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Retardando Decisões
para Acelerar a Criação
principal fonte de vantagem protótipos, os fornecedores da Toyota pare-
competitiva do Japão na indús- cem multiplicá-los, chegando, em alguns ca-
tria automobilística global nos sos, a um nível aparentemente absurdo.
últimos dez anos tem sido sua
habilidade de lançar rapidamen- O SEGUNDO PARADOXO DA TOYOTA
te novos modelos de alta quali- O primeiro paradoxo da Toyota é o seu siste-
dade. Sua capacidade de projetar simultane- ma produtivo, que inclui: entregas just-in-time,
amente um produto e seu sistema de produ- decomposição da produção em lotes muito
ção (conhecida como engenharia simultânea abaixo do lote mínimo, verificação pelo pró-
– concurrent engineering) é a fonte mais visí- prio operador (em vez de um inspetor) dos
vel dessa vantagem. A Toyota, a mais bem resultados do trabalho do operador que o an-
sucedida montadora japonesa, é uma das pi- tecede, permissão para que qualquer opera-
oneiras dessa técnica. dor pare a linha de montagem, paradas auto-
Para se manterem competitivas, as em- máticas de linha, acréscimo de muitas tare-
presas americanas também implantaram a en- fas a um mesmo posto de trabalho e o estí-
genharia simultânea por meio de reestrutu- mulo aos operadores para que reinventem
rações organizacionais. Elas criaram proces- suas funções (em vez de engenheiros indus-
sos altamente estruturados para o desenvol- triais interromperem os trabalhos e determi-
vimento de projetos, desempenhados por equi- narem os procedimentos). Poucos poderiam
pes multifuncionais de engenheiros, na mai- imaginar que esses métodos iriam levar a um
oria das vezes fisicamente centralizadas, com nível de eficiência muito acima da média já
intensa comunicação entre seus integrantes alta das empresas japonesas.
e incluindo engenheiros dos fornecedores. A utilização da chamada engenharia si-
Diversas empresas americanas (notadamente multânea baseada em conjuntos é o se-
a Chrysler e a Ford) reduziram seu ciclo de gundo paradoxo da Toyota. As inovações da
desenvolvimento de produtos devido a essas Toyota em desenvolvimento de produtos
mudanças organizacionais. podem ser quase tão importantes quanto seu
Todavia, pesquisas recentes revelaram que sistema produtivo. E igualmente confusas à
a Toyota usa um processo de desenvolvimento primeira vista. O segundo paradoxo – retar-
relativamente desestruturado, no qual as dar decisões, comunicar de forma ambígua
equipes multidisciplinares não têm dedica- e fazer um grande número de protótipos –
ção exclusiva nem são fisicamente centrali- capacita a Toyota a projetar carros melhores,
zadas, e se comunicam menos com seus for- mais depressa e mais barato. Certos aspec-
necedores do que as montadoras americanas tos do processo de desenvolvimento da Toyota
(embora seus fornecedores atribuam marcas podem parecer conservadores ou ineficien-
mais altas por sua capacidade de comunica- tes. São, no entanto, totalmente coerentes
ção do que as conferidas pelos fornecedores quando vistos como um paradigma diferen-
americanos aos seus clientes). Além disso, te de desenvolvimento. Embora o conceito
enquanto na maioria dos casos a engenharia formal de engenharia simultânea baseada em
simultânea busca definir rapidamente as es- conjuntos não tenha sido criado pela Toyota,
pecificações, os engenheiros e executivos da nela é que se encontra a aplicação mais coe-
Toyota costumam retardar as decisões e en- rente e ampla do conceito.
tregar as especificações definitivas a seus for- A engenharia simultânea baseada em con-
necedores apenas nos estágios mais adian- juntos contrapõe-se à engenharia simultâ-
tados do processo. E enquanto a engenharia nea ponto-a-ponto, mais comum entre as
simultânea convencional reduz o número de empresas em todo o mundo. Para entender
ENGENHARIA SIMULTÂNEA BASEADA EM CONJUNTOS
a diferença entre essas duas abordagens, é levam tempo para desenvolver e testar. As-
útil pensar num problema de design simples, sim, a abordagem baseada em conjuntos
como, por exemplo, marcar uma reunião. O muitas vezes conduz a aparentes ineficiênci-
organizador da reunião escolhe a data e a hora as. Contudo, a Toyota se distingue de seus
que lhe são mais convenientes e começa a competidores japoneses e americanos justa-
convidar os participantes. O primeiro pode mente pelo nível em que utiliza a abordagem
não estar disponível e ambos escolhem, jun- baseada em conjuntos. E ela é, reconhecida-
tos, uma nova data. O terceiro participante, mente, a mais rápida e eficiente no desenvol-
entretanto, pode não ter disponibilidade na vimento de automóveis.
