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MANUAL PRÁTICO

Terapia Cognitivo-
Comportamental
ANSIEDADE NA INFÂNCIA E
ADOLESCÊNCIA: TRATAMENTO
Edivana Almeida

A TCC para o tratamento da ansiedade em crianças e


adolescentes
Dadas as raízes da TCC na aprendizagem e na teoria cognitiva, um dos principais
objetivos no tratamento da ansiedade na infância e na adolescência é promover
modificações na aprendizagem desadaptativa e nos padrões de pensamento. As
abordagens da TCC para a ansiedade tentam compreender as raízes do problema
apresentado, apenas na medida em que essa compreensão dá origem a uma forma
de intervir no “aqui e agora”.1

O tratamento é muito mais focado em abordar os fatores que mantêm os sintomas


da criança ou do adolescente, em vez de compreender o que deu origem ao trans-
torno. Por exemplo, pode-se querer compreender como um pai reagiu, no passado,
às tentativas de esquiva de determinadas situações de seu filho (a), mas em vez
de se concentrar nessas interações anteriores, esse conhecimento seria usado para
ajudar o psicólogo, a saber se deve trabalhar com os pais no desenvolvimento de
uma nova abordagem, com o resultado de permitir uma experiência de aprendiza-
gem adaptativa para a criança ou adolescente.1

Além disso, a TCC é uma abordagem de construção de habilidades. Isso significa


que os psicólogos são diretivos e as sessões são vistas como uma etapa inicial no
processo de aprendizagem. Os atendimentos aos pacientes e aos pais são usa-
dos para apresentarem as habilidades, fornecerem as práticas, como: a resolução
de problemas, as habilidades sociais, a psicoeducação, entre muitas outras. No

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entanto, as tarefas de casa fornecem a prática repetida, necessária para a aquisição
e o refinamento completo das habilidades propostas nas sessões.1

A realização da tarefa de casa é de grande relevância para o sucesso do tratamento,


dada a importância do contexto no qual o comportamento ansioso ocorre, segue-
se necessariamente que a TCC ,frequentemente, introduza novas habilidades para
os pais, professores e, às vezes, até irmãos ou colegas do paciente.1 Na verdade, os
pais da criança ou adolescente, muitas vezes, se tornam os principais agentes de
mudança e trabalham junto com o psicólogo, para implementar o tratamento, es-
pecialmente com crianças mais novas.

Outro fator muito importante no tratamento é a relação terapêutica. A TCC levanta


claramente a hipótese de fatores específicos, além da relação terapêutica, que são
considerados necessários para uma resposta bem-sucedida ao tratamento. Os ma-
nuais de TCC, para transtornos de ansiedade em crianças e adolescentes, revelam
que os tratamentos requerem o desenvolvimento de um relacionamento terapêu-
tico e de uma aliança de trabalho, além de um esforço ativo e relativamente pro-
longado, por parte da criança ou adolescente e sua família.1

No entanto, além das habilidades de escuta empática, genuinidade e considera-


ção positiva, muitas vezes considerados meios essenciais para estabelecer o rela-
cionamento terapêutico, os terapeutas de TCC podem confiar mais fortemente na
relação de colaboração, inerente à TCCno fornecimento de uma base teórica e no
plano de tratamento, para permitir que a criança ou adolescente perceba o tera-
peuta como alguém que pode lhe ajudar.

Os procedimentos terapêuticos, como as exposições às situações temidas ou às


intervenções de exposição, são amplamente reconhecidos como um componente
central de tratamentos eficazes da TCC para a ansiedade em crianças e adolescen-
tes. Esses procedimentos são inerentemente angustiantes, e a sua adesão parece
improvável sem um forte relacionamento com os pais e o paciente, bem como, sem
um acordo sobre as tarefas e os objetivos do tratamento.2

