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1

SuMÁRIO
DIREITO PENAL ................................................................................................................................ 17
TEORIA SIGNIFICATIVA DA AÇÃO ................................................................................................ 17
CRIME DE HERMENÊUTICA E A NOVA LEI DE ABUSO DE AUTORIDADE ....................................... 20
TEORIA DA REITERAÇÃO NÃO CUMULATIVA DE CONDUTA DE GÊNEROS DISTINTOS ................. 23
AÇÕES NEUTRAS ......................................................................................................................... 24
TEORIA DAS JANELAS QUEBRADAS (BROKEN WINDOWS THEORY) ............................................. 26
VIAS DO DIREITO PENAL (TEORIA GERAL DA PENA) .................................................................... 27
CRIMINALIZAÇÃO PRIMÁRIA X SECUNDÁRIA .............................................................................. 29
TEORIAS EXTREMADA E LIMITADA DO DOLO .............................................................................. 29
FUNCIONALISMO PENAL ............................................................................................................. 31
Funcionalismo moderado, dualista ou de política criminal ..................................................... 31
Funcionalismo radical, monista ou sistêmico .......................................................................... 32
DELITOS DE ACUMULAÇÃO ......................................................................................................... 34
TEORIA DA CEGUEIRA DELIBERADA............................................................................................. 36
CRIME DE OLVIDO (OU DELITO DE ESQUECIMENTO) .................................................................. 37
MANDADOS DE CRIMINALIZAÇÃO .............................................................................................. 38
ESPIRITUALIZAÇÃO DE BENS JURÍDICOS NO DIREITO PENAL ....................................................... 39
DIREITO PENAL DO INIMIGO ....................................................................................................... 41
LEIS DE LUTA OU DE COMBATE ................................................................................................... 44
DIREITO PENAL DE INTERVENÇÃO ............................................................................................... 44
TEORIA DA IMPUTAÇÃO OBJETIVA .............................................................................................. 46
1. Criação ou aumento de um risco proibido .......................................................................... 46
2. Realização do risco no resultado ......................................................................................... 47
OBSERVAÇÕES IMPORTANTES ................................................................................................ 47
EVOLUÇÃO DOUTRINÁRIA DA TIPICIDADE .................................................................................. 48
CORPUS DELICTI (“Tatbestand”) .............................................................................................. 48
FASE DA INDEPENDÊNCIA DO TIPO ......................................................................................... 48
TEORIA INDICIÁRIA (“ratio cognoscendi”) ............................................................................... 48
TEORIA DA IDENTIDADE (“ratio essendi”) ............................................................................... 49

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TEORIA DOS ELEMENTOS NEGATIVOS DO TIPO ...................................................................... 49
TEORIA DA TIPICIDADE CONGLOBANTE .................................................................................. 49
A TORPEZA BILATERAL AFASTA O CRIME DE ESTELIONATO?....................................................... 49
Entendimento doutrinário ...................................................................................................... 50
Entendimento do STF .............................................................................................................. 50
Entendimento do STJ .............................................................................................................. 51
ERRO DE SUBSUNÇÃO ................................................................................................................. 52
ERRO DE PROIBIÇÃO ................................................................................................................... 53
ERRO DE PROIBIÇÃO DIRETO................................................................................................... 54
ERRO DE PROIBIÇÃO INDIRETO ............................................................................................... 54
ERRO DE PROIBIÇÃO MANDAMENTAL (ou “injuntivo”)........................................................... 54
ERRO CULTURALMENTE CONDICIONADO ................................................................................... 55
ERRO DE TIPO .............................................................................................................................. 56
DESCRIMINANTES PUTATIVAS..................................................................................................... 58
DESCRIMINANTE EM BRANCO .................................................................................................... 60
TEORIAS SOBRE A PUNIBILIDADE DA TENTATIVA ........................................................................ 61
TEORIA DA “VERSARI IN RE ILLICITA” E CRIMES PRETERDOLOSOS .............................................. 61
ARREPENDIMENTO POSTERIOR .................................................................................................. 63
Reparação do DANO MORAL enseja a aplicação do arrependimento posterior? .................... 63
Reparação parcial do dano e o arrependimento posterior...................................................... 64
SENTENÇA DUPLA NA ESFERA PENAL .......................................................................................... 64
TEORIA DA NORMALIDADE DAS CIRCUNSTÂNCIAS CONCOMITANTES ........................................ 65
DIREITO PENAL SUBTERRÂNEIO X DIREITO PENAL PARALELO ..................................................... 66
Quadro comparativo ............................................................................................................... 66
CRIME PUTATIVO (OU “IMAGINÁRIO”) ....................................................................................... 66
Crime putativo por erro de tipo .............................................................................................. 67
Crime putativo por erro de proibição (delito de alucinação ou crime de loucura) .................. 67
Crime putativo por obra do agente provocador (crime de ensaio ou de experiência) ............ 67
TEORIA DA TIPICIDADE CONGLOBANTE ...................................................................................... 67
TEORIA DOS ELEMENTOS NEGATIVOS DO TIPO .......................................................................... 69
DOLO (DIRETO) DE PRIMEIRO, SEGUNDO E TERCEIRO GRAU ...................................................... 71
DELITOS DE RELAÇÃO E DELITOS DE INTERVENÇÃO .................................................................... 71

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DELITOS DE RELAÇÃO .............................................................................................................. 72
DELITOS DE INTERVENÇÃO...................................................................................................... 72
Qual a diferença? .................................................................................................................... 72
CRIME DE CONDUTA INFUNGÍVEL ............................................................................................... 73
CRIME AMEBA ............................................................................................................................. 73
CRIME MUTILADO DE DOIS ATOS ................................................................................................ 74
TEORIA DA COCULPABILIDADE .................................................................................................... 74
COCULPABILIDADE ÀS AVESSAS .................................................................................................. 76
RESPONSABILIDADE CIVIL NA LEGÍTIMA DEFESA PUTATIVA........................................................ 77
TEORIA AGNÓSTICA DA PENA (OU TEORIA NEGATIVA) ............................................................... 78
AUTOLAVAGEM (SELFLAUDERING) ............................................................................................. 80
É possível a “autolavagem” no Brasil? (Há duas correntes)..................................................... 80
JUSTIÇA PENAL NEGOCIAL........................................................................................................... 82
CONTROLE DE EVIDÊNCIA DA LEI PENAL ..................................................................................... 84
GARANTISMO HIPERBÓLICO MONOCULAR ................................................................................. 87
GARANTISMO PENAL INTEGRAL.................................................................................................. 90
Garantismo negativo ............................................................................................................... 91
Garantismo positivo ................................................................................................................ 91
CRIMES CIBERNÉTICOS ................................................................................................................ 92
TENDÊNCIA “VORVERLAGERUNG” .............................................................................................. 94
CONSCIÊNCIA DISSIDENTE........................................................................................................... 95
TEORIA DO “SETE W DOURADOS DA CRIMINALÍSTICA” .............................................................. 98
PROCESSO PENAL .......................................................................................................................... 102
DOUTRINA DO “NÃO PRAZO”.................................................................................................... 102
CRIPTOIMPUTAÇÃO .................................................................................................................. 103
LIBERDADE PROVISÓRIA OBRIGATÓRIA .................................................................................... 104
DESPRONÚNCIA ........................................................................................................................ 106
DECISÕES SUICIDAS, VAZIAS E AUTOFÁGICAS ........................................................................... 108
LIMITAÇÃO DA MANCHA PURGADA (VÍCIOS SANADOS OU TINTA DILUÍDA) ............................. 109
Qual a diferença com a teoria da fonte independente? ........................................................ 110
RECURSO INVERTIDO ................................................................................................................ 110
DUPLO JUÍZO DE VALIDADE DE UMA MESMA PROVA ............................................................... 112

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TESTEMUNHO “POR OUVIR DIZER” (HEARSAY RULE) ................................................................ 114
DESDOBRAMENTOS DO PRINCÍPIO DO “NEMO TENETUR SE DETEGERE” ................................. 116
O que são as “mentiras agressivas”? ..................................................................................... 117
AFASTAMENTO DE SERVIDOR PÚBLICO COMO EFEITO AUTOMÁTICO DO INDICIAMENTO ...... 118
ARQUIVAMENTO IMPLÍCITO ..................................................................................................... 119
REGRAS DE TÓQUIO .................................................................................................................. 119
STANDARDS PROBATÓRIOS ....................................................................................................... 122
RECONHECIMENTO FOTOGRÁFICO COMO MEIO DE PROVA ..................................................... 122
ELOQUÊNCIA ACUSATÓRIA ....................................................................................................... 123
Havendo excesso de linguagem, o que o Tribunal deve fazer? ............................................. 124
REMIÇÃO FICTA DA PENA .......................................................................................................... 125
A remição ficta é aceita pelos Tribunais Superiores? ............................................................ 126
REGRA DA CORROBORAÇÃO NA COLABORAÇÃO PREMIADA .................................................... 127
COLABORAÇÃO PREMIADA CRUZADA ....................................................................................... 128
SERENDIPIDADE E INFILTRAÇÃO DE AGENTES ........................................................................... 131
PERÍCIA ANTROPOLÓGICA ......................................................................................................... 132
DIREITO CONSTITUCIONAL ............................................................................................................ 136
CONSTITUCIONALISMO ABUSIVO ............................................................................................. 136
SENTIMENTO CONSTITUCIONAL ............................................................................................... 139
O PAPEL DAS CORTES CONSTITUCIONAIS.................................................................................. 141
PAPEL CONTRAMAJORITÁRIO ............................................................................................... 141
PAPEL REPRESENTATIVO ....................................................................................................... 142
PAPEL ILUMINISTA ................................................................................................................ 142
JUSTIÇA DE TRANSIÇÃO (OU “TRANSITIONAL JUSTICE”) ........................................................... 143
1.1. Direito à verdade e à memória ....................................................................................... 144
1.2. Direito à reparação das vítimas ...................................................................................... 145
1.3. A reforma e redemocratização das instituições evolvidas com a ditadura militar:......... 146
1.4. O adequado tratamento jurídico aos crimes cometidos no período democrático e a
responsabilização dos agentes estatais responsáveis pelas violações de direitos humanos: 147
TEORIA DA INTEGRIDADE (“ROMANCE EM CADEIA”)................................................................ 149
Quatro pontos da teoria da integridade: ............................................................................... 150

CONTROLE DE SUSTENTABILIDADE OU DE JUSTIFICABILIDADE (“VERTRETBARKEITSKONTROLLE”)

5
.................................................................................................................................................... 151
VICISSITUDE CONSTITUCIONAL TÁCITA ..................................................................................... 152
Modalidades ......................................................................................................................... 153
CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE REALIZADO PELO MEMBRO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. 154
PENSAMENTO JURÍDICO DO POSSÍVEL ...................................................................................... 156
FOSSILIZAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL .............................................................................. 158
ABSTRATIVIZAÇÃO DO CONTROLE DIFUSO DE CONSTITUCIONALIDADE ................................... 160
“BOOTSTRAPPING” CONSTITUCIONAL ...................................................................................... 161
É possível o fenômeno do bootstrapping em terras brasileiras? ........................................... 162
CONSTITUCIONALISMO MORALMENTE REFLEXIVO .................................................................. 163
DECISÃO MANIPULATIVA (OU MANIPULADORA) ...................................................................... 164
Espécies de decisões manipulativas: ..................................................................................... 165
ACOMODAÇÃO RAZOÁVEL E ÔNUS INDEVIDO .......................................................................... 166
TEORIA DA DUPLA REVISÃO ...................................................................................................... 167
O direito brasileiro adota a teoria da dupla revisão? ............................................................ 168
CONSTITUIÇÃO “CHAPA-BRANCA” ............................................................................................ 169
“CONSTITUIÇÃO UBÍQUA” ........................................................................................................ 170
CONSTITUIÇÃO LIBERAL-PATRIMONIALISTA ............................................................................. 171
CONSTITUIÇÃO SIMBÓLICA ....................................................................................................... 172
CONSTITUCIONALISMO “WHIG” OU TERMIDORIANO ............................................................... 173
DECLARAÇÃO BRANCA DE INCONSTITUCIONALIDADE .............................................................. 174
INCONSTITUCIONALIDADE CHAPADA........................................................................................ 175
DIFICULDADE CONTRAMAJORITÁRIA ........................................................................................ 175
TEORIA DO RIGHT TO TRY (“DIREITO DE TENTAR”) ................................................................... 177
CONCEPÇÃO PROCEDIMENTAL X SUBSTANCIAL ........................................................................ 177
PRINCÍPIO DA JUSTEZA OU PRINCÍPIO DA “E ATIDÃO FUNCIONAL” OU DA “CORREÇÃO
FUNCIONAL ............................................................................................................................... 179
ATIVISMO CONGRESSUAL ......................................................................................................... 181
EFEITO BACKLASH ..................................................................................................................... 183
DIÁLOGOS INSTITUCIONAIS....................................................................................................... 186
INCONSTITUCIONALIDADE SUPERVENIENTE ............................................................................. 188

 Acepção tradicional ................................................................................................... 188

6
 Acepção moderna...................................................................................................... 189
SOCIEDADE ABERTA DOS INTÉRPRETES DA CONSTITUIÇÃO ...................................................... 189
CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE PELO MINISTÉRIO PÚBLICO E DEFENSORES PÚBLICOS. 191
(I) LEGITIMIDADE INTERGERACIONAL DAS CLÁUSULAS PÉTREAS E O GOVERNO DOS MORTOS
SOBRE OS VIVOS. ....................................................................................................................... 192
CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE FORTE VERSUS CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE
FRACO ....................................................................................................................................... 195
CLÁUSULA DE RESERVA DE PLENÁRIO NO CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE ..................... 196
PROCESSOS ESTRUTURANTES E DIREITO PROCESSUAL DOS DESASTRES................................... 199
TEORIA DA KATCHANGA............................................................................................................ 201
PRAGMATISMO JURÍDICO NO DIREITO CONSTITUCIONAL ........................................................ 202
Características ....................................................................................................................... 202
DERROTABILIDADE (OU DEFESEABILITY) ................................................................................... 204
EFICÁCIA DIAGONAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS ............................................................... 205
USUCAPIÃO DE LEGALIDADE/CONSTITUCIONALIDADE ............................................................ 208
CONSTITUIÇÃO SILENCIOSA X CONSTITUIÇÃO GRANÍTICA ........................................................ 208
 Constituição fixa ou silenciosa ................................................................................... 208
 Constituição imutável ou granítica ............................................................................ 209
CONSTITUIÇÃO DÚCTIL (SUAVE) E O CONSTITUCIONALISMO DA TEORIA DISCURSIVA DE JÜRGEN
HABERMAS ................................................................................................................................ 209
CONCEPÇÕES DA CONSTITUIÇÃO .............................................................................................. 210
TEORIA DOS CAMALEÕES NORMATIVOS E A METODOLOGIA FUZZY ........................................ 210
“DEPARTAMENTALISMO CONSTITUCIONAL” OU INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL
DEPARTAMENTALISTA............................................................................................................... 211
DIMENSÃO OBJETIVA OS DIREITOS FUNDAMENTAIS ................................................................ 212
Efeito irradiador dos direitos fundamentais .......................................................................... 212
Direitos Fundamentais como normas de competência negativa........................................... 212
Dever objetivo de promoção e proteção ............................................................................... 212
CLASSIFICAÇÃO QUANTO À ONTOLOGIA .................................................................................. 213
Constituição Normativa......................................................................................................... 213
Constituição Nominal ............................................................................................................ 213
Constituição Semântica ......................................................................................................... 213

PRINCÍPIO DA PROIBIÇÃO DO RETROCESSO E SUAS DIMENSÕES .............................................. 214

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DIMENSÃO ECOLÓGICA DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE HUMANA............................................. 215
TEORIA DOS LIMITES DOS LIMITES ............................................................................................ 217
Critérios (limites) para que as limitações possam ocorrer foram estabelecidos ................... 218
DESACORDOS MORAIS RAZOÁVEIS ........................................................................................... 219
TEORIA DAS ESCOLHAS TRÁGICAS ............................................................................................. 220
TEORIA DO IMPACTO DESPROPORCIONAL................................................................................ 222
PATRIOTISMO CONSTITUCIONAL .............................................................................................. 224
POSITIVISMO JURÍDICO ATUAL: POSITIVISMO EXCLUSIVISTA E INCLUSIVISTA E O NÃO
POSITIVISMO ............................................................................................................................. 226
TEORIA DA RESERVA DO POSSÍVEL E O MÍNIMO EXISTENCIAL .................................................. 227
EROSÃO DA CONSCIÊNCIA CONSTITUCIONAL ........................................................................... 229
DIMENSÕES OBJETIVA E SUBJETIVA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS........................................ 230
RACISMO AMBIENTAL ............................................................................................................... 232
CONSTITUIÇÃO VIVA ................................................................................................................. 233
PANCONSTITUCIONALIZAÇÃO ................................................................................................... 235
MEDIDAS PROVISÓRIAS PELOS ESTADOS: é possível? ............................................................... 236
TEORIA DOS SISTEMAS SOCIAIS (NIKLAS LUHMANN) ................................................................ 238
PROCESSO CIVIL ............................................................................................................................ 242
SISTEMA ADOTADO PELO NOVO CPC PARA O JULGAMENTO DE CASOS REPETITIVOS .............. 242
Sistema de “causa-piloto” (sistema de pinçamento) ............................................................. 242
Sistema de “procedimento-modelo”..................................................................................... 243
CUMPRIMENTO DE SENTENÇA ÀS AVESSAS .............................................................................. 245
TEORIAS DA AÇÃO NO PROCESSO CIVIL .................................................................................... 245
A SÚMULA VINCULANTE SE CARACTERIZA POR SER SÚMULA IMPEDITIVA DE RECURSOS? ...... 248
FUNÇÃO “NOMOFILÁCICA” DOS TRIBUNAIS SUPERIORES ......................................................... 249
IRREVERSIBILIDADE DE MÃO DUPLA OU RECÍPROCA IRREVERSIBILIDADE ................................ 250
PROVA EMPRESTADA ................................................................................................................ 252
PERÍCIAS REQUERIDAS PELO MINISTÉRIO PÚBLICO: QUEM DEVE PAGAR? ............................... 253
COISA JULGADA PROGRESSIVA ................................................................................................. 255
JUSTIÇA MULTIPORTAS ............................................................................................................. 255
SITUAÇÃO DE INESCLARECIBILIDADE......................................................................................... 258

