-se com Bruna, já dentro de
casa, apontou-lhe a pistola, dizendo: «Mãos ao ar, isto é um assalto». Bruna entregou-
lhe, de imediato, a quantia em dinheiro que tinha consigo (que, em julgamento, não
conseguiu quantificar com certeza, mas que oscilaria entre cinquenta e duzentos euros).
Três dias depois, também para comprar a sua dose de heroína, Aristides partiu o
vidro de um automóvel que se encontrava estacionado perto de sua casa e dele retirou
um auto-rádio no valor de trezentos euros.
De seguida, dirigiu-se à oficina de Clemente, a quem disse que o auto-rádio era
de sua propriedade, propondo-se vendê-lo por cem euros, o que Clemente aceitou.

1 – Analise a eventual responsabilidade criminal de Aristides e de Clemente.

2 - Suponha que, em julgamento, Clemente não prestou quaisquer declarações.


Aristides confessou a prática dos factos, relatando, também, a venda do auto-
rádio acima descrita.
Uma testemunha, Deotilde, declarou em julgamento que Clemente lhe havia
dito que comprara esse auto-rádio a Aristides pelo preço indicado.
Poderão, e em que medida, estas declarações, de Aristides e de Deotilde servir
como meio de prova para eventual condenação de Clemente?
Cotações:
Grupo I – 1 - 6 valores
Grupo I –2 – 1,5 valores
Grupo II – 1 – 5 valores
Grupo II – 2 – 2 valores
Grupo III – 1 – 4 valores
Grupo III – 2 – 1,5 valores
Grupo IV – 1 – 3,5 valores
Grupo IV - 2 - 2 valores
CENTRO DE ESTUDOS JUDICIÁRIOS

PROVA ESCRITA
DE
DIREITO PENAL E PROCESSO PENAL

2ª CHAMADA

DURAÇÃO: 3 HORAS

O candidato deverá responder, obrigatoriamente, às questões do grupo I e


II e, de acordo com a sua opção, às questões do grupo III ou do grupo IV

Deverá considerar que todos os factos ocorrem no âmbito de vigência das


actuais versões do Código Penal e do Código de Processo Penal

GRUPO I
(RESPOSTA OBRIGATÓRIA)

Há vários anos que Firmino desempenhava as funções de analista de sistemas no


Serviço de Apoio Social a Estudantes (SASE), organismo integrado na estrutura orgânica do
Ministério da Educação, procedendo, entre o mais, ao registo de dados na aplicação
informática onde se processavam as bolsas de estudo, subsídios e isenção de propinas
concedidas aos estudantes, e até emissão de senhas de refeição. Apercebendo-se de que
poderia tirar melhor proveito das suas funções, cogitou um plano que passou a executar.
Assim, começou por preencher e assinar um impresso de candidatura a bolsa de estudo
em nome de um aluno cuja identidade forjou, tal como um certificado de habilitações de uma
escola pública. Tal pedido veio a ser atendido, tendo sido atribuída, pelo director-geral
daquele organismo, a bolsa no valor de 4.900 euros. Na sequência dessa autorização, o
montante da bolsa foi depositado numa conta bancária de Firmino que este indicara no
impresso.
Na mesma altura, Firmino informou Lucas sobre o requerimento e a documentação
necessária para instruir um pedido de bolsa de estudo que aquele pretendia apresentar. No
entanto, Firmino pediu-lhe 200 euros - o que ambos sabiam não ser devido - para dar
seguimento ao pedido, apesar de aquele verificar que Lucas reunia as condições necessárias
para a bolsa ser concedida, em face das dificuldades económicas dos pais e do seu bom
aproveitamento escolar. Este acabou por entregar o valor a Firmino. Tal facto não
condicionou, nem, sequer, antecipou a concessão da bolsa, que, entretanto, ocorreu.
Dada a facilidade de intervir no sistema, Firmino criou directamente na base de dados
– sem preencher requerimentos, sem juntar documentos e sem obter autorização de concessão
– 60 novos registos de beneficiários de subsídio escolar, numa manhã, com o valor unitário de
150 euros mensais. Assim, preencheu os campos do registo informático com dados sem
correspondência real e usou os seus poderes de administração para dar instruções à tesouraria
a fim de esta pagar tais subsídios por um período de 8 meses. Desse modo, Firmino recebeu,
no total, 48.000 euros de subsídios correspondentes aos registos que efectuara.
Num fim-de-semana, Firmino, sem para tal estar autorizado, levou para casa um
computador portátil do serviço com a aplicação informática das senhas de refeição instalada,
através do qual emitiu 200 destas senhas, com numeração de ordem em duplicado igual às que
já tinham sido emitidas no seu serviço, ao valor unitário de 4 euros. Após o que entregou as
mesmas a Lourenço, funcionário da secretaria da escola D. Dinis, que as vendeu aos alunos,
sem registar na caixa o respectivo valor, que veio a entregar a Firmino, depois de deduzir a
sua comissão de 40%. Na segunda-feira, Firmino colocou o computador no SASE, sem que
tenha sido notada a falta do mesmo.

