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DIREITO

PENAL MILITAR

Edição 2023.1
Revisada
Atualizada
Ampliada
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DIREITO PENAL MILITAR


APRESENTAÇÃO................................................................................................................................ 3
APLICAÇÃO DA LEI PENAL MILITAR................................................................................................ 4
1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS ....................................................................................................... 4
2. LEI PENAL MILITAR NO TEMPO ................................................................................................ 4
3. ABOLITIO CRIMINIS: DESCRIMINALIZAÇÃO DE CONDUTAS (ART. 2º DO CPM). ............... 4
4. NOVATIO LEGIS IN MELLIUS..................................................................................................... 5
5. LEI APLICÁVEL ÀS MEDIDAS DE SEGURANÇA ...................................................................... 5
6. A ULTRATIVIDADE GRAVOSA DAS LEIS EXCEPCIONAIS OU TEMPORÁRIAS................... 6
7. LEI PENAL MILITAR NO ESPAÇO ............................................................................................. 6
PRINCÍPIO DA TERRITORIALIDADE .................................................................................. 6
EXTRATERRITORIALIDADE IRRESTRITA ........................................................................ 7
FATO TÍPICO....................................................................................................................................... 8
1. TIPICIDADE .................................................................................................................................. 8
HIPÓTESES DO ART. 9º DO CPM ...................................................................................... 8
2. CRIMES PROPRIAMENTE E IMPROPRIAMENTE MILITARES ............................................. 17
3. NEXO DE CAUSALIDADE ......................................................................................................... 19
4. CRIME CONSUMADO E CRIME TENTADO ............................................................................ 21
ESPÉCIES DE TENTATIVA ............................................................................................... 22
5. DESISTÊNCIA VOLUNTÁRIA E ARREPENDIMENTO EFICAZ .............................................. 23
ANTIJURIDICIDADE .......................................................................................................................... 26
1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS ..................................................................................................... 26
2. ESTADO DE NECESSIDADE .................................................................................................... 27
TEORIAS ............................................................................................................................. 28
ESPÉCIES ........................................................................................................................... 28
2.2.1. Estado de necessidade justificante ............................................................................. 28
2.2.2. Estado de necessidade exculpante ............................................................................. 29
3. LEGÍTIMA DEFESA.................................................................................................................... 30
ELEMENTOS DA LEGÍTIMA DEFESA .............................................................................. 31
3.1.1. Relativos à agressão ................................................................................................... 31
3.1.2. Relativos à repulsa ...................................................................................................... 32
3.1.3. Relativo ao ânimo do agente: ...................................................................................... 32
4. ESTRITO CUMPRIMENTO DO DEVER LEGAL ....................................................................... 32
EXERCÍCIO REGULAR DE DIREITO ................................................................................ 33
CONSENTIMENTO DO OFENDIDO .................................................................................. 33
CULPABILIDADE ............................................................................................................................... 35
1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS ..................................................................................................... 35
2. IMPUTABILIDADE ...................................................................................................................... 35
EMBRIAGUEZ ..................................................................................................................... 37
MAIORIDADE PENAL ......................................................................................................... 42
3. EXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA ............................................................................... 43
COAÇÃO IRRESISTÍVEL ................................................................................................... 43
OBEDIÊNCIA HIERÁRQUICA ............................................................................................ 45
4. DOLO E CULPA ......................................................................................................................... 47
TEORIA DO ERRO ............................................................................................................................ 50
1. ERRO DE DIREITO .................................................................................................................... 50
2. ERRO DE FATO ......................................................................................................................... 51
ERRO DE FATO ACIDENTAL ............................................................................................ 54
CONCURSO DE PESSOAS.............................................................................................................. 56

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PENA NO DIREITO PENAL MILITAR ............................................................................................... 59
1. PENAS PRINCIPAIS .................................................................................................................. 59
PENA DE MORTE ............................................................................................................... 59
RECLUSÃO E DETENÇÃO ................................................................................................ 60
PRISÃO ............................................................................................................................... 62
IMPEDIMENTO ................................................................................................................... 63
SUSPENSÃO DO EXERCÍCIO DO POSTO, GRADUAÇÃO, CARGO OU FUNÇÃO ...... 64
REFORMA ........................................................................................................................... 66
2. PENAS ACESSÓRIAS ............................................................................................................... 66
PERDA DE POSTO E PATENTE ....................................................................................... 69
INDIGNIDADE ..................................................................................................................... 69
INCOMPATIBILIDADE COM O OFICIALATO .................................................................... 71
EXCLUSÃO DAS FORÇAS ARMADAS ............................................................................. 72
PERDA DA FUNÇÃO PÚBLICA ......................................................................................... 73
INABILITAÇÃO PARA O EXERCÍCIO DE FUNÇÃO PÚBLICA ........................................ 73
SUSPENSÃO DO PÁTRIO PODER, TUTELA OU CURATELA ........................................ 74
SUSPENSÃO DOS DIREITOS POLÍTICOS ...................................................................... 75
3. FORMAS DE APLICAÇÃO DA PENA PRINCIPAL ................................................................... 75
SURSIS ............................................................................................................................... 75
LIVRAMENTO CONDICIONAL ........................................................................................... 80
4. CONCURSO DE CRIMES.......................................................................................................... 84
CRIME CONTINUADO........................................................................................................ 85
5. CAUSAS EXTINTIVAS DA PUNIBILIDADE .............................................................................. 88
MORTE DO AGENTE ......................................................................................................... 89
ANISTIA OU INDULTO ....................................................................................................... 90
RETROATIVIDADE DE LEI QUE NÃO MAIS CONSIDERA O FATO COMO CRIMINOSO
90
PRESCRIÇÃO ..................................................................................................................... 91
5.4.1. Disposições específicas acerca da prescrição ........................................................... 91
REABILITAÇÃO .................................................................................................................. 95
RESSARCIMENTO DO DANO, NO PECULATO CULPOSO ............................................ 96
CRIMES EM ESPÉCIE ...................................................................................................................... 97
1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS ..................................................................................................... 97
2. MOTIM E REVOLTA................................................................................................................... 97
3. ORGANIZAÇÃO DE GRUPO PARA A PRÁTICA DE VIOLÊNCIA ......................................... 100
4. OMISSÃO DE LEALDADE MILITAR ....................................................................................... 101
5. CONSPIRAÇÃO ....................................................................................................................... 102
6. ALICIAÇÃO PARA MOTIM OU REVOLTA .............................................................................. 103
7. VIOLÊNCIA CONTRA SUPERIOR .......................................................................................... 103
8. VIOLÊNCIA CONTRA MILITAR DE SERVIÇO ....................................................................... 105
9. DESRESPEITO A SUPERIOR................................................................................................. 106
10. RECUSA DE OBEDIÊNCIA .................................................................................................. 107

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APRESENTAÇÃO

Olá!

Inicialmente gostaríamos de agradecer a confiança em nosso material. Esperamos que seja


útil na sua preparação, em todas as fases. Quanto mais contato temos com uma mesma fonte de
estudo, mais familiarizados ficamos, o que ajuda na memorização e na compreensão da matéria.

O Caderno Sistematizado de Direito Penal e Processual Penal Militar foi formulado tomando-
se como base as aulas do professor Cícero Coimbra, complementado em alguns pontos com os
Livros Manual de Direito Penal Militar (Cícero Coimbra e Marcello Streifinger), Código Penal Militar
Comentado (Guilherme Nucci) e Código de Processo Penal Militar Comentado (Guilherme Nucci).

Na parte jurisprudencial, utilizamos os informativos do site Dizer o Direito


(www.buscadordizerodireito.com.br), os livros: Principais Julgados STF e STJ Comentados, Vade
Mecum de Jurisprudência Dizer o Direito, Súmulas do STF e STJ anotadas por assunto (Dizer o
Direito). Destacamos: é importante você se manter atualizado com os informativos, reserve um dia
da semana para ler no site do Dizer o Direito.

Ademais, no Caderno constam os principais artigos da lei, mas, ressaltamos, que é


necessária leitura conjunta do seu Vade Mecum, muitas questões são retiradas da legislação.

Como você pode perceber, reunimos em um único material diversas fontes (aulas + doutrina
+ informativos + súmulas + lei seca + questões) tudo para otimizar o seu tempo e garantir que você
faça uma boa prova.

Por fim, como forma de complementar o seu estudo, não esqueça de fazer questões. É muito
importante! As bancas costumam repetir certos temas.

Vamos juntos! Bons estudos!

Equipe Cadernos Sistematizados.

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APLICAÇÃO DA LEI PENAL MILITAR

1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

A aplicação da lei penal militar, assim como nos demais ramos do direito, rege-se pelo
princípio da legalidade, previsto no art. 5º, XXXIX da CF, bem como no art. 1º do CPM, vejamos:

Art. 5º, XXXIX CRFB/88 - não há crime sem lei anterior que o defina, nem
pena sem prévia cominação legal.

Art. 1º CPM- Não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia
cominação legal.

2. LEI PENAL MILITAR NO TEMPO

O Direito Penal Militar segue o princípio geral do tempus regit actum. Aplica-se a lei penal
em vigor quando foi praticado o fato e, sobrevindo nova lei, somente retroagirá para beneficiar o
acusado (art. 2º, CPM e art. 5º XL. CF/88).

Art. 2° Ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar
crime, cessando, em virtude dela, a própria vigência de sentença
condenatória irrecorrível, salvo quanto aos efeitos de natureza civil.

3. ABOLITIO CRIMINIS: DESCRIMINALIZAÇÃO DE CONDUTAS (ART. 2º DO CPM).

A abolitio não afasta a existência do crime já cometido, mas extingue a sua punibilidade, (art.
123, III do CPM) e afasta todos os efeitos penais (principais e secundários) da sentença
condenatória, mesmo com trânsito em julgado.

Lei supressiva de incriminação


Art. 2° CPM -Ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de
considerar crime, cessando, em virtude dela, a própria vigência de sentença
condenatória irrecorrível, salvo quanto aos efeitos de natureza civil.

Causas extintivas
Art. 123 CPM. Extingue-se a punibilidade:
I - pela morte do agente;
II - pela anistia ou indulto;
III - pela retroatividade de lei que não mais considera o fato como criminoso;
IV - pela prescrição;
V - pela reabilitação;
VI - pelo ressarcimento do dano, no peculato culposo (art. 303, § 4º).
Parágrafo único. A extinção da punibilidade de crime, que é pressuposto,
elemento constitutivo ou circunstância agravante de outro, não se estende a

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este. Nos crimes conexos, a extinção da punibilidade de um deles não
impede, quanto aos outros, a agravação da pena resultante da conexão.

Artigo 5º XL, CF/88- a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu;

A nova lei deixa de considerar o fato como criminoso. Desta forma, ninguém poderá ser
punido por fato que lei posterior deixou de considerar crime, ou seja, a partir da edição da lei de
abolitio (lei descriminalizadora), o fato é atípico. Em relação aos fatos anteriores, a lei irá retroagir,
para extinguir a punibilidade.

Importante salientar a diferença da abolitio ocorrida antes e após o trânsito em julgado,


vejamos:

ANTES DO TRÂNSITO EM JULGADO APÓS O TRÂNSITO EM JULGADO


Extingue a punibilidade em âmbito penal,
Extingue a punibilidade e impede os efeitos
mas os efeitos extrapenais (natureza civil)
penais e extrapenais da sentença.
serão produzidos, são preservados

4. NOVATIO LEGIS IN MELLIUS

Retroatividade de lei mais benigna – Lex mitior ou novatio legis in mellius. A lei penal não
retroagirá, salvo para beneficiar o réu (art. 5º, XL CF/88)

Retroatividade de lei mais benigna


Artigo 2º § 1º CPM A lei posterior que, de qualquer outro modo, favorece o
agente, aplica-se retroativamente, ainda quando já tenha sobrevindo
sentença condenatória irrecorrível.

A sentença com trânsito em julgado é alcançada pela lei mais benéfica.

A benignidade da lei nova deve sempre ser aferida no caso concreto, cabendo
exclusivamente ao juiz comparar as leis em confronto de per si e decidir qual é a mais benéfica.

O art. 2º, § 2º do CPM afirma que:

Art. 2º, §2º para se reconhecer qual a mais favorável a lei posterior e a anterior
devem ser consideradas separadamente cada qual no conjunto de suas
normas aplicáveis ao fato

5. LEI APLICÁVEL ÀS MEDIDAS DE SEGURANÇA

O art. 3º do Código Penal Militar estatui que as medidas de segurança serão regidas pela lei
vigente no momento da prolação da sentença, mas irá prevalecer a lei da execução, caso seja
diversa.

Art. 3º As medidas de segurança regem-se pela lei vigente ao tempo da


sentença, prevalecendo, entretanto, se diversa, a lei vigente ao tempo da
execução.

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O dispositivo deve ser interpretado à luz do art. 5º XL CF/88, pois a lei penal posterior
somente se aplica aos fatos anteriores a sua vigência se trouxer benefícios ao réu.

Art. 5º XL, CF/88- a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu;

OBS.: Parte da doutrina considera o art. 3º do CPM não recepcionado


pela CF. O Prof. Marcelo Uzeda entende de forma diversa, eis que se
são leis favoráveis não haveria problema em se aplicar o art. 3º,
bastaria que se fizesse uma interpretação conforme a constituição.

6. A ULTRATIVIDADE GRAVOSA DAS LEIS EXCEPCIONAIS OU TEMPORÁRIAS

Lei temporária é aquela que traz em seu texto um período prefixado de duração, delimitando
de antemão o lapso temporal em que estará em vigor.

Lei excepcional é aquela que tem vigência enquanto persistirem determinadas


circunstâncias excepcionais, pois objetiva atender às situações extraordinárias de anormalidade
social ou de emergência.

Aplicam-se aos casos julgados em momento posterior à sua revogação.

Em regra, a lei excepcional ou temporária de natureza penal é mais gravosa do que a lei que
regula o período de normalidade.

Art. 4º A lei excepcional ou temporária, embora decorrido o período de sua


duração ou cessadas as circunstâncias que a determinaram, aplica-se ao fato
praticado durante sua vigência.

7. LEI PENAL MILITAR NO ESPAÇO

O Direito Penal Militar adota a territorialidade e a extraterritorialidade incondicionada


igualmente como regras de aplicação da lei penal no espaço.

Art. 7º do CPM, “Aplica-se a lei penal militar sem prejuízo de convenções


tratados e regras de direito internacional ao crime cometido, no todo ou em
parte no território nacional ou fora dele, ainda que neste caso, o agente esteja
sendo processado ou tenha sido julgado pela justiça estrangeira”.

PRINCÍPIO DA TERRITORIALIDADE

O conceito jurídico de território desdobra-se na ficção do território por extensão ou flutuante,


que no CPM alcança “as aeronaves e os navios brasileiros, onde quer que se encontrem, sob
comando militar ou militarmente utilizados ou ocupados por ordem legal de autoridade competente,
ainda que de propriedade privada” (artigo 7º, §1º CPM).

Território nacional por extensão

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Art. 7º, § 1° Para os efeitos da lei penal militar consideram-se como extensão
do território nacional as aeronaves e os navios brasileiros, onde quer que se
encontrem, sob comando militar ou militarmente utilizados ou ocupados por
ordem legal de autoridade competente, ainda que de propriedade privada.

As embarcações e aeronaves militares são extensões do território nacional.

Ampliação a aeronaves ou navios estrangeiros


Art. 7º, 2º É também aplicável a lei penal militar ao crime praticado a bordo
de aeronaves ou navios estrangeiros, desde que em lugar sujeito à
administração militar, e o crime atente contra as instituições militares.

EXTRATERRITORIALIDADE IRRESTRITA

Aplica-se a lei penal militar ao crime cometido fora do território nacional, ainda que, neste
caso, o agente esteja sendo processado ou tenha sido julgado pela justiça estrangeira.

Justifica-se pela própria natureza da atividade militar e pelos bens jurídicos tutelados,
prevalecendo o Princípio da Soberania, uma vez que o deslocamento das Forças Armadas fora do
território nacional e os interesses das instituições militares representam a soberania do Brasil.

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FATO TÍPICO

1. TIPICIDADE

Segundo Nucci, por tipicidade entende-se a adequação do fato ao tipo penal, representando
o fenômeno da confluência dos tipos concreto (fato do mundo real) e abstrato (fato do mundo
abstrato).

HIPÓTESES DO ART. 9º DO CPM

Referem-se aos crimes militares praticados em tempo de paz. São elas:

1) Inciso I: crimes que estão apenas no CPM ou que nele estão diferentemente tipificados
em comparação com a Lei Penal Comum.

Neste caso, basta preencher os elementos do tipo penal em espécie.

Para o doutrinador Cícero Coimbra, é preciso realizar uma comparação substancial entre
o CPM e a Legislação Penal Comum, isto é, verificar se o crime do CPM está diferente da Lei Penal
Comum com base nos elementos que caracterizam o crime.

Frise-se que os crimes do inciso I não carecem de complementação, bastando que um militar
ou civil pratique um delito previsto no CPM.

Ex.: motim (art. 149), violência contra superior (art. 157), violência contra militar em serviço
(art. 158), desrespeito a superior (art. 160), recusa de obediência (art. 163), deserção (art. 187),
pederastia ou outro ato de libidinagem em lugar sujeito à administração militar (art. 235), tráfico,
posse ou uso de entorpecente (art. 290).

2) Inciso II: crimes que estão tipificados no CPM de forma idêntica à Lei Penal Comum ou
apenas na Lei Penal Comum, após a Lei n° 13.491/17.

É necessário preencher os elementos do tipo penal em espécie e uma das hipóteses


previstas no próprio inciso II do art. 9º. Significa dizer que para adequação do tipo penal ao inciso
II, sempre será necessária a complementação das alíneas “a” a “e”.

Assim como no inciso I, também se realiza uma comparação substancial com os elementos
dos crimes previstos na Legislação Penal Comum.

Ex.: homicídio simples (art. 205), lesão leve (art. 209), estupro (art. 232), atentado violento
ao pudor (art. 233), furto (art. 240), roubo (art. 242), corrupção (arts. 308 e 309), crimes dispostos
na Lei de Abuso de Autoridade (Lei n° 13.869/19), crimes de licitações previstos na Lei n° 8.666/93,
sucedida pela Lei n° 14.133/21.

Destaca-se que em todas as hipóteses previstas no inciso II, o sujeito ativo será militar da
ativa.

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Assim, consideram-se crimes militares, em tempo de paz, os crimes previstos no CPM e os
previstos na legislação penal, quando praticados:

a) Por militar em situação de atividade ou assemelhado, contra militar na mesma situação


ou assemelhado;

Frise-se, a priori, que militar da ativa é o mesmo que militar em situação de atividade.

Obs.: O militar temporário também é militar da ativa, assim como o


militar agregado (aquele que por algum motivo está afastado do
serviço, mas não está aposentado definitivamente). Outrossim,
conforme já mencionado, a figura do assemelhado não existe mais.

Tal disposição aplica-se aos militares federal e estadual e de unidades federativas diversas.
Desse modo, se um militar do exército praticar um crime contra um PM ou se um PM do Rio Grande
do Sul cometer um crime em face de um PM de São Paulo, em ambas as hipóteses será
considerado delito militar.

Trata-se de um crime ratione personae, ou seja, em razão do sujeito ativo e do sujeito


passivo serem militares da ativa, o crime se torna militar, justamente em virtude das pessoas
envolvidas.

Destaca-se que NÃO é necessário o conhecimento da condição de militar do sujeito passivo


para que seja caracterizado o crime militar, nos termos do art. 47, inciso I do CPM:

Art. 47. Deixam de ser elementos constitutivos do crime:


I - a qualidade de superior ou a de inferior, quando não conhecida do agente.

Considerando que o dispositivo normativo acima exposto dispõe acerca da qualidade de


superior ou inferior e não da condição de militar da ativa, os Tribunais Superiores entendem que
basta que o crime seja praticado por militar da ativa contra militar da ativa para se enquadrar na
alínea “a”, in verbis:

Recurso Inominado Ministerial – Pedido para remessa dos autos à Justiça


Comum indeferido pelo Juiz de piso – Violência doméstica praticada por
policial militar contra policial militar, ambos na ativa e de folga, no interior da
residência do casal – Independentemente do motivo da agressão, do local da
ocorrência, de estarem agente e vítima na ativa ou não ou, ainda, de serviço
ou de folga, o crime é militar e a competência para processamento e
julgamento do caso é da Justiça Militar estadual – Recurso Inominado
improvido. (TJ-MSP 0002792018, Relator: CLOVIS SANTINON, Data de
Julgamento: 07/02/2019, 2ª Câmara).

Contudo, consoante apontado anteriormente, o STF e o STJ têm uma visão restritiva quanto
a aplicação do CPM, assim como é possível vislumbrar nos julgados abaixo:

CONFLITO POSITIVO DE COMPETÊNCIA. HOMICÍDIO ENVOLVENDO


POLICIAIS MILITARES DE DIFERENTES UNIDADES DA FEDERAÇÃO.
JUSTIÇA COMUM E JUSTIÇA MILITAR. DISSENSO ACERCA DA PRÁTICA
DE CRIME MILITAR OU COMUM. POLICIAIS FORA DE SERVIÇO.
DISCUSSÃO INICIADA NO TRÂNSITO. CONTEXTO FÁTICO QUE NÃO SE
AMOLDA AO DISPOSTO NO ART. 9º, II, A, E III, D, DO CPM.

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COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA COMUM. 1. Nos termos da orientação
sedimentada na Terceira Seção desta Corte, só é crime militar, na forma do
art. 9º, II, a, do Código Penal Militar, o delito perpetrado por militar da ativa,
em serviço, ou quando tenha se prevalecido de sua função para a prática do
crime. Interpretação consentânea com a jurisprudência da Suprema Corte. 2.
Em se tratando de crimes dolosos contra a vida, deve ser observado, ainda,
o disposto no art. 9º, § 1º, do Código Penal Militar, de modo que tais delitos,
quando perpetrados por policial militar contra civil, mesmo que no exercício
da função, serão da competência da Justiça comum (Tribunal do Júri). 3. No
caso, a vítima e o réu - ambos policiais militares à época dos fatos - estavam
fora de serviço quando iniciaram uma discussão no trânsito, tendo ela sido
motivada por uma dúvida da vítima acerca da identificação do réu como
policial militar. 4. Nos momentos que antecederam aos disparos, não há
nenhum indício de que o réu tenha atuado como policial militar. Há elementos,
inclusive, que sugerem comportamento anormal àquele esperado para a
função, já que supostamente teria resistido à investida da vítima, no sentido
de conduzi-lo à autoridade administrativa. 5. O fato não se amolda à hipótese
prevista no art. 9º, II, a, do CPM, notadamente porque o evento tido como
delituoso envolveu policiais militares fora de serviço, sendo que o agente ativo
não agiu, mesmo com o transcorrer dos acontecimentos, como um policial
militar em serviço. 6. Inviável, também, concluir pela prática de crime militar
com base no art. 9º, III, d, do CPM, ou seja, mediante equiparação do réu
(fora de serviço) a um civil, pois, ainda que a vítima, antes dos disparos, tenha
dado voz de prisão ao réu, ela não foi requisitada para esse fim nem agiu em
obediência à ordem de superior hierárquico, circunstância que rechaça a
existência de crime militar nos termos do referido preceito normativo. 7.
Conflito conhecido para declarar a competência do Juízo de Direito da 1ª Vara
do Tribunal do Júri da comarca de Teresina/PI, o suscitado. (STJ - CC:
170201 PI 2019/0385077-0, Relator: Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR,
Data de Julgamento: 11/03/2020, S3 - TERCEIRA SEÇÃO, Data de
Publicação: DJe 17/03/2020).

EMENTA HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL. LESÃO CORPORAL.


ARTIGO 209 DO CÓDIGO PENAL MILITAR. CRIME MILITAR NÃO
CONFIGURADO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL COMUM.
ORDEM CONCEDIDA. 1. O Supremo Tribunal Federal já assentou que o
cometimento de delito por agente militar contra vítima militar somente desafia
a competência da Justiça Castrense nos casos em que houver vínculo direto
com o desempenho da atividade militar. Nesse diapasão, “ embora o
paciente e a vítima fossem militares à época, o crime não foi praticado em
lugar sujeito à administração militar nem durante o horário de expediente,
sendo certo que não há quaisquer elementos nos autos que denotem sua
intenção de contrapor-se à instituição militar ou a qualquer de suas
específicas finalidades ou operações (HC 115.590/RJ, Rel. Min. Luiz Fux, 1ª
Turma, DJe 11.9.2013). 2. Diante da hipótese fática delineada nos autos, em
que pacientes e vítima, militares, no momento do crime, estavam de folga,
fora de local sujeito à administração militar e do exercício de suas atribuições
legais, e não se conheciam antes do fato, evidenciada a incompetência da
Justiça Castrense. 3. Ordem de habeas corpus concedida, para reconhecer
a competência da Justiça Comum para processamento e julgamento do feito.
(STF - HC: 135675 MG - MINAS GERAIS 0001887-71.2016.1.00.0000,

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Relator: Min. ROSA WEBER, Data de Julgamento: 04/10/2016, Primeira
Turma, Data de Publicação: DJe-049 15-03-2017).

b) Por militar em situação de atividade ou assemelhado, em lugar sujeito à administração


militar, contra militar da reserva, ou reformado, ou assemelhado, ou civil;

Refere-se a um crime ratione loci, ou seja, em local sujeito à administração militar.

Evidencia-se, todavia, que não há definição legal de lugar sujeito à administração militar no
CPM. Para tanto, utiliza-se critérios doutrinários.

Para o doutrinador Cícero Coimbra, o local sujeito à administração militar deve ser aquele
amplo o bastante para ser considerado um local. Além disso, é necessário que seja identificado
como tal e, por fim, deve ser guarnecido por sentinelas. Ex.: quartéis, bases operacionais e
comunitárias.

No que tange à viatura, Cícero Coimbra e Marcello Streifinger entendem que não é um lugar
sujeito à administração militar, mas sim um instrumento de crime. Já o doutrinador Célio Lobão
entende que se trata de um local sujeito à administração militar.

Destaca-se que no âmbito federal existem vilas militares em que há os Próprios Nacionais
Residenciais (PNR). Os locais comuns das vilas militares, guarnecidos por segurança e sentinelas,
são locais sujeitos à administração militar. Entretanto, com base no art. 5º, inciso XI da Constituição
Federal, a casa é asilo inviolável, de modo que a administração militar não adentra e não possui
influência na casa do militar, que no presente caso seria onde reside o militar dentro da vila militar.

Ex.: se o marido (militar da ativa) praticar violência doméstica contra sua esposa (civil) dentro
de sua casa (localizada na vila militar), será de competência da Justiça Comum. Todavia, se for
praticado na área comum da vila militar, será de competência da Justiça Militar.

A mesma lógica se estende aos hotéis de trânsito – hotéis que facilitam a vida do militar que
está em trânsito, em curso/deslocamento – uma vez que o quarto de hotel possui a mesma tutela
da casa, como asilo inviolável.

Obs.: Não confunda lugar sujeito à administração militar com local


administrado por militares. Ex.: É possível que o Presidente da
Associação de Subtenentes e Sargentos seja um militar da ativa, mas
o ambiente que exerce a função de presidência da associação é
totalmente civil, apesar de administrado por um militar.

Sobre o tema, o STJ e o STM já se manifestaram:

Nos termos do art. 9.º, II, ‘b’, do Código Penal Militar, considera-se crime
militar, em tempo de paz, os delitos previstos no Código Penal Militar que,
embora tenham igual definição da lei penal comum, são praticados por militar
em situação de atividade ou assemelhado, em local sujeito à administração
militar, contra civil. Neste caso, o crime foi supostamente praticado por militar
em atividade, ocupante do cargo de Capitão Médico da Aeronáutica, contra
sua paciente, civil, em lugar sujeito à administração militar. (STJ, CC 129.705-
RJ, 3.ª S., rel. Rogerio Schietti Cruz, 27.11.2013.).

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1. Tratando-se de imputação de crime de estelionato em que o réu é militar
em atividade, basta que uma das vítimas esteja identificada na mesma
condição para que a competência da JMU impere. 2. Havendo prováveis
ofendidos civis, o reconhecimento da competência desta Justiça
Especializada requer identificá-los, bem como esclarecer se os fatos
ocorreram, ou não, em área sob Administração Militar, nos termos do art. 9°,
inciso II, alínea ‘b’, do CPM. Decisão Unânime. (STM, RSE 7000591-
20.2018.7.00.0000, rel. Marco Antônio de Farias, j. 08.11.2018).

c) Por militar em serviço ou atuando em razão da função, em comissão de natureza militar,


ou em formatura, ainda que fora do lugar sujeito à administração militar contra militar da
reserva, ou reformado, ou civil;

Trata-se de um crime ratione materiae.

Sublima-se a atividade ou atuação do militar, motivo pelo qual utiliza-se a expressão em


serviço ou atuando em razão da função e não em situação de atividade, que simboliza apenas o
militar da ativa. Assim sendo, independente do lugar onde a infração ocorra, caracteriza-se o delito
militar, podendo a vítima ser militar reformado ou da reserva, ou civil.

Por militar em serviço entende-se aquele militar que foi escalado para o exercício de sua
função na sua respectiva instituição.

Obs.: NÃO é necessário que o militar esteja desempenhando função


de natureza militar.

Ex. 1: um sargento que trabalha no almoxarifado e não possui escala de serviço, por estar
no seu expediente, também está em serviço.

Ex. 2: um cabo da motomecanização que vai até um comércio comprar uma peça para repor
em uma viatura e durante o deslocamento agride um civil, será considerado crime praticado por
militar em serviço.

Ex. 3: um PM de folga estava indo para sua casa e visualizou um roubo acontecendo em
comércio local próximo. Ao intervir, ele causou lesão corporal no civil que estava roubando. Trata-
se de crime praticado por militar atuando em razão da função (dever jurídico de ação).

Salienta-se que o “in itinere”, por si só, não se enquadra na alínea “c” do art. 9º. Ex.: militar
que estava voltando para casa depois do serviço e não aderiu à função policial militar, mas acabou
atropelando um civil, não será considerado crime militar. Assim, embora o in itinere seja “em serviço”
para fins de infortunística (acidente em serviço), não o é para fins penais militares.

Ademais, se o militar estava em serviço e abandonou o posto, o lugar de serviço ou o próprio


serviço, ele perderá a correlação com o serviço. Ex.: sentinela que estava no quartel e decidiu
praticar o delito de roubo ao banco. Por ter abandonado seu serviço, o roubo praticado não será
considerado crime militar.

Destaca-se, por último, que a presente alínea “c” não admite no polo passivo outro militar da
ativa.

CS – DIREITO PENAL MILITAR 2023.1 12


.
d) Por militar durante o período de manobras ou exercício, contra militar da reserva, ou
reformado, ou assemelhado, ou civil;

Constitui crime ratione temporis.

É possível que um grupo de militares esteja em exercício de campo, como guerrilha x


guerrilha. Enquanto eles estiverem nesse exercício, eles estão em serviço.

Todavia, caso saiam do acampamento para, por exemplo, comprar alimentos, apesar de não
estarem na atividade do serviço, ainda estarão no período de exercício, sendo neste momento que
poderá ocorrer a adequação do tipo penal à alínea “d”. Assim, se durante a saída um militar agredir
um civil no supermercado, ele responderá por crime militar.

Por manobras ou exercícios entende-se que são espécies de treinamentos, de modo que o
exercício seria aquele que despende mais esforço físico, ao passo que a manobra seria algo mais
tático.

e) Por militar em situação de atividade, ou assemelhado, contra o patrimônio sob a


administração militar, ou a ordem administrativa militar.

Trata-se de um crime ratione materiae.

É importante destacar que se refere ao patrimônio sob administração militar e não da


administração militar.

Ex.: se um militar da ativa pegar um bloco de concreto e bater em uma viatura, será um
crime militar de dano e ele responderá pela alínea “e”. Se a viatura for alugada, mesmo não
pertencendo à administração militar, ainda assim será enquadrado na alínea “e”, uma vez que ela
estaria sob a administração militar.

A legislação não traz o conceito de “ordem administrativa militar”. Para tanto, a doutrina
entende que o ferimento à ordem administrativa militar ocorre quando há uma lesão à imagem,
atuação e regularidade das forças militares. Para Nucci, a expressão ordem administrativa militar
equivale à administração militar em geral.

A respeito do tema, tem-se os seguintes julgados:

1. O ingresso de filhos de militares estaduais em Colégio Militar, que constitui


entidade educacional vinculada ao Exército, sem prévio processo seletivo
público, constitui afronta tanto à moralidade quanto à ordem administrativa da
entidade militar mantida pela União. 2. Ainda que a lista de candidatos pré-
escolhidos tenha sido encaminhada por Oficial da Brigada Militar Estadual,
não há como desconsiderar que a ordem administrativa ao final violada foi a
do Colégio Militar de Santa Maria/RS, entidade vinculada ao Exército. Isso
sem contar que existe grande probabilidade de que o processo seletivo ilegal
tenha ocorrido com a anuência dos gestores do Colégio, não havendo, assim,
como se afastar o interesse da União e da Justiça Militar da União no
desfecho das investigações e de eventual ação penal, tanto mais quando o
art. 9º, II, ‘e’, do Código Penal Militar considera crimes militares, em tempos
de paz, aqueles praticados ‘por militar em situação de atividade, ou
assemelhado, contra o patrimônio sob a administração militar, ou a ordem
administrativa militar’. 3. Conflito conhecido, para declarar a competência do

CS – DIREITO PENAL MILITAR 2023.1 13


.
Juízo da 3ª Auditoria da 3ª Circunscrição da Justiça Militar da União para dar
continuidade às investigações e, eventualmente, julgar ação penal decorrente
do Inquérito. (CC 158.171 – RS, 3.ª S., rel. Reynaldo Soares da Fonseca, j.
27.06.2018, DJe 01.08.2018).

2. A jurisprudência atual desta Corte estabelece que, em se tratando de


crimes militares impróprios, isto é, delitos previstos tanto no Código Penal
Militar quanto no Código Penal Comum ou em legislação extravagante, que
podem ser praticados por militar ou por civil, a competência para processar e
julgar o feito depende do bem jurídico lesado. Assim, se a conduta foi
perpetrada em detrimento da Administração Militar, como na hipótese em
exame, a competência é da Justiça Castrense, forte no disposto no art. 9º,
inciso II, alínea ‘e’, do CPM. 3. Recurso ordinário não conhecido. Ordem de
habeas corpus concedida, de ofício, para declarar a competência da Justiça
Militar para processar e julgar os fatos descritos na ação penal em trâmite
perante a 9ª Vara Criminal Federal de Campinas, São Paulo, anulando-se
eventuais atos decisórios praticados pela Justiça Comum. (RMS 57.118 – SP,
6.ª T., rel. Maria Thereza de Assis Moura, j. 12.06.2018, DJe 22.06.2018).

