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MENSAGENS
PORTUGUÊS 12.º ANO Célia Cameira
Alexandre Dias Pinto
Carla Cardoso
Índice geral
Unidade 2 Conto
Ficha informativa
FI 1 História pessoal e história social: as duas famílias | Valor simbólico dos marcos históricos referidos 12
FI 2 A importância dos episódios e da peripécia final | A dimensão irónica 13
FI 3 Linguagem e estilo 14
15 Síntese
Poetas em opção
Ficha informativa
FI 1 Figurações do poeta | Arte poética 25
FI 2 Tradição literária | Representações do contemporâneo 26
FI 3 Linguagem, estilo e estrutura 27
2
Índice geral
Poetas em opção
Ficha informativa
FI 1 Figurações do poeta | Arte poética 33
FI 2 Tradição literária | Representações do contemporâneo 34
Ficha informativa
FI 1 Figurações do poeta | Arte poética | Tradição literária 41
FI 2 Representações do contemporâneo 42
Ficha informativa
FI 1 Figurações do poeta | Arte poética 50
FI 2 Tradição literária | Representações do contemporâneo 51
FI 3 Linguagem, estilo e estrutura 52
Ficha informativa
FI 1 Figurações do poeta | Arte poética | Tradição literária | Representações do contemporâneo 58
3
Educação Literária/Leitura Oralidade Escrita Gramática
59 Luiza Neto Jorge
60 «O poema ensina a cair» Apresentação oral 64 Apreciação crítica 62 Funções sintáticas
61 «Eu, artífice» Pintura de René Magritte Poética da autora 60, 64
em comparação com Coordenação
62 «A magnólia»
a poesia da autora e subordinação
63 «Balada apócrifa»
61
Valor aspetual
61
Ficha informativa
FI 1 Figurações do poeta | Arte poética 65
FI 2 Tradição literária | Representações do contemporâneo 66
Ficha informativa
FI 1 Figurações do poeta | Arte poética | Tradição literária 74
FI 2 Representações do contemporâneo 75
FI 3 Linguagem, estilo e estrutura 76
Ficha informativa
FI 1 Figurações do poeta | Arte poética | Tradição literária 82
FI 2 Representações do contemporâneo 83
FI 3 Linguagem, estilo e estrutura 84
85 Soluções
4
Conto
«Famílias desavindas»
EDUCAÇÃO LITERÁRIA
«Famílias desavindas», de Mário
de Carvalho
• História pessoal e histórica social:
as duas famílias
• Valor simbólico dos marcos históricos
referidos
• A dimensão irónica do conto
• A importância dos episódios
e da peripécia final
• Linguagem, estilo e estrutura
– o conto: unidade de ação; brevidade
narrativa; concentração de tempo
e espaço; número limitado de
personagens
– estrutura da obra
– discurso direto e indireto
– recursos expressivos
LEITURA
Textos informativos
COMPREENSÃO DO ORAL
Registos áudio e audiovisuais
EXPRESSÃO ORAL
Debate
GRAMÁTICA
Sintaxe
– funções sintáticas
– coordenação e subordinação
Semântica
– valor aspetual
– coesão textual
PONTO DE PARTIDA
EDUCAÇÃO LITERÁRIA
Famílias desavindas
Os semáforos e os semaforeiros
Por uma dessas alongadas ruas do Porto, que sobe que sobe e não se acaba, há de
encontrar-se um cruzamento alto, de esquinas de azulejo, janelas de guilhotina1, telha-
dos de ardósia em escama. Faltam razões para flanar2 por esta rua, banal e comprida,
6
a não ser a curiosidade por um insólito dispositivo conhecido de poucos: os únicos
5 semáforos do mundo movidos a pedal, sobreviventes a outros que ainda funcionavam
na Guatemala, no início dos anos setenta.
No dobrar do século XIX, Gerard Letelessier, jovem engenheiro francês, fracas-
sou em Paris e em Lisboa, antes de convencer um autarca do Porto de que inventara
um semáforo moderno, operado a energia elétrica, capaz de bem ordenar o trânsito
10 de carroças de vinho, carros de bois e landós3 da sociedade. A autoridade gostou do
projeto e das garrafas de Bordéus que o jovem engenheiro oferecia. Os semáforos esti-
veram ensejados4 para a Ponte, mas, de proposta em proposta (sempre se tratava de
uma implantação experimental), acabaram na infrequentada Rua Fernão Penteado, na
interseção com a travessa de João Roiz Castelo Branco.
15 O sistema é simples e, pode dizer-se com propriedade, luminoso. Um homem
pedala numa bicicleta erguida a dez centímetros do chão por suportes de ferro. A cor-
rente faz girar um imã5 dentro de uma bobina. A energia gerada vai acender as luzes
de um semáforo, comutadas6 pelo ciclista. Durante a Primeira Guerra foi introduzida
uma melhoria. Uma inspeção da Câmara concluiu que a roda da frente era destituída
20 de utilidade. Foi retirada. 1 Janelas de guilhotina: tipo de
janelas que abrem e fecham
Houve muitos candidatos ao cargo de semaforeiro, embora um equívoco tivesse
deslizando em sentido vertical.
levado à exigência de que os concorrentes soubessem andar de bicicleta. A realidade 2 Flanar: andar ociosamente,
sem rumo nem sentido certo.
corrigiu o dislate7 porque acabou por ser escolhido um galego chamado Ramon, que
3 Landós: antiga carruagem
era familiar do proprietário dum bom restaurante e nunca tinha pedalado na vida. Mas de tração animal, de quatro
rodas, com dois bancos frente
25 Ramon era esforçado, cheio de boa vontade. A escolha foi acertada.
a frente.
Durante anos e anos o bom do Ramon pedalou e comutou. Por alturas da segunda 4 Ensejados: esperados; deseja-
dos.
Grande Guerra foi substituído pelo seu filho Ximenez, pouco depois da revolução de
5 Imã: íman.
Abril pelo neto Asdrúbal, e, um dia destes, pelo bisneto Paco. A administração continua 6 Comutadas: trocadas; permuta-
das.
a pagar um vencimento modesto, equivalente ao de jardineiro. Mas não é pelo orde-
7 Dislate: ação disparatada ou
30 nado que aquela família dá ao pedal. É pelo amor à profissão. Altas horas da madru- despropositada; disparate.
gada, avô, neto e bisneto foram vistos de ferramenta em riste a afeiçoar pormenores.
7
Mário de Carvalho – «Famílias desavindas»
1. A descrição inicial do espaço centra-se numa rua e num dispositivo que nela se encontra.
1.1 Indica a característica da rua que é posta em evidência, explicitando os elementos
linguísticos que estabelecem esse realce.
1.2 Explica a relação existente entre a descrição da rua e do dispositivo presente num
cruzamento da mesma.
6. Comprova que esta primeira parte do conto apresenta uma estrutura completa, com
princípio, meio e fim, justificando o recurso à analepse.
GRAMÁTICA
2. Classifica as orações subordinadas iniciadas por «que» nas seguin- Coordenação e subordinação
SIGA pp. 361-363
tes expressões.
a) «que o jovem engenheiro oferecia» (l. 11).
b) «que a roda da frente era destituída de utilidade» (ll. 19-20).
c) «que os concorrentes soubessem andar de bicicleta» (l. 22).
d) «que era familiar do proprietário dum bom restaurante» (ll. 23-24).
3. Indica o aspeto gramatical presente nas expressões que se seguem. Valor aspetual
SIGA p. 365
a) «A autoridade gostou do projeto» (ll. 10-11).
b) «(sempre se tratava de uma implantação experimental)» (ll. 12-13).
c) «O sistema é simples e, pode dizer-se com propriedade, luminoso.» (l. 15).
d) «A administração continua a pagar um vencimento modesto» (ll. 28-29).
8
Mário de Carvalho – «Famílias desavindas»
EDUCAÇÃO LITERÁRIA
O conflito
Acontece que, mesmo à esquina, um primeiro andar vem sendo habitado por uma
família de médicos que dali faz consultório. Pouco antes da instalação dos semáforos
a pedal, veio morar o Doutor João Pedro Bekett, pai de filhos e médico singular. Che-
gou de Coimbra com boa fama mas transbordava de espírito de missão. Andava pelas
5 ruas a interpelar os transeuntes: «Está doente? Não? Tem a certeza? E essas olheiras, hã?
Venha daí que eu trato-o.» E nesta ânsia de convencer atravessava muitas vezes a rua.
O semáforo complicava. Aproximou-se do Ramon e bradou, severo: «A mim, ninguém
me diz quando devo atravessar uma rua. Sou um cidadão livre e desimpedido.» Ramon
entristeceu. Não gostava que interferissem com o seu trabalho e, daí por diante, passou a
10 dificultar a passagem ao doutor. Era caso para inimizade. E eis duas famílias desavindas.
Felizmente, nunca coincidiram descendentes casadoiros. Piora sempre os resultados.
Ao Dr. Pedro sucedeu o filho João, médico muito modesto. Informava sempre que o
seu diagnóstico era provavelmente errado. Enganava-se, era um facto. Mas fazia questão
de orientar os pacientes para um colega que desse uma segunda opinião. Herdou o ódio
15 ao semáforo e passava grande parte do tempo à janela, a encandear Ximenez com um
8 Sus: interjeição que exprime inci-
espelho colorido. tação.
Já entre o jovem médico Paulo e Asdrúbal quase se chegou a vias de facto. O médico 9 Galego: sentido depreciativo –
carregador; indivíduo que tra-
passava e rosnava «Sus8, galego9». E Asdrúbal, sem parar de dar ao pedal: «Xó, magarefe!10» balha arduamente, que realiza
Uma tarde, Asdrúbal levantou mesmo a mão e o doutor encurvou-se e enrijou o passo. trabalho pesado; indivíduo rude,
grosseiro; labrego.
20 Este Dr. Paulo era muito explicativo. Ouvia as queixas dos doentes, com impaciência, e 10 Magarefe: mau médico, em espe-
depois impunha silêncio e começava: cial cirurgião inábil; indivíduo
desonesto, biltre; patife, velhaco.
– As doenças são provocadas por vírus ou por bactérias. No primeiro caso, chamam-se 11 À puridade: em segredo; particu-
viróticas, no segundo, bacterianas. larmente.
12 Arrenego: detesto; amaldiçoo.
E estava horas nisto, até o doente adormecer. Colegas maliciosos sustentavam que ele
25 praticava a terapia do sono. Mas a maioria dos doentes gostava de ouvir explicar. Alguns
até faziam perguntas. Após a consulta, muito à puri-
dade11, o Dr. Paulo pedia aos clientes que passassem
pelo homem do semáforo e lhe dissessem: «Arre-
nego12 de ti, galego!» Isto foi assim com Asdrúbal e,
30 mais recentemente, com Paco.
Há dias, vinha do almoço o Dr. Paulo com uma
trouxa-de-ovos na mão, e já trazia entredentes o
«arrenego!» com que insultaria o semaforeiro,
quando aconteceu o acidente. Ao proceder a um
35 roubo por esticão, um jovem que vinha de mota
teve uns instantes de desequilíbrio, raspou por Paco
e deixou-o estendido no asfalto. Era grave. O Dr.
Paulo largou ódios velhos, não quis saber de mais
nada e dobrou-se para o sinistrado:
40 – Isto, em matéria de lesões, elas podem ser pro-
vocadas por três espécies de instrumentos: contun-
dentes, cortantes, ou perfurantes.
9
Mário de Carvalho – «Famílias desavindas»
Uma ambulância levou o Paco antes que o doutor tivesse entrado no capítulo das
«manchas de sangue».
45 Enganar-se-ia quem dissesse que o semáforo ficou abandonado. Uma figura de bata
branca está todos os dias naquela rua, do nascer ao pôr do Sol, a acionar o dispositivo,
pedalando, pedalando, até à exaustão. É o Dr. Paulo cheio de remorsos, que quer peni-
tenciar-se, ser útil, enquanto o Paco não regressa.
Mário de Carvalho, op. cit., pp. 76-78.
1. Preenche o esquema que se segue com expressões das duas partes do conto.
AÇÃO
Primeira parte − «Os semáforos e os semaforeiros»
a) « » Complicação: a origem dos semáforos
Gerações de semaforeiros
b) « » e)
c) « » f)
d) « » g)
[até] «um dia destes» h)
Os semáforos a pedal: relação de Paco com os
transeuntes e motoristas do Porto.
b) « » i) e)
c) « » j) f)
d) « » vs. g)
k)
[até] «um dia destes» h)
l) « » Resolução: m) « »
Presente da enunciação: Situação final: a rua do Porto e os semáforos a pedal
n) « » acionados pelo Dr. Paulo.
da estrutura do conto.
5. Estabelece uma relação entre o valor simbólico dos marcos Valor simbólico dos marcos
FI históricos referidos
históricos referidos na primeira parte do conto e o comporta- p. 12
mento das «famílias desavindas» ao longo da ação.
A dimensão irónica
6. Evidencia a dimensão irónica do conto. FI p. 13
GRAMÁTICA
Debate
Prepara um debate, de vinte a trinta minutos, sobre este tema, apresentando uma ar-
gumentação adequada, exemplos e eventuais soluções para minimizar esta clivagem
entre gerações.
11
FICHA INFORMATIVA 1
12
21
21
Ficha informativa
FICHA INFORMATIVA 2
A dimensão irónica
Porque admiro tanto Mário de Carvalho enquanto escritor?
Em primeiro lugar porque lhe reconheço o talento singular e superior da ironia,
essa forma de sorrir em fino lume o que os outros queimam em fogo bruto, ou acal-
mam em lirismo doce. Admiro a sua forma de entrar pela realidade adentro com uma
5 das mãos enluvadas e outra descalça, o que faz com que a sua obra, desde os primeiros
textos aos últimos, se tenha transformado, entre nós, numa produção inconfundível.
[…] Mesmo sem recorrer ao sarcasmo, Mário de Carvalho costuma ser demolidor.
Demolidor, sobretudo, quando os laços sociais estão em jogo e a vítima e o vitimado
dançam para nós o seu teatro público.
10 […] A confusão do pequeno com o grande, do interesse particular com o geral, da
não derrota com a vitória, da chuva que cai com a nuvem que vai, revela em Mário de
Carvalho, ao mesmo tempo, um desejo de denúncia e um alinhamento com os que
ficam, na margem que a muitos comove. E, no entanto, que eu me lembre, a palavra 1 Escandida: destacada ou salien-
piedade não costuma ser escandida1 no seu texto. Não é esse o seu género de pessoa tada de maneira clara ou enfá-
tica.
15 nem a sua fórmula artística. 2 «É preciso não confundir o
O seu género, irónico e por vezes enigmático, é outro. Às vezes quase nem se sente. género humano com Manuel
Germano»: frase do livro Casos
Eduardo Prado Coelho […] admirava como a adoção da fórmula de que é preciso não do Beco das Sardinheiras, de
confundir o género humano com Manuel Germano2 constituía um programa de escrita, Mário de Carvalho, e que se
transformou numa expressão
uma espécie de síntese de distinção poética deste autor a vários títulos singular. idiomática.
Lídia Jorge, «Mário de Carvalho – O escritor da Ironia», in Mário de Carvalho: Homenagem à vida
e obra, 1.a edição da Escritaria 2013, Santo Tirso, Cão Menor, 2014, pp. 72-73.