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Como funcionam as intervenções de exposição?
A primeira etapa é para identificar os “gatilhos” (estímulos internos e externos pre-
disponentes e mantenedores da ansiedade patológica). O terapeuta pode projetar,
junto com o paciente, uma “hierarquia de medos” em relação a determinados ob-
jetos ou às situações ansiogênicas. Cada nível do medo, nesta escala hierárquica,
representa a intensidade do que é tolerável ao paciente e como a exposição, siste-
mática e gradativa, pode promover progressos significativos no controle da ansie-
dade. Em vez de pensar em termos de “tudo e nada”, por exemplo, “não posso tocar
em um cachorro, porque ele vai me morder” ou “não posso cruzar uma ponte, por-
que vou cair”, o terapeuta solicita ao paciente os níveis de dificuldade à exposição.1,3

Pode-se perguntar a uma criança/adolescente com medo de cruzar uma pon-


te, por exemplo: “Em uma escala de 1 a 10, quão difícil seria atravessar uma pon-
te?” e dependendo da sua resposta, trabalhar o enfrentamento dessa situação.
Considerando-se a devida diferenciação entre o medo infundado e o medo prote-
tivo (real). Por exemplo, em criança/adolescente que tenha medo de cachorro, pre-
cisa-se verificar se o medo é infundado ou protetivo (por exemplo, sendo um cão
feroz, o medo faz sentido; porém um cachorrinho manso, este seria infundado).1,3

Em seguida, expõe-se a criança ao gatilho em sua forma mais branda possível e a


apoiamos, até que a ansiedade desapareça. O medo, como qualquer sensação, di-
minui com o tempo, e as crianças/adolescentes ganham uma sensação de domínio
à medida que sentem a ansiedade diminuir.2,3

Objetivos da TCC no tratamento da ansiedade


Os objetivos dos tratamentos relacionados ao paciente são:1, 2
1. Acalmar a reatividade fisiológica;
2. Reduzir gradativamente os comportamentos de evitação;
3. Substituir uma “conversa interna” apreensiva e baseada no medo por ava-
liações alicerçadas em evidências e na crença tranquilizadora em sua capa-
cidade de lidar, tanto com a situação, quanto com a capacidade de suportar
a ansiedade;

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4. Expressar emoções subjacentes.

Para o alcance desses objetivos, o psicólogo ensina à criança as habilidades de en-


frentamento adaptativas e oferece oportunidades de práticas, para desenvolver
um senso de domínio sobre os sintomas ou situações de ansiedade associados
ao sofrimento. O terapeuta deve ensinar o paciente a identificar e reconhecer os
pensamentos, crenças e gatilhos que desencadeiam a ansiedade. À medida que se
acostumam a cada um dos gatilhos, a ansiedade diminui e os pacientes estarão
prontos para a superação dos seus medos.1

Modelo de tratamento Coping Cat


O modelo de tratamento “Coping Cat” é um tratamento cognitivo-comportamen-
tal para crianças (a partir dos 7 anos) e adolescentes que lidam com a ansiedade e
que podem ter um diagnóstico de transtorno de ansiedade generalizada, fobia so-
cial, transtorno de ansiedade de separação, entre outros transtornos de ansiedade.
O tratamento inclui as intervenções psicoeducativas, o treinamento de habilidades
de enfrentamento e a exposição gradual a cenários indutores de ansiedade, bem
como tarefas de casa. Durante o tratamento, crianças e adolescentes aprendem a
reconhecer e analisar os sentimentos de ansiedade e a desenvolver as estratégias
para lidar com situações que provocam a ansiedade. Existem quatro componentes
para o tratamento:2,4
1. Reconhecer os sentimentos de ansiedade e as suas reações físicas;
2. Identificar os pensamentos catastróficos e sentimentos em situações que
causam a ansiedade;
3. Desenvolver um plano de enfrentamento;
4. Avaliar o desempenho e oferecer o autorreforço.