1. - Analise a eventual responsabilidade criminal de Firmino, Lourenço e Lucas.

2. – Considerando que se mostra necessário para a investigação proceder a


uma busca domiciliária em casa de Firmino e outra no local de trabalho do
mesmo, de preferência à noite, como deve Ministério Público proceder para
virem a ser realizadas tais diligências?

GRUPO II
(RESPOSTA OBRIGATÓRIA)

Enquanto Marco se dirigia ao parquímetro, a cerca de 10 metros do local onde


estacionara a sua viatura, de matrícula 22-FB-44, a fim de retirar o talão de
estacionamento, Carlão e Formiga introduziram-se na parte dianteira do habitáculo do
veículo que aquele deixara aberto. Trancaram as portas e puseram o motor a funcionar
com a chave que já se encontrava na ignição, encetando a fuga. Só então se
aperceberam da presença de Martim, criança de 8 anos, filho de Marco, que se
encontrava no banco traseiro.
Surpreendidos com a companhia, fora dos seus planos, Carlão e Formiga logo
concluíram que não poderiam apear Martim naquele momento, para não deixarem
pistas, e que até “lhes poderia vir a render algum…”.
Cinquenta quilómetros volvidos, vendo que se acabava o combustível,
abandonaram o veículo junto a uma garagem, anexa a uma moradia, cujo portão se
encontrava aberto, tal como o veículo 71-71-ZZ. Enquanto Formiga vigiava os acessos
atento à aproximação de alguma pessoa, Carlão introduziu-se ali e pôs em
funcionamento a viatura, fazendo-se à estrada, com Formiga e Martim. Agradados com
a perfomance da máquina de 30.000 euros, lembraram-se de que Frederico, amigo de
Carlão e dono de uma oficina de automóveis, lhes poderia arranjar outra matrícula para
circularem mais tranquilos por longos meses. Dirigiram-se, então, à aludida oficina,
onde Frederico lhes substituiu a matrícula por outra, 66-MM-99, que pertencera a uma
viatura já abatida da mesma marca, trocando apenas a ordem dos pares de algarismos.
Seguiram viagem no “renovado” veículo.

1. – Analise a responsabilidade criminal de Carlão, Formiga e Frederico.

2. - Pronuncie-se sobre a admissibilidade de localização celular, quer por


iniciativa do O.P.C., quer por determinação das autoridades judiciárias,
relativamente ao telemóvel que Martim trazia com ele.
3. - Suponha que, durante o inquérito, foi decretada a prisão preventiva de
Carlão e Formiga, relativamente aos quais a investigação se mostra concluída.
Mas, relativamente a Frederico, apenas sujeito a T.I.R., a investigação ainda
está incompleta. Quem pode proceder à separação de processos nessa fase
processual, e com que fundamento?

GRUPO III
(RESPOSTA OPCIONAL)

Alfredo e Belmira namoraram durante dois anos e romperam esse namoro.


