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MANUAL PRÁTICO

Terapia Cognitivo-
Comportamental
O TRATAMENTO
CONTINUA EM CASA
Edivana Aguiar

A TCC é uma psicoterapia baseada em evidências que ganhou aceitação e influên-


cia significativas no tratamento de transtornos depressivos e de ansiedade e é reco-
mendada como tratamento de primeira linha para ambos. Também demonstrou
ser tão eficaz quanto medicamentos no tratamento de várias doenças psiquiátricas.

As tarefas de casa são consideradas um componente essencial para um resultado


bem-sucedido da TCC para crianças e adolescente com transtornos psicológicos.
No contexto da TCC, a tarefa de casa pode ser definida como atividades terapêu-
ticas específicas, estruturadas, que são rotineiramente discutidas na sessão, para
serem realizadas entre as sessões. A conclusão das tarefas de casa foi enfatizada na
concepção da TCC por seu criador, Aaron Beck.[1]

Muitos tipos de tarefa de casa são prescritos por terapeutas, incluindo registros de
sintomas, diários autorreflexivos e atividades estruturadas específicas, como ex-
posição, resolução de problemas, prevenção de respostas, entre outras. Essas po-
dem ser divididas nas três categorias principais a seguir: (1) psicoeducacional, (2)
de autoavaliação e (3) específicas.

1) Trabalho de casa: psicoeducação


A psicoeducação é um componente importante no estágio inicial da terapia. Os
materiais de leitura geralmente são fornecidos para educar o paciente/cliente
sobre a sintomatologia do transtorno diagnosticado, sua etiologia, bem como
outras informações relevantes para o tratamento. Estratégias de autoavaliação,

[1] Beck JS. Terapia cognitivo-comportamental: teoria e prática. 2. ed. Porto Alegre (RS): Artmed; 2014.

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incluindo monitoramento de humor usando registros de pensamentos, ensinam
os pacientes a reconhecer a interconexão entre seus sentimentos, pensamentos e
comportamentos.

Crianças e adolescentes passam boa parte do tempo lidando com aparelhos digi-
tais (notebooks, smartphones, tablets etc.) acessando os mais variados conteúdos na
internet. E embora existam grandes quantidades de informações relacionadas à
saúde na internet, a maioria das informações não são de fontes com bases cien-
tíficas. Os aplicativos e homepages podem aprimorar a psicoeducação, fornecendo
informações claras e concisas, vinculadas aos tópicos abordados na terapia.

Como a psicoeducação é vista como um componente importante da intervenção,


esta foi incorporada a várias ferramentas virtuais e familiares às crianças e adoles-
centes, alguns dos quais se mostraram eficazes no tratamento de várias condições
psiquiátricas, incluindo estresse, ansiedade e depressão, transtornos alimentares,
TEPT e transtorno obsessivo-compulsivo (TOC).

Para ser eficaz para os pacientes e aceitável para os terapeutas, aplicativos de


smartphones são ideais para apoiar a conformidade com as tarefas de casa da TCC e
deve estar em conformidade com o modelo de trabalho de casa da TCC ao mesmo
tempo em que aborda as barreiras à conformidade com os deveres de casa.

Os benefícios de ministrar psicoeducação on-line são óbvios: as informações psico-


educacionais se tornam portáteis e são facilmente acessadas pelo paciente. Além
disso, as informações também são selecionadas e validadas por autoridades de
saúde adequadas, o que gera confiança e reduz o potencial de desinformação que
pode resultar de pesquisas na internet direcionadas aos pacientes. Cabe ao tera-
peuta oferecer as ferramentas on-line adequadas ao paciente para atender aos
objetivos planejados para que o paciente possa estar desenvolvendo seu processo
psicoeducacional de modo adequado.

2) Trabalho de casa: autoavaliação


As ferramentas on-line podem ser usadas não apenas para intervenções psicoedu-
cacionais, mas também para autoavaliações. Em contraste com a tarefa de casa

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convencional baseado em escrita no papel, ferramentas on-line podem suportar
autoavaliações imediatas, solicitando ao usuário que registre dados de autorrelato
sobre o estado atual do paciente. Enquanto as informações coletadas retrospecti-
vamente usando registros em papel podem ser adversamente afetadas por vieses
de memória, as ferramentas on-line permitem ao paciente documentar seus pen-
samentos e sentimentos à medida que ocorrem, resultando em maior precisão dos
dados. Esses recursos de autoavaliação são encontrados em muitos aplicativos e
demais ferramentas on-line que mostraram melhorar significativamente os sinto-
mas de dor crônica, transtornos alimentares, TAG e TOC.

3) Trabalho de casa: pontos específicos ao transtorno


As evidências sugerem que uma variedade de tarefas de casa específicas ao trans-
torno trabalhado inclui práticas de relaxamento, técnicas de reestruturação cog-
nitiva, exposição real ou imaginativa nos casos de TAG, TEPT, entre outros, solu-
ções multimídia para aprendizagem de habilidades e resolução de problemas em
crianças/adolescentes com comportamento disfuncional, técnicas de mindfullness,
de relaxamento, automonitoramento via mensagens de texto para o terapeuta
(em casos depressão grave ou a depender da demanda). O terapeuta pode orientar
os pacientes no uso das técnicas de exposição; os pacientes podem usar isso para
construir suas próprias hierarquias de medo de acordo com suas demandas.