O programa Coping Cat é normalmente administrado ao longo de 16 semanas, nas


primeiras oito sessões, crianças e adolescentes são treinados em conceitos espe-
cíficos e, em seguida, praticam e reforçam esses conceitos da sessão. Na segunda
metade das sessões, crianças e adolescentes praticam as novas habilidades em si-
tuações imaginárias e reais, variando de baixo estresse / baixa ansiedade a alto es-
tresse / alta ansiedade. Os terapeutas podem utilizar inúmeras intervenções para o

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alcance das metas, como a modelagem de situações da vida real, a dramatização,
o treinamento de relaxamento, o reforço contingente durante o tratamento, entre
ouras.2,4

Os componentes essenciais do modelo Coping Cat incluem:2,4


zz Psicoeducação, envolvendo as informações para crianças/adolescentes e famílias,
sobre como a ansiedade pode se desenvolver e ser mantida, e como pode ser
tratada;
zz Tarefas de exposição, que dão às crianças e adolescentes a chance de estarem na
situação temida e terem uma experiência neste domínio;
zz Gestão somática, que ensina técnicas de relaxamento relacionadas às reações
fisiológicas da ansiedade;
zz Reestruturação cognitiva, que trata do medo: reestrutura os pensamentos e
as crenças acerca do esperar que coisas ruins aconteçam; a catastrofização, a
generalização, entre outros;
zz Resolução de problemas, para gerar e avaliar ações específicas, para lidar com os
problemas que ocasionam a ansiedade.

Após o tratamento, crianças e adolescentes relatam reduções significativas na


ansiedade, no medo e na frequência de pensamentos distorcidos, bem como um
aumento na capacidade de lidar com as situações ansiogênicas ou temidas. Para
algumas crianças e adolescentes, o modelo Coping Cat, ajudou significativamente,
a ponto de não atenderem mais aos critérios para transtorno de ansiedade, mesmo
um ano após o tratamento.2,4

Enfrentamento do medo
As atividades criativas e lúdicas, apresentadas no contexto de uma relação tera-
pêutica sintonizada com a empatia, envolvem as crianças/adolescentes e aumen-
tam a eficácia da TCC. Brincar tem um papel significativo na TCC com crianças, pois
fornece um contexto acessível e adequado ao desenvolvimento, para que elas par-
ticipem da terapia. A combinação de estratégias e técnicas de jogos estruturada
com a TCC permite uma implementação eficaz do tratamento.2

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Atividades lúdicas são conhecidas por reduzirem os níveis de ansiedade, permitin-
do que as crianças/adolescentes lidem, com mais sucesso, com as situações estres-
santes. Quando estas estão envolvidas em jogos e atividades lúdicas, não apenas
se divertem, mas também relaxam e aprendem novas habilidades. Além disso,
a fim de evitar a possibilidade de que a TCC seja enfadonha para as crianças ou
adolescentes, cabe aos terapeutas desenvolver maneiras criativas e envolventes de
transmitir essas habilidades aos seus jovens pacientes (role play, técnicas de rela-
xamento, games, entre muitas outras). As atividades da TCC podem ser divertidas
e apropriadas para a superação dos medos, são eficazes quando as crianças as en-
tendem, gostam delas e ficam mais motivadas a participar das sessões.2

EXEMPLO PRÁTICO

Caso clínico: Hannah, uma criança com transtorno de ansiedade5


Hannah (nome fictício) era uma menina de 10 anos, que foi descrita como “ansiosa desde o
nascimento”. Ela era uma criança tímida e reservada na pré-escola, mas se integrou bem na
1ª série e começou a fazer amigos e ter sucesso escolar. A paciente se queixou várias vezes
de fortes dores abdominais, que pioravam pela manhã e nunca apareciam à noite. Ela havia
perdido cerca de 20 dias de aula durante o ano anterior, por causa da dor. Também evitou
excursões escolares, temendo que o ônibus batesse. Ela tinha dificuldade em adormecer
e, frequentemente, pedia ajuda aos pais para dormir.
Hannah estava preocupada que ela e os membros da sua família pudessem morrer. Ela
não conseguia dormir antes de verificar se todos estavam bem. Não tolerava ter os pais
em um andar diferente do dela e insistia em garantir a segurança desnecessária da casa
à noite, temendo invasores. Sua insegurança, a necessidade de constante reafirmação e
absenteísmo escolar e essas suas ações eram frustrantes e perturbadoras para seus pais.
A paciente não tinha história pessoal de eventos traumáticos. Ela exibe sintomas típicos
de transtorno de ansiedade na infância. Este tipo de transtorno é diagnosticado quando
a ansiedade é suficiente para interferir no funcionamento diário, por exemplo, a frequên-
cia escolar de Hannah e o sono. Esses efeitos podem aumentar e interferir cada vez mais
no funcionamento adequado em casa, na escola e com os colegas; e também coloca os
pacientes em risco de desenvolverem transtornos de humor ou transtornos de abuso de
substâncias no futuro.