Destaca-se, ainda, que crimes contra a administração militar, como o peculato, a concussão,
se enquadram na alínea “e”, uma vez que se dá prevalência ao bem jurídico tutelado pela norma
penal incriminadora, de modo que nesses crimes o sujeito passivo é o Estado, a própria
administração pública militar.

Obs.: Se um militar da ativa praticar um crime utilizando-se, para tanto,


de armamento da corporação e este for o único argumento para tentar
se enquadrar como crime militar, não haverá adequação ao tipo penal,
uma vez que a alínea “f” do inciso II, que previa tal disposição, foi
revogada desde 1996.

Ante todo o exposto, deve-se questionar: qual o critério de configuração do crime militar?
A alínea “a” prevê a ratione personae, a alínea “b” a ratione loci, a alínea “c” a ratione materiae, a
alínea “d” a ratione temporis e a alínea “e” também a ratione materiae. Assim, considerando que a
lei traz vários critérios, a doutrina chegou a um consenso de que o critério de configuração do crime
militar é o ratione legis, isto é, o que a própria lei define que é delito militar.

Como o tema foi cobrado em concurso?


(PM-PA - Aspirante - IADES - 2021): De acordo com as lições de Cícero
Robson Coimbra Neves e Marcello Streifinger (2015), o critério de
configuração do crime militar adotado pelo Brasil é o ratione legis. Correto.

3) Inciso III: crimes praticados por civis, militares da reserva ou reformados, contra as
instituições militares, compreendidos os dos incisos I e II.

Há uma tendência de se restringir a competência da Justiça Militar federal (tendo em vista


que a estadual jamais julga civil), circunscrevendo-se os crimes militares no âmbito daqueles que,
efetivamente, lesam interesses essenciais das Forças Armadas, envolvendo a segurança das
fronteiras, o funcionamento e a organização das instituições militares, a hierarquia e a disciplina das
tropas, dentre outros.

CS – DIREITO PENAL MILITAR 2023.1 14


.
À vista disso, segundo Nucci, o civil e o militar inativo devem ser submetidos à Justiça
Comum, como regra, somente encaminhados à Justiça Castrense em situações excepcionais, pois
se vive em Estado Democrático de Direito, sem qualquer participação direta das Forças Armadas
na vida política e no cotidiano da comunidade.

Assim, evidencia-se que o CPM foi editado em época diversa, quando politicamente os
militares governavam o país, motivo pelo qual se ampliava sobremaneira a competência da Justiça
Especial para envolver os civis.

Ante a breve introdução, destaca-se que é preciso preencher os elementos do tipo penal em
espécie e uma das hipóteses do inciso III do art. 9º.

Reitera-se, ainda, que no caso dos crimes praticados por civis, esses se referem apenas à
Justiça Militar da União, uma vez que na Justiça Militar estadual não há esta possibilidade. Nesse
liame, destaca-se que está em curso no STF a ADPF 289, ajuizada pela Procuradoria-Geral da
República em 2013, que deve decidir se a Justiça Militar é competente para julgar civis em tempos
de paz.

Ademais, de acordo com o STF, o delito praticado pelo civil, reformado ou militares da
reserva deve ser considerado crime militar exclusivamente quando a conduta afrontar as instituições
militares, in verbis:

[...] decidiu pela incompetência da Justiça Militar para processar e julgar o


crime de falsidade ideológica praticado por civil, porquanto o delito praticado
"não afeta, de modo real ou potencial, a integridade, a dignidade, o
funcionamento e a respeitabilidade das instituições militares que constituem,
em essência, os bens jurídicos penalmente tutelados". (HC n. 130.210-SP,
Rel. Min. Gilmar Mendes, J. 10.09.2015).

Outrossim, além de ser necessariamente contra as instituições militares, é necessário


subsunção também em uma das alíneas do inciso III (que são diferentes das do inciso II).

Assim, consideram-se crimes militares, em tempos de paz, os crimes praticados por militar
da reserva, ou reformado, ou por civil, contra as instituições militares, considerando-se como tais
não só os compreendidos no inciso I, como os do inciso II, nos seguintes casos:

a) Contra o patrimônio sob a administração militar, ou contra a ordem administrativa militar;

No presente caso, a proteção penal destina-se aos interesses moral e organizacional da


administração militar.

Ex.: um civil que subtrai uma pistola do exército responderá por furto (art. 240 do CPM)
combinado com inciso III, alínea “a” do art. 9º.

Sobre o tema, tem-se os seguintes posicionamentos jurisprudenciais:

1. A conduta do paciente de apropriar pecúnia havida por erro (CPM, art. 249),
amolda-se, em tese, à regra prevista no art. 9.º, III, ‘a’, do CPM, na medida
em que a proteção penal destina-se aos interesses moral e organizacional da
administração militar, valores esses compreendidos no conceito amplo de
hierarquia e disciplina militares, que, à luz do art. 142 da Constituição da
República, constituem a base institucional das Forças Armadas.

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.
Precedentes. 2. Agravo interno a que se nega provimento. (STF, ARE
857.952 AgR, 1ª T., rel. Alexandre de Moraes, 22.06.2018).

Compete à Justiça Militar da União processar e julgar suposto delito de


estelionato praticado por civis contra bens jurídicos caros à Administração
Militar, com supedâneo no art. 124 da Constituição Federal, c/c o art. 9º,
inciso III, alínea ‘a’, do CPM. Recurso conhecido e não provido. Decisão
unânime” (RSE 7000030-93.2018.7.00.0000 – CE, rel. Artur Vidigal de
Oliveira, j. 04.04.2018); STJ: “2. No que atine à suposta incompetência da
Justiça Militar para o julgamento de parte das condutas imputadas ao
agravante, porquanto ele já haveria se desligado do serviço militar (arts. 9º e
22 do CPM), foi considerada válida a argumentação adotada pelo Tribunal a
quo, que realçou o fato de o réu estar na reserva no momento da prática de
alguns dos atos a ele atribuídos, circunstância que ainda configura crime
militar, consoante o disposto no art. 9º, III, ‘a’, do Código Penal Militar. (...)
(STJ, AgRg no REsp 1648439 – SP, 6.ª T., rel. Rogerio Schietti Cruz, j.
07.08.2018, DJe 21.08.2018).

Salienta-se, por fim, que o delito de estelionato previdenciário é de competência da Justiça


Militar, quando o valor recebido pelo agente estiver sob responsabilidade da Administração Militar,
conforme determinou o STF:

Competência da Justiça Militar para julgar o crime de estelionato praticado


contra patrimônio sob a administração militar, consistente na continuidade do
recebimento pela Paciente/Impetrante de valores da pensão de sua genitora
falecida. (HC 117.428-RJ, 2.ª T., rel. Cármen Lúcia, 27.08.2013).

b) Em lugar sujeito à administração militar contra militar em situação de atividade ou


assemelhado, ou contra funcionário de Ministério Militar ou da Justiça Militar, no
exercício de função inerente ao seu cargo;

Trata-se de crime em razão do local e também em relação à pessoa.

Desse modo, unem-se os seguintes fatores: lugar militarmente administrado + vítima militar
da ativa ou funcionário de Ministério ou Justiça Militar, no exercício funcional.

Ocorre que para o doutrinador Cícero Coimbra, a segunda parte da alínea “b” está em
desconformidade com os ditames legais atuais, uma vez que:

• Não existe mais a figura do assemelhado;

• Não existe mais o Ministério Militar;

• As Justiças Militares do Brasil integram o Poder Judiciário, e não o Poder Executivo pelas
forças militares, razão pela qual não seria um crime praticado contra a instituição militar.

Obs.: Consoante Nucci, tem-se excluído desse contexto os crimes


culposos, mormente os de trânsito.

c) Contra militar em formatura, ou durante o período de prontidão, vigilância, observação,


exploração, exercício, acampamento, acantonamento ou manobras;

CS – DIREITO PENAL MILITAR 2023.1 16


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Os militares, quando atuam em formatura (ocasião de agrupamento da tropa para desfiles e
outros eventos), em período de prontidão, vigilância, observação, exploração, exercício,
acampamento, acantonamento ou manobras encontram-se em serviço. Por isso, pretende-se
tutelar, considerando crimes da caserna, as condutas lesivas a esses militares.

Frise-se, todavia, que o STF tem limitado a competência da Justiça Castrense, excluindo os
crimes culposos.

d) Ainda que fora do lugar sujeito à administração militar, contra militar em função de
natureza militar, ou no desempenho de serviço de vigilância, garantia e preservação da
ordem pública, administrativa ou judiciária, quando legalmente requisitado para aquele
fim, ou em obediência a determinação legal superior.

Refere-se à hipótese em que, por exemplo, um militar reformado estava agredindo sua
esposa em casa e os vizinhos chamaram a PM. Ao tentar conter o militar reformado, ele começou
a agredir os PMs. Neste caso, ocorrerá a adequação à alínea “d”, considerando que os PMs
estavam desempenhando função de natureza militar e em preservação da ordem pública.

Como o tema foi cobrado em concurso?


(PM-PA - Aspirante - IADES - 2021): De acordo com o art. 9° do Código
Penal Militar, são crimes militares em tempo de paz todos os previstos na
Código Penal Militar, quando definidos de modo diverso na lei penal comum,
ou nela não previstos, qualquer que seja o agente, salvo disposição especial.
Correto.

(EsFCEx - Direito - Exército - 2020): O artigo 9° do Código Penal Militar foi


alterado pela Lei n° 13.491/2017. Com relação a esta alteração, é correto
afirmar que são considerados crimes militares todos os crimes praticados
pelo militar nas hipóteses do art. 9°, estejam ou não previstos no CPM.
Correto.

(EsFCEx - Oficial - Direito - VUNESP - 2020): É possível aplicar o conteúdo


da Lei n° 9.099/95 às infrações penais militares de menor potencial ofensivo,
exceto na hipótese da Lei Maria da Penha. Errado.

(PM-GO - Soldado - FUNCAB - 2010): NÃO se considera crime militar, em


tempo de paz, o crime praticado por militar em território nacional ou
estrangeiro, militarmente ocupado.

2. CRIMES PROPRIAMENTE E IMPROPRIAMENTE MILITARES

Segundo Nucci, consideram-se delitos militares próprios (autenticamente militares) os que


possuem previsão única e tão somente no Código Penal Militar, sem correspondência em qualquer
outra lei, particularmente no Código Penal, destinado à sociedade civil. Além disso, somente podem
ser cometidos por militares, jamais por civis.

Por outro lado, denominam-se crimes militares impróprios os que possuem dupla previsão,
vale dizer, tanto no Código Penal Militar quanto no Código Penal Comum, ou legislação similar, com

CS – DIREITO PENAL MILITAR 2023.1 17


.
ou sem divergência de definição. Ou também o delito previsto somente na legislação militar, que
pode ter o civil por sujeito ativo.

A importância da distinção entre esses tipos de crime se dá porque não há definição legal
que os diferencie, mas há consequências legais diversas entre eles.

Nos crimes propriamente militares ocorre:

• Para efeito de reincidência, não se consideram os crimes militares próprios (art. 64, II,
CP Comum);

• O art. 18 do CPPM dispõe que independentemente de flagrante delito, o indiciado poderá


ser detido pelo Encarregado do IPM, durante as investigações policiais, até 30 dias,
comunicando-se a detenção à autoridade judiciária competente.

No mesmo sentido do exposto acima, o inciso LXI do art. 5º da Constituição Federal


determina que ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada
de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime
propriamente militar, definidos em lei.

Frise-se, todavia, que em virtude da audiência de custódia hodiernamente realizada, o art.


18 do CPPM caiu em desuso, uma vez que ninguém poderá ser preso processualmente sem ser
levado à presença de um juiz em prazo, via de regra, de 24h.

Em continuidade, destaca-se que existem 3 teorias que dizem respeito aos crimes
propriamente militares:

1) Teoria Topográfica: os crimes propriamente militares estão posicionados nos incisos I


e II do art. 9º do CPM. É a teoria mais adotada para os doutrinadores de Legislação
Penal Comum quando fazem menção ao Direito Castrense.

2) Teoria Clássica: os crimes propriamente militares são aqueles que apenas podem ser
perpetrados por militares. É a teoria mais adotada pelo Direito Castrense.

Isto posto, conforme a Teoria Clássica, o crime impropriamente militar seria aquele que pode
ser praticado por qualquer pessoa, com exceção do crime de insubmissão (art. 183).

3) Teoria Processual: para Jorge Alberto Romeiro, crime propriamente militar é aquele
cuja ação penal militar somente pode ser proposta em face de militar.

A título de exemplificação das diferenças de enquadramento dos delitos perante as teorias,


elaborou-se o quadro comparativo abaixo:

Crimes →
Violência
Crimes
Deserção contra militar Homicídio (art. Insubmissão
militares
(art. 187) de serviço (art. 205) (art. 183)
extravagantes
Teorias↓ 158)

Topográfica Propriamente Propriamente Impropriamente Propriamente Impropriamente

CS – DIREITO PENAL MILITAR 2023.1 18


.
Propriamente
Clássica Propriamente Impropriamente Impropriamente Impropriamente
por exceção

Propriamente
Processual Propriamente Impropriamente Impropriamente Impropriamente
por exceção

Como o tema foi cobrado em concurso?


(PM-PI - Aspirante - NUCEPE - 2021): Em relação aos crimes
impropriamente militares, é correto afirmar que podem ser praticados por civil.
Correto.

3. NEXO DE CAUSALIDADE

Trata-se da atribuição do resultado ao seu autor.

Para Nucci, é o vínculo estabelecido entre a conduta do agente e o resultado por ele gerado,
com relevância suficiente para formar o fato típico.

É de possível aferição nos crimes materiais, uma vez que exigem o resultado naturalístico.
Nos demais, como nos crimes formais e de mera conduta, como há o resultado jurídico, há nexo
normativo.

À vista disso, pode-se inferir que a relação de causalidade somente tem real importância no
cenário dos crimes materiais, isto é, aqueles que necessariamente relacionam a conduta a um
resultado concreto, previsto no tipo. Os delitos de atividade (formais ou de mera conduta), que se
configuram na mera realização da conduta, pouco importando se há ou não resultado naturalístico,
pouco se valem da teoria do nexo causal.

Em sequência, é imperioso destacar que a teoria adotada pelo CPM referente ao nexo de
causalidade é a Teoria da Equivalência dos Antecedentes (conditio sine qua non), elaborada
pelo austríaco Julius Glaser. Para a teoria, qualquer das condições que compõem a totalidade dos
antecedentes é causa do resultado, pois a sua inocorrência impediria a produção do evento.

Trata-se da eliminação hipotética. Elimina-se hipoteticamente a conduta do autor do fato


e faz-se o questionamento: com a eliminação dessa conduta, o resultado seria produzido? Se a
resposta for não, a conduta é relevante fisicamente para causação do resultado, estabelecendo-se
o nexo de causalidade.

Todavia, a eliminação hipotética favorece o regressus ad infinitum, cuja solução é admitir,


além da causalidade objetiva (imputatio facti), uma causalidade subjetiva (imputatio iuris). Significa
dizer que na cadeia regressiva, quem agiu com dolo ou culpa para o resultado, responderá pelo
crime.

Em continuidade, destaca-se que o art. 29 do CPM é idêntico ao que dispõe o art. 13 do CP


Comum. Assim segue:

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.
Art. 29. O resultado de que depende a existência do crime somente é
imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem
a qual o resultado não teria ocorrido.

§ 1º A superveniência de causa relativamente independente exclui a


imputação quando, por si só, produziu o resultado. Os fatos anteriores,
imputam-se, entretanto, a quem os praticou.

§ 2º A omissão é relevante como causa quando o omitente devia e podia agir


para evitar o resultado. O dever de agir incumbe a quem tenha por lei
obrigação de cuidado, proteção ou vigilância; a quem, de outra forma,
assumiu a responsabilidade de impedir o resultado; e a quem, com seu
comportamento anterior, criou o risco de sua superveniência.

Diante o dispositivo normativo acima exposto, é preciso definir que as causas podem ser
absolutamente independentes ou relativamente independentes.

Causas absolutamente independentes são aquelas que surgem e, por si mesmas, são
aptas a produzir o resultado, de modo que cortam, naturalmente, o nexo causal. Ex.: um raio que
atinja a vítima, matando-a, pouco antes de ela ser alvejada a tiros pelo agente, é suficiente para
cortar o nexo de causalidade (é a chamada “causalidade antecipadora”).

Por outro lado, causas relativamente independentes surgem de alguma forma ligadas às
causas geradas pelo agente, mas possuem força suficiente para gerar o resultado por si mesmas.
Ex.: se, por conta de um tiro, a vítima vai ao hospital e, lá estando internada, termina morrendo
queimada num incêndio, é preciso considerar que o fogo foi uma causa relativamente independente
a produzir o resultado morte. É causa do evento porque se o tiro não fosse dado, o ofendido não
estaria no hospital, embora o incêndio seja algo imprevisível.

Como efeito da causa relativamente independente, tem-se que ela tem força para cortar o
nexo causal, fazendo com que o agente responda somente pelo que já praticou. No exemplo
supramencionado do fogo no hospital, trata-se de evento imprevisível pelo agente, de modo que
mesmo tendo produzido o motivo que levou a vítima a ele (dando-lhe um tiro), não deve responder
pelo resultado mais grave, fora do seu alcance e da sua previsibilidade.

Em continuidade, também é importante evidenciar o conceito de concausas que, consoante


Nucci, representam a confluência de uma causa exterior à vontade do agente na produção de um
mesmo resultado, estando lado a lado com a ação principal. Ex.: o incêndio produzido no hospital
não deixa de ser uma concausa, pois, juntamente com a ação do atirador, que levou a vítima à
internação, causaram os ferimentos geradores da morte.

Contudo, a lei penal cuidou somente da ocorrência da concausa superveniente


relativamente independente. Nada falou sobre as concausas preexistentes (também denominadas
de “estado anterior”) e concomitantes à ação do agente, levando a crer que há punição, sem
qualquer corte do nexo causal. Assim, se a vítima é hemofílica (outro exemplo tradicional de
concausa preexistente) e sofre um tiro, que produz hemorragia incontrolável, causando-lhe a morte,
o agente do disparo responde por homicídio consumado.

A respeito do tema, tem-se o seguinte entendimento do STM:

CS – DIREITO PENAL MILITAR 2023.1 20


.
1. Militar que, por imprudência e negligência, deixa de observar os
procedimentos atinentes à segurança de armamento quando de sua entrega
e efetua disparo acidental que, por ricochete do projétil, atinge colega de
farda, comete o crime de lesão corporal culposa previsto no art. 210 do CPM.
2. Nos termos do § 1º do art. 29 do CPM, a superveniência de causa
relativamente independente somente exclui a imputação quando, por si só,
tenha produzido o resultado. Não há que falar em concausa superveniente
relativamente independente quando a conduta do Acusado tenha sido
determinante para a ocorrência do resultado lesivo. 3. A previsibilidade do
crime culposo se manifesta no risco que representa à integridade física o
manuseio de armamento sem a observância dos procedimentos de
segurança adequados. 4. O Laudo pericial contido nos autos afasta quaisquer
dúvidas atinentes à eventual falha nos mecanismos de disparo do
armamento. 5. A alegação de ausência de caixa de areia para a realização
dos procedimentos de desmuniciamento de arma de fogo não tem o condão
de afastar a culpa, sendo exigível do militar conduta preventiva a fim de evitar
o evento danoso. 6. Não merece acolhimento a alegação de ignorância
acerca do carregamento quando o responsável pela alimentação do
armamento é o próprio Acusado. 7. Apelo provido parcialmente.
Unanimidade. (Ap. 0000042-51.2014.7.03.0303, rel. Carlos Augusto de
Sousa, j. 19.10.2016).

Para finalizar, no que tange ao § 2º do art. 29, faz-se a diferenciação entre crimes omissivos
próprios e omissivos impróprios (comissivos por omissão).

São delitos omissivos próprios aqueles cuja conduta envolve um não fazer típico, que pode
– ou não – dar causa a um resultado naturalístico. Ex.: deixar o comandante de socorrer, sem justa
causa, navio de guerra ou mercante, nacional ou estrangeiro, ou aeronave, em perigo, ou náufragos
que haja pedido socorro (art. 201 do CPM).

Não obstante, são crimes omissivos impróprios os que envolvem um não fazer, implicando
a falta do dever legal de agir, contribuindo, pois, para causar o resultado. Não têm tipos específicos,
gerando uma tipicidade por extensão.

Para que alguém responda por um delito omissivo impróprio é preciso que tenha o dever de
agir, imposto por lei, deixando de atuar, dolosa ou culposamente, auxiliando na produção do
resultado. Ex.: um policial acompanha a prática de um roubo, deixando de interferir na atividade
criminosa, propositadamente, porque a vítima é seu inimigo. Responderá por roubo, na modalidade
comissiva por omissão.

4. CRIME CONSUMADO E CRIME TENTADO

Dispõe o art. 30 do CPM que:

Art. 30. Diz-se o crime:


I - consumado, quando nele se reúnem todos os elementos de sua definição
legal;
II - tentado, quando, iniciada a execução, não se consuma por circunstâncias
alheias à vontade do agente.

CS – DIREITO PENAL MILITAR 2023.1 21


.
Parágrafo único. Pune-se a tentativa com a pena correspondente ao crime,
diminuída de um a dois terços, podendo o juiz, no caso de excepcional
gravidade, aplicar a pena do crime consumado.

Visualizada a diferença entre crime consumado e tentado, destaca-se que o iter criminis –
percurso para a realização do crime – no Direito Penal Militar possui a mesma concepção do Direito
Penal Comum, subdividindo-se em:

1) Cogitação (cogitatio): é o momento de ideação do delito, ou seja, quando o agente tem


a ideia de praticar o crime.

2) Atos preparatórios (conatus remotus): é a fase de exteriorização da ideia do crime,


através de atos que começam a materializar a perseguição ao alvo idealizado. O agente
ainda não ingressou nos atos executórios, daí porque não é punida a preparação no
direito brasileiro.

Obs.: É possível que o ato preparatório já constitua um crime, como


ocorre no delito de conspiração (art. 152), que é preparatório aos
crimes de motim ou revolta (art. 149).

3) Execução (conatus proximus): é a fase de realização da conduta designada pelo núcleo


da figura típica, constituída, como regra, de atos idôneos e unívocos para chegar ao
resultado, mas também daqueles que representarem atos imediatamente anteriores a
estes, desde que se tenha certeza do plano concreto do autor.

4) Consumação (meta optata): é o momento de conclusão do delito, reunindo todos os


elementos do tipo penal.

No que se refere ao início da execução, adota-se o critério lógico-formal, que coincide com
o início de uma atividade típica, centrando-se, portanto, na atividade inerente ao verbo nuclear do
tipo.

Todavia, há uma diferença entre a legislação penal especial militar e a legislação penal
comum no que tange à aplicação da pena.

De um lado, o parágrafo único do art. 30 do CPM permite a aplicação da pena do crime


consumado ao crime tentado, adotando-se a teoria subjetivo-objetiva (Teoria da Impressão),
focando no desvalor da ação e do resultado, com redução facultativa. Por outro lado, o art. 14, inciso
II do CP Comum adota a teoria objetiva (Teoria Realística ou Dualista), focando-se no desvalor do
resultado, com redução de pena obrigatória.

Como o tema foi cobrado em concurso?


(PM-MG - Aspirante - PM-MG - 2016): Execução é fase na qual o agente
consegue efetivamente praticar a infração penal pretendida, violando o bem
jurídico protegido, após reunir todos os elementos de sua definição legal,
atingindo desta forma o seu intento inicial. Errado.

ESPÉCIES DE TENTATIVA

CS – DIREITO PENAL MILITAR 2023.1 22


.
Conforme apontado anteriormente, por crime tentado entende-se a realização incompleta da
conduta típica, que não é punida como crime autônomo. Como preleciona o doutrinador Aníbal
Bruno, é a tipicidade não concluída.

Assim, tem-se como tipos de tentativa:

1) Imperfeita: o sujeito ativo dá início à execução, mas há interrupção dos atos executórios.

2) Perfeita ou acabada: o agente pratica todos os atos de execução do crime, mas a sua
consumação não se alcança por motivos alheios à sua vontade.

3) Branca ou incruenta: a vítima não é atingida, nem sofre ferimentos.

4) Cruenta: a vítima é atingida, havendo lesão.

5) Inidônea, impossível, inútil, inadequada ou quase crime: refere-se ao crime impossível.

Obs.: A distinção entre as espécies de tentativa ocorre porque há


influência na dosimetria da pena, considerando que, por exemplo, uma
tentativa cruenta é punida com mais rigor do que uma tentativa
incruenta.

Como o tema foi cobrado em concurso?


(PM-MG - Soldado - PM-MG - 2021): No crime tentado pune-se a tentativa
com a pena correspondente ao crime, diminuída de um a dois terços, não
podendo o juiz, em nenhuma hipótese, aplicar a pena do crime consumado.
Errado.

5. DESISTÊNCIA VOLUNTÁRIA E ARREPENDIMENTO EFICAZ

Antes da aprofundar no tema, necessário se faz traçar um comparativo entre as disposições


do Código Penal Militar e do Código Penal Comum:

Quadro Comparativo

CPM CP Comum

Desistência voluntária e arrependimento Desistência voluntária e arrependimento eficaz


eficaz
Art. 15 - O agente que, voluntariamente, desiste
Art. 31. O agente que, voluntariamente, de prosseguir na execução ou impede que o
desiste de prosseguir na execução ou impede resultado se produza, só responde pelos atos já
que o resultado se produza, só responde praticados.
pelos atos já praticados.
Arrependimento posterior
Crime impossível
Art. 16 - Nos crimes cometidos sem violência ou
Art. 32. Quando, por ineficácia absoluta do grave ameaça à pessoa, reparado o dano ou
meio empregado ou por absoluta restituída a coisa, até o recebimento da denúncia
impropriedade do objeto, é impossível

CS – DIREITO PENAL MILITAR 2023.1 23


.
consumar-se o crime, nenhuma pena é ou da queixa, por ato voluntário do agente, a
aplicável. pena será reduzida de um a dois terços.

Circunstância atenuantes Crime impossível

Art. 72. São circunstâncias que sempre Art. 17 - Não se pune a tentativa quando, por
atenuam a pena: ineficácia absoluta do meio ou por absoluta
impropriedade do objeto, é impossível
III - ter o agente: consumar-se o crime.
b) procurado, por sua espontânea vontade e Circunstância atenuantes
com eficiência, logo após o crime, evitar-lhe
ou minorar-lhe as consequências, ou ter, Art. 65. São circunstâncias que sempre atenuam
antes do julgamento, reparado o dano. a pena:

III - ter o agente:

b) procurado, por sua espontânea vontade e com


eficiência, logo após o crime, evitar-lhe ou
minorar-lhe as consequências, ou ter, antes do
julgamento, reparado o dano.

Obs.: A distinção entre o dispositivo penal comum e o especial militar


é importante porque as provas de concurso costumam cobrar os
fundamentos que os diferenciam.

Verifica-se que no CPM, o instituto correspondente ao arrependimento posterior do agente


figura como uma atenuante (art. 72), incidindo na 2ª fase da dosimetria da pena.

Já o arrependimento posterior expressamente previsto no CP Comum, além de figurar como


circunstância atenuante (art. 65), o próprio texto normativo estabelece também uma causa de
diminuição de pena (art. 16), incidindo não só na 2ª fase da dosimetria, como também na 3ª.

Como o tema foi cobrado em concurso?


(PM-PI - Aspirante - NUCEPE - 2021): O Código Castrense não prevê a
figura do arrependimento posterior. Correto.

Em sequência, nota-se que na desistência voluntária o agente, antes de alcançar o


resultado, desiste de prosseguir na execução. Trata-se da desistência no prosseguimento dos atos
executórios do crime, feita de modo voluntário, respondendo o agente somente pelo que já praticou.

Na jurisprudência do STM, tem-se que:

Não há falar em desistência voluntária se o Apelante agiu com vontade livre


e consciente para a prática do crime de tentativa de roubo, só não
conseguindo seu intento por ter sido impedido pela pronta atuação da
Sentinela. Conduta perfeitamente subsumida ao que preconiza o art. 242, §
2º, inciso IV, na sua forma tentada. (Ap. 0000269-09.2011.7.01.0301, rel.
Marcus Vinicius Oliveira dos Santos, j. 19.02.2015).

CS – DIREITO PENAL MILITAR 2023.1 24


.
Já no que se refere ao arrependimento eficaz, o agente conclui os atos de execução, mas
antes do resultado se produzir, ele tenta evitar sua produção. Trata-se da desistência que ocorre
entre o término dos atos executórios e a consumação. O agente, nesse caso, já fez tudo o que podia
para atingir o resultado, mas resolve interferir para evitar a sua concretização. Ex.: o autor ministra
veneno a B. Os atos executórios estão concluídos, pois se nada fizer para impedir o resultado, a
vítima morrerá. Por isso, o autor deve agir, aplicando o antídoto para fazer cessar os efeitos do que
ele mesmo causou.

À vista disso, o STM adota o seguinte posicionamento:

Para a caracterização do arrependimento eficaz, a Lei Penal Militar exige que


o agente impeça a produção do resultado, portanto, se consumado o delito,
responde por todos os atos praticados. (Apelação n.º 7000141-
43.2019.7.00.0000, rel. Marco Antônio de Farias, 18.09.2019, maioria).

Com relação ao crime impossível, destaca-se que representa a tentativa não punível,
porque o agente se vale de meios absolutamente ineficazes ou volta-se contra objetos
absolutamente impróprios, tornando impossível a consumação do crime.

Trata-se de uma causa excludente da tipicidade e autêntica “carência de tipo”, de acordo


com o doutrinador Aníbal Bruno.

Ex. 1: atirar, para matar, contra um cadáver (objeto absolutamente impróprio).

Ex. 2: atirar, para matar, com uma arma descarregada (meio absolutamente ineficaz).

Para melhor visualizar o instituto, segue entendimento jurisprudencial do STM:

2. O crime de posse de entorpecente consubstancia delito de perigo abstrato,


sendo prescindível a efetiva lesão ao bem jurídico tutelado para tipificação,
bastando tão somente a probabilidade do dano presumido pelo legislador na
construção do tipo. 3. A tipificação dos delitos de perigo abstrato tem por
objetivo reprimir preventivamente eventual lesão ao bem jurídico tutelado pela
norma, razão pela qual não se contrapõe à ordem constitucional em vigor. 4.
Tese de crime impossível incabível. O fato de a quantidade de substância
apreendida ser mínima, possuir ou não capacidade de causar dependência,
bem como possuir potencial lesivo baixo é irrelevante ao caso, especialmente
se considerarmos que o Princípio da Insignificância não se aplica ao delito
em questão. O crime do art. 290 do CPM viola de forma intensa os princípios
da hierarquia e da disciplina. (Apelação n.º 7000454-67.2020.7.00.0000, rel.
Lúcio Mário de Barros Góes, 05.11.2020).

CS – DIREITO PENAL MILITAR 2023.1 25


.
ANTIJURIDICIDADE

1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Antijuridicidade ou ilicitude, segundo Nucci, constitui a contrariedade de uma conduta com o


direito, causando lesão a um bem jurídico protegido.

As excludentes de ilicitude estão previstas nos arts. 42 a 46 do CPM.

Há, novamente, que se destacar as diferenças entre as excludentes previstas no CPM e no


CP Comum:

Quadro Comparativo das excludentes de ilicitude

CPM CP Comum

Art. 42. Não há crime quando o agente pratica Art. 23 - Não há crime quando o agente pratica o
o fato: fato:

I - em estado de necessidade; I - em estado de necessidade;

II - em legítima defesa; II - em legítima defesa;

III - em estrito cumprimento do dever legal; III - em estrito cumprimento de dever legal ou no
exercício regular de direito.
IV - em exercício regular de direito.
Parágrafo único - O agente, em qualquer das
Parágrafo único. Não há igualmente crime hipóteses deste artigo, responderá pelo excesso
quando o comandante de navio, aeronave ou doloso ou culposo.
praça de guerra, na iminência de perigo ou
grave calamidade, compele os subalternos,
por meios violentos, a executar serviços e
manobras urgentes, para salvar a unidade ou
vidas, ou evitar o desânimo, o terror, a
desordem, a rendição, a revolta ou o saque.

O parágrafo único do art. 42 do CPM – principal diferença entre a redação das normas penais
acima expostas – se refere ao uso da força para compelir subordinado ao cumprimento do
dever.

Parte da doutrina entende que se trata de uma nova excludente de ilicitude autônoma.
Contudo, outra parte entende que se refere à excludente passível de enquadramento como estado
de necessidade. Há, ainda, quem defenda que seria hipótese de exercício regular de direito do
comandante de navio, aeronave ou praça de guerra.

Havendo uma situação de perigo iminente (futuro próximo) ou grave calamidade, para salvar
a unidade ou vidas, bem como evitar o desânimo, o terror, a desordem, a rendição, a revolta ou o
saque, pode o comandante de navio, aeronave ou praça de guerra compelir (constranger) os

CS – DIREITO PENAL MILITAR 2023.1 26


.
subalternos, inclusive por meios violentos, a executar qualquer serviço ou manobra urgente.
Envoltos por situação perigosa, chocam-se dois bens jurídicos: a integridade física dos subalternos
versus interesses militares relevantes, além da própria vida do militar.

Ato contínuo, destaca-se a distinção entre a tipificação do excesso:

Quadro Comparativo das excludentes de ilicitude

CPM CP Comum

Excesso culposo Art. 23, Parágrafo único - O agente, em qualquer


das hipóteses deste artigo, responderá pelo
Art. 45. O agente que, em qualquer excesso doloso ou culposo.
dos casos de exclusão de crime, excede
culposamente os limites da necessidade,
responde pelo fato, se este é punível, a título
de culpa.

Excesso escusável

Parágrafo único. Não é punível o excesso


quando resulta de escusável surpresa ou
perturbação de ânimo, em face da situação.

Excesso doloso

Art. 46. O juiz pode atenuar a pena ainda


quando punível o fato por excesso doloso.

Em relação ao excesso culposo, destaca-se que deriva da falta de atenção ou cautela no


emprego dos mecanismos de exclusão da ilicitude.

Já com relação ao excesso escusável, tem-se que ingressa no contexto da culpabilidade,


mais precisamente na inexigibilidade de conduta diversa, segundo Nucci. O agente exagera
impulsionado pela surpresa ou pela perturbação de ânimo, onde se pode incluir também o medo,
próprio de qualquer ser humano.

Por fim, no que tange ao excesso doloso, infere-se que o exagero do agente é intencional,
de modo que ele sabe estar se excedendo, mas o faz mesmo assim.