13
3
1
FICHA INFORMATIVA 3
Linguagem e estilo
1. A arte de narrar
O que mais parece importar a Mário de Carvalho é o trabalho com a linguagem:
o alto sentido oficinal, aliado a um impressionante cabedal de leituras e ao correlato1
sentido de que provém de linhagens diversificadas, incluindo pesquisa de vocabulários
pertinentes (por exemplo, léxico da marinharia ou da guerra, calão prisional, registo
5 de termos do quotidiano banal), visa afinal, em cada caso, a produção da verosimi-
lhança. Dito de outro modo, a adequação do estilo à temática muito vária dos textos
longos ou breves conduz sempre a efeitos de reconhecimento e de realismo: o leitor
pode pensar «eu conheço isto, estas situações, estas pessoas ou outras parecidas», sem
se dar conta de que tal resulta de uma linguagem elaborada de modo a tornar credível
10 tanto o mundo interior das personagens como o universo em que se movem, mesmo
quando este não é realista mas criação, no limite do fantástico. Sem esquecer, claro, a
combinação entre o riso e o tom sério, criando clivagens entre o que as personagens
pensam, sentem e vivem e um nível superior, em que um narrador dá a ler outras pers-
petivas sobre o mesmo assunto, construindo pela ironia um patamar crítico que, sem
15 julgar, conduz o leitor a formar a sua própria opinião.
Paula Morão, «Lendo a liberdade do Pátio, de Mário de Carvalho», op. cit., p. 88.
CONSOLIDA
14 41
41
SÍNTESE
«Famílias desavindas», de Mário de Carvalho
História pessoal
– 1.ª Geração: Ramon – 3.ª Geração: Asdrúbal – 1.ª Geração: João Pedro Bekett
– 2.ª Geração: Ximenez – 4.ª Geração: Paco – 2.ª Geração: João
– 3.ª Geração: Paulo
História social
• Primeira e Segunda Guerras Mundiais: os dois grandes acontecimentos do século XX x conflitos entre
nações, mortes, destruição em massa, holocausto (Segunda Guerra) x concórdia entre nações.
• Revolução do 25 de Abril de 1974: o grande acontecimento do século XX em Portugal x a conquista
Valor simbólico dos pacífica da Liberdade, após 48 anos de ditadura.
marcos históricos ≠
• O conflito entre duas famílias originado pelos semáforos x a pequenez do ser humano que se entrega
a quezílias ridículas e insignificantes, prolongando-as ao longo de quase um século, perante o panorama
mundial e nacional x o egoísmo humano.
• Os vários episódios são representativos de uma desavença entre duas famílias, ao longo de um século,
gerada por um insólito dispositivo: os semáforos a pedal.
A importância
• O acidente de Paco veio trazer a concórdia àquele conflito, ao fazer despontar a real faceta de médico
dos episódios e
do Doutor Paulo, que esquece o ódio de gerações para socorrer o semaforeiro.
da peripécia final
• No final do conto, coloca de parte todas as desavenças e o pretensiosismo, substituindo Paco nos semáfo-
ros, como forma de se redimir, não só pelo seu comportamento, mas também pelo do seu pai e do seu avô.
15
Poetas
contemporâneos
Poetas em opção
EDUCAÇÃO LITERÁRIA
• Jorge de Sena
• António Ramos Rosa
• Alexandre O’Neill
• Herberto Helder
• Ruy Belo
• Luiza Neto Jorge
• Vasco Graça Moura
• Nuno Júdice
– Figurações do poeta
– Arte poética
– Tradição literária
– Representações do contemporâneo
– Linguagem, estilo e estrutura
LEITURA
Fichas informativas
GRAMÁTICA
• Classes de palavras
• Funções sintáticas
• Coordenação e subordinação
• Referência deítica
• Coesão textual
• Valor aspetual
ESCRITA
• Apreciação crítica
• Texto de opinião René Magritte, O cavaleiro do pôr do sol (pormenor), 1965.
Jorge de Sena
PONTO DE PARTIDA
18
Jorge de Sena
EDUCAÇÃO LITERÁRIA
19
POETAS CONTEMPORÂNEOS
EDUCAÇÃO LITERÁRIA
Sento-me à mesa
Sento-me à mesa como se a mesa fosse o mundo inteiro
e principio a escrever como se escrever fosse respirar
o amor que não se esvai enquanto os corpos sabem
de um caminho sem nada para o regresso da vida.
5 À medida que escrevo, vou ficando espantado
com a convicção que a mínima coisa põe em não ser nada.
Na mínima coisa que sou, pôde a poesia ser hábito.
Vem, teimosa, com a alegria de eu ficar alegre,
quando fico triste por serem palavras já ditas
10 estas que vêm, lembradas, doutros poemas velhos.
Uma corrente me prende à mesa em que os homens comem.
E os convivas que chegam intencionalmente sorriem
e só eu sei porque principiei a escrever no princípio do mundo
e desenhei uma rena para a caçar melhor
15 e falo da verdade, essa iguaria rara:
este papel, esta mesa, eu apreendendo o que escrevo.
Jorge de Sena, Poesia I, Lisboa, Edições 70, 1988.
20
Jorge de Sena
EDUCAÇÃO LITERÁRIA
21
POETAS CONTEMPORÂNEOS
PONTO DE PARTIDA
1. Observa o quadro de Goya e descreve alguns aspetos que entrem em consonância com
o título do poema.
EDUCAÇÃO LITERÁRIA
23
POETAS CONTEMPORÂNEOS
1.1 Ouve o poema dito pelo ator Mário Viegas e identifica a razão que levou o sujeito
poético a redigir esta «carta».
GRAMÁTICA
ESCRITA
24
Ficha informativa
FICHA INFORMATIVA 1
Figurações do poeta
Este Jorge de Sena de fins de maio de 1974 já não é só o português que não queria
morrer sem saber qual seria a cor da liberdade no seu país, mas é o cidadão do mundo
que fala uma língua universal a ser escutada por todos. Por isso, em julho de 1998, eu
julguei que a sua voz poderia ser escutada também além-fronteiras, pelos italianos, por
5 exemplo, os quais viveram os anos do fascismo antes dos portugueses e só acabaram
com ele no fim de uma guerra sangrenta. Pareceu-me exemplar a parábola de um Jorge
de Sena que assiste de Santa Bárbara, com a paixão do cidadão, mas também com o
alheamento de quem está fora, ao ressurgir das antigas manhas de Portugal debaixo da
nova pele. E é então que ele apaixonadamente, em maio, avisa:
10 Liberdade, liberdade,
tem cuidado que te matam
E em junho:
Quem te amar, ó liberdade,
tem de amar com paciência.
Luciana Stegagno Picchio, Jorge de Sena e a cor da liberdade
(disponível em http://www.lerjorgedesena.letras.ufrj.br; consultado a 10 de junho de 2023).
Arte poética
Este é um estudo sobre a poesia e a poética de Jorge de Sena, fazendo um enqua-
dramento da sua obra a partir dos três vetores que dinamizam a sua poética: teste-
munho, metamorfose e peregrinação. Este trabalho constitui uma primeira tentativa
de visão integrada da sua obra de poeta, ficcionista e crítico. Através de um largo
5 comentário ao prefácio da 1.ª edição de Poesia-I (1961), em que Jorge de Sena
expõe a sua teoria do testemunho poético, este
estudo faz um enquadramento da sua obra a par-
tir dos três vetores que dinamizam a sua poética:
testemunho, metamorfose e peregrinação. Uma
10 poética da temporalidade, da transfiguração, do
devir e da errância que tem por base o tenso sis-
tema de relações que se estabelece entre o poeta,
o mundo e a linguagem. Sem esquecer, ao longo
desta dissertação, que a poesia de Jorge de Sena
15 tem no erotismo o seu princípio criativo e no exí-
lio a sua circunstância.
Jorge Fazenda Lourenço, A poesia de Jorge de Sena, Lisboa,
Guerra e Paz, 2010.
25
JORGE DE SENA
FICHA INFORMATIVA 2
Tradição literária
Resgatar do esquecimento através da poesia, através da arte: Metamorfoses, de Jorge
de Sena, obra publicada em 1963, é uma celebração do espírito humano, mais do que
uma reverência às obras de arte convocadas. É também a manifestação de uma angús-
tia face à mortalidade, que o autor assume em denegação. A morte sucede-se a cada
5 geração que passa, mas há uma cicatriz que não se apaga, e essa fica patente através das
obras de arte, que a palavra imortaliza. O diálogo com as obras de arte constitui uma
manifestação ecfrástica1 de converter imagens em palavras. Contudo, os poemas de
Sena que resultam desta técnica autonomizam-se. O tributo torna-se tributável, pois
os poemas de Metamorfoses ganham intensidades diferentes das obras plásticas convo-
10 cadas. Cumpre-se a máxima horaciana ut pictura poesis2, não implicando isso, porém,
que haja uma correspondência imediata entre a obra evocada e o poema.
Lígia Bernardino (Universidade do Porto), Arte e rememoração em Jorge de Sena
(disponível em https://formadevida.org; consultado a 15 de junho de 2023).
Representações do contemporâneo
O próprio termo, testemunho, implica, simultaneamente, vestígio e declara-
ção, presentificação de algo que transcende a linguagem pela mesma linguagem
ou, como dirá mais tarde Jorge de Sena, «a poesia como criação de linguagem é
suprarreal, isto é, engloba a realidade e a sua mesma representação linguística».
5 Apenas o faz através de um elemento catalisador, filtro e motor do processo, que é
o sujeito. O sujeito da lírica seniana vive na posição incómoda de toda a testemu-
nha: revelando, deixando passar através de si a realidade, toda a realidade, sofre um
apagamento extremo; mas, por outro lado, oferecendo-se como lugar de uma voz,
revelando-se ao revelar.
Fátima Freitas Morna, Poesia de Jorge de Sena, Lisboa, Editorial Comunicação, 1985.
CONSOLIDA
1. Seleciona, em cada texto, a palavra que melhor explicita a poética de Jorge de Sena.
1 Ecfrástica: que descreve lite-
rária ou pictoricamente e em
pormenor um objeto real ou Tópicos Palavra
imaginário. Para alguns estu-
diosos, o termo «écfrase» apli-
ca-se apenas à descrição de a) Figurações do poeta
obras de arte, com detalhes
visuais significativos.
2 Ut pictura poesis: a poesia é b) Arte poética
como a pintura (expressão que
o poeta latino Horácio usou na
sua Arte poética, referindo que
c) Tradição literária
um poema deve ser analisado
segundo as mesmas regras de
d) Representações do contemporâneo
uma pintura).
26
Ficha informativa
FICHA INFORMATIVA 3
27
António Ramos Rosa
PONTO DE PARTIDA
EDUCAÇÃO LITERÁRIA
Apresentação oral
EDUCAÇÃO LITERÁRIA
Sem dizer o fogo – vou para ele. Sem enunciar as pedras, sei que as piso – duramente,
são pedras e não são ervas. O vento é fresco: sei que é vento, mas sabe-me a fresco ao
mesmo tempo que a vento. Tudo o que sei, já lá está, mas não estão os meus passos
nem os meus braços. Por isso caminho, caminho, porque há um intervalo entre
5 tudo e eu, e nesse intervalo caminho e descubro o meu caminho.
Mas entre mim e os meus passos há um intervalo também: então invento os meus
passos e o meu próprio caminho. E com as palavras de vento e de pedra, invento o
vento e as pedras, caminho um caminho de palavras.
1. Explica o «caminho» que o sujeito poético realiza na construção da sua arte poética.
4. Comenta os dois versos finais do poema, tendo em atenção as duas estrofes anteriores.
30
António Ramos Rosa
EDUCAÇÃO LITERÁRIA
Caminhar. Habitar
Se não tenho a força Ou algo mais neutro,
que é tão fácil, 30 uma pedra escura,
se não sei, não vejo, um calhau polido,
não posso e desejo. uma coisa opaca.
5 Se procuro, desfaço, Que a palavra tenha
me entrego, não vou, dureza de quina,
algo precipito, 35 firmeza de punho,
tão pouco, e já é tudo. que a palavra seja.
Entre nada e nada, Quem sou quando escrevo?
10 nada se passou, Quem sou? Eu vou ser
ou passou uma sombra algo que não sou.
e é o espaço. E sou. 40 Eu vou e já voo.
Aqui está a mão, Mas não vou e não voo
ali está a folha, porque sempre aqui estou
15 acendo o cigarro. onde o onde não é
Tudo começou. senão onde vou.
É a vida aberta? 45 Onde vou? Que ilusão
É a ilusão de ar, de algo vão?
da morte deserta. Mas que importa sabê-lo,
20 É o sim e o não. se isto é respirar!
É, não é ainda: Se isto é querer e andar,
mas o que vai ser 50 como o vento nas pedras,
e nunca será? e isto é desatar:
Aqui, não jazer. Caminhar. Habitar.
António Ramos Rosa, Antologia poética,
25 Eis a folha branca.
Lisboa, Dom Quixote, 2001.
Eis talvez o mar.
Contra ela, o quê?
Um barco uma caixa?
31
POETAS CONTEMPORÂNEOS
EDUCAÇÃO LITERÁRIA
No silêncio da terra
No silêncio da terra. Onde ser é estar.
A sombra se inclina.
Habito dentro da grande pedra de água e sol.
Respiro sem o saber, respiro a terra.
5 Um intervalo de suavidade ardente e longa.
Sem adormecer no sono verde.
Afundo-me, sereno,
flor ou folha sobre folha abrindo-se,
respirando-me, fletindo-me
10 no intervalo aberto. Não sei se principio.
Um rosto se desfaz, um sabor ao fundo
da água ou da terra,
o fogo único consumindo em ar.
Eis o lugar em que o centro se abre
15 ou a lisa permanência clara,
abandono igual ao puro ombro
em que nada se diz
e no silêncio se une a boca ao espaço.
Pedra harmoniosa
20 do abrigo simples,
lúcido, unido, silencioso umbigo
António Carneiro, Paisagem (pormenor), 1897.
do ar.
Ai
o teu corpo
25 renasce
à flor da terra.
Tudo principia.
António Ramos Rosa, Antologia poética, Lisboa, Dom Quixote, 2001.
Representações do contemporâneo
1. Refere a expressividade inerente à presença dos quatro FI p. 34
elementos da Natureza, neste texto poético.
32
Ficha informativa
FICHA INFORMATIVA 1
Figurações do poeta
O construtor aspira a uma comunidade fraterna e solidária. Por isso, vive longe da
sociedade, convivendo apenas com alguns amigos e, quer solitário quer em companhia,
a sua construção é a constante renovação da sua vida. Se a existência é uma incessante
mudança, o móvel equilíbrio de ser implica uma abertura aos outros sem preconceitos
5 nem fantasias deformadoras. O deus do real não está no interior do sujeito, no círculo
fechado da confusa intimidade mas no rosto dos outros e é através desses rostos que
se perspetiva a construção humana de uma comunidade viva e essencialmente aberta.
Nas pulsações da convivência, o ser emerge dos seus obscuros labirintos e encontra o
polo do outro que o clarifica e assegura a sua móvel e aberta identidade. A verdadeira
10 origem solar reside neste encontro com o outro que, deste modo, ilumina o sujeito e o
erige em face da alteridade essencial. O deus da origem e do recomeço da vida revela,
assim, a sua integridade viva como ser da transformação e da mudança fértil do real.
O outro é uma condição inicial da construção e está sempre implícito nela mesmo
quando irrompe do círculo solitário do ser.
António Ramos Rosa, O aprendiz secreto, 2001 (disponível em http://antonioramosrosa.blogspot.pt/;
consultado a 15 de junho de 2023).
