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4, 4303 (2015)
www.sbfisica.org.br
DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S1806-11173741952
Neste trabalho analisamos o rolamento de um corpo sobre um plano inclinado relaxando a hipótese de corpo
rı́gido, isto é, consideramos o corpo como deformável. A partir das equações de movimento obtemos uma ex-
pressão analı́tica para a aceleração do centro de massa do corpo. Mostramos que casos conhecidos na literatura
podem ser obtidos como casos particulares da nossa expressão. Adicionalmente, obtemos uma expressão para o
coeficiente de atrito de rolamento o qual pode ser calculado a partir de medidas experimentais realizadas num
plano inclinado.
Palavras-chave: plano inclinado, rolamento, atrito de rolamento.
In this work we have examined the motion of a body that rolls on an inclined plane, without the assumption
of a rigid body. Under these conditions, the body may suffer small deformations. From the equations of motion
we obtain an analytical expression for the acceleration of the center of mass. We show that some cases reported
in the literature can be obtained as special cases of our expression. In addition, we obtain an expression for the
friction coefficient of rolling, which can be calculated from experimental measurements performed on an inclined
plane. These results can be used for students of physics to do a deeper analysis of the friction phenomenon
associated with rolling bodies.
Keywords: inclined plane, rolling, rolling friction.
h
Vf2cm = 2acm L = 2acm =
sin θ
R2
( ) ( µr )
2gh 1 − . (8)
Figura 1 - Forças que atuam sobre um corpo deformável que k 2 + R2 tan θ
rola num plano inclinado. A força normal está deslocada de
uma distância x em relação à posição de um corpo perfeitamente Da Eq. (8) obtemos a seguinte expressão para o
rı́gido. coeficiente de atrito de rolamento
Análise teórica e proposta para determinação experimental do coeficiente de atrito de rolamento em um plano inclinado 4303-3
Emi = M gh . (13)
Por sua vez, a energia mecânica final é dada pela
expressão
7
Emf = M Vf2cm . (14)
Figura 2 - Esquema da montagem experimental que envolve ro- 10
lamento num plano inclinado e lançamento oblı́quo.
A velocidade Vf cm foi determinada utilizando-se as
[ ] equações do lançamento de projéteis (desprezando a re-
R2 Vf2cm sistência do ar). A velocidade inicial do lançamento
( )
µr = 1 − tan θ , (9) oblı́quo é a velocidade final no plano inclinado e é dada
k + R2
2 2gh
pela equação
com
7
5, para uma esfera X g
√
2 2
R +k
3 Valcance = , (15)
R2
= 2, para um cilindro (10) cos θ 2(H − X tan θ)
2, para um anel
onde X é o alcançe máximo, H é a altura da mesa e θ
Da Eq. (9) vemos que o coeficiente de atrito de ro- é o ângulo do plano inclinado (Fig. 2).
lamento pode ser calculado se conhecemos a altura h Os valores calculados da energia mecânica inicial e
no plano inclinado em que a esfera é solta, o ângulo θ final, apresentados na Tabela 3 e Fig. 3 da Ref. [2], cla-
do plano e a velocidade do centro de massa da esfera ramente mostram que a energia mecânica não se con-
no final do plano inclinado. As grandezas h e θ são serva e, mais grave, a energia mecânica final é maior
facilmente determinadas experimentalmente de forma que a inicial. Adicionalmente é determinado o valor
direta, enquanto Vf cm é obtido por método indireto. do coeficiente de atrito estático entre a esfera e o plano
Na próxima Seção discutiremos algumas maneiras de inclinado embora, como os autores afirmam, isso não fi-
se determinar Vf cm . zesse parte dos objetivos originais do experimento. Os
autores também apontam que o resultado obtido para
o coeficiente de atrito estático (µe = 0.18) é divergente
3. Experimentos de rolamento de esfera do valor encontrado por outro método (µe = 0.3). A
em plano inclinado explicação aventada pelos autores do artigo em pauta,
em termos de um coeficiente de atrito estático “efetivo”,
3.1. Descrição dos experimentos é artificial e não esclarece a fı́sica do problema.
Na Ref. [4] também se descreve um experimento com
Nas Refs. [2] e [4] são apresentados experimentos de ro-
esfera rolando em um plano inclinado. A velocidade da
lamento de esfera em plano inclinado, nos quais Vf cm é
esfera no final do plano inclinado é determinada por
determinada. Esses experimentos serão analisados aqui
três maneiras diferentes:
à luz da teoria desenvolvida acima. Considerando ex-
(a) Inicialmente utiliza-se cronômetros com senso-
plicitamente o movimento de uma esfera a Eq. (4) fica
res digitais para se determinar o tempo gasto pela es-
5 fera para percorrer o plano inclinado. A velocidade da
acm = g(sin θ − µr cos θ) . (11) esfera é, assim, calculada pela expressão
7
E para o coeficiente de atrito de rolamento obtemos da 2L
Vsensor = , (16)
Eq. (9) que t
onde L é o comprimento do plano inclinado.
( ) ( ) (b) No segundo método utiliza-se as equações do
7Vf2cm 2
Vcm
µr = 1− tan θ = 1− tan θ , lançamento de projéteis, conforme descrito acima e
10gh 2
Venergia obtém-se a Eq. (15).