As ferramentas on-line podem ser muito úteis nas tarefas de casa, por exemplo,
novos formatos de aplicativos de realidade virtual para criar ambientes imersi-
vos, podem ser experimentados como uma ferramenta para facilitar a exposição
no tratamento de transtornos de ansiedade com feedback principalmente positivo.
Aplicativos que fornecem elementos de biofeedback (como o monitoramento da
frequência cardíaca). Os chamados “jogos sérios” (serious games) também são pro-
missores na melhora dos sintomas em certos transtornos.

Por exemplo, pacientes deprimidos podem ser solicitados a identificar erros de


pensamento na vida diária e registrar as influências negativas que esses padrões
de pensamento mal adaptativos podem produzir em seus comportamentos.
Vários transtornos psiquiátricos podem exigir diferentes tipos de tarefas de casa

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específicas. Por exemplo, a exposição à imagens de aranhas é um método de tra-
tamento específico para fobia específica. A tarefa de casa é estrategicamente ela-
borada pelo terapeuta para corrigir e/ou diminuir os sintomas do transtorno do
paciente. O objetivo desses exercícios é permitir que os pacientes pratiquem e re-
forcem as habilidades aprendidas nas sessões de terapia na vida real.

O não cumprimento da tarefa de casa: fatores internos e externos:

A questão do não cumprimento da tarefa de casa é uma das razões mais citadas
para a falha na TCC e continua sendo um problema persistente na prática clínica.
Muitas barreiras são percebidas ao cumprimento da tarefa de casa, como os fatores
internos e externos. Os fatores internos se originam das questões internas do pró-
prio paciente, enquanto os externos são criados por influências externas. Fatores
internos que foram identificados incluem falta de motivação para mudar a situa-
ção ao vivenciar sentimentos ou emoções negativos, a incapacidade de identificar
pensamentos automáticos, desconsideração da importância ou relevância da tare-
fa de casa e a necessidade de ver resultados imediatos.

Vários fatores externos também foram identificados, incluindo o esforço associado


aos formatos de tarefa de casa em papel e caneta, a inconveniência de fazer a tare-
fa por causa da quantidade de tempo consumida, não compreensão do propósito
da tarefa, falta de instrução e falha em antecipar potenciais dificuldades em com-
pletar o dever de casa.

Há fortes evidências sugerindo que o cumprimento da tarefa de casa é parte inte-


grante da eficácia da TCC em uma variedade de transtornos psicológicos. No trata-
mento da depressão com TCC, o cumprimento da tarefa de casa foi correlacionado
com melhora clínica significativa e mostrou predizer reduções nas medidas subje-
tivas e objetivas dos sintomas depressivos.

Da mesma forma, o cumprimento do dever de casa está correlacionado com a me-


lhora de curto e longo prazo dos sintomas dos transtornos de ansiedade, incluindo
TAG, TAS, transtorno de acumulação, transtorno do pânico e TEPT.

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A necessidade do paciente de ver a melhora sintomática imediata é um dos impe-
dimentos para o cumprimento da tarefa de casa, uma vez que a percepção de pro-
gresso lento pode ser extremamente desmotivadora para o paciente. Para resolver
essa questão, é importante que os terapeutas trabalhem as intervenções psicoedu-
cacionais do transtorno, bem como enfatizá-las.

Tarefa de casa: missão bem-sucedida

As tarefas de casa devem ser relevantes para os objetivos centrais da terapia, para
o foco da sessão, agradável para o terapeuta e o paciente, apropriado ao contexto
sociocultural, praticado na sessão para melhorar a habilidade, factível, começar
pequeno, ter um raciocínio claro, incluir instruções por escrito e incluir um plano
de backup com os possíveis obstáculos da tarefa de casa.

Além disso, o terapeuta que fornece a tarefa de casa precisa ser colaborativo, re-
forçar todo o comportamento pró-tarefa de casa e sua conclusão bem-sucedida e
ainda oferecer um feedback a cada tarefa cumprida em cada sessão.

Fazer a tarefa de casa de TCC de maneira adequada requer tempo e esforço.


Portanto, qualquer sensação de inconveniência ao fazer a tarefa de casa pode di-
ficultar a motivação do paciente para concluir a lição de casa. Embora os pacientes
possam apreciar a importância de fazer o dever de casa, eles geralmente acham o
tempo gasto na tarefa e a falta de instruções claras desanimador, resultando em ta-
xas de engajamento pobres. Portanto, faz sentido que as tarefas sejam simples, de
curta duração no início do processo terapêutico e incluam instruções detalhadas.