Arte poética
A atitude crítica que permanentemente exercitou sobre a sua própria palavra como
sobre a palavra alheia faz de António Ramos Rosa um dos mais esclarecidos críticos
portugueses contemporâneos, o que se manifesta em inúmeros artigos e recensões
sobre poetas portugueses e estrangeiros, bem como na publicação de vários ensaios
5 centrados na temática da poesia. António Ramos Rosa tem, no entanto, o cuidado de
separar de uma forma muito nítida a sua atividade de crítico, em que não pode deixar
de utilizar critérios e referências racionais, da sua atividade criadora: enquanto poeta
faz da ignorância e da radical suspensão de todos os saberes e hábitos adquiridos o
único método para a eclosão da sua palavra poética. Na verdade, a procura da palavra
10 justa para dizer as «coisas nuas» e a reflexão sobre a realidade e a possibilidade dessa
palavra é, talvez, o único tema desta poesia, na qual é, no entanto, possível assinalar
diferentes fases: recortando-se duma problemática neorrealista de solidariedade para
com o destino dos homens e do mundo, O grito claro (1958) e Viagem através duma
nebulosa (1960), utilizam uma linguagem e uma vivência ainda devedoras dessa esté-
15 tica, combinadas com uma imagética herdada do surrealismo. Mas encontramos já
de uma forma incipiente nessas primeiras recolhas algumas das constantes da obra do
poeta: um enraizamento pelo corpo na Terra, não numa Terra utópica e futura, mas na
materialidade mais originariamente primitiva da natureza; uma libertação, pela palavra
mais solitária, de todas as prisões e constrangimentos que a poderiam cercear; uma
20 permanente atenção à materialidade da própria linguagem poética, que a desliga tanto Armando Alves, Sem Título, 1954.
da sua função representativa como da sua função expressiva […].
Elídio Rocha (coord.), Dicionário cronológico de autores portugueses, Vol. V,
Lisboa, Europa-América, 1998.
33
ANTÓNIO RAMOS ROSA
FICHA INFORMATIVA 2
Tradição literária
Todo o ato de criação pressupõe a constituição ou autoconstrução do eu, como,
aliás, a sua relação com os outros. Esta relação com os outros pressupõe, por sua vez,
a participação numa certa ordem de valores morais, um plano de controlo e de reso-
lução cultural da vida instintiva. É, sem dúvida, a afetividade que está na origem da
5 realização humana como na da criação artística ou literária.
António Ramos Rosa, A parede azul: estudos sobre poesia e artes plásticas, Lisboa,
Caminho, 1991.
Representações do contemporâneo
Ramos Rosa foi um poeta eminentemente moderno, no sentido em que funda a
sua poesia numa certa consciência trágica própria da modernidade, a consciência da
ausência, de um intervalo insuperável entre as palavras e as coisas (por isso, o livro de
Foucault que traduziu o deve ter fascinado), da convicção de que a poesia só pode dizer
5 alguma coisa do mundo dizendo muito de si. Daí, a insistência no próprio ato do dizer
e da nomeação: «Digo árvore como um grito / ou chamo as folhas, o vento a terra o
fogo / Onde é que o pulso vibra com a tensão do nome? / Onde é que pedra a pedra se
diz o nome e a ferida?». Uma questão maior da poética de Ramos Rosa é precisamente a
da luta obstinada e inquieta com as palavras, a do caráter órfico da nomeação. Por isso,
10 escrever é em si mesmo um tema privilegiado, como acontece neste poema em prosa
que se chama «A superfície da página»: «Escrevo sem acreditar, escrevo, isto é, vou
de sombra em sombra, apago-me e apago a ordem do discurso, as perentórias leis dos
homens. Há uma palavra que viaja no mar, há uma palavra viva no espaço, no rumor da
vida, no silêncio inominável das coisas». Escrever, no infinitivo, remete para a origem e
15 não para o resultado, para a poesia como acontecimento puro e meio de reflexão e não
para o poema como cumprimento de um objetivo. Daí um paradoxo muito comum na
poesia de Ramos Rosa: o poema pretende ser anterior a si próprio e revelar o momento
em que era ainda ausente. Daí que ele seja muitas vezes uma interrogação de si mesmo.
É, como observou Eduardo Lourenço, uma «aventura ontológica».
António Guerreiro, «A poesia como imperativo», in Público, 25 de setembro de 2013
(disponível em https://www.publico.pt; consultado a 15 de junho de 2023).
CONSOLIDA
mostrar ao público em geral. Mas foi em 1958, com a edição de No reino da Dinamarca,
que Alexandre O’Neill se viu reconhecido como poeta […].
35 Morreu em Lisboa a 21 de agosto de 1986.
Maria Antónia Oliveira (disponível em http://cvc.instituto-camoes.pt;
texto adaptado, consultado a 14 de junho de 2023).
PONTO DE PARTIDA
EDUCAÇÃO LITERÁRIA
Autorretrato
O’Neill (Alexandre), moreno português,
cabelo asa de corvo; da angústia da cara,
nariguete que sobrepuja1 de través2
a ferida desdenhosa e não cicatrizada.
5 Se a visagem de tal sujeito é o que vês
(omita-se o olho triste e a testa iluminada)
o retrato moral também tem os seus quês
(aqui, uma pequena frase censurada...)
No amor? No amor crê (ou não fosse ele O’Neill!)
10 e tem a veleidade3 de o saber fazer
(pois amor não há feito) das maneiras mil
que são a semovente4 estátua do prazer. Amedeo Modigliani, Cabeça de Homem,
Mas sofre de ternura, bebe de mais e ri-se 1915.
Característica Expressão
− moreno − «moreno português»
− cabelo preto −
Características físicas − −
− −
− −
− angustiado − «angústia da cara»
− − «a ferida desdenhosa»
Características psicológicas
− −
e morais
− −
− −
Figurações do poeta
2. Explicita a relação do sujeito poético com o amor. FI p. 41
4. Aponta o recurso expressivo presente na expressão «a ferida desdenhosa» (v. 4), explici-
tando o respetivo valor.
36
Alexandre O’Neill
EDUCAÇÃO LITERÁRIA
Portugal
Ó Portugal, se fosses só três sílabas,
linda vista para o mar,
Minho verde, Algarve de cal,
jerico1 rapando o espinhaço da terra,
5 surdo e miudinho,
moinho a braços com um vento
testarudo, mas embolado2 e, afinal, amigo,
se fosses só o sal, o sol, o sul,
o ladino3 pardal,
10 o manso boi coloquial,
a rechinante4 sardinha,
a desancada varina, António Carneiro, Contemplação, 1911.
*
Doceiras de Amarante, barristas de Barcelos,
rendeiras de Viana, toureiros da Golegã,
não há «papo-de-anjo» que seja o meu derriço7, 1 Jerico: burro.
2 Embolado: arredondado.
25 galo que cante a cores na minha prateleira,
3 Ladino: vivo, esperto.
alvura arrendada para o meu devaneio, 4 Rechinante: que produz som
agudo.
bandarilha que possa enfeitar-me o cachaço.
5 Plumitivo: que está escrito.
6 Cegarrega: som produzido pela
cigarra.
Portugal: questão que eu tenho comigo mesmo,
7 Derriço: escárnio, troça.
golpe até ao osso, fome sem entretém, 8 Rocim: cavalo.
30 perdigueiro marrado e sem narizes, sem perdizes,
rocim8 engraxado,
feira cabisbaixa,
meu remorso,
meu remorso de todos nós...
37
POETAS CONTEMPORÂNEOS
GRAMÁTICA
Funções sintáticas
1. Assinala a opção correta nos itens que se seguem. SIGA pp. 356-359
38
Alexandre O’Neill
EDUCAÇÃO LITERÁRIA
Perfilados de medo
Perfilados de medo, agradecemos
o medo que nos salva da loucura.
Decisão e coragem valem menos
e a vida sem viver é mais segura.
Apresentação oral
39
POETAS CONTEMPORÂNEOS
EDUCAÇÃO LITERÁRIA
Fala!
Fala a sério e fala no gozo
fá-la p’la calada e fala claro
fala deveras saboroso
fala barato e fala caro
ESCRITA
Texto de opinião
SIGA pp. 344-345
Texto de opinião
«Que quis eu da poesia? Que quis ela de mim? Não sei bem. Mas há uma palavra
francesa com a qual posso perfeitamente exprimir o rompante mais presente em tudo
o que escrevo: dégonfler. Em português, traduzi-la-ia por desimportantizar, ou, em
certos momentos, por aliviar, aliviar os outros, e a mim primeiro, da importância que
julgamos ter.»
Alexandre O’Neill, por Maria Antónia Oliveira (disponível em http://cvc.instituto-camoes.pt;
consultado a 14 de junho de 2023).
40
Ficha informativa
FICHA INFORMATIVA 1
Figurações do poeta
Para escapar a essa «invenção atroz a que se chama o dia a dia», O’Neill viveu
intensamente, desregradamente, até ao osso, levando à letra aquele mandamento que
ele mesmo ditou para o Grupo Surrealista de Lisboa, em 1949, «quem se destrói não
se cansa», diz Maria Antónia Oliveira. Por isso, recusou sempre fazer da poesia uma
5 carreira, dizia que não trocava um copo com amigos por um poema. Por isso, desmul-
tiplicou-se em trabalhos, desde a secretaria da Caixa de Previdência de Trabalhadores
do Comércio, nos anos 40, até à escrita de textos televisivos para Florbela Queiroz, nos
anos 70. Por isso, riu de quem se ria dele, do meio literário que sempre olhou de lado
enquanto tentava, sem sucesso, arranjar um lugar onde coubesse o seu tom antilírico,
10 a sua ironia, os seus jogos de linguagem e, sobretudo, aquele mundo de gente e de
coisas que ele trazia para a poesia e que o meio considerava não serem «sérias», não
serem «poéticas», ou mesmo «de mau gosto».
Joana Emídio Marques, «Alexandre O’Neill, há 30 anos sem ti nesta feira cabisbaixa», 21 de agosto de
2016, Observador (disponível em http://observador.pt; consultado a 14 de junho de 2023).
Arte poética
E qual é o projeto de O’Neill? À partida, ele coincide com o programa do Sur-
realismo: a libertação total do Homem e a libertação total da arte. O que implica:
primeiro, uma poesia de «intervenção», exortando os Homens a libertarem-se de cons-
trangimentos de toda a ordem que os tolhem e os oprimem (familiares, sociais, morais,
5 políticos, psicológicos, quotidianos, etc.); segundo, a libertação da palavra de todas
as formas de censura (estética, moral, lógica, do bom senso). Como se vê, um projeto
revolucionário […]. A libertação da palavra funciona como sinédoque da libertação do
Homem.
Clara Rocha, prefácio de Poesias completas 1951/1986, Lisboa, IN-CM, 1995.
Tradição literária
O Autor apresenta, sempre de forma renovada e
muitas vezes […] de maneira sintética, temas essenciais,
procurando desfazer ideias-feitas, arredar lugares-co-
muns e rotas-batidas na apreciação das obras de certos
5 escritores ou relativamente a modos de sentir e de pen-
sar condicionantes de formas de agir, para os quais que-
ria atrair a atenção do maior número de leitores e/ou
ouvintes.
Laurinda Escoval Bom, Alexandre O’Neill, Prosas de um poeta,
Dissertação de Doutoramento, 2016.
41
ALEXANDRE O’NEILL
FICHA INFORMATIVA 2
Representações do contemporâneo
A postura de desdém irónico perante a instituição literária não é senão a outra face
da moeda de uma escrita poética fundamentada na recusa de qualquer misticismo,
transcendência ou hermetismo tradicional, todo ocupado no tricot das palavras ou no
fazer «bonito». As palavras são «animais doentes»: a consciência trágica do desgaste
5 da linguagem, do peso que o tempo veio acumulando sobre as palavras, transforma-a
O’Neill ironicamente em jogo – tudo é reconstruído, parodiado e reaproveitado: calão,
idiotismos, entoações. A representação exemplar do peso histórico da linguagem é,
sem dúvida, o lugar-comum – a sua fonte predileta de desconstrução. Neste sentido,
é uma poesia do quotidiano, o que não equivale a dizer que é uma poesia realista strictu
10 sensu. Talvez se lhe possa pôr o rótulo de realismo subversivo, um realismo transtor-
nado por um olhar alucinado simultaneamente por Cesário Verde e pela breve mas
fortíssima experiência surrealista.
«Sou parecidíssimo com a minha poesia. Mesmo no dia a dia, no próprio trabalho.
Entre a minha expressão coloquial e a minha expressão poética não há distância. A dife-
15 rença será de intensidade, ou ao que se pode chamar intensidade.»
Alexandre O’Neill, por Maria Antónia Oliveira (disponível em
http://cvc.instituto-camoes.pt; consultado a 14 de junho de 2023).
CONSOLIDA
1. Com base nos textos que acabaste de ler, classifica as afirmações como verdadeiras (V)
ou falsas (F). Corrige as falsas.
a) Alexandre O’Neill não fez da poesia a
sua carreira porque ela não era con-
siderada «séria», «poética ou de bom
gosto».
b) A libertação da palavra e da poesia é
sinónimo de libertação do Homem.
c) O poeta recusava tratar temas já
muito discutidos e sobre os quais
havia já opinião muito marcada.
d) Alexandre O’Neill usava as palavras
5
em todas as suas formas, fugindo
à tradição, para falar das coisas do
quotidiano, do seu dia a dia.
42
Herberto Helder
Herberto Helder Luís Bernardes
de Oliveira nasceu a 23 de novembro
de 1930 no Funchal, ilha da Madeira.
Depois de vários estudos em Coimbra
5 e em Lisboa, em 1954, data da publica-
PONTO DE PARTIDA
Herberto Helder
SIC.
43
POETAS CONTEMPORÂNEOS
EDUCAÇÃO LITERÁRIA
Aos amigos
Amo devagar os amigos que são tristes com cinco dedos de cada lado.
Os amigos que enlouquecem e estão sentados, fechando os olhos,
com os livros atrás a arder para toda a eternidade.
Não os chamo, e eles voltam-se profundamente
5 dentro do fogo.
− Temos um talento doloroso e obscuro.
Construímos um lugar de silêncio.
De paixão.
Herberto Helder, «Ofício cantante», in Poesia completa, Lisboa,
Assírio & Alvim, 2009.
GRAMÁTICA
Funções sintáticas
SIGA pp. 356-359
1. Identifica a função sintática da oração destacada.
a) «Amo devagar os amigos que são tristes com cinco dedos de cada lado.» (v. 1)
44
Herberto Helder
EDUCAÇÃO LITERÁRIA
Sobre um poema
Um poema cresce inseguramente
na confusão da carne,
sobe ainda sem palavras, só ferocidade e gosto,
talvez como sangue
5 ou sombra de sangue pelos canais do ser.
45
POETAS CONTEMPORÂNEOS
EDUCAÇÃO LITERÁRIA
A paixão grega
Li algures que os gregos antigos não escreviam necrológicos1,
quando alguém morria perguntavam apenas:
tinha paixão?
quando alguém morre também eu quero saber
5 da qualidade da sua paixão:
se tinha paixão pelas coisas gerais,
água,
música,
pelo talento de algumas palavras para se moverem no caos,
10 pelo corpo salvo dos seus próprios precipícios
em destino à glória,
paixão pela paixão,
tinha?
e então indago de mim se eu próprio tenho paixão,
15 se posso morrer gregamente,
que paixão?
os grandes animais selvagens extinguem-se na terra,
os grandes poemas desaparecem nas grandes línguas
que desaparecem,
20 homens e mulheres perdem a aura
na usura,
na política,
no comércio,
na indústria,
25 dedos conexos,
há dedos que se inspiram nos objetos à espera,
trémulos objetos entrando e saindo
dos dez tão poucos dedos para tantos
objetos do mundo
30 e o que há assim no mundo
que responda à pergunta grega,
poder manter-se a paixão com fruta comida
ainda viva,
e fazer depois com sal grosso uma canção curtida
35 pelas cicatrizes,
palavra soprada a que forno com que fôlego,
que alguém perguntasse: tinha paixão?
1 Necrológicos: registos das pes-
soas falecidas em determinada afastem de mim a pimenta-do-reino,
data. o gengibre, o cravo-da-índia,
Henri Le Sidaner, Os enamorados – Grisors,
1912.
46
Herberto Helder
4. Salienta a importância que a ideia de morte desempenha no contexto Linguagem, estilo e estrutura
FI p. 52
do poema.
