Você está na página 1de 8

Gabriel Augusto Pinto Barbosa

Cirurgia do Seio Frontal + Fístula Liquórica Nasal + Mucocele


CIRURGIA ENDOSCÓPICA DO SEIO FRONTAL:
O acesso ao seio frontal (SF) é historicamente o mais desafiador, e atualmente o tratamento
envolve o desbloqueio do recesso do frontal (RF). A técnica cirúrgica de escolha tem sido a
endoscópica nasossinusal, com uso dos endoscópios e instrumentos angulados, porém ainda podem
existir cicatrizações anômalas com obstrução secundária do recesso. Por essa tendência, foi criada a
filosofia do “tudo ou nada” (ou se remove todas as células que o obstruem, ou não se toca no recesso).
Os limites do recesso do frontal são:
 Anterior: frontal beak ou agger nasi
(célula etmoidal mais anterior, situada na
região da inserção anterior da concha
média na parede lateral);
 Posterior: bula etmoidal (maior célula
etmoidal anterior, podendo estar
subdesenvolvida em 8% dos casos; quando
não atinge a fóvea etmoidal, forma-se o
recesso suprabular);
 Medial: porção vertical da concha média;
 Lateral: lâmina papirácea;
o OBS: O recesso terminal existe quando o processo uncinado se insere na lâmina papirácea (mais
comum), formando um fundo cego que permite a drenagem do seio frontal para o meato médio.

O conceito da Barra Vertical foi criado por Aldo Stamm, sendo


uma chave importante para o acesso ao RF. Essa é uma estrutura
formada após a uncifectomia com o remanescente superior do
processo uncinado junto à parede medial do Agger Nasi. A partir
dessa estrutura, sabe-se que a drenagem do seio frontal estará
localizada logo posterior ou medial a barra vertical.

A técnica da bula etmoidal intacta foi


criada por Louri, sendo recomendada por
facilitar o encontro da drenagem do seio
frontal, visto que seu recesso se situa
anteriormente a parede anterior da bula. Além
disso, ajuda a proteger a base do crânio e
protege a artéria etmoidal anterior de lesões
iatrogênicas. Recomenda-se que o acesso ao
SF ocorra no início do ato cirúrgico, onde o
cirurgião está mais descansado, diminuindo a
possibilidade de falhas.
É importante reconhecer na tomografia as
células frontoetmoidais, na intenção de estar
preparado durante a cirurgia para quaisquer
alterações anatômicas. Elas são classificadas de
acordo com a sua localização em relação ao
recesso do frontal: anteriores (Kuhn, divididas
em I-IV), posteriores (suprabulares conectadas a
base do cranio, ou frontobulares quando atingem o
interior do seio frontal), laterais (supraorbitária,
lateral e posterior, única ou múltiplas) e mediais
(interfrontal, pneumatiza o septo intersinusal frontal
podendo lateralizar os recessos e estar associados
a pneumatização da crista galli).

Anteriores Posteriores

Suprabular Frontalbular
Kuhn I Kuhn II

Medial

Kuhn III Kuhn IV


Laterais

As cirurgias do seio frontal, chamadas de Drafs, são abordagens endoscópicas


sistematizadas em quatro tipos, com aumento sucessivo da agressividade operatória, de acordo com
a extensão da afecção subjacente.
 Draf 1: abertura e drenagem do recesso frontal com
etmoidectomia, preservando a parede superior do agger
nasi;
 Draf 2a: manipulação do assoalho do seio frontal (remove
toda agger nasi) entre a lâmina papirácea e a concha
média;
 Draf 2b: cria espaço entre lâmina papirácea e septo nasal,
ressecando frontal beak e o corneto médio.
 Draf 3 ou Lothrop modificado: cria espaço entre as lâminas papiráceas, removendo o frontal beak,
porção anterior da concha média, septo intersinusal frontal e porção superior do septo. Seu limite
posterior é a primeira fibra do nervo olfatório;

o O Draf 3 pode ser feito pela técnica inside out (do recesso à janela septal, identificando a primeira
fibra olfatória por último) ou outside in (incisão em U pouco anterior à axila da concha média,
descolamento da mucosa posterior até encontrar a primeira fibra olfatória, confecção da janela septal
e dissecção pelas laterais, drenando o recesso frontal por último);

Draf I Draf IIa

Draf IIA Draf III

Draf IIb Draf III

Cuidados pós-operatórios:
 Tamponamento nasal: Draf I e IIa não necessitam. IIb e III é recomendado, já que facilita a
reepitelização do osso exposto na parede anterior ao frontal e evita crostas e sinéquias na região. Não
absorvível, permanecer de 2-7 dias.
 Splints nasais: no Draf III pode facilitar a reepitelização. Posicionado superiormente, como um U
invertido, recobrindo a área desnuda com o tamponamento inferior a ele, comprimindo-o contra o osso.
 Debridamentos: o Draf I e IIa necessitam de lavagens nasais com solução salina e debridamento
frequentes, minimizando infecções e excesso de tecido de granulação, diminuindo o potencial de
reestenose. Já o IIb e III exigem cuidados mais intensos pelo potencial de neoosteogênese na área do
osso exposto. Primeiro debridamento feito entre 7-10 dias após a cirurgia, com intervalos > 1 semana
de acordo com a evolução.