Aliança terapêutica: construindo conexões

Os adolescentes variam significativamente em sua prontidão para se engajar no


tratamento, e pesquisas anteriores descobriram que adolescentes com níveis mais
altos de resistência inicial mostraram um envolvimento subsequente pior nas ta-
refas de tratamento. Da mesma forma, constatou-se que a adesão precoce à tare-
fa de casa prediz a adesão subsequente. Assim, adolescentes que mostraram alta
resistência inicial ou baixa adesão a uma tarefa anterior de tarefa de casa estão

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provavelmente em maior risco de não adesão futura. É hipotetizado que adoles-
centes inicialmente resistentes ou não aderentes podem se beneficiar mais com o
uso adicional de estratégias de aumento de adesão pelo terapeuta.[2]

A aliança terapêutica entre o terapeuta e o paciente é o preditor mais forte do re-


sultado terapêutico e foi sugerido que também prediz o nível de cumprimento da
tarefa de casa. Especificamente, maior atenção do terapeuta para especificar as ta-
refas de casa, fornece uma base lógica forte para solucionar os possíveis obstáculos
do seu cumprimento, bem como a quantidade de tempo dedicada à atribuição das
tarefas, pode ser especialmente relevante para adolescentes que são inicialmente
resistentes ou não aderentes às atribuições anteriores.

Enfatizando a conclusão da tarefa de casa


Enquanto um terapeuta pode motivar o paciente na conclusão da tarefa de casa
durante a sessão de terapia para reforçar sua importância, há pouco que o terapeu-
ta pode fazer entre as sessões de terapia para lembrar os pacientes de fazer a tarefa
de casa. Pode sugerir um aplicativo para fornecer um feedback gráfico contínuo so-
bre o progresso entre as sessões para motivar os pacientes ou empregar lembretes
de mensagem de texto automáticos, que demonstraram melhorar significativa-
mente a adesão ao tratamento.

EXEMPLO PRÁTICO[3]
Estudo de caso: Grupos de crianças e adolescentes com o diagnóstico de transtorno de
ansiedade

O tratamento consistia em 10 sessões semanais em grupo de 2 horas com um programa de


TCC baseado em manual para transtornos de ansiedade mista em jovens. O tratamento se
concentrou em ensinar os jovens a reconhecer suas emoções, reestruturar o pensamento
automático negativo e enfrentar gradualmente as situações temidas.

[2] Tang W, Kreindler D. Supporting homework compliance in cognitive behavioural therapy: essential features
of mobile apps, JMIR Ment Health 2017;4(2):e20. doi: 10.2196/mental.5283.
[3] Arendt K, Thastum M, Hougaard E. Homework adherence and cognitive behaviour treatment outcome for
children and adolescents with anxiety disorders. behavioural and cognitive psychotherapy, 2016;44:225–235. First
published on-line 30 July 2015 DOI:10.1017/S1352465815000429.

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Cada grupo era liderado por um terapeuta e consistia de seis a sete jovens em três grupos
de idade: grupo1 (7-9 anos), grupo 2 (10-12), ou grupo 3 (13-16 anos), e o grupo de pais. Três
meses após o final do tratamento, os participantes receberam uma sessão de reforço de
uma hora em grupo.

As tarefas de casa no programa terapêutico consistiam principalmente de reestruturação


cognitiva (da sessão 1), exposição gradual (da sessão 4) e treinamento de habilidades
sociais e afirmação (da sessão 7). Além de auxiliar os participantes na execução da tarefa
de casa, atribuições na vida cotidiana, os pais tinham lição de casa adicional que consistia
em aprender a recompensar seus filhos por comportamento não ansioso (ou seja, abordar
o comportamento em vez de evitação e utilizar exercícios para reestruturação cognitiva)
e reagir mais apropriadamente ao comportamento ansioso do filho (por exemplo, menos
segurança e comportamento superprotetor).

Os resultados sugeriram que as crianças e adolescentes que participaram do programa de


tratamento psicológico demonstraram melhorias nos sintomas dos transtornos ansiosos,
apresentaram adesão satisfatória ao tratamento e cumpriram as propostas de tarefa de casa.
Após o referido programa foram encaminhados para a sessão de reforço do tratamento.

Sistematizando: O tratamento continua em casa

O tratamento Tarefa de casa: missão Aliança terapêutica:


continua em casa. bem-sucedida. construindo conexões.

O não cumprimento da
1) Trabalho de casa: Enfatizando a conclusão
tarefa de casa: fatores
psicoeducação. da tarefa de casa.
internos e externos.

2) Trabalho de casa: 3) Trabalho de casa: pontos


autoavaliação. específicos ao transtorno.

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REFERÊNCIAS

1. Beck JS. Terapia cognitivo-comportamental: teoria e prática 2. ed. Porto


Alegre (RS) Artmed; 2014.
2. Friedberg RD, Mcclure JMA. Prática clínica de terapia cognitiva com crianças
e adolescentes. Porto Alegre (RS): Artmed; 2017.
3. Leahy RL. Técnicas de terapia cognitiva: manual do terapeuta. 2. ed. Porto
Alegre (RS): Artmed; 2019.
4. Petersen CS, Wainer R. Terapias cognitivo-comportamentais para crianças e
adolescentes: Ciência e arte. Porto Alegre (RS): Artmed; 2011.

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