GRAMÁTICA
1. Para responderes aos itens de 1.1 a 1.3, seleciona a única opção correta. Funções sintáticas
SIGA pp. 356-359
47
POETAS CONTEMPORÂNEOS
EDUCAÇÃO LITERÁRIA
que te procuram.
Vincent van Gogh, O lote com girassol, 1887.
Herberto Helder, Poesia toda, Lisboa, Assírio & Alvim, 1996.
48
Herberto Helder
GRAMÁTICA
Funções sintáticas
1. Indica a função sintática que as orações destacadas SIGA pp. 356-359
desempenham.
a) «− eu não sei como dizer-te que cem ideias, / dentro de mim, te procuram.» (vv. 10-11).
b) «e penso que vou dizer algo cheio de razão» (v. 27).
ESCRITA
Apreciação crítica
49
HERBERTO HELDER
FICHA INFORMATIVA 1
Figurações do poeta
Um poeta do excesso, do verso longo, órfico1 e visionário2, trabalhador incansável
de metáforas e símbolos, mais voltado para os enigmas da vida do que para o banal
quotidiano. Herberto construiu uma obra que é um universo inteiro, viveu para o ofício
poético, estendeu a língua portuguesa a uma nova exuberância. A sua poesia, diz-nos o
5 escritor António Cabrita: «é um coração que tem que ser comido à mão».
Em 1964, numa das raras entrevistas que concedeu, Herberto Helder explica um
pouco a sua posição perante a poesia, que é também uma posição perante o mundo:
1 Órfico: com características de
Orfeu, músico excecional (e, «Os cinco livros que até hoje publiquei pouco significam agora para mim. O pouco
por isso, símbolo da música, significarem garante-me completa liberdade e isenção, em ordem a uma nova lingua-
da poesia e da arte) e também
revelador de mistérios sagrados. 10 gem […]. Interessa-me, portanto, chegado que sou à convicção de me haver limitado,
2 Visionário: aquele que julga ter
nos livros anteriores, a mover-me em círculo sobre uma linguagem esgotada – interes-
visões, que antecipa o futuro,
que tem ideias criativas e inova- sa-me, digo, muito menos executar uma gramática literária, destinada ao diálogo, do
doras. que perfazer um organismo internamente coerente e bastante. A comunicação será
3 Paramentos: adornos.
consequente, se for. De qualquer modo, bani a ideia do diálogo no meu estilo. Mas
15 sinto-me ligado aos escritos antigos como alguém se pode sentir ligado a um paciente
e doloroso erro…».
Joana Emídio Marques, «Herberto Helder: morreu o poeta que nunca se deixou capturar», 25 de março
de 2015 (disponível em http://observador.pt; consultado a 14 de junho de 2023).
Arte poética
O conceito célebre, celebérrimo, de que o poema é um objeto − bom, tornou-se
um lugar-comum, já nem sequer se pensa nisso, di-lo toda a gente: os poemas são
objetos −, ora esse conceito estabeleceu-se num terreno móvel, movediço; sim, obje-
tos, mas como paramentos3, ornamentos e instrumentos: as máscaras, os tecidos, as
5 peles e tábuas pintadas, os bastões, as plumas, as armas, as pedras mágicas. É prático
sempre o uso que deles se faz, uma resposta necessária ao desafio das coisas ou à sua
resistência e inércia. No entanto, repare, ou atuamos nas zonas do quotidiano de onde
não foi afugentado o maravilhoso ou existem outras zonas, um quotidiano da maravi-
lha, e então o poema é um objeto carregado de poderes magníficos, terríficos: posto
10 no sítio certo, no instante certo, segundo a regra certa, promove uma desordem e
uma ordem que situam o mundo num ponto extremo: o mundo acaba e começa. Aliás
não é exatamente um objeto, o poema, mas um utensílio: de fora parece um objeto,
tem as suas qualidades tangíveis, não é porém nada para ser visto mas para manejar.
Manejamo-lo. Ação, temos aquela ferramenta. A ação é a nossa pergunta à realidade;
15 e a resposta, encontramo-la aí: na repentina desordem luminosa em volta, na ordem
da ação respondida por uma espécie de motim, um deslocamento de tudo: o mundo
torna-se um facto novo no poema, por virtude do poema − uma realidade nova.
Herberto Helder, Público, 4 de dezembro de 1990 (disponível em http://www.porta33.com;
consultado a 14 de junho de 2023).
Gustave Loiseau, O Porto (pormenor),
1903.
50
Ficha informativa
FICHA INFORMATIVA 2
Tradição literária
Camões e Herberto são leitores da Bíblia. A diferença entre ambos provém, eviden-
temente, de que um fala do ponto de vista da crença e o outro da sua descrença. Podia
o ateísmo manifestar-se pelo ignorar o assunto, mas o que vemos são confrontações
com Deus e com Jesus, a renegação de princípios como o da alma, da ressurreição e
5 da salvação, e da tríade que o catolicismo reserva para eterna morada da alma: inferno,
purgatório e paraíso. De forma esquemática, diria então que Servidões se oferece à lei-
tura como um credo negativo. Este «Não creio» vai-se agravando até perto das páginas
finais, em que se revela o ponto mais alto da rebeldia herbertiana, a de uma escatologia1
no duplo sentido da palavra: «cheirava mal, a morto, até me purificarem pelo fogo, /
10 e alguém pegou nas cinzas e deitou-as na retrete e puxou o / autoclismo».
Maria Estela Guedes, «Na morte de Herberto Helder: o rio camoniano»,
Triplov de artes, religiões e ciências, N.º 51, abril-maio, 2015.
Representações do contemporâneo
FRM/JLA – Diga-nos se o seu livro de contos Os passos em volta constitui uma
experiência isolada ou representa uma continuação da sua obra restante.
HH – Esse livro pertence ao mesmo sistema de propostas e soluções dos outros.
Inscrevê-lo na designação de contos, ou chamar aos meus outros livros conjuntos de
5 poemas, significa apenas ausência de superfície às categorias estabelecidas. Não me
parece necessário referir a crise das classificações literárias. Caminha-se, sabemo-lo
todos, para uma visão total da obra literária, que se não podem adotar distinções afi-
nal nunca rigorosas, senão de um ponto de vista didático e, assim mesmo, somente
em determinado grau de didatismo, Os passos em volta são a minha primeira tentativa
10 para superar a dicotomia prosa-poesia. Marcam também o meu interesse, no momento
de referir algumas experiências de facto, em que a circunstância desempenhava papel
preponderante. Achei então que o poema, como eu o vinha praticando, não possuía
a elasticidade, o ritmo, o clima verbal, capazes de abranger, adequadamente, o tecido
temático e circunstancial que eu pretendia explorar. Aquele livro permitiu-me tal expe-
15 riência, tendo sido ele, afinal, um passo decisivo para a abolição dos preconceitos que
vinham limitando o meu trabalho.
Fernando Ribeiro de Mello (entrevista a Herberto Helder), Jornal de Letras e Artes, N.º 139, 17
de maio de 1964 (disponível em http://www.triplov.com; consultado a 14 de junho de 2023).
1 Escatologia: utilização de ou
gosto por expressões relacio-
nadas com fezes, imundície ou
CONSOLIDA obscenidades.
51
HERBERTO HELDER
FICHA INFORMATIVA 3
CONSOLIDA
52
Ruy Belo
Ruy de Moura Ribeiro Belo nasceu em
S. João da Ribeira, uma pequena aldeia do
concelho de Rio Maior, em 1933, e faleceu em
Queluz, em 1978. A sua infância decorreu no
5 Ribatejo. Estudou no Liceu Sá da Bandeira,
PONTO DE PARTIDA
1. Atenta nas palavras de Luís Adriano Carlos sobre a poética de Ruy Belo.
1.1 Classifica as afirmações como verdadeiras (V) ou falsas (F). Corrige as falsas.
a) Ruy Belo afirmou que «os poetas não têm
biografia».
b) A poética de Ruy Belo apresenta uma
metafísica sublime.
c) Ruy Belo é um escritor inferior a Camões,
Pessoa e Jorge de Sena.
d) Ruy Belo optou pelo verso livre, com
grande força e energia.
e) O poeta usou sabiamente a linguagem
para abordar os grandes problemas exis- «No rasto da poesia de Ruy Belo»
tenciais. Ensina RTP
53
POETAS CONTEMPORÂNEOS
EDUCAÇÃO LITERÁRIA
Figurações do poeta
1. Identifica o momento da vida evocado pelo sujeito poético. FI p. 58
2. Explicita o sentido dos versos «eu conhecia já o rebentar do mar / das páginas dos livros
que já tinha lido» (vv. 3-4).
5. Explica o significado dos versos «entre as coisas e mim havia vizinhança / e tudo era
possível era só querer» (vv. 13-14).
54
Ruy Belo
EDUCAÇÃO LITERÁRIA
Arte poética
1. Explicita a relação passado/presente a que o sujeito poético faz referência. FI p. 58
55
POETAS CONTEMPORÂNEOS
EDUCAÇÃO LITERÁRIA
3. Explica o sentido dos versos «Atira a primavera e recupera o verão / Terras e tempos –
tudo assume esse pião» (vv. 2-3).
ESCRITA
Texto de opinião
Texto de opinião SIGA pp. 344-345
56
Ruy Belo
EDUCAÇÃO LITERÁRIA
Texto de opinião
Texto de opinião SIGA pp. 344-345
57
RUY BELO
FICHA INFORMATIVA 1
Figurações do poeta
As palavras são o espelho do homem, a manifestação de si perante os outros, aos
quais se expõe e a cujo julgamento se sujeita; têm elas portanto um conteúdo ético
[…].
Fala-se de terra, por exemplo, na utópica visão de «O Portugal futuro», nome e
sede simbólica do Bem, visto a partir do desalento (para usar uma das «Cinco palavras
5 cinco pedras») do Portugal de 1970, lugar em que coincidem a infância e a paz do
antigo tempo regido pelo «relógio da matriz».
Paula Morão, «Ruy Belo, questões de poética», Itinerário da poesia – Românica,
Lisboa, Edições Cosmos, 1999.
Arte poética
Na obra de Ruy Belo, a arte poética é explícita e consciente, apontando duas dire-
ções fundamentais. Uma delas estabelece-se no confronto e no reconhecimento da tra-
dição em que se apoia o ofício de poetar, relacionando-o com uma memória de textos
[…]. Chamarei a esta consciência da tradição a vertente de permanência da poética de
5 Ruy Belo. Em complemento desta, outra direção se desenha com clareza: Portugal, a
terra, o país, definem o tempo e o lugar que enquadram e conferem sentido ao eu […].
A este segundo trilho na poesia de Ruy Belo chamarei circunstância…
Paula Morão, «Ruy Belo, questões de poética», Itinerário da poesia – Românica,
Lisboa, Edições Cosmos, 1999.
Tradição literária
[A] escrita de Ruy Belo vai conciliar o rigor formal com a discursividade plena […].
Temos em Ruy Belo um caminhar para o centro das coisas, como no jogo do pião
sobre o qual ele escreve uma sequência de sonetos, que surge de um envolvimento da
realidade pelas palavras. Não saímos do plano do real mas a mimese é subvertida pela
5 incorporação do real no discurso que, deste modo, usurpa até a própria imagem do
poeta, prisioneiro de uma vivência que exige o verbo para se realizar. […]
Nuno Júdice, Viagem por um século de Literatura Portuguesa, Lisboa, Relógio d’Água, 1997.
Representações do contemporâneo
A compreensão de si, a escrita da pessoa enquanto busca de si ocupam o nó central
da poesia de Ruy Belo. […] Aqui reside o princípio pelo qual não há em Ruy Belo
[…] rompimento do decorum, do equilíbrio entre sentimento e mundo e palavra. Há,
muito pelo contrário, a busca de um equilíbrio novo, onde nem o mundo se sobre-
5 pusesse ao sentimento nem este ao mundo. […] Era necessário instaurar um diálogo
renovado entre a alma e o quotidiano, entre o espírito e a materialidade da terra. […]
A base do diálogo assenta na questão de saber se a linguagem pode ser meramente
expressiva ou se terá de ser expressivamente significativa. O próprio Ruy Belo conscien-
cializa esse diálogo em «Esta rua é alegre».
Henri Lebasque, Crianças junto à Joaquim Manuel Magalhães, posfácio ao Vol. 1, Ruy Belo, Obra poética, Lisboa, Presença, 1984.
água, 1907.
58
Luiza Neto Jorge
Poeta e tradutora. Frequentou a Faculdade de
Letras da Universidade de Lisboa, mas desistiu
do curso e foi viver para Paris, onde permaneceu
durante oito anos (1962-70).
5 Ainda hoje é considerada a personalidade de
maior destaque do grupo de poetas que se reuniu
em torno de Poesia 61, no âmbito do qual publi-
cou Quarta dimensão. Não foi essa, todavia, a sua
estreia literária. O primeiro livro foi Noite vertebrada
10 (1960), a que iria seguir-se uma obra escassa mas de
obrigatória referência.
Joaquim Manuel Magalhães assinala com veemência que, «numa geração que não
conseguiu escapar ao maneirismo gramatical, ao tédio de uma ausência de vocações
temáticas múltiplas, à insistente sobrevalorização da busca prosódica, a obra de Luiza
15 Neto Jorge representa um esforço e um conseguimento exemplares de amplidão ima-
ginativa, de renovação processual e de ímpeto transformador.»
Como tradutora deixou uma obra inigualável, nos domínios da poesia, da ficção e
do teatro.
Fez adaptações de textos para teatro (Diderot, etc.) e colaborou com alguns cineas-
20 tas, tendo escrito diálogos para filmes. Salvo poemas avulsos em algumas publicações,
como é o caso da revista Colóquio-Letras, não publicou nenhum livro nos últimos
dezasseis anos de vida.
Encontra-se representada em quase todas as antologias de poesia portuguesa con-
temporânea (editadas em Portugal e no estrangeiro) e tem grande parte dos poemas
25 traduzidos para diversos idiomas.
Morreu em Lisboa pouco antes de completar 50 anos. Quando em 1993 foi coli-
gida a obra completa, Fernando Cabral Martins, responsável pela sua criteriosa edição,
diz da sua poesia que «tudo o que está nela tem o seu tempo, esse não é só o tempo em
que viveu mas a falha do seu tempo e de todos os tempos».
Ilídio Rocha (coord.), Dicionário cronológico de autores portugueses,
Vol. VI, Lisboa, Europa-América, 1999.
PONTO DE PARTIDA
1. Observa atentamente o vídeo sobre Luiza Neto Jorge e regista algumas notas do dis-
curso de Manuel João Gomes, marido da escritora, tradutor e crítico de teatro.
Após o visionamento do vídeo, debate com os teus
colegas os seguintes aspetos:
• motivos que levam a que os escritores se ocupem
com trabalhos de tradução;
• vantagens e desvantagens desse trabalho;
• obstáculos ao exercício da arte de escrever;
• reconhecimento (ou não) do mérito dos escritores /
artistas.
Luiza Neto Jorge
REAL. RTP
59
POETAS CONTEMPORÂNEOS
EDUCAÇÃO LITERÁRIA
Figurações do poeta
1. Explica a possível «paixão» do sujeito poético pelo «poema», aten- FI p. 65
dendo aos dois primeiros versos.
2. Explicita o valor expressivo da comparação «desde perder o chão repentino sob os pés /
como se perde os sentidos numa / queda de amor» (vv. 3-5).
GRAMÁTICA
Funções sintáticas
SIGA
1. Identifica as funções sintáticas dos elementos destacados. pp. 356-359
60
Luiza Neto Jorge
EDUCAÇÃO LITERÁRIA
Eu, artífice
Atento agora ao traço,
corrijo o mais da matéria,
ergo a minha arte do poço
onde flutua.