FÍSTULA LIQÚORICA NASAL:


As fístulas liquóricas nasais ocorrem quando há conexão do espaço subaracnoide com a fossa
nasal ou seios paranasais. São divididas em traumáticas e não traumáticas.
As fístulas traumáticas são divididas por causa acidental (80%) ou cirúrgica (20% - polipose,
cirurgia revisional / seio frontal, neurocirurgias), principalmente na placa cribriforme e etmoide anterior,
podendo ter inclusive aparecimento tardio (dias a semanas – elevação tardia da pressão intracraniana,
lise de coágulos, resolução de edema perilesional, perda de irrigação sanguínea), porém com bom
prognóstico.
As fístulas não traumáticas podem ser congênitas (meningocele, meningoencefalocele),
tumorais, hipertensivas (HIC), inflamatórias ou espontâneas (também chamadas de primárias ou
idiopáticas, mais comum em mulheres com IMC elevado, próximo à 4ª década da vida – Female Fat
Forty).
As fístulas podem se originar na base anterior do crânio (próximas à linha média, pelo seio
etmoidal, área cribriforme, seios esfenoidal e frontal) ou na fossa média (seio esfenoide com grande
expansão lateral, geralmente além do forame redondo). Elas ainda podem ser paradoxais (originadas do
osso temporal, com drenagem do líquor pela tuba auditiva para a cavidade nasal, por trauma ou
malformações no osso temporal) ou ocultas (presumida em crises repetitivas de meningite, geralmente
pneumocócica, sem rinoliquorreia evidente, podendo ou não haver história de trauma).
O diagnóstico clínico é feito pelo corrimento nasal claro como água de rocha, principalmente
unilateral, procurando história de cirurgias ou de TCE recente ou tardio, além de história pregressa de
meningite ou meningites de repetição. A partir disso, deve-se realizar a dosagem de glicose em 1,5ml de
líquido nasal (frasco limpo). O resultado ≥ 20mg/dL caracteriza presença do líquor (paciente
euglicêmico).
 Nas pseudofístulas ocorre predominância das fibras parassimpáticas por lesão das simpáticas
durante trauma cirúrgico ou acidental. Nesses casos, a dosagem de glicose é inferior a 20mg/dL e
deve ser tentado tratamento de prova com brometo de ipratrópio spray nasal (Atrovent) por 1
semana. O desaparecimento da rinorreia fala a favor desse diagnóstico.
 O uso de glicofita não é preconizado, pela baixa especificidade.
 O padrão ouro para detecção do líquor é feito pela pesquisa de
beta-2-transferrina ou beta-traço proteína (presentes apenas no
líquor e endolinfa – alta especificidade).
 O diagnóstico topográfico pode ser feito com injeção de
fluoresceína intratecal (0,5ml a 5% diluída em 10ml de água
destilada  2,5mg/ml, solução hipodensa que permite chegada às
cisternas cerebrais e em poucos minutos alcança a cavidade nasal),
permitindo evidenciar o corante na cavidade nasal com o
endoscópio, com ou sem filtro ultravioleta, com coloração amarelo
esverdeada. Embora pouco utilizada, ainda pode ser feita detecção
de marcador radioativo em cotonoide deixado na cavidade nasal.
 Em relação a exames de imagem, a TC de
alta resolução (detecta defeito em 50-82%
dos casos) e a RNM ponderada em T2 sem
contraste (revela local da fístula e identifica
possível herniação) em associação atingem
sensibilidade de 95% e especificidade de
100%. A cisternotomografia (80% eficácia) pode
ser feita quando rinoliquorreia confirmada e não
identificação nos outros exames.