2. ESTADO DE NECESSIDADE

A priori, necessário se faz traçar um comparativo entre o CPM e o CP Comum:

CS – DIREITO PENAL MILITAR 2023.1 27


.
Quadro Comparativo do estado de necessidade

CPM CP Comum

Estado de necessidade, com excludente de Estado de necessidade


culpabilidade
Art. 24 - Considera-se em estado de necessidade
Art. 39. Não é igualmente culpado quem, para quem pratica o fato para salvar de perigo atual,
proteger direito próprio ou de pessoa a quem que não provocou por sua vontade, nem podia
está ligado por estreitas relações de de outro modo evitar, direito próprio ou alheio,
parentesco ou afeição, contra perigo certo e cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era
atual, que não provocou, nem podia de outro razoável exigir-se.
modo evitar, sacrifica direito alheio, ainda
quando superior ao direito protegido, desde § 1º - Não pode alegar estado de necessidade
que não lhe era razoavelmente exigível quem tinha o dever legal de enfrentar o perigo.
conduta diversa.
§ 2º - Embora seja razoável exigir-se o sacrifício
Estado de necessidade, como excludente do do direito ameaçado, a pena poderá ser reduzida
crime de um a dois terços.

Art. 43. Considera-se em estado de


necessidade quem pratica o fato para
preservar direito seu ou alheio, de perigo certo
e atual, que não provocou, nem podia de outro
modo evitar, desde que o mal causado, por
sua natureza e importância, é
consideravelmente inferior ao mal evitado, e o
agente não era legalmente obrigado a arrostar
o perigo.

TEORIAS

Para a doutrina majoritária, o CP Comum adota a Teoria Unitária do estado de necessidade,


que é aquele que exclui a antijuridicidade.

Já o CPM prevê 2 espécies de estado de necessidade: o exculpante (afasta a culpabilidade)


e o justificante (afasta a ilicitude), adotando-se, portanto, a Teoria Diferenciadora do estado de
necessidade.

ESPÉCIES

2.2.1. Estado de necessidade justificante

No estado de necessidade justificante (art. 43), o bem jurídico sacrificado é menor do que
o bem protegido, podendo ser direito próprio ou alheio. Ex.: destruir uma viatura para salvar um
militar que estava machucado dentro dela.

Tem-se como requisitos do estado de necessidade justificante:

CS – DIREITO PENAL MILITAR 2023.1 28


.
1) Existência de perigo certo e atual;

2) Perigo não provocado pelo agente;

3) Inevitabilidade do perigo;

4) Proteção a direito próprio ou de terceiros;

5) Perecimento do bem de menor valor para salvar o de maior valor;

6) Inexistência do dever legal do agente de enfrentar o perigo.

2.2.2. Estado de necessidade exculpante

Já com relação ao estado de necessidade exculpante (art. 39), o bem jurídico sacrificado
pode ser maior ou igual ao bem protegido, mas diferentemente do justificante, só pode ser referente
a direito próprio ou de pessoa a quem está ligado por estreitas relações de parentesco ou afeição.

Ex.: náufrago que empurra o amigo para fora tábua que boia atua em estado de
necessidade. Ainda nesse exemplo, se o outro náufrago reagisse à tentativa de empurrá-lo da tábua
de salvação, ele estaria atuando em legítima defesa, uma vez que se trata de agressão injusta
considerando que o bem jurídico tutelado (vida) é igual, em conformidade com o art. 39 do CPM.

Tem-se como requisitos do estado de necessidade exculpante:

1) Existência de uma situação de perigo certo e atual (risco de dano determinado e


presente);

2) Perigo gerado involuntariamente (nem dolo, nem culpa) pelo agente do fato necessário;

3) Perigo inevitável (há o dever de fuga no estado de necessidade, de modo a não


prejudicar, gratuitamente, bem alheio);

4) Proteção a bem próprio ou de terceiros, a quem se liga por relação de afeto ou


parentesco (cuidando-se de situação exculpante, demanda-se ligação afetiva entre o
agente do fato necessário e a pessoa em perigo);

5) Sacrifício de direito alheio de valor igual ou superior ao bem protegido (se o sacrifício
fosse de bem de valor inferior, estaria figurado o autêntico estado de necessidade, como
excludente de ilicitude);

6) Existência de situação de inexigibilidade de conduta diversa (a situação é dramática o


suficiente para não permitir que o agente do fato necessário tenha condições de
discernir, com clareza, qual bem merece ser salvo, optando, então, pelo que lhe parece
mais importante).

Ex.: num naufrágio, havendo possibilidade de salvar uma pessoa estranha ou um cão-guia,
o deficiente visual, provavelmente, concentra-se neste último, pois não lhe seria exigível
comportamento diverso em momento trágico e gerador de intensa emoção.

Sobre o estado de necessidade exculpante, destaca-se o seguinte julgado do STM:

CS – DIREITO PENAL MILITAR 2023.1 29


.
1. O crime previsto no art. 195 do CPM é classificado como de mera conduta,
sendo suficiente para a sua caracterização o mero ingresso em lugar sujeito
à Administração Militar por passagem irregular, não exigindo o dolo
específico. 2. Durante a instrução criminal, todas as elementares do crime em
questão, quer objetivas, quer subjetivas, foram comprovadas. 3. Restou
demonstrado nos autos que os acusados, para manter o sustento de suas
famílias, sendo eles os únicos provedores do lar, decidiram colher açaí e, com
esse objetivo, resolveram entrar na Organização Militar por um buraco que
havia no muro. 4. Apesar da gravidade das condutas, os apelantes agiram
amparados pelo manto do estado de necessidade” (Apelação n.º 7000115-
11.2020.7.00.0000, rel. Lúcio Mário de Barros Góes, 13.08.2020, maioria);
“Tese defensiva amparada no estado de necessidade exculpante, previsto no
art. 39 do CPM, em face de problemas financeiros enfrentados pela família
do apelante, à época do crime de deserção. No caso, não há evidência de
perigo certo e atual, elementos informativos do estado de necessidade
exculpante, a ameaçar o apelante, muito menos seus familiares. Não há se
falar que meras dificuldades financeiras possam ser consideradas situação
de perigo, a ponto de autorizar o cometimento de uma conduta delituosa.
(Apelação n.º 7000019-93.2020.7.00.0000, rel. William de Oliveira Barros,
04.06.2020, v.u.).

Como o tema foi cobrado em concurso?


(PM-PA - Aspirante - IADES - 2021): Considera-se em estado de
necessidade excludente de culpabilidade aquele que, para proteger direito
próprio ou de pessoa a quem está ligado por estreitas relações de parentesco
ou afeição, contra perigo certo e atual, que não provocou, nem podia de outro
modo evitar, sacrifica direito alheio, ainda quando superior ao direito
protegido, desde que não lhe seja razoavelmente exigível conduta diversa.
Correto.

(EsFCEx - Oficial - Direito - Exército - 2019): O estado de necessidade


pressupõe uma ponderação entre os bens jurídicos preservado e sacrificado
e se configura até quando o perigo é iminente, desde que comprovada a
inexigibilidade de conduta diversa do agente. Correto.

(EsFCEx - Oficial - Direito - Exército - 2016): O Tenente Ringo reage a uma


agressão do Sargento Pepper, que tinha em suas mãos uma barra de ferro,
desferindo um soco que causa lesão corporal leve e afasta a agressão. O
Sargento é esquizofrênico e já foi dado como inimputável em incidente de
insanidade mental de processo a que responde com réu. Afasta-se, assim, a
antijuridicidade da conduta de Ringo, não por legítima defesa, vez que não
há legítima defesa contra inimputável, mas estado de necessidade
justificante. Errado.

3. LEGÍTIMA DEFESA

Inicialmente, necessário vislumbrar o quadro comparativo abaixo para melhor visualização


do tema:

CS – DIREITO PENAL MILITAR 2023.1 30


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Quadro Comparativo da legítima defesa

CPM CP Comum

Art. 44. Entende-se em legítima defesa quem, Art. 25 - Entende-se em legítima defesa quem,
usando moderadamente dos meios usando moderadamente dos meios necessários,
necessários, repele injusta agressão, atual ou repele injusta agressão, atual ou iminente, a
iminente, a direito seu ou de outrem. direito seu ou de outrem.

Parágrafo único. Observados os requisitos


previstos no caput deste artigo, considera-se
também em legítima defesa o agente de
segurança pública que repele agressão ou risco
de agressão a vítima mantida refém durante a
prática de crimes.

A diferença central entre a disposição do CPM e do CP Comum é que esse traz a disposição
do parágrafo único, com relação ao agente de segurança pública. Para o doutrinador Cícero
Coimbra, trata-se apenas da hipótese de Direito Penal Simbólico, uma vez que os requisitos do
parágrafo podem ser tranquilamente enquadrados no caput do art. 25.

ELEMENTOS DA LEGÍTIMA DEFESA

Em sequência, é imperioso destacar os elementos da legítima defesa:

3.1.1. Relativos à agressão

a) Injustiça;

Conforme posicionamento de Nucci, injustiça é o mesmo que ilicitude, vale dizer, contrário
ao direito. Valer-se da legítima defesa estaria a demandar a existência de uma agressão ilícita (não
necessitando que se constitua em infração penal).

Sobre o tema, tem-se o seguinte julgado do STM:

A ré, com o objetivo de confrontar seu companheiro sobre suposta relação


extraconjugal, por imperícia, colidiu veículo de propriedade do ofendido
contra o muro da guarnição militar, na qual a vítima encontrava-se de serviço,
e o golpeou com uma faca, causando laceração em sua mão esquerda.
Comprovadas a autoria e a materialidade delitivas. Inaplicabilidade da
exclusão de ilicitude por legítima defesa, ex vi do art. 44 do CPM. A agente,
dolosamente, com animus laedendi, não se utilizou de meios necessários
para repelir qualquer injusta agressão, atual ou iminente, do companheiro
militar, conforme instrução probatória (...). (Apelação n.º 7001470-
90.2019.7.00.0000. rel. Maria Elizabeth Guimarães Teixeira Rocha,
18.06.2020, maioria).

b) Atualidade ou iminência;

CS – DIREITO PENAL MILITAR 2023.1 31


.
Atual é o que está acontecendo (presente), enquanto iminente é o que está em vias de
acontecer (futuro imediato).

c) Contra direito próprio ou de terceiros;

Somente pode invocar a legítima defesa quem estiver defendendo bem ou interesse
juridicamente protegido.

Não há possibilidade de defesa contra agressão a bem sem proteção jurídica. Ex.: não pode
invocar a excludente quem está defendendo, contra subtração alheia, a substância entorpecente,
não autorizada, que mantém em seu poder.

3.1.2. Relativos à repulsa

a) Utilização de meios necessários

São os meios eficazes e suficientes para repelir a agressão ao direito, causando o menor
dano possível ao atacante.

b) Moderação

Refere-se à razoável proporção entre a defesa empreendida e o ataque sofrido, que deve
ser apreciada no caso concreto de modo relativo, consistindo na “medida dos meios necessários”.
Se o meio se fundamentar, por exemplo, no emprego de arma de fogo, a moderação basear-se-á
no número de tiros necessários para deter a agressão.

3.1.3. Relativo ao ânimo do agente:

a) Elemento subjetivo, consistente na vontade de se defender.

Como o tema foi cobrado em concurso?


(CBM-RO - Oficial - CESPE - 2022): O tenente João, motivado por discussão
ocorrida em momento anterior, adentrou o alojamento e acertou um soco no
rosto do tenente José, que se encontrava sentado em sua cama. Na iminência
de novo ataque de João, José revidou e aplicou-lhe um soco, que ocasionou
o desmaio de João. Nessa situação hipotética, a postura de José enquadra-
se na exclusão do crime em razão de legítima defesa. Correto.

(PM-RJ - Aspirante - FGV - 2021): O agente que, em legítima defesa, excede


culposamente os limites da necessidade, responde pelo fato, se este for
punível, a título de culpa, ainda que o excesso resulte de escusável surpresa
ou perturbação de ânimo em face da situação. Errado.

(PM-SC - Aspirante - INSTITUTO AOCP - 2018): Entende-se em legítima


defesa quem, usando desejosamente os meios necessários, repele justa ou
injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem. Errado.

4. ESTRITO CUMPRIMENTO DO DEVER LEGAL

CS – DIREITO PENAL MILITAR 2023.1 32


.
Trata-se da ação praticada em cumprimento de um dever imposto por lei, penal ou
extrapenal, mesmo que cause lesão a bem jurídico de terceiro.

Pode-se vislumbrar, em diversos pontos do ordenamento pátrio, a existência de deveres


atribuídos a certos agentes que, em tese, podem configurar fatos típicos. Para realizar uma prisão,
por exemplo, agentes da autoridade podem usar a violência necessária para o ato.

Frise-se que o dever legal precisa advir de lei, ou seja, preceito de caráter geral, originário
de poder público competente, embora no sentido lato (leis ordinárias, regulamentos, decretos etc.).

EXERCÍCIO REGULAR DE DIREITO

Refere-se ao desempenho de uma atividade ou a prática de uma conduta autorizada por lei,
que torna lícito um fato típico.

Assim, se alguém exercita um direito, previsto e autorizado de algum modo pelo


ordenamento jurídico, não pode ser punido, como se praticasse um delito.

Ex.: a Constituição Federal considera o domicílio asilo inviolável do indivíduo, sendo vedado
o ingresso nele sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, bem
como para prestar socorro (art. 5.º, XI, CF). Portanto, se um fugitivo da justiça se esconde na casa
de um amigo, a polícia somente pode penetrar nesse local durante o dia, constituindo exercício
regular de direito impedir a entrada dos policiais durante a noite, mesmo possuindo um mandado.

Para o doutrinador Cícero Coimbra, as lesões esportivas e os ofendículos (aparatos


visíveis que se destinam à defesa da propriedade ou de qualquer outro bem jurídico, como a cerca
elétrica) também constituem exercício regular de direito.

CONSENTIMENTO DO OFENDIDO

Trata-se de uma causa supralegal e limitada de exclusão da antijuridicidade, permitindo que


o titular de um bem ou interesse protegido, considerado disponível, concorde, livremente, com a
sua perda.

Não representa matéria de aceitação pacífica, tanto na doutrina quanto na jurisprudência.


Entretanto, pode-se observar ter a maioria adotado o entendimento de se tratar de excludente de
ilicitude aceitável, embora não prevista expressamente em lei.

Há vários penalistas que, embora acolhendo o consentimento do ofendido como causa de


exclusão da ilicitude, ressalvam que tal hipótese somente pode ocorrer quando os bens forem
considerados disponíveis, enumerando-os.

Nesse liame, Fragoso preleciona que o consentimento jamais terá efeito quando se tratar de
bem jurídico indisponível, ou seja, aquele bem em cuja conservação haja interesse coletivo. A
honra, a liberdade, a inviolabilidade dos segredos, o patrimônio são bens disponíveis. A vida e a
Administração Pública, por exemplo, são bens irrenunciáveis e indisponíveis.

Ademais, tem-se como requisitos do consentimento do ofendido:

CS – DIREITO PENAL MILITAR 2023.1 33


.
1) Concordância do ofendido: deve ser obtida livre de qualquer tipo de vício, coação,
fraude ou artifício.

Quanto ao consentimento dado por pessoa embriagada, depende do caso concreto. Se a


embriaguez, apesar de voluntária, não se voltar a inserir o agente em situação de risco, o seu
consentimento não é válido. Contudo, se a embriaguez ocorrer em situação arriscada, pode-se
aceitar o consentimento.

2) Consentimento dado de maneira explícita ou implícita, desde que seja possível


reconhecê-lo: não se admite o consentimento presumido.

Se alguém, por exemplo, concorda com uma determinada agressão física uma vez, não quer
isto significar que consinta sempre. Logo, a presunção não tem lugar nesse contexto.

3) Capacidade para consentir: não havendo tal excludente no sistema jurídico penal
brasileiro, naturalmente inexiste uma idade legal para que o consentimento seja dado.

Contudo, para Nucci, é razoável estabelecer a capacidade a partir da idade penal, ou seja,
18 anos, pois aquele que tem capacidade para responder por seus atos, na esfera criminal, sem
dúvida pode dispor, validamente, de bens ou interesses seus. Por outro lado, deve haver
flexibilidade na análise da capacidade de consentimento, pois um menor, com 17 anos, por
exemplo, certamente tem condições de discernir sobre a perda de algum bem.

4) Disponibilidade do bem ou interesse: verifica-se a disponibilidade do bem ou interesse


quando a sua manutenção interessa, sobremaneira, ao particular, mas não é
preponderante à sociedade.

CS – DIREITO PENAL MILITAR 2023.1 34


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CULPABILIDADE

1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

A culpabilidade no bojo da teoria geral do delito, segundo Cícero Coimbra, pode ser definida
como um juízo de reprovação sobre a ação do autor de um fato típico e antijurídico.

É importante evidenciar, a priori, que a inserção da rubrica culpabilidade no art. 33 do CPM


espelha a adoção da Teoria Causalista, que cuida do elemento subjetivo do crime justamente no
cenário da culpabilidade.

Nesse liame, a teoria da culpabilidade adotada no CPM é a Teoria Psicológico-normativa


(neokantismo), de modo que a culpabilidade possui elementos subjetivos (art. 33 do CPM) e
normativos (arts. 39 e 48 do CPM).

Passa-se, então, a discorrer acerca de cada um deles.

2. IMPUTABILIDADE

De acordo com o doutrinador Aníbal Bruno, a imputabilidade representa o conjunto de


condições pessoais que dão ao agente capacidade para lhe ser juridicamente imputada a prática
de um fato punível.

Ante a conceituação, necessário se faz traçar um paralelo entre as disposições legais


referentes à imputabilidade no CPM e no CP Comum:

Quadro Comparativo da imputabilidade

CPM CP Comum

Art. 48. Não é imputável quem, no momento da Art. 26 - É isento de pena o agente que, por
ação ou da omissão, não possui a capacidade doença mental ou desenvolvimento mental
de entender o caráter ilícito do fato ou de incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação
determinar-se de acordo com esse ou da omissão, inteiramente incapaz de
entendimento, em virtude de doença mental, de entender o caráter ilícito do fato ou de
desenvolvimento mental incompleto ou determinar-se de acordo com esse
retardado. entendimento.

Redução facultativa da pena Redução de pena

Parágrafo único. Se a doença ou a deficiência Parágrafo único - A pena pode ser reduzida de
mental não suprime, mas diminui um a dois terços, se o agente, em virtude de
consideravelmente a capacidade de perturbação de saúde mental ou por
entendimento da ilicitude do fato ou a de desenvolvimento mental incompleto ou
autodeterminação, não fica excluída a retardado não era inteiramente capaz de
entender o caráter ilícito do fato ou de

CS – DIREITO PENAL MILITAR 2023.1 35


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imputabilidade, mas a pena pode ser atenuada, determinar-se de acordo com esse
sem prejuízo do disposto no art. 113. entendimento.

OBS.: Frise-se que o art. 113 do CPM permite a substituição de pena


por internação em estabelecimento psiquiátrico, assim como no art. 98
do CP Comum.

Segundo Nucci, dentre os elementos para se apurar a imputabilidade penal, há:

1) Higidez biopsíquica: saúde mental acrescida da capacidade de apreciar a criminalidade


do fato.

2) Maturidade: desenvolvimento físico-mental que permite ao ser humano estabelecer


relações sociais bem adaptadas, ter capacidade para realizar-se distante da figura dos
pais, conseguir estruturar as próprias ideias e possuir segurança emotiva, além de
equilíbrio no campo sexual.

Considerando que o parágrafo único do art. 48 do CPM não dispõe acerca do quantum de
diminuição de pena, deve-se seguir o disposto no art. 73:

Art. 73. Quando a lei determina a agravação ou atenuação da pena sem


mencionar o quantum, deve o juiz fixá-lo entre um quinto e um terço,
guardados os limites da pena cominada ao crime.

À vista disso, verifica-se que diversamente do disposto no CP Comum, prevê-se ao semi-


imputável apenas uma atenuação da pena. Além de figurar como mera atenuante, é facultativa. Na
legislação penal comum, trata-se de causa obrigatória de diminuição da pena.

Todavia, em que pese o CPM estabeleça que se trata de atenuante facultativa, o STM possui
entendimento em sentido diverso:

O Laudo Pericial decorrente do Exame de Sanidade Mental concluiu que o


Acusado, ao tempo da ação delitiva, tinha diminuídas, consideravelmente,
suas capacidades de entendimento da ilicitude do fato e de autodeterminação
de acordo com esse entendimento, o que o coloca na condição de semi-
imputabilidade, a teor do art. 48, parágrafo único, do CPM, sendo cabível a
condenação e a substituição da pena privativa de liberdade por medida de
segurança de tratamento ambulatorial, nos termos dos arts. 113 e 120 do
CPM, c/c os art. 96, II, e 98, do CP comum. (Ap. 0000116-90.2013.7.02.0102,
rel. Lúcio Mário de Barros Góes, DJ 02.05.2017).

Não obstante a impropriedade do legislador em rotular a semi-imputabilidade,


prevista no parágrafo único do art. 48 do CPM, de redução facultativa da pena
e, paradoxalmente, afirmar no texto do dispositivo que a pena pode ser
‘atenuada’, a jurisprudência desta Corte, seguindo a regra da legislação penal
comum (CP, art. 26, parágrafo único), consolidou o entendimento no sentido
de considerar o presente instituto como causa de diminuição de pena,
podendo a sanção ser reduzida aquém do mínimo legal. (Emb. Infr. 0000010-
45.2006.7.03.0103 - DF, rel. William de Oliveira Barros, 12.04.2012).

CS – DIREITO PENAL MILITAR 2023.1 36


.
Por fim, salienta-se que a inimputabilidade suscitada leva à instauração de um Incidente de
Insanidade Mental, que pode ser pleiteado pela defesa ou pelo Ministério Público e, até mesmo, em
sede de IPM pelo Encarregado.

Como o tema foi cobrado em concurso?


(CBM-RO - Oficial - CESPE - 2022): Pode ser atenuada a pena se a doença
ou a deficiência mental não suprime, mas diminui consideravelmente, a
capacidade de entendimento da ilicitude do fato ou a de autodeterminação.
Correto.

(PM-RO - Oficial - CESPE - 2022): O reconhecimento da condição de semi-


imputabilidade do réu não afasta a responsabilização penal, mas obsta a
aplicação de medida de segurança. Errado.

EMBRIAGUEZ

Em sequência, tem-se que o agente pode ser considerado inimputável também em razão da
embriaguez involuntária.

Vislumbra-se, para tanto, as disposições normativas abaixo elencadas:

Quadro Comparativo da embriaguez involuntária

CPM CP Comum

Art. 49. Não é igualmente imputável o agente Art. 28, § 1º - É isento de pena o agente que,
que, por embriaguez completa proveniente de por embriaguez completa, proveniente de caso
caso fortuito ou força maior, era, ao tempo da fortuito ou força maior, era, ao tempo da ação
ação ou da omissão, inteiramente incapaz de ou da omissão, inteiramente incapaz de
entender o caráter criminoso do fato ou de entender o caráter ilícito do fato ou de
determinar-se de acordo com esse determinar-se de acordo com esse
entendimento. entendimento.

Parágrafo único. A pena pode ser reduzida de § 2º - A pena pode ser reduzida de um a dois
um a dois terços, se o agente por embriaguez terços, se o agente, por embriaguez,
proveniente de caso fortuito ou força maior, não proveniente de caso fortuito ou força maior, não
possuía, ao tempo da ação ou da omissão, a possuía, ao tempo da ação ou da omissão, a
plena capacidade de entender o caráter plena capacidade de entender o caráter ilícito
criminoso do fato ou de determinar-se de do fato ou de determinar-se de acordo com
acordo com esse entendimento. esse entendimento.

A embriaguez deve ser completa e involuntária e pode ser pelo álcool ou substância de
efeitos análogos, assim como prevê o CP Comum (art. 28, inciso II).

Dentre as espécies de embriaguez involuntária, tem-se a embriaguez fortuita, que é aquela


decorrente do acaso ou meramente acidental, quando o agente não tinha a menor ideia de que
estava ingerindo substância entorpecente (porque foi ludibriado por terceiro, por exemplo) ou
quando mistura o álcool com remédios que provocam reações indesejadas, potencializando o efeito
da droga, sem estar devidamente alertado para isso.

CS – DIREITO PENAL MILITAR 2023.1 37


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Por outro lado, a embriaguez decorrente de força maior é a que se origina de eventos não
controláveis pelo agente.

Segundo Nucci, a excludente de culpabilidade somente ocorrerá se, por conta dessa
ingestão forçada ou fortuita, o agente acabar praticando um injusto. É preciso, no entanto, que
esteja totalmente incapacitado de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo
com esse entendimento por conta da embriaguez completa.

Obs.: Salienta-se que o indivíduo que é alcóolatra não se enquadra no


art. 49, mas sim no art. 48 (doença mental).

Em sequência, no que se refere à embriaguez voluntária ou culposa, tem-se o seguinte


comparativo:

Quadro Comparativo da embriaguez voluntária

CPM CP Comum

Art. 70. São circunstâncias que sempre Art. 28 - Não excluem a imputabilidade penal:
agravam a pena, quando não integrantes ou
qualificativas do crime: II - a embriaguez, voluntária ou culposa, pelo
álcool ou substância de efeitos análogos.
II - ter o agente cometido o crime:
Art. 61 - São circunstâncias que sempre
c) depois de embriagar-se, salvo se a agravam a pena, quando não constituem ou
embriaguez decorre de caso fortuito, engano ou qualificam o crime:
força maior;
II - ter o agente cometido o crime:
Parágrafo único. As circunstâncias das letras c,
salvo no caso de embriaguez preordenada, l, m l) em estado de embriaguez preordenada.
e o, só agravam o crime quando praticado por
militar.

Voluntária é a embriaguez desejada livremente pelo agente e culposa, aquela que ocorre
por conta da imprudência do bebedor.

Contudo, ante os dispositivos acima expostos, infere-se que o CPM não traz qualquer
disposição expressa acerca da embriaguez voluntária ou culposa, podendo-se deduzir que não
afasta a responsabilidade penal, por ausência de previsão legal, como se fez no tocante à
embriaguez fortuita (art. 49).

A respeito do tema, o STM adotou o seguinte posicionamento:

O art. 49 do CPM prevê a inimputabilidade do agente apenas nas


circunstâncias em que estiver comprovada a embriaguez completa
proveniente de caso fortuito ou de força maior, condicionada à inteira
incapacidade de compreensão do caráter ilícito do fato ou de determinação
de acordo com esse entendimento. 9. A alegada situação de ebriedade
completa do agente, pela qual se conjectura a justificação da prática ilícita,
pelo viés da inimputabilidade, deve, outrossim, ajustar-se ao enredo fático e
às provas circundantes. Fora desse contexto, a ponderação defensiva restará

CS – DIREITO PENAL MILITAR 2023.1 38


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esmaecida por se confrontar com os elementos probatórios. Sob a pertinente
contextualização, o mencionado argumento mostra-se fragilizado quando a
existência de imagens do episódio, mormente brutal, revela que o agressor,
em momento imediatamente anterior e no curso da prática ilícita, exibe
condição física íntegra, sem qualquer oscilação no equilíbrio, inexistindo
sinais de desorientação, mantendo gestual firme, objetivo e sempre focado
na violenta consumação do crime. (Apelação n.º 7001371-
23.2019.7.00.0000, rel. Marco Antônio de Farias, 28.10.2020).

Não se exclui a imputabilidade, portanto, no caso de embriaguez voluntária ou culposa, seja


ela completa ou não.

Destaca-se que a embriaguez voluntária deve ser compreendida como aquela em que o
agente quer alcançar o estado de embriaguez, por álcool ou por substância que produza efeito
análogo, como a cocaína, a heroína etc.

Já a embriaguez culposa, por outro lado, resume-se na situação em que o agente ingere
voluntariamente o álcool (ou se utiliza de substância que cause efeito análogo), porém, não deseja
alcançar o estado de embriaguez, somente o atingido pela falta de moderação, pelo consumo
imprudente da substância.

Em sentido lato, pode-se dizer que a voluntariedade no consumo da substância embriagante


existe tanto na embriaguez voluntária (em sentido estrito, podendo ser considerada dolosa), como
na culposa. Nessas 2 situações, quando a embriaguez não é proveniente de caso fortuito ou de
força maior, estará a imputabilidade mantida para o agente.

Para Cícero Coimbra, trata-se da adoção da Teoria da Actio Libera in Causa, uma das mais
espinhosas construções referentes à culpabilidade, por ser entendida como resquício de
responsabilidade penal objetiva.

A Teoria da Actio Libera in Causa (ação livre na conduta), também adotada no CP Comum,
não exclui a imputabilidade de quem se colocou, de forma proposital ou culposa, na posição de
inconsciência ou de ausência de autocontrole, nessa condição praticando um delito.

Considera-se que a conduta é composta de dois momentos: no primeiro, quando ocorre a


embriaguez, o indivíduo é livre, podendo optar, por exemplo, por não beber. No segundo, quando
pratica a conduta delitiva nuclear, já está sob efeito da substância embriagante, podendo em certas
situações discernir (incompleta) e em outras não o podendo (completa). Em razão da possibilidade
de escolher no primeiro momento, a imputabilidade é mantida por uma opção legislativa, restando
responsabilização ao agente.

Com efeito, aquele que se encontra, completa ou parcialmente, embriagado por sua vontade
também não tem capacidade para entender a ilicitude de sua conduta, porém a actio libera in causa
possibilita a responsabilização penal na seguinte proposição: a atribuição do resultado típico ao
autor fundamenta-se no momento em que havia capacidade de culpabilidade, portanto, anterior ao
fato criminoso, doloso ou culposo, em que encontra a subsunção ao tipo legal (teoria do tipo).

Em suma, o fundamento para a capacidade de culpabilidade está não no momento volitivo,


mas no momento intelectual da culpabilidade. Contudo, tal entendimento, assim como toda a
construção acerca da Teoria da Actio Libera in Causa, é muito combatido, havendo notáveis vozes

CS – DIREITO PENAL MILITAR 2023.1 39


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que se levantam em favor da não responsabilização penal em casos de embriaguez completa
voluntária.

Para Nucci, por exemplo, a Teoria Actio Libera in Causa tem aplicação para a embriaguez
preordenada (o agente bebe, já com o intuito de praticar infração penal, ou bebe, devendo imaginar
que, na sua situação, pode cometer infração penal). Noutros casos, envolvendo a embriaguez
voluntária ou culposa, quando o agente bebe por beber, sem a menor noção de que pode vir a
cometer algum ilícito, aplica-se, quando for preciso, a responsabilidade penal objetiva.

Não obstante, a embriaguez voluntária, mesmo sem ser preordenada, agrava a pena para o
militar, diferentemente do que ocorre com o civil, que somente terá a pena agravada em caso de
embriaguez preordenada.

À vista disso, deve-se verificar que a circunstância agravante pela embriaguez não resultante
de caso fortuito, força maior ou engano apenas se aplica ao militar, visto que para o civil, nos termos
do parágrafo único do art. 70, a agravação somente ocorrerá na embriaguez não apenas voluntária,
mas em um nível acima, na embriaguez denominada preordenada, ou seja, aquela em que o agente
busca o estado de embriaguez para ter, por exemplo, a coragem de praticar o delito em momento
posterior.

Ademais, destaca-se que tanto o CPM quanto o Código de Trânsito Brasileiro (CTB) elencam
espécies de crimes derivados de embriaguez.

O CPM prevê o crime de embriaguez em serviço:

Art. 202. Embriagar-se o militar, quando em serviço, ou apresentar-se


embriagado para prestá-lo:

Pena - detenção, de seis meses a dois anos.

O CTB, por sua vez, dispõe acerca do delito de embriaguez ao volante:

Art. 306. Conduzir veículo automotor com capacidade psicomotora alterada


em razão da influência de álcool ou de outra substância psicoativa que
determine dependência:

Penas - detenção, de seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição


de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.

Ante todo o exposto, para melhor memorização do tema, elaborou-se o seguinte fluxograma:

CS – DIREITO PENAL MILITAR 2023.1 40


.
E, ainda, o seguinte resumo acerca das espécies de embriaguez no CPM, conforme os
apontamentos dos doutrinadores Cícero Coimbra e Marcello Streifinger:

1) Patológica: considerada doença mental e, se condutora a uma falta de discernimento,


poderá resultar na inimputabilidade do agente, não havendo falar em responsabilização
penal por exclusão da culpabilidade (caput do art. 48 do CPM).

Caso não suprima completamente o discernimento, será caso de semi-imputabilidade, que


consiste em causa genérica de diminuição de pena, nos termos do parágrafo único do art. 48 do
CPM.

2) Involuntária: resultante de caso fortuito ou força maior, ou seja, o agente não quer se
embriagar nem consome a substância embriagante por sua vontade, e sim por acidente
ou forçado a fazê-lo.

Subdivide-se em:

2.1) Completa: o agente será considerado inimputável, não havendo que se falar em
responsabilização penal por exclusão da culpabilidade (caput do art. 49 do CPM).

2.2) Incompleta: o agente será considerado imputável, havendo apenas a aplicação de


causa genérica de diminuição da pena do crime praticado sob estado de embriaguez, na proporção
de um a dois terços (parágrafo único do art. 49 do CPM).

3) Voluntária em sentido lato: não resultante de caso fortuito ou força maior, ou seja, o
agente consome a substância embriagante porque quer.

Subdivide-se em:

3.1) Dolosa (voluntária em sentido estrito): o agente não só quer consumir a substância
embriagante, mas quer também atingir o estado de embriaguez.

É dividida, ainda, em:

3.1.1) Em serviço: crime militar capitulado no art. 202 do CPM, podendo haver concurso de
crime com um delito praticado sob o estado de embriaguez, a exemplo do delito de violência contra
superior, capitulado no art. 157 do CPM.

3.1.2) Fora de serviço:

3.1.2.1) Preordenada, completa ou incompleta: o agente quer atingir o estado de


embriaguez, que lhe dará coragem para, posteriormente, praticar um delito.

Nesse caso, o agente é imputável, com agravação da pena do crime praticado em estado
de embriaguez, seja o agente militar ou civil (art. 70, II, c, e seu parágrafo único, do CPM).

3.1.2.2) Não preordenada, completa ou incompleta: o agente somente quer atingir o


estado de embriaguez, não pensando em cometer delito posterior.

Aqui o agente é imputável, com agravação da pena do crime praticado em estado de


embriaguez, somente se o agente for militar (art. 70, II, c, e seu parágrafo único, do CPM).

3.2) Culposa:

CS – DIREITO PENAL MILITAR 2023.1 41


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3.2.1) Em serviço: em regra, a embriaguez culposa, ainda que por engano, mesmo estando
em serviço, não se configura no delito militar autônomo do art. 202, que só comporta forma dolosa.
Contudo, deve-se avaliar a possibilidade de dolo eventual e saber que essa embriaguez não
afastará a imputabilidade de outro delito cometido posteriormente, sob esse estado de embriaguez.

