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A razão fundamental para a regulação numa economia de mercado tem a ver com as
próprias insuficiências ou deficiências dos mecanismos do mercado, comummente
designadas por “falhas de mercado” (market failures).
Repare-se que uma mesma atividade económica pode apresentar mais do que uma
falha de mercado, como sucede por exemplo com os serviços financeiros, que
padecem de assimetria de informação, que podem gerar “externalidades negativas” e
que podem afetar bens públicos. Não é por acaso que os serviços financeiros estão
desde há muito no centro da regulação pública da economia, podendo os défices de
regulação contribuir para gerar ou agravar crises financeiras graves, como ocorreu em
2008.
SIEG - Pela sua novidade e por se tratar de uma consequência direta da passagem do
Estado intervencionista ao Estado regulador, importa destacar a regulação dos serviços
de interesse económico geral (SIEG), ou seja, daqueles serviços considerados essenciais
para a generalidade dos cidadãos e cuja provisão importa assegurar tendencialmente a
toda a gente. Eles incluem em regra os serviços de domiciliários de água e esgotos, de
energia e de telecomunicações e os serviços postais, bem como os transportes
coletivos urbanos e interurbanos, entre outros.
Um dos fatores de transformação do Estado intervencionista em Estado regulador foi a
liberalização e privatização de alguns dos serviços públicos tradicionais, como a
eletricidade, as telecomunicações os serviços postais, entre outros.
Estando agora sujeitos ao mercado, como assegurar que eles estão disponíveis para
toda a gente, em condições de igualdade, desde logo de preço, independentemente do
lugar de residência, e que tais serviços são acessíveis, pelo menos a um nível básico, a
toda a gente, independente do seu nível de rendimento? Como realizar os objetivos do
serviço público, quando o serviço público deixou de existir?
Tal é a razão de ser da regulação dos “serviços de interesse económico geral”
designação originária do Tratado de Roma, depois adotada ao nível dos Estados
membros – consiste, na imposição a um dos operadores, indicado pelo Estado ou
selecionado por concurso, de “obrigações de serviços público” (OSP), a começar pelo
“serviço universal” (acessibilidade a toda a gente), a troco de uma compensação pelos
custos adicionais, a ser financiada pelo Estado ou pelo conjunto dos operadores através
de um fundo criado.
Importa, definir quais são os SIEG, as obrigações de serviço público de cada um deles e
o modo do seu financiamento, depois proceder à seleção do operador incumbido de as
assegurar, para finalmente verificar e fazer respeitar o seu cumprimento. Tais são as
principais tarefas da regulação dos SIEG.
Os SIEG são também caracterizados por falhas de mercado, por se tratar em geral de
indústrias de rede, pelo que a respetiva regulação é de natureza mista, por razões
económicas e por razões extraeconómicas. Daí que, juntamente com os serviços
financeiros, os SIEG constituam uma dos principais prioridades do Estado regulador.
Liberalização e privatização
Oriundo da Nova Zelândia, Austrália, Reino Unido, USA e Canadá no final dos anos
1970, influenciando depois reformas em outros países europeus, o movimento da
“nova gestão pública” visava racionalizar e dar mais eficiência à gestão pública,
mediante aplicação do modelo da gestão privada e da utilização de "mecanismos de
tipo mercado" (MTM), incluindo a concorrência, o fornecimento de serviços públicos
contra um preço, a autonomia de tipo empresarial das organizações públicas, a
responsabilidade dos gestores, a aplicação de direito privado, recorrendo ao modelo da
sociedade comercial, do contrato de gestão e do contrato de trabalho na
Administração pública.
Esta submissão da gestão pública aos preceitos da racionalidade económica e do
mercado tem por efeito a “mercadorização” das prestações públicas até aí fora do
mercado (como os cuidados de saúde ou o ensino universitário), a transformação de
organizações administrativas em organizações empresariais (hospitais, universidades),
mesmo sob a forma de sociedades comerciais (“corporatization”). Com essa mudança
conceptual, a “nova gestão pública” apagava a velha distinção do Direito administrativo
europeu continental entre serviços públicos económicos, em parte sujeitos ao
mercado, e os serviços públicos não económicos, fora do mercado. Agora todos
estavam sujeitos a uma lógica de mercado, fornecendo serviços de valor económico,
mesmo que não pagos pelos utentes.
Esta deriva conceptual teve duas consequências importantes sob o ponto de vista da
relação do Estado com a economia.
Por um lado, os serviços públicos prestacionais, ainda que a cargo do Estado, deixavam
de estar sujeitos a uma regulação por via da propriedade e da autoridade pública, para
passarem a estar sujeitos a uma solução de regulação “externa” do Estado, por
estarem sujeitos ao mercado, ainda que de forma virtual. Daí a submissão do Estado
empresário e do Estado prestador de serviços públicos. Por outro lado, transformando
os serviços públicos prestacionais em organizações empresariais fornecedoras de
serviços no mercado e submetendo a sua gestão a critérios empresariais e de mercado,
a nova gestão pública contribuiu para a subestimação da própria noção de serviço
público e de interesse público e preparou o terreno para a liberalização e privatização
dos serviços públicos.
A regulação independente
Nas três últimas décadas, verificou-se uma tendência geral nos países europeus em
matéria de regulação, para confiar as tarefas regulatórias a entidades públicas
largamente independentes do Governo e da Administração direta do Estado
(autoridades reguladoras independentes).
Em geral, tais entidades são caracterizadas, entre outras coisas, pelos seguintes traços
essenciais:
- dedicação exclusiva à função reguladora;
- grande independência e discricionariedade no seu mandato legal;
- procedimento especial de designação dos reguladores;
- fortes incompatibilidades funcionais dos reguladores;
- estabilidade do mandato dos reguladores, o qual tem duração superior à legislatura e
ao mandato dos governos, não podendo os reguladores ser destituídos antes do seu
termo, salvo por falta grave;
- autonomia no exercício das funções reguladoras, não estando os reguladores sujeitos
a ordens, instruções, nem a diretrizes ou orientações do Governo;
- natureza definitiva das suas decisões, que só podem ser impugnadas junto dos
tribunais, não podendo ser revistas pelo Governo;
- substancial autonomia na gestão financeira, incluindo recursos financeiros próprios,
por meio designadamente de contribuições dos regulados (princípio do “regulado
pagador”);
- accountability direta perante o Parlamento.
Também em Portugal se manifestou essa tendência. Depois da consagração legal da
independência do Banco de Portugal (entidade reguladora das instituições de crédito),
da criação da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) e da Entidade
Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE), foram reconvertidos como autoridades
reguladoras independentes o Instituto dos Seguros de Portugal (ISP) e a Autoridade
Nacional das Comunicações (ANACOM), antigo Instituto das Comunicações de Portugal
(ICP). Mais tarde, foi criada a Autoridade da Concorrência (AdC) e a Entidade
Reguladora da Saúde (ERS) e a Entidade Reguladora de Águas e Resíduos (ERSAR).
No entanto, esta orientação não se generalizou a todas entidades reguladoras setoriais,
algumas das quais ainda mantêm o regime legal dos institutos públicos tradicionais
(por exemplo, as autoridades reguladoras do setor dos transportes).
Do que se trata nas autoridades reguladoras independentes é de uma
“desgovernamentalização” da regulação, de uma clara separação de funções entre, por
um lado, os órgãos políticos do Estado, nomeadamente parlamento e o Governo.
- Facilitar o autofinanciamento
A independência orgânica e funcional das autoridades reguladoras facilita a sua
independência financeira, quer quanto às fontes de financiamento.
A autorregulação