TRANSLATIO IUDICII .................................................................................................................. 258

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PREQUESTIONAMENTO IMPLÍCITO ........................................................................................... 261
CONEXÃO POR AFINIDADE ........................................................................................................ 262
AUTOINTERDIÇÃO ..................................................................................................................... 262
TAXATIVIDADE MITIGADA ......................................................................................................... 263
Qual foi o critério adotado pelo STJ? .................................................................................... 265
PRECEDENTE COM EFICÁCIA DESEFICACIZANTE OU RESCINDENTE ........................................... 266
DEVER DE INTEGRIDADE DO CPC/15 e TEORIA DA INTEGRIDADE ............................................. 268
TÉCNICA DE CONFRONTO E APLICAÇÃO DO PRECEDENTE: “distinguishing” ............................. 269
OVERRULING DIFUSO X OVERRULING CONCENTRADO ............................................................. 270
RECURSO ADESIVO CRUZADO (RECURSO ADESIVO CONDICIONADO) ....................................... 271
TEORIA DOS DOIS CORPOS DO REI ............................................................................................ 273
RECURSO ADESIVO .................................................................................................................... 273
TEORIA DA CAUSA MADURA (CPC/15) ...................................................................................... 274
EFEITO DESOBSTRUTIVO DO RECURSO ................................................................................. 274
TÉCNICA DE AMPLIAÇÃO DO COLEGIADO (ART. 942 DO CPC/15) ............................................. 276
Informações importantes ...................................................................................................... 278
DECISÃO DETERMINATIVA ........................................................................................................ 278
RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA ......................................................................................... 279
É POSSÍVEL RECONVENÇÃO SUCESSIVA (RECONVENÇÃO DA RECONVENÇÃO)? ....................... 281
DIREITO CIVIL ................................................................................................................................ 285
CARACTERÍSTICAS DO “NOVO” DIREITO CIVIL ........................................................................... 285
A) Constitucionalização, despatrimonialização e repersonalização do direito civil ............ 285
B) Aplicação direta dos direitos fundamentais às relações privadas.................................. 285
C) Existência não só de códigos civis, mas também de microssistemas legislativos .......... 285
D) Sistema jurídico como um “sistema aberto de princípios normativos” ......................... 285
E) Funcionalização dos conceitos, categorias e institutos civis .......................................... 286
F) Renovação da interpretação no direito civil- a teoria dos direitos fundamentais ......... 286
G) Redução qualitativa da autonomia da vontade ............................................................. 286
H) Função social no direito civil ......................................................................................... 286
DIREITO DE NÃO SABER ............................................................................................................ 287
CONTRATO “GRÉ À GRÉ” ........................................................................................................... 288

EXCEÇÃO DE INSEGURIDADE ..................................................................................................... 289

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Existe previsão deste instituto jurídico no CC/02? ................................................................ 289
É necessário o inadimplemento para alegar a exceção de inseguridade? ............................. 290
TEORIA DO CORPO NEUTRO ...................................................................................................... 290
TEORIA DO DESESTÍMULO (PUNITIVE DAMAGE) ....................................................................... 292
PRINCÍPIO DA BOA -FÉ OBJETIVA (FUNÇÕES SUPRESSIO, SURRECTIO, TU QUOQUE, EXCEPTIO
DOLI e VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM) .......................................................................... 293
CLÁUSULA ABERTA .................................................................................................................... 296
SUPRESSIO E SURRECTIO ........................................................................................................... 297
DUTY TO MITIGATE THE LOSS.................................................................................................... 298
TU QUOQUE .............................................................................................................................. 300
VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM ....................................................................................... 301
EXCEPTIO DOLI .......................................................................................................................... 302
PRINCÍPIOS NORTEADORES DO CÓDIGO CIVIL .......................................................................... 302
 PRINCÍPIO DA ETICIDADE ........................................................................................... 303
 PRINCÍPIO DA SOCIALIDADE ...................................................................................... 303
 PRINCÍPIO DA OPERABILIDADE .................................................................................. 303
DESOBEDIÊNCIA CIVIL ............................................................................................................... 303
Características do ato de desobediência civil ........................................................................ 304
Condições necessárias para reconhecer um ato como “desobediência civil” ....................... 304
Classificação .......................................................................................................................... 304
TEORIA “CONTRA NON VALENTEM” ......................................................................................... 305
TEORIA DO INADIMPLEMENTO EFICIENTE (“efficient breach theory”) ...................................... 306
O ordenamento jurídico brasileiro adota essa teoria? .......................................................... 307
DISCRIMINAÇÃO DE FATO X DISCRIMINAÇÃO INDIRETA ........................................................... 307
1. Discriminação de fato .................................................................................................... 308
2. Discriminação indireta (teoria do impacto desproporcional) ........................................ 308
MOMENTO PARA ALEGAR IMPENHORABILIDADE DO BEM DE FAMÍLIA ................................... 309
NULIDADE DE ALGIBEIRA........................................................................................................... 311
INFERNO DE SEVERIDADE.......................................................................................................... 313
PRINCÍPIO DA INALTERABILIDADE RELATIVA DO NOME............................................................ 313
EXCEÇÕES .............................................................................................................................. 313

CONTRATO SÍNGRAFO............................................................................................................... 314

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TEORIA DO ADIMPLEMENTO SUBSTANCIAL .............................................................................. 315
EXCEÇÕES (O STJ não admite a aplicação da teoria do adimplemento substancial).............. 315
MENSURAÇÃO DA INDENIZAÇÃO NO CC/02 ............................................................................. 316
REGIME DUALISTA DE GUARDA ................................................................................................ 317
OS ALIMENTOS SÃO IRRENUNCIÁVEIS?..................................................................................... 317
EMANCIPAÇÃO X RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PAIS .............................................................. 318
TRANSMISSÃO DAS RELAÇÕES JURÍDICAS PERTENCENTES AO FALECIDO ................................. 319
REGRA GERAL ........................................................................................................................ 319
EXCEÇÕES (não são transmitidos) ......................................................................................... 319
O PERFIL FUNCIONALIZADO DA CURATELA ............................................................................... 319
COMPRA E VENDA DE ASCENDENTE PARA DESCENDENTE (BEM MÓVEL)................................. 321
A CLÁUSULA DE “HARDSHIP” .................................................................................................... 322
REGISTRO TORRENS .................................................................................................................. 324
TEORIA THIN SKULL RULE .......................................................................................................... 325
ANATOCISMO............................................................................................................................ 329
DIREITO ADMINISTRATIVO ............................................................................................................ 332
“DIREITO ADMINISTRATIVO DO ESPETÁCULO” ......................................................................... 332
PRINCÍPIO DA RESERVA DA ADMINISTRAÇÃO ........................................................................... 334
ORDENAMENTOS ADMINISTRATIVOS SETORIAIS ...................................................................... 336
ACCOUNTABILITY HORIZONTAL e VERTICAL NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA ............................. 337
OVERBREADTH DOCTRINE E A TIPIFICAÇÃO DE ATOS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA PELA
LEI N. 8.429/92 .......................................................................................................................... 339
ADMINISTRAÇÃO POLICÊNTRICA – CORRUPÇÃO E TRANSPARÊNCIA ........................................ 341
Administração Policêntrica ................................................................................................... 341
Corrupção e Transparência ................................................................................................... 343
TEORIA DA ENCAMPAÇÃO ........................................................................................................ 345
PRINCÍPIO DA INTANGIBILIDADE DA OBRA PÚBLICA ................................................................. 347
TEORIA DA DUPLA GARANTIA ................................................................................................... 349
É possível propor ação diretamente contra o agente público? ............................................. 349
TEORIA DA CAPTURA................................................................................................................. 350
DOUTRINA CHENERY ................................................................................................................. 351

AÇÃO RESCISÓRIA NA AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA ........................................... 352

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O ARTIGO 221 DO CPP E A LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA (EXCEÇÃO) ....................... 354
RESPONSABILIDADE DA PESSOA JURÍDICA PELA LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA........ 355
NEPOTISMO PARA CARGO POLÍTICO ......................................................................................... 357
NORMA DE EXTENSÃO PESSOAL DOS TIPOS DE IMPROBIDADE (ART. 3º LIA) ........................... 358
TENTATIVA DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA ...................................................................... 358
EMERGÊNCIA FABRICADA ......................................................................................................... 359
DESPOLARIZAÇÃO DA DEMANDA .............................................................................................. 360
RESPONSABILIDADE DA ADMINISTRAÇÃO POR ENCARGOS TRABALHISTAS.............................. 362
TEORIA DO RISCO INTEGRAL ..................................................................................................... 363
CASOS EXCEPCIONAIS QUE ADMITEM O RISCO INTEGRAL .................................................... 364
PROCESSO COLETIVO .................................................................................................................... 366
PROCESSO COLETIVO COMUM X ESPECIAL ............................................................................... 366
LITÍGIO ESTRATÉGICO................................................................................................................ 367
LIQUIDAÇÃO IMPRÓPRIA .......................................................................................................... 371
LITÍGIOS TRANSINDIVIDUAIS DE DIFUSÃO GLOBAL, LOCAL OU IRRADIANTE ............................ 372
PROCESSOS ESTRATÉGICOS....................................................................................................... 374
FLUID RECOVERY ....................................................................................................................... 375
O prazo anual é decadencial?................................................................................................ 376
CLÁUSULA “NO MEU QUINTAL, NÃO” ....................................................................................... 378
TEORIA DA MOLECULARIZAÇÃO DO CONFLITO ......................................................................... 378
DELEGAÇÃO DE COMPETÊNCIA NA JUSTIÇA FEDERAL............................................................... 380
TEORIA DA QUALIDADE ............................................................................................................. 381
INQUÉRITO CIVIL NO ÂMBITO ELEITORAL ................................................................................. 381
ALCANCE DA DECISÃO PROFERIDA EM AÇÃO COLETIVA ........................................................... 383
LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA IMPETRAR MANDADO DE SEGURANÇA
COLETIVO .................................................................................................................................. 384
A COISA JULGADA NA AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA ........................................... 386
PROCESSO COLETIVO PASSIVO .................................................................................................. 387
FUNDAMENTO PARA POSSIBILIDADE .................................................................................... 388
CLASSIFICAÇÃO ..................................................................................................................... 389
POLO PASSIVO ....................................................................................................................... 389

A COISA JULGADA NO PROCESSO COLETIVO ......................................................................... 389

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LITÍGIOS ESTRUTURAIS .............................................................................................................. 391
DIFUSOS E COLETIVOS ................................................................................................................... 393
RECOMENDAÇÃO E A FUNÇÃO OMBUDSMAN ......................................................................... 393
EFEITO SINÉRGICO NO DIREITO AMBIENTAL ............................................................................. 395
TEORIA DA CAOS (“efeito borboleta”) ....................................................................................... 395
CRIMES AMBIENTAIS COM NATUREZA PERMANENTE .............................................................. 398
CLÁUSULA DE CONTRATO SAÚDE QUE AUTORIZA AUMENTO DE MENSALIDADES ................... 401
DIREITO DO CONSUMIDOR ........................................................................................................... 404
TEORIA DO “CAVEAT EMPTOR” NO DIREITO DO CONSUMIDOR ............................................... 404
Essa teoria é adotada pelo CDC? ........................................................................................... 404
Posição do Superior Tribunal de Justiça ................................................................................ 404
VENDA CASADA ÀS AVESSAS OU INDIRETA ............................................................................... 406
INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA NO CDC .................................................................................. 407
TEORIA DO DESVIO PRODUTIVO DO CONSUMIDOR .................................................................. 407
Posição do Superior Tribunal de Justiça ................................................................................ 408
“CHAMARIZ” NO DIREITO DO CONSUMIDOR ............................................................................ 408
DIREITO EMPRESARIAL .................................................................................................................. 412
SOCIEDADE UNIPESSOAL NO DIREITO BRASILEIRO: existe? ...................................................... 412
O “CRAM DOWN” NA RECUPERAÇÃO JUDICIAL ........................................................................ 413
Jurisprudência brasileira ....................................................................................................... 416
PACOTE ANTICRIME ...................................................................................................................... 418
JUIZ DAS GARANTIAS................................................................................................................. 418
ACORDO DE IMUNIDADE .......................................................................................................... 420
TEORIA DA DESCONTAMINAÇÃO DO JULGADO ........................................................................ 421
AGENTE DISFARÇADO ............................................................................................................... 423
INFORMANTE DO BEM (WHISTLEBLOWER)............................................................................... 425
CONFISCO ALARGADO............................................................................................................... 426
ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO CÍVEL....................................................................................... 428
MUDANÇAS NO CÓDIGO PENAL................................................................................................ 429
2. A MULTA SERÁ EXECUTADA PERANTE O JUIZ DA EXECUÇÃO PENAL (art. 51, CP) ............. 430
3. NOVO LIMITE DE CUMPRIMENTO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE (art. 75, CP) ......... 430

4. ALTERAÇÃO DOS REQUISITOS PARA A CONCESSÃO DO LIVRAMENTO CONDICIONAL (art.

13
83, CP) ................................................................................................................................... 430
5. NOVOS EFEITOS DA CONDENAÇÃO (art. 91-A, CP) ............................................................ 430
6. NOVAS CAUSAS IMPEDITIVAS DA PRESCRIÇÃO (art. 116, CP) ........................................... 431
7. ALTERAÇÕES NO CRIME DE ROUBO (art. 157, CP) ............................................................. 431
8. ALTERAÇÃO NO CRIME DE ESTELIONATO (art. 171, CP) .................................................... 431
9. AUMENTO NA PENA DO CRIME DE CONCUSSÃO (art. 316, CP) ......................................... 432
EXECUÇÃO DA PENA DE MULTA ................................................................................................ 432
ALTERAÇÕES NO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL ....................................................................... 434
JUIZ DAS GARANTIAS............................................................................................................. 435
NOMEAÇÃO DE DEFENSOR PARA OS AGENTES DE SEGURANÇA PÚBLICA ............................ 437
ALTERAÇÕES NA REGRA DO ARQUIVAMENTO DO INQUÉRITO POLICIAL .............................. 437
ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL ................................................................................. 438
ALTERAÇÕES NAS MEDIDAS ASSECURATÓRIAS ..................................................................... 439
DAS PROVAS CONSIDERADAS ILÍCITAS .................................................................................. 441
CADEIA DE CUSTÓDIA ............................................................................................................ 441
MEDIDAS CAUTELARES .......................................................................................................... 444
PRISÃO SEM EXIBIÇÃO DE MANDADO ................................................................................... 445
PRISÃO EM FLAGRANTE ........................................................................................................ 445
PRISÃO PREVENTIVA ............................................................................................................. 446
PRISÃO APÓS SENTENÇA CONDENATÓRIA DO JÚRI .............................................................. 449
DAS NULIDADES .................................................................................................................... 449
DO RECURSO EM SENTIDO ESTRITO ...................................................................................... 450
RECURSO EXTRAORDINÁRIO E RECURSO ESPECIAL ............................................................... 450
ALTERAÇÕES NA LEI DE EXECUÇÃO PENAL ................................................................................ 451
IDENTIFICAÇÃO DE PERFIL GENÉTICO ................................................................................... 451
NOVA HIPÓTESE DE FALTA GRAVE ........................................................................................ 451
REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO.................................................................................... 451
PROGRESSÃO DE REGIME...................................................................................................... 454
SAÍDA TEMPORÁRIA .............................................................................................................. 455
ALTERAÇÕES NA LEI DE ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA ................................................................. 456
EXECUÇÃO DA PENA.............................................................................................................. 456

COLABORAÇÃO PREMIADA ................................................................................................... 457

14
INFILTRAÇÃO VIRTUAL DE AGENTES POLICIAIS ..................................................................... 458
ALTERAÇÕES NA LEI DE CRIMES HEDIONDOS............................................................................ 459
ROL DOS CRIMES HEDIONDOS .............................................................................................. 460
REVOGAÇÃO DA REGRA SOBRE PROGRESSÃO DE REGIME ................................................... 462
ALTERAÇÕES NA LEI DE INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA ............................................................. 462
CAPTAÇÃO AMBIENTAL ......................................................................................................... 462
ALTERAÇÕES NA LEI DE LAVAGEM DE CAPITAIS ........................................................................ 464
AÇÃO CONTROLADA E INFILTRAÇÃO DE AGENTES ................................................................ 464
ALTERAÇÕES NO ESTATUTO DO DESARMAMENTO................................................................... 465
AGENTE POLICIAL DISFARÇADO ............................................................................................ 466
ALTERAÇÕES NA LEI DE DROGAS ............................................................................................... 468
NOVA HIPÓTESE DE TRÁFICO DE DROGAS ............................................................................ 468
ALTERAÇÕES NA LEI DE IDENTIFICAÇÃO CRIMINAL ................................................................... 468
PERFIS GENÉTICOS ................................................................................................................ 468
ALTERAÇÕES NA LEI 13.608/2018 E A FIGURA DO “WHISTLEBLOWER” .................................... 469
REGULAMENTAÇÃO ACERCA DA PROTEÇÃO DO INFORMANTE ............................................ 469
ALTERAÇÕES NA LEI 12.694/2012 (FORMAÇÃO DE ÓRGÃO COLEGIADO PARA CRIMES DE
ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA) ..................................................................................................... 470
REGULAMENTAÇÃO DOS ÓRGÃOS COLEGIADOS .................................................................. 470
LEI 8.038/1990 (COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA DOS TRIBUNAIS) ................................................. 472
ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL ................................................................................. 472
LEI QUE TRATA SOBRE O FUNDO NACIONAL DE SEGURANÇA PÚBLICA - LEI 13.756/2018 ....... 472
RECURSOS PARA O FUNDO NACIONAL DE SEGURANÇA PÚBLICA ......................................... 472
ALTERAÇÕES NO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL MILITAR ......................................................... 473
CONSTITUIÇÃO DE DEFENSOR PARA INVESTIGADO QUANDO O FATO FOR RELACIONADO AO
USO DA FORÇA LETAL ............................................................................................................ 473
BIBLIOGRAFIA................................................................................................................................ 475

15
CAPÍTULO 01

16
Direito PENAL

DIREITO PENAL

TEORIA SIGNIFICATIVA DA AÇÃO

Trata-se de teoria criada por Vives Antón, fundada na filosofia da linguagem


de Wittgenstein e na teoria da ação comunicativa de Habermas, conferindo uma
nova interpretação e fixando um novo paradigma para o conceito de
conduta penalmente relevante.