3.2.2) Fora de serviço, completa ou não: tomando-se culpa como sinônimo de engano, o
agente será imputável, porém não haverá agravação da pena do crime praticado em estado de
embriaguez, seja o agente militar ou não (art. 70, II, c, do CPM).

Como o tema foi cobrado em concurso?


(PM-RO - Oficial - CESPE - 2022): A respeito da inimputabilidade penal e da
medida de segurança diante da aplicação da pena na lei penal militar, é
correto afirmar que a embriaguez culposa é causa de diminuição de pena.
Errado.

(CIAAR - 1º Tenente - Aeronáutica - 2021): O agente que, por embriaguez


proveniente de caso fortuito ou força maior, não possuía, ao tempo da ação
ou da omissão, a plena capacidade de entender o caráter criminoso do fato
ou de determinar-se de acordo com esse entendimento, poderá ter a pena
reduzida de um a dois terços. Certo.

(PM-DF - Oficial - CESPE - 2010): Considere que um militar em situação de


atividade, acometido de fortes dores de cabeça, tenha tomado um forte
analgésico e, em decorrência de uma reação orgânica involuntária, tenha se
inebriado, perdendo, completamente, a capacidade volitiva e
comportamental. Considere, ainda, que, nesse estado, tenha cometido delito
contra a integridade física de um superior. Nessa situação, o militar será
punido, pois o efeito inebriante da substância não exclui a sua culpabilidade,
apenas a atenua, reduzindo a pena de um dois terços. Errado.

MAIORIDADE PENAL

No que se refere aos menores de idade, tem-se os seguintes dispositivos normativos:

Quadro Comparativo da maioridade penal

CPM CP Comum | CF/88 | ECA

Art. 50. O menor de dezoito anos é inimputável, CP Comum


salvo se, já tendo completado dezesseis anos,
revela suficiente desenvolvimento psíquico Art. 27 - Os menores de 18 (dezoito) anos são
para entender o caráter ilícito do fato e penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às
determinar-se de acordo com este normas estabelecidas na legislação especial.
entendimento. Neste caso, a pena aplicável é
Constituição Federal (CF/88)
diminuída de um terço até a metade.
Art. 228. São penalmente inimputáveis os
Art. 51. Equiparam-se aos maiores de dezoito menores de dezoito anos, sujeitos às normas
anos, ainda que não tenham atingido essa
da legislação especial.
idade:

CS – DIREITO PENAL MILITAR 2023.1 42


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a) os militares; Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)

b) os convocados, os que se apresentam à Art. 103. Considera-se ato infracional a conduta


incorporação e os que, dispensados descrita como crime ou contravenção penal.
temporariamente desta, deixam de se
apresentar, decorrido o prazo de licenciamento; Art. 104. São penalmente inimputáveis os
menores de dezoito anos, sujeitos às medidas
c) os alunos de colégios ou outros previstas nesta Lei.
estabelecimentos de ensino, sob direção e
disciplina militares, que já tenham completado Parágrafo único. Para os efeitos desta Lei, deve
dezessete anos. ser considerada a idade do adolescente à data
do fato.
Art. 52. Os menores de dezesseis anos, bem
como os menores de dezoito e maiores de
dezesseis inimputáveis, ficam sujeitos às
medidas educativas, curativas ou disciplinares
determinadas em legislação especial.

Entende-se que a segunda parte do art. 50 e o art. 51 do CPM em sua totalidade não foram
recepcionados, justamente em virtude da disposição constitucional do art. 228 da CF/88. Assim,
todos os menores de 18 anos são inimputáveis, sem exceção.

É importante salientar que o menor de 18 anos responde como inimputável somente para
fins penais. Com relação às infrações disciplinares, ele responderá como se maior de 18 fosse.

Como o tema foi cobrado em concurso?


(PM-RJ - Aspirante - FGV - 2021): Em regra, são imputáveis penalmente
apenas os maiores de 18 anos, mas, excepcionalmente, podem responder
por crime militar os menores, desde que se enquadrem nas hipóteses de
“equiparação a maiores” previstas no CPM. Errado.

(CIAAR - 1º Tenente - Aeronáutica - 2021): Os alunos de colégios ou outros


estabelecimentos de ensino, sob direção e disciplina militares, que já tenham
completado dezessete anos equiparam-se aos maiores de dezoito anos,
ainda que não tenham atingido essa idade. Correto.

(CIAAR - 1º Tenente - Aeronáutica - 2018): O menor de vinte anos é


inimputável, salvo se, já tendo completado dezoito anos, revela suficiente
desenvolvimento psíquico para entender o caráter ilícito do fato e determinar-
se de acordo com este entendimento. Errado.

3. EXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA

COAÇÃO IRRESISTÍVEL

Traça-se, de início, um comparativo entre o CPM e o CP Comum:

CS – DIREITO PENAL MILITAR 2023.1 43


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Quadro Comparativo da coação irresistível

CPM CP Comum

Art. 38. Não é culpado quem comete o crime: Art. 22 - Se o fato é cometido sob coação
irresistível ou em estrita obediência a ordem,
a) sob coação irresistível ou que lhe suprima a não manifestamente ilegal, de superior
faculdade de agir segundo a própria vontade; hierárquico, só é punível o autor da coação ou
§ 1° Responde pelo crime o autor da coação ou da ordem.
da ordem.

Art. 40. Nos crimes em que há violação do


dever militar, o agente não pode invocar coação
irresistível senão quando física ou material.

Pela interpretação do art. 40 do CPM, subentende-se que o art. 38 se refere a qualquer tipo
de coação, podendo ser:

1) Física: tende a afetar qualquer movimento corpóreo do indivíduo, mormente quando


invencível.

2) Moral: afeta o querer do indivíduo, levando-o a tomar decisões involuntárias, além de


influenciar no seu livre-arbítrio e na sua capacidade de se comportar conforme determina
o direito e, consequentemente, gera ausência de culpabilidade.

Contudo, em sentido diverso à legislação castrense, tem-se que o art. 28 do CP Comum se


refere apenas à coação moral, uma vez que a coação física elimina a própria conduta, conforme
dispõe o finalismo.

No que tange ao próprio art. 40 do CPM, em alguns crimes contra o dever militar, a coação
moral não pode ser alegada, somente a coação física quando for irresistível.

Mas quais seriam os crimes contra o dever militar? Parte da doutrina (Cícero Coimbra)
defende que são os crimes previstos no art. 183 a 204. Outra parte defende que qualquer crime
previsto no CPM que possa vir a ferir o dever militar, não poderá se valer da coação moral, a
exemplo da prevaricação (art. 319), concussão, peculato, furto (que gera indignidade para os
oficiais).

Destaca-se, por fim, os requisitos para o reconhecimento da coação moral irresistível,


segundo definido por Nucci:

1) Existência de uma ameaça de dano grave, injusto e atual, extraordinariamente difícil de


ser suportado pelo coato;

2) Inevitabilidade do perigo na situação concreta do coato;

3) Ameaça voltada diretamente contra a pessoa do coato ou contra pessoas queridas a ele
ligadas;

CS – DIREITO PENAL MILITAR 2023.1 44


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Se não se tratar de pessoas intimamente ligadas ao coato, mas estranhos que sofram a
grave ameaça, caso a pessoa atue, para proteger quem não conhece, pode-se falar em
inexigibilidade de conduta diversa, conforme os valores que estiverem em disputa.

4) Existência de, pelo menos, três partes envolvidas;

Como regra, há o coator, o coato e a vítima.

5) Irresistibilidade da ameaça avaliada segundo o critério do homem médio e do próprio


coato, concretamente.

Como o tema foi cobrado em concurso?


(PM-CE - Soldado - FGV - 2021): Nos crimes em que há violação do dever
militar, as únicas hipóteses de coação, que podem ser invocadas pelo agente,
são de ordem física ou material. Correto.

(PM-MG - Aspirante - PM-MG - 2021): A sentinela que tem contra seu filho
uma arma de fogo apontada por um agente, razão pela qual abandona o seu
posto, para atender à recomendação do autor e ver seu filho a salvo, não
poderá invocar coação moral irresistível. Correto.

OBEDIÊNCIA HIERÁRQUICA

É necessário, novamente, comparar a redação legal entre os dispositivos penais a seguir:

Quadro Comparativo da obediência hierárquica

CPM CP Comum

Art. 38. Não é culpado quem comete o crime: Art. 22 - Se o fato é cometido sob coação
irresistível ou em estrita obediência a ordem,
b) em estrita obediência a ordem direta de não manifestamente ilegal, de superior
superior hierárquico, em matéria de serviços. hierárquico, só é punível o autor da coação ou
§ 2° Se a ordem do superior tem por objeto a da ordem.
prática de ato manifestamente criminoso, ou há
excesso nos atos ou na forma da execução, é
punível também o inferior.

No CP Comum há disposição no sentido de que a ordem manifestamente ilegal, quando


cumprida, ainda que haja obediência hierárquica, gera uma responsabilidade para o agente.

Ex. 1: superior deu uma ordem para seu subordinado. O inferior hierárquico cumpriu a
ordem, mas a ordem era manifestamente ilegal. Respondem o superior e o inferior.

Ex. 2: superior deu uma ordem para seu subordinado. O inferior hierárquico cumpriu a
ordem, mas a ordem NÃO era manifestamente ilegal, ainda que na mente do subordinado. Apenas
o superior responde pela infração penal.

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No CPM, segue-se o mesmo posicionamento. Quando se tem um superior hierárquico que
ordena ao inferior o cumprimento de uma ordem manifestamente criminosa, respondem o superior
e o subordinado. Mas se a ordem NÃO era manifestamente criminosa, responde apenas o superior.

O CP Comum fala em ato manifestamente ilegal. Já o CPM fala em ato manifestamente


criminoso. Qual a diferença?

Ato ilegal é gênero do ato criminoso. Ilícito é gênero do qual crime é espécie. Desse modo,
o CPM traz uma redução da exculpante da obediência hierárquica. Não é qualquer ordem ilegal,
apenas a ordem manifestamente criminosa.

Ex. 1: no caso em que um superior ordena que seu subordinado atire na cabeça de um preso
sem nenhum argumento de legítima defesa, tem-se uma ordem manifestamente criminosa.
Respondem o superior e o inferior.

Ex. 2: superior dá ordem para o subordinado sair do posto para pagar uma conta pessoal
dele no banco. Não havendo abandono de posto, é possível que haja improbidade administrativa.
Nesse caso, se for aplicar o CP Comum, a ordem será manifestamente ilegal (no gênero). Todavia,
se for aplicar o CPM, a ordem não será manifestamente criminosa e, portanto, o inferior não
responderá.

Nesse sentido, se o inferior se negar a cumprir a ordem por ser manifestamente criminosa,
ele não responderá pelo crime de recusa de obediência, previsto no art. 163 do CPM:

Art. 163. Recusar obedecer a ordem do superior sobre assunto ou matéria de


serviço, ou relativamente a dever imposto em lei, regulamento ou instrução:

Pena - detenção, de um a dois anos, se o fato não constitui crime mais grave.

Isto posto, infere-se que o subordinado não está obrigado a cumprir ordem manifestamente
criminosa, na literalidade do CPM. Entretanto, estaria obrigado a cumprir ordem manifestamente
ilegal que não fosse criminosa.

Nesse liame, a doutrina entende que com este “jogo de palavras” entre “ilegal” e “criminoso”,
tem-se a adoção do princípio das baionetas inteligentes e não das baionetas ou obediência
cega.

Baioneta cega seria a estrutura normativa que obrigasse o militar a cumprir todas as ordens,
ainda que manifestamente ilegais ou criminosas.

Já a baioneta inteligente se refere à possibilidade de ponderação pelo subordinado, podendo


averiguar que se trata de ordem manifestamente criminosa e não cumpri-la ao realizar um juízo de
valor.

Por fim, infere-se que os requisitos da obediência hierárquica são:

1) Existência de uma ordem não manifestamente ilegal, ou seja, de duvidosa legalidade


(essa excludente não deixa de ser um misto de inexigibilidade de outra conduta com erro
de direito, segundo Nucci);

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2) Ordem direta emanada de autoridade competente em matéria de serviço
(excepcionalmente, quando se cumpre ordem de autoridade incompetente, pode se
configurar um “erro de direito escusável”);

3) Existência, como regra, de três partes envolvidas: superior, subordinado e vítima;

4) Relação de subordinação hierárquica entre o mandante e o executor, em direito público.

Não há possibilidade de se sustentar a excludente na esfera do direito privado, tendo em


vista que somente a hierarquia no setor público pode trazer graves consequências para o
subordinado que desrespeita seu superior (no campo militar, até a prisão disciplinar pode ser
utilizada pelo superior, quando não configurar crime).

5) Estrito cumprimento da ordem.

Neste último caso, em se tratando de ordem de duvidosa legalidade, é preciso, para valer-
se da excludente, que o subordinado fixe os exatos limites da determinação que lhe foi passada. O
exagero descaracteriza a excludente, pois se vislumbra ter sido exigível do agente outra conduta,
tanto que extrapolou o contexto daquilo que lhe foi determinado por sua própria conta e risco.

Como o tema foi cobrado em concurso?


(MPM - Promotor de Justiça - MPM - 2021): Ao tratar da coação moral ou
física e da obediência hierárquica, art. 38 do CPM, dispondo que não é
culpado quem comete o crime nessas condições, pela inexigibilidade de
conduta diversa, adotou o funcionalismo penal, contemplando elementos
normativos, da teoria psicológico-normativa da culpabilidade. Errado.

4. DOLO E CULPA

Considerando que o CPM adota a Teoria do Neocausalismo Clássico, pode-se aduzir que
dolo é a vontade consciente de praticar a conduta típica, acompanhada da consciência de que se
realiza um ato ilícito.

A culpa, por sua vez, é o comportamento voluntário desatencioso, voltado a um determinado


objetivo, lícito ou ilícito, embora produza resultado ilícito, não desejado, mas previsível, que podia
ter sido evitado.

O dolo é a regra; a culpa, exceção.

Para melhor visualizar as diferenças entre os institutos nas legislações especial e comum,
traz-se o seguinte quadro comparativo:

Quadro Comparativo do dolo e da culpa

CPM CP Comum

Art. 33. Diz-se o crime: Art. 18 - Diz-se o crime:

Culpabilidade

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I - doloso, quando o agente quis o resultado ou I - doloso, quando o agente quis o resultado ou
assumiu o risco de produzi-lo; assumiu o risco de produzi-lo;

II - culposo, quando o agente, deixando de II - culposo, quando o agente deu causa ao


empregar a cautela, atenção, ou diligência resultado por imprudência, negligência ou
ordinária, ou especial, a que estava obrigado imperícia.
em face das circunstâncias, não prevê o
resultado que podia prever ou, prevendo-o, Parágrafo único - Salvo os casos expressos em
supõe levianamente que não se realizaria ou lei, ninguém pode ser punido por fato previsto
que poderia evitá-lo. como crime, senão quando o pratica
dolosamente.
Excepcionalidade do crime culposo
Agravação pelo resultado
Parágrafo único. Salvo os casos expressos em
lei, ninguém pode ser punido por fato previsto Art. 19 - Pelo resultado que agrava
como crime, senão quando o pratica especialmente a pena, só responde o agente
dolosamente. que o houver causado ao menos
culposamente.
Nenhuma pena sem culpabilidade

Art. 34. Pelos resultados que agravam


especialmente as penas só responde o agente
quando os houver causado, pelo menos,
culposamente.

Em que pese a “fórmula” do dolo e da culpa seja igual tanto no CPM quanto no CP Comum,
o próprio CPM dispõe que o dolo e a culpa, no âmbito da Legislação Castrense, estão localizados
na culpabilidade (causalismo), diferentemente do CP Comum, cujo dolo e culpa são elementos
subjetivos do fato típico (finalismo).

Em continuidade, destaca-se que o dolo possui os seguintes elementos:

1) Elemento intelectivo (cognitivo): o agente deve conhecer a situação fática para agir com
dolo.

2) Elemento volitivo: o agente deve querer atingir o resultado típico ou assumir o risco de
produzi-lo.

3) Atual (e não potencial) consciência da ilicitude.

A exclusão do dolo significa a exclusão da culpabilidade e, portanto, exclusão do crime, nos


termos da Teoria Tripartite do Crime.

Ademais, ao passo que o CP Comum descreve expressamente as hipóteses de


imprudência, negligência ou imperícia, o CPM prevê as espécies de culpa consciente e
inconsciente.

No que tange à distinção entre culpa inconsciente e culpa consciente, tem-se que a
primeira modalidade é a culpa por excelência, ou seja, a culpa sem previsão do resultado. O agente
não tem previsão (ato de prever) do resultado, mas mera previsibilidade (possibilidade de prever).
A segunda é a chamada culpa com previsão, ocorrendo quando o agente prevê que sua conduta

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pode levar a um certo resultado lesivo, embora acredite, firmemente, que tal evento não se realizará,
confiando na sua atuação (vontade) para impedir o resultado.

Para melhor compreensão, consagra-se a seguinte ideia: “não prevê o resultado que poderia
prever” (culpa inconsciente); “prevendo-o, supõe levianamente que não se realizaria ou que poderia
evitá-lo” (culpa consciente).

Apesar das diferenças, na prática, muitos aplicam a estrutura do CP Comum na Justiça


Militar.

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TEORIA DO ERRO

1. ERRO DE DIREITO

O CPM cuida do tema como erro de direito – antiga nomenclatura do CP Comum – enquanto
este trata do assunto sob o título de erro de proibição. Entretanto, basicamente, ambos se
concentram no mesmo foco: o erro quanto à ilicitude do fato.

Além disso, o CPM considera a ocorrência de erro de direito mera causa de atenuação da
pena ou substituição por outra menos grave, enquanto o CP Comum, conforme a situação, permite
até mesmo a absolvição. Assim segue:

Quadro Comparativo do erro de direito

CPM (erro de direito) CP Comum (erro de proibição)

Art. 35. A pena pode ser atenuada ou Art. 21 - O desconhecimento da lei é


substituída por outra menos grave quando o inescusável. O erro sobre a ilicitude do fato, se
agente, salvo em se tratando de crime que inevitável, isenta de pena; se evitável, poderá
atente contra o dever militar, supõe lícito o fato, diminuí-la de um sexto a um terço.
por ignorância ou erro de interpretação da lei,
se escusáveis. Parágrafo único - Considera-se evitável o erro
se o agente atua ou se omite sem a consciência
Art. 73. Quando a lei determina a agravação ou da ilicitude do fato, quando lhe era possível, nas
atenuação da pena sem mencionar o quantum, circunstâncias, ter ou atingir essa consciência.
deve o juiz fixá-lo entre um quinto e um terço,
guardados os limites da pena cominada ao
crime.

Consoante apontado, o erro de direito (CPM), diferentemente do erro de proibição (CP


Comum), não exculpa/afasta a responsabilidade penal, apenas mitiga resposta penal, atenua ou
permite a substituição por pena mais branda.

O erro recai sobre a licitude do fato, por ignorância/desconhecimento ou erro de


interpretação da lei (e não do próprio fato), uma vez que a ignorância da lei não escusa.

Entretanto, o erro de direito não se aplica a crimes contra o dever militar que, conforme
visualizado anteriormente, para o doutrinador Cícero Coimbra são aqueles previstos nos arts. 183
a 204 do CPM. Para Nucci, a ressalva constante da norma penal é pertinente, pois os deveres
militares constituem parte inerente da vida militar, em qualquer nível.

Assim sendo, não se pode admitir a alegação de erro quanto à ilicitude, no cenário de crime
atentatório a dever militar. Seria uma contradição exigir do militar o fiel conhecimento de seus
deveres funcionais e permitir a alegação de desconhecimento do ilícito nesse campo.

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Ante o exposto, reitera-se que mesmo no erro escusável ou inevitável, permite-se a
aplicação de pena no âmbito do CPM. Para Cícero Coimbra, trata-se de um resquício da
responsabilidade penal objetiva, de modo que haverá sanção penal sem dolo ou culpa.

Sobre o erro de direito, tem-se o seguinte julgado do STM:

Não se configura erro de proibição ou outro de qualquer natureza quando a


consciência do fato típico era possível de ser alcançada pelo agente, com
base na sua experiência de vida, seja pessoal, seja profissional. In casu, o
apelante, ao tempo do crime, não era exatamente novato na Marinha, uma
vez que, como adiantou no seu interrogatório, já havia ultrapassado o seu
período de formação de soldado, formação essa que, como é notório, inclui a
instrução sobre crimes militares e as suas consequências. Ademais, não
passa in albis que, então, já possuía curso superior, ainda que incompleto,
na área de técnicas contábeis, o que, à evidência, constitui um significativo
sinal da sua capacidade de bem avaliar o caráter ilícito da sua conduta e o
seu significado em face do direito penal militar. Delito de abandono de posto
delineado e provado em todas as suas elementares objetivas e subjetivas.
No mérito, denegação do apelo defensivo, por unanimidade. (Apelação n.º
7000402-08.2019.7.00.0000, rel. Luis Carlos Gomes Mattos, 18.09.2019).

Como o tema foi cobrado em concurso?

(PM-AM - Oficial - FGV- 2022): O erro de direito do Código Penal Militar está
relacionado com a ignorância ou falsa interpretação da lei. A regra castrense
diverge da do Código Penal Comum, uma vez que mesmo sendo escusável,
o erro não exclui o dolo, mas apenas atenua ou permite a substituição da
pena. Correto.

(MPM - Promotor de Justiça - MPM - 2021): A atenuação da pena, nos


casos de Erro de Direito, art. 35 do CPM, quando o agente supõe lícito o fato,
por ignorância ou por erro de interpretação da lei, se escusável, vale dizer,
inevitável, salvo em se tratando de crime que atente contra o dever militar,
refere-se, diretamente, à culpabilidade e não à ação típica, possibilitando a
responsabilidade objetiva, impondo-se sanção ao comportamento no qual
pode não se achar a intenção livre e consciente ou a culpa. Correto.

(MPM - Promotor de Justiça - MPM - 2021): Ao enunciar o Erro de Direito,


art. 35 do CPM, cria uma frontal discrepância com o direito penal comum.
Enquanto a ignorância sobre a ilicitude admite isenção de pena, com
exclusão da culpabilidade no CPB, no CPM a pena poderá ser, no máximo,
substituída por uma mais branda. Correto.

2. ERRO DE FATO

O CPM cuida, como erro de fato, de 2 situações diversas: uma delas concerne ao erro de
fato propriamente dito – ou erro de tipo, como prefere a nomenclatura do CP Comum – e outra
pertine a circunstância de fato, apta a legitimar determinada conduta, no cenário da descriminante
putativa, conforme apontado abaixo:

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Quadro Comparativo do erro de fato

CPM (erro de fato essencial) CP Comum (erro de tipo)

Art. 36. É isento de pena quem, ao praticar o Art. 20 - O erro sobre elemento constitutivo do
crime, supõe, por erro plenamente escusável, a tipo legal de crime exclui o dolo, mas permite a
inexistência de circunstância de fato que o punição por crime culposo, se previsto em lei.
constitui ou a existência de situação de fato que
tornaria a ação legítima. Descriminantes putativas

Erro culposo § 1º - É isento de pena quem, por erro


plenamente justificado pelas circunstâncias,
§ 1º Se o erro deriva de culpa, a este título supõe situação de fato que, se existisse,
responde o agente, se o fato é punível como tornaria a ação legítima. Não há isenção de
crime culposo. pena quando o erro deriva de culpa e o fato é
punível como crime culposo.
Erro provocado
Erro determinado por terceiro
§ 2º Se o erro é provocado por terceiro,
responderá este pelo crime, a título de dolo ou § 2º - Responde pelo crime o terceiro que
culpa, conforme o caso. determina o erro.

O erro de fato, todavia, não coincide com o erro de tipo previsto no CP Comum.

Há 2 hipóteses do erro de fato essencial – cuja base é a falsa compreensão do fato (e não
da lei) – previstas no art. 36 do CPM:

1) Erro de fato essencial plenamente escusável, invencível ou inevitável

Está previsto na primeira parte do art. 36. Trata-se da suposição de inexistência de


circunstância de fato. O dolo é excluído pela ausência de cognição e, portanto, o agente não deseja
o resultado típico.

Ex.: os militares estão em stand de tiro noturno e o tenente manda que eles apontem a arma
para o alvo. O tenente não percebe que atrás do alvo, há outro militar e dá voz de comando para
disparar, matando o outro militar.

O agente que pratica o crime, supondo a inexistência de elemento fático constitutivo do tipo,
quando escusável, afasta o dolo, que termina por não abranger todos os elementos do tipo penal.

Pode remanescer a forma culposa, conforme indicado pelo art. 36, § 1º do CPM. Entretanto,
sendo integralmente escusável o erro do agente, afasta-se também a culpa, absolvendo-se o réu.

Relembre-se que o CPM adota a Teoria Causalista, que cuida do dolo e da culpa na
culpabilidade. Portanto, para esta teoria, não havendo dolo e culpa, inexiste culpabilidade, logo,
inexiste crime. E, para a ótica finalista, não havendo dolo e culpa, inexiste tipicidade, logo, não há
crime igualmente.

2) Descriminante putativa

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Refere-se à existência de situação de fato que justificaria a conduta. O dolo é excluído pela
ausência da atual consciência da ilicitude (dolo normativo).

No que se refere à descriminante putativa do § 1º do art. 20 do CP Comum, há grande


discussão acerca da sua natureza jurídica. Para parte da doutrina, a descriminante putativa
configuraria erro de proibição indireto. Para outra parte, seria erro de tipo permissivo. Para Luiz
Flávio Gomes, seria erro sui generis, que não se encaixa nem no erro de proibição nem no erro de
tipo.

Tal divergência não ocorre na descriminante putativa prevista na segunda parte do art. 36
do CPM. Trata-se de erro de fato essencial explícito.

Desse modo, para o CPM, quem atua em legítima defesa putativa (ou outra excludente de
ilicitude putativa), por exemplo, deve ser absolvido, quando escusável seu erro. Se inescusável,
pode responder por culpa.

Ex.: quando o militar visualiza outro agente com a mão no bolso da calça e imagina que este
sacará uma arma para lhe dar um tiro. Imediatamente, o militar atira contra o agente, matando-o.
Contudo, o agente apenas iria retirar um lenço do bolso. Nesse caso, se o agente realmente tivesse
uma arma, tornaria a ação do militar legítima, de modo que a descriminante putativa é aplicada.

Destarte, o agente pratica o crime supondo a existência de uma situação fática que, se
realmente existisse, constituiria excludente de ilicitude (tornar a ação legítima).

No que se refere ao erro culposo do CPM, tem-se sua correspondência no CP Comum na


segunda parte do § 1º do art. 20. Assim, permite-se a punição por culpa em ambas as hipóteses de
erro de fato essencial, salientando que no caso da descriminante putativa, seria a culpa imprópria.

Ademais, com relação ao erro provocado, tem-se o exemplo de um médico militar que quer
matar o paciente militar. Para tanto, utiliza-se do enfermeiro para praticar o crime, prescrevendo
medicação que combinada à situação hospitalar do paciente, o levará à morte. Nesse caso, deve-
se avaliar o enfermeiro. Se ele tinha condições de chegar ao conhecimento de que aquilo que fazia
iria matar o paciente, aplicam-se os §§ 1º e 2º do CPM, respondendo o médico por homicídio doloso
e o enfermeiro por homicídio culposo.

A respeito do tema, colaciona-se a seguinte jurisprudência do STM:

Os registros de imagens e de vídeos confirmam que o local em que os


recorrentes foram flagrados se encontrava devidamente identificado por
placa informando tratar-se de ‘área militar – proibida a entrada’, circunstância
que evidencia ser inconcebível o desconhecimento do caráter ilícito da
conduta por eles praticada. Quando a instrução processual demonstrar ser
indene de dúvidas que os sujeitos ativos, de forma consciente e voluntária,
adentraram em ‘solo castrense’, evidenciando o agir por eles perpetrado
doloso, restará violado o preceito penal ‘sub judice’. A resposta penal foi justa,
adequada e compatível com o ilícito apurado. De valia destacar, outrossim, o
importante preceito da prevenção geral da pena, sobretudo no âmbito
castrense. A finalidade sancionatória não se resume à punição do sujeito que
a pratica, visa igualmente desestimular outros a cometerem idêntico ilícito.
Apelo desprovido. Decisão majoritária. (Apelação n.º 7001299-
36.2019.7.00.0000, rel. Maria Elizabeth Guimarães Teixeira Rocha,
25.06.2020, maioria).

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Como o tema foi cobrado em concurso?


(PM-AM - Oficial - FGV- 2022): Com exceção da modalidade culposa, o crime
de ingresso clandestino do Código Penal Militar exige um dolo específico do
agente de penetração em lugar sujeito à administração militar. Errado.

(EsFCEx - Oficial - Direito - Exército - 2014): O Soldado John recebe uma


lata de talco do Soldado Peter que pede que ele entregue, sem ninguém
saber, ao Soldado Harold. Pensando haver talco na lata, ele a leva ao
Soldado Harold e é pego em flagrante no momento da entrega. Ela estava
cheia de cocaína. Segundo positivado no CPM a conduta do Soldado John
não seria típica, vez que excluído o dolo por se tratar de erro de tipo. Errado.

ERRO DE FATO ACIDENTAL

Possui previsão legal no art. 37 do CPM:

Erro sobre a pessoa


Art. 37. Quando o agente, por erro de percepção ou no uso dos meios de
execução, ou outro acidente, atinge uma pessoa em vez de outra, responde
como se tivesse praticado o crime contra aquela que realmente pretendia
atingir. Devem ter-se em conta não as condições e qualidades da vítima, mas
as da outra pessoa, para configuração, qualificação ou exclusão do crime, e
agravação ou atenuação da pena.
Erro quanto ao bem jurídico
§ 1º Se, por erro ou outro acidente na execução, é atingido bem jurídico
diverso do visado pelo agente, responde este por culpa, se o fato é previsto
como crime culposo.
Duplicidade do resultado
§ 2º Se, no caso do artigo, é também atingida a pessoa visada, ou, no caso
do parágrafo anterior, ocorre ainda o resultado pretendido, aplica-se a regra
do art. 79.

No erro de fato acidental, o agente deseja cometer o crime, mas o pratica de forma diversa
daquela que pretendia.

Isto posto, infere-se que a base do erro acidental se dá no erro de percepção (erro in
persona), no uso dos meios de execução (aberratio ictus) ou outro acidente.

A título de exemplificação do erro in persona, tem-se a hipótese em que um tenente


(inferior) deseja matar o capitão (superior). Ao disparar, o tenente erra o tiro e acerta acidentalmente
um soldado (subordinado a ambos). Nesse caso, ainda que o tenente tenha atingido um inferior, ele
responderá por violência contra superior, pois seu real desejo era matar o capitão.

No que se refere ao aberratio ictus, há exemplo de um militar que está na frente de outro
militar e deseja arremessar contra ele uma pedra. Todavia, ao arremessar, atinge uma luminária,
causando um dano. Nesse caso, o militar responderia pelo crime de dano, mas como não existe a
modalidade de dano culposo, não responderá por nada.

Sobre os institutos, apresenta-se o seguinte julgado do STM:

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I – A ocorrência de aberratio ictus (art. 37 do CPM) não tem o condão de
afastar a competência da Justiça Militar, tendo em vista que o erro sobre a
pessoa constitui regra circunscrita à matéria penal, e não processual. II –
Nessas situações, as condições da vítima pretendida, bem como as
circunstâncias que qualificam o crime, adequadas a ela e à situação fática,
serão consideradas unicamente para a aplicação da pena. III – A existência
de erro sobre a pessoa não é capaz de alterar a competência (regra
processual), mas somente de interferir na aplicação da reprimenda penal, por
se considerar as características da vítima almejada. Recurso em Sentido
Estrito não provido. (Recurso em Sentido Estrito n.º 7001422-
34.2019.7.00.0000, rel. José Coêlho Ferreira, 12.03.2020, v.u.).

No que se refere ao § 2º, sendo também atingida a pessoa visada, ou ocorrendo, ainda, o
resultado pretendido, aplica-se a regra do art. 79:

Art. 79. Quando o agente, mediante uma só ou mais de uma ação ou omissão,
pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não, as penas privativas de
liberdade devem ser unificadas. Se as penas são da mesma espécie, a pena
única é a soma de todas; se, de espécies diferentes, a pena única e a mais
grave, mas com aumento correspondente à metade do tempo das menos
graves, ressalvado o disposto no art. 58.

Portanto, como consequências do erro de fato acidental, infere-se que o agente responde
pelo delito pretendido (erro in persona e aberratio ictus), apenas culposamente ou em concurso
(caso do § 2º).

Evidencia-se, por fim, outras 2 modalidades de erro acidental:

1) Erro sobre o nexo causal (aberratio causae): o agente elege uma forma de causação
do resultado pensando ter completado seu intento, porém, a posteriori, constata-se que
a produção do resultado se deu por outro meio.

Ex.: o agente deseja matar alguém e, para tanto, lhe dá 20 facadas. Ao finalizar, joga o corpo
no rio. Ocorre que a vítima morreu por afogamento, e não pelas facadas.

2) Error in objecto: é o exemplo do agente que deseja furtar a pistola de José e acaba
furtando a pistola de João.

Como o tema foi cobrado em concurso?


(MPM - Promotor de Justiça - MPM - 2021): O erro acidental não exclui a
inflição de pena, ao contrário a agrava, se além da pessoa visada outra veio
a ser atingida, a título de dolo ou culpa, se a este título pode ser imputado o
delito, no limite mínimo da extensão da responsabilidade penal. Correto.

(STM - Juiz Auditor - CESPE - 2013): A aberratio ictus constitui erro na


execução e difere do erro sobre a pessoa, ambos previstos expressamente
na norma penal militar, em duas circunstâncias assinaladas pela doutrina: no
erro sobre a pessoa, não há concordância entre a realidade do fato e a
representação do agente; na aberratio ictus, a pessoa visada pelo agente
sofre perigo de dano, o que não ocorre no erro sobre a pessoa. Correto.

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CONCURSO DE PESSOAS

Segundo Nucci, trata-se da cooperação desenvolvida por várias pessoas para o


cometimento de uma infração penal. Chama-se, ainda, em sentido lato: coautoria, participação,
concurso de delinquentes, concurso de agentes, cumplicidade.