4. Identifica o recurso expressivo presente no verso «no forro de cada um», explicitando a
sua pertinência.
GRAMÁTICA
1. Para responderes a cada um dos itens de 1.1 a 1.2, seleciona a opção correta.
1.1 Nos versos «o desgaste é tanto / que eu, artífice, colho» (vv. 8-9), é Coordenação
SIGA e subordinação
possível identificar uma oração subordinada pp. 361-363
1.2 O complexo verbal «vão constituindo» (v. 14) expressa um valor aspe- FI
Valor aspetual
p. 365
tual
A. imperfetivo. C. habitual.
B. genérico. D. iterativo.
61
POETAS CONTEMPORÂNEOS
EDUCAÇÃO LITERÁRIA
A magnólia
A exaltação do mínimo,
e o magnífico relâmpago
do acontecimento mestre
restituem-me a forma
5 o meu resplendor.
A magnólia,
o som que se desenvolve nela
quando pronunciada,
é um exaltado aroma
15 perdido na tempestade,
Paul Signac, A tempestade, Antibes, 1918-1919.
ESCRITA
Faz a revisão do teu texto. Verifica a construção das frases, a clareza do discurso,
as repetições desnecessárias e a utilização dos conectores.
62
Luiza Neto Jorge
EDUCAÇÃO LITERÁRIA
Balada apócrifa
Olhai os lírios do campo
meninas de saia rodada
íris de teias de aranha
desvendam o mar nas searas
Os soldados em manobras
enterram a sombra caiada
(bebei os lírios de água
10 com grandes bicos de aves)
Os soldados em manobras
têm noite por espingarda
colhei os lírios do corpo
20 meninas de saia travada
Luiza Neto Jorge, Poesia (1960-1989),
Assírio & Alvim, Lisboa, 1993.
2. Atenta nos versos: «Os soldados em manobras / enterram a sombra caiada» (vv. 7-8).
2.1 Comenta a referência a estas personagens, relacionando-as com as «meninas».
63
POETAS CONTEMPORÂNEOS
GRAMÁTICA
Funções sintáticas
1. Identifica as funções sintáticas dos elementos destacados. SIGA pp. 356-359
Apresentação oral
1.1 Prepara uma apresentação oral, de cinco a sete minutos, em que relaciones a pin-
tura de Magritte com a poesia de Luiza Neto Jorge.
Segue as seguintes diretrizes:
• faz uma breve descrição da pintura;
• relaciona a pintura com a poesia de Luiza Neto Jorge.
64
Ficha informativa
FICHA INFORMATIVA 1
Figurações do poeta
Herdeira e conhecedora profunda das poéticas simbolistas e surrealistas − como
pode ler-se pelos textos que cita, de Mallarmé a Cesariny−, pois viveu em Paris entre
1962 e 1970, e tendo traduzido autores como Breton, Luiza Neto Jorge manteve sem-
pre na sua poesia uma componente surrealista, recusando, por outro lado, o modelo do
5 neorrealismo, o que permitiu introduzir na sua escrita uma interpretação muito pessoal
e intensa, uma exaltação do mínimo, representando o inconsciente, e que se prende
com o querer dar conta do acontecer das coisas, do «miolo do mundo».
Maria João Cantinho, «Luiza Neto Jorge ou o corpo inenarrável», 30 de dezembro de 2016,
Caliban – Revista de artes e ideias (disponível em https://revistacaliban.net;
consultado a 14 de junho de 2023).
Arte poética
Falei da intensidade, das intensidades, da sua poesia − a intensidade das sensações,
a intensidade dos atos, a intensidade dos vocábulos, a intensidade do ritmo. Todo esse
projeto poético está delineado em mais esta arte poética, incluída no seu livro Terra
imóvel (1964):
[…] Luiza Neto Jorge não procura nem procurou nunca transmitir
essa força agressiva, essa ironia contundente e dolorosa, através de uma
adjetivação estereotipada, como o fazem certos outros criadores de uma
poesia violenta apenas na superfície. Em Luiza Neto Jorge, a violência
20 brota da própria dureza da prosódia repartida em unidades rítmicas bre-
ves, entrecortada de exclamações, vocativos, enumerações − e mergulha
profundamente num estrato de sentido pleno de fricções e contrastes e de
uma mitologia em torno da qual os motivos e os temas se aglutinam [...].
Armando Alves, Sem título, 1958.
Gastão Cruz, A poesia portuguesa hoje, Lisboa, Relógio d’Água, 1999.
65
LUIZA NETO
LUIZA NETOJORGE
JORGE
FICHA INFORMATIVA 2
Tradição literária
Escrever é, sem dúvida, dar conta do mundo, manifestá-lo ou apresentá-lo, para
seguir o preceito heideggeriano. Mas é, ao mesmo tempo, captar-lhe o devir e o movi-
mento, pelo que a palavra poética deve conter essa potencialidade de gerar campos
semânticos diversos, fazendo-os deslocar, dinamizando o corpo da escrita. Por isso, há
5 que deslocar o sentido e fazê-lo mover-se. […]
Atenta ao real como poucos poetas, Luiza Neto Jorge convoca todo o funciona-
mento dos dispositivos formais da poesia, recorrendo a todos os recursos poéticos
como o virtuosismo rítmico, a rima, a aliteração, a paronímia, a anáfora, para os con-
jugar num único objetivo: a transgressão das abordagens convencionais poéticas da
10 realidade.
Maria João Cantinho, «Luiza Neto Jorge ou o corpo inenarrável», 30 de dezembro de 2016,
Caliban – Revista de artes e ideias (disponível em https://revistacaliban.net;
consultado a 14 de junho de 2023).
Representações do contemporâneo
Talvez nenhuma outra nos dê uma imagem tão intensa do nosso tempo, ou melhor,
do que foi Portugal dos jovens da sua e minha geração − que é como quem diz, da
última década e meia do fascismo e da contestação movida aos valores impostos pelo
governo vigente e pelos seus apoiantes.
5 Guerra, opressões de todas as espécies − foi a luta contra isso, a recusa de tudo isso,
com indignação ou com sarcasmo [...], assim como a ilusão de que, exterminado o fas-
cismo, tudo o que detestávamos (a mentalidade reacionária, a direita política, o obscu-
rantismo cultural e ideológico) ruiria com ele. Liberdade e verdade, a rejeição de todos
os tabus, morais e ideológicos, são a tónica da obra de Luiza Neto Jorge. [...]
Gastão Cruz, A poesia portuguesa hoje, Lisboa, Relógio d’Água, 1999.
CONSOLIDA
66
Vasco Graça Moura
Vasco Graça Moura foi um escritor, tra-
dutor e político português. Nasceu no Porto,
em 1942, e morreu em Lisboa, no ano de
2014. Licenciou-se em Direito pela Universi-
5 dade de Lisboa.
PONTO DE PARTIDA
EDUCAÇÃO LITERÁRIA
4. Indica o elemento de que o eu se serve para transmitir a ideia Linguagem, estilo e estrutura
FI p. 76
de imortalidade do amor.
68
Vasco Graça Moura
EDUCAÇÃO LITERÁRIA
69
POETAS CONTEMPORÂNEOS
EDUCAÇÃO LITERÁRIA
1. Salienta a característica que, de acordo com o sujeito poético, melhor identifica o gato.
Tradição literária
2. Indica aspetos identificativos do espaço físico. FI p. 74
3. O gato sempre marcou presença na literatura, tornando-se uma das figuras mais
emblemáticas da tradição literária, influenciando a escrita de grandes autores nacio-
nais e universais.
3.1 Apresenta um argumento que sustente esta admiração pelo felino.
Apresentação oral
1. Num outro poema, «variações sobre um gato», Vasco Graça Moura apresenta um gati-
nho que salta para o teclado do computador e inadvertidamente escreve «ba». Este
facto deixa o poeta perplexo com a possibilidade de no ecrã aparecer o nome «Bach».
1.1 Procede à audição do poema e estabelece uma relação entre a poesia e a música.
70
Vasco Graça Moura
EDUCAÇÃO LITERÁRIA
71
POETAS CONTEMPORÂNEOS
72
Vasco Graça Moura
Representações do contemporâneo
1. Neste longo poema, o sujeito poético assume o duplo FI p. 75
6 Proscrito: proibido.
7 Lousa: pedra que cobre a sepul-
papel de observador e utente da língua para constatar:
tura.
– o estado «destroçado» a que chegou a língua portuguesa;
– a vontade de, apesar de tudo, se servir dela, do que dela resta e do muito que nela
existe, em latência, como fonte que alimenta um outro uso possível.
1.1 Explica em que consiste esse duplo papel assumido pelo sujeito.
1.2 Transcreve do texto as expressões que melhor o exemplificam.
2. Identifica os versos que transmitem a ideia de que o uso poético é um fator de renova-
ção e de conservação da memória da língua.
3. De acordo com as tuas vivências, refere se haverá razão para o lamento expresso pelo
sujeito poético logo no título do poema.
73
VASCO GRAÇA MOURA
FICHA INFORMATIVA 1
Figurações do poeta
[S]e escrevo, entre outras coisas, poesia, não o faço para pôr a vida em palavras, mas
para me servir da vida das palavras enquanto ela possa ser também elemento especi-
ficamente expressivo e qualificativo de uma outra dimensão da minha própria vida.
[R]einventei-me as vezes que foi preciso e fi-lo tão deliberadamente quanto esteve ao
5 meu alcance.
Vasco Graça Moura, Poesia 1963/1995, Lisboa, Quetzal, 2007.
Arte poética
Neste sentido, o poeta assume-se, portanto, como «aquele que por via da palavra
poética e da perceção do mundo cria uma manipulação do mesmo», distanciando-se
da aceção pessoana do poeta como um «fingidor» e aceitando o sujeito de enunciação
como um «figurador», que confere uma «dimensão ontológica» à sua escrita poética,
5 na senda de abrir «caminho para a revelação do real» e explicar o mundo ao seu leitor.
Na verdade, Vasco Graça Moura assume na sua ars poetica esta preocupação com o seu
poema, que provém do «trabalhar o mundo, [...] as relações de vizinhança / entre os
seres e as coisas, no intervalo exato / da sua infelicidade constritiva […]», e com os seus
leitores, estabelecendo uma relação de proximidade (e até familiaridade) com eles e
10 tentando guiá-los a «[…] encontrar o que te leva / a dar essa ênfase à palavra, ou a tirar-
-lha / sempre que o sintas oportuno, calibrando-a / em nome […] de uma experiência
única / no emaranhar das sombras e das vozes […]».
Vincent van Gogh, O pintor a caminho Andreia Cristina Nóbrega Brites, Murmúrios [im]possíveis – O desafio dialogante entre poesia e artes plásti-
do trabalho, 1888. cas em Vasco Graça Moura, Dissertação de Mestrado, Funchal,
Universidade da Madeira, 2012, p. 66.
Tradição literária
Em sua busca Graça Moura persegue os textos dos outros e engendra os seus, eterno
Ulisses navegando em busca daquilo que, já vimos, só a arte, chame-se poesia, pintura,
música, pode dar e que o poeta sintetiza magistralmente no poema «ut pictura poesis»
(Poemas com pessoas, p. 99), que expressamente retoma no título a afirmação de Horá-
5 cio na sua Arte poética, «A poesia é como a pintura». O que procura o poeta na pintura,
na poesia? «busco / uma medida humana da representação, / mesmo que ela flutue
numa irrealidade palpável / em que também posso reconhecer as dimensões efémeras /
1 Sinópias: esboços realizados no
do que sou, contraditórias, obscuramente pressentidas, quantas vezes informuladas ou
próprio suporte e à escala real
antes de o artista realizar a pin- desfiguradas / nas sinópias1 da alma».
tura mural. Tal permitia verifi-
10 É a rota dessa ítaca que Graça Moura peregrinante busca em Camões, busca nos
car a legibilidade da obra.
clássicos.
Isabel Pires de Lima, «Referências clássicas na poesia de Vasco Graça Moura», in Imprensa da Univer-
sidade de Coimbra (coord.), Fluir Perene – A cultura clássica em escritores portugueses contemporâneos,
Coimbra, Imprensa da Universidade de Coimbra, 2004, p. 123
(disponível em https://digitalis-dsp.uc.pt; consultado a 6 de junho de 2023).
74
Ficha informativa
FICHA INFORMATIVA 2
Representações do contemporâneo
A poesia de Vasco Graça Moura constitui uma das mais prolíferas manifestações
interartísticas na poesia portuguesa contemporânea. Alicerçando os seus textos numa
vasta tradição artístico-literária, as suas composições constituem uma tessitura poli-
fónica sustentada por um amplo campo referencial. Da pintura até à escultura, pas-
5 sando pela música e pela fotografia, a poesia de Graça Moura carrega a marca indelével
das artes particularmente evidenciada através de uma propensão para o exercício da
ekphrasis, inclinação que, como o próprio autor refere, se manifesta a partir da recom-
posição verbal de um elemento visual: «creio que a raiz mais funda dessa tendência tem
a ver com uma preocupação mais genérica da restituição do visual através do verbal».
10 A transposição intermediática já referida resulta numa inquietação poética que se tra-
duz em constante exercício compositivo, evidenciando a busca da «restituição» e cons-
tituindo-se como um espaço de interseção transmedial.
Daniel Tavares, Revista diacrítica, vol. 28, N.º 3, Braga, 2014.
CONSOLIDA
1. Com base nos textos que acabaste de ler, classifica as afirmações como verdadeiras (V)
ou falsas (F). Corrige as falsas.
a) Vasco Graça Moura afirma que se reinventou de forma deliberada todas as vezes em
que escreveu poesia.
b) Na conceção de Vasco Graça Moura, o poeta é um «fingidor» porque manipula o
mundo através da palavra poética.
c) O poeta tenta ser original, abolindo a herança de outros que remoem no seu íntimo.
d) A presença de outras artes (pintura, música) é um elemento caracterizador da sua
poética.
e) O poeta busca nas artes uma medida humana de representação do mundo.
f) A poesia de Vasco Graça Moura constitui
uma das mais tradicionais manifestações
do lirismo português, alicerçada numa tes-
situra onde não se ouvem outras vozes artís-
ticas.
g) A poesia de Vasco Graça Moura evidencia
uma preocupação genérica de restituição
do visual através do verbal.
75
UnidadeGRAÇA
VASCO MOURA
3 // MIGUEL TORGA
FICHA INFORMATIVA 3
1
CONSOLIDA
76
Nuno Júdice
Nuno Júdice nasceu na Mexilhoeira
Grande, Algarve, em 1949. É poeta,
ensaísta e ficcionista. Formou-se em
Filologia Românica pela Universidade
5 Clássica de Lisboa. É professor asso-
PONTO DE PARTIDA
77
POETAS CONTEMPORÂNEOS
EDUCAÇÃO LITERÁRIA
A varanda de Julieta
Uma vez, entrei em verona para não entrar
em veneza. Entre o vê de verona e o vê
de veneza optei por ver verona. Gostei da
coincidência das consoantes na janela
5 de julieta; e sei que em veneza não ouviria
o vento da vingança, nem provaria o veneno
de uma volúpia que só em verona se
desvanece com a vida. Não há canais em
verona, como em veneza; nem há janelas
10 em veneza, como em verona; mas Julieta
espreita a rua, da janela que é sua, e se
ninguém diz a senha que só ela sabe, agita
o lenço molhado pelas lágrimas que as
nuvens bebem, levando-as de verona até
15 veneza, onde a chuva as deita nos canais.
Nuno Júdice, Pedro, Lembrando Inês, Lisboa,
Dom Quixote, 2001.
1. Neste poema, duas cidades italianas disputam um lugar na preferência do sujeito poé-
tico.