17
Para essa teoria, segundo Cezar Roberto Bitencourt, só haverá ação humana
relevante para o direito penal se esta puder ser relacionada a determinado tipo
penal, pois somente com a reunião dos elementos exigidos pelo tipo penal é
que termos o significado jurídico do que denominamos crime.

Dessa forma, continua o autor:

(...) “A concepção significativa da ação, que constitui um dos


pressupostos fundamentais desta orientação, sustenta que os fatos
humanos somente podem ser compreendidos por meio de normas,
ou seja, o seu significado existe somente em virtude das normas, e
não é prévio à elas; por isso mesmo é que se fala em tipo de ação,
em vez de fala simplesmente em ação ou omissão ou até mesmo
em ação típica”.

Ademais, de acordo com o doutrinador Paulo César Busato, as ações não sendo
meros acontecimentos, exigem interpretação. Vale dizer, não basta mais que
as ações sejam meramente descritas, mas é necessário que elas sejam
interpretadas e compreendidas.

Enquanto os meros fatos da vida podem ser explicados por regras imutáveis
(como as leis da física, por exemplo), as ações humanas têm a característica
diferenciadora de que somente podem ser identificadas, classificadas e
interpretadas conforme regras ou normas.

Nesse contexto, Busato exemplifica:

18
(...) “não se pode afirmar que um tapa no rosto seja uma lesão
corporal, uma injúria, um cumprimento rude ou, até mesmo, um
ato reflexo sem uma análise das circunstâncias em que ocorre
para a verificação de como deve ser interpretado e compreendido
referido tapa, até mesmo para a definição se pode mesmo ser
considerado um tapa”.

Dessa maneira, nota-se que as ações são configuradas de acordo com o seu
significado social, pelo contexto em que se produzem. Do mesmo modo, não
existe ação de estelionato sem que haja previamente uma definição jurídico-
penal de estelionato, o mesmo vale para as demais infrações penais.

Sendo assim, é possível notar que se as ações dependem – para a afirmação de


seu significado – de regras ou normas que as definem, resulta impossível
encontrar um conceito único de ação humana que sirva para congregar tantos
diferentes sentidos quanto aqueles que se pretende regular.

Não existe um conceito geral de ação, mas sim tantos conceitos quantos
modelos de condutas relevantes – ou formalmente típicas, para usar a
terminologia tradicional – existirem para o direito penal.

Portanto, para a concepção significativa da ação, os fatos humanos somente


podem ser compreendidos através das normas, ou seja, eles só tem
significado a partir das normas, portanto, temos que identificá-los como tipos
de ação. Conceber uma concepção significativa de ação não é nada mais que

19
expressar uma forma de percepção da ação no contexto social das
circunstancias em que se produz.

Já caiu em concurso? SIM. Esse tema altamente complexo já foi cobrado na


segunda fase dos concursos de Ministério Público do Paraná e de Goiás.

CRIME DE HERMENÊUTICA E A NOVA LEI DE ABUSO DE


AUTORIDADE

A atuação dos operadores do Direito envolve constantemente a interpretação


de leis e atos normativos e a apreciação de fatos e provas. Entretanto, por mais
que sejam utilizados critérios e métodos teóricos para o exercício de tais
atividades, o certo é que elas possuem boa dose de subjetividade. Essa
subjetividade faz com que surjam divergências na interpretação da lei ou na
avaliação dos fatos e provas.

Tais divergências, por si só, não poderiam ser punidas como abuso de
autoridade. Pensando nisso, o § 2º do art. 1º da Lei prevê tais situações como
causa de exclusão da tipicidade nos seguintes termos: § 2º A divergência na
interpretação de lei ou na avaliação de fatos e provas não configura abuso
de autoridade.

De acordo com Márcio André Lopes Cavalcante, um exemplo seria o caso do


membro do Ministério Público denuncia o acusado afirmando que sua conduta
configura o crime “X”. Ocorre que existe uma segunda corrente –

20
diversa daquela sustentada pelo MP – que defende que essa conduta é atípica.
O juiz adota essa segunda posição e rejeita a denúncia por entender que não a
situação não se amolda àquele tipo penal. O simples fato de haver essa
divergência de interpretação não gera a conclusão de que o integrante do
Parquet tenha agido com abuso de autoridade.

O objetivo deste dispositivo foi o de evitar aquilo que Rui Barbosa chamou de
“crime de hermenêutica”, que ocorre quando o operador do Direito (em
especial o magistrado) é responsabilizado criminalmente pelo simples fato de
sua intepretação ter sido considerada errada pelo Tribunal revisor.

O tema não é novo e, como dito, Rui Barbosa, há muitos anos, já condenava as
tentativas de se criar o “crime de hermenêutica”:

“Para fazer do magistrado uma impotência equivalente, criaram


a novidade da doutrina, que inventou para o Juiz os crimes de
hermenêutica, responsabilizando-o penalmente pelas rebeldias da
sua consciência ao padrão oficial no entendimento dos textos.
Esta hipérbole do absurdo não tem linhagem conhecida: nasceu
entre nós por geração espontânea. E, se passar, fará da toga a
mais humilde das profissões servis, estabelecendo, para o
aplicador judicial das leis, uma subalternidade constantemente
ameaçada pelos oráculos da ortodoxia cortesã. Se o julgador, cuja
opinião não condiga com a dos seus julgadores na análise do
Direito escrito, incorrer, por essa dissidência, em sanção
criminal, a hierarquia judiciária, em vez de ser a garantia da

21
justiça contra os erros individuais dos juízes, pelo sistema dos
recursos, ter-se-á convertido, a benefício dos interesses
poderosos, em mecanismo de pressão, para substituir a
consciência pessoal do magistrado, base de toda a confiança na
judicatura, pela ação cominatória do terror, que dissolve o homem
em escravo. (...)” (Obras Completas de Rui Barbosa, Vol. XXIII,
Tomo III, p. 228).

Na vigência da antiga Lei de Abuso de Autoridade (Lei nº 4.898/65), a


jurisprudência já rechaçava a possibilidade de se responsabilizar criminalmente
o magistrado pela mera divergência de interpretação:

(...) 1. Faz parte da atividade jurisdicional proferir decisões com


o vício in judicando e in procedendo, razão por que, para a
configuração do delito de abuso de autoridade há necessidade da
demonstração de um mínimo de "má-fé" e de "maldade" por parte
do julgador, que proferiu a decisão com a evidente intenção de
causar dano à pessoa. 2. Por essa razão, não se pode acolher
denúncia oferecida contra a atuação do magistrado sem a
configuração mínima do dolo exigido pelo tipo do injusto, que, no
caso presente, não restou demonstrado na própria descrição da
peça inicial de acusação para se caracterizar o abuso de
autoridade. (...) STJ. Corte Especial. APn 858/DF, Rel. Min.
Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 24/10/2018.

22
Portanto, nota-se que o denominado “crime de hermenêutica” (que consiste na
criminalização da interpretação que o agente público faz de uma norma) já era
rechaçada pela jurisprudência e, atualmente, é vedado pela Lei de Abuso de
Autoridade, uma vez que o parágrafo 2º do art. 1º prevê tal situação como causa
de exclusão da tipicidade.
TEORIA DA REITERAÇÃO NÃO CUMULATIVA DE
CONDUTA DE GÊNEROS DISTINTOS

A teoria da reiteração não cumulativa de condutas de gêneros distintos


preconiza que a contumácia de infrações penais que não têm o patrimônio
como bem jurídico tutelado não pode ser valorada como fator que impede o
reconhecimento do princípio da insignificância, uma vez que não há
periculosidade social da ação, com lesão jurídica expressiva a propriedade
alheia.

De acordo com o STF, para aplicação do princípio da insignificância devem


estar presentes alguns requisitos de ordem objetiva (1. mínima ofensividade da
conduta; 2. ausência de periculosidade social da ação; 3. reduzido grau de
reprovabilidade do comportamento; 4. inexpressividade da lesão jurídica).

Ademais, o STJ também exige requisitos de ordem subjetiva, quais sejam: a)


extensão do dano; b) circunstâncias e resultado do crime para determinar se
houve lesão significante; c) condições pessoais da vítima e do agente.

Dentre as condições, destaca-se a habitualidade criminosa como fator

23
impeditivo do reconhecimento da insignificância, conforme decisão do STJ
(HC 150.236/DF- Info 489).

Quando estivermos diante da reiteração de infrações penais cujo bem tutelado


não é o patrimônio, não deverá ser curada para aplicação do princípio da
insignificância.

AÇÕES NEUTRAS

De acordo com Luís Greco, “ações neutras seriam todas as contribuições a fato
ilícito alheio não manifestamente puníveis.”

Trata-se de tema diretamente ligado à teoria da imputação objetiva e até


mesmo ao direito penal quântico. Sabe-se que a ciência penal, através da teoria
da imputação objetiva, colocou em dúvida a noção de causa, preferindo
condição, segundo critérios probabilísticos.

O Direito Penal Quântico é a prova de que o Direito Penal moderno não se


contenta com a mera relação de causa e efeito, mas também com elementos
indeterminados, como, p. ex., o nexo normativo.

Assim, o Direito Penal não poderia trabalhar com a física pura (o que é e o que
não é), mas deveria trabalhar com a chamada física quântica, com o que é
provável (observância dos elementos normativos e valorativos).

24
Em que circunstâncias as “ações neutras” surgem? As “ações neutras”
aparecem em contextos delimitados de atuação profissional, cotidiana ou
habitual. Nesta esfera o autor da ação neutra realizaria os comportamentos
ordinários de sua profissão e estes atos, todavia, configurariam contribuição à
ação delitiva alheia.

A doutrina penal e a jurisprudência alemãs elaboraram o critério da “ação


neutra”, na sequência do desenvolvimento da problemática da imputação
objetiva, com a finalidade de conter o processo de incriminação das condutas
cotidianas que bem poderiam partilhar do propósito delituoso do agente
principal (autor) ou não. No caso das “ações neutras”, a impossibilidade
concreta de aferir o fim de colaboração no delito alheio resulta na não punição
desses comportamentos.

Um dos exemplos citados pela doutrina é o caso do advogado e seu cliente:


inexistente a prova do ajuste prévio para a prática do crime, a ação do advogado
seria atípica, malgrado em teoria possa ter concorrido para o crime do
funcionário público.

A doutrina arremata que “os advogados que cometem crimes devem ser
investigados e punidos, mas isso não se confunde com a incriminação de
condutas inerentes à advocacia, estratégia ilícita que persegue a punição de
crimes pela via da redução do âmbito normativo do exercício profissional de
atividade essencial à Justiça e pela conversão de advogados em agentes
encarregados de reforçar a vigilância e castigo das pessoas que recorrem a

25
eles.”

TEORIA DAS JANELAS QUEBRADAS (BROKEN


WINDOWS THEORY)

De acordo com o doutrinador Cléber Masson, em 1969 na Universidade de


Stanford, um pesquisador chamado Phillip. Ele fez uma pesquisa de campo,
deixando um carro numa região pobre e outro num local rico. O do local pobre
foi saqueado, destruído e o da região rica ficou intacto. Ele quebrou um vidro
do carro da região rica. Com a janela quebrada o carro foi todo destruído e
saqueado. No campo da psicologia social, chegou-se a conclusão que o fator
decisivo da criminalizada não é a pobreza, é sim a sensação de
impunidade.

Em 1982, James Q. Wilson e George L. Kelling (criminologia), publicam um


artigo afirmando que a criminalidade é muito mais elevada nos locais de
ausência do Estado (sujos, lâmpadas queimadas, lixo pelas ruas).
Na década de 80 essa teoria é aplicada no metrô de New York. Era um local
de tráfico, morte, etc. Limparam e iluminaram o metrô e a criminalidade caiu
consideravelmente.

Em 1994 Rudolph Giuliani implanta a política de tolerância zero. É o chamado


movimento de lei e ordem. É preciso combater com rigor todo e qualquer
crime, por menor que ele seja, pois assim evitam-se os crimes mais graves.
Ou seja, deve-se punir quem quebra a janela, para evitar que ele

26
quebre todo o resto.

A ideia dessa teoria foi aplicada na Lei 11.340/06 (o legislador quis evitar as
lesões mais graves) – Lei Maria da Penha: combate com rigor todo e qualquer
tipo de violência doméstica contra a mulher. Ex. lesão corporal leve contra a
mulher: não cabe transação, suspensão condicional. Etc.

VIAS DO DIREITO PENAL (TEORIA GERAL DA PENA)

O Direito Penal é um “sistema de dupla via”, ou seja, o Estado responde a quem


violou a lei penal, seja aplicando uma pena (primeira via) ou uma medida de
segurança (segunda via).

Entende-se como primeira via do Direito do Penal aquela que visa a aplicação
da pena privativa de liberdade, ligada à visão clássica de Direito Penal,
evidenciando o caráter repressivo e punitivo.

Com a humanização do Direito Penal, evoluiu-se para segunda via, com


aplicação de medidas de segurança aos agentes inimputáveis, relacionada com
a ideia de ressocialização, possuindo uma finalidade terapêutica.

Modernamente fala-se em terceira via do Direito Penal, proposta por Claus


Roxin, a qual é caracterizada pela reparação do dano. Para o consagrado
doutrinador além da pena e da medida de segurança, a reparação do dano é uma
medida penal independente, que alia elementos do direito civil, cumpre

27
com os fins da pena e atende as necessidades da vítima. É a Justiça Restaurativa.

Nesse sentido, a inclusão no sistema penal sancionador da indenização material


e imaterial do ofendido, o Direito Penal passa a se aproximar mais da realidade
social.

No Direito Brasileiro, como exemplo, a terceira via foi adotada no art. 74 da


Lei do Juizado Especial Criminal:

Art. 74. A composição dos danos civis será reduzida a escrito e,


homologada pelo Juiz mediante sentença irrecorrível, terá
eficácia de título a ser executado no juízo civil competente.
Parágrafo único. Tratando-se de ação penal de iniciativa privada
ou de ação penal pública condicionada à representação, o acordo
homologado acarreta a renúncia ao direito de queixa ou
representação.

Dessa maneira, a reparação do dano é um instituto capaz de afastar a


necessidade de pena, possibilitando a existência de um direito penal mais
humano e compatível com a respectiva dignidade. Vale lembrar que a dignidade
da pessoa humana é a dimensão central do Estado Democrático de Direito,
conforme inscrito no artigo 1o, inciso III da Constituição Federal.

28
CRIMINALIZAÇÃO PRIMÁRIA X SECUNDÁRIA

CRIMINALIZAÇÃO PRIMÁRIA CRIMINALIZAÇÃO SECUNDÁRIA


É o ato e efeito de sancionar de É a ação punitiva exercida sobre
uma lei primária material, que pessoas concretas. Verifica-se
incrimina ou permite a punição quando os órgãos estatais detectam
de determinadas pessoas. um indivíduo, atribuindo
a prática de um ato criminalizado.
Trata-se de ato formal e Há seletividade e
programático. vulnerabilidade. Guarda relação
com a labeling approach (teoria
do etiquetamento social)

TEORIAS EXTREMADA E LIMITADA DO DOLO

Teoria Estrita, Extrema ou Extremada do Dolo: O dolo é normativo


(consciência das elementares do tipo penal + vontade de realizar a conduta e de
produzir o resultado + consciência ATUAL da ilicitude) e reside na
culpabilidade. Assim sendo, seja quando o agente incorre em erro quanto à
existência de uma elementar do tipo penal, seja quando ele atua sem ter a
ATUAL consciência da ilicitude, o dolo é excluído.