(12) (c) A terceira maneira utilizada para calcular a ve-
2
onde, conforme Eq. (17) adiante, Venergia = 10gh/7 locidade da esfera no final do plano inclinado foi através
é a velocidade determinada admitindo conservação da da conservação da energia mecânica. Se h é a altura em
energia mecânica. que a esfera é abandonada, tem-se que
4303-4 Andrade-Neto e Leyva-Cruz
√
10gh Fest = µe N = µe M g cos θ. (19)
Venergia = . (17)
7
No inicio do deslizamento podemos igualar as
A Eq. (17) pode também ser obtida via cinemática.
Eqs. (18) e (19) e obtemos
Para uma esfera perfeitamente rı́gida temos que acm =
(5/7)g sin θ. A partir dessa expressão, a Eq. (17) é
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facilmente obtida. µe = tan θ + µr . (20)
7 7
3.2. Análise dos experimentos A Eq. (20) explica a discordância entre os valores
do coeficiente de atrito estático entre a esfera e o plano
Da Eq. (12) vemos que se a velocidade final Vf cm inclinado, apontada na Ref. [2].
for calculada pelo método da energia, i.e., se Vf cm = Vemos, então, que é possı́vel, a partir de experi-
Venergia então µr = 0. Isso é o esperado já que na mentos de rolamento em plano inclinado, determinar
hipótese de conservação da energia mecânica da esfera de forma relativamente simples o coeficiente de atrito
está implı́cito o modelo de corpo perfeitamente rı́gido, de rolamento bem como o coeficiente de atrito estático,
no qual µr = 0. Assim, não é supreendente que em um via Eq. (12) e Eq. (20), respectivamente.
experimento real, como aquele descrito na Ref. [2], que
tenha como objetivo mostrar a conservação da energia
mecânica de uma esfera rolando em um palno inclinado, 4. Considerações finais
está condenado ao insucesso.
Isso fica mais claro quando analisamos a Eq. (11). Neste trabalho discutimos a dinâmica do movimento em
Dessa equação vemos que quando adotamos um mo- um plano inclinado levando em conta o atrito de rola-
delo mais realista (corpo deformável) a aceleração do mento, ou seja, consideramos um modelo mais realista
centro de massa do corpo é menor, em comparação que leva em conta a deformação dos corpos.
com o modelo de corpo perfeitamente rı́gido, por um A partir dos resultados teóricos desenvolvidos aqui,
fator (5/7)gµr cos θ. Uma aceleração menor significa analisamos os resultados disponı́veis em trabalhos pu-
uma velocidade menor. Então, se Vf cm é calculada pela blicados na RBEF e mostramos que o coeficiente de
Eq. (17), obviamente esse valor está superestimado em atrito de rolamento pode ser facilmente calculado a par-
relação ao valor real. Isso explicaria porque no traba- tir de experimentos em plano inclinado.
lho da Ref. [2] foi encontrado um valor para a energia Como vimos, para se determinar o coeficiente de
mecânica final maior que o valor inicial. atrito de rolamento é necessário conhecer a velocidade
A Eq. (12) também lança luz sobre os valores das do centro de massa do corpo ao final da distância L per-
velocidades obtidas via alcançe horizontal. Os valores corrida no plano inclinado. Essa velocidade pode ser de-
dessa grandeza apresentados na Ref. [4], são cerca de terminada se o tempo gasto para percorrer a distância
5 por cento maiores que os valores de velocidade cal- L for conhecida, conforme Eq. (16). Assim, para se
culados via conservação de energia mecânica. Como obter valores precisos para Vf cm é necessário ter à dis-
podemos ver da Eq. (12), se Vf cm > Venergia isso im- posição um instrumento confiável para a medida do
plica em µr < 0, o que obviamente é um absurdo. A ex- tempo. Deve-se observar que essa questão (a medida
plicação para esse fato vai além da simples consideração precisa do tempo) remota aos trabalhos de Galileo e
de um erro sistemático do experimento. Isso mostra que foi sua motivação para realizar experimentos em plano
não se pode desprezar a resistência do ar no cálculo da inclinado.
Eq. (15). Pelo menos em situações que exigem deter- Outro ponto importante que deve ser mencionado
minação razoavelmente precisa para a grandeza Vf cm . diz respeito à questão do modelo fı́sico que está sendo
Do exposto acima vemos que podemos estabelecer utilizado para interpretar (ou obter) os valores deter-
um critério para o maior valor admissı́vel para a veloci- minados a partir do experimento. Nos trabalhos aqui
2
dade Vf cm . Esse valor é justamente Venergia = 10gh/7. analisados, Refs. [2] e [4], está implı́cito a utilização de
Se o valor obtido para Vf cm for tal que Vf cm > Venergia um modelo de corpo perfeitamente rı́gido. Obviamente,
isso significa que o método para sua determinação é ina- tal modelo tem suas limitações em uma situação real.
dequado ou, no mı́nimo, tem que ser visto com cautela. É interessante citar que essa situação ilustra de
Podemos também determinar o coeficiente de atrito forma relativamente trivial uma famosa frase de Eins-
estático. Da Eq. (3) obtemos que a força de atrito tein pronunciada num diálogo com Heisenberg sobre a
sobre a esfera é dada por mecânica quântica [10]: “É a teoria que decide o que
podemos observar”. Vemos que é o modelo fı́sico utili-
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Fat = M g sin θ + µr M g cos θ. (18) zado que “decide” o que pode ser medido. Este é um
7 7 ponto que merece ser destacado mesmo em experimen-
A força de atrito estática máxima é dada por tos didáticos.
Análise teórica e proposta para determinação experimental do coeficiente de atrito de rolamento em um plano inclinado 4303-5