1.1 Identifica-as.
1.2 Indica a opção do sujeito por uma delas.
1.3 Apresenta as razões dessa preferência.
2. No início do poema, o sujeito poético joga com uma consoante e com um verbo.
2.1 Indica em que consiste.
78
Nuno Júdice
EDUCAÇÃO LITERÁRIA
79
POETAS CONTEMPORÂNEOS
EDUCAÇÃO LITERÁRIA
2. Explica a interrogação que surge entre aspas no interior do poema (vv. 4-6).
80
Nuno Júdice
EDUCAÇÃO LITERÁRIA
Verbo
Ponho palavras em cima da mesa; e deixo
que se sirvam delas, que as partam em fatias, sílaba a
a sílaba, para as levarem à boca − onde as palavras se
voltam a colar, para caírem sobre a mesa.
1. Atribui um sentido ao facto de o sujeito poético pôr palavras «em cima da mesa».
4. Explicita o sentido de «Algum / dia, estas palavras hão de servir para alguma coisa»
(vv. 15-16).
GRAMÁTICA
81
NUNO JÚDICE
FICHA INFORMATIVA 1
Figurações do poeta
Nuno Júdice é uma das mais representativas vozes no panorama poético de Portugal
a partir da década de setenta, com uma escrita que tensiona os limites (limites?) entre
modernismo e pós-modernismo, configurando o que poderíamos nomear de uma poé-
tica da melancolia. O tom dessa poesia é frequentemente pessimista; no entanto, essa
5 afirmação deve ser relativizada porque, de facto, não é seu tom único, e sim expressão
variável de diferentes sujeitos poéticos que vão aparecendo na cena do poema, repre-
sentando um «drama em gente» a falar da condição humana no mundo contemporâ-
neo, em meio a ruínas, fragmentos e vestígios da memória. Escrita perpassada de ironia,
criticamente relendo a tradição poética ocidental, muitas vezes enfrenta a melancolia
10 com um breve sorriso de quem sabe que o canto se faz de ficções e que é, apesar de sua
desilusão, uma janela aberta, mirando o horizonte para além das ruínas deste mundo.
Ida Ferreira Alves, «Nuno Júdice: arte poética com melancolia», Boletim de Pesquisa NELIC –
Poesia: passagens e impasses, vol. 6, N.º 8/9, Santa Catarina, Universidade Federal de Santa Catarina,
2006 (disponível em https://periodicos.ufsc.br; consultado a 15 de junho de 2023).
Arte poética
O «tema» fundamental da poesia de Nuno Júdice é a própria constituição do poema
e a (im)possibilidade dessa constituição. E o que gera e move o poema não se situa na
realidade sensível nem tem como ponto de partida qualquer afeto anterior à materiali-
zação verbal do poema.
António Ramos Rosa, $SDUHGHD]XOí(VWXGRVVREUHSRHVLDHDUWHVSOiVWLFDV,
Lisboa, Caminho, 1991.
Tradição literária
[O seu] universo poético é marcadamente erudito, havendo em torno da sua obra
todo um conjunto de referentes que nos abrem o mundo dos seus textos para outros
textos da tradição literária ocidental a partir dos quais, consciente ou inconsciente-
mente, o poeta se entrega à poesia. [...] Quanto aos poemas, eles são, com efeito,
5 produto das mais diversas vivências.
82
Ficha informativa
FICHA INFORMATIVA 2
Representações do contemporâneo
Retoricamente, porém, em Júdice a escrita, a forma, é conteúdo e o conteúdo extra-
vasa a mera circunstância (uma paisagem, uma música, um café...), denotando outra
das marcas deste autor: a irrupção do prosaísmo como modo de contar o que se vive o
que se vê. Para além do reconhecido verso longo, dos poemas torrenciais a que Júdice
5 já nos habituou, em Guia de conceitos básicos sobrepõem-se registos vários: do mais
intimista e lírico, ao irónico (como se lê no poema «Centro Comercial», possível pará-
frase de muita poesia recente, literal e rasa...), aos mais reflexivamente metapoéticos
(e são muitos), e através dos quais se vê a unidade deste volume, pois eles vão pon-
tuando o livro, marcando um ritmo de leitura que exige concentração, respiração
10 longa, fôlego. Mesmo alguns textos aparentemente mais imediatos (como «Salada
russa com tomate») acabam por ser conduzidos à mesma fonte original de onde vem a
poesia de Nuno Júdice: ao problema de saber as relações entre sujeito e mundo, entre
ser e natureza; entre sensação e pensamento. Em pano de fundo, a nostalgia de um
tempo imemorial, quando o Homem, antes da crise da linguagem teria um contacto
15 íntimo, não mediatizado pelos símbolos, pelos signos.
António Carlos Cortez, Jornal de Letras, 30.03.2010.
CONSOLIDA
1. Com base nos textos que acabaste de ler, classifica as afirmações como verdadeiras (V)
ou falsas (F). Corrige as falsas.
a) A poesia de Nuno Júdice configura o que
poderíamos designar por uma poética da
melancolia.
b) O tom dessa poesia é sempre pessi-
mista, fruto de um sujeito poético que
aparece em cena.
c) A escrita relê de forma crítica a tradição
poética ocidental, usando a ironia como
uma janela sobre o mundo.
d) O que gera o poema é a reflexão sobre a
sua própria constituição, sem qualquer
outro ponto de partida.
e) Há, em torno da obra de Nuno Júdice,
um conjunto de referentes, todos anco-
rados na tradição literária ocidental.
f) O prosaísmo limita a linguagem erudita
do escritor, sendo por isso apenas usado
espontaneamente.
g) Os poemas de Nuno Júdice conduzem
ao problema de se saber as relações
entre sujeito e mundo, entre ser e natu-
reza; entre sensação e pensamento. Edouard Vuillard, Paisagem (pormenor), c. 1896.
83
NUNO JÚDICE
FICHA INFORMATIVA 3
2. A imagem na poesia
«Não me costumo reler, e se há temas recorrentes deixo ao crítico o trabalho de os
encontrar. [...] Vejo a minha poesia como um longo poema que terá começado entre
meados e fins da década de 1960, e ainda não acabou. Quanto a mudanças, não há nada
pior do que pretender mudar. Escrevo, reescrevo, rasuro: é este o meu trabalho.»
5 [...] O conceito de imagem é fundamental na abordagem da poética deste autor.
A formulação horaciana de «ut pictura poesis» a que Júdice se junta influencia mui-
tos dos seus poemas onde a imagem que descreve, isto é, a apreensão mental de uma
realidade sensível, se encontra nas formas mais variadas, desde outras obras de arte
(e aqui podemos dizer que a este autor em particular interessam muito as artes visuais,
10 sobretudo a pintura e a fotografia) até às coisas banais do quotidiano. A poesia de Nuno
Júdice é, de forma geral, uma poesia contrastiva, de espelhos poliédricos1, pondo a
funcionar essa dialética a diversos níveis. Em primeiro lugar, na forma do poema há uma
António Dacosta, Sem título
(pormenor), 1978. variação entre uma estrutura discursiva e uma estrutura contida e depurada, muitas
vezes apenas numa única estrofe. O estilo narrativo verifica-se desde os primeiros livros,
15 mas é nos últimos que a convivência entre estes dois paradigmas se verifica mais.
1 Poliédricos: que têm forma
Ricardo Marques, «1972-2012: Um registo poético de quatro décadas», Revista do CESP, vol. 32,
de poliedro, sólido geomé-
N.º 48, jul.-dez. 2012, pp. 21-35 (disponível em http://www.periodicos.letras.ufmg.br;
trico com muitas faces planas.
consultado a 16 de junho de 2023).
84
Soluções
SOLUÇÕES
Unidade 2 Conto
«Famílias desavindas», de Mário 4.1 A caracterização inicial de Ramon, enquanto esforçado e cheio de
boa vontade, comprova, por um lado, que a sua escolha fora acertada
de Carvalho e, por outro, que estes eram traços característicos que se estendem
aos representantes de cada geração de semaforeiros, pelo amor quase
obsessivo e irracional pelos semáforos, evidente no trabalho fora de
Os semáforos e os semaforeiros – (p. 6) horas para «afeiçoar pormenores», não justificado pelo parco salário
Oralidade (CO) e (EO) que auferiam, e na forma como se insurgiram contra o jovem enge-
AE nheiro que apresentou uma sugestão mais do que válida.
3.
5. Critica-se a procura do facilitismo para proveito próprio, aqui pre-
Educação Literária
sente na possibilidade de «personalizar a relação com o sinal», bas-
1; 4; 5; 6. tando ser-se simpático com Paco, pedindo-lhe «um jeitinho».
Gramática 6. O excerto apresenta uma estrutura completa, correspondendo o
4; 6. primeiro parágrafo à introdução, na qual se descreve, no presente da
enunciação, uma hipotética rua do Porto e um cruzamento da mesma,
onde se situam uns semáforos sui generis, por serem movidos a pedal.
No segundo parágrafo, tem início o desenvolvimento, recorrendo-se à
▪ Link analepse para narrar a origem dos semáforos, que teve lugar no dobrar
– Vida e obra de Mário de Carvalho do século XIX, descrever o funcionamento do dispositivo e indicar
– Ler Mais e Melhor – «Mário de Carvalho» como se processou a seleção do primeiro semaforeiro. A ação avança
▪ Link temporalmente ao longo de um século, sendo apresentadas as várias
Notícia da SIC, «Espantalhos em Coimbra» (15-10-2016) gerações de semaforeiros até à atualidade. Finalmente, e voltando ao
Ponto de Partida presente da enunciação, surge a conclusão, retomando-se o início do
1. A notícia apresenta um carrossel movido a pedais, o que, associado excerto: os semáforos com o atual semaforeiro e a forma como os cida-
ao conto, nos indica que algo, no mesmo, será acionado por este meio e dãos encaram este dispositivo.
que, provavelmente, irá originar desavenças entre famílias.
Gramática
Educação Literária
1. a) complemento do advérbio; b) complemento oblíquo; c) comple-
1.1 O comprimento da rua é evidenciado na descrição inicial, como se mento do adjetivo.
pode verificar pela utilização dos adjetivos «alongada» e «comprida», 2. a) adjetiva relativa restritiva; b) substantiva completiva; c) substan-
pela reiteração da expressão «que sobe», a transmitir a ideia de conti- tiva completiva; d) adjetiva relativa explicativa.
nuidade, de prolongamento, reforçada pela hipérbole «e não se acaba».
3. a) valor perfetivo; b) valor imperfetivo; c) situação genérica;
1.2 O dispositivo, por ser «insólito», algo invulgar e singular, contrasta d) situação habitual.
com a descrição da rua onde se encontra, pois esta não apresenta
pontos de interesse para ser um local de passeio, sendo igual a tantas
outras («uma dessas alongadas ruas do Porto») e, por tal, caracterizada O conflito – (p. 9)
como «banal», vulgar.
Educação Literária
2. O segundo parágrafo desenvolve-se em torno da ironia presente AE
1; 4; 5; 6.
na apresentação do semáforo pelo jovem engenheiro como algo
«moderno, operado a energia elétrica», quando, na verdade, era movido Gramática
a pedal. O facto de Gerard Letelessier não ter obtido sucesso em Paris e 6.
em Lisboa, portanto, numa das principais cidades da Europa e na capital Oralidade (EO)
do país, e de ter conseguido o seu intento no Porto deixa transparecer Retoma.
uma crítica a um certo provincianismo por parte do autarca portuense,
aliado à facilidade com que se deixa corromper, neste caso, por «umas Educação Literária
garrafas de Bordéus». 1. a) «No dobrar do século XIX»; b) «Durante a Primeira Guerra»;
3. A referência veicula uma crítica a um certo «tráfico de influências», c) «Por alturas da Segunda Grande Guerra»; d) «pouco depois da revo-
ainda que em menor escala, na seleção de pessoas sem as qualifica- lução de Abril»; e) Ramon; f) Ximenez; g) Asdrúbal; h) Paco; i) Doutor
ções exigidas para a ocupação de determinados cargos: insinua-se João Pedro Bekett; j) João (médico); k) Dr. Paulo; l) «Há dias»; m) «o
que Ramon foi escolhido para desempenhar as funções de semafo- acidente»; n) «todos os dias».
reiro, não por reunir as condições exigidas (era imperativo saber andar 1.1 Verifica-se, entre as duas partes, uma sobreposição cronológica,
de bicicleta), mas por ser familiar do proprietário de um bom restau- isto é, do tempo da história, dado as referências temporais, presen-
rante do Porto e, como tal, teria alguma influência e poderia fornecer tes na primeira parte, se repetirem de forma implícita na segunda,
contrapartidas. nomeadamente na referência ao período em que o primeiro médico
85
Soluções
se instalou naquela rua («Pouco antes da instalação dos semáforos» – 2. a) coesão gramatical temporal; b) coesão gramatical referencial;
l. 2 da segunda parte) e na relação que se estabelece entre cada gera- c) coesão gramatical interfrásica; d) coesão lexical: sinonímia.
ção de semaforeiros, apresentados na primeira parte, e a respetiva
geração de médicos que surgem na segunda parte.
2. O conflito surgiu logo na primeira geração de médicos e de semafo-
reiros, pois o Doutor João Pedro Bekett, extremamente zeloso da sua ▪ PowerPoint®
Proposta de correção da atividade de Oralidade
missão enquanto médico, interpelava as pessoas que passavam para
verificar se se encontravam doentes, tendo, para tal, de atravessar
a rua muitas vezes, ato dificultado pela presença dos semáforos. Fichas informativas 1 e 2 – (pp. 12-13)
Assim, a dada altura, dirigiu-se austeramente a Ramon, dizendo-lhe
que ninguém o podia impedir de atravessar a rua quando quisesse, Leitura
AE
atitude que desagradou de tal forma ao semaforeiro que, a partir daí, 3.
procurou complicar a passagem do médico.
3. Existe um contraste entre o comportamento e o seu estatuto
social, pois a profissão de médico sempre foi encarada como superior Ficha informativa 3 – (p. 14)
às demais, pela importância que assume para o ser humano, salien-
tando-se socialmente. O pretensiosismo do primeiro médico, a infan- Consolida
tilidade do segundo e a intriguice e a má educação do terceiro, que 1. A verosimilhança dos textos de Mário de Carvalho é habilmente con-
quase chegou «a vias de facto» com Asdrúbal, são reveladores deste seguida a partir da adequação da linguagem às várias temáticas abor-
contraste. Estas características surgem implicitamente nos insul- dadas pelo escritor. Esta adequação advém de uma seleção criteriosa
tos utilizados: o termo «galego» com duplo sentido, salientando-se do vocabulário e de um estudo prévio e aprofundado das situações
o depreciativo, a exprimir a superioridade sentida relativamente aos a narrar, conduzindo o leitor a reconhecer e a reconhecer-se nessas
semaforeiros, e a impropriedade da linguagem, e o ato de amaldiçoar, situações e nas personagens, sem se aperceber de todo o trabalho rea-
presente no uso de «Arrenego», ambos totalmente inadequados ao lizado pelo escritor.
estatuto referido. O recurso em paralelo ao humor e ao tom sério confere um sentido
4. O conflito vai-se adensando e agravando de geração em geração: irónico ao texto, sem se assumirem juízos de valor, sendo o leitor condu-
tem início com o Doutor João Pedro Bekett, que se dirige indelica- zido a formar a sua própria opinião.
damente a Ramon, passando a ter a sua vida dificultada por este; de As palavras são engenhosamente selecionadas, dando origem a «uma
seguida, o seu filho João tenta boicotar o trabalho de Ximenez, pro- prosa brilhantíssima e sedutora», em consonância e adaptável às várias
curando encandeá-lo com um espelho; por sua vez, o Dr. Paulo troca «estórias» narradas, maioritariamente situações insólitas, capazes de
insultos, primeiro com Asdrúbal e depois com Paco. A instigação surpreender, de deslumbrar e de inquietar o leitor.
dos pacientes para insultarem o semaforeiro adensa o conflito que
quase envolveu um confronto físico, quando Asdrúbal levanta a mão
para atingir o médico. A peripécia final, ou seja, o acidente de Paco e
a mudança radical do comportamento do Doutor Paulo, é reveladora
da futilidade e da inutilidade do conflito entre as duas famílias, pois, Unidade 3 Poetas contemporâneos
de um momento para o outro, tudo se altera e a paz é restabelecida.