Uma vez excluído, a culpabilidade é excluída. Desse modo, para a teoria em


comento, todo erro quanto a uma causa de justificação (quanto aos pressupostos
fáticos; ou quanto à existência ou limites da causa de

29
justificação) exclui a culpabilidade ao argumento da inexistência do dolo
normativo.

Teoria Limitada do Dolo: O dolo é normativo (consciência das elementares do


tipo penal + vontade de realizar a conduta e de produzir o resultado +
consciência POTENCIAL da ilicitude) e reside na culpabilidade. Assim sendo,
seja quando o agente incorre em erro quanto à existência de uma elementar do
tipo penal, seja quando ele atua sem ter a POTENCIAL consciência da ilicitude,
o dolo é excluído.

Uma vez excluído, a culpabilidade é excluída. Desse modo, para a teoria em


comento, todo erro quanto a uma causa de justificação (quanto aos pressupostos
fáticos; ou quanto à existência ou limites da causa de justificação) exclui a
culpabilidade ao argumento da inexistência do dolo normativo. A distinção
entre as teorias do dolo no tratamento das causas de justificação diz respeito
unicamente a que na teoria extremada o dolo normativo exige consciência
ATUAL da ilicitude; na teoria limitada o dolo, que também é normativo, requer
apenas que a consciência da ilicitude seja meramente POTENCIAL.

Seja como for, as teorias do dolo foram superadas pela teoria finalista da ação,
de Hans Welzel, pela qual o dolo foi removido da culpabilidade à conduta (e
esta integra o tipo penal incriminador), e o elemento normativo do dolo foi
deste removido e inserido na culpabilidade sob a denominação de “consciência
potencial da ilicitude”. A culpabilidade, enfim, passou a ser totalmente
normativa (sem qualquer elemento psicológico, portanto), com os

30
seguintes elementos: imputabilidade; consciência potencial da ilicitude e
exigibilidade de conduta diversa.

FUNCIONALISMO PENAL

No funcionalismo penal abandona-se o tecnicismo jurídico, possibilitando ao


tipo penal desempenhar sua efetiva função de mantenedor da paz social e
aplicador da polícia criminal (mais importante do que seguir à risca a letra fria
da lei).

De maneira resumida, vejamos as concepções do funcionalismo penal:


Funcionalismo moderado, dualista ou de política criminal (Claus Roxin -
Escola de Munique)

A principal finalidade do sistema penal é a proteção de bens jurídicos; trabalha-


se apenas com a função preventiva da pena.

O crime, para Roxin, é composto de três requisitos: (a) tipicidade; (b)


antijuridicidade e (c) responsabilidade. Cada uma dessas categorias, entretanto,
foi totalmente reestruturada a partir da sua concepção político- criminal.

Os princípios político-criminais devem estar presentes em cada momento do


delito.

31
A tipicidade já não pode ser entendida em sentido puramente formal
(adequação do fato à letra da lei). Nem tudo que é formalmente típico o é
materialmente.

A ação, por seu turno, deve ser enfocada como “manifestação da personalidade
do agente” (ou seja, manifestação dominada ou dominável pela vontade).

Funcionalismo radical, monista ou sistêmico (Günter Jakobs - Escola de


Bonn)

A finalidade do sistema penal é garantir a higidez do próprio sistema; leva-se


em consideração apenas necessidades sistêmicas, cabendo ao Direito Penal se
ajustar a elas.

A mais controvertida formulação da teoria do delito na Alemanha (nos últimos


tempos) se deve a Jakobs que, desde o princípio dos anos oitenta (do século
passado), enfoca as distintas categorias do crime sob a perspectiva (puramente)
funcionalista, isto é, delito é toda violação da norma disfuncional às
expectativas sociais de convivência.

O Direito não regula fatos naturais, sim, fatos sociais. Delito é a frustração das
expectativas normativas. Pena é a confirmação (contrafática) da vigência da
norma infringida.

32
Sua finalidade primordial consiste justamente em prevenir o delito por meio da
confirmação da norma (prevenção geral positiva ou integradora).

O delito é concebido a partir da missão do Direito Penal que é preventiva geral


de confirmação da norma.

Insta salientar que o movimento funcionalista consiste em uma reação aos


excessos de abstração cometidos pelo sistema finalista.

A crítica do funcionalismo aos sistemas anteriores (causalista e finalista) é que


o sistema penal não deve ter suas bases construídas em dados pré- jurídicos
(ontológicos). As categorias jurídico-penais devem ser voltadas aos fins do
direito penal.

Dessa maneira, no funcionalismo se busca o desempenho pelo Direito Penal de


sua primordial tarefa, que é possibilitar o adequado funcionamento da
sociedade. Isso é mais importante do que seguir à risca a letra fria da lei, sem
considerá-la totalmente.

Em suma:

 O FUNCIONALISMO TELEOLÓGICO preocupa-se com os fins do


direito penal; é orientado por finalidades político-criminais; visa a
proteção dos bens jurídicos indispensáveis ao indivíduo e à sociedade;
trabalha com prevenção geral positiva (a pena deve servir como fato de

33
inibição do crime) e engendra a imputação do resultado, integrando ao
tipo penal.

 O FUNCIONALISMO SISTÊMICO preocupa-se com os fins da pena;


leva em consideração somente as necessidades do sistema; busca a
reafirmação da autoridade do direito; trabalha com a função geral
preventiva da pena. Defende a ideia de que ao descumprir a sua função
na sociedade o sujeito deve ser eficazmente punido, pois somente assim
o Estado reafirmaria a autoridade do direito. Trata-se da Teoria do
Direito Penal do Inimigo. A preocupação de Jakobs não é o bem jurídico
indispensável à convivência social, mas sim o sistema.

Assim, o funcionalismo sustenta que a dogmática penal deve ser direcionada à


política criminal, sendo essa finalidade a reafirmação da autoridade do Direito,
que não encontra limites externos, mas só internos (Jakobs), ou então a proteção
de bens jurídicos indispensáveis ao desenvolvimento do indivíduo e da
sociedade, respeitando os limites impostos pelo ordenamento jurídico (Roxin).

Bibliografia: Rogério Greco (Curso de Direito Penal, vol 1); Cleber Masson
(Manual de Direito Penal).

DELITOS DE ACUMULAÇÃO

34
A ideia de acumulação surge como uma ferramenta de proteção da coletividade,
no contexto da discussão sobre a sociedade de riscos. A categoria dos delitos
por acumulação é inicialmente sugerida por Lothar Kuhlen, para fornecer uma
hipótese de intervenção penal nos casos de pequenas infrações ao meio
ambiente que, individualmente, são insignificantes, já que não representam
lesividade suficiente para permitir a punição do autor, mas que, somadas,
representam um dano considerável às condições de preservação ambiental.

Tem-se que as lesões individualmente provocadas não seriam aptas à


configuração do tipo penal, todavia, quando praticadas por muitas pessoas,
cumulativamente, lesam bem jurídicos coletivos.

Os delitos por acumulação, por definição, somente são aplicáveis na proteção


de bens jurídicos coletivos, uma vez que os bens individuais não precisam de
acumulação para ser expostos ao perigo.

Os defensores de tal categoria delitiva sugerem adaptações na teoria do delito,


com o fito de possibilitar a imputação de responsabilidade a tais agentes (“autor
coletivo” e “nexo de causalidade coletivo”).

Ademais, para Wohlers e Von Hirsch: a acumulação é mais do que uma técnica
legislativa, é também um fundamento para a justificação ou legitimação de
condutas perigosas contra bens jurídicos coletivos. Finaliza, citando a
perspectiva de tais autores “as condições para que se verifique uma

35
conduta merecedora de punição com base na acumulação são: (i) prognóstico
realista de realização de condutas; (ii) existência de resultado efetivo, ainda que
reduzido; (iii) consideração de condutas pouco significantes.”

O princípio da insignificância tem lugar nos delitos por acumulação? A resposta


é positiva. É possível a incidência do princípio da insignificância, mas sua
análise deve ser adequada aos fundamentos do crime por acumulação. Isso quer
dizer que não se examina a pouca relevância da lesão ou do perigo de lesão
baseando-se na conduta individual, mas considerando o resultado da provável
acumulação.

TEORIA DA CEGUEIRA DELIBERADA

A teoria da cegueira deliberada (willful blindness), também conhecida como


teoria das instruções de avestruz ou da evitação da consciência, é aplicada
nas hipóteses em que o agente tem consciência da possível origem ilícita dos
bens por ele ocultados ou dissimulados, mas mesmo assim, deliberadamente
cria mecanismos que o impedem de aperfeiçoar sua representação acerca dos
fatos.

Por força dessa teoria, aquele que renuncia a adquirir um conhecimento hábil a
subsidiar a imputação dolosa de um crime responde por ele como se tivesse tal
conhecimento.

36
Esta teoria vem sendo aplicada no Brasil sobretudo nos crimes de lavagem de
dinheiro. Como o tipo penal de lavagens de capitais traz como elementar a
infração penal antecedente, depreende-se que na hipótese de o agente
desconhecer a procedência ilícita dos bens, faltar-lhe-á o dolo de lavagem, com
a consequente atipicidade de sua conduta, ainda que o erro de tipo seja evitável,
porquanto não se admite a punição da lavagem à título culposo.

Assim, é extremamente comum que o terceiro responsável pela lavagem de


capitais procure, deliberadamente, evitar a consciência quanto a origem ilícita
dos valores por ele mascarados. Afinal, assim agindo, se acaso vier a ser
responsabilizado pelo crime de lavagem de capitais, poderá sustentar a ausência
do elemento cognitivo do dolo, o que poderá dar ensejo a eventual decreto
absolutório em virtude da atipicidade da conduta.

Ademais, basta pensar no exemplo do comerciante de joias, que suspeita que


alguns clientes possam estar lhe entregando dinheiro sujo para a compra de
peças preciosas com o objetivo de ocultar a origem espúria do numerário,
optando, mesmo assim, por criar barreiras para não tomar ciência de
informações mais preciosas acerca dos usuários de seus serviços.

CRIME DE OLVIDO (OU DELITO DE ESQUECIMENTO)

O crime de olvido - também denominado pela doutrina de “delito de


esquecimento” - é uma modalidade de crime omissivo impróprio,

37
caracterizado pela natureza culposa, mais especificamente pela culpa
inconsciente (ou sem previsão).

Em outras palavras: A omissão culposa do agente acarreta do descumprimento


do seu dever de agir (CP, art. 13, parágrafo 2º), daí decorrendo a produção do
resultado naturalístico.

Um exemplo de crime de olvido seria o caso do pai que estaciona seu automóvel
em via pública, em um dia de muito calor, e dirige-se ao supermercado, porém,
esquece o filho de tenra idade no interior do veículo. Como o genitor demora a
retornar, a criança acaba falecendo em consequência da insolação e asfixia a
que foi submetida.

Não há que se falar em responsabilidade penal objetiva, em virtude da presença


de culpa inconsciente.

MANDADOS DE CRIMINALIZAÇÃO

A Constituição Federal, seguindo o modelo de algumas constituições da


Europa, como as da Alemanha, Espanha, Itália, França, no tocante à proteção
de certos bens ou interesses, determinou a obrigatoriedade de criminalização
das condutas ofensivas a estes bens. Ou seja, em relação a determinados bens e
interesses, o legislador é obrigado a editar leis que visam protegê-lo.

38
Os mandados de criminalização, segundo Cleber Masson, Indicam matérias
sobre as quais o legislador ordinário não tem a faculdade de legislar, mas a
obrigatoriedade de tratar, protegendo determinados bens ou interesses de
forma adequada e, dentro do possível, integral.

A Constituição Federal estabelece:

1. Mandados expressos, ou seja, a constituição determina, de forma


expressa, os casos em que a lei deverá criminalizar referida conduta
como forma de proteção a bem ou interesse. Exemplo: art. 5º, inciso
XLII – crime de racismo.

2. Mandados tácitos. Aqui, é pressuposto lógico que o legislador deve


criminalizar condutas que lesem bens e interesses exaustivamente
protegidos pela Constituição, ainda que ela assim não determine de
forma expressa (Exemplo: combate eficaz à corrupção eleitoral).

Alguns mandados de criminalização já foram atendidos pelo legislador, a


exemplo da Lei 13.260/2016, a qual regulamentou o art. 5º, XLIII, CF, para
tipificar o terrorismo.

ESPIRITUALIZAÇÃO DE BENS JURÍDICOS NO DIREITO


PENAL

39
Primeiramente, de acordo com o Professor Cleber Masson, os bens jurídicos
são valores ou interesses relevantes para a manutenção e o desenvolvimento do
indivíduo e da coletividade, e por essa razão merecedores de tutela penal. No
âmbito de uma teoria constitucional do Direito Penal, só podem ser
incriminadas as condutas atentatórias a bens consagrados na Constituição
Federal.
O conceito de bem jurídico sempre teve relação com a pessoa humana. Por
consequência, a tipificação de crimes sempre esteve relacionada à proteção de
bens jurídicos inerentes ao indivíduo, sejam estes bens lesionados (crimes de
dano) ou expostos a efetivo perigo (crimes de perigo concreto).

Havia, portanto, uma materialização dos bens jurídicos. Entretanto, com o


passar dos tempos, percebeu-se que esta proteção penal, que aguardava o dano
para depois punir, era insuficiente. O Direito Penal deveria se antecipar
(antecipação da tutela penal), com o fim de combater condutas difusas e
perigosas, que se não evitadas acabariam resultando em danos às pessoas.

Exemplificando esta nova tendência, pune-se crimes ambientais porque a


proteção do meio ambiente traz benefícios às pessoas em geral, e um meio
ambiente desequilibrado é prejudicial à vida e à saúde dos seres humanos, ainda
que reflexamente.

Desta forma, conclui o Professor Cleber Masson que, modernamente, é possível


se falar em desmaterialização dos bens jurídicos (vida e saúde dos seres
humanos), ainda que reflexamente, também conhecida como liquefação ou, na
linguagem de Roxin, espiritualização de bens jurídicos.

40
Portanto, em síntese: trata-se da crescente incursão, no âmbito do direito
penal, pela seara dos interesses metaindividuais e dos crimes de perigo,
especialmente os de índole abstrata (delitos em que a lei presume, de forma
absoluta, a situação de risco ao bem jurídico penalmente tutelado).

Na espiritualização dos bens jurídicos há uma expansão na proteção de bens


jurídicos, cuja finalidade é a antecipação da tutela penal, a fim de prevenir
lesões às pessoas. Exemplo: Crimes ambientais (STF, HC 102.087/MG).

DIREITO PENAL DO INIMIGO

Trata-se de conceito introduzido por Günther Jakobs, segundo o qual certas


pessoas, por serem inimigas da sociedade (ou do Estado) não detém todas as
proteções penais e processuais penais que são dadas aos demais indivíduos
(há a suspensão de certas leis justificada pela necessidade de proteger a
sociedade contra determinados perigos).

Colocando de maneira simples, o conceito de Direito Penal do Inimigo é que


pessoas consideradas “inimigas da sociedade” não precisam receber as mesmas
garantias, remédios e benefícios concedidos pelo Direito Penal àqueles que são
considerados cidadãos. Alguns exemplos de inimigos seriam os terroristas e os
membros de grupos do crime organizado e máfias.

Jakobs defende, portanto, uma espécie de despersonalização daqueles


indivíduos que apresentam potencial latente de periculosidade para a

41
sociedade. Eles não são privados de todos os seus direitos mas, em certos
aspectos, são desprovidos dos mesmos direitos que um verdadeiro cidadão
usufrui.

Esse conceito apoia-se em três pilares:

1) A sanção referenciada não no ato já cometido, mas no ato futuro;


2) A sanção desproporcional em relação ao delito ou ao seu potencial
lesivo;
3) A legislação específica para estes indivíduos considerados “inimigos da
sociedade”.

Também há quem aponte mais dois pontos essenciais dessa teoria:

 Flexibilização ou eliminação de certas garantias do Processo Penal para


determinados tipos penais;
 Criação de tipos penais e sanções vagas, para dar mais liberdade ao
poder judiciário na aplicação da lei.

Jakobs propõe a distinção entre direito penal do cidadão (Bürgerstrafrecht),


que se caracteriza pela manutenção da vigência da norma e direito penal para
inimigos (Feindstrafrecht), orientado para o combate a perigos e que permite
que qualquer meio disponível seja utilizado para punir esses inimigos. Há um:
direito penal do autor; direito penal prospectivo; adiantamento da tutela penal.

42
Trata-se de terceira velocidade do direito penal, considerando a privação da
liberdade e suavização ou eliminação de direitos e garantias penais e
processuais.

Embora o Direito Penal do Inimigo esteja trazendo reflexos para a


legislação penal brasileira, será que essa teoria pode ser aplicada sem
prejuízos para a Constituição Federal?

Existem sérias críticas à compatibilidade do Direito Penal do Inimigo com


princípios básicos acolhidos pela CF/88, como a dignidade da pessoa humana,
a preservação da vida e da liberdade e a presunção de inocência.