O tratamento clínico é feito na fase aguda de fístulas por TCE acidentais, na tentativa de
reduzir ou não permitir a elevação da pressão liquórica por 10 dias. São utilizadas medidas posturais
(manter cabeceira elevada), punção lombar, laxantes intestinais (evitar esforço) e diuréticos
(acetazolamida). O uso de antibióticos profiláticos é controverso. Nos casos de fístula ativa,, fazer a vacina
antipneumocócica (risco de infecção do SNC como complicação).
O tratamento cirúrgico pode ser feito por via endonasal (menores taxas de morbimortalidade,
sem necessidade de internação em UTI, menor tempo de internação), via neurológica (quando
procedimento neurocirúrgico é imprescindível, como nas aberturas extensas de base de crânio, traumas
com exposição cerebral ou tumores) ou via externa (fístula de seio frontal, inacessível por via
endoscópica). Deve-se identificar a localização precisa da fístula na meninge (muitas vezes o orifício ósseo
não coincide).
 Os enxertos podem ser utilizados com fáscia, mucoperiósteo, músculo, gordura, osso, cartilagem e
retalhos de concha nasal e mucoperiósteo septal. Pode ser utilizada cola biológica para dar mais
estabilidade aos tecidos. O dreno lombar hoje não é preconizado.
 A valsalva feita pelo aumento da pressão intracraniana avalia a eficácia do fechamento da fístula. Se
ocorrer saída de fluoresceína após o fechamento da fístula, constata-se tratamento ineficaz.
 A recidiva corre em torno de 10% nas traumáticas, 25% nas espontâneas e 8% nas reintervenções.

MUCOCELES DOS SEIOS PARANASAIS:


Lesões benignas, encapsuladas, preenchidas por muco e
recobertos por epitélio da mucosa respiratória. Frequentemente são
unilaterais e comprometem mais de um seio paranasal. São lesões
expansivas e localmente destrutivas (crescem lentamente), com erosão
e remodelamento ósseo da parede do seio (reabsorção óssea). Os seios
mais comprometidos são frontais (60-65%), etmoidais (20-30%),
maxilares (10%) e esfenoidais (2-3%)  F E M E S. Japoneses = Maxilar.
A ocorrência de mucocele é mais relacionada a cirurgia nasal
prévia, traumatismo facial e rinossinusite crônica. São pouco
frequentes em crianças (pensar em fibrose cística) e negros (proptose
ocular). Geralmente são assintomáticos ou com sintomas inespecíficos,
como cefaleia, plenitude em face e/ou região frontal e sintomas
oculares (principalmente quando acomete seio frontal e etmoidal). O
acometimento do seio esfenoidal é menos frequente, porém possui maior
variabilidade clínica pelo contato com diferentes estruturas anatômicas
(oculares > paralisia nervos cranianos).
Podem ser classificadas como primárias (se forma após obstrução do óstio de drenagem) ou
secundárias (após formação de cisto na mucosa lesionada, podendo levar anos para se manifestar). A
capacidade de reabsorção óssea está relacionada ao aumento de PGE2, macrófagos e linfócitos Th2,
ativados por g-interferona e IL-2 que se correlaciona com o aumento de IL-12 no interior da mucocele.
As complicações das mucoceles podem ser neurológicas
(comunicação com a cavidade craniana por erosão da parede posterior do
frontal ou do teto etmoidal, podendo acarretar fístulas, meningites e
compressão local), orbitárias (reabsorção da lâmina papirácea, podendo
deslocar o globo ocular), cutâneas (abaulamento cutâneo, principalmente
frontal e maxilar) e mucopiocele (infecção do conteúdo, se tornando
dolorosas e podendo crescer rapidamente).

O diagnóstico radiológico é feito com


TC de alta resolução nos 3 planos,
evidenciando a erosão óssea. A RNM pode
ser necessária quando há possibilidade de
invasão endocraniana ou comprometimento
orbitário, mostrando hipossinal em T1,
hipersinal em T2 e não captação de
contraste.
O tratamento é sempre cirúrgico, com acesso endoscópico endonasal para a marsupialização
com abertura ampla do seio paranasal acometido. Não é necessária reconstrução do osso erodido
pela mucocele na intenção de preservar o mucoperiósteo da cavidade. A incisão externa (técnica de
Lynch) é feita quando mucoceles frontais muito lateralizadas.

Questões:
1) O acesso ao seio frontal (SF) é, historicamente, o mais desafiador entre os seios paranasais. É
fundamental que o cirurgião tenha conhecimento profundo da anatomia básica do recesso
frontal. Sobre o mesmo, assinale a assertiva correta:
a. Limite anterior: bula etmoidal  frontal beak ou agger nasi;
b. Limite posterior: seio esfenoidal  bula etmoidal;
c. Limite medial: lamela vertical da concha média;
d. Limite lateral: lamela horizontal da concha média  lâmina papirácea;

2) Existe uma cirurgia para acesso ao Seio Frontal que consiste na abertura de um espaço entre
lâmina papirácea e septo nasal e é útil para doenças não inflamatórias do Seio Frontal como
pequenos osteomas. Qual é o nome dessa cirurgia?
a. Draf 1
b. Draf 2A
c. Draf 2B
d. Lothrop modificado