Quadro Comparativo do concurso de agentes

CPM CP Comum

Coautoria Art. 29 - Quem, de qualquer modo, concorre


para o crime incide nas penas a este
Art. 53. Quem, de qualquer modo, concorre cominadas, na medida de sua culpabilidade.
para o crime incide nas penas a este
cominadas. § 1º - Se a participação for de menor
importância, a pena pode ser diminuída de um
Condições ou circunstâncias pessoais sexto a um terço.
§ 1º A punibilidade de qualquer dos Circunstâncias incomunicáveis
concorrentes é independente da dos outros,
determinando-se segundo a sua própria Art. 30 - Não se comunicam as circunstâncias e
culpabilidade. Não se comunicam, outrossim, as condições de caráter pessoal, salvo quando
as condições ou circunstâncias de caráter elementares do crime.
pessoal, salvo quando elementares do crime.

Atenuação de pena

§ 3º A pena é atenuada com relação ao agente,


cuja participação no crime é de somenos
importância.

Nomear o título do art. 53 de coautoria, para Nucci, significa adotar a Teoria Subjetiva do
conceito de autor, vale dizer, inexiste distinção entre autor, coautor, partícipe, coparticipe etc. Afinal,
intitulá-lo dessa forma abrange todas as modalidades de agentes. Contudo, a previsão formulada
no § 3º, permitindo atenuação da pena ao partícipe de menor importância, indica a divisão entre
autor e partícipe, o que apontaria a adoção da Teoria Objetiva (conceito restrito de autor).

Contudo, sendo possível que haja a responsabilidade penal para o indivíduo que concorra
para o crime de qualquer modo, para Cícero Coimbra há a adoção da Teoria Extensiva ou Subjetiva
Causal Condicionada, pois admite diferenciação no que tange à participação de somenos
importância.

Destaca-se, todavia, que a punibilidade de qualquer dos concorrentes é independente da


dos outros, determinando-se segundo a sua própria culpabilidade. Ademais, não se comunicam as
condições ou circunstâncias de caráter pessoal, salvo quando elementares do crime.

Como o tema foi cobrado em concurso?


(PM-MT - Aspirante - UFMT - 2022): A pena é atenuada em relação ao
agente não punível em virtude de condição ou qualidade pessoal. Errado.

CS – DIREITO PENAL MILITAR 2023.1 56


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(MPM - Promotor de Justiça - MPM - 2021): Nada impede a aplicação no


Direito Penal Militar da cooperação dolosamente distinta, como prevê o art.
29, § 2º do CPB, permitindo-se que aquele que concorra para a perpetração
de um delito, intencionalmente, desejando participar de crime menos grave,
possa ter a aplicação apenas deste, desde que haja compatibilidade com o
sistema repressivo especial castrense. Correto.

(PM-CE - Soldado - FGV - 2021): O oficial que instiga seus inferiores a


cometer o delito, sem dar ordem direta ou organizar a ação criminosa, terá
sua pena atenuada se o crime for consumado, pois é uma hipótese de
participação de somenos importância. Errado.

No que se refere às agravantes, há as seguintes previsões legais:

Quadro Comparativo das agravantes no concurso de agentes

CPM CP Comum

Art. 53, § 2° A pena é agravada em relação ao Art. 62 - A pena será ainda agravada em
agente que: relação ao agente que:

I - promove ou organiza a cooperação no crime I - promove, ou organiza a cooperação no crime


ou dirige a atividade dos demais agentes; ou dirige a atividade dos demais agentes;

II - coage outrem à execução material do crime; II - coage ou induz outrem à execução material
do crime;
III - instiga ou determina a cometer o crime
alguém sujeito à sua autoridade, ou não punível III - instiga ou determina a cometer o crime
em virtude de condição ou qualidade pessoal; alguém sujeito à sua autoridade ou não-punível
em virtude de condição ou qualidade pessoal;
IV - executa o crime, ou nele participa, mediante
paga ou promessa de recompensa. IV - executa o crime, ou nele participa,
mediante paga ou promessa de recompensa.

Incidem na 2ª fase da dosimetria da pena.

Obs.: O inciso II do § 2º do art. 53 do CPM prevê apenas a coação,


diferentemente do inciso II do art. 62 do CP Comum, que dispõe
também sobre a indução de outrem à execução material do crime.
Desse modo, não é possível se utilizar da indução prevista no CPM,
pois configuraria analogia in malam partem.

Para definir o quantum da agravação utiliza-se o art. 73 do CPM (de 1/5 a 1/3).

É imprescindível salientar, em continuidade, que as agravantes não se confundem com a


figura dos cabeças e NÃO podem coexistir, sob pena de bis in idem.

Os cabeças, por sua vez, estão dispostos no §§ 4º e 5º do art. 53 do CPM, in verbis:

Art. 53, § 4º Na prática de crime de autoria coletiva necessária, reputam-se


cabeças os que dirigem, provocam, instigam ou excitam a ação.

CS – DIREITO PENAL MILITAR 2023.1 57


.

§ 5º Quando o crime é cometido por inferiores e um ou mais oficiais, são estes


considerados cabeças, assim como os inferiores que exercem função de
oficial.

À vista disso, pode-se inferir que cabeças são aqueles que dirigem, provocam, instigam ou
excitam a ação em crimes de autoria coletiva necessária (plurissubjetivos) e com previsão no
preceito secundário.

Há discussão acerca do § 5º, pois o oficial, apenas por ser oficial e ter a participação de um
inferior no crime, se tornaria cabeça, não se restringindo aos delitos de autoria coletiva necessária.

Desse modo, para parte da doutrina, aplica-se o § 5º a qualquer crime militar, inclusive de
autoria coletiva eventual. Contudo, para Cícero Coimbra, os §§ 4º e 5º não podem ser dissociados,
entendendo que a figura do cabeça ocorre apenas para os crimes plurissubjetivos.

Assim, tem-se que existem 2 possibilidades de cabeças:

1) Aqueles que “orquestram” ou estimulam a prática do delito;

2) Os oficiais ou quem desempenhe a função de oficial.

Destaca-se que o apenamento especial aos cabeças pode incidir tanto na 1ª fase de
dosimetria da pena – como nos crimes de tentativa contra a soberania do Brasil (art. 142),
amotinamento (art. 182), motim, revolta ou conspiração em tempo de guerra (art. 368) – bem como
na 3ª fase da dosimetria, a exemplo do crime de motim (art. 149 do CPM), que prevê a pena de
reclusão de 4 a 8 anos, com aumento de 1/3 para os cabeças, podendo ultrapassar o limite máximo
fixado no crime.

Como o tema foi cobrado em concurso?


(PM-PA - Soldado - IADES - 2021): Sempre será considerado “cabeça” o
militar inferior hierárquico que instiga a ação, mesmo quando o crime militar
for praticado por inferiores e oficiais. Errado.

(EsFCEx - Oficial - Direito - Exército - 2014): Em um motim liderado pelos


Sargentos Pepper e Lennon, participa o Tenente Macartney que, no entanto,
apenas segue as instruções daqueles dois, a exemplo das praças
participantes. Por tal motivo, Macartney não pode ser considerado cabeça,
nos termos do CPM. Errado.

CS – DIREITO PENAL MILITAR 2023.1 58


.
PENA NO DIREITO PENAL MILITAR

Pena é a sanção imposta pelo Estado, por meio de ação penal, ao criminoso como forma de
retribuição ao delito perpetrado e prevenção a novos crimes.

1. PENAS PRINCIPAIS

Tem-se como penas principais:

Art. 55. As penas principais são:


a) morte;
b) reclusão;
c) detenção;
d) prisão;
e) impedimento;
f) suspensão do exercício do posto, graduação, cargo ou função;
g) reforma.

Assim, tem-se que as penas principais podem ser subdivididas em 3 grupos:

1) Penas capitais;

2) Penas privativas de liberdade;

3) Penas restritivas de direitos.

Obs.: Não há disposição acerca da pena pecuniária no âmbito do


Direito Penal Militar, exceto (e apenas) quando houver previsão no
preceito secundário dos crimes militares extravagantes (nos termos do
art. 9º, inciso II, do CPM após Lei n° 13.491/17).

Passa-se, então, a discorrer acerca de cada pena principal de modo específico.

PENA DE MORTE

Está prevista nos arts. 56 e 57 do CPM:

Art. 56. A pena de morte é executada por fuzilamento.

Art. 57. A sentença definitiva de condenação à morte é comunicada, logo que


passe em julgado, ao Presidente da República, e não pode ser executada
senão depois de sete dias após a comunicação.
Parágrafo único. Se a pena é imposta em zona de operações de guerra, pode
ser imediatamente executada, quando o exigir o interesse da ordem e da
disciplina militares.

CS – DIREITO PENAL MILITAR 2023.1 59


.
A priori, é mister enfatizar que a pena de morte foi recepcionada pela Constituição Federal,
conforme o art. 5º, inciso XLVII, alínea “a”, cumulada com o art. 84, inciso XIX, in verbis:

Art. 5º, XLVII - não haverá penas:


a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX;

Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República:


XIX - declarar guerra, no caso de agressão estrangeira, autorizado pelo
Congresso Nacional ou referendado por ele, quando ocorrida no intervalo das
sessões legislativas, e, nas mesmas condições, decretar, total ou
parcialmente, a mobilização nacional.

Destaca-se que a pena de morte será aplicada em caso de guerra declarada, e NÃO em
caso de tempo de guerra (que começa nos termos do art. 15 do CPM, com a declaração ou o
reconhecimento do estado de guerra, ou com o decreto de mobilização se nele estiver
compreendido aquele reconhecimento).

Significa dizer que se foi aberto o tempo de guerra por um decreto que mobilizou a tropa, é
possível haver os crimes militares em tempo de guerra, mas não é possível a aplicação da pena de
morte, uma vez que esta só é aplicável em caso de guerra declarada pelo Presidente da República.

Obs.: Pela literalidade do art. 5º, inciso XLVII da CF/88, seria possível
a aplicação da pena de morte a qualquer crime comum. Contudo,
hodiernamente, a pena de morte existe apenas no CPM. Frise-se,
ainda, que não é possível uma nova lei surgir prevendo a aplicação da
pena de morte, em virtude da Convenção Americana de Direitos
Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), pois os países que
aboliram a pena de morte – como o Brasil – não podem retomá-la.

Conforme disposto no caput do art. 56, o modo de execução da pena é através do


fuzilamento. O ritual da execução, por sua vez, se dá de acordo o art. 707 do CPPM:

Art. 707. O militar que tiver de ser fuzilado sairá da prisão com uniforme
comum e sem insígnias, e terá os olhos vendados, salvo se o recusar, no
momento em que tiver de receber as descargas. As vozes de fogo serão
substituídas por sinais.

Nos termos do art. 57, a comunicação obrigatória ao Presidente da República da sentença


fixando a pena de morte concentra-se na possibilidade de ser aplicada a medida constitucional de
clemência, referente à graça (indulto individual), que pode ser total ou parcial.

Ademais, há também a possibilidade de concessão da comutação (indulto parcial),


convolando a pena de morte em outra modalidade, tal como a privativa de liberdade. Ex.: reclusão
de 30 anos.

RECLUSÃO E DETENÇÃO

Não há previsão expressa no CPM acerca do cumprimento da reclusão e detenção. Assim,


todas as disposições acerca dos regimes de pena e progressões são “importadas” do CP Comum.

CS – DIREITO PENAL MILITAR 2023.1 60


.
Todavia, tem-se os seguintes dispositivos normativos:

Art. 58. O mínimo da pena de reclusão é de um ano, e o máximo de trinta


anos; o mínimo da pena de detenção é de trinta dias, e o máximo de dez
anos.

Destaca-se, inicialmente, que o art. 58 é aplicável aos crimes que não possuem exatidão no
preceito secundário, como no crime de furto (art. 240 do CPM), que prevê a pena de reclusão de
até 6 anos, sem estipular o mínimo.

Salienta-se que o espírito do CPM para os militares seria o cumprimento integral da pena no
regime fechado. Contudo, o STF, no HC 104.174/RJ determinou que:

HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL. PENAL E PROCESSUAL PENAL


MILITAR. EXECUÇÃO DA PENA. PROGRESSÃO DE REGIME PRISIONAL
EM ESTABELECIMENTO MILITAR. POSSIBILIDADE. PROJEÇÃO DA
GARANTIA DA INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA (INCISO XLVI DO ART. 5º
DA CF/88). LEI CASTRENSE. OMISSÃO. APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA DO
CÓDIGO PENAL COMUM E DA LEI DE EXECUÇÃO PENAL. ORDEM
PARCIALMENTE CONCEDIDA. 1. O processo de individualização da pena é
um caminhar no rumo da personalização da resposta punitiva do Estado,
desenvolvendo-se em três momentos individuados e complementares: o
legislativo, o judicial e o executivo. É dizer: a lei comum não tem a força de
subtrair do juiz sentenciante o poder-dever de impor ao delinquente a sanção
criminal que a ele, juiz, afigurar-se como expressão de um concreto
balanceamento ou de uma empírica ponderação de circunstâncias objetivas
com protagonizações subjetivas do fato-tipo. [...] 2. Os militares, indivíduos
que são, não foram excluídos da garantia constitucional da individualização
da pena. Digo isso porque, de ordinário, a Constituição Federal de 1988,
quando quis tratar por modo diferenciado os servidores militares, o fez
explicitamente. Por ilustração, é o que se contém no inciso LXI do art. 5º do
Magno Texto, a saber: ninguém será preso senão em flagrante delito ou por
ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos
casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei.
Nova amostragem está no preceito de que não caberá habeas corpus em
relação a punições disciplinares militares (§ 2º do art. 142). Isso sem contar
que são proibidas a sindicalização e a greve por parte do militar em serviço
ativo, bem como a filiação partidária (incisos IV e V do § 3º do art. 142). 3. De
se ver que esse tratamento particularizado decorre do fato de que as Forças
Armadas são instituições nacionais regulares e permanentes, organizadas
com base na hierarquia e disciplina, destinadas à Defesa da Pátria, garantia
dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da
ordem (cabeça do art. 142). Regramento singular, esse, que toma em linha
de conta as peculiaridades de suas atividades, inclusive aquelas cumpridas
por força de compromissos internacionais e de guerra (inciso X do art. 142).
4. É de se entender, desse modo, contrária ao texto constitucional a
exigência do cumprimento de pena privativa de liberdade sob regime
integralmente fechado em estabelecimento militar, seja pelo invocado
fundamento da falta de previsão legal na lei especial, seja pela
necessidade do resguardo da segurança ou do respeito à hierarquia e à
disciplina no âmbito castrense. 5. Ordem parcialmente concedida para
determinar ao Juízo da execução penal que promova a avaliação das

CS – DIREITO PENAL MILITAR 2023.1 61


.
condições objetivas e subjetivas para progressão de regime prisional, na
concreta situação do paciente, e que aplique, para tanto, o Código Penal e a
Lei 7.210/1984 naquilo que for omissa a Lei castrense. (STF - HC: 104174
RJ, Relator: Min. AYRES BRITTO, Data de Julgamento: 29/03/2011,
Segunda Turma, Data de Publicação: DJe-093 DIVULG 17-05-2011 PUBLIC
18-05-2011 EMENT VOL-02524-01 PP-00118).

César Dario Mariano da Silva, todavia, entende que pelo fato de o CPM configurar legislação
especial em comparação ao CP Comum, o cumprimento de pena em regime integralmente fechado
não seria inconstitucional.

Destaca-se, por conseguinte, o disposto no art. 61 do CPM:

Pena superior a dois anos, imposta a militar


Art. 61 - A pena privativa da liberdade por mais de 2 (dois) anos, aplicada a
militar, é cumprida em penitenciária militar e, na falta dessa, em
estabelecimento prisional civil, ficando o recluso ou detento sujeito ao regime
conforme a legislação penal comum, de cujos benefícios e concessões,
também, poderá gozar.

No que se refere ao art. 61, tem-se que há 3 regimes de cumprimento de pena, fechado
(segurança máxima); semiaberto (segurança média) e aberto (fiscalização).

Conforme preceitua o art. 33, § 2º, do CP Comum, para penas superiores a 8 anos, deve-se
fixar o regime inicial fechado; para penas superiores a 4 até 8, pode-se fixar o fechado ou o
semiaberto; para penas até 4 anos, fechado, semiaberto ou aberto. A escolha do regime inicial deve
ser fundamentada, valendo-se o julgador dos elementos constantes do art. 59 do CP Comum.

A pena inferior a 2 anos para o militar, por outro lado, será a pena de prisão, nos termos do
art. 59 do CPM.

Em continuidade, o art. 62 do CPM, por sua vez, preleciona que:

Pena privativa da liberdade imposta a civil


Art. 62 - O civil cumpre a pena aplicada pela Justiça Militar, em
estabelecimento prisional civil, ficando ele sujeito ao regime conforme a
legislação penal comum, de cujos benefícios e concessões, também, poderá
gozar.
Cumprimento em penitenciária militar
Parágrafo único - Por crime militar praticado em tempo de guerra poderá o
civil ficar sujeito a cumprir a pena, no todo ou em parte em penitenciária
militar, se, em benefício da segurança nacional, assim o determinar a
sentença.

Isto posto, infere-se que o civil cumpre a pena em estabelecimento penal comum, aplicando-
se a Lei de Execução Penal (LEP).

PRISÃO

Ressalta-se, de início, que não se confunde com a pena de prisão simples aplicável às
contravenções penais, de modo que sua aplicação ocorre nos termos legais abaixo indicados:

CS – DIREITO PENAL MILITAR 2023.1 62


.
Art. 59 - A pena de reclusão ou de detenção até 2 (dois) anos, aplicada a
militar, é convertida em pena de prisão e cumprida, quando não cabível a
suspensão condicional:
I - pelo oficial, em recinto de estabelecimento militar;
II - pela praça, em estabelecimento penal militar, onde ficará separada de
presos que estejam cumprindo pena disciplinar ou pena privativa de liberdade
por tempo superior a dois anos.
Separação de praças especiais e graduadas
Parágrafo único. Para efeito de separação, no cumprimento da pena de
prisão, atender-se-á, também, à condição das praças especiais e à das
graduadas, ou não; e, dentre as graduadas, à das que tenham graduação
especial.

Trata-se de uma pena convertida, pois não está expressa nos preceitos secundários dos
crimes. Assim, primeiro é aplicada a pena de reclusão ou detenção e, depois, verifica-se a
possibilidade de sursis. Somente em caso de não cabimento, haverá a conversão em pena de
prisão.

Para tanto, há diferenciação quanto ao local de cumprimento da pena, que se dará da


seguinte forma;

• Oficial → Quartel.

• Praça → Penitenciária militar, mas separada dos demais presos que estejam
cumprindo pena disciplinar ou pena privativa de liberdade por tempo superior a 2
anos.

Como o tema foi cobrado em concurso?


(PM-PE - Aspirante - UPENET - 2018): A pena de prisão é menos benéfica
do que as penas de reclusão e de detenção. Errado.

(CIAAR - 1º Tenente - Aeronáutica - 2018): A pena de reclusão está inserta


na categoria das penas principais e tem o mínimo de 2 (dois) anos e o máximo
de 30 (trinta) anos, sendo que a pena de reclusão de até 3 (três) anos,
aplicada a militar, é convertida em pena de prisão e cumprida em
estabelecimento militar. Errado.

IMPEDIMENTO

Previsão legal:

Art. 63. A pena de impedimento sujeita o condenado a permanecer no recinto


da unidade, sem prejuízo da instrução militar.

É uma pena privativa de liberdade.

O cumprimento da pena se dá no quartel e o condenado continua participando de todas as


atividades militares relativas à instrução.

CS – DIREITO PENAL MILITAR 2023.1 63


.
Está prevista apenas para o crime de insubmissão (art. 183 do CPM), crime que existe
apenas na órbita da Justiça Militar da União. Nesse caso, o insubmisso terá a menagem em quartel,
nos termos do art. 266 do CPPM.

Como o tema foi cobrado em concurso?


(PM-AM - Aluno Oficial - FGV - 2022): A pena de impedimento, aplicável à
maioria dos crimes propriamente militares, sujeita o condenado a permanecer
no quartel, sem prejuízo da instrução militar. Errado.

SUSPENSÃO DO EXERCÍCIO DO POSTO, GRADUAÇÃO, CARGO OU FUNÇÃO

No cenário do CPM, a suspensão do exercício do posto, graduação, cargo ou função,


representa um desprestígio, abalando moralmente o condenado. Afinal, regidos pela disciplina e
hierarquia, o afastamento das atividades pode representar sanção significativa.

Destaca-se, de início, que se afasta o militar do seu posto, graduação, cargo ou função, mas
ele continua a perceber remuneração, embora não conte esse tempo de serviço, para qualquer
finalidade.

Tal penalidade está prevista no art. 64 do Código Penal Castrense:

Art. 64. A pena de suspensão do exercício do posto, graduação, cargo ou


função consiste na agregação, no afastamento, no licenciamento ou na
disponibilidade do condenado, pelo tempo fixado na sentença, sem prejuízo
do seu comparecimento regular à sede do serviço. Não será contado como
tempo de serviço, para qualquer efeito, o do cumprimento da pena.
Caso de reserva, reforma ou aposentadoria
Parágrafo único. Se o condenado, quando proferida a sentença, já estiver na
reserva, ou reformado ou aposentado, a pena prevista neste artigo será
convertida em pena de detenção, de três meses a um ano.

Ante a leitura do art. 64, infere-se que há as seguintes hipóteses:

1) Suspensão do exercício de posto: oficial.

2) Suspensão do exercício da graduação: praça.

3) Suspensão do exercício do cargo ou função: civil.

4) Agregação: para militares de carreira, conforme o inciso XI do art. 82 do Estatuto dos


Militares (Lei n° 6.880/80):

Art. 82. O militar será agregado quando for afastado temporariamente do


serviço ativo por motivo de:
XI - ter sido condenado à pena de suspensão do exercício do posto,
graduação, cargo ou função prevista no Código Penal Militar.

O tempo de cumprimento da pena será fixado em sentença, mas nos limites estabelecidos
no preceito secundário. Ex.: o crime de exercício de comércio por oficial (art. 204 do CPM) prevê a
pena de suspensão do exercício do posto, de 6 meses a 2 anos ou reforma.

Trata-se de pena aplicável somente aos seguintes delitos:

CS – DIREITO PENAL MILITAR 2023.1 64


.
1) Ordem arbitrária de invasão (art. 170), com a pena de suspensão do exercício do posto
de 1 a 3 anos ou reforma;

2) Rigor excessivo (art. 174), com a pena de suspensão do exercício do posto por 2 a 6
meses, se o fato não constitui crime mais grave;

3) Retenção indevida (art. 197), com a pena de suspensão do exercício do posto de 3 a 6


meses, se o fato não constitui crime mais grave;

4) Omissão de eficiência da força (art. 198), com a pena de suspensão do exercício do


posto de 3 meses a 1 ano;

5) Omissão de socorro (art. 201), com a pena de suspensão do exercício do posto de 1 a


3 anos ou reforma;

6) O próprio crime de exercício de comércio por oficial (art. 204);

7) Os delitos mencionados no art. 266 – dano em material ou aparelhamento de guerra (art.


262), dano em navio de guerra ou mercante em serviço militar (art. 263), dano em
aparelhos e instalações de aviação e navais, e em estabelecimentos militares (art. 264)
e desaparecimento, consunção ou extravio (art. 265) – quando praticados por oficial, a
pena é de suspensão do exercício do posto de 1 a 3 anos ou reforma;

8) Inobservância de lei, regulamento ou instrução (art. 324), caso em que se o fato foi
praticado por negligência, a pena é de suspensão do exercício do posto, graduação,
cargo ou função, de 3 meses a 1 ano;

9) Recusa de função na Justiça Militar (art. 340), com a pena de suspensão do exercício
do posto ou cargo, de 2 a 6 meses.

A sentença definirá se o militar deverá comparecer à sede do serviço e a periodicidade.

Reitera-se, por fim, que o tempo de condenação da suspensão não conta para o tempo de
serviço para fins de aposentadoria ou promoção, por exemplo, nos termos da alínea “d” do § 4º do
art. 137 do Estatuto dos Militares:

Art. 136. Tempo de efetivo serviço é o espaço de tempo computado dia a dia
entre a data de ingresso e a data-limite estabelecida para a contagem ou a
data do desligamento em consequência da exclusão do serviço ativo, mesmo
que tal espaço de tempo seja parcelado.

Art. 137, § 4º Não é computável para efeito algum, salvo para fins de
indicação para a quota compulsória, o tempo:

d) decorrido em cumprimento de pena de suspensão do exercício do posto,


graduação, cargo ou função por sentença transitada em julgado.

CS – DIREITO PENAL MILITAR 2023.1 65


.
Como o tema foi cobrado em concurso?

(PM-SC - Aspirante - INSTITUTO AOCP - 2018): Será contado como tempo


de serviço, para qualquer efeito, o do cumprimento da pena de suspensão do
exercício do posto, graduação, cargo ou função. Errado.

REFORMA

Salienta-se, de início, que inexiste pena equivalente na esfera do Direito Penal Comum,
porém, para o militar é uma sanção rigorosa, afetando, basicamente, o aspecto moral.

Está prevista no art. 65 do CPM:

Art. 65. A pena de reforma sujeita o condenado à situação de inatividade, não


podendo perceber mais de um vinte e cinco avos do soldo, por ano de serviço,
nem receber importância superior à do soldo.

Para grande parte da doutrina, trata-se de pena inaplicável, por força do disposto na alínea
“b” do inciso XLVII do art. 5º da Constituição Federal:

Art. 5º, XLVII - não haverá penas:


b) de caráter perpétuo.

Não obstante, destaca-se que o soldo previsto no art. 65 é a parte integrante, juntamente
com adicionais e gratificações, da remuneração dos militares, consoante a Medida Provisória n°
2.215-10, de 31 de agosto de 2001:

Art. 1º A remuneração dos militares integrantes das Forças Armadas -


Marinha, Exército e Aeronáutica, no País, em tempo de paz, compõe-se de:
I - soldo.

Em que pese para alguns doutrinadores seja uma pena inconstitucional, para Cícero
Coimbra não há problema em mantê-la no CPM, pois é sempre uma pena alternativa (nunca
aplicada isoladamente) à suspensão do exercício do posto, conforme apontado, por exemplo, nos
delitos dos arts. 170 e 201 do CPM.

Como o tema foi cobrado em concurso?


(PM-PA - Aspirante - IADES - 2021): A respeito da pena principal de reforma,
o Código Penal Militar prevê que ela sujeita o condenado ao cumprimento da
pena aplicada pela Justiça Militar em estabelecimento prisional civil, ficando
ele sujeito ao regime conforme a legislação penal comum, de cujos benefícios
e concessões também poderá gozar. Errado.

2. PENAS ACESSÓRIAS

As penas acessórias são os efeitos secundários ou acessórios da sentença.

Como ensina o doutrinador Frederico Marques, ao lado dos efeitos que a condenação
produz como ato jurídico, consequências dela derivam como fato ou acontecimento jurídico.

CS – DIREITO PENAL MILITAR 2023.1 66


.
Destaca-se que atualmente o CP Comum não possui mais penas acessórias, mas efeitos
da condenação. Já o CPM prevê tanto as penas acessórias quanto os efeitos da condenação.

Desse modo, tem-se como penas acessórias:

Art. 98. São penas acessórias:


I - a perda de posto e patente;
II - a indignidade para o oficialato;
III - a incompatibilidade com o oficialato;
IV - a exclusão das forças armadas;
V - a perda da função pública, ainda que eletiva;
VI - a inabilitação para o exercício de função pública;
VII - a suspensão do pátrio poder, tutela ou curatela;
VIII - a suspensão dos direitos políticos.

Em se tratando de penas acessórias, seria possível inferir que o juiz aplica a pena principal
e, em tese, o mesmo juiz na 1ª instância aplicaria a pena acessória. Entretanto, no que tange às
penas acessórias dos incisos I, II e III do art. 98, ressalta-se que não são aplicadas, pois a 1ª
instância não pode fazê-lo, já que pelos incisos VI e VII do § 3º do art. 142 da Constituição Federal,
há necessidade de processo e julgamento por Tribunal Militar permanente em tempo de paz (STM
e TJM), in verbis:

Art. 142, § 3º Os membros das Forças Armadas são denominados militares,


aplicando-se-lhes, além das que vierem a ser fixadas em lei, as seguintes
disposições:
VI - o oficial só perderá o posto e a patente se for julgado indigno do oficialato
ou com ele incompatível, por decisão de tribunal militar de caráter
permanente, em tempo de paz, ou de tribunal especial, em tempo de guerra;
VII - o oficial condenado na justiça comum ou militar a pena privativa de
liberdade superior a dois anos, por sentença transitada em julgado, será
submetido ao julgamento previsto no inciso anterior.

Salienta-se, ainda, que o dispositivo constitucional acima exposto é também aplicado aos
oficiais pertencentes às forças auxiliares, quais sejam, as polícias militares e os corpos de
bombeiros militares.

Para o doutrinador Cícero Coimbra, essas penas acessórias não são mais penas acessórias
propriamente ditas, porque não podem mais ser aplicadas pelo juiz de 1ª instância. O que acontece
é que quando há uma condenação, por exemplo, maior que 2 anos de um oficial, seja na Justiça
Comum ou na Justiça Militar, ganha-se um gotejo constitucional para aplicação deste “efeito de
condenação” do crime.

Frise-se que os efeitos da condenação, por sua vez, estão dispostos no art. 109 do CPM:

Obrigação de reparar o dano


Art. 109. São efeitos da condenação:
I - tornar certa a obrigação de reparar o dano resultante do crime;
Perda em favor da Fazenda Nacional
II - a perda, em favor da Fazenda Nacional, ressalvado o direito do lesado ou
de terceiro de boa-fé:
a) dos instrumentos do crime, desde que consistam em coisas cujo fabrico,
alienação, uso, porte ou detenção constitua fato ilícito;

CS – DIREITO PENAL MILITAR 2023.1 67


.
b) do produto do crime ou de qualquer bem ou valor que constitua proveito
auferido pelo agente com a sua prática.

Desse modo, a título de exemplificação, havendo condenação de um oficial à pena de 3


anos pelo delito de peculato na Justiça Militar, essa condenação transitada em julgado será
remetida para o Procurador-geral de Justiça Militar (PGJM), ocasião na qual este inaugurará um
processo perante o STM, denominado de Representação por Perda de Posto ou Patente, iniciando-
se um procedimento autônomo para averiguar se o oficial merece ou não perder o posto ou a
patente em virtude de indignidade ou incompatibilidade.

Obs.: O procedimento do julgamento da Representação por Perda de


Posto ou Patente está previsto nos arts. 112 a 114 do Regimento
Interno do STM.

Salienta-se que o mesmo fluxo ocorre na Justiça Comum Estadual, de modo que a
condenação transitada em julgado será remetida para o Procurador-geral de Justiça, ocasião na
qual este oferecerá uma Representação por Perda de Posto ou Patente perante o TJM.

Ressalta-se, todavia, que não é apenas por meio da representação que o oficial pode perder
o posto ou a patente. A matriz constitucional permite também que haja a via do Conselho de
Justificação.

Às vezes um oficial pratica um ato transgressor da disciplina grave ou incompatível com o


oficialato. Mesmo que não seja crime e não redunde em condenação, é possível que órgão julgador
(STM ou TJM) avalie a possibilidade de o oficial permanecer na corporação.

Portanto, a perda de posto e patente também pode ser impulsionada pela via administrativa,
pelo Conselho de Justificação feito na própria Força Armada, mas também deve ir para o STM se
resultar em caso de perda de posto e patente, nos termos da Lei n° 5.836/72 e dos arts. 157 a 161
do Regimento Interno do STM.

Obs.: É importante não confundir Conselho de Justificação com


Conselho de Justiça. O Conselho de Justiça (permanente ou especial)
representa os órgãos de julgamento da Justiça Militar em 1ª instância
que julgam oficiais e praças. Já o Conselho de Justificação é
procedimento administrativo para aferir a perda de posto e patente,
indignidade ou incompatibilidade sem que tenha havido crime (ou
mesmo que tenha sido praticado crime mas não tenha sido feita a
representação).

É imperioso destacar, ainda, que não existe mais a desvinculação total de perda de posto e
patente, indignidade e incompatibilidade, justamente porque o inciso VI do § 3º do art. 142 da CF/88
determina que o oficial só perderá o posto e a patente se for julgado indigno do oficialato ou com
ele incompatível.

Como o tema foi cobrado em concurso?


(MPDFT - Promotor de Justiça - MPDFT - 2021): Compete à Auditoria Militar
decidir sobre a perda do cargo público de oficiais e praças da Polícia Militar
do Distrito Federal quando condenados pela prática de homicídio doloso.
Errado.

CS – DIREITO PENAL MILITAR 2023.1 68


.

(STM - Juiz Auditor - CESPE - 2013): A imposição das penas acessórias


deve ser declarada de forma expressa na sentença, com indispensável
fundamentação, admitindo-se a cominação da perda do posto e da patente
pelo juízo de primeiro grau nos casos de condenação à pena privativa de
liberdade por tempo superior a dois anos, vedada a declaração da pena de
indignidade ou incompatibilidade para o oficialato. Errado.

PERDA DE POSTO E PATENTE

Está prevista no art. 99 do CPM:

Art. 99. A perda de posto e patente resulta da condenação a pena privativa


de liberdade por tempo superior a dois anos, e importa a perda das
condecorações.

Conforme supramencionado, cabe ao STM a avaliação de perda de posto ou patente no


tocante aos oficiais das Forças Armadas. Compete ao Tribunal de Justiça Militar, onde houver, ou
ao Tribunal de Justiça Comum, quando concernente aos oficiais da Polícia Militar e Bombeiros. Ele
se aplica aos militares estaduais para a perda da graduação das praças.

Sobre o tema, tem-se o seguinte julgado do TJM/MG:

Representação para a perda da graduação – lesão corporal e violência a


superior – extrato de registros funcionais não desfavorável – condenação
criminal – reprimenda suficiente – manutenção nas fileiras da polícia militar
do estado de Minas Gerais – improcedência da representação. O extrato de
registros funcionais favorável, aliado à suficiente condenação criminal
imposta, constitui razões aptas à manutenção do representado nas fileiras da
Corporação. – Representação ministerial julgada improcedente. (RPG
0000823-31.2015.9.13.0000, T. Pleno, rel. Sócrates Edgard dos Anjos, j.
07.10.2015).

INDIGNIDADE

Tem disposição legal no art. 100 do CPM:

Art. 100. Fica sujeito à declaração de indignidade para o oficialato o militar


condenado, qualquer que seja a pena, nos crimes de traição, espionagem ou
cobardia, ou em qualquer dos definidos nos arts. 161, 235, 240, 242, 243,
244, 245, 251, 252, 303, 304, 311 e 312.

Os tipos penais descritos no art. 100 se referem aos delitos de:

1) Art. 161: desrespeito a símbolo nacional;

2) Art. 235: pederastia ou outro ato de libidinagem;

3) Art. 240: furto;

4) Art. 242: roubo;

CS – DIREITO PENAL MILITAR 2023.1 69


.
5) Art. 243: extorsão;

6) Art. 244: extorsão mediante sequestro;

7) Art. 245: chantagem;

8) Art. 251: estelionato;

9) Art. 252: abuso de pessoa;

10) Art. 303: peculato;

11) Art. 304: peculato mediante aproveitamento do erro de outrem;

12) Art. 311: falsificação de documento;

13) Art. 312: falsidade ideológica.