Por outro lado, também há quem defenda a tese de que a Constituição


incorporou levemente o conceito do Direito Penal do Inimigo, autorizando
portanto que essa teoria fosse aplicada na criação de legislação
infraconstitucional e na própria atividade jurisdicional. Um exemplo seria a
supressão de garantias fundamentais em casos de crimes específicos, que é o
que observamos nos incisos XLII, XLIII e XLIV do artigo 5º da CF/88.

De maneira geral, podemos dizer que o Direito Penal do Inimigo já é aplicado


na prática em nosso país, embora nem sempre de maneira aberta; e sua
legitimidade continua a ser alvo de questionamentos.

Além disso, também vale a pena comentar uma crítica do próprio Jakobs aos
ordenamentos jurídicos que incorporam apenas fragmentos de sua teoria, como
é o caso do brasileiro. Segundo o jurista alemão, quando isso acontece, há um
alto risco de que cidadãos possam receber o tratamento que deveria ser

43
dispensado apenas aos verdadeiros inimigos da sociedade. Portanto, o
adequado seria que a teoria fosse aplicada em sua integralidade.

LEIS DE LUTA OU DE COMBATE

As Leis de luta ou de combate, segundo Richard Paes Lyra Junior e Lincoln


Almeida Rodrigues (Direito Penal do inimigo), são decorrentes do Direito
Penal do Inimigo e correspondem às normas que relativizam os direitos e
garantias dos acusados.

Referidas normas, em regra, são editadas após situações traumáticas


vivenciadas pela coletividade, sendo “leis de ocasião”.

A doutrina cita como exemplos a Lei de Crimes Hediondos, a Lei de Crime


Organizado e o Regime Disciplinar Diferenciado.

DIREITO PENAL DE INTERVENÇÃO

O Direito Penal de Intervenção foi criado pelo alemão Winfried Hassemer. De


acordo com Hassemer, o Direito Penal não oferece resposta satisfatória para
a criminalidade oriunda das sociedades modernas.

Para Hassemer, as modificações introduzidas na humanidade nos últimos anos,


como a globalização, a massificação dos problemas e a configuração de uma
sociedade de riscos, implicaram profundas alterações no Direito Penal,

44
como, por exemplo, a criação de tipos penais em branco, tipos de perigo
abstrato e leis meramente simbólicas. Ou seja, tais modificações resultaram em
inevitável expansão do Direito Penal.

Hassemer afirma que o poder punitivo estatal deveria limitar-se ao núcleo


do Direito Penal, sendo os demais problemas resultantes dos riscos da
modernidade resolvidos pelo direito de intervenção, única solução apta a
enfrentar a atual criminalidade.

De acordo com Cleber Masson, o direito de intervenção consiste na


manutenção, no âmbito do Direito Penal, somente das condutas lesivas aos
bens jurídicos individuais e também daquelas que causam perigo concreto.

As demais, de índole difusa ou coletiva, e causadoras de perigo abstrato, por


serem apenadas de maneira mais branda, seriam reguladas por um sistema
jurídico diverso, com garantias materiais e processuais mais flexíveis,
possibilitando um tratamento célere e amplo dessas questões, sob pena de
tornar o Direito Penal inócuo e simbólico.

Para Hassemer, o Direito de Intervenção gravitaria entre o Direito Penal e o


Direito Administrativo. O Direito Penal não pode abrir mão de sua estrutura
nuclear; o Direito Penal só se presta à tutela de bens individuais; para a tutela
dos bens coletivos é que serve o Direito de Intervenção.

45
Hassemer é contrário à expansão da tutela penal a bens jurídicos
supraindividuais, que vem sendo promovida diante da sociedade dos riscos.

Crítica ao Direito de Intervenção: Figueiredo Dias diz que o direito de


intervenção seria uma inversão temerária dos princípios da subsidiariedade e
da proporcionalidade, uma vez que relegaria à seara mais suave do
ordenamento jurídico justamente as infrações que colocam em maior risco a
estrutura da sociedade, ao mesmo tempo em que, para elas, de grave
repercussão difusa, estariam previstas sanções muito brandas e insuficientes
para a punição e ressocialização de seus autores.

TEORIA DA IMPUTAÇÃO OBJETIVA

A teoria da imputação objetiva surge com a finalidade de limitar o alcance da


teoria da equivalência dos antecedentes, sem, contudo, abrir mão desta última.

Não basta que o resultado tenha sido produzido pelo agente para que se possa
afirmar a sua relação de causalidade, sendo preciso, também, que ele possa ser
imputado juridicamente.

Essa teoria busca definir a relação de causalidade, mas insere duas novas
elementares (causalidade normativa) no tipo objetivo, quais sejam:

1. Criação ou aumento de um risco proibido


A) Existência do risco;

46
Atenção: Não há ação perigosa quando o risco for juridicamente
irrelevante ou se houver diminuição do risco, avaliado ANTES da ação
pelo agente.
B) O risco criado deve ser proibido pelo Direito. Isso porque, nem toda
ação perigosa é proibida pelo Direito, a exemplo da lesão corporal
provocada em luta de boxe, o fato é atípico, se respeitadas todas as
regras.

2. Realização do risco no resultado

Só haverá realização do risco se a proibição da conduta for justificada para


evitar a lesão de determinado bem jurídico por meio de determinado curso
causal, os quais venham efetivamente a ocorrer.

Logo, com a adoção desta teoria, o nexo causal só estaria caracterizado se


ultrapassadas três etapas:
1. Teoria da equivalência dos antecedentes;
2. Imputação objetiva;
3. Dolo ou culpa (causalidade psíquica).

OBSERVAÇÕES IMPORTANTES

 A teoria da imputação objetiva visa limitar a responsabilidade penal,


incluindo novas elementares no tipo objetivo. Assim, para essa teoria, a
atribuição de um resultado a uma pessoa não é determinada pela

47
relação de causalidade, sendo necessária realização do risco proibido
pela norma;
 Essa teoria é aplicável exclusivamente aos crimes materiais;
 Como tal teoria possui íntima relação com as regras da física quântica,
vez que não basta à mera relação de causa e efeito entre conduta e
resultado, fala-se em “direito penal quântico”, caracterizado pela
presença da relação de causalidade normativa e da tipicidade material;
 Uma vez concluída pela não imputação objetiva, afasta-se o fato típico.

EVOLUÇÃO DOUTRINÁRIA DA TIPICIDADE

CORPUS DELICTI (“Tatbestand”): O delito era concebido com todos os


seus elementos; a tipicidade NÃO era autônoma (falava-se apenas em ilicitude
e culpabilidade).

FASE DA INDEPENDÊNCIA DO TIPO: Em 1906, Beling compreendeu a


tipicidade como categoria sistemática e autônoma, tornando-a independente da
ilicitude e culpabilidade. Distinguiu-se, aqui, a tipicidade da ilicitude, sendo a
tipicidade mero processo de adequação do fato à norma.

TEORIA INDICIÁRIA (“ratio cognoscendi”): Max Ernest Mayer, em 1915,


aprimora a teoria da tipicidade, conferindo a ela função de indício da ilicitude
(a tipicidade autoriza a presunção relativa de ilicitude).

48
OBS: Sua utilidade prática repousa na inversão do ônus da prova no tocante às
causas de exclusão da ilicitude. É a mais aceita no Direito Penal.

TEORIA DA IDENTIDADE (“ratio essendi”): Fase da tipicidade como


essência da ilicitude (não há tipicidade sem ilicitude). O tipo penal é
transformado em tipo de injusto (o tipo é a “ilicitude tipificada”).

TEORIA DOS ELEMENTOS NEGATIVOS DO TIPO: Preconizada por


Hellmuth von Weber, propõe o “tipo total do injusto” (os pressupostos da causa
de exclusão da ilicitude compõem o tipo penal como seus elementos negativos).
Logo, tipicidade e ilicitude integram o tipo penal (ausente a ilicitude, o fato será
atípico).
OBS: NÃO foi acolhida pelo nosso sistema penal.

TEORIA DA TIPICIDADE CONGLOBANTE: Criada por Zaffaroni, essa


teoria sustenta que todo fato típico se reveste de antinormatividade, havendo a
necessidade de a conduta ser contrária ao ordenamento jurídico em geral
(conglobado), e não apenas ao Direito Penal.
OBS: Já foi acolhida pelos Tribunais Superiores.

A TORPEZA BILATERAL AFASTA O CRIME DE


ESTELIONATO?

49
Em certos casos a própria vítima também atua com má-fé, visando a obter
vantagem sobre o agente, pois igualmente tem a finalidade de obter para si ou
para terceiro uma vantagem ilícita. É a chamada torpeza bilateral.

Imaginemos, por exemplo, o golpe do bilhete premiado. A vitima desconfia


que o bilhete premiado que está comprando é falso, mesmo assim, insiste em
comprá-lo. Depois que sofrer o prejuízo, poderá alegar que foi vítima de
estelionato?

SIM. Ora, predomina na doutrina que a torpeza bilateral não afasta o delito, até
porque o artigo 171 do CP não consta a boa-fé da vítima como elementar.

Entendimento doutrinário: Cleber Masson, a partir da doutrina de Heleno


Fragoso, assim resume os argumentos pela existência do crime:

(a) não se pode ignorar a má-fé do agente que utilizou a fraude e obteve
a vantagem ilícita em prejuízo alheio, nem o fato de a vítima ter sido
ludibriada, e, reflexamente, ter suportado prejuízo econômico;
(b) a boa-fé da vítima não é elementar do tipo contido no art. 171,
caput, do Código Penal; e
(c) a reparação civil do dano interessa somente à vítima, enquanto a
punição do estelionatário interessa a toda a coletividade.

Entendimento do STF: O Supremo Tribunal Federal entende que a torpeza


bilateral não afasta o crime de estelionato:

50
Fraude bilateral. Embora reprovável a conduta da vítima que
participa da trama de outrem, visando vantagem ilícita, a sua boa-
fé não é elemento do tipo previsto no art. 171 do Código Penal.
Sanciona-se a conduta de quem arquiteta a fraude, porque o
Direito Penal tem em vista, primordialmente, a ofensa derivada
do delito. (340RHC 65.186/SP, rel. Min. Carlos Madeira, 2.a
Turma, j. 19.06.1987).

Entendimento do STJ: O Superior Tribunal de Justiça tem o mesmo


entendimento:

Desde que a ação amolde-se à figura típica do art. 171 do Código


Penal, não há como excluir o crime por eventual torpeza bilateral,
sendo irrelevante para configuração do delito a participação,
maliciosa ou não, da vítima. (REsp 1.055.960, rel. Min. Laurita
Vaz (decisão monocrática), j. 31.10.2008.).

É possível notar, portanto, que a má-fé da vítima, a torpeza bilateral não


afasta o crime de estelionato.

A questão relacionada à má-fé no crime de estelionato foi cobrada no


concurso da magistratura do TRT/14ª Região (2012):

(TRT/14ª Região – Juiz do Trabalho). Dentre os requisitos listados abaixo


marque o único que NÃO importa para caracterizar o crime de estelionato:
a) emprego de fraude (artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento)

51
b) vitima agir com má-fé
c) provocação ou manutenção em erro.
d) locupletação (vantagem) ilícito.
e) lesão patrimonial de outrem.
O gabarito foi considerado a alternativa “b”.

ERRO DE SUBSUNÇÃO

O erro de subsunção é aquele que recai sobre o enquadramento típico de uma


conduta, ocasionando interpretações jurídicas errôneas, ou seja, o sujeito ativo
equivoca-se quanto ao sentido jurídico de seu comportamento.

Qual a consequência jurídica do erro de subsunção? A princípio, pouco importa


que o autor creia que sua conduta é típica de um ou outro tipo, bastando que
ocorra a valoração paralela da esfera do profano, sendo, portanto, irrelevante o
erro de subsunção.

O erro de subsunção não exclui o dolo, nem a culpa, tampouco isenta o agente
da pena.

Mas parte da doutrina sustenta que o agente responderá pelo crime, podendo
ter a pena atenuada conforme preceitua o art. 66 do CP.

52
O erro de subsunção não se confunde com o erro se tipo (que é a falsa percepção
da realidade), e, tampouco, com o erro de proibição (que é o erro sobre a
ilicitude do comportamento).

ERRO DE PROIBIÇÃO

O erro de proibição (art. 21, caput, CP) pode ser definido como a falsa
percepção do agente acerca do caráter ilícito do fato típico por ele praticado,
de acordo com um juízo profano, isto é, possível de ser alcançada mediante um
procedimento de simples esforço de sua consciência.

Insta salientar que o STJ vem entendendo que a simples omissão (ou
conivência) do Poder Público no que diz respeito ao combate da criminalidade
NÃO autoriza o reconhecimento do erro de proibição. (REsp 870.055/SC).

São efeitos do erro de proibição:


A) Se escusável (desculpável): exclui a culpabilidade (ausente a potencial
consciência da ilicitude);
B) Inescusável: a pena pode ser diminuída, em virtude da menor
censurabilidade da conduta.

O critério para decidir se o erro de proibição é escusável ou inescusável é o


perfil subjetivo do agente (vez que trata de matéria inerente à culpabilidade).

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São espécies de erro de proibição:

ERRO DE PROIBIÇÃO DIRETO: O agente desconhece o conteúdo de uma


lei penal proibitiva, ou, se o conhece, interpreta-o de forma equivocada.

ERRO DE PROIBIÇÃO INDIRETO (“descriminante putativa por erro de


proibição”): o agente conhece o caráter ilícito do fato, mas, no caso concreto,
acredita erroneamente estar presente uma causa de exclusão da ilicitude, ou se
equivoca quanto os limites de uma causa de exclusão da ilicitude efetivamente
presente.

ERRO DE PROIBIÇÃO MANDAMENTAL (ou “injuntivo”): o agente,


envolvido em uma situação de perigo a determinado bem jurídico,
erroneamente acredita estar autorizado a livrar-se do dever de agir para impedir
o resultado nas hipóteses previstas no art. 13, p. 2º, do CP. Segundo Cleber
Masson, só é possível nos crimes omissivos impróprios.

Para Cezar Roberto Bitencourt, ocorre nos crimes omissivos próprios ou


impróprios. Ainda, segundo o autor, "trata-se do erro que recai sobre uma
norma mandamental, sobre uma norma imperativa, sobre uma norma que
manda fazer, que está implícita, evidentemente, nos tipos omissivos”.

Por fim, para Juarez Cirino dos Santos, o “erro de mandado” não é erro de
proibição. Trata-se, entretanto, de posição minoritária.

54
ERRO CULTURALMENTE CONDICIONADO

Além do erro que afeta a ilicitude há o erro que afeta a compreensão da ilicitude,
e ambos resultam no erro de proibição. Compreensão é diferente de
conhecimento. O conhecimento é pressuposto da compreensão, mas não pode
haver compreensão sem conhecimento.

Se a não compreensão da norma, a não internalização de seu valor, se dá em


razão do conhecimento cultural do agente, está-se diante de um erro de
compreensão culturalmente condicionado. São exemplos correntes na doutrina,
o do esquimó por nós visitado, que nos oferece a mulher perfumada de urina,
que não aceitamos por ser extremamente árduo internalizar a regra de conduta
que evite a injúria que lhe fazemos e; o do indígena de uma comunidade que
tem seus próprios ritos para funerais e violar as nossas regulamentações sobre
inumações, sendo muito duro exigir-lhe que abandone suas regras para acolher
as nossas e reprovar-lhe porque não o tenha feito.

Logo, o erro de compreensão culturalmente condicionado se apresenta na


situação em que o agente, mesmo conhecendo a ilicitude do fato, não a
compreende, porque não internalizou os valores contidos na norma que o rege.
E, não internaliza estes valores porque desconhecidos ou incompatíveis com
aqueles pertencentes à sua cultura.

Sobre o erro culturalmente condicionado, é a lição de Eugênio Raul Zaffaroni


e Pierangeli:

55
“Trata-se de uma especificação do erro de proibição que vale
para aqueles casos em que, pese embora o conhecimento da
proibição, não é exigível ao agente a respectiva interiorização
porque ela é estranha à sua cultura, reconhecendo, no entanto,
que o condicionamento cultural pode dar lugar a outras espécies
de erro. O „erro de compreensão culturalmente condicionado‟
revela um grau de tolerância maior na resolução das situações de
conflito pessoal entre sistemas culturais distintos, dado que
prescinde à partida da comprovação da censurabilidade do erro.
A admissão de um juízo de censurabilidade nas constelações a que
o erro se refere pressupõe o reconhecimento da obrigatoriedade
de assimilação dos valores dominantes e isso representaria
igualmente um desprezo pelas diferenças culturais”.

ERRO DE TIPO

Segundo o Professor Cleber Masson, o erro de tipo pode ser essencial ou


acidental.

O erro de tipo essencial consiste na falsa percepção da realidade acerca dos


elementos constitutivos do tipo penal.

 É cabível o erro de tipo na seara dos crimes omissivos impróprios;

56
 Espécies: a) escusável: não deriva de culpa do agente; b) inescusável:
provém de culpa do agente;
 Efeitos: sempre exclui o dolo (o erro de tipo é a “cara negativa do dolo”,
segundo Raúl Eugênio Zaffaroni). Entretanto, se escusável
também exclui a culpa (diferente do erro de tipo inescusável, que permite
a punição por crime culposo, se previsto em lei);

O erro de tipo acidental, por sua vez, recai sobre circunstâncias e fatores
irrelevantes da figura típica, não afastando a responsabilidade penal.