3) Sobre os exames de imagem para fístula liquórica nasal, assinale a correta:


a. A cisternotomografia mostrou-se muito superior a tomografia na identificação do defeito ósseo –>
TC 50-82% dos pacientes, enquanto cisternotomografia 80%, equivalente;
b. A RNM ponderada em T2, com a necessidade da injeção do contraste, pode revelar o local da
fístula, hérnia de parênquima cerebral no espaço extradural ou meningoceles, desde que seja um
defeito superior a 10mm –> sem necessidade de injeção de contraste, e até defeitos pequenos;
c. A TC de alta resolução associado a RNM possuem especificidade de 100% e são os exames
de eleição em caso suspeito de fístula liquórica nasal –> sensibilidade 95%;
d. A cintilografia é um método que está sendo cada vez mais utilizado para identificação de fístula
liquórica nasal, principalmente nos casos de fístula oculta –> não é utilizado;

4) Baseado em seus conhecimentos sobre mucocele nasal, assinale a assertiva correta:


a. O tratamento é sempre cirúrgico;
b. A capacidade de reabsorção óssea é devido a redução de prostaglandina E2 –> aumento de PGE2
c. A RNM evidencia em T1 um hipossinal, em T2 hipersinal e alta captação de contraste –> sem
captação de constraste;
d. A cirurgia consiste em marsupialização com maior atenção a reconstrução do osso erodido –> sem
necessidade de reconstrução, o osso se regenera;

5) Abaixo vemos um corte coronal da região nasossinusal. O asterisco indica


uma célula frontoetmoidal. Qual seria essa célula e qual a classificação de
Keros deste paciente?
a. Kuhn tipo 3 e Keros tipo 1
b. Kuhn tipo 4 e Keros tipo 3
c. Kuhn tipo 3 e Keros tipo 4
d. Kuhn tipo 4 e Keros tipo 1

6) O professor Wolfgang Draf sistematizou as abordagens endoscópicas ao seio frontal em quatro


tipos, com aumento sucessivo da agressividade operatória. Sobre o assunto, assinale a
alternativa correta:
a. A sinusotomia frontal Draf I envolve antrostomia, etmoidectomia, abordagem agressiva do agger
nasi
b. A sinusotomia frontal Draf IIa envolve etmoidectomia e abertura ampla do recesso frontal até o
septo
c. Draf III, também conhecida como Lothrop modificado, consiste na abertura do assoalho do
seio frontal contido entre as lâminas papiráceas
d. A Draf IV é a técnica endoscópica mais agressiva para a drenagem do seio frontal. Nesta técnica
são removidos o septo intersinusal frontal e a porção superior do septo nasal

7) Sobre as células frontoetmoidais, assinale a correta:


a. A célula suprabular é a célula acima da bula etmoidal, no recesso suprabular, conectada à
base do crânio, que pode atingir o recesso do frontal, mas não entra no seio frontal. Ela se
difere, portanto, da célula frontalbular que atinge o seio frontal
b. Célula supraorbitária fica próxima à artéria etmoidal anterior e também pode ser chamada de célula
de Haller  célula de Haller é infraorbitária;
c. Célula interfrontal é a célula que pneumatiza o septo intersinusal frontal e fica lateral ao recesso do
frontal  medial;
d. Classificação de Kuhn são para células anteriores ao recesso do frontal. Kuhn 3 é quando há mais
de 2 células acima do agger nasi e abaixo do frontal beak  Kuhn 2;

8) Fátima, 40 anos, obesa mórbida, refere meningites de repetição. Refere coriza com aspecto de
água de rocha unilateral. Sobre sua principal hipótese diagnóstica, assinale a assertiva correta:
a. Vacina meningocócica é a mais importante vacina nos casos de fístula liquórica  pneumocócica;
b. Glicofita é um método prático, rápido e barato para aferir glicose no líquido nasal e por isso possui
alta recomendação  positiva até na presença de lágrima, baixa especificidade;
c. Provavelmente é um caso de fístula liquórica espontânea com pressão intracraniana normal
e a pesquisa de beta-traço proteína possui alta especificidade.
d. A fluoresceína intratecal ée um procedimento bom para identificar o local da fístula, no entanto o
paciente precisa assinar o termo de consentimento pois não há evidências de ser seguro  seguro;

9) Sobre mucocele nasal, assinale a correta:


a. A sua forma primária é geralmente causada por trauma, na qual há formação de lesão preenchida
por muco e recoberta por epitélio pseudoestratificado escamoso ciliado  cilíndrico;
b. Os seios mais acometidos são frontais, etmoidais, maxilares e esfenoidais, em ordem crescente. É
pouco frequente na população negra  decrescente;
c. O exame de escolha é a TC na qual podemos observar erosão óssea. Na RNM podemos
observar hipossinal em T1, hipersinal em T2 sem realce ao contraste
d. A cirurgia indicada é a endoscópica nasal com marsupialização da mucocele com reconstrução do
osso erodido por ela  não é necessária reconstrução;

Você também pode gostar