Nucci aponta que a referida norma não foi recepcionada pela Constituição Federal. Contudo,
colaciona-se julgado do STM que autoriza a aplicação da referida pena acessória:

A preliminar de ausência das condições subjetivas, quais sejam, a honra, o


decoro e o pundonor militar, é matéria imanente ao mérito, com ele imbricado,
não devendo ser conhecida, a teor do art. 81, § 3º, do RISTM. A
Representação para Declaração de Indignidade/Incompatibilidade para
com o Oficialato tem como baliza o art. 142, § 3º, incisos VI e VII, da
Constituição Federal. Repise-se que o escopo da Representação é
examinar as consequências da conduta do Oficial aos preceitos de ética
castrense e se dela decorreu mancha indelével às Forças Armadas.
Nesse contexto, o crime de peculato é extremamente grave e impacta,
diametralmente, no seio da caserna e com repercussões nocivas fora
dela, além de se enquadrar no rol de crimes contra a administração
militar, havendo a quebra de confiança entre o agente público e a própria
administração pública, evidenciando total desprezo pela Instituição,
pelos bens públicos, pelos administrados e pela imagem da Força, ainda
mais se tratando de Comandante de OM, de quem se espera conduta
exemplar. Para mais, a conduta perpetrada foi, amplamente, divulgada na
imprensa e, ao expor a corporação, colocou em xeque a imagem das Forças
Armadas perante a opinião pública. Em razão disso, o Oficial Superior, ao
incorrer no crime de peculato, salientando-se que o preceito primário do crime
in tela tem como escopo tutelar, precipuamente, a administração militar e,
como corolário, se tal conduta aviltar a imagem da Força a que serve, deverá
perder seu posto e sua patente. Isso porque o Oficial, ao agir dessa forma,
não terá mais substrato moral para permanecer no seio das Forças Armadas,
porquanto sua conduta serve de paradigma para a tropa e, ao afrontar os
preceitos do art. 28 do Estatuto dos Militares, todo o corpo militar poderá se
contaminar. É notório, também, que a questão ético-moral é tão intrínseca ao
detentor de cargo público, sobretudo à carreira militar, que o Constituinte
Originário consubstanciou a moralidade no rol dos princípios expressos da
Carta Magna de 1988. Por derradeiro, é imperioso ressaltar que a
Representação para Declaração de Indignidade/Incompatibilidade para com
o Oficialato não é a via escorreita para rediscussão de matéria fático-jurídica.
Representação julgada procedente. Decisão por unanimidade. (STM - RP:

CS – DIREITO PENAL MILITAR 2023.1 70


.
70009292320207000000, Relator: ODILSON SAMPAIO BENZI, Data de
Julgamento: 10/05/2022, Data de Publicação: 03/06/2022).

Como o tema foi cobrado em concurso?


(DPU - Defensor - CESPE - 2017): O cometimento de crime de traição,
espionagem ou cobardia, ou outros elencados no CPM, sujeita o oficial
infrator, independentemente da pena aplicada, a declaração de indignidade
para o oficialato. Correto.

(DPU - Defensor - CESPE - 2015): Se um oficial das Forças Armadas


cometer crime de furto simples, ele ficará sujeito à declaração de indignidade
para o oficialato, qualquer que seja a sua pena. Correto.

(STM - Juiz Auditor - CESPE - 2013): A simples condição de oficial, quando


da prática de qualquer dos crimes sexuais, resulta na incidência da causa de
aumento de pena, pela metade, com a consequente sujeição do agente à
declaração de indignidade para o oficialato. Errado.

INCOMPATIBILIDADE COM O OFICIALATO

Está disposta no art. 101 do CPM:

Art. 101. Fica sujeito à declaração de incompatibilidade com o oficialato o


militar condenado nos crimes dos arts. 141 e 142.

Os arts. 141 e 142 se referem, respectivamente, aos crimes de entendimento para gerar
conflito ou divergência com o Brasil e tentativa contra a soberania do Brasil, salientando que tal
declaração de incompatibilidade deve ser proferida pelo STM, no tocante aos oficiais das Forças
Armadas e pelo Tribunal de Justiça Militar, onde houver, ou Tribunal de Justiça, aos oficiais da
Polícia Militar e Bombeiros.

Na jurisprudência, acolhendo esta possibilidade, posicionou-se o STM:

I – O fato da pena privativa de liberdade imposta ter sido substituída por


restritiva de direitos não afasta o requisito da condenação à reprimenda
constritiva de liberdade para a submissão do Oficial à Ação de Representação
para Declaração de Indignidade ou Incompatibilidade com o posto. Isso
porque a sanção condenatória para todos os efeitos foi de natureza corporal
e apenas teve abrandada sua forma de efetiva execução, no entanto, em
caso de descumprimento injustificado, será restabelecida a medida anterior.
II – A Representação pela Declaração da perda do posto e da patente
subdivide-se em duas modalidades, a saber: i) por atos de indignidade e ii)
por atos de incompatibilidade. Além de expressamente constarem as duas
espécies de condutas na Constituição Federal e no Estatuto dos Militares,
também o Código Penal Militar as positivou em artigos distintos ao tratar das
penas acessórias. Deontologicamente, incompatível é o inconciliável com o
oficialato. Indigno é o baixo, torpe, sórdido, não merecedor da condição de
oficial. III – Fixando o entendimento sobre as espécies de Representação,
verifica-se que no caso não se trata de conduta incompatível para com o
oficialato, além de não estar prevista no rol do art. 101 do Código Penal
Militar, o fato do Representado ter sido condenado por disparo de arma de

CS – DIREITO PENAL MILITAR 2023.1 71


.
fogo em local habitado ou via pública não desarmoniza com os requisitos de
disciplina, liderança e cumprimento do dever militar, comprometendo
irremediavelmente o seu desempenho profissional. O que, per si, exclui a
incompatibilidade. IV – Ao praticar o delito em comento, indubitavelmente, o
militar infringiu a lei penal comum, no entanto não atingiu os princípios como
os da ética, da moralidade e da probidade castrense. Não reverberando a
conduta como indigna. Manteve incólume, pois, seu dever funcional e seu
compromisso moral para com a Pátria. Conservando-se intacta a
independência das instâncias penal e ético-administrativa, a Representação
deve ser julgada improcedente. V – Decisão unânime” (RESE 0000133-
59.2017.7.00.0000, T. Pleno, rel. Péricles Aurélio Lima de Queiroz, j.
18.12.2017).

Como o tema foi cobrado em concurso?


(MPE/ES - CESPE - 2010): A indignidade para o oficialato é sanção
administrativa disciplinar e sua aplicação ocorre no âmbito administrativo
disciplinar. A incompatibilidade para o oficialato é sanção penal acessória e
somente poderá ser aplicada pelo Poder Judiciário, mediante procedimento
próprio. Errado.

EXCLUSÃO DAS FORÇAS ARMADAS

Prevista no art. 102 do CPM, possui a seguinte redação:

Art. 102. A condenação da praça a pena privativa de liberdade, por tempo


superior a dois anos, importa sua exclusão das forças armadas.

Pode ser aplicada pelo órgão de 1ª instância somente para as praças pertencentes às forças
armadas (não incluindo polícias militares e corpos de bombeiros) com condenação superior a 2
anos, mas deve constar da sentença, conforme disposto no art. 107 do CPM.

É diferente no Direito Penal Militar em âmbito estadual justamente por força do § 4º do art.
125 da Constituição Federal, que determina que compete à Justiça Militar estadual processar e
julgar os militares dos Estados, nos crimes militares definidos em lei e as ações judiciais contra atos
disciplinares militares, cabendo ao tribunal competente decidir sobre a perda do posto e da
patente dos oficiais e da graduação das praças.

Frise-se que também é possível a “exclusão” por via administrativa, a bem da disciplina.

Com relação ao tema, colaciona-se julgado do STM:

2. A exclusão do militar das fileiras das Forças Armadas, ex vi do art. 102 do


CPM, prescinde de justificação específica quando a decisão condenatória
estiver fundamentada, à luz do art. 93, inciso IX, da Constituição Federal”
(Apelação n.º 7000505-15.2019.7.00.0000, rel. Marco Antônio de Farias,
15.10.2019, v.u.); “A autoria delitiva é inferida da própria situação de
flagrância em que se deu a apreensão de maconha (Cannabis sativa Lineu)
no interior do quartel. A materialidade foi comprovada pela constatação, por
laudo oficial, da presença do princípio ativo tetrahidrocanabinol (THC), o que
impossibilita a pretendida absolvição. A exclusão das Forças Armadas e a
reprimenda penal não acarretam violação ao princípio do no bis in idem, haja

CS – DIREITO PENAL MILITAR 2023.1 72


.
vista a independência das esferas administrativa, penal e civil. Precedentes
do STM. A constatação de pequena quantidade da maconha apreendida em
poder do acusado não descaracteriza a tipicidade da ação delitiva. É inviável
a absolvição com base na tese da insignificância ou da subsidiariedade do
Direito Penal, porque a tipicidade da conduta se dessume do desvalor da
conduta que atinge, gravemente, bens jurídicos de relevo para a vida militar,
e não apenas a saúde do infrator. Precedente da Corte. Apelo defensivo
desprovido. Decisão unânime” (Ap. 7000347-91.2018.7.00.0000, T. Pleno,
rel. Francisco Joseli Parente Camelo, j. 24.10.2018).

PERDA DA FUNÇÃO PÚBLICA

Esta pena acessória (ou efeito da condenação) equivale ao previsto no art. 92, I, do CP
Comum. Aplica-se ao civil, que cometa crime militar, abusando de seus deveres, quando no
exercício de função pública em órgão militar. Neste caso, qualquer que seja o montante da pena.

Aplica-se, ainda, ao civil que cometa outro crime militar, não envolvendo violação de dever,
mas cuja pena supere dois anos.

Tem como previsão legal:

Art. 103. Incorre na perda da função pública o assemelhado ou o civil:


I - condenado a pena privativa de liberdade por crime cometido com abuso
de poder ou violação de dever inerente à função pública;
II - condenado, por outro crime, a pena privativa de liberdade por mais de dois
anos.
Parágrafo único. O disposto no artigo aplica-se ao militar da reserva, ou
reformado, se estiver no exercício de função pública de qualquer natureza.

Reitera-se, de início, que não existe mais a figura do assemelhado e o civil somente pode
ser julgado perante a Justiça Militar da União.

No que se refere ao inciso I, tem-se que ele é aplicável apenas para crime ao abuso de
poder ou à violação de dever, como ocorre no delito de peculato (art. 303 do CPM), devendo
também constar da sentença, em conformidade com o art. 107.

Ademais, com relação ao inciso II, infere-se que o critério utilizado se baseia apenas no
quantum de pena e não precisa constar da sentença.

Por fim, nos termos do parágrafo único do art. 103, compreende-se que a pena acessória
de perda da função pública não é aplicável ao militar da ativa, uma vez que se for oficial poderá
responder por um dos arts. 99 a 101 do CPM e, sendo praça, pelo art. 102 do CPM.

INABILITAÇÃO PARA O EXERCÍCIO DE FUNÇÃO PÚBLICA

Elencada no art. 104 do CPM, estabelece que:

Art. 104. Incorre na inabilitação para o exercício de função pública, pelo prazo
de dois até vinte anos, o condenado a reclusão por mais de quatro anos, em
virtude de crime praticado com abuso de poder ou violação do dever militar
ou inerente à função pública.

CS – DIREITO PENAL MILITAR 2023.1 73


.
Parágrafo único. O prazo da inabilitação para o exercício de função pública
começa ao termo da execução da pena privativa de liberdade ou da medida
de segurança imposta em substituição, ou da data em que se extingue a
referida pena.

Segundo Jorge Alberto Romeiro, trata-se de pena acessória aplicável ao civil e ao militar.

Nesse liame, para Jorge César de Assis, a finalidade da inabilitação é impedir que o
condenado retome a função pública na qual praticou o delito.

Obs.: No art. 113, o agente exerce a função pública e a perde. Já o


art. 114 configura uma inabilitação para o exercício da função pública
no futuro.

Unem-se os seguintes critérios para aplicação da pena:

1) Qualidade e quantum: condenado a reclusão por mais de 4 anos.

2) Natureza do delito: crime praticado com abuso de poder ou violação do dever militar ou
inerente à função pública.

Conforme previsto no art. 104, possui prazo de 2 a 20 anos.

O termo de contagem do prazo da inabilitação tem-se com o início da execução da pena, da


Medida de Segurança em substituição ou da extinção da pena, ou seja, ao término do livramento
condicional, mas o tempo passado em liberdade a esse título é detraído, nos termos do art. 108 do
CPM.

SUSPENSÃO DO PÁTRIO PODER, TUTELA OU CURATELA

Dispõe o art. 105 do CPM que:

Art. 105. O condenado a pena privativa de liberdade por mais de dois anos,
seja qual for o crime praticado, fica suspenso do exercício do pátrio poder,
tutela ou curatela, enquanto dura a execução da pena, ou da medida de
segurança imposta em substituição (art. 113).

Parágrafo único. Durante o processo pode o juiz decretar a suspensão


provisória do exercício do pátrio poder, tutela ou curatela.

Vislumbrada a redação legal, tem-se a configuração de uma pena aplicável a qualquer crime,
sem necessidade de declaração em sentença, consoante preleciona o doutrinador Fernando
Galvão e o art. 107 do CPM.

Todavia, Jorge Alberto Romeiro recomenda o desuso, por inserir-se em seara própria de
outro ramo, uma vez que está de acordo com o disposto no parágrafo único do art. 1637 do Código
Civil, in verbis:

Art. 1.637. Se o pai, ou a mãe, abusar de sua autoridade, faltando aos


deveres a eles inerentes ou arruinando os bens dos filhos, cabe ao juiz,
requerendo algum parente, ou o Ministério Público, adotar a medida que lhe

CS – DIREITO PENAL MILITAR 2023.1 74


.
pareça reclamada pela segurança do menor e seus haveres, até
suspendendo o poder familiar, quando convenha.
Parágrafo único. Suspende-se igualmente o exercício do poder familiar ao pai
ou à mãe condenados por sentença irrecorrível, em virtude de crime cuja
pena exceda a dois anos de prisão.

Ressalta-se, contudo, que há apenas a suspensão do poder familiar, pois a destituição


seguirá o disposto no § 2º do art. 23 do ECA:

Art. 23. A falta ou a carência de recursos materiais não constitui motivo


suficiente para a perda ou a suspensão do poder familiar.
§ 2º A condenação criminal do pai ou da mãe não implicará a destituição do
poder familiar, exceto na hipótese de condenação por crime doloso sujeito à
pena de reclusão contra outrem igualmente titular do mesmo poder familiar
ou contra filho, filha ou outro descendente.

SUSPENSÃO DOS DIREITOS POLÍTICOS

Está prevista no art. 106 do CPM:

Art. 106. Durante a execução da pena privativa de liberdade ou da medida de


segurança imposta em substituição, ou enquanto perdura a inabilitação para
função pública, o condenado não pode votar, nem ser votado.

Hodiernamente, a suspensão dos direitos políticos é efeito da condenação trazido pelo inciso
III do art. 15 da Constituição Federal, até mesmo com maior amplitude, considerando que o
dispositivo constitucional determina que a suspensão dos direitos políticos se dará no caso de
condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos.

Ademais, não precisa constar da sentença.

Como o tema foi cobrado em concurso?


(DPE/MA - Defensor - FCC - 2018): A suspensão dos direitos políticos é
efeito automático das condenações militares, ainda que o réu seja civil.
Errado.

3. FORMAS DE APLICAÇÃO DA PENA PRINCIPAL

SURSIS

Refere-se à suspensão condicional da execução da pena.

Segundo Nucci, trata-se de um instituto de política criminal, tendo por finalidade a suspensão
da execução da pena privativa de liberdade, evitando o recolhimento ao cárcere do condenado não
reincidente, cuja pena não é superior a 2 anos, sob determinadas condições, fixadas pelo juiz, bem
como dentro de um período de prova predefinido.

Evidencia-se, para tanto, o texto legal do instituto:

CS – DIREITO PENAL MILITAR 2023.1 75


.
Art. 84 - A execução da pena privativa da liberdade, não superior a 2 (dois)
anos, pode ser suspensa, por 2 (dois) anos a 6 (seis) anos, desde que:
I - o sentenciado não haja sofrido no País ou no estrangeiro, condenação
irrecorrível por outro crime a pena privativa da liberdade, salvo o disposto no
1º do art. 71;
II - os seus antecedentes e personalidade, os motivos e as circunstâncias do
crime, bem como sua conduta posterior, autorizem a presunção de que não
tornará a delinquir.
Restrições
Parágrafo único. A suspensão não se estende às penas de reforma,
suspensão do exercício do posto, graduação ou função ou à pena acessória,
nem exclui a aplicação de medida de segurança não detentiva.

É aplicável à pena privativa de liberdade de ATÉ 2 anos.

O período de suspensão condicional da execução da pena é de 2 a 6 anos, e não de 2 a 4


anos como ocorre no art. 77 do CP Comum.

Ademais, também NÃO há previsão do sursis etário ou humanitário previsto no § 2º do art.


77 do CP Comum, que dispõe acerca da possibilidade de suspensão de execução da pena privativa
de liberdade não superior a 4 anos, por 4 a 6 anos, desde que o condenado seja maior de 70 anos
de idade, ou razões de saúde justifiquem a suspensão.

Importante destacar, ainda, que o inciso II do art. 84 do CPM, quando menciona a


“condenação irrecorrível por outro crime à pena privativa da liberdade”, afere-se qualquer crime e
não apenas o crime doloso, como ocorre no CP Comum.

Outrossim, não se condiciona à impossibilidade de substituição de pena e não se estende


às penas acessórias.

Em sequência, destaca-se que o art. 85 do CPM estabelece que a sentença deve especificar
as condições a que fica subordinada a suspensão da execução da pena, sendo elas:

1) Condições obrigatórias: coincidem com a negativa das causas de revogação


obrigatória:

Art. 86. A suspensão é revogada se, no curso do prazo, o beneficiário:


I - é condenado, por sentença irrecorrível, na Justiça Militar ou na comum, em
razão de crime, ou de contravenção reveladora de má índole ou a que tenha
sido imposta pena privativa de liberdade;
II - não efetua, sem motivo justificado, a reparação do dano;
III - sendo militar, é punido por infração disciplinar considerada grave.

2) Condições facultativas: sendo bom parâmetro para identificá-las, conforme Cícero


Coimbra, tem-se o art. 626 cumulado com o § 1º do art. 608, ambos do CPPM, referentes
às condições obrigatórias do livramento condicional, in verbis:

Art. 626, a) tomar ocupação, dentro de prazo razoável, se for apto para o
trabalho;
b) não se ausentar do território da jurisdição do juiz, sem prévia autorização;
c) não portar armas ofensivas ou instrumentos capazes de ofender;
d) não frequentar casas de bebidas alcoólicas ou de tavolagem;

CS – DIREITO PENAL MILITAR 2023.1 76


.
e) não mudar de habitação, sem aviso prévio à autoridade competente.

Art. 608, § 2º - Poderão ser impostas, como normas de conduta e obrigações,


além das previstas no art. 626 deste Código, as seguintes condições:
I - frequentar curso de habilitação profissional ou de instrução escolar;
II - prestar serviços em favor da comunidade;
III - atender aos encargos de família;
IV - submeter-se a tratamento médico.

Em caso de descumprimento de condições facultativas, na hipótese em que o condenado


deixa de cumprir qualquer das obrigações constantes da sentença, pode haver:

1) A revogação do sursis;

2) Podem se tornar mais severas as condições facultativas;

3) A prorrogação do período de prova se ainda não foi fixado no período máximo (6 anos),
nos seguintes termos:

Art. 86, § 2º Quando facultativa a revogação, o juiz pode, ao invés de decretá-


la, prorrogar o período de prova até o máximo, se este não foi o fixado.
§ 3º Se o beneficiário está respondendo a processo que, no caso de
condenação, pode acarretar a revogação, considera-se prorrogado o prazo
da suspensão até o julgamento definitivo.

Obs.: Qualquer condenação por crime (não apenas crime doloso) ou


algumas contravenções penais revoga o sursis. Ademais, revoga-se
também daquele militar punido por transgressão grave, no âmbito da
Justiça Militar.

Há que se destacar, ainda, outras disposições especiais acerca do sursis.

Nos termos do art. 87 do CPM, findo o período de suspensão da execução, extingue-se a


pena:

Art. 87. Se o prazo expira sem que tenha sido revogada a suspensão, fica
extinta a pena privativa de liberdade.

Por fim, o art. 88 do CPM traz as hipóteses de não aplicação do sursis:

Art. 88. A suspensão condicional da pena não se aplica:


I - ao condenado por crime cometido em tempo de guerra;
II - em tempo de paz:
a) por crime contra a segurança nacional, de aliciação e incitamento, de
violência contra superior, oficial de dia, de serviço ou de quarto, sentinela,
vigia ou plantão, de desrespeito a superior, de insubordinação, ou de
deserção;
b) pelos crimes previstos nos arts. 160, 161, 162, 235, 291 e seu parágrafo
único, ns. I a IV.

Frise-se, a priori, que a Lei de Segurança Nacional foi revogada.

CS – DIREITO PENAL MILITAR 2023.1 77


.
No que se refere à alínea “b” do inciso II, tem-se que o sursis não será aplicado aos seguintes
delitos:

1) Art. 160: desrespeito a superior;

2) Art. 161: desrespeito a símbolo nacional;

3) Art. 161: despojamento desprezível de uniforme, condecoração militar, insígnia ou


distintivo;

4) Art. 235: pederastia ou outro ato de libidinagem;

5) Art. 291: receita ilegal.

Contudo, há discussão acerca da constitucionalidade da não aplicação do sursis aos


supramencionados crimes.

De início, evidencia-se que o STM possui julgado a favor da restrição legal:

1. O indulto apenas extingue a punibilidade do agente, porém persistem os


demais efeitos da condenação. Subsiste, portanto, a pretensão do apelo,
porquanto o instituto não tem o condão de apagar o crime, a condenação e
os seus efeitos secundários. 2. Problemas de ordem econômica não podem
ser considerados, em qualquer situação, como estado de necessidade, pois,
do contrário, a todos os soldados deveria ser estendida a exculpante,
correndo-se o risco de esvaziamento dos Quartéis. 3. Abandonar o dever
militar ao pretexto de manter a sua subsistência e da família, não é razoável,
mormente quando tal situação não fica comprovada nos autos, como no caso
em questão. 4. Meras alegações de situações familiares ou particulares
desacompanhadas de provas não podem ser aceitas como excludente de
culpabilidade, conforme Súmula nº 3 desta Corte Castrense. 5. O sursis não
se aplica ao crime de deserção por força de expressa vedação legal
prevista no art. 88, inciso II, alínea a, do CPM e no art. 617, inciso II,
alínea a, do CPPM, e os referidos dispositivos foram recepcionados pela
Constituição Federal de 1988, consoante sedimentada jurisprudência
desta Corte Castrense e do Supremo Tribunal Federal. Apelo
desprovido. Decisão unânime. (STM - APL: 70000334820187000000,
Relator: Lúcio Mário de Barros Góes, Data de Julgamento: 12/06/2018, Data
de Publicação: 29/06/2018).

Não obstante, o STM tem flexibilizado a aplicação do sursis ao militar condenado por crime
de deserção mas que à época da condenação já era civil:

APELAÇÃO. ART 187 CPM. CRIME DE DESERÇÃO. PRELIMINAR DE


FALTA DE CONDIÇÃO DE PROSSEGUIBILIDADE SUSCITADA PELA
DEFESA. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. REJEIÇÃO. DECISÃO POR
MAIORIA. SENTENÇA. CONDENAÇÃO. DELITO CARACTERIZADO.
PRESENÇA DE ELEMENTARES. EXCLUDENTE DE ESTADO DE
NECESSIDADE AFASTADO. INCONSTITUCIONALIDADE DA ALÍNEA A
DO INCISO II DO ART. 88 DO CPM E DA ALÍNEA A DO INCISO II DO ART.
617 DO CPPM. INEXISTENTE. PRECEDENTES STM E STF. RÉU EX-
MILITAR. EXCLUSÃO DA APLICAÇÃO DO ART. 59 CPM. CLASSIFICAÇÃO
DO CRIME DE DESERÇÃO. INSTANTÂNEO DE EFEITOS

CS – DIREITO PENAL MILITAR 2023.1 78


.
PERMANENTES. NEGADO APELO DO MPM. PROVIMENTO PARCIAL DO
APELO DA DEFESA. DECISÃO POR MAIORIA. Preliminar de falta de
condição de prosseguibilidade para a ação penal, suscitada pela Defensoria
Pública da União, tendo em vista que o Réu foi licenciado das fileiras do
Comando da Aeronáutica. Inexiste na legislação adjetiva castrense qualquer
dispositivo que estabeleça o arquivamento do feito em virtude de
licenciamento do Réu. [...]. No caso de Réu ex-militar, a jurisprudência
recente da Corte admite a suspensão condicional da pena, pois não
mais se justifica a incidência da vedação legal. Consoante um critério
de individualização da pena, socialmente adequado à ressocialização
do sentenciado, não seria razoável negar ao Réu, condenado por um
crime propriamente militar, agora ex- militar, o direito subjetivo que
poderia ser concedido a qualquer civil, igualmente condenado pela
Justiça Militar, nos termos do art. 84 do CPM, c/c o art. 606 do CPPM.
Impelir um ex-militar, condenado por deserção, a cumprir sua pena em
estabelecimento prisional comum viola os Princípios da Razoabilidade, da
Proporcionalidade e da Legalidade. Na condição de civil, os efeitos
complementares da proibição de suspensão condicional da pena não
coexistem, sendo juridicamente plausível afastar a vedação legal em questão.
[...]. (STM - APL: 70005155920197000000, Relator: JOSÉ BARROSO
FILHO, Data de Julgamento: 29/05/2020, Data de Publicação: 30/06/2020).

O STF, por sua vez, ainda não possui entendimento uníssono, uma vez que possui julgado
a favor da restrição legal:

Ementa: Direito Penal Militar. Vedação do sursis. Crime de deserção.


Compatibilidade com a Constituição Federal. 1. A jurisprudência do Supremo
Tribunal Federal inclina-se pela constitucionalidade do tratamento processual
penal mais gravoso aos crimes submetidos à justiça militar, em virtude da
hierarquia e da disciplina próprias das Forças Armadas. Nesse sentido, há o
precedente que cuida da suspensão condicional do processo relativo a militar
responsabilizado por crime de deserção (HC n º 99.743, Pleno, Rel. Min. Luiz
Fux). 2. Com efeito, no próprio texto constitucional, há discrímen no
regime de disciplina das instituições militares. Desse modo, como
princípio de hermenêutica, somente se deveria declarar um preceito
normativo conflitante com a Lei Maior se o conflito fosse evidente. Ou
seja, deve-se preservar o afastamento da suspensão condicional da
pena por ser opção política normativa. 3. Em consequência, entende-se
como recepcionadas pela Constituição as normas previstas na alínea
“a” do inciso II do artigo 88 do Código Penal Militar e na alínea “a” do
inciso II do artigo 617 do Código de Processo Penal Militar. 4. Denegação
da ordem de habeas corpus. (STF - HC: 119567 RJ, Relator: Min. DIAS
TOFFOLI, Data de Julgamento: 22/05/2014, Tribunal Pleno, Data de
Publicação: DJe-213 DIVULG 29-10-2014 PUBLIC 30-10-2014).

Mas também possui julgado contra a restrição legal, permitindo-se o sursis:

Habeas Corpus. Penal Militar. Crime de deserção (CPM, art. 187). Suspensão
condicional da pena. Vedação ex lege (CPM, art. 88, II, a). Ofensa à garantia
constitucional da individualização da pena (inciso XLVI do art. 5º da CF/88).
Flexibilização. Admissão do sursis. Consideração necessária por parte do
julgador (CPM, art. 84). Declaração de não recepção pela Constituição de

CS – DIREITO PENAL MILITAR 2023.1 79


.
1988 de parte da alínea a do inciso II do art. 88 do CPM. Inaplicabilidade no
caso concreto. Empate. Ordem concedida na forma regimental (RISTF, art.
146, parágrafo único). 1. A norma em questão avilta mais diretamente a
equidade, pela qual se espera harmonia na aplicação dos princípios
constitucionais e das normas infraconstitucionais. 2. Assim como deve o
legislador, ao estabelecer tipos penais incriminadores, inspirar-se na
proporcionalidade, não cominando sanções ínfimas para crimes que violem
bens jurídicos de relevo maior, nem penas exageradas para infrações de
menor potencial ofensivo, deve ele observar esse mesmo preceito no que diz
respeito às normas tendentes à individualização dessas penas, atentando
para as condições específicas do violador da norma e para as consequências
da infração por ele cometida para o bem jurídico tutelado pela lei e para a
eventual vítima do crime. 3. Feitas essas considerações, é o caso de
superar, em parte, o disposto na alínea a do inciso II do art. 88 do Código
Penal Militar (vedação legal à suspensão condicional da pena),
admitindo-se o sursis no crime de deserção para aquele que preencha
todos os demais requisitos previstos no art. 84 do CPM. 4. Em face de
empate na votação, não se pode declarar a não recepção pela Constituição
de 1988 da parte da alínea a do inciso II do art. 88 do Código Penal Militar
em que se exclui, em tempo de paz, a suspensão condicional da pena para
os condenados pelo crime de deserção. 5. Ordem concedida, na forma
regimental. (STF - HC: 113857 AM, Relator: Min. DIAS TOFFOLI, Data de
Julgamento: 05/12/2013, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJe-213
DIVULG 29-10-2014 PUBLIC 30-10-2014).

Como o tema foi cobrado em concurso?


(MPU - Analista - Direito - CESPE - 2018): Militar da ativa condenado pelo
crime de deserção não poderá ser beneficiado com a suspensão condicional
da pena, em razão de vedação legal. Correto.

(DPU - Defensor - CESPE - 2017): Em tempo de paz, durante uma instrução


e na presença de outros militares, um soldado desrespeitou o sargento
responsável pela atividade, tendo sido processado, julgado e condenado a
um ano de detenção, por desrespeito a superior. Nessa situação, a execução
da pena poderá ser suspensa pelo período de dois anos, a depender dos
antecedentes do infrator. Errado.

(MPM - Promotor de Justiça - MPM - 2013): Com relação ao instituto da


suspensão condicional da pena – sursis – enquanto no direito penal comum
exige-se que o condenado não seja reincidente em crime doloso (podendo
ser reincidente em crime culposo), no direito penal militar exige-se que o
sentenciado não seja reincidente em crime punido com pena privativa de
liberdade (que tanto pode ser doloso como culposo). Correto.

LIVRAMENTO CONDICIONAL

Conforme preleciona Nucci, trata-se de um instituto de política criminal, destinado a permitir


a redução do tempo de prisão com a concessão antecipada e provisória da liberdade do condenado,
quando é cumprida pena privativa de liberdade, mediante o preenchimento de determinados
requisitos e a aceitação de certas condições.

CS – DIREITO PENAL MILITAR 2023.1 80


.
Nesse liame, tem natureza jurídica de medida penal restritiva da liberdade de locomoção,
que se constitui num benefício ao condenado e, portanto, faz parte de seu direito subjetivo,
integrando um estágio do cumprimento da pena.

Em continuidade, verifica-se sua previsão no art. 89 do CPM:

Art. 89. O condenado a pena de reclusão ou de detenção por tempo igual ou


superior a dois anos pode ser liberado condicionalmente, desde que:
I - tenha cumprido:
a) metade da pena, se primário;
b) dois terços, se reincidente;
II - tenha reparado, salvo impossibilidade de fazê-lo, o dano causado pelo
crime;
III - sua boa conduta durante a execução da pena, sua adaptação ao trabalho
e às circunstâncias atinentes a sua personalidade, ao meio social e à sua vida
pregressa permitem supor que não voltará a delinquir.

Vislumbrando-se a redação legal, pode-se inferir que o livramento condicional disposto no


CPM possui lógica idêntica à do CP Comum, uma vez que o agente cumpre parte da pena e o
restante é cumprida em liberdade condicionada.

Todavia, o quantum de cumprimento da pena para concessão do benefício é diferente do


CP Comum. Ao passo que o CPM estabelece metade da pena, se primário e 2/3, se reincidente, o
CP Comum (art. 83) dispõe que será de 1/3 se o condenado não for reincidente em crime doloso e
tiver bons antecedentes e mais da metade se o condenado for reincidente em crime doloso.

Portanto, a duração do livramento é no tempo restante da pena privativa de liberdade a ser


cumprida. Ex.: condenado a 12 anos de reclusão, o sentenciado obtém livramento condicional ao
atingir 5 anos de cumprimento da pena. O tempo do benefício será de 7 anos.

Em caso de concurso, haverá a unificação das penas, conforme preleciona o § 1º do art. 89:

Penas em concurso de infrações


Art. 89, § 1º No caso de condenação por infrações penais em concurso, deve
ter-se em conta a pena unificada.

Por fim, em mais uma diferença entre a legislação castrense e a legislação penal comum, o
§ 2º do art. 89 do CPM traz um “livramento condicional etário”, inexistente no CP Comum:

Condenação de menor de 21 ou maior de 70 anos


§ 2º Se o condenado é primário e menor de vinte e um ou maior de setenta
anos, o tempo de cumprimento da pena pode ser reduzido a um terço.

Em continuidade, salienta-se que o livramento condicional possui outros aspectos


importantes a serem visualizados.

De início, nos termos do art. 90, tem-se que a sentença deve especificar as condições a que
fica subordinado o livramento. Trata-se da necessidade de a sentença especificar as condições
obrigatórias, sendo aquelas presentes no art. 626 do CPPM, consoante apontado sem sede de
sursis.

Outrossim, destaca-se as seguintes disposições:

CS – DIREITO PENAL MILITAR 2023.1 81


.
Preliminares da concessão
Art. 91. O livramento somente se concede mediante parecer do Conselho
Penitenciário, ouvidos o diretor do estabelecimento em que está ou tenha
estado o liberando e o representante do Ministério Público da Justiça Militar;
e, se imposta medida de segurança detentiva, após perícia conclusiva da não
periculosidade do liberando.

Observação cautelar e proteção do liberado


Art. 92. O liberado fica sob observação cautelar e proteção realizadas por
patronato oficial ou particular, dirigido aquele e inspecionado este pelo
Conselho Penitenciário. Na falta de patronato, o liberado fica sob observação
cautelar realizada por serviço social penitenciário ou órgão similar.