De maneira resumida, vejamos as modalidades de erro de tipo acidental (que


não afastam a responsabilidade penal):

a) Erro sobre a pessoa (o agente confunde a pessoa visada).

Adota-se aqui a teoria da equivalência do bem jurídico atingido (leva-


se em conta, para aplicação da pena, as condições da vítima virtual -
aquela que o sujeito pretendia atingir).
Salienta-se, no entanto, que segundo o STJ, o erro não influencia na
competência, levando-se em conta a vítima real para determinar o foro
competente.

b) Erro sobre o objeto (incide sobre coisa diversa).

57
c) Erro sobre as qualificadoras (o sujeito age com falsa percepção da
realidade sobre uma qualificadora. Segundo Cleber Masson, a
consequência desse erro seria o afastamento da qualificadora).

d) Aberratio causae (engano relacionado à causa do crime).

Destaca-se que o aberratio causae difere do dolo geral (ou dolo por
erro sucessivo), uma vez que neste há dois atos distintos, ao passo que
no primeiro (aberratio causae) há apenas um ato.

e) Erro na execução ou aberratio ictus (o agente erra o seu alvo, tendo em


vista a aberração no ataque).

f) Aberratio criminis (trata-se do resultado diverso do pretendido).

Se sobrevém resultado diverso do pretendido, o agente responde por


culpa, se o fato é previsto como crime culposo (art. 74, caput, CP).
No entanto, se o resultado previsto como crime culposo for menos grave
ou se o crime não admitir a modalidade culposa, segundo a doutrina
majoritária, deve-se desprezar a regra contida no art. 74 do CP,
imputando a tentativa do respectivo crime.

DESCRIMINANTES PUTATIVAS

Qual o tratamento dispensado às descriminantes putativas que prevalece no


Código Penal Brasileiro?

58
Descriminante putativa consiste na causa de exclusão da ilicitude (ou causa de
justificação) que não existe concretamente, mas apenas na mente do autor de
um fato típico.

Qual a natureza jurídica das descriminantes putativas? Depende da teoria


da culpabilidade adotada.

 Para a teoria normativa pura, extrema ou estrita, as descriminantes


putativas SEMPRE caracterizam erro de proibição (logo, para essa
teoria, o erro relativo aos pressupostos fáticos de uma causa de exclusão
da ilicitude constitui erro de proibição indireto, excluindo-se a
culpabilidade).

 Diferentemente, na teoria limitada, a culpabilidade é composta pelos


MESMOS elementos que integram a teoria normativa pura: 1)
imputabilidade; 2) potencial consciência da ilicitude; 3) potencial
consciência da ilicitude, os quais estão ordenados hierarquicamente. No
entanto, a distinção em relação a teoria normativa pura repousa
unicamente no tratamento dispensado às descriminantes putativas.

Na teoria limitada, as descriminantes putativas são divididas em dois blocos:


a) de FATO, tratada como erro de tipo. Trata-se do ERRO DE TIPO
PERMISSIVO, previsto no art. 20, p. 1º, do CP; b) de DIREITO, disciplinada

59
como erro de proibição (estamos diante do ERRO DE PROIBIÇÃO
INDIRETO).

Qual teoria o Código Penal acolheu? Em que pese haja discussão doutrinária,
o Código Penal acolheu a teoria limitada (é o que se extrai do tratamento do
erro - arts. 20 e 21 do Código Penal). Ademais, há previsão, ainda, no item 19
da Exposição de Motivos da Nova Parte Geral do CP.

Portanto, diante da adoção pelo CP da teoria limitada, o erro relativo aos


pressupostos de: FATO: constitui-se em erro de tipo permissivo (exclui sempre
o dolo); e DIREITO: constitui-se em erro de proibição indireto (pode excluir a
culpabilidade).

DESCRIMINANTE EM BRANCO

Segundo Rogério Sanches, ocorre a descriminante em branco quando o


conteúdo da norma permissiva (excludente da ilicitude) se extrai de outra
norma jurídica, ou seja, de outra lei, ato da administração pública (decreto,
regulamento, portaria, etc) ou, ainda, em casos excepcionais da própria
jurisprudência (Súmula Vinculante).

Nesses casos, a doutrina aplica o mesmo tratamento jurídico da norma penal


em branco.

60
Esse tema foi cobrado na segunda fase do concurso de Delegado de Polícia do
Estado do Paraná/

TEORIAS SOBRE A PUNIBILIDADE DA TENTATIVA

✅ Teoria subjetiva, voluntarística ou monista: ocupa-se com a


vontade criminosa (o sujeito é punido por sua intenção, sendo irrelevante o
desvalor do resultado);

✅ Teoria sintomática: sustenta a punição em razão da periculosidade subjetiva


(perigo revelado pelo agente);

✅ *Teoria objetiva, realística ou dualista: pune-se a tentativa em face do


perigo proporcionado ao bem jurídico tutelado (deve receber punição inferior
à do consumado). Essa teoria foi adotada pelo Código Penal;

✅ Teoria da impressão ou objetivo-subjetiva: pune-se a tentativa quando


houver comoção da confiança na vigência do ordenamento normativo e do
sentimento de segurança jurídica.

TEORIA DA “VERSARI IN RE ILLICITA” E CRIMES


PRETERDOLOSOS

61
Criada no direito canônico, a teoria da “versari in re illicita” (permanecer em
assunto ilícito) dispõe que ao sujeito que pratica um ato ilícito serão imputadas
as consequências da sua conduta, sendo o agente responsabilizado pelo
resultado, ainda que este ocorra sem dolo ou culpa.

As críticas são no sentido de que a construção teórica é incompatível com o


Direito Penal democrático, ao permitir a malfadada responsabilidade penal
objetiva. Prevalecendo em sede criminal como princípio dominante do sistema
normativo o dogma da responsabilidade com culpa (“nullum crimen sine
culpa”), revela-se absolutamente incompatível a velha concepção medieval do
“versari in re illicita”.

Há quem reconheça a presença de liame entre a teoria em voga e a tipificação


dos crimes preterdolosos (qualificados pelo resultado). Porém, a imputação do
resultado mais grave nos crimes qualificados pelo resultado exige os seguintes
requisitos: a) imprudência implícita na ação dolosa precedente, b) resultado
qualificador como produto específico do risco criado pela ação dolosa anterior,
e c) previsibilidade do resultado mais grave.

Portanto, afasta-se a “versari in re illicita”, ao passo que nessa a ação inicial


não cria o risco típico e não há nenhuma conexão psicológica do autor com o
resultado, posto que não o deseja, não há previsão, nem possibilidade de sua
previsão.

Ressalta-se que raciocínio semelhante pode ser utilizado caso seja indagada a
conexão entre esta teoria e a da “actio libera in causa”. Vejamos: a) tratando-

62
se de embriaguez preordenada, desloca-se a análise do elemento subjetivo para
momento anterior ao consumo da substância (causalidade mediata); b)
tratando-se de embriaguez voluntária e culposa, mantém-se presente a “vontade
residual”.

ARREPENDIMENTO POSTERIOR

O arrependimento posterior é uma causa pessoal e obrigatória de diminuição


de pena (pena será reduzida de 1 a 2/3) que ocorre quando o responsável pelo
crime, praticado sem violência ou grave ameaça à pessoa, voluntariamente, e
até o recebimento da denúncia ou queixa, restitui coisa ou repara o dano
provocado por sua conduta.

Reparação do DANO MORAL enseja a aplicação do arrependimento


posterior?

Embora haja controvérsia, prevalece na doutrina que a reparação do dano moral


enseja a aplicação do aludido instituto jurídico.

É importante salientar que o arrependimento posterior é inaplicável nos delitos


em que não há dano a ser reparado ou coisa a ser restituída. Como, por exemplo,
no homicídio culposo na direção de veículo automotor (Info 554 STJ).

63
Os fundamentos do presente instituto jurídico são: proteger a vítima e, ainda,
fomentar o arrependimento por parte do agente.

Difere do arrependimento eficaz ou “resipiscência” (art. 15, CP) - causa de


exclusão da tipicidade. Aqui, o agente, depois de já praticados todos os atos
executórios suficientes à consumação do crime, adota providências para
impedir a produção do resultado.

Reparação parcial do dano e o arrependimento posterior

Há divergência na jurisprudência sobre a possibilidade (ou não) de aplicar o


instituto do arrependimento posterior (art. 16 CP) no caso de reparação parcial
do dano.
 Superior Tribunal de Justiça: Apenas a reparação integral do dano gera
a diminuição da pena, em virtude da aplicação do art. 16 do Código Penal
(STJ, AgRg no REsp 1262608 / BA, 5a Turma, Rel. Min. Jorge Mussi,
DJe 21/10/2015);

 Supremo Tribunal Federal: Há precedente do STF admitindo o


arrependimento posterior na reparação parcial do dano (HC 98.658/PR,
rel. orig. Min. Carmen Lúcia, rel. para o acórdão Min. Marco Aurélio, 1a
Turma, julgado em 9/11/2010).

SENTENÇA DUPLA NA ESFERA PENAL

64
A sentença dupla consiste na sentença que, além de impor numa eventual
condenação os efeitos da pena em si (efeitos principais e secundários) previstos
na lei penal, ainda impõe ao condenado as mazelas do sistema prisional, ou
seja, o condenado receberia uma espécie de sentença dupla.

Eugenio Raúl Zaffaroni denominou a sentença dupla como “doble punicion”


(expressão que, traduzida para nosso vernáculo, corresponderia a dupla
punição). Segundo o penalista, as sentenças duplas constituem uma dupla
punição pelo Estado: uma ilegal (ocultada/disfarçada pelo estado prático do
sistema prisional) e outra legal (formal).

TEORIA DA NORMALIDADE DAS CIRCUNSTÂNCIAS


CONCOMITANTES

Preconiza que, para que se possa considerar alguém culpado do cometimento


de uma infração penal, é necessário que esta tenha sido praticada em condições
e circunstâncias normais, pois de contrário, não será possível exigir do sujeito
conduta diversa da que efetivamente praticou.

A aludida teoria ensejou a inserção de mais um requisito à culpabilidade, qual


seja, a exigibilidade de conduta diversa;

Essa teoria preparou o ambiente dogmático para a definitiva migração do


dolo/culpa para a tipicidade, sepultando o dogma naturalista.

65
DIREITO PENAL SUBTERRÂNEIO X DIREITO PENAL
PARALELO

Quadro comparativo:

DIREITO PENAL SUBTERRÂNEO DIREITO PENAL PARALELO


É o exercido pelas agências que É aquele exercido por agências
compõem o sistema punitivo que não fazem parte do sistema
formal do Estado, mas que punitivo formal, mas que
passam a atuar de forma exercem poder punitivo. Como,
arbitrária à margem da lei, por exemplo, ocorre no banimento
contando com a complacência dos de atletas pelas federações
demais órgãos que compõem o esportivas em caso de “doping”.
sistema punitivo.
Nesta atuação, as agências de
controle institucionalizam a pena
de morte e a tortura, por exemplo.

CRIME PUTATIVO (OU “IMAGINÁRIO”)

O crime putativo é aquele crime que existe apenas na mente do agente, que
acredita violar a lei penal quando, na verdade, o fato por ele concretizado não
possui adequação típica.

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De maneira resumida, são espécies de crime putativo, segundo Cleber Masson:

Crime putativo por erro de tipo: o autor acredita ofender uma lei penal
incriminadora efetivamente existente;

Crime putativo por erro de proibição (delito de alucinação ou crime de


loucura): o autor acredita violar uma lei penal que não existe;

Crime putativo por obra do agente provocador (crime de ensaio ou de


experiência): alguém, insidiosamente, induz outrem a cometer uma conduta
criminosa e, de maneira simultânea, adota medidas para impedir a consumação.

TEORIA DA TIPICIDADE CONGLOBANTE

Segundo a teoria da tipicidade conglobante, criada pelo argentino Eugenio Raúl


Zaffaroni, todo fato típico se reveste de antinormatividade, vez que embora o
agente atue em consonância com o que está descrito no tipo incriminador, na
verdade, contraria a norma, entendida como o conteúdo do tipo legal.

Desse modo, não basta a mera subsunção da conduta do agente à previsão


abstrata descrita pela lei penal para a caracterização do fato típico, sendo

67
necessária, para tanto, a adequação material do fato (tipicidade material) e a
contrariedade da conduta com o ordenamento jurídico (antinormatividade).

A teoria da tipicidade conglobante busca afastar contradições que acarretem


ilogicidades no sistema jurídico, excluindo da esfera do fato típico fenômenos
não abarcados pela norma proibitiva, mas que simplesmente aparentam estar
contidos na fórmula legal, de modo a corrigir o âmbito de aplicação do tipo
penal.

A antinormatividade diz respeito à existência de condutas tipificadas na lei


penal como proibidas (não desejadas) e passíveis de uma pena em
contraposição com as mesmas condutas em tese proibidas, que são fomentadas
por outros ramos do direito e que são igualmente previstas em lei de igual
hierarquia.

Mas o que significa o termo “Conglobante”? Consiste na necessidade de que a


conduta seja contrária ao ordenamento jurídico em geral, tendo em vista as
premissas da unidade e da integração do sistema normativo.

Modernamente, o Supremo Tribunal Federal (HC n° 126273/MG) e o Superior


Tribunal de Justiça (AP nº 683/AP) têm se valido da teoria da tipicidade
conglobante para fundamentar as suas decisões, ainda que, na maioria das
vezes, como forma de aferição da insignificância da conduta do agente.

68
TEORIA DOS ELEMENTOS NEGATIVOS DO TIPO

A teoria dos elementos negativos do tipo criou o conceito de tipo total de


injusto, que conforme Wessels:

“[...] congrega em si todos os elementos fundamentadores e


excludentes do injusto, dos quais depende, tanto em sentido
positivo como negativo, a qualidade do injusto na conduta”.

Esse tipo total de injusto, criado a partir de Merkel e Frank, diz que do tipo que
descreve os fatos proibidos, denominados de tipos provisórios do injusto ou
tipos incriminadores, fazem parte também as causas que excluem a ilicitude,
como dados negativos do tipo.

Segundo a Teoria dos Elementos Negativos o dolo do agente deve abranger não
só os dados materiais do tipo, como também a inexistência de causas
justificantes (justificativas).

Assim, por exemplo, no homicídio, para o agente atuar dolosamente e com isso
realizar um fato típico, ele precisa não ter somente vontade e consciência de
matar alguém, mas também ter a consciência de que estão ausentes todos e
quaisquer elementos que configuram as justificativas.

69
Como afirma Jescheck: “[...] elementos do tipo e pressupostos das causas de
justificação se reúnem, por esta via, no tipo total e se situam sistematicamente
no mesmo nível”.

Disto decorre a ideia fundamental defendida por esta teoria: não há como se
coitar da existência de dolo quando presente uma justificativa e, também, não
haverá dolo quando o agente atuar em erro sobre essa justificativa.

Miguel Reale Júnior esclarece que para a teoria em comento, toda ação típica é
necessariamente antijurídica, e disso tira a conclusão de que as causas de
justificação não excluem a ilicitude, mas sim a adequação típica.

Critica-se esta teoria a respeito do fado dela fundir numa só fase valorativa a
tipicidade e a antijuridicidade, enquanto que a moderna e majoritária doutrina
do Direito Penal afirma que a tipicidade e a ilicitude constituem substratos
distintos e inconfundíveis de valoração do fato punível. Ainda, critica-se o fato
da teoria dos elementos negativos do tipo negar a autonomia aos tipos
justificadores, fato que contraria a sistemática do Direito Penal brasileiro
moderno, que prevê as causas de exclusão da ilicitude em tipos penais
autônomos. Finalmente, outra crítica é o fato desta não realizar a diferenciação
valorativa de uma conduta que já nasce atípica, de outra inicialmente típica,
mas permitida em razão da existência de uma causa de justificação da conduta.
Ou seja, para a teoria dos elementos negativos do tipo seriam consideradas
atípicas tanto a conduta de matar um rato como a de matar um homem em
legítima defesa.

70
Finalmente, quanto ao erro sobre uma causa de justificação na concepção da
teoria dos elementos negativos do tipo, em qualquer das espécies de erro,
sempre excluirá o dolo. Entretanto, se o erro sobre a justificativa for invencível,
ficará excluído o dolo e a culpa, mas se o erro for evitável haverá a possibilidade
de punição na forma culposa, caso prevista em lei.

DOLO (DIRETO) DE PRIMEIRO, SEGUNDO E TERCEIRO


GRAU

✅ Dolo de primeiro grau: É a vontade do agente direcionada a determinado


resultado (há a intenção de atingir um único bem jurídico);

✅ Dolo de segundo grau (ou de consequências necessárias): É a vontade do


agente dirigida a um resultado desejado, em que a utiliza dos meios para
alcançá-lo inclui, obrigatoriamente, efeitos colaterais de verificação
praticamente certa. O agente não deseja imediatamente os efeitos colaterais,
mas tem por CERTA a sua superveniência, se concretizar o resultado
pretendido.

✅ Dolo de terceiro grau: Funciona como consequência inevitável do dolo de


2º grau.

DELITOS DE RELAÇÃO E DELITOS DE INTERVENÇÃO

71
Sobre o campo de aplicação da vitimodogmática, deve-se diferenciar os
“delitos de relação” e os “delitos de intervenção”.