5. Os marcos históricos encerram uma simbologia que contrasta
nitidamente com o comportamento das «famílias desavindas». As
consequências catastróficas das duas Grandes Guerras, a morte, a Poetas em opção
destruição, o sofrimento, o horror do holocausto da Guerra de 1939-
-1945, o exemplo da Revolução de Abril de 1974, com a conquista da Jorge de Sena – (p. 18)
liberdade através de um ato pacífico, tornam o conflito entre médicos
e semaforeiros ridículo e insignificante. Educação Literária
AE
1; 2; 3; 4.
6. A ironia está presente ao longo de todo o conto, desde a crítica ao
provincianismo, à corrupção e ao facilitismo, já referidos, à forma Oralidade (EO) e (CO)
como os médicos são caracterizados, ao contraste entre o seu esta- 3.
tuto social e o seu comportamento e, essencialmente, à pequenez
do conflito entre as duas famílias perante a magnitude dos aconte- Ponto de Partida
cimentos mundiais e nacional, a deixar transparecer uma censura ao
egoísmo e mesquinhez do ser humano.
7. Nota: Cenário de resposta disponível em AulaDigital. ▪ Link
Poemas «Felicidade»; «Quem a tem...» e «Carta a meus filhos sobre
os fuzilamentos de Goya», de Jorge de Sena (interpretados por Nuno
Meireles)
▪ PowerPoint®
Proposta de correção da questão 7 1.1 a) Jorge de Sena como académico, mas sobretudo como criador,
artista, poeta (conjugação harmoniosa das duas facetas). b) Esteve
Gramática expatriado, exilado, foi malquerido e morreu triste. c) Todas as ideias
1. a) complemento do nome; b) predicativo do sujeito; c) comple- que apresenta no poema «Carta a meus filhos sobre os fuzilamentos
mento agente da passiva; d) modificador do nome restritivo. de Goya».
86
Soluções
«Quem a tem» – (p. 19) 1.2 O sujeito, oculto sob uma máscara particularmente produtiva,
inflete sobre um destino particular, que, contudo, nos soa a nós, leito-
Educação Literária res, como a voz do destino que ajuíza os homens e as suas ações.
AE
1; 2; 3; 4. 2. A tradição regista que Camões enfrentou a inveja e uma espécie de
preconceito dos poetas seus contemporâneos. É essa tradição que
Educação Literária
está presente no poema, em que os poetas da época são acusados de
1.1 O assunto é a liberdade (o poema foi escrito durante o período fas-
terem roubado as ideias e as palavras do poeta, e também de não o
cista, antes do 25 de Abril de 1974).
terem citado, suprimindo-o e aclamando «outros ladrões mais felizes».
1.2 As ideias desenvolvidas pelo sujeito poético constituem uma forma A noção de criador original que perpassa da modernidade artística e
de expressão do desejo de ver o seu país livre, sem medo de viver («é a do reconhecimento da sua obra pelos outros são fulcrais na leitura
quase um crime viver», v. 10) e com liberdade de expressão («e me quei- deste poema, onde ética e estética se (con)fundem.
ram cego e mudo», v. 12).
1.3 O mote é repetido nas estrofes para acentuar e reforçar a ideia
principal. «Carta a meus filhos sobre os fuzilamentos de
1.4 O recurso expressivo é a hipérbole. Goya» – (p. 22)
Sugestão ao professor: Educação Literária
AE
− Escrita de um breve texto pelos alunos que dê continuidade à ideia 1; 2; 3; 4.
expressa no título do poema: «Quem a tem». Gramática
(A sequência lógica do título do poema parece ser a de que «quem
2; 3; retoma.
a tem» deve saber valorizá-la e não deixar prevalecer as ameaças que
constantemente a rodeiam. O aluno deve escrever um breve texto onde Escrita
explicita as suas ideias.) 1; 2; 3; 4; 5.
− Relacionar uma cor com a ideia de liberdade e pesquisar no Dicionário
de símbolos o seu significado para justificarem as suas escolhas.
Ponto de Partida
(A cor que mais frequentemente se relaciona com a ideia de liberdade 1. Trata-se de um quadro marcadamente expressionista, caracterizado
é o vermelho, a cor das revoluções. O Dicionário de símbolos aponta-a
pela liberdade do cromatismo e pelos dramáticos contrastes de luz e
como uma cor que indica coragem e força.)
sombra. Representa uma cena noturna onde dois setores se destacam:
a coluna de soldados (franceses), imersos em sombra, que contrasta
«Sento-me à mesa» – (p. 20) com o grupo de condenados, inundados por uma intensa luz, que deixa
realçar a camisa branca de um deles. O jogo simbólico de luz e sombra
Educação Literária sublinha a posição do pintor relativamente aos agressores e aos márti-
AE
1; 2; 3; 4. res, representando-se, assim, o 3 de maio de 1808.
87
Soluções
3.1 Valores relacionados com os mais fundamentais direitos huma- Ponto de Partida
nos, sem opressão nem atropelos à liberdade individual.
4. A enumeração em «de ferro e de suor e sangue e algum sémen»
serve o propósito de reforçar a ideia que se quer evidenciar. ▪ Links
Programa Ensina RTP − «O funcionário cansado», António Ramos
Gramática Rosa»
1. O vocativo repetido é «meus filhos». Programa Ensina RTP − «Nas Palavras de António Ramos Rosa»,
2. a) oração subordinada substantiva completiva; b) oração subordi- entrevista a António Ramos Rosa
nada adverbial final.
3. a) «meus filhos»; b) «ao mundo». «O funcionário cansado»
a) espaço: quarto, espaço de solidão («estou num quarto só num quarto
só»), e o escritório, espaço de opressão («Sou um funcionário apagado /
Fichas informativas 1 e 2 – (pp. 25-26) um funcionário triste / a minha alma não acompanha a minha mão /
Débito e Crédito Débito e Crédito»); b) tempo propício à escrita: a
Leitura «noite», tempo de reflexão e de solidão: «A noite trocou-me os sonhos
AE
3. e as mãos / dispersou-me os amigos»; c) sentimentos dominantes:
solidão, nostalgia, desejo de evasão através da escrita; d) crítica
social: denúncia da frustração de pessoas que têm de se submeter
Consolida
a trabalhos rotineiros e que são penalizadas pelo seu alheamento da
1. a) Liberdade; b) relações; c) metamorfose; d) testemunho.
realidade em momentos de criação artística («o chefe apanhou-me
com o olho lírico na gaiola do quintal em frente / e debitou-me na
Sugestão ao professor:
minha conta de empregado»).
88
Soluções
4. O tempo final da consagração e da comunhão do encontro sele- folha branca. / Eis talvez o mar. / Contra ela, o quê? / Um barco uma
ciona as expressões «arco-íris», «copo de vinho», «sangue» e «sol», caixa?»; Quem sou quando escrevo? / Quem sou?».
que conotam positivamente esse momento de dádiva total, no qual o 3. Na penúltima estrofe, há duas frases interrogativas e uma frase
«sol» ilumina e conforta uma genuína amizade. exclamativa. As primeiras assinalam o questionamento do sujeito
poético sobre o caminho a seguir e a possibilidade de tudo ser mera
ilusão. No entanto, a frase exclamativa iniciada pela adversativa
«mas», a sugerir a ideia de oposição, permite a confirmação de que a
▪ Link escrita é vida («respirar») para o sujeito poético.
Canção «Traz outro amigo também», Zeca Afonso
4. A comparação «Se isto é querer andar, / como o vento nas pedras»
▪ Documento sugere a ideia de transitoriedade e permanência na escrita, o que
Letra da canção «Traz outro amigo também»
é confirmado no verso final que dá o título ao poema: «Caminhar.
Habitar».
«Um caminho de palavras» – (p. 30) 5. Duas características formais da lírica tradicional: o recurso à qua-
dra e aos versos em redondilha menor (cinco sílabas métricas: «Se/
Educação Literária não/te/nho a/for/ça». Do ponto de vista temático, o sujeito poético
AE
1; 2; 3; 4. coloca a possibilidade de que a sua matéria poética seja o mar, tema
Educação Literária tratado na lírica portuguesa desde os primórdios da sua existência.
89
Soluções
Tradição literária – toda a criação faz parte da origem do homem e, que considera menos favoráveis no seu aspeto físico e/ou no seu cará-
por isso, também a criação poética. ter e que enalteçam os traços de que mais se orgulha.
Representações do contemporâneo – o objetivo da poesia de
António Ramos Rosa é impelir-nos para a reflexão da sua palavra poé-
«Portugal» – (p. 37)
tica, e não para olhar para o poema como objeto final.
Educação Literária
AE
Alexandre O’Neill – (p. 35) 1; 2; 3; 4.
Gramática
Educação Literária 2; retoma.
AE
4.
Sugestão ao professor:
Ponto de Partida
▪ Link
▪ Link Declamação do poema «Portugal», de Alexandre O’Neill, por Rui
Recital de Poesia − Declamação dos poemas «Portugal» e «Um adeus Spranger (Um Poema por Semana − RTP)
português», por Pedro Lamares
1. a) V; b) F. No poema «Portugal», o recurso expressivo predominante é Educação Literária
a ironia; c) V; d) V. 1. O título «Portugal» está perfeitamente de acordo com o assunto
da composição poética, uma vez que o sujeito poético apresenta o
imaginário parodiado do país, através de sucessivas enumerações
«Autorretrato» – (p. 36) que apontam ironicamente para aspetos geográficos e culturais de
Portugal, mas também para uma realidade, cujo desenvolvimento
Educação Literária político-social não corresponde às suas expectativas.
AE
1; 2; 3; 4.
2. As frases iniciadas pela conjunção subordinativa condicional apon-
tam uma hipótese que seria desejável: um país onde se vivesse em
Educação Literária liberdade, no qual fosse possível desfrutar plenamente da sua beleza
1. Características físicas: natural.
− cabelo preto / «cabelo asa de corvo»; 3. O sujeito poético apresenta uma perspetiva simultaneamente
− nariz saliente / «nariguete que sobrepuja de través»; sarcástica e ternurenta. Apesar da fome e da ausência de liberdade,
− ferida não cicatrizada no rosto / «a ferida […] não cicatrizada»; Portugal é apresentado como um país pitoresco e com elementos
− testa brilhante / «testa iluminada». simbólicos que integram a cultura do país.
Características psicológicas e morais: 4. A antítese «feira cabisbaixa» contribui para intensificar os senti-
− irónico / sarcástico / «a ferida desdenhosa»; mentos antagónicos do sujeito poético e a sua insatisfação relativa-
− nostálgico / amargurado / «olho triste»; mente à estagnação do país.
− inteligente / «testa iluminada»; 5. O desconforto relativamente à insuportável estagnação da pátria
− afetuoso / carente / «sofre de ternura». é uma questão que afeta o sujeito poético («questão que eu tenho
2. O sujeito poético acredita no amor, crê nas suas capacidades para comigo mesmo», v. 28), a qual, no entanto, também é extensível a
amar e proporcionar prazer («No amor crê (ou não fosse ele O’Neill!) / todos os portugueses («meu remorso de todos nós», v. 34).
e tem a veleidade de o saber fazer»), mas sente-se carente de afeto
(«sofre de ternura»). Gramática
1.1 D; 1.2 C; 1.3 A; 1.4 C; 1.5 C.
3. O poema é um retrato físico e psicológico do sujeito poético, que
começa por se apresentar no primeiro verso, referindo o seu nome e a
sua nacionalidade, pelo que há uma perfeita relação entre o título e o «Perfilados de medo» – (p. 39)
início da composição poética.
4. A hipálage, na expressão «a ferida desdenhosa», põe em evidência o Educação Literária
AE
humor e o sarcasmo do sujeito poético. 1; 2; 3; 4.
5. O sujeito poético, no último verso, classifica o seu poema como Oralidade (EO)
soneto. De facto, apesar de o poema não apresentar a estrutura fixa 3.
do soneto quinhentista, o poema está implicitamente organizado em
duas quadras e dois tercetos, terminando com um pensamento ele-
vado, pelo que poderíamos fazer corresponder os dois últimos versos Educação Literária
à chave de ouro ou chave do soneto. 1. O título do poema é bastante sugestivo, remetendo-nos, à partida,
para ideias antagónicas como a coragem inerente a um exército que
Sugestão ao professor: se prepara corajosamente para o combate e o sentimento de medo.
Escrita de autorretrato em poema, à semelhança de Alexandre Constatamos que está em perfeita consonância com o desenvolvi-
O’Neill, no qual cada aluno apresente o seu autorretrato físico e psico- mento do tema da opressão ditatorial.
lógico, recorrendo, pelo menos, a três recursos expressivos que colo- 2. Na primeira estrofe, o sujeito poético refere que o medo é agra-
quem em evidência o seu humor a sua capacidade de rir dos atributos decido, porque impede a loucura, uma vez que a coragem e a
90
Soluções
determinação não têm qualquer significado naquele clima opressivo «Aos amigos» – (p. 44)
em que se vivia.
Educação Literária
3. Aventureiros frustrados, os portugueses vivem no alheamento, AE
refugiados num passado inexistente e sem perspetivas de futuro. 1; 2; 3; 4.
4. Na última estrofe do poema, a metáfora «rebanho» e a antítese Gramática
«vivemos juntos tão sós» sugerem um povo que sente a impossibili- 2.
dade de luta pela liberdade e, por isso, vive em comunidade, mas sem
possibilidade de comunicação e regido por uma só voz ditatorial. Sugestão ao professor:
5. O poema é um soneto, apresentando as características formais do
soneto quinhentista de origem italiana, género que foi muito culti-
vado por Camões e por Bocage. Está organizado em duas quadras e
dois tercetos em versos decassilábicos. ▪ Link
Audição do poema cantado por Vitorino
91
Soluções
Gramática Consolida
1.1 C; 1.2 B; 1.3 D. 1. Figurações do poeta: o texto realça o poeta como construtor de um
universo voltado para os enigmas da vida, artífice de metáforas e sím-
Sugestão ao professor: bolos que se pretende mover em liberdade e isenção e cuja posição
Pesquisar sobre a influência da cultura grega em Portugal e apresentar perante a poesia coincide com a sua posição perante o mundo.
o resultado dessa pesquisa aos colegas da turma.
Arte poética: reflexão sobre o conceito de poema como objeto que car-
rega em si a dicotomia de um poder magnífico e terrífico e promove,
«Não sei como dizer-te» – (pp. 48-49) simultaneamente, uma ordem e uma desordem no modo como situa o
mundo. Dentro do poema, o mundo é sempre uma realidade nova.
Educação Literária
AE Tradição literária: o texto sublinha as diferenças entre Camões e
1; 2; 3; 4.
Herberto Helder, salvaguardando o respeito pela tradição literária mas
Gramática revelando aquela espécie de rebeldia que tanto caracteriza o autor de
2; 4. Servidões.
Escrita Representações do contemporâneo: nesta entrevista, o poeta salienta
1; 2; 3; 4. o hibridismo literário, afastando as categorias de distinção de géneros
92
Soluções
que só são úteis do ponto de vista didático. Superar a dicotomia prosa- 4. O sujeito poético exterioriza saudade da sua juventude e nostalgia
-poesia foi a meta que permitiu a exploração, como tentativa, de um por não poder recuperar esse passado distante («Quando foi isso? Eu
caminho novo no livro Os Passos em volta. próprio não o sei dizer», v. 11), compreendendo que, no presente, perdeu
capacidade de sonhar.