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Muitas crianças experimentam medos; medos que são normais em termos de desen-
volvimento. Crianças com transtornos de ansiedade, no entanto, experimentam medos
persistentes ou outros sintomas de ansiedade por meses. As crianças podem experimentar
todos os transtornos de ansiedade experimentados por adultos. No entanto, elas também
podem apresentar o transtorno de ansiedade de separação e o mutismo seletivo (falta de
fala em certas situações sociais, que se acredita estar relacionado à ansiedade social), que
são exclusivos das crianças.
Há uma série de sintomas comuns observados em crianças ansiosas. Os sintomas que
envolvem pensamentos incluem: preocupação, pedidos de confirmação, “e se”, perguntas
e pensamentos obsessivos perturbadores. Os sintomas comuns que envolvem comporta-
mentos incluem: dificuldade de separação, evitar as situações de medo, acessos de raiva
quando confrontados com medo, “congelamento” ou mutismo em situações de medo e
rituais repetitivos ou compulsões. Os sintomas comuns que envolvem sentimentos in-
cluem: ataques de pânico, hiperventilação, dores de estômago, dores de cabeça e insônia.
Para rastrear, rapidamente, um ou mais transtornos de ansiedade em crianças, quatro
perguntas costumam ser úteis:
1. A criança se preocupa ou pede segurança aos pais quase todos os dias?
2. A criança evita, sistematicamente, certas situações ou atividades adequadas à idade
ou evita praticá-las sem os pais?
3. A criança, frequentemente, tem dores de estômago, dores de cabeça ou episódios
de hiperventilação?
4. A criança tem rituais repetitivos diários?
Essas questões abordam os principais pensamentos, comportamentos e sentimentos rela-
cionados à ansiedade, observados em crianças. As intervenções incluíram a psicoeducação
com o paciente e pais, associadas às intervenções cognitivas e comportamentais específicas
ao tratamento de transtornos de ansiedade com crianças e adolescentes. Os resultados
foram satisfatórios e a paciente pôde aprender a lidar, de modo adaptativo e gradativo,
com seus processos emocionais e cognitivos que geravam a ansiedade.

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Sistematizando: Ansiedade na infância e adolescência: tratamento

A TCC para o tratamento


Para crianças (a partir dos
da ansiedade em crianças Enfrentamento do medo
sete anos) e adolescentes
e adolescentes

Intervenções no Modelo de tratamento Com atividades


“aqui e agora” Coping Cat criativas e lúdicas

Ensinar às crianças/
Como funciona as
adolescentes as
intervenções de
habilidades de
exposição?
enfrentamento

Objetivos da TCC no
Identificação dos “gatilhos”
tratamento da ansiedade

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REFERÊNCIAS

1. Beck JS. Terapia Cognitivo-Comportamental: Teoria e Prática. 2. ed. Rosa SM,


translator. Porto Alegre (RS): Artmed; 2013.
2. Friedberg RD, Mcclure JMA. A Prática Clínica da Terapia Cognitiva com
Crianças e Adolescentes. Porto Alegre (RS): Artmed; 2007.
3. Greenberger D, Padesky CA. A mente vencendo o humor: mude como você se
sente, mudando o modo como você pensa. Artmed; 1999.
4. Petersen CS, Wainer R. Terapias cognitivo-comportamentais para crianças e
adolescentes: Ciência e arte. Porto Alegre (RS): Artmed; 2011.
5. Rodgers M. Hannah, an anxious child. ADAVIC Volunteer [Internet]. 2004.
Disponível em: https://www.adavic.org.au/PG-articles-hannah-an-anxious-
child.aspx.

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