DELITOS DE RELAÇÃO: São aqueles que se originam de uma determinada


relação humana ou, ao menos, foram determinados de modo decisivo por tal
relação. Para que se possa considerar que trata-se de um delito de relação, é
necessário que se produza uma confrontação atual direta entre o autor e a
vítima. Como, por exemplo, no caso de estelionato. A relação entre autor e
vítima constitui um objeto de investigação criminológica.

DELITOS DE INTERVENÇÃO: São aqueles em que o tipo delitivo não


pressupõe que a vítima participe no comportamento do autor, mas sim nos
comportamentos em que o autor “intervém” ou “acede” aos bens jurídicos
protegidos sem mediação do seu titular.

Esta diferenciação também é utilizada dentro da vitimodogmática,


concretamente, para delimitar seu âmbito de aplicação.

Segundo Winfried Hassemer, no âmbito dos delitos de relação, basta que a


vítima deixe de tomar as medidas de autoproteção normais para que desapareça
necessidade de proteção, enquanto que nos delitos de intervenção, a
necessidade de proteção permanece enquanto não seja a vítima mesma
responsável pelo risco gerado.

Qual a diferença?

72
De acordo com Winfried Hassemer, os delitos de relação são tipos
incongruentes (existem possibilidades de afetação que não são abordados pelo
preceito penal), e os delitos de intervenção são tipos congruentes (em qualquer
afetação do bem jurídico há relevância típica do acontecido).

Essas modalidades de delitos foram cobradas na primeira fase do concurso do


MPGO (2019).

Fonte: Da Autocolocação da vítima em risco e o Tráfico de Pessoas, Alessandra


Orcesi Pedro Greco.

CRIME DE CONDUTA INFUNGÍVEL

De acordo com Cleber Masson, o crime de mão-própria, é também conhecido


como crime de atuação pessoal ou de conduta infungível e é aquele que exige
uma qualidade especial do sujeito ativo, ou seja, somente podem ser praticados
pelo sujeito expressamente previsto pelo tipo penal incriminador.

Um exemplo de crime de conduta infungível seria o crime de falso testemunho,


previsto no art. 342 do CP.

CRIME AMEBA

De acordo com Cleber Masson, o crime ameba, também conhecido como crime
parasitário ou de fusão, refere-se ao crime acessório, ou seja, são

73
aqueles que dependem da prática de um crime anterior, tais como o crime de
receptação, favorecimento real e lavagem de dinheiro.

CRIME MUTILADO DE DOIS ATOS

Também conhecidos como “tipos imperfeitos de dois atos”, segundo Cleber


Masson, designam os delitos em que o agente pratica uma conduta, com a
finalidade de obter um benefício posterior. Um exemplo seria a falsificação
de documento para o cometimento de um estelionato.

A finalidade do agente far-se-á presente por meio das conjunções “para, a fim
de, com o fim de”, indicando finalidades transcendentes do tipo.

TEORIA DA COCULPABILIDADE

A Teoria da Coculpabilidade, invocada, a princípio, pelo argentino Eugenio


Raúl Zaffaroni, objetiva partilhar a responsabilidade do indivíduo que comete
um delito em determinadas circunstâncias, de modo que o agente tenha sua
culpabilidade diminuída, ou até mesmo afastada, em razão das falhas sociais e
estatais que, comprovadamente, o levaram a incorrer na atitude criminosa.

É notável a grande desigualdade social existente no Brasil, bem como a enorme


quantidade de pessoas passando fome e abaixo da linha da pobreza. Como o
Estado, ao não proporcionar condições mínimas para a sobrevivência do ser
humano, bem como diante da ausência de políticas públicas e da

74
desigualdade social vivenciada por muitos, poderia exigir conduta diversa
daquele que, em desespero, comete delitos? Tal questionamento foi feito,
inicialmente, por Marat (apud BAYER, 2013, online), que, em uma visão
extremista, “defendia que os indivíduos marginalizados da sociedade, que não
possuem seus direitos fundamentais garantidos, não são obrigados a respeitar a
lei, nem suscetíveis às suas sanções”.

A referida ideia inspirou Zaffaroni e Pierangelli (p. 545, 2019) a elaborarem a


teoria da coculpabilidade estatal, segundo os quais:

Todo sujeito age numa circunstância dada e com um âmbito de


autodeterminação também dado. Em sua própria personalidade
há uma contribuição para esse âmbito de autodeterminação, posto
que a sociedade – por melhor organizada que seja – nunca tem a
possibilidade de brindar a todos os homens com as mesmas
oportunidades.
Em consequência, há sujeitos que têm um menor âmbito de
autodeterminação, condicionado desta maneira por causas
sociais. Não será possível atribuir estas causas sociais ao sujeito
e sobrecarregá-lo com elas no momento da reprovação de
culpabilidade.
Costuma-se dizer que há, aqui, uma „coculpabilidade‟, com a
qual a própria sociedade deve arcar.

75
COCULPABILIDADE ÀS AVESSAS

Segundo a doutrina, tem-se duas perspectivas fundamentais da teoria da


coculpabilidade às avessas:

Essa linha de pensamento diz respeito à identificação crítica da seletividade do


sistema penal e à incriminação da própria vulnerabilidade (o Direito Penal
direciona seu arsenal punitivo contra indivíduos mais frágeis, normalmente
excluídos da vida em sociedade e das atividades do Estado. Por esta razão, estas
pessoas se tornam as protagonistas da aplicação da lei penal).

A coculpabilidade também envolve a reprovação penal mais severa no tocante


aos crimes praticados por pessoas de elevado poder econômico, e que abusam
desta vantagem para a execução de delitos (tributários, econômicos,
financeiros, contra administração pública), em regra prevalecendo-se das
facilidades proporcionadas pelo livre trânsito na redes de controle político e
econômico.

Cuida-se da face inversa da coculpabilidade. Se os pobres, excluídos e


marginalizados merecem um tratamento penal mais brando, porque o caminho
da ilicitude lhes era mais atrativo, os ricos e poderosos não têm razão nenhuma
para cometimento de crimes. São movidos pela vaidade, por desvios de caráter
e pela ambição desmedida, justificando a imposição da pena de modo severo.

76
A coculpabilidade às avessas não pode ser compreendida, no ordenamento
jurídico brasileiro, como agravante genérica pela falta de previsão legal, vez
que em se tratando de matéria prejudicial ao acusado, não há espaço para a
analogia em malan partem.

No entanto, o STF, na ação penal 470 (“Mensalão”) admitiu esta teoria como
circunstância judicial negativa (art. 59 CP), para aumentar a reprimenda tendo
em vista a baixa vulnerabilidade a que está exposto o integrante das elevadas
classes sociais.

RESPONSABILIDADE CIVIL NA LEGÍTIMA DEFESA


PUTATIVA

A absolvição do agente por legítima defesa putativa não impede o ajuizamento


de ação civil “ex delicto”.

As excludentes da responsabilidade civil são situações jurídicas em que a lei


aparta ao agente o dever jurídico da reparação do dano.

Assim, existem hipóteses legalmente previstas que excluem a responsabilidade


civil. A legítima defesa é uma das causas de exclusão da responsabilidade civil,
porém, apenas enquanto gênero, já que sua espécie putativa não pode ser
abrangida para tal.

77
Entende-se por legítima defesa putativa aquela empregada a partir de erro
justificado provocado pelas circunstâncias do fato (art. 23 do Código Penal),
supondo situação fática que, se existente, justificaria a legitimidade de sua ação
sob o manto de excludente de ilicitude.

Ocorre que, “a absolvição com fundamento na legítima defesa putativa não


impede a propositura da ação civil ex delicto, salvo se a repulsa resultar de
agressão do próprio ofendido. Na mesma linha, se o acusado, em legítima
defesa real, atinge terceiro inocente em virtude de erro na execução, também
deverá ser absolvido na esfera criminal, o que não afasta sua responsabilidade
na esfera civil. Nesse caso, poderá promover ação regressiva contra aquele que
deu ensejo à excludente de ilicitude, nos termos do art. 930, parágrafo único,
do Código Penal”.

Segundo Pablo Stolze, a legítima defesa putativa não isenta o seu autor da
obrigação de indenizar, pois a defesa que, mesmo aparentemente legítima, não
exclui o caráter ilícito da conduta, interferindo apenas na culpabilidade penal.
Ou seja, a conduta não deixa de ser ilícita, gerando apenas o reconhecimento
de uma causa excludente da culpabilidade, influindo, portanto, somente na
esfera penal. No cível, a vítima será ressarcida integralmente pelo dano sofrido
pelo agente.

TEORIA AGNÓSTICA DA PENA (OU TEORIA NEGATIVA)

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A teoria agnóstica da pena, do jurista argentino Eugenio Raúl Zaffaroni, coloca
em destaque a descrença nas finalidades da pena e no poder punitivo do estado,
notadamente na ressocialização (prevenção especial positiva), a qual jamais
pode ser efetivamente alcançada em nosso sistema penal.

Essa teoria sustenta que a única função efetivamente desempenhada pela pena
seria a NEUTRALIZAÇÃO do condenado, especialmente quando a prisão
acarreta em seu afastamento da sociedade.

Assim, segundo Zaffaroni, a concepção de que a pena teria funções de


retribuição e prevenção (geral e especial) seria uma falácia, servindo em
verdade para objetivos ocultos. É uma teoria agnóstica das funções reais da
pena.

O conceito de pena não é um conceito jurídico, mas sim um conceito político,


tal qual o é o da guerra. Afastando essa “legitimidade jurídica” e aproximando
a pena da ideia de ato de poder político, os seus defensores intentam conter o
poder punitivo com a potencialização de um Estado Democrático, já que
haveria margem de, politicamente, desenvolver políticas (pleonasmo
intencional) públicas calcadas no humanismo.

Zaffaroni aponta que a pena é um ato político e o direito, como limite da


política, é o parâmetro negativo da sancionabilidade, estruturando-a sob a
negação das teorias da pena e fundando-a em critérios de limitação da sanção.

79
Essa teoria tem como fundamento modelos ideais de estado de polícia e de
estado de direito. Para a teoria agnóstica da pena existe uma grande dificuldade
em acreditar que a pena possa cumprir, na grande maioria dos casos, as funções
manifestas atribuídas a ela, expressas no discurso oficial.

Logo, a pena estaria apenas cumprindo o papel degenerador da neutralização,


já que empiricamente comprovada a impossibilidade de ressocialização do
apenado. Não quer dizer que essa finalidade de ressocializar, reintegrar o
condenado ao convívio social deva ser abandonada, mas deve ser revista e
estruturada de uma maneira diferente (a reintegração social daquele que
delinquiu não deve ser perseguida através da pena).

AUTOLAVAGEM (SELFLAUDERING)

A autolavagem consiste na punição do autor da infração antecedente em


concurso material com o delito de lavagem de capitais (este considerado “crime
parasitário”).

É possível a “autolavagem” no Brasil? (Há duas correntes).

1ª CORRENTE (minoritária): Parte da doutrina assevera NÃO ser possível, de


maneira análoga ao que ocorre com o crime de receptação, do qual não podem
ser sujeito ativo o autor, coautor ou partícipe do crime antecedente, para o autor
da infração precedente o aproveitamento do produto auferido configuraria mero
exaurimento impunível, integrando-se ao próprio objetivo

80
desejado (mera optata) da atividade delituosa - Fundamento: princípio da
consunção.

2ª CORRENTE (majoritária): Prevalece, entretanto, na doutrina e na


jurisprudência (STF, Inq. 2471/SP). Isso porque, em primeiro lugar, na
legislação brasileira inexiste a “reserva de autolavagem” (prevista em alguns
países). Em segundo lugar, não se afigura possível a aplicação do princípio da
consunção, incidente nas hipóteses de pós fato impunível. Ora, a ocultação do
produto da infração antecedente pelo seu autor configura lesão autônoma,
contra sujeito passivo distinto, através de conduta não compreendida como
consequência natural e necessária da primeira. Desse modo, para essa corrente,
o crime de lavagem de capitais não é mero exaurimento da infração
antecedente.

O STF tem precedentes no sentido de que o crime de lavagem de capitais não


funciona como mero exaurimento da infração antecedente, já que a Lei
9.613/98 não exclui a possibilidade de que o ilícito penal antecedente e a
lavagem de capitais subsequente tenham a mesma autoria, sendo aquela
independente em relação a esta (cf.: Inq. 2.471/SP, Plenário, rel. Min. Ricardo
Lewandowski, 29.09.2011). Precedentes que entendem que a lavagem de
dinheiro é crime autônomo, não se constituindo em mero exaurimento da
infração penal: STF (HC 92.279/RN, 2ª Turma, rel. Min. Joaquim Barbosa, j.
24.06.2008, DJe 18.09.2008) e STJ (REsp n. 1.234.097/PR, 5ª T., rel. Min
Gilson Dipp, j. 03.11.2011, DJe 17.11.2011).

81
JUSTIÇA PENAL NEGOCIAL

O tema está inserido no contexto dos sistemas jurídico-penais contemporâneos


e tem se expandido no âmbito da justiça criminal brasileira, sobretudo a partir
da introdução de mecanismos negociais, como o instituto da barganha, da
delação premiada (colaboração processual nas palavras do examinador
Eduardo Araujo da Silva36) e daqueles trazidos pela Lei 9.099/95, quais sejam,
a transação penal e a suspensão condicional do processo.

Em linhas gerais, a justiça negocial é um modelo que se pauta pela aceitação


(consenso) de ambas as partes – acusação e defesa – a um acordo de
colaboração processual com o afastamento do réu de sua posição de resistência,
em regra impondo encerramento antecipado, abreviação, supressão integral ou
de alguma fase do processo, fundamentalmente com o objetivo de facilitar a
imposição de uma sanção penal com algum percentual de redução, o que
caracteriza o benefício ao imputado em razão da renúncia ao devido transcorrer
do processo penal com todas as garantias a ele inerentes. Tal modelo trabalha
a ideia de respostas cada vez menos retributivas (no sentido meramente
punitivo) e mais construtivas (reparadoras).

A partir do exemplo da plea bargaining observada na Justiça dos EUA, maior


referência em termos de justiça penal negocial, são três os requisitos de
admissibilidade construídos doutrinaria e jurisprudencialmente:

82
a) voluntariedade, ou seja, que o acordo não seja induzido por violência
física real ou ameaçada ou por coerção mental que vicie a vontade do
acusado;

b) inteligência, ou seja, o réu deve ter conhecimento de sua situação


perante a imputação formulada e os fatos descritos pelo acusador, além
das consequências de seu ato de aceite à barganha, tanto em relação aos
direitos a que renuncia quanto às punições que a ele serão impostas, além
de seus efeitos colaterais;

c) adequação, isto é, necessidade da existência de uma base fática que


ampare o reconhecimento da culpabilidade pelo réu.

Alvo de algumas críticas, a Resolução 181/2017 do CNMP (alterada pela Res.


183), prevê expressamente o acordo de não persecução penal, trazendo todos
os seus requisitos no art. 18. Ressalte-se que a constitucionalidade da referida
Resolução está sendo questionada no STF através das ADI‟s 5790 e 5793.

Não se trata de ativismo Ministerial.

A Justiça penal negocial apresenta um cenário rápido e eficaz de resolução do


conflito e respeita tanto os direitos e garantias do acusado quanto da sociedade,
com base na razoável duração do processo e na atual impossibilidade de uma
resposta rápida por parte do Judiciário.

83
CONTROLE DE EVIDÊNCIA DA LEI PENAL

Por ser a pena a forma de intervenção estatal mais severa no âmbito de liberdade
individual, devem o direito penal e o processual penal revestir-se de maiores
garantias materiais e processuais.

Pela mesma razão, o controle de constitucionalidade em matéria penal deve ser


realizado de maneira mais rigorosa do que aquele destinado a averiguar a
legitimidade constitucional de outros tipos de intervenção legislativa em
direitos fundamentais dotados de menor potencial ofensivo.

Significa dizer que quanto mais intensa a intervenção legislativa penal em um


direito fundamental, mais intenso deve ser o controle de sua
constitucionalidade.

Na jurisprudência alemã podem ser distinguidos 3 (três) níveis ou graus de


intensidade do controle de constitucionalidade de leis penais: a) controle de
evidência; b) controle de sustentabilidade ou justificabilidade; c) controle
material de intensidade.

No controle de evidência, o controle de constitucionalidade realizado pelo


Tribunal deve reconhecer ao legislador uma ampla margem de avaliação,

84
valoração e conformação quanto às medidas eficazes e suficientes para a
proteção do bem jurídico.

Daí se infere que a norma somente poderá ser declarada inconstitucional


quando as medidas adotadas pelo legislador são visivelmente inidôneas para a
efetiva proteção desse bem jurídico, ou seja, incompatível com os objetivos
perseguidos pela política criminal.

Por sua vez, o controle de sustentabilidade ou de justificabilidade está orientado


a verificar se a decisão legislativa foi tomada após uma apreciação objetiva e
justificável de todas as fontes de conhecimento disponíveis no momento da
promulgação da lei. No âmbito desse controle de sustentabilidade ou de
justificabilidade, assumem especial relevo as técnicas procedimentais postas à
disposição do Tribunal e destinadas à verificação dos fatos e prognoses
legislativos, como a admissão de amicus curiae e a realização de audiências
públicas, previstas em nosso ordenamento jurídico pela Lei 9.868/99.