Alfredo nunca aceitou bem esse rompimento e vivia com a obsessão de reatar o
namoro.
Telefonou para o telemóvel de Belmira com uma frequência quase diária,
dizendo-lhe que queria contactá-la pessoalmente e reatar o namoro, ao que Belmira
respondia dizendo que não queria, sequer, vê-lo e que deixasse de lhe telefonar.
Chegou, por isso, a mudar o telemóvel. Mesmo assim, Alfredo conseguiu continuar a
telefonar-lhe.
Alfredo conservava em seu poder uma fotografia em que Belmira aparecia
despida, que tirara com o consentimento desta durante o período do namoro. Resolveu
juntar a essa fotografia dizeres que simulavam um anúncio de prostituição, donde
constava o nome, morada e telefone de Belmira.
Alfredo disse a Belmira que, se não o contactasse e reatasse o namoro,
divulgaria tal fotografia, com os dizeres referidos, junto de todos os colegas de trabalho
dela através do correio electrónico.
Belmira ficou com receio de que Alfredo assim procedesse, mas nada fez.
Alfredo divulgou, efectivamente, tal fotografia, com os dizeres referidos, junto
dos colegas de trabalho de Belmira, através do correio electrónico.
César, um destes colegas de trabalho, que conhecia ambos e sabia que tinham
namorado e que Alfredo nunca se tinha conformado como fim do namoro,
reencaminhou, também através do correio electrónico, a fotografia, acompanhada dos
dizeres referidos, para vários dos seus amigos.
Um desses amigos, Damásio, que não conhecia Alfredo nem Belmira,
reencaminhou, também através do correio electrónico, tal fotografia, acompanhada dos
dizeres referidos, para vários dos seus amigos.

1. - Analise a eventual responsabilidade criminal de Alfredo, César e Damásio

2. - Suponha que correu processo criminal contra Alfredo pela prática dos
factos descritos.
No âmbito desse processo criminal, Alfredo prestou termo de identidade e
residência. No entanto, posteriormente, vem a ausentar-se para parte incerta do
Brasil.
O julgamento realiza-se sem a sua presença, tendo sido condenado em pena de
prisão efectiva.
Poderá ser preso logo que for notificado da sentença?
GRUPO IV
(RESPOSTA OPCIONAL)

Bárbara aceitou a proposta de Adam para se deslocar da Arménia para Portugal


e aqui dedicar-se à prostituição. A ideia não lhe agradava nada, mas não via outra forma
de obter proventos para os seus filhos, de quem era o único sustento e que ficariam na
sua terra natal, entregues aos cuidados dos avós. Adam, que conhecia esta situação,
organizou toda a viagem e garantiu o alojamento de Bárbara em Portugal. Para tratar
da legalização, sua e de Bárbara, em Portugal, recorreu aos serviços de um seu amigo
português, Cesaltino.
Pouco tempo depois de ter chegado a Portugal e ter iniciado a referida
actividade, Bárbara deparou-se com algumas situações com que não contava à partida.
Adam conservava sempre consigo o passaporte e autorização de residência de
Bárbara, recusando-se a entregar-lhe tais documentos sempre que ela os solicitava;
impedia que esta se ausentasse do local onde estava alojada sem a sua autorização; geria
todos os rendimentos decorrentes da actividade dela e era ele próprio quem enviava uma
pequena parte desses rendimentos aos pais dela. Quando Bárbara pretendia sair sem
autorização de Adam ou recusar algum cliente, Adam dizia-lhe que deixaria de enviar
qualquer dinheiro se ela mantivesse a sua posição, o que a levava a permanecer em casa
e a aceitar esse cliente.
Em compensação pelas diligências de Cesaltino na legalização de Bárbara,
Adam autorizou que ele, sempre que quisesse, recorresse gratuitamente aos serviços de
prostituição de Bárbara, o que ele passou a fazer habitualmente. Numa ocasião, pediu a
Adam que o seu amigo Dagoberto pudesse, também ele, beneficiar desses serviços
gratuitamente, o que veio a verificar-se.

1. – Analise a eventual responsabilidade criminal de Adam, Cesaltino e


Dagoberto.

2. – Suponha que, no inquérito, um agente do órgão de polícia criminal


responsável pela investigação solicitou aos estabelecimentos bancários
respectivos informação sobre as contas bancárias de Adam sem o conhecimento
deste. No decurso do julgamento, Adam sempre disse que nada tinha a esconder
e invocou essas informações bancárias para tentar demonstrar que auxiliava
regularmente os familiares de Bárbara. Tais informações serviram, porém,
para formar a convicção do tribunal no sentido da sua condenação. Na
motivação de recurso, vem, agora, Adam dizer que essas informações não
poderiam, legalmente, servir de base à sua condenação. Terá razão?
Cotações:

Grupo I – 1 - 6 valores
Grupo I –2 – 1,5 valores
Grupo II – 1 – 4 valores
Grupo II – 2 – 1,5 valores
Grupo II – 3 – 1,5 valores
Grupo III – 1 – 4, 5 valores
Grupo III – 2 – 1 valor
Grupo IV – 1 – 4 valores
Grupo IV – 2 - 1, 5 valores

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