No que se refere ao art. 91, infere-se que segundo o art. 131 da Lei de Execução Penal, é
indispensável o parecer do Conselho Penitenciário. Entretanto, o juiz não fica vinculado ao referido
parecer, nem à opinião do Ministério Público, podendo decidir de acordo com seu livre
convencimento.

Ademais, no que tange ao art. 92, destaca-se que o patronato é órgão público ou privado de
assistência ao albergado (condenado em regime aberto) e ao egresso (aquele que deixa o presídio,
pelo prazo de um ano, bem como o que se encontra em livramento condicional), composto por
membros da comunidade. Tem uma função fiscalizadora e social.

Em sequência, o art. 93 CPM traz as hipóteses de revogação obrigatória do livramento


condicional, que ocorrerá caso o liberado seja condenado, em sentença irrecorrível, a pena privativa
de liberdade nos seguintes casos:

1) Por infração penal cometida durante a vigência do benefício;

Frise-se que pode ser crime ou contravenção, na Justiça Comum ou na Justiça Militar, de
acordo com o § 2º do art. 93:

§ 2º Para os efeitos da revogação obrigatória, são tomadas, também, em


consideração, nos termos dos ns. I e II deste artigo, as infrações sujeitas à
jurisdição penal comum; e, igualmente, a contravenção compreendida no §
1º, se assim, com prudente arbítrio, o entender o juiz.

Isso ocorre porque subentende-se que a prática de infração penal durante a vigência do
livramento representa uma violação à confiança do Juízo que concedeu o benefício.

Ademais, trata-se de mais uma distinção do que prevê o CP Comum, cuja revogação é por
condenação de crime a pena privativa de liberdade.

2) Por infração penal anterior, salvo se, tendo de ser unificadas as penas, não fica
prejudicado o requisito do art. 89, I, alínea “a” (cumprimento de metade da pena, se
primário).

Nesse caso, a revogação somente se dará se a pena recebida, somada àquela que permitiu
o livramento, torne incompatível o gozo da antecipação da liberdade. Ex.: o réu, condenado a 10
anos, tendo cumprido 4 anos, obtém livramento condicional. Posteriormente, faltando ainda 6 anos,
é condenado a 15, por outro crime, cometido antes do benefício. Sua pena total é de 25 anos, de

CS – DIREITO PENAL MILITAR 2023.1 82


.
modo que se torna incompatível receber livramento condicional tendo cumprido somente 4 anos,
ou seja, menos de 1/5 da pena.

Ato contínuo, tem-se a revogação facultativa do livramento (§ 1º do art. 93) se o liberado


deixa de cumprir qualquer das obrigações constantes da sentença ou é irrecorrivelmente
condenado, por motivo de contravenção, a pena que não seja privativa de liberdade ou, se militar,
sofre penalidade por transgressão disciplinar considerada grave.

Obs.: A transgressão disciplinar grave no livramento condicional é


causa de revogação facultativa, ao passo que no sursis é causa de
revogação obrigatória.

É importante evidenciar que o CPM traz também uma hipótese especial de concessão do
livramento condicional, disposta no art. 97:

Art. 97. Em tempo de paz, o livramento condicional por crime contra a


segurança externa do país, ou de revolta, motim, aliciação e incitamento,
violência contra superior ou militar de serviço, só será concedido após o
cumprimento de dois terços da pena, observado ainda o disposto no art. 89,
preâmbulo, seus números II e III e §§ 1º e 2º.

Além disso, segundo disposto no art. 94, revogado o livramento, não pode ser novamente
concedido e, salvo quando a revogação resulta de condenação por infração penal anterior ao
benefício, não se desconta na pena o tempo em que esteve solto o condenado. Assim, caso a
infração penal motivadora da revogação tenha sido praticada durante o livramento condicional, o
tempo passado em liberdade não será computado para a pena.

No que se refere à extinção da pena, o art. 95 preleciona que:

Art. 95. Se, até o seu termo, o livramento não é revogado, considera-se
extinta a pena privativa de liberdade.

Parágrafo único. Enquanto não passa em julgado a sentença em processo, a


que responde o liberado por infração penal cometida na vigência do
livramento, deve o juiz abster-se de declarar a extinção da pena.

Por fim, é mister salientar que nos termos do art. 96, NÃO se aplica o livramento condicional
ao condenado por crime cometido em tempo de guerra.

Como o tema foi cobrado em concurso?


(MPM - Promotor de Justiça - MPM - 2021): A gravidade das condutas
contra a segurança externa do país levou o legislador a construir tipos de
consumação que antecedem a efetiva lesão ao bem jurídico tutelado, de
perigo concreto ou abstrato, bastando a exposição a risco de lesão; exigindo-
se para o livramento condicional o cumprimento de 2/3 da pena, critério
adotado para os reincidentes em crimes militares. Correto.

(DPU - Defensor - CESPE - 2017): O livramento condicional de sargento,


primário, condenado por crime militar contra o patrimônio estará condicionado
ao cumprimento de metade da pena, à reparação do dano, salvo

CS – DIREITO PENAL MILITAR 2023.1 83


.
impossibilidade de fazê-lo, e a outros requisitos previstos na lei penal militar.
Correto.

(MPM - Promotor de Justiça - MPM - 2013): Em tempo de paz, o livramento


condicional especial (por crime contra a segurança externa do país), só será
concedido após o cumprimento de metade da pena, se primário, observada
ainda a reparação do dano, salvo impossibilidade de fazê-lo e, a boa conduta
do condenado durante a execução da pena. Errado.

4. CONCURSO DE CRIMES

Quando o agente comete 2 ou mais ações, causando 2 ou mais resultados, para se saber
se houve unidade ou pluralidade delitiva é preciso consultar a norma penal, tendo em vista que se
adota, no Brasil, a concepção normativa de concurso de crimes.

Para tanto, o CPM cuida desse tema nos arts. 79 a 83, in verbis:

Quadro Comparativo do concurso de crimes


CPM CP Comum
Art. 79. Quando o agente, mediante uma só ou Concurso material
mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou
mais crimes, idênticos ou não, as penas Art. 69 - Quando o agente, mediante mais de
privativas de liberdade devem ser unificadas. uma ação ou omissão, pratica dois ou mais
Se as penas são da mesma espécie, a pena crimes, idênticos ou não, aplicam-se
única é a soma de todas; se, de espécies cumulativamente as penas privativas de
diferentes, a pena única e a mais grave, mas liberdade em que haja incorrido. No caso de
com aumento correspondente à metade do aplicação cumulativa de penas de reclusão e de
tempo das menos graves, ressalvado o detenção, executa-se primeiro aquela.
disposto no art. 58.
§ 1º - Na hipótese deste artigo, quando ao
agente tiver sido aplicada pena privativa de
liberdade, não suspensa, por um dos crimes,
para os demais será incabível a substituição de
que trata o art. 44 deste Código.

§ 2º - Quando forem aplicadas penas restritivas


de direitos, o condenado cumprirá
simultaneamente as que forem compatíveis
entre si e sucessivamente as demais.

Concurso formal

Art. 70 - Quando o agente, mediante uma só


ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes,
idênticos ou não, aplica-se-lhe a mais grave
das penas cabíveis ou, se iguais, somente uma
delas, mas aumentada, em qualquer caso, de
um sexto até metade. As penas aplicam-se,
entretanto, cumulativamente, se a ação ou
omissão é dolosa e os crimes concorrentes
resultam de desígnios autônomos, consoante o
disposto no artigo anterior.

CS – DIREITO PENAL MILITAR 2023.1 84


.
Parágrafo único - Não poderá a pena exceder a
que seria cabível pela regra do art. 69 deste
Código.

Ante a comparação entre os dispositivos da legislação castrense e da legislação penal


comum, pode-se inferir que diferentemente do CP Comum, o CPM prevê o concurso formal e o
concurso material no mesmo artigo.

Não obstante, o CPM prevê a mesma consequência para ambos os concursos:

• Cúmulo material se de mesma espécie (reclusão e reclusão, por exemplo);

• Exasperação, se de espécies distintas.

Isto posto, no art. 79, uma ou mais condutas com 2 ou mais resultados, indiferentemente,
gera a unificação, que, em verdade, representa somente a somatória de todas, quando da mesma
espécie (todas de reclusão; todas de detenção).

Caso haja diversidade de penas (reclusão e detenção), unifica-se do mesmo modo – o que
não é permitido no CP Comum – aplicando-se a mais grave unificada (somam-se todas as de
reclusão) com o aumento gerado pela metade do tempo das menos graves (detenção). Além disso,
sempre se respeita o limite imposto pelo art. 58: 30 anos para reclusão e 10 anos para detenção.

Diversamente, o CP Comum estabelece uma diferença entre o concurso material (várias


condutas provocando diversos resultados acarreta a soma das penas) e o concurso formal (uma só
conduta causando dois ou mais resultados, provocando a aplicação de uma pena com um
aumento).

Como o tema foi cobrado em concurso?


(STM - Juiz Auditor - CESPE - 2013): No que tange ao concurso de crimes,
o CPM adota idêntico sistema do CP, prevendo a punição do agente com a
exasperação da pena no concurso homogêneo. Errado.

CRIME CONTINUADO

Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica 2 ou mais crimes da
mesma espécie, com condições de tempo, lugar e maneira de execução semelhantes, cria-se a
suposição de que os subsequentes são uma continuação do primeiro, formando o crime continuado,
previsto no art. 80 do CPM:

Quadro Comparativo do concurso de crimes


CPM CP Comum
Art. 80. Aplica-se a regra do artigo anterior, Art. 71 - Quando o agente, mediante mais de
quando o agente, mediante mais de uma ação uma ação ou omissão, pratica dois ou mais
ou omissão, pratica dois ou mais crimes da crimes da mesma espécie e, pelas condições
mesma espécie e, pelas condições de tempo, de tempo, lugar, maneira de execução e outras
lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem os subsequentes ser
havidos como continuação do primeiro, aplica-
se-lhe a pena de um só dos crimes, se

CS – DIREITO PENAL MILITAR 2023.1 85


.
semelhantes, devem os subseqüentes ser idênticas, ou a mais grave, se diversas,
considerados como continuação do primeiro. aumentada, em qualquer caso, de um sexto a
dois terços.
Parágrafo único. Não há crime continuado
quando se trata de fatos ofensivos de bens Parágrafo único - Nos crimes dolosos, contra
jurídicos inerentes à pessoa, salvo se as ações vítimas diferentes, cometidos com violência ou
ou omissões sucessivas são dirigidas contra a grave ameaça à pessoa, poderá o juiz,
considerando a culpabilidade, os antecedentes,
mesma vítima.
a conduta social e a personalidade do agente,
Limite da pena unificada bem como os motivos e as circunstâncias,
aumentar a pena de um só dos crimes, se
Art. 81. A pena unificada não pode ultrapassar idênticas, ou a mais grave, se diversas, até o
triplo, observadas as regras do parágrafo único
de trinta anos, se é de reclusão, ou de quinze
do art. 70 e do art. 75 deste Código.
anos, se é de detenção.

Redução facultativa da pena

§ 1º A pena unificada pode ser diminuída de um


sexto a um quarto, no caso de unidade de ação
ou omissão, ou de crime continuado.

Graduação no caso de pena de morte

§ 2° Quando cominada a pena de morte como


grau máximo e a de reclusão como grau
mínimo, aquela corresponde, para o efeito de
graduação, à de reclusão por trinta anos.

Cálculo da pena aplicável à tentativa

§ 3° Nos crimes punidos com a pena de


morte, esta corresponde à de reclusão por trinta
anos, para cálculo da pena aplicável à tentativa,
salvo disposição especial.

Há, basicamente, 2 teorias a respeito da natureza jurídica do crime continuado:

1) Ficção jurídica: o delito continuado é uma pluralidade de crimes apenas porque a lei
resolveu conferir ao concurso material um tratamento especial, dando ênfase à unidade
de desígnio. Adotam essa teoria, dentre outros, Heleno Fragoso, Manoel Pedro Pimentel,
Jair Leonardo Lopes, Carrara e Manzini.

2) Realidade: o crime continuado existe porque a ação pode compor-se de vários atos,
sem que isso tenha qualquer correspondência necessária com um ou mais resultados.
Assim, vários atos podem dar causa a um único resultado e vice-versa. São partidários
dessa corrente: Balestra, Delitala, Alimena e Zaffaroni.

Ao passo que no CP Comum há a exasperação do crime continuado, no CPM há a regra do


concurso de crimes.

CS – DIREITO PENAL MILITAR 2023.1 86


.
Ocorre que a forma de aplicação do crime continuado prevista no CPM ocasionou inúmeras
discussões doutrinárias e jurisprudenciais. O doutrinador Cícero Coimbra defende que deveria ser
aplicado o CP Comum ao crime continuado. Todavia, outros autores defendem que deve ser
aplicado o CPM em virtude de sua especialidade.

Para melhor visualizar a divergência, tem-se o seguinte julgado do STF que prestigia a
aplicação do CPM:

EMENTA: [...]. PRETENDIDA APLICAÇÃO AOS CRIMES MILITARES DA


REGRA DA CONTINUIDADE DELITIVA, PREVISTA NO ART. 71 DO
CÓDIGO PENAL COMUM. IMPOSSIBILIDADE. Revela-se devidamente
fundamentada a sentença que, para majorar em dois meses a pena-base do
acusado, se louva na especial gravidade do crime e no seu modo de
execução, tudo conforme o art. 69 do Código Penal Militar. Não se aplica aos
crimes militares a regra de continuidade delitiva a que se reporta o art. 71 do
Código Penal Comum. Isso porque, nos termos do art. 12 do CP, a
inexistência de regramento específico em sentido contrário é premissa da
aplicação subsidiária do Código Penal às legislações especiais. No caso, tal
premissa não se faz presente. Bem ou mal, o Código Penal Militar cuidou de
disciplinar os crimes continuados de forma distinta e mais severa do que o
Código Penal Comum. Não se pode mesclar o regime penal comum e o
castrense, de modo a selecionar o que cada um tem de mais favorável ao
acusado. Tal proceder geraria um ‘hibridismo’ incompatível com o princípio
da especialidade das leis. Sem contar que a disciplina mais rigorosa do
Código Penal Castrense funda-se em razões de política legislativa que se
voltam para o combate com maior rigor daquelas infrações definidas como
militares. Precedentes. Ordem denegada” (STF, HC n. 86.854/SP, Rel. Min.
Ayres Britto, j. 14MAR2006).

Em sentido contrário, há entendimento de 2018 do STM no sentido de que deve haver a


aplicação do CP Comum:

EMENTA: APELAÇÃO. [...]. APLICAÇÃO DO ART. 71 DO CÓDIGO PENAL


COMUM. POLÍTICA CRIMINAL. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
UNANIMIDADE. [...]. Reconhecida a continuidade delitiva, embora haja
previsão legal no art. 80 do Código Penal Militar, deve ser aplicado o disposto
no art. 71 do Código Penal comum por questões de política criminal. Apelo
ministerial provido parcialmente. Unanimidade. [...]. Os crimes de
insubordinação atentam gravemente contra o prestígio da autoridade do
superior hierárquico, representando inaceitável violação dos pilares da
hierarquia e da disciplina, corolários constitucionais da atividade castrense,
não sendo possível considerar a conduta perpetrada pelo Acusado como
infração disciplinar. Apelo defensivo não provido. Unanimidade. (STM,
Apelação n. 70-11.2016.7.11.0211, Rel. Min. Cleonilson Nicácio Silva, j.
03MAI2018).

Todavia, no ano de 2020 o STM retornou ao posicionamento anterior, dando privilégio à


aplicação do CPM:

EMENTA: EMBARGOS INFRINGENTE E DE NULIDADE. CRIME


CONTINUADO. CONCURSO MATERIAL. SOMA DAS PENAS. RELAÇÃO
ESPECIAL DE SUJEIÇÃO DO MILITAR. ESPECIALIDADE DA NORMA

CS – DIREITO PENAL MILITAR 2023.1 87


.
PENAL CASTRENSE. ACÓRDÃO MANTIDO. I - O Codex castrense possui
maior rigidez no ratamento penal ao crime continuado militar em comparação
ao crime continuado comum do Código Penal (CP), pois diferentemente
deste, aquele cuida do concurso de crimes e do crime continuado sob a
disciplina da soma de penas. II - Há uma verdadeira relação especial de
sujeição à norma de oficiais e graduados. Assim, o que se veda no princípio
da igualdade é a discriminação gratuita, sem nexo com a realidade jurídica,
cujo fim seja sempre o bem ou a utilidade pública. A norma especializada
militar resguarda bens jurídicos sensíveis e aos combatentes da pátria cabe
a execução de tarefas essenciais à soberania do país. III - Obedecido o
princípio da proporcionalidade nos vetores da adequação, necessidade e
proporcionalidade em sentido estrito. O somatório das penas foi necessário
para se resguardar a credibilidade da Administração Pública Militar e a
especificidade da legislação penal castrense. IV - Apesar de haver vínculo
em relação ao tempo e lugar, os delitos são de espécies diferentes, pois
previstos em tipos distintos. V - Embargos Infringentes rejeitados. Decisão
por maioria” (STM, Embargos Infringentes e de Nulidade n. 7000284-
95.2020.7.00.0000, Rel. Min. Péricles Aurélio Lima de Queiroz, j.
06AGO2020).

Como o tema foi cobrado em concurso?


(STM - Juiz Auditor - CESPE - 2013): Em relação ao crime continuado, há
no CPM disposição diversa daquela prevista no CP, vedando-se de forma
expressa o reconhecimento da continuidade delitiva nos crimes contra a
pessoa, ainda que estes sejam perpetrados contra a mesma vítima. Correto.

(MPM - Promotor de Justiça - MPM - 2013): O crime continuado é tratado


de forma mais severa no CPM (art. 80) do que a prevista no Código Penal
comum (art. 71). Assim, em que pese o caráter especial da norma penal
militar, é possível aplicar o dispositivo do CP ao caso concreto, por analogia
da norma penal mais benéfica. Errado.

5. CAUSAS EXTINTIVAS DA PUNIBILIDADE

São os obstáculos interpostos por lei, que impedem a concretização da pretensão punitiva
estatal, por razões de política criminal.

Verifica-se, nesse sentido, o que dispõe o CPM e o CP Comum acerca das causas de
extinção da punibilidade:

Quadro Comparativo do concurso de crimes


CPM CP Comum
Art. 123. Extingue-se a punibilidade: Art. 107 - Extingue-se a punibilidade:

I - pela morte do agente; I - pela morte do agente;

II - pela anistia ou indulto; II - pela anistia, graça ou indulto;

CS – DIREITO PENAL MILITAR 2023.1 88


.
III - pela retroatividade de lei que não III - pela retroatividade de lei que não
mais considera o fato como criminoso; mais considera o fato como criminoso;

IV - pela prescrição; IV - pela prescrição, decadência ou


perempção;
V - pela reabilitação;
V - pela renúncia do direito de queixa ou
VI - pelo ressarcimento do dano, no pelo perdão aceito, nos crimes de ação privada;
peculato culposo (art. 303, § 4º).
VI - pela retratação do agente, nos
Parágrafo único. A extinção da casos em que a lei a admite;
punibilidade de crime, que é pressuposto,
elemento constitutivo ou circunstância IX - pelo perdão judicial, nos casos
agravante de outro, não se estende a este. Nos
previstos em lei.
crimes conexos, a extinção da punibilidade de
um deles não impede, quanto aos outros, a
agravação da pena resultante da conexão.

Em que pese o CPM não disponha acerca da extinção da punibilidade pela retratação do
agente no art. 123 (assim como faz o CP Comum no art. 107), o § 2º do art. 346 do CPM estabelece
que no crime de falso testemunho ou falsa perícia, o fato deixa de ser punível se, antes da sentença,
o agente se retrata ou declara a verdade.

Outrossim, o CPM também não traz previsão referente ao perdão judicial. Contudo, alguns
doutrinadores, como Jorge César de Assis, sustentam que existe o perdão judicial no parágrafo
único do art. 255 do CPM, ao definir que no delito de receptação culposa, se o agente é primário e
o valor da coisa não é superior a um décimo do salário-mínimo, o juiz pode deixar de aplicar a pena.

Cícero Coimbra defende, ainda, que o perdão judicial pode ser visualizado também no § 5º
do art. 121 do CP Comum – no homicídio culposo, o juiz poderá deixar de aplicar a pena se as
consequências da infração atingirem o próprio agente de forma tão grave que a sanção penal se
torne desnecessária – transladando-se para o Direito Penal Militar como forma de analogia in bonam
partem.

Isto posto, passa-se, a seguir, a discorrer acerca de cada uma das causas de extinção da
punibilidade.

MORTE DO AGENTE

Aplica-se a esta causa extintiva da punibilidade o princípio geral de que a morte tudo resolve
(mors omnia solvit), de acordo com Nucci.

A Constituição Federal cuida, também, da matéria, mencionando no art. 5º, inciso XLV, que
a pena não deve passar da pessoa do condenado, embora o perdimento de bens possa atingir os
sucessores nos casos legalmente previstos. E, igualmente, é natural que possam os efeitos civis
subsistir a cargo dos sucessores, no limite da herança.

Por fim, exige-se a certidão de óbito – que segundo o doutrinador Marco Segre, tem por
finalidade certificar a existência da morte e registrar a sua causa, quer do ponto de vista médico,
quer de eventuais aplicações jurídicas, para permitir o diagnóstico da causa jurídica do óbito: seja

CS – DIREITO PENAL MILITAR 2023.1 89


.
o homicídio, o suicídio, o acidente ou a morte chamada natural – para provar a morte, nos termos
do art. 81, parágrafo único, do CPPM.

ANISTIA OU INDULTO

A anistia é a declaração pelo Poder Público de que determinados fatos se tornam impuníveis
por motivo de utilidade social. O instituto da anistia volta-se a fatos, e não a pessoas.

Pode ocorrer antes da condenação definitiva – anistia própria – ou após o trânsito em


julgado da condenação – anistia imprópria. Tem a força de extinguir a ação e a condenação.

Pode ser condicionada ou incondicionada, vale dizer, pode ter condições a serem aceitas
pelo beneficiário ou não. Se for condicionada, pode ser recusada. Do contrário, não cabe recusa.
De um modo ou de outro, uma vez concedida, não pode mais ser revogada.

É oportuno falar, ainda, em anistia geral ou parcial. A primeira favorece a todos os que
praticaram determinado fato, indistintamente. A segunda beneficia somente alguns (ex.: os não
reincidentes). Finalmente, ela pode ser irrestrita ou limitada, conforme abranja todos os delitos
relacionados ao fato criminoso principal ou exclua alguns deles.

A anistia só é concedida por meio de lei editada pelo Congresso Nacional. Possui efeito ex
tunc, ou seja, apaga o crime e todos os efeitos da sentença, embora não atinja os efeitos civis.
Serve, também, para extinguir a medida de segurança. Deve ser declarada a extinção da
punibilidade, quando concedida a anistia, pelo juiz da execução penal.

Por outro lado, o indulto, também denominado de indulto coletivo, é a clemência destinada
a um grupo de sentenciados, tendo em vista a duração das penas aplicadas, podendo-se exigir
requisitos subjetivos (tais como primariedade, comportamento carcerário, antecedentes) e objetivos
(como o cumprimento de certo montante da pena).

O indulto pode ser total, quando extingue todas as condenações do beneficiário, ou parcial,
quando apenas diminui ou substitui a pena por outra mais branda. Neste último caso, não se
extingue a punibilidade, chamando-se comutação.

Há, ainda, o indulto individual ou graça (prevista apenas no CP Comum), referente à


clemência destinada a uma pessoa determinada, não dizendo respeito a fatos criminosos.

Trata-se de um perdão concedido pelo Presidente da República, dentro da sua avaliação


discricionária, não sujeita a qualquer recurso.

Pode ser total ou parcial, conforme alcance todas as sanções impostas ao condenado
(total) ou apenas alguns aspectos da condenação, quer reduzindo, quer substituindo a sanção
originalmente aplicada (parcial). Neste último caso, não extingue a punibilidade, chamando-se
comutação.

Pode ser provocada por petição do condenado, por iniciativa do Ministério Público, do
Conselho Penitenciário ou da autoridade administrativa.

RETROATIVIDADE DE LEI QUE NÃO MAIS CONSIDERA O FATO COMO


CRIMINOSO

CS – DIREITO PENAL MILITAR 2023.1 90


.
A abolição do crime significa que lei nova deixa de considerar determinada conduta como
crime. Nesse caso, ocorre o fenômeno da retroatividade da lei penal benéfica.

Assim acontecendo, nenhum efeito penal subsiste, mas apenas as consequências civis.

Para Nucci, o art. 123, III, do CPM, insere a abolitio criminis no contexto das excludentes de
punibilidade, mas, na realidade, sua natureza jurídica é de excludente de tipicidade, pois,
desaparecendo do mundo jurídico o tipo penal, o fato não pode mais ser considerado típico.

Como o tema foi cobrado em concurso?


(TJM-MG - Analista Judiciário - Instituto Consulplan - 2021): A
retroatividade de lei que não mais considera o fato como criminoso (abolitio
criminis) é tida pelo Código Penal Militar como causa extintiva da punibilidade,
tal qual a prescrição. Correto.

PRESCRIÇÃO

É a perda do direito de punir ou de executar a pena, por parte do Estado, pelo não exercício
em determinado lapso de tempo. Não há mais interesse estatal na repressão do crime, tendo em
vista o decurso do tempo e porque o infrator não reincide, readaptando-se à vida social.

Há 2 maneiras de se computar a prescrição:

1) Pena in abstracto: não tendo ainda havido condenação, inexiste pena para servir de
base ao juiz para o cálculo da prescrição. Portanto, utiliza-se a pena máxima em abstrato
prevista para o delito.

2) Pena in concreto: já tendo havido condenação com trânsito em julgado, ao menos para
a acusação, a pena tornou-se concreta e passa a servir de base de cálculo para a
prescrição.

Nesse sentido, tem-se a Súmula 146 do STF:

Súmula 146 do STF: A prescrição da ação penal regula-se pela pena


concretizada na sentença, quando não há recurso da acusação.

5.4.1. Disposições específicas acerca da prescrição

Necessário se faz, inicialmente, distinguir as disposições legais entre o CPM e o CP Comum:

Quadro Comparativo da prescrição


CPM CP Comum
Art. 125. A prescrição da ação penal, Art. 109. A prescrição, antes de
salvo o disposto no § 1º deste artigo, regula-se transitar em julgado a sentença final, salvo o
pelo máximo da pena privativa de liberdade disposto no § 1o do art. 110 deste Código,
cominada ao crime, verificando-se: regula-se pelo máximo da pena privativa de
liberdade cominada ao crime, verificando-se:
I - em trinta anos, se a pena é de morte;
I - em vinte anos, se o máximo da pena
é superior a doze;

CS – DIREITO PENAL MILITAR 2023.1 91


.
II - em vinte anos, se o máximo da pena II - em dezesseis anos, se o máximo da
é superior a doze; pena é superior a oito anos e não excede a
doze;
III - em dezesseis anos, se o máximo da
pena é superior a oito e não excede a doze; III - em doze anos, se o máximo da pena
é superior a quatro anos e não excede a oito;
IV - em doze anos, se o máximo da pena
é superior a quatro e não excede a oito; IV - em oito anos, se o máximo da pena
é superior a dois anos e não excede a quatro;
V - em oito anos, se o máximo da pena
é superior a dois e não excede a quatro; V - em quatro anos, se o máximo da
pena é igual a um ano ou, sendo superior, não
VI - em quatro anos, se o máximo da excede a dois;
pena é igual a um ano ou, sendo superior, não
excede a dois; VI - em 3 (três) anos, se o máximo da
pena é inferior a 1 (um) ano.
VII - em dois anos, se o máximo da pena
é inferior a um ano.

A única distinção entre os dispositivos ocorre nos incisos I - I e VII - VI.

Salienta-se que os referidos prazos de contagem da prescrição são reduzidos pela metade
quando o criminoso era, ao tempo do crime, menor de 21 anos ou maior de 70 (art. 129 do CPM).

Com relação às demais especificidades da prescrição no âmbito do CPM, tem-se, a priori,


que sobrevindo sentença condenatória, de que somente o réu tenha recorrido, a prescrição passa
a regular-se pela pena imposta, e deve ser logo declarada, sem prejuízo do andamento do recurso
se, entre a última causa interruptiva do curso da prescrição e a sentença, já decorreu tempo
suficiente.

Ante a referida disposição, necessário se faz discorrer acerca dos tipos de prescrição:

1) Prescrição intercorrente, subsequente ou superveniente: é a prescrição da


pretensão punitiva, com base na pena aplicada, com trânsito em julgado para a
acusação, que ocorre entre a sentença condenatória e o trânsito em julgado desta.

Eventualmente, pode se dar entre o acórdão condenatório (verifica-se, a título ilustrativo,


que o juiz de primeira instância absolveu o réu, o órgão acusatório recorreu e o tribunal, dando
provimento ao apelo, proferiu condenação) e o trânsito em julgado deste julgado para a defesa.

Alguns autores a chamam de prescrição “retroativa intercorrente”.

Ex.: pena aplicada de 2 anos, da qual recorre apenas a defesa. Se a sentença não transitar
em julgado em menos de 4 anos, prescreve.

Entretanto, se o Ministério Público recorrer, mas tiver insucesso no seu apelo, o prazo para
a prescrição intercorrente corre da mesma forma, tal como se não tivesse havido o recurso. Se o
recurso apresentado pelo Ministério Público não disser respeito à pena aplicada, não importa se
tiver provimento, pois o prazo é computado normalmente.

CS – DIREITO PENAL MILITAR 2023.1 92


.
Ex.: o promotor recorre somente para alterar o regime aplicado e tem sucesso. Isso não é
suficiente para interromper o curso da prescrição intercorrente. Na realidade, o simples fato de o
órgão acusatório recorrer não pode prejudicar o cômputo da prescrição da pretensão punitiva, se
não houver sucesso nesse apelo. Não fosse assim, os recursos poderiam ser apresentados
sistematicamente, com o único objetivo de impedir o trâmite prescricional.

Na legislação penal comum, há expressa previsão de que o improvimento do recurso da


acusação (art. 110, § 1º do CP Comum) não impede o curso da prescrição intercorrente.

Acrescente-se, ainda, a possibilidade de haver recurso do Ministério Público, em relação à


pena, conseguindo alteração do seu montante para mais, entretanto, sem provocar alteração do
prazo prescricional. Nesse caso, considera-se presente do mesmo modo a ocorrência da prescrição
intercorrente, pois equivale à não obtenção de sucesso no apelo.

Ex.: imagine-se uma pena fixada em 1 ano e 6 meses de reclusão. Recorre ao Ministério
Público para elevá-la. O Tribunal, embora dê provimento ao apelo, aumenta a pena para 2 anos.
Ora, nessa hipótese, o prazo prescricional continua exatamente o mesmo, ou seja, 4 anos, razão
pela qual, se entre a sentença condenatória e o trânsito em julgado do acórdão, esse prazo já tiver
sido atingido, não há dúvida de ter havido prescrição intercorrente.

2) Prescrição retroativa: é a prescrição da pretensão punitiva com base na pena aplicada,


sem recurso da acusação, ou improvido este, levando-se em conta prazo anterior à
própria sentença.

Trata-se do cálculo prescricional que se faz da frente para trás, ou seja, proferida a sentença
condenatória, com trânsito em julgado, a pena torna-se concreta. A partir daí, o juiz deve verificar
se o prazo prescricional não ocorreu entre a data do recebimento da denúncia e a sentença
condenatória.

Ex.: se o delito possui pena máxima de 4 anos em abstrato, prescreve em 8. Fixada a pena
pelo juiz em um ano, transitada em julgado para a acusação, passa-se a computar em concreto, ou
seja, 4 anos. Volta-se então da data da sentença até a data do recebimento da denúncia e verifica-
se se transcorreu esse montante. Comprovado, extingue-se a punibilidade. Tanto o juiz da
condenação, quanto o da execução, podem reconhecer a ocorrência da prescrição retroativa.

Ante o exposto, infere-se que o § 1º do art. 110 do CP Comum é aplicável ao CPM. A respeito
do tema, o STF adotou o seguinte posicionamento:

Habeas corpus. Penal. Prescrição da pretensão punitiva, na modalidade


retroativa, com base na pena aplicada na sentença. Incidência entre a data
do fato e a do recebimento da denúncia. Inadmissibilidade. Inteligência do art.
110, § 1º, do Código Penal, com a redação dada pela Lei nº 12.234/10.
Abolição, apenas parcial, dessa modalidade de prescrição. Exame da
proporcionalidade em sentido amplo. Submissão da alteração legislativa aos
testes da idoneidade (adequação), da necessidade e da proporcionalidade
em sentido estrito. Constitucionalidade reconhecida. Liberdade de
conformação do legislador. Inexistência de ofensa aos princípios da
dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF), da humanidade da pena, da
culpabilidade, da individualização da pena (art. 5º, XLVI, CF), da isonomia
(art. 5º, II, CF) e da razoável duração do processo (art. 5º, LXXVIII, CF).
Análise de legislação comparada em matéria de prescrição penal. Ordem

CS – DIREITO PENAL MILITAR 2023.1 93


.
denegada. 1. A Lei nº 12.234/10, ao dar nova redação ao art. 110, § 1º, do
Código Penal, não aboliu a prescrição da pretensão punitiva, na modalidade
retroativa, fundada na pena aplicada na sentença. Apenas vedou, quanto aos
crimes praticados na sua vigência, seu reconhecimento entre a data do fato
e a do recebimento da denúncia ou da queixa. [...]. (HC n. 122.694/SP, Rel.
Min. Dias Toffoli, j. 10 DEZ 2014).

Em sequência, evidencia-se que o termo inicial da prescrição da ação penal começa a correr
nas seguintes hipóteses:

1) Do dia em que o crime se consumou;

2) No caso de tentativa, do dia em que cessou a atividade criminosa;

3) Nos crimes permanentes, do dia em que cessou a permanência;

4) Nos crimes de falsidade, da data em que o fato se tornou conhecido.

Ato contínuo, os §§ 4º e 5º do art. 126 do CPM dispõem acerca das causas suspensivas e
interruptivas da prescrição, respectivamente.

Outrossim, de acordo com o disposto no art. 127 do CPM, verifica-se em 4 anos a prescrição
nos crimes cuja pena cominada, no máximo, é de reforma ou de suspensão do exercício do posto,
graduação, cargo ou função.

Ademais, é de suma importância destacar que é imprescritível a execução das penas


acessórias, nos termos do art. 130 do CPM. Contudo, para Cícero Coimbra, trata-se de disposição
inconstitucional, uma vez que o rol de delitos imprescritíveis está previsto na Constituição Federal.