Por oposição a essa nostalgia no presente, devido à consciência de que
Ficha informativa 3 – (p. 52) esse tempo da infância/juventude é irrecuperável, o eu manifesta sen-
timentos de alegria e felicidade relativamente a esse passado.
Leitura
AE 5. Estes versos encerram o soneto com um pensamento elevado e
2.
retomam o título da composição poética, de modo a reiterar a felici-
dade desse passado distante, ou seja, a infância irrecuperável, tradu-
Consolida zindo a ideia de que, quando se é criança, parece que não existe nada
1. que seja impossível de concretizar.
a) transbordar os limites do que enuncia e inaugurar novas zonas de
exploração; b) entrelaçam-se surrealismo e anarquismo, na confusão
de uma ironia mansa; c) as áreas lexicais privilegiadas pelo autor, deter- «Cinco palavras cinco pedras» – (p. 55)
minando a imagem que o poeta tem de si e do lugar onde se movimenta. Educação Literária
AE
1; 2; 3; 4.
Ruy Belo – (p. 53)
Educação Literária
Educação Literária
AE 1. O sujeito poético situa-nos no tempo, iniciando o poema com o advér-
1; 2; 3; 4. bio com valor temporal «antigamente», remetendo-nos para o pas-
Oralidade (CO) e (EO) sado, momento em que escrevia «poemas compridos». Seguidamente,
3. reporta-se ao presente, através do advérbio com valor temporal
«hoje», ideia que perpassa todo o poema e que é reiterada no último
verso, para referir o seu desencanto com a vida.
Ponto de Partida
2. No presente, o sujeito poético sente que só tem cinco palavras para
fazer um poema e que delas se rodeia: «desalento», «prostração»,
«desolação», «desânimo» e «desistência».
▪ Link 2.1 A seleção dessas cinco palavras contém alguma ironia por parte do
«No rasto da poesia de Ruy Belo», Ensina RTP sujeito poético, uma vez que optou por palavras que são sinónimas e
a) F − Fernando Pessoa afirmou que «os poetas não têm biografia.»; b) V; que traduzem a ideia de desalento e de frustração perante a vida.
c) F − Ruy Belo é um escritor com tanto mérito como Camões, Pessoa e 2.2 Provavelmente, o desânimo no sujeito poético acentuava-se no
Jorge de Sena; d) V; e) V. momento em que cumpria os seus pagamentos e, consequentemente,
ficaria mais despojado de dinheiro.
«E tudo era possível» – (p. 54) 3. No último verso do poema, a expressão «cinco pedrinhas» realiza
a metáfora e a ironia, através da utilização do diminutivo, recursos
Educação Literária expressivos que sugerem, neste contexto, os obstáculos da vida.
AE
1; 2; 3; 4. 4. O título da composição poética sugere metaforicamente os obstá-
culos da vida que levam à frustração e à desistência do sujeito poético,
temática desenvolvida ao longo de todo o poema.
Sugestão ao professor:
Audição do poema «E tudo era possível», de Ruy Belo
«Variações sobre "O jogador do pião"» – (p. 56)
Educação Literária
AE
▪ Link 1; 2 ;3; 4.
Poema «E tudo era possível», Ruy Belo
Escrita
1; 2; 3; 4.
Educação Literária
1. O sujeito poético evoca a sua juventude, antes de ter saído da casa
dos pais, reportando-se afetivamente a um momento do seu passado Educação Literária
(«Na minha juventude antes de ter saído / da casa de meus pais»). 1. O poema pode dividir-se em duas partes lógicas. A primeira abrange
2. Quando o sujeito poético partiu da casa dos pais para viajar, tinha as duas quadras e o primeiro terceto, apresentando a evocação da
realizado várias leituras, que lhe permitiram confirmar experiencial- infância através do jogo metafórico do pião. A segunda parte corres-
mente as histórias que lera durante a infância/juventude e que lhe ponde ao último terceto, no qual o sujeito poético faz a transposição
tinham despertado sensações, nomeadamente, visuais e auditivas para o presente duro, simbolizado pela «enxada», pelo «proprietário»
relativamente ao «rebentar do mar». e pelo «operário».
3. O eu considera esse momento da sua vida muito importante, salien- 2. O pião é a imagem de um objeto giratório que possibilita, através
tando metaforicamente que «era tudo florido» (v. 5) e que «havia para da imaginação, recuperar o ponto de partida existencial, ou seja, a
as coisas sempre uma saída» (v. 10). Era um tempo de plena capacidade infância.
de sonhar e de concretizar sonhos, o que se relaciona com o título «E 3. O pião conota a vida alegre da infância, o regresso às origens e a um
tudo era possível», que aponta para a inexistência de limites. tempo passado.
93
Soluções
Sugestão ao professor:
Luiza Neto Jorge – (p. 59)
Educação Literária
AE
1; 2; 3; 4.
▪ Link
Oralidade (CO) e (EO) «O poema ensina a cair», de Luiza Neto Jorge, apresentado por Cata-
3. rina Furtado, no programa Voz, Ensina RTP
94
Soluções
− Pesquisa de poemas da autora e posterior criação de um vídeo para 3. «A magnólia» é a flor escolhida pelo sujeito poético para exaltar a
apresentar à turma, com música de fundo e cenário criativo, que beleza e a efemeridade da vida. Metáfora do belo, a magnólia desfolha-
poderá eventualmente ser um dos monumentos ou local da cidade -se, qual ser humano, cuja vida é transitória.
do aluno.
«Balada apócrifa» – (p. 63)
«Eu, artífice» – (p. 61)
Educação Literária
AE
Educação Literária 1; 2; 3; 4.
AE
1; 2; 3; 4. Gramática
Gramática 2.
3; retoma. Oralidade (EO)
1; 3; 4.
Educação Literária
1. Um artífice é um artesão, ou seja, alguém que manufatura um Educação Literária
objeto. Assim, o sujeito poético identifica-se com um artífice, porque 1. «Balada»: poesia narrativa de lendas; canção de caráter sentimental;
constrói a sua poética através de um trabalho paciente, metaforica- «Apócrifa»: que é considerada falsa.
mente artesanal. 2.1 Os soldados poderiam ser os namorados das meninas, ausentes em
2. O poema emerge do «interior» do sujeito poético, como se saísse de combate. Por isso, a antítese «sombra caiada» poderá sugerir a ideia de
«um poço / onde flutua», ganhando forma através do trabalho artístico morte e de pureza/amor.
do «eu artífice» que escreve («traço») e corrige («corrijo») a criação lite- 3. Os versos «Os soldados em manobras / […] Sofreram sempre derrota /
rária que desponta do seu estado de espírito («que eu, artífice, colho / o
deixaram mãos enforcadas / […] grades de pernas doadas» localizam-
que de mim alimenta, / falo do que estou sendo»).
-nos num tempo histórico-político, o Estado Novo, durante o qual existiu
3. No poema, predomina o presente do indicativo («Atento», «corrijo», a guerra colonial e muitos soldados partiam da pátria para combater,
«ergo», flutua», «desprende», «colho», «alimenta») articulado com o regressando, por vezes, mutilados. Assim, as «meninas de saia rodada»
gerúndio nos complexos verbais («estou sendo» e «vão constituindo»), aspiravam a um amor que nem sempre era concretizável.
o que sugere o presente da escrita, num ato continuado.
4. Esta balada, que evoca lendas e sentimentos, é falsa porque o amor
4. A expressão «no forro de cada um» realiza uma metáfora que sugere das puras meninas é reprimido pela ausência e impossibilidade de con-
o interior, os sentimentos de cada pessoa.
tacto com os soldados que tinham «noite por espingarda».
5. Os dois últimos versos da composição poética traduzem o estado
de nostalgia do sujeito poético, no momento da sua produção poética. Gramática
1. a) modificador do nome restritivo; b) modificador do nome restritivo.
Gramática
1.1 C; 1.2 A. Oralidade
Consolida
▪ Link 1. Figurações do poeta − Poesia de componente surrealista e de recusa
Audição do poema «A magnólia», de Luiza Neto Jorge, música de ao neorrealismo.
Rodrigo Leão & Gabriel − Escrita intensa, representando o inconsciente para falar das coisas do
1. O poema poderá dividir-se em três partes lógicas. A primeira corres- interior do mundo.
ponde à primeira estrofe, uma espécie de introdução, que justifica que Arte poética − Poesia intensa nas sensações, atos, vocábulos e ritmo.
o ato de escrita se constitui na «exaltação do mínimo» e que é nessa – A poesia é um dedo apontado ao coração do Homem, ao centro das
singeleza que o sujeito poético tem o seu «resplendor». A segunda problemáticas.
parte é a segunda estrofe, onde o eu explicita a relevância da metáfora − A dureza e intensidade da sua poesia são conseguidas através de
na recriação da palavra e na construção de sentidos implícitos. unidades rítmicas breves, com exclamações inseridas, vocativos e
Por fim, a última parte engloba as duas últimas estrofes, nas quais enumerações.
aparece, pela primeira vez, a expressão que dá o título ao poema («A Tradição literária − A escrita desde todos os tempos dá conta do
magnólia»). É o pronunciar da palavra, é o aroma da flor, «um mínimo mundo, manifesta e apresenta o que nos rodeia; e a poesia fá-lo
ente magnífico» que desencadeia sensações no sujeito lírico. gerando campos de sentidos diversos.
2. Sensações auditivas: «o som que desenvolve nela / quando pronun- − Luiza Neto Jorge recorre a vários recursos para falar do mundo em que
ciada»; sensações olfativas: «é um exaltado aroma»; sensações visuais estava inserida, indo além da abordagem tradicional, convencional –
e táteis: «desfolhando relâmpagos / sobre mim». ritmo, rima, aliteração, paronímia e anáfora.
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Soluções
Educação Literária
AE «gato manso das velhotas» – (p. 70)
1; 2; 3; 4.
Educação Literária
AE
Educação Literária 1; 2; 3; 4.
1.1 O poema-canção conjuga harmoniosamente as emoções expressas,
Oralidade (EO)
levando-as para além do tempo e da presença física, estabelecendo um
1; 2; 3; 4.
ponto de contacto que eterniza o momento da partida.
2.1 A morte funciona como passagem de testemunho de um amor que se Educação Literária
quer eterno, consubstanciado pelo bater do coração. 1. É a sua liberdade.
3.1 Embora a morte seja ausência, este poema encara-a com a neces- 2. Momentos instantâneos da cidade de Lisboa, começando pela refe-
sidade de permanência do amor para que este se prolongue no tempo. rência a dois dos seus bairros, Alfama e Madragoa, onde assomam algu-
Assim, o destinatário do poema é desafiado a agir: murmura a canção, mas figuras femininas. O pregão, os navios, a luz, os corvos e as gaivotas
segura as minhas mãos, põe os olhos nos meus, diz do nosso amor, o teu revelam a cidade.
coração fique a bater por nós. 3.1 Segundo o Dicionário de símbolos, o gato é um animal que simboliza
3.2 «fique por nós o teu inda a bater» (v. 13). a independência, a sabedoria, a sensualidade, a sagacidade, o equilíbrio.
Representa a fusão do espiritual e do físico, sendo o seu simbolismo
4. É o bater do coração.
muito diverso, oscilando entre as tendências benéficas e maléficas.
5. Palavras ou expressões associadas ao amor: «canção»; «escrevo Provavelmente, poderá representar a dualidade do ser humano, afetivi-
para ti»; «luz», «nosso amor», «doer de tanta perfeição»; «bater-me o dade e perversidade, pelo seu caráter imprevisível.
coração».
Palavras ou expressões associadas à morte: «morrer»; «aves pardas do Oralidade
anoitecer»; «solidão»; «esmorecer»; «acabar».
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Soluções
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Soluções
3.3 A senha remete para os encontros entre os dois apaixonados, que o amor que sente está consubstanciado em características concretas
só tinham lugar em segredo, para as famílias rivais não descobrirem o da mulher amada: a sua voz, a «surpresa» dos seus cabelos e o seu «rosto
seu amor. de água fresca». O sujeito recorda a mulher amada e o tempo do amor
4.1 O ponto de contacto corresponde às lágrimas de Julieta, transpor- («Pedro, lembrando Inês»). O destinatário do discurso é evocado pela sua
tadas pelo vento até Veneza, onde acabam por cair nos canais em dias beleza, frescura e luminosidade e pela forma como mudou o sujeito e o
de chuva. fez encontrar um sentido para a vida com a sua presença ou ausência.
5. «Tu: / a primavera luminosa da minha expectativa».
Sugestão ao professor:
6. O poema evoca um amor trágico e recria o mito de Pedro e Inês.
− Organização de uma exposição com imagens das duas cidades evoca-
Realidade e ficção confundem-se, daí que este mito tenha perdurado
das no poema.
através dos séculos e faça parte do universo da tradição histórica e lite-
− Apresentação oral dos motivos de interesse pessoal e cultural de cada
rária portuguesa.
uma das cidades.
«Poética (variante com construção civil)» – (p. 79) «Verbo» – (p. 81)
Educação Literária
AE
Educação Literária AE
1; 2; 3; 4.
1; 2; 3; 4.
Gramática
Educação Literária 19.2.
1. O título assinala o poema como metalinguagem, assumindo o facto
de ser considerado como um processo de construção, aqui identificada Educação Literária
como work in progress (numa relação de analogia com a construção 1. O sujeito poético espalha palavras em cima da mesa para as partilhar
civil, que constrói edifícios). e comunicar com outros.
2. O tema do poema é a própria constituição do poema. 2. O poema sublinha a importância da palavra na comunicação, em par-
3. ticular da palavra poética − espaço de livre reflexão, afirmação de um
1.a parte − corresponde à primeira estrofe: a ideia de construção do tempo marcado pela descrença, negatividade e banalização da vida.
poema. 3. A mulher a dias representa o que há de negativo quando banalizamos
2.a parte − corresponde à segunda estrofe: imagem de mulher como as palavras ou nos esquecemos delas. Como ficam frias, de nada ser-
flor. vem e são espezinhadas e abandonadas. Quanto à gaveta do poema, é
3.a parte − corresponde à terceira e última estrofe: cumplicidades den- refúgio das palavras, fiel depositário da memória das palavras, mundo
tro do poema. pleno de uma significação inteira, que tanto se guarda como se revela.
4. O ato poético é encarado como uma obstinada construção; não como 4. Há palavras que escondemos ou apenas adiamos, pois precisam do
realização plena mas como iniciação e busca constantes. O poema é o tempo certo para acontecer. Por isso, todas as palavras têm uma função
lugar onde a linguagem se manifesta impondo um diálogo, um encontro. e um momento que as aguarda e as faz florescer.
4.1 «Escrevo por entre andaimes» (v. 1); «construção ergue-se no / meio 5. O sujeito poético partilha palavras como quem partilha alimento, e
de palavras e tijolos» (vv. 3-4); «subo o escadote da estrofe» (v. 6). elas são esbanjadas nessa partilha. Mas ele, cauteloso, não deixa que
5. A figura feminina surge no seio da própria construção; não corres- se percam e guarda-as, pois um dia elas serão necessárias em algum
ponde a alguém real mas a uma imagem que a realidade poética deixa contexto. Poeta e poema são, assim, guardiões do templo das palavras,
entrever. na medida em que alimentam o espírito.
6. O que gera e move o poema não tem como ponto de partida qualquer
Gramática
afeto anterior à materialização verbal do poema («O muro / do verso
1. a) oração coordenada adversativa; b) oração subordinada adjetiva
separa-me da vida»). A construção do poema sugere metamorfose
relativa restritiva; c) oração subordinada adverbial temporal; d) oração
(«espreito / o outro lado») e plenitude («e ficamos aí os dois, / ouvindo a
subordinada adverbial condicional; e) oração subordinante.
sua música»).
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