nova data e sugere uma alternativa, forçan- A Toyota iniciou seu movimento rumo à
do uma verificação com o primeiro e, talvez, engenharia simultânea nos anos 60; a Maz-
outra mudança. Em grupos muito ocupados, da no final dos anos 70 e a Nissan não antes
convergir para uma data que satisfaça a to- de meados dos anos 80. O processo da Toyota
dos pode exigir comunicações prolongadas continua sendo muito mais simultâneo que
– uma desvantagem do processo ponto-a-ponto os demais. Por exemplo, ela começa a proje-
quando nenhum indivíduo detem todo o co- tar e construir os moldes para estamparia da
nhecimento necessário. carroceria antes que todos os desenhos es-
Existem duas estratégias para abreviar o tejam concluídos, algo que nem a Nissan nem
processo mantendo o modelo ponto-a-ponto. a Mazda fazem. Não surpreende que a Toyo-
Na primeira, o grupo pode se reunir para de- ta seja diferente. Historicamente, a Nissan
cidir quando será a reunião. Isso acelera a imitou as práticas americanas, enquanto a
comunicação às custas do tempo de alguns Toyota, isolada geográfica e culturalmente até
dos participantes. A estratégia correspondente mesmo no Japão, buscou desenvolver práti-
no desenvolvimento de automóveis é alocar cas próprias.
engenheiros a uma equipe fisicamente cen- O processo de desenvolvimento da Toyota
tralizada, com dedicação integral e exigir que atinge resultados excepcionais. Nele a “apro-
se reúnam com maior freqüência, aumentando vação do conceito”, que para muitas empre-
a comunicação entre eles. Na segunda estra- sas é o início do programa de um novo veícu-
tégia, o(s) participante(s) com maior poder lo, acontece 27 meses antes do começo da
estabelece(m) uma data e força(m) os demais produção. É um prazo um pouco menor que
a aderirem, o que geralmente leva a soluções o da Nissan, que leva 29 meses, e muito me-
mais rápidas, porém sub-ótimas. Seguindo nor que o da maioria das montadoras ameri-
essa abordagem, as equipes de desenvolvi- canas (a equipe da Chrysler que projetou a
mento de veículos geralmente procuram de- linha LH precisou de 37 meses). Uma equi-
finir especificações logo nos primeiros está- pe da Toyota tem, no pico, em média apenas
gios do processo. 500 pessoas, em contraste com as aproxi-
Na abordagem baseada em conjuntos, a madamente 750 no pico da LH. O processo
marcação de uma reunião requer que todos de desenvolvimento da Toyota usa 50% a me-
os participantes apresentem as datas em que nos em termos de funcionários/ano que ou-
estarão disponíveis, indicando suas preferên- tras montadoras. Essa eficiência ajuda a Toyota
cias. A data mais conveniente pode ser rapi- a produzir cerca de 45 diferentes modelos.
damente encontrada pelo cruzamento das dis- Mas, ao observar o processo da Toyota,
ponibilidades de todos. Esse é um processo nos deparamos com aparentes ineficiências.
que é até automatizado hoje em dia. O objetivo desta edição de Qualidade &
Diferentemente de reuniões, projetos au- Produtividade é buscar lições de manage-
tomobilísticos são difíceis de representar e ment nesse aparente paradoxo.
UM NOVO PARADIGMA EM DESENVOLVIMENTO DE PRODUTOS
Desvendando o
Aparente Paradoxo
O modelo de paradoxo central do processo de e a eficácia do processo de desenvolvimento
desenvolvimento de desenvolvimento da Toyota é que, da Toyota. Engenheiros de uma de suas con-
produtos da Toyota é a despeito de sua óbvia eficácia, correntes japonesas, também em posição de
único e reflete um muitas de suas etapas parecem liderança, reagiram a tais evidências com uma
novo paradigma para a extraordinariamente ineficientes. polida incredulidade. Pareceu-lhes que seu
área. Talvez por isso é Em comparação com seus com- próprio processo era mais eficiente. Não po-
que a empresa parece petidores, a Toyota e seus fornecedores : deriam imaginar que uma das mais podero-
atingir resultados • exploram uma ampla gama de conceitos sas montadoras do mundo dispendesse tan-
inatingíveis dentro dos possíveis em modelos de argila de escala to tempo e esforço.
modelos 1/4 ou 1/5, gastando muito mais recursos.
convencionais. O gerente de estilo da Toyota comentou EXPLICANDO O PARADOXO
Partindo das que eles preferem muitos torpedos em vez Pela perspectiva da produção em massa, o
prescrições da de uma bala de um único franco-atirador; processo de produção enxuta (lean manufac-
engenharia simultânea • retardam a definição dos pontos principais turing) parece altamente ineficiente. Da mes-
baseada em conjuntos, do veículo (dimensões-chave que determi- ma forma, o processo do projeto na Toyota
os executivos da nam sua forma), aumentando as incerte- parece ineficiente quando analisado a partir
Toyota “pensaram zas da equipe de projeto e diminuindo o do modelo convencional de desenvolvimen-
com a própria cabeça” prazo para os projetistas dos moldes de to. Mas a Toyota não está seguindo esse pa-
e criaram um modelo estamparia quando a forma final do veícu- radigma e suas práticas fazem todo sentido
compatível com seus lo é integralmente definida. De acordo com dentro do seu próprio paradigma.