Por fim, o controle material de intensidade aplica-se às intervenções legislativas


que, por afetarem intensamente bens jurídicos de extraordinária importância,
como a vida e a liberdade individual, devem ser submetidas a um controle mais
rígido por parte dos Tribunais Constitucionais, com base no princípio da
proporcionalidade em sentido estrito. Dessa forma, quando evidente a grave
afetação de bens jurídicos fundamentais de suma relevância, poderão os
Tribunais desconsiderar as avaliações e valorações fáticas realizadas pelo
legislador para então fiscalizar se a intervenção no direito

85
fundamental em causa está devidamente justificada por razões de
extraordinária importância.

Em suma, os Tribunais examinarão se a medida legislativa interventiva em


dado bem jurídico é necessariamente obrigatória, do ponto de vista da
Constituição, para a proteção de outros bens jurídicos igualmente relevantes.

Ao examinar a questão envolvendo a tipicidade da conduta de portar arma de


fogo desmuniciada (HC 104.410), o STF entendeu que "a criação de crimes de
perigo abstrato não representa, por si só, comportamento inconstitucional por
parte do legislador penal. A tipificação de condutas que geram perigo em
abstrato, muitas vezes, acaba sendo a melhor alternativa, ou a medida mais
eficaz, para proteção de bens jurídico-penais supra-individuais ou de caráter
coletivo, como o meio ambiente, por exemplo. A antecipação da proteção penal
em relação à efetiva lesão torna mais eficaz, em muitos casos, a proteção do
bem jurídico. Portanto, pode o legislador, dentro de suas amplas margens de
avaliação e de decisão, definir quais as medidas mais adequadas e necessárias
para a efetiva proteção de determinado bem jurídico, o que lhe permite escolher
espécies de tipificação próprias de um direito penal preventivo. Apenas a
atividade legislativa que, nessa hipótese, transborde os limites da
proporcionalidade, poderá ser tachada de inconstitucional. Cabe ao Supremo
Tribunal Federal exercer o controle de constitucionalidade dessa atividade
legislativa em matéria penal, de acordo com os parâmetros a seguir delineados
[controle exigente de constitucionalidade das leis penais]".

86
GARANTISMO HIPERBÓLICO MONOCULAR

Não há como compreender esse “movimento garantista” sem assinalar a


relevância dos estudos e obra do professor italiano Luigi Ferrajoli, para quem
o garantismo nada mais seria do que a observância de direitos e proteções
previstos na Constituição, mormente durante toda a persecução penal e
também na interpretação e aplicação de normas criminais.

Para o professor, a Constituição não poderia ser compreendida de maneira


exclusivamente normativa, mas sim deveria viabilizar a produção do seu
conteúdo formador, do seu ideal e modelo de sociedade desejado, inclusive na
seara punitiva-penal.

Nesse contexto, para que as sanções possam se legitimar democraticamente, o


Estado precisa respeitar os Direitos Fundamentais, apoiando-se em uma cultura
igualitária e sujeita à verificação de suas motivações, porque o poder estatal
deve ser limitado, a saber, somente pode fazer algo quando expressamente
autorizado.

Há quem entenda que é necessária a classificação do garantismo em (i)


garantismo positivo e (ii) garantismo negativo. No momento, vale anotar que
essa dicotomia é pautada a partir de compreensões extraídas do princípio da
proporcionalidade. É que, a partir desse postulado interpretativo, indica-se o
garantismo negativo como aquele que traz ínsita a proibição do excesso.

87
Contudo, parte da doutrina processual penal entende que está havendo uma
desvirtuação da concepção garantista, flertando com a defesa da impunidade.

Assim, entendeu-se necessário também trabalhar com a concepção “positiva”


do garantismo, fulcrada na proibição da proteção deficiente. O sistema de
proteção dos direitos fundamentais se expressa em proteção negativa (proteção
do indivíduo frente ao poder do Estado) e proteção positiva (proteção, por meio
do Estado, dos direitos fundamentais contra ataques e ameaças provenientes de
terceiros). Pelo princípio da proibição de proteção insuficiente (proibição de
não-suficiência ou proibição por defeito), o Estado também será omisso quando
não adota medidas suficientes para garantir a proteção dos direitos
fundamentais.

O ministro do STF e eminente constitucionalista Gilmar Mendes, refletindo


sobre o tema, já apontou que “os direitos fundamentais não contêm apenas uma
proibição de intervenção [...], expressando também um postulado de proteção
[...]. Haveria, assim, para utilizar uma expressão de Canaris, não apenas uma
proibição do excesso (Übermassverbot), mas também uma proibição de
omissão (Untermassverbot). Nos termos da doutrina e com base na
jurisprudência da Corte Constitucional alemã, pode-se estabelecer a seguinte
classificação do dever de proteção: [...] (b) Dever de segurança [...], que impõe
ao Estado o dever de proteger o indivíduo contra ataques de terceiros mediante
adoção de medidas diversas; [...] Discutiu-se intensamente se haveria um
direito subjetivo à observância do dever de proteção ou, em outros termos, se
haveria um direito fundamental à proteção. A Corte Constitucional acabou por
reconhecer esse direito, enfatizando que a não-

88
observância de um dever de proteção corresponde a uma lesão do direito
fundamental previsto no art. 2, II, da Lei Fundamental.”

O professor e Procurador da República Douglas Fischer (examinador dos


últimos concursos para ingresso no MPF) vem trabalhando incisivamente o
tema, a partir dessa noção de proteção positiva e negativa (garantismo integral)
com uma crítica ao que ele chama de GARANTISMO HIPERBÓLICO
MONOCULAR.

No entender do professor, a exacerbação do discurso garantista “unilateral” ou


monocular, atento “apenas” ao aspecto da proibição do excesso, tem
desvirtuado a garantia de uma imunidade às arbitrariedades, concebendo uma
equivocada a garantia (potencial) de impunidade.

Afirma, pois, que “tem havido uma disseminação de uma ideia apenas parcial
dos ideais garantista (daí nos referirmos a um garantismo hiperbólico
monocular) é porque muitas vezes não se tem notado que não estão em voga
(reclamando a devida e necessária proteção) exclusivamente os direitos
fundamentais, sobretudo os individuais. Se compreendidos sistemicamente e
contextualizados à realidade vigente, há se ver que os pilares do garantismo não
demandam a aplicação de suas premissas unicamente como forma de afastar os
excessos injustificados do Estado à luz da Constituição (proteção do mais
fraco). Quer-se dizer que não se deve invocar a aplicação exclusiva do que se
tem chamado de garantismo negativo. (...) O dever de garantir a segurança não
está em apenas evitar condutas criminosas que atinjam direitos fundamentais
de terceiros, mas também (segundo pensamos) na devida

89
apuração (com respeito aos direitos dos investigados ou processados) do ato
ilícito e, em sendo o caso, na punição do responsável”.

RESUMINDO O TEMA: A partir da mais difundida classificação de


garantismo à luz da (i) proibição do excesso e da (ii) proibição da proteção
deficiente, parte da doutrina aponta que o tratamento dado majoritariamente no
direito brasileiro por uma linha penalista ao garantismo tem como foco
exclusivo e exacerbado o chamado “garantismo negativo”. Desse modo, em
contraposição ao garantismo INTEGRAL, passou-se apontar e criticar a ideia
do garantismo hiperbólico monocular. Diz-se hiperbólico uma vez que ele
estaria sendo aplicado de maneira ampliada, intensa desproporcional e/ou
hiperbolizada! Ademais, seria também MONOCULAR já que somente estaria
enxergando os direitos fundamentais do réu. Nessa ideia, não há uma análise
refratária ao garantismo, mas sim a defesa da sua integralidade, também no viés
positivo, visando a resguardar não apenas os direitos fundamentais dos réus e
investigados, como também das vítimas.

GARANTISMO PENAL INTEGRAL

A expressão “garantismo penal integral” foi cunhada por Douglas Fischer para
demonstrar que o garantismo à luz da hermenêutica constitucional, com seus
consectários reflexos no Direito Penal e Processual Penal, tutela não apenas os
direitos individuais dos acusados, investigados ou processados na esfera
criminal, devendo valorar todos os direitos e deveres previstos na
Constituição.

90
Isso porque, os direitos fundamentais não preveem apenas uma proibição de
intervenção (proibição de excesso), mas também uma vedação à omissão
(proibição da proteção deficiente, proibição da proteção insuficiente).

Assim, o garantismo penal integral ou proporcional é aquele que assegura os


direitos do acusado, não permitindo violações arbitrárias, desnecessárias ou
desproporcionais, e, por outro lado, assegura a tutela de outros bens jurídicos
relevantes para a sociedade, em consonância com as duas vertentes do princípio
da proporcionalidade (proibição do excesso e da proteção insuficiente).

O garantismo divide-se em:

Garantismo negativo: visa frear o poder punitivo do Estado, ou seja, refere-


se à proibição do excesso. Trata-se de um modelo normativo que obedece à
estrita legalidade voltado a minimizar a violência e maximizar a liberdade,
impondo limites à função punitiva do Estado.

Garantismo positivo: visa fomentar a eficiente intervenção estatal, ou seja,


refere-se à proibição da intervenção estatal insuficiente (deficiente), bem como
evitar a impunidade. Assegura a proteção aos bens jurídicos de alta relevância
social.

91
Fonte: FISCHER, Douglas. Garantismo penal integral e o princípio da
proporcionalidade: breves anotações de compreensão e aproximação dos seus
ideais.Revista de Doutrina da 4a Região, Porto Alegre, n.28, mar. 2009.
Disponível em:
https://www.revistadoutrina.trf4.jus.br/index.htm?https://www.revistadoutrina
.trf4.jus.br/artigos/edicao028/douglas_fischer.html/

CRIMES CIBERNÉTICOS

Sabe-se que os crimes cibernéticos possuem nomenclaturas múltiplas, ora são


chamados de crimes eletrônicos, ciber crimes, fato é são crimes praticados em
ambiente virtual.

Neste tom, utilizando-se do conceito analítico finalista de crime, pode se chegar


à conclusão de que crimes cibernéticos são todas as condutas típicas,
antijurídicas e culpáveis praticadas contra ou com a utilização dos sistemas da
informática.

Registre-se, ainda, que os crimes cibernéticos podem ser puros (O agente


objetiva atingir o computador, o sistema de informática ou os dados e as
informações neles utilizadas. – ex: vírus Melissa em 1999 e o furto de dados de
usuários Playstation Network em 2011 – que somados deram um prejuízo de
milhões); ainda podem ser classificados como mistos (O agente não visa o
sistema de informática e seus componentes, mas a informática é instrumento
indispensável para consumação da ação criminosa. Ocorre, por exemplo, nas

92
transferências ilícitas de valores em uma home-banking.); comuns (são aqueles
que utilizam a Internet apenas como instrumento para a realização de um delito
já tipificado pela lei penal. Se antes, por exemplo, a pornografia infantil era
instrumentalizada através de vídeos e fotografias, hodiernamente, se dá através
das home-pages. Mudou-se a forma, mas a essência do crime permanece a
mesma.), ainda podem ser próprios (são aqueles que em que o sistema
informático do sujeito passivo é o objeto e o meio do crime) e impróprios
(seriam aqueles que atingem um bem jurídico comum, como o patrimônio, e
utilizam dos sistemas informáticos apenas como meio de execução), este último
com alguma polêmica na doutrina.

No que concerne a competência para o processamento e julgamento dos crimes


desta natureza, A Convenção Sobre Cibercrime (2001), em seu art. 22, deixa a
critério das partes a “jurisdição mais apropriada para o procedimento legal.”
Assim, não há um entendimento internacional uniforme a respeito da
competência dos crimes cibernéticos.

E, em regra, a competência para julgar crimes cibernéticos será da Justiça


Comum Estadual, todavia lembre- se que o inciso V do artigo 109 da
Constituição determina que os crimes previstos em tratado ou convenção
internacional, quando iniciada a execução no país o resultado tenha ou devesse
ter ocorrido no estrangeiro, serão de competência da Justiça Federal, por
exemplo: art. 241 do ECA e a lei 7.716/89, quando praticados pela internet
serão julgados pela Justiça Federal.

93
Quanto a autoria de crimes desta natureza, sabendo-se que na rede de
computadores, não é possível identificar o usuário visualmente ou através de
documentos, mas é possível identificar o endereço da máquina que envia as
informações à rede. Ou seja, o IP da máquina – identificação própria da
máquina que acessa a internet; quanto à materialidade de crimes desta natureza,
assevera-se tratar-se de evidências voláteis, porém utilizando-se dos
instrumentos legislativos disponíveis é possível operar o parágrafo único do art.
1o da lei 9296/96, que estendeu a interceptação telefônica às comunicações
informática e telemáticas.

TENDÊNCIA “VORVERLAGERUNG”

A tendência “vorverlagerung” é uma forma de criminalização antecipada da


conduta em razão do perigo abstrato aos interesses tutelados. Esse instituto
se aplica, entre outros, aos crimes ambientais como uma antecipação da barreira
penal, visando salvaguardar o meio ambiente, ou seja, por meio dessa tendência
antecipa-se a tutela penal almejando evitar o risco maior ao bem jurídico
protegido pela norma.

A expressão alemã “vorverlagerung” significa deslocamento para frente. Logo,


a tendência “vorverlagerung” seria uma tendência de deslocamento para frente
de uma ação relevante para o Direito Penal em forma de antecipação da tutela
penal.

94
O assunto está lugado à antecipação da tutela penal (Esse tema já foi cobrado
no concurso de Delegado de Polícia de SP). Significa a antecipação da
criminalização penal de atos preparatórios, crimes de perigo abstratos, crimes
de mera conduta, punição da tentativa, entre outros, para proteger os bens
jurídicos - evitando ou ao menos inibindo pela coação abstrata de o legislador
evitar que a conduta de fato venha se materializar com repercussões
substanciais.

Sobre a punição de atos preparatórios, insta salientar dois pontos:


primeiramente, a antecipação de tutela penal, por meio de criminalização dos
crimes-obstáculos é excepcional (só se justifica quando se estiver diante de
bens de categoria muito elevada e, ainda assim, desde de que a descrição
realizada na conduta típica seja inequívoca.

Em segundo lugar, com a Lei Antiterrorismo (Lei 13.260/16), em seu art. 5º,
antecipou a tutela do Direito Penal para efetivamente punir atos preparatórios
de terrorismo!! Não se exige a prática de nenhum ato de execução. Basta a
realização de um ato preparatório para autorizar a punição do responsável pela
violação da norma penal.

CONSCIÊNCIA DISSIDENTE

São reconhecidas pela maioria da doutrina causas supralegais de exclusão da


culpabilidade. Por serem supralegais, não há um rol taxativo destas causas,

95
mas a doutrina acaba por elencar algumas, sem que isso signifique, no entanto,
a impossibilidade de que outras venham a ampliar este rol.

René Ariel Dotti refere-se à existência de quatro grupos de causas legais de


exculpação: cláusula de consciência, provocação de legítima defesa,
desobediência civil e conflito de valores.

A cláusula de consciência, diz Juarez Cirino dos Santos, constitui a


experiência existencial de um sentimento interior de obrigação incondicional,
cujo conteúdo não pode ser valorado como certo ou errado pelo juiz, que deve
verificar, exclusivamente, a correspondência entre decisão exterior e
mandamentos morais da personalidade.

Desse modo, a exclusão de culpabilidade em tal circunstância somente será


reconhecida para a isenção de pena se houver a proteção concreta do bem
jurídico por uma alternativa neutra. Assim, a recusa do pai à necessária
transfusão de sangue no filho menor, por motivos religiosos, é suprida por
determinação do Curador de Menores, ou pela ação do médico, sob estado de
necessidade; a recusa do médico, por motivo de consciência, de realizar o
aborto necessário, é suprida pela ação de outro médico etc.

Em nenhuma hipótese o fato de consciência exculpa a efetiva lesão de bens


jurídicos individuais fundamentais – como a vida por exemplo – porque a
omissão salvadora privaria a vítima de todos os direitos: os pais deixam
morrer o filho menor porque sua consciência religiosa impede transfusão de
sangue; o médico deixa morrer a paciente, porque sua

96
consciência pessoal não permite realizar o aborto‟ (Direito Penal, parte geral,
2a ed., p. 337).

A cláusula de consciência é tratada por Eugenio Raul Zaffaroni e por José


Henrique Pierangeli sob a denominação de consciência dissidente, sendo, para
eles, uma das hipóteses que poderá redundar no erro de compreensão e, e,
consequentemente, na inculpabilidade.

Seriam exemplo de cláusula de consciência (consciência dissidente) trazidos


pela doutrina a recusa de prestação de serviço militar, a recusa de transfusão de
sangue no filho, por motivos religioso, o médico que deixa de salvar a vida da
gestante em perigo por recusar-se a fazer o aborto, etc.

A consciência dissidente relaciona-se com o direito penal militar, exatamente


no cometimento de eventual crime de insubmissão (CPM, art. 183). Em que
pese a obrigatoriedade do serviço militar inicial (CF, art. 143, § 1o), o
constituinte assegurou aos que alegarem imperativo de consciência decorrente
de crença religiosa, e de convicção filosófica ou política para se eximirem das
atividades de caráter essencialmente militar, a prestação de serviço alternativo.
Ou seja