Em continuidade, infere-se que há previsão específica acerca do termo inicial de contagem


da prescrição da ação penal com relação aos crimes de insubmissão e deserção, sendo realizada
da seguinte forma:

Prescrição no caso de insubmissão


Art. 131. A prescrição começa a correr, no crime de insubmissão, do dia em
que o insubmisso atinge a idade de trinta anos.

Prescrição no caso de deserção


Art. 132. No crime de deserção, embora decorrido o prazo da prescrição, esta
só extingue a punibilidade quando o desertor atinge a idade de quarenta e
cinco anos, e, se oficial, a de sessenta.

Com relação ao art. 131, tem-se que a prestação do serviço militar pelos jovens brasileiros
é obrigatória (art. 143 da CF/88). Há interesse estatal nessa instrução militar, formando uma linha
reserva para as Forças Armadas. Desse modo, o civil insubmisso, que se subtrai à convocação
comete crime (art. 183 do CPM). Porém, o interesse estatal na incorporação encontra limite aos 30
anos.

Se até essa idade o indivíduo insurgente não for capturado, nem se apresentar, inicia-se o
prazo prescricional especial. Como a pena máxima para o delito é de um ano, computa-se a
prescrição em 4, conforme o previsto pelo art. 125, VI, do CPM. Naturalmente, se preso antes ou

CS – DIREITO PENAL MILITAR 2023.1 94


.
encontrado por outra forma, o prazo prescricional computa-se dentro da regra geral, vale dizer, com
base nos referidos 4 anos.

Para melhor visualização do tema, colaciona-se a seguinte jurisprudência do STM:

O crime de insubmissão previsto no art. 183 do Código Penal Militar é de


mera conduta e permanente, autorizando, por este último motivo, a captura
do insubmisso, nos termos do art. 463, § 1.º, do Código de Processo Penal
Militar. Vale dizer que a consumação do delito de insubmissão se protrai no
tempo, efetivando-se com a apresentação ou captura do agente, de sorte
que, em relação ao prazo prescricional, consoante disposto na alínea ‘c’ do §
2.º do artigo 125 do Código Penal Militar, a prescrição da ação penal militar
começa a correr no dia em que cessou a permanência. Nesse contexto, se o
réu não se apresentou voluntariamente ou não foi capturado, deve incidir a
dicção do art. 131 do referido Códex Castrense, segundo o qual ‘A prescrição
começa a correr, no crime de insubmissão, do dia em que o insubmisso atinge
a idade de trinta anos’. Além disso, a redução do prazo prescricional prevista
no art. 129 do referido Códex somente aproveita o agente que, ao tempo do
crime, ou seja, da cessação da permanência, não tivesse completado 21
(vinte e um) anos de idade. O Superior Tribunal Militar forjou entendimento
no sentido de que não é admitida a chamada prescrição em perspectiva.
Precedentes. Recurso em Sentido Estrito provido. Decisão por maioria.
(Recurso em Sentido Estrito n.º 7000380-13.2020.7.00.0000, rel. Carlos Vuyk
de Aquino, 06.08.2020, maioria).

Referente ao art. 132, destaca-se que a ausência do militar, sem licença, de sua unidade,
por mais de 8 dias caracteriza o crime do art. 187 do CPM.

Permanecendo foragido, regula-se a prescrição pelo critério da idade (45 anos para não
oficial; 60 anos para oficial), pouco importando o prazo prescricional regular, que se daria em 4
anos, pois o máximo em abstrato da pena é de 2 anos. Entretanto, na mesma linha sustentada para
o caso previsto no artigo anterior (insubmisso), se o desertor for preso ou encontrado de outra forma
pelo Estado, regula-se a prescrição pelo tempo normal, com base no art. 125.

Como o tema foi cobrado em concurso?


(MPM - Promotor de Justiça - MPM - 2021): A suspensão dos prazos
prescricionais, segundo a fórmula adotada no art. 366 do CPP, aplicada ao
Direito Penal Militar, conforme o permissivo constante do art. 3º do CPPM,
não é admissível ou reconhecida pelos tribunais, entre estes a Suprema
Corte, tendo em vista não tratar-se de hipótese não prevista na legislação
repressiva castrense, em consonância com o disposto na letra “a” do artigo
antes mencionado, que dá arrimo à aplicação da analogia, quando aplicável
ao caso concreto sem prejuízo da índole do processo penal militar e implicar
em reflexos prejudiciais aos que se vejam processados perante as Instâncias
Especializadas da Justiça Militar da União. Correto.

REABILITAÇÃO

É a declaração judicial de inserção do sentenciado ao gozo de determinados direitos que lhe


foram suprimidos ou suspensos em face da condenação. Trata-se, na essência, de instituto
autônomo, estimulador da regeneração e reintegração social de quem foi condenado.

CS – DIREITO PENAL MILITAR 2023.1 95


.
Na legislação militar, tratando-se de causa de extinção da punibilidade, deve provocar a
cessação das penas acessórias ainda pendentes. Considerando-se o rol do art. 98, somente terá
efeito em relação à inabilitação para o exercício de função pública (inciso VI), à suspensão do pátrio
poder, tutela ou curatela (inciso VII) e à suspensão dos direitos políticos (inciso VIII).

RESSARCIMENTO DO DANO, NO PECULATO CULPOSO

Esta causa de extinção da punibilidade possui figura correlata no CP Comum. Entretanto,


na legislação comum, corretamente, encontra-se somente na Parte Especial, no tipo penal do
peculato (art. 312, § 3º).

Ao contrário, no CPM, insere-se no rol geral do art. 123, como se fosse aplicável a qualquer
delito. De todo modo, a reparação do dano causado, que deve ser integral, gera a extinção da
punibilidade se for realizada antes do trânsito em julgado de sentença condenatória.

Pode ser reconhecida a qualquer tempo por juiz ou tribunal, declarando-se extinta a
punibilidade do agente. Promovida a reparação em fase posterior, cabe ao juiz da execução penal
reduzir a pena do sentenciado em metade.

CS – DIREITO PENAL MILITAR 2023.1 96


.
CRIMES EM ESPÉCIE

1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

O CPM adota a seguinte estrutura para elencar os crimes militares em espécie:

1) Parte Especial

1.1) Livro I – Crimes militares em tempo de paz

1.1.1) Título I

1.1.2) Título II

1.1.2.1) Capítulo I: motim e revolta

1.1.2.2) Capítulo II: aliciação e incitamento

1.1.2.3) Capítulo III: violência contra superior ou militar de serviço

1.1.2.4) Capítulo IV: desrespeito a superior, símbolo nacional ou fraude

1.1.2.5) Capítulo V: insubordinação

1.1.2.6) Capítulo VI: usurpação, excesso ou abuso de autoridade

1.1.2.7) Capítulo VII: resistência

1.1.2.8) Capítulo VIII: fuga, evasão, arrebatamento ou amotinamento de presos

1.1.3) Títulos III a VIII

1.2) Livro II – Crimes militares em tempo de guerra

Isto posto, é mister salientar que serão abordados os crimes previstos no CPM que possuem
maior recorrência de cobrança nas provas.

2. MOTIM E REVOLTA

A objetividade jurídica do motim e da revolta é a autoridade e disciplina militar.

Tais delitos possuem como sujeitos ativo 2 ou mais militares (delito plurissubjetivo).

O sujeito passivo, por sua vez, é o Estado pela instituição militar. Mediatamente, também o
superior.

Referem-se a crimes propriamente militares e que admitem a tentativa nas formas


comissivas.

O art. 149 disciplina o delito de motim, que ocorrerá quando militares se reunirem para:

CS – DIREITO PENAL MILITAR 2023.1 97


.
1) Agir contra ordem de superior (fazer algo contrário ao determinado) ou negar o
cumprimento (omitir-se quanto ao comando);

2) Refutar obediência (seguimento ao comando dado) a superior (oficial de escalão acima


de seu grau hierárquico), agindo por conta própria (desvinculado de ordem superior, o
que não é próprio da disciplina inerente ao militar) ou praticando qualquer forma de
violência (física ou moral);

3) Concordar em não aceitar ordem superior (esta conduta é genérica, enquanto na anterior
– refutar obediência a superior envolve ordem específica), formando um grupo de
resistência, ativa ou passiva;

4) Ocupar (ingressar, tomando conta de algum lugar) unidades militares ou veículos em


geral, com o objetivo de praticar ação militar, violenta ou não, desatendendo a ordem
superior ou a disciplina militar.

Nesse caso, as penas são aplicadas sem prejuízo das penas correspondentes à violência
(art. 153 do CPM).

Além disso, o inciso IV do art. 149 traz como espécies de lugares o quartel, fortaleza, arsenal,
fábrica ou estabelecimento militar, ou dependência de qualquer deles, hangar, aeródromo ou
aeronave, navio ou viatura militar.

A pena para o motim é de reclusão, de 4 a 8 anos, com aumento de 1/3 para os cabeças.

O tipo é de forma vinculada, pois o motim somente deve ser praticado por meio das figuras
retratadas nos incisos I a IV. O delito é formal, não necessitando efetivo prejuízo ao bem jurídico
tutelado, que é a disciplina militar, conforme já mencionado.

Sobre o tema, tem-se o seguinte julgado do STM:

3. Cometem o crime de motim, previsto no art. 149, inciso I, do CPM, os


militares que, reunidos para satisfazer reivindicação de natureza estatutária,
paralisam, sem justa causa, as suas atividades prescritas em regulamentos,
portarias, ordens ou modelos operacionais. 4. A negativa geral de manter a
regularidade do tráfego aéreo descumpre nítida e permanente ordem
emanada do escalão superior e, consequentemente, configura o delito do
crime de motim, previsto no art. 149, inciso I, do CPM. Assim, para a
subsunção da conduta a esse delito, não se exige que a ordem seja repetida,
cotidianamente, antes do início das atividades da OM. 5. O motim integra o
grupo dos mais nefastos crimes militares, porque mira, sem escrúpulos, nas
raízes castrenses mais valiosas: os pilares da Hierarquia e da Disciplina. O
delito atinge o âmago das Forças Armadas, reduzindo a pó os juramentos
estatutários que os agentes militares realizaram perante a Bandeira Nacional.
6. O crime de motim sempre compromete a ordem pública e a constitucional,
podendo, quando praticado com o intuito de pressionar o deferimento de
demandas coletivas, conduzir a sociedade para o mais completo caos, pois
ataca, frontalmente, a eficiência da maior ferramenta de Defesa do Estado.
[...]. (Apelação n.º 7000242-80.2019.7.00.0000, rel. Marco Antônio de Farias,
28.10.2020, v.u.).

CS – DIREITO PENAL MILITAR 2023.1 98


.
Em continuidade, o parágrafo único do art. 149 do CPM ganha título específico – revolta –
ao considerar a circunstância de estarem armados os militares amotinados:

Revolta
Parágrafo único. Se os agentes estavam armados:
Pena - reclusão, de oito a vinte anos, com aumento de um terço para os
cabeças.

Frise-se que basta que o militar esteja armado, não necessitando que a arma tenha sido
utilizada.

Embora seja comum cuidar-se de arma própria (revólver, pistola, fuzil etc.), também serve
para caracterizar a qualificadora o emprego de arma imprópria (faca, machado, foice etc.). Eleva-
se a faixa de aplicação da pena, em virtude do maior perigo acarretado ao bem jurídico.

Além disso, na hipótese em que apenas um militar está armado mas há 10 militares
aglomerados, todos responderão por revolta se a arma puder ser empregada coletivamente para
aumentar o potencial dos amotinados. Ex.: metralhadora.

Todavia, se apenas um militar possuir uma arma e os outros não tiverem ciência disso,
apenas o militar que a detinha responderá por revolta.

Como o tema foi cobrado em concurso?


(PM-AM - Oficial - FGV - 2022): A Sargento Louise deu ordem para que os
policiais militares recém-empossados permanecessem no quartel
aguardando instruções para um treinamento de policiamento ostensivo.
Agindo de forma contrária à determinação recebida pela superior, o Soldado
Prima e o Soldado Flores reuniram um grupo de seis militares no bar ao lado
do quartel, e passaram a criticar sua superior hierárquica de forma
desrespeitosa. Nessa situação hipotética, os soldados militares praticaram o
crime de motim. Correto.

(PM-CE - Soldado - FGV - 2021): Com a intenção de formar um motim em


protesto ao comandante do quartel, os soldados Franco e Allyson reúnem um
grupo de 10 militares para ocupar a unidade militar. Para todos saberem a
seriedade do protesto, o soldado Allyson sugere o uso de armas. Assim,
metade dos militares faz a ocupação, portando arma de forma ostensiva e
todos ocupam o quartel por dois dias. Nesse caso, é correto afirmar que todos
responderão pelo crime de revolta. Errado.

(EsFCEx - Oficial - Direito - VUNESP - 2021): Considerando que o crime de


motim é de autoria coletiva necessária, na hipótese de ocorrer um motim
envolvendo 2 (dois) Cabos, 2 (dois) Soldados, 2 (dois) Sargentos e 1 (um)
Tenente, sendo o mentor da prática criminosa um dos Cabos, é correto
afirmar, nos termos do Código Penal Militar, o Tenente será considerado o
cabeça do motim e poderá receber uma pena maior. Correto.

(PM-MG - Soldado - PM-MG - 2021): Enquanto no crime de motim o militar


pode agir isoladamente contra a ordem recebida de superior, no crime de
revolta há a necessidade da reunião de dois ou mais militares e do uso de
armas de fogo. Errado.

CS – DIREITO PENAL MILITAR 2023.1 99


.
3. ORGANIZAÇÃO DE GRUPO PARA A PRÁTICA DE VIOLÊNCIA

Está previsto no art. 150 do CPM:

Art. 150. Reunirem-se dois ou mais militares ou assemelhados, com


armamento ou material bélico, de propriedade militar, praticando violência à
pessoa ou à coisa pública ou particular em lugar sujeito ou não à
administração militar:
Pena - reclusão, de quatro a oito anos.

A objetividade jurídica do crime também é a autoridade e a disciplina militar.

Tem como sujeitos ativo 2 ou mais militares (delito plurissubjetivo).

O sujeito passivo, por sua vez, é o Estado pela instituição militar. Mediatamente, também a
vítima, isto é, a pessoa prejudicada pela violência.

Em sequência, evidencia-se que os elementos objetivos do tipo penal são:

1) Reunirem-se fisicamente;

2) Armamento ou material bélico;

O Regulamento para as Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares (Decreto n°


88.777, de 30 de setembro de 1983), também denominado de R-200, em seu art. 2º, 20, estabelece
que:

20) Material Bélico de Polícia Militar - Todo o material necessário às Polícias


Militares para o desempenho de suas atribuições especificas nas ações de
Defesa Interna e de Defesa Territorial.
Compreendem-se como tal:
a) armamento;
b) munição;
c) material de Motomecanização;
d) material de Comunicações;
e) material de Guerra Química;
f) material de Engenharia de Campanha.

3) De propriedade militar;

4) Praticando violência física;

5) Pessoa ou coisa (pública ou particular).

O elemento subjetivo, por outro lado, é o dolo, consistente na vontade de desatender a


disciplina militar.

No que se refere à consumação do delito, salienta-se que apesar de a redação legal trazer
o verbo “reunirem-se”, ela só ocorrerá com a efetiva prática da violência.

Ademais, não se demanda, para a concretização do delito, a permanência ou estabilidade


do grupo, bastando que seus integrantes, uma vez reunidos, cometam atos de violência.

CS – DIREITO PENAL MILITAR 2023.1 100


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Por fim, também constitui crime propriamente militar e admite a tentativa.

4. OMISSÃO DE LEALDADE MILITAR

Possui previsão no art. 151 do CPM:

Art. 151. Deixar o militar ou assemelhado de levar ao conhecimento do


superior o motim ou revolta de cuja preparação teve notícia, ou, estando
presente ao ato criminoso, não usar de todos os meios ao seu alcance para
impedi-lo:
Pena - reclusão, de três a cinco anos.

Assim como nos crimes acima expostos, a objetividade jurídica deste delito também é a
autoridade e a disciplina militar.

Por outro lado, tem como sujeito ativo o militar (delito monossubjetivo).

O sujeito passivo, por sua vez, é o Estado pela instituição militar.

Em continuidade, tem-se que os elementos objetivos do crime são:

1) Deixar: crime omissivo próprio;

2) Levar ao conhecimento do superior: dar conhecimento, informar;

3) Motim ou revolta: limitado aos delitos do art. 149 do CPM;

4) Preparação de que teve notícia: antes de ocorrer o delito;

5) Estando presente o ato criminoso, não usar de todos os meios ao seu alcance para
impedi-lo: dever e poder agir.

Segundo Nucci, cuida-se de crime omissivo, concretizando-se no momento em que o militar,


tendo ciência da preparação de motim ou revolta, não a comunica ao seu superior. Outra forma de
consumação ocorre quando o militar não busca impedir, dentro das suas possibilidades, a
realização da rebelião, desde que esteja presente ao ato.

Estabelece-se, em lei, portanto, a posição de garante, voltada ao militar presente ao


movimento rebelde ou ciente de seu engendramento. Nesse caso, o garantidor deve fazer o
possível para evitar o motim e, no mínimo, deve comunicar o seu planejamento ou execução ao
superior.

Em conclusão, ressalta-se que não admite tentativa.

Como o tema foi cobrado em concurso?


(CBM-SE - Soldado - IBFC - 2018): Configura o crime de “omissão de
lealdade militar” o ato de incitar à desobediência, à indisciplina ou à prática
de crime militar. Errado.

CS – DIREITO PENAL MILITAR 2023.1 101


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5. CONSPIRAÇÃO

A redação legal do tipo está elencada no art. 152 do CPM, in verbis:

Art. 152. Concertarem-se militares ou assemelhados para a prática do crime


previsto no artigo 149:
Pena - reclusão, de três a cinco anos.
Isenção de pena
Parágrafo único. É isento de pena aquele que, antes da execução do crime e
quando era ainda possível evitar-lhe as consequências, denuncia o ajuste de
que participou.

Igualmente nos delitos supramencionados, a objetividade jurídica do crime de conspiração


também é a autoridade e a disciplina militar.

Por sua vez, contudo, tem como sujeitos ativo 2 ou mais militares (delito plurissubjetivo). O
sujeito passivo, por sua vez, é o Estado pela instituição militar.

Os elementos objetivos da conspiração são:

1) Concertarem-se: acordarem, ajustarem, combinarem, mesmo que remotamente (ex.:


videoconferência, WhatsApp);

2) Prática de crime do art. 149: motim ou revolta;

3) Pune-se o ato preparatório desses crimes.

Evidencia-se, ainda, que a consumação se dá com o mero ajuste.

Outrossim, tratando-se de situação considerada particularmente grave, houve por bem o


legislador criar figura típica incriminadora específica. Se houver a conspiração e, na sequência, o
motim, este último absorve o primeiro.

Por outro lado, não cabe tentativa para o delito previsto neste tipo penal (art. 152), pois já é
excepcional a punição da preparação, razão pela qual não teria sentido punir a tentativa de preparo,
conforme visão de Nucci.

No que se refere ao parágrafo único do art. 152, infere-se que há prestígio à delação, que
ocorre quando o integrante de um delito (como coautor ou partícipe), entrega-se e também a
outro(s) membro(s) do ajuste.

Estipula-se, como condição para extinguir a punibilidade do agente da conspiração, o


seguinte:

1) Narrar o ajuste a quem possa impedi-lo, o que significa tratar-se de superior;

2) Ter tomado parte no planejamento do motim;

3) Delatar o preparo antes do início da execução;

Logo, pode dar-se depois de consumada a conspiração, embora antes do motim.

CS – DIREITO PENAL MILITAR 2023.1 102


.
4) Não haver qualquer consequência do preparo do motim.

Como o tema foi cobrado em concurso?


(PM-AM - Aluno Oficial - FGV - 2022): O crime de conspiração ocorre
quando os militares se ajustam para a prática de motim ou revolta. Correto.

(MPM - Promotor de Justiça - MPM - 2021): O crime de Conspiração, art.


152 do CPM, incrimina os simples atos preparatórios do crime de Motim,
bastando o ajuste, o acordo, o pacto, de militares, na empreitada comum de
realizar as condutas descritas no art. 149 do CPM. Entretanto, estará isento
de pena o agente que antes da execução do crime de Motim e quando era
ainda possível evitar-lhe as consequências, denuncia o ajusta de que
participou, não sendo relevante se o crime de Motim, a despeito da delação
premial – caracterizada no dispositivo como escusa absolutória – venha a se
consumar pela inação ou ineficiência das autoridades que deviam e podiam
evitar o Motim. Correto.

(PM-BA - Soldado - IBFC - 2017): Considerando a prática de conspiração,


tem-se que tal conduta existe no ato de concertarem-se militares e não os
assemelhados para a prática do crime de Motim. Errado.

6. ALICIAÇÃO PARA MOTIM OU REVOLTA

Está disposto no art. 154 do CPM:

Art. 154. Aliciar militar ou assemelhado para a prática de qualquer dos crimes
previstos no capítulo anterior:
Pena - reclusão, de dois a quatro anos.

Em sentido idêntico aos demais, a objetividade jurídica do crime também é a autoridade e a


disciplina militar.

O sujeito ativo (aliciador) pode ser qualquer pessoa. Já o sujeito passivo é o Estado.

Trata-se de crime impropriamente militar.

Aliciar é atrair, seduzir, envolver, convencer. O objeto da conduta é o militar, buscando


convencê-lo à prática de qualquer crime previsto nos arts. 149 a 152 do CPM.

Na visão de Cícero Coimbra, a consumação se dá com o efetivo convencimento do aliciado.

No que tange ao elemento subjetivo, salienta-se que é o dolo e que inexiste a forma culposa.

Como o tema foi cobrado em concurso?


(STM - Juiz Auditor - CESPE - 2013): Admite-se o civil como sujeito ativo do
crime de aliciação para motim, que se consuma com o mero convite para a
prática do crime. Errado.

7. VIOLÊNCIA CONTRA SUPERIOR

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A objetividade jurídica do crime também é a autoridade e a disciplina militar.

A violência contra superior é delito previsto no art. 157 do CPM:

Art. 157. Praticar violência contra superior:


Pena - detenção, de três meses a dois anos.

O sujeito ativo é o militar inferior hierárquico ou funcional. Todavia, pode ser praticado pelo
civil em concurso de pessoas. O passivo é o Estado e, secundariamente, o superior atingido.

Trata-se de crime propriamente militar.

Segundo Cícero Coimbra, para configuração do delito basta apenas a violência física, isto
é, a mera entrada em vias de fato, ainda que não haja lesão, conforme já decidiu o STM:

4. O delito de Violência contra Superior (art. 157 do CPM) prescinde da


ocorrência de lesão corporal para a sua configuração, sendo suficiente o
emprego de violência física, doutrinariamente denominada de ‘vis corporalis’,
a qual pode ser constituída por mera agressão, decorrente de empurrão, de
soco, de tapa, de arremesso de objeto, de ordem de ataque dada a um animal
perigoso, entre outros meios. (Apelação n.º 7000217-33.2020.7.00.0000, rel.
Marco Antônio de Farias, 22.10.2020, v.u.).

Em sequência, destaca-se que o delito possui as seguintes qualificadoras:

§ 1º Se o superior é comandante da unidade a que pertence o agente, ou


oficial general:
Pena - reclusão, de três a nove anos.
§ 4º Se da violência resulta morte:
Pena - reclusão, de doze a trinta anos.

Prevê, ainda, causas de aumento de pena/majorantes:

§ 2º Se a violência é praticada com arma, a pena é aumentada de um terço.


§ 5º A pena é aumentada da sexta parte, se o crime ocorre em serviço.

E, ainda, o concurso de crimes:

§ 3º Se da violência resulta lesão corporal, aplica-se, além da pena da


violência, a do crime contra a pessoa.

Por fim, salienta-se que é possível a tentativa.

Como o tema foi cobrado em concurso?


(MPM - Promotor de Justiça - MPM - 2021): No crime de Violência contra
superior, art. 157 do CPM, ou Desrespeito contra superior, art. 160 do CPM,
a violência praticada contra o Comandante ou não está contemplada como
elementar na configuração típica básica dos dispositivos, não havendo como
reconhecer que o Comandante venha a ser sujeito passivo dos delitos em
questão, senão por Insubordinação, pela recusa de obediência, que é um
crime expressamente subsidiário. Errado.

CS – DIREITO PENAL MILITAR 2023.1 104


.
(PM-MG - Soldado - PM-MG - 2017): O crime de Violência contra superior,
previsto no art. 157 do CPM, exige que a conduta delituosa seja praticada
diante de outro militar. Errado.

8. VIOLÊNCIA CONTRA MILITAR DE SERVIÇO

Estabelece o art. 158 do CPM que:

Art. 158. Praticar violência contra oficial de dia, de serviço, ou de quarto, ou


contra sentinela, vigia ou plantão:
Pena - reclusão, de três a oito anos.

O sujeito ativo é qualquer pessoa, inclusive o civil. Por ser praticado por qualquer pessoa, é
crime impropriamente militar.

O sujeito passivo é o próprio Estado. Mediatamente, o oficial de dia, de serviço, de quarto


ou o sentinela vigia ou plantão.

Oficial de dia, de serviço ou de quarto são figuras relativas à atividade do militar, conforme
o regulamento da carreira. Na realidade, o importante é detectar o oficial em pleno serviço, como o
próprio título demonstra. No mais, tutela-se a incolumidade de outros militares não oficiais, desde
que atuem como sentinela, vigia ou plantão, vale dizer, os responsáveis pela vigilância e segurança
da unidade militar em que servem.

Ressalta-se que basta apenas a violência física, ou seja, a mera entrada em vias de fato,
ainda que não haja lesão, nos termos do julgado do STM abaixo colacionado:

Pratica o crime de violência contra militar de serviço o agente que, de forma


deliberada, desfere soco na face da sentinela que cumpria serviço de reforço
em Posto da Vila Militar. 6. O tipo penal previsto no artigo 158 do Código
Penal Militar é um crime tipicamente militar, inserido no Capítulo III – Da
violência contra superior ou militar de serviço –, que, por sua vez, encontra-
se dentro do Título II do CPM – Dos crimes contra a autoridade ou disciplina
militar. Sendo assim, trata-se de norma penal incriminadora que busca
conceder rígido mecanismo para a manutenção da disciplina e autoridade
militar. 7. Outrossim, a existência de lesões é dispensável para a ocorrência
do tipo penal em comento, que tutela precipuamente a disciplina e autoridade
militar, conforme já decidido por esta Corte. Apelo conhecido e não provido.
(Apelação n.º 7000292-43.2018.7.00.0000, rel. Carlos Augusto de Sousa,
21.03.2019, v.u.).

Tem-se a forma qualificada do delito:

§ 3º Se da violência resulta morte:


Pena - reclusão, de doze a trinta anos.

Bem como uma causa de aumento de pena/majorante:

§ 1º Se a violência é praticada com arma, a pena é aumentada de um terço.

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E, também, disposição referente ao concurso de crimes:

§ 2º Se da violência resulta lesão corporal, aplica-se, além da pena da


violência, a do crime contra a pessoa.

Em continuidade, é mister vislumbrar um dispositivo aplicável aos delitos do art. 157 e 158:

Art. 159. Quando da violência resulta morte ou lesão corporal e as


circunstâncias evidenciam que o agente não quis o resultado nem assumiu o
risco de produzi-lo, a pena do crime contra a pessoa é diminuída de metade.

Trata-se do crime preterdoloso.

Quando o resultado mais grave – lesão ou morte – advém em decorrência da culpa do


agente, configura-se a hipótese preterdolosa (dolo na conduta antecedente e culpa na
consequente), acarretando punição mais grave que a forma comum, mas menos severa do que a
figura qualificada pelo resultado doloso.

9. DESRESPEITO A SUPERIOR

Está previsto no art. 160 do CPM:

Art. 160. Desrespeitar superior diante de outro militar:


Pena - detenção, de três meses a um ano, se o fato não constitui crime mais
grave.
Desrespeito a comandante, oficial general ou oficial de serviço
Parágrafo único. Se o fato é praticado contra o comandante da unidade a que
pertence o agente, oficial-general, oficial de dia, de serviço ou de quarto, a
pena é aumentada da metade.

O sujeito ativo é apenas o militar inferior hierárquico ou funcional. Todavia, pode ser
praticado pelo civil em concurso de pessoas.

Trata-se de crime propriamente militar.

Tem-se por desrespeito a falta de consideração por palavras, gestos, etc. Ex.: arremesso de
excrementos.

Obs.: Se a intenção do agente é menosprezar ou deprimir o superior,


não se trata do crime de desrespeito, mas sim de desacato (art. 298
do CPM).

Em sequência, destaca-se que para a configuração do crime é necessária a presença de


outro militar. De acordo com Cícero Coimbra, é necessário que seja um militar da ativa, mas não é
preciso que seja da mesma força militar. Além disso, basta que o outro militar esteja presente,
dispensando-se a percepção deste acerca do desrespeito.

A respeito do tema, tem-se o seguinte julgado do STM:

CS – DIREITO PENAL MILITAR 2023.1 106


.
O militar que, na presença de companheiros de farda, de forma dolosa e
desrespeitosa, arremessa uma mesa na direção do Superior hierárquico,
incorre nas sanções do art. 160 do CPM. O conjunto probatório produzido nos
autos revela, de forma clara, a ocorrência do crime, não havendo qualquer
contradição nos depoimentos das testemunhas. O fato de as testemunhas
serem Oficiais da Marinha, e o acusado praça, em nada influi para o valor
desse meio de prova, eis que os militares prestaram o depoimento sob o
juramento de dizer a verdade. Destarte, preenchidas as elementares do tipo
penal em comento, a conduta do apelado se amolda perfeitamente ao delito
previsto no art. 160 do CPM, e deve ser fortemente coibida no seio da
caserna. Assim, não havendo qualquer causa excludente de ilicitude ou de
culpabilidade, a condenação é medida que se impõe. Provimento do Apelo
ministerial. (Apelação n.º 7000080-51.2020.7.00.0000, rel. Odilson Sampaio
Benzi, 25.06.2020, maioria).

Frise-se que no presente delito, a embriaguez não afasta o dolo, de acordo com o
entendimento jurisprudencial predominante.

No presente caso, a consumação ocorre com a exteriorização do ato de desconsideração.

Isto posto, para Célio Lobão, não é possível a tentativa. Contudo, para Cícero Coimbra, é
discutível a tentativa quando a forma de execução se der sob a forma escrita.

Como o tema foi cobrado em concurso?


(PM-AM - Aluno Oficial - FGV - 2022): O crime de desrespeito a superior
pode ocorrer na forma dolosa ou culposa. Errado.

(PM-MG - Soldado - PM-MG - 2021): Para a caracterização do crime de


desrespeito a superior não é necessário que o autor cometa o ato diante de
outro militar. Errado.

10. RECUSA DE OBEDIÊNCIA

Está disposto no Capítulo V, referente à insubordinação, com a redação específica no art.


163 do CPM:

Art. 163. Recusar obedecer a ordem do superior sobre assunto ou matéria de


serviço, ou relativamente a dever imposto em lei, regulamento ou instrução:
Pena - detenção, de um a dois anos, se o fato não constitui crime mais grave.

O sujeito ativo é somente o militar. O passivo é o Estado e, secundariamente, a autoridade


desprestigiada.

Em sequência, tem-se como elementos objetivos:

1) Recusar: negar-se por omissão ou ação contrária.

2) Ordem: ato administrativo com seus pressupostos de validade (competência, finalidade,


forma, motivo e objeto).

CS – DIREITO PENAL MILITAR 2023.1 107


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Relembre-se que se a ordem for manifestamente criminosa e o subordinado cumprir,
responderá pelo crime junto ao superior que deu a ordem. Portanto, o subordinado que não cumpre
ordem manifestamente criminosa, não comete o delito de recusa de obediência, em virtude da
adoção do princípio das baionetas inteligentes.

Ante o exposto, pode-se inferir que o objeto da não submissão do militar é a ordem de seu
superior, em assuntos de serviço, mas também no tocante a dever legal, regulamentar ou de
instrução.

Nesse liame, difere do crime de desobediência (art. 301 do CPM), porque esta figura é
voltada, basicamente, ao particular, quando se orienta contra a administração pública militar.
Ademais, o tipo penal do art. 163 é mais amplo, prevendo o desrespeito a regulamentos ou
instruções.

Sobre a temática, há o seguinte entendimento jurisprudencial adotado pelo STM:

Configura-se a figura típica descrita no art. 163 do Código Penal Militar pela
desobediência de ordem superior em assunto relacionado ao serviço, aí
incluídas ordens relativas ao dever legal, regulamentar ou de instrução.
Basta, portanto, a comprovação de que o militar efetivamente deixou de
obedecer à ordem do seu superior, fato que restou devidamente comprovado
nos presentes autos, pois todos os depoimentos testemunhais são
harmônicos e convergentes em demonstrar o cometimento do crime,
tornando inviável a aplicação do Postulado in dubio pro reo. O
reconhecimento de situação de inexigibilidade de conduta diversa deve ser
demonstrado pela Defesa com provas idôneas e contundentes, aptas a
caracterizar que a situação é dramática o suficiente para não permitir que o
agente tenha condições de discernir, com clareza, qual bem merece ser
salvo, optando, então, pelo que lhe parece mais importante, o que não restou
devidamente demonstrado nos autos. Estando tipificada a prática delituosa
do art. 163 do Código Penal Militar e considerando que a conduta descrita
nos presentes autos goza de relevância penal, porquanto viola diretamente
os pilares da hierarquia e da disciplina castrenses, não é possível a
desclassificação da conduta para infração disciplinar. Negado provimento ao
Apelo defensivo. (Apelação n.º 7000201-79.2020.7.00.0000, rel. Carlos Vuyk
de Aquino, 18.06.2020, v.u.).

Depreende-se, ainda, que a consumação se dá com o mero não cumprimento da ordem, por
ação ou omissão.

Ressalta-se, por fim, que é possível a tentativa por ser crime unissubsistente.

Como o tema foi cobrado em concurso?


(PM-RJ - Oficial - FGV - 2021): Recusar-se a obedecer a uma ordem do
superior sobre assunto ou matéria de serviço, ou a dever imposto em lei,
regulamento ou instrução, é crime previsto no CPM. Correto.

(PM-MG - Soldado - PM-MG - 2017): O militar que se negar a obedecer a


ordem de seu superior hierárquico, chefe direto, relativo a serviço ou dever
imposto em lei, comete crime militar de recusa de obediência. Correto.

CS – DIREITO PENAL MILITAR 2023.1 108


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(PM-SP - Oficial - VUNESP - 2015): Na hipótese de vários policiais militares
de uma mesma guarnição, todos, em coautoria, recusarem-se a cumprir a
determinação de um Sgt PM, todos poderão responder pelo crime de recusa
de obediência. Errado.

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