recursos, sua história o gerente geral de engenharia do produto,
e sua cultura “a função do gerente é impedir as pessoas O MODELO CONVENCIONAL
organizacional. Essa é de tomarem decisões muito rápidas”; O modelo convencional de desenvolvimento
a base do seu sucesso. • retardam a liberação das especificações fi- de produtos é descrito em livros-texto de en-
nais aos fornecedores até um estágio rela- genharia que têm sido as “bíblias” de enge-
tivamente avançado do projeto. Essa deci- nheiros de projetos em todo o mundo nas úl-
são consciente está segmentada pela capa- timas décadas. Esse modelo prescreve um
cidade do fornecedor. A Toyota considera processo que se repete em uma seqüência
certos fornecedores menos capacitados tec- de etapas, nas quais um projetista em primeiro
nicamente e a estes entrega as especifica- lugar entende um problema e sintetiza uma
ções básicas mais cedo. Mas os executi- solução (veja Figura 1). O projetista então ana-
vos da Toyota relatam que providenciam lisa e avalia a solução. Baseado na análise,
especificações aproximadas, ou objetivos, tenta uma nova solução (e, talvez, modifique
aos seus fornecedores mais competentes. a definição do problema). Isso é freqüente-
Objetivos aproximados dão ao fornecedor mente descrito como o processo de escala-
espaço para a exploração de alternativas e da da montanha: cada solução subseqüente
são deliberadamente estabelecidos para de- é um passo a mais na direção do melhor pro-
safiar sua excelência; jeto possível, lá no topo. Como o processo
• desenvolvem protótipos de uma quantida- avança de um ponto para outro na esfera dos
de extraordinária de diferentes projetos para projetos possíveis, referimo-nos a ele como
os subconjuntos. projeto ponto-a-ponto. A Figura 2 ilustra essa
Essas evidências podem sugerir um pro- evolução.
cesso longo e dispendioso, um gerenciamento Essa visão da engenharia de projeto é
que tem dificuldades para tomar decisões e predominante na cultura da engenharia, em
um radicalismo que parece absolutamente parte porque a maioria dos engenheiros au-
inconsistente com a velocidade, a economia tomobilísticos foi treinada para utilizar essa
UM NOVO PARADIGMA EM DESENVOLVIMENTO DE PRODUTOS
Iteração
Reconhe-
Definição Análise e Apresen-
cimento Síntese Avaliação
do otimização tação
da
problema
necessidade
Fonte: J.E. Shigley e C.R. Mischke, Mechanical Engineering Design, 5ª edição (New York: McGraw-Hill, 1989)
UM NOVO PARADIGMA EM DESENVOLVIMENTO DE PRODUTOS
4. A equipe usa a análise para ir gradual- tos de produto, tendo desenvolvido méto-
mente reduzindo os conjuntos de soluções, dos sofisticados para o estreitamento gradual
convergindo lentamente para a solução fi- do “funil de desenvolvimento”. O “método
nal. Em particular, usa a análise do con- de retardamento do compromisso” está bas-
junto de possibilidades para os subconjun- tante enraizado em várias empresas, mas a
tos para definir as especificações apropri- Toyota difere das demais montadoras em
adas para os mesmos. termos do número de conceitos que explo-
5. Uma vez definida a solução final para qual- ra e da profundidade com que ela os explora.
quer parte do projeto, essa parte não é mais Segundo, a abordagem de “design robus-
alterada, a menos que seja absolutamen- to”, incluindo as técnicas de Taguchi, con-
te necessário. Em particular, a solução fi- sidera um conjunto de possíveis condições
nal não é alterada em função de melho- ambientais. Muitas empresas utilizam essas
rias, ou seja, para alcançar o topo da mon- metodologias , mas a Toyota e seus forne-
tanha. cedores elevam essa abordagem a um novo
Existem vários aspectos da engenharia patamar ao projetarem simultaneamente um
simultânea baseada em conjuntos que são conjunto de produtos para cobrir um con-
evidentes nas abordagens da Toyota e seus junto de prováveis clientes numa mesma li-
fornecedores. Primeiro, há algum tempo os nha de montagem.
especialistas da área de projetos advogam a Terceiro, o uso deliberado da flexibilidade
necessidade do exame de diversos concei- nas especificações concede liberdade e con-
Figura 2: O Processo de Engenharia Simultânea Ponto-a-Ponto
Espaço de Projeto
Estilo
Marketing
Plano de
Manutenção
Projeto do
Sistema
Conceito de Marketing
Estilo
Projeto do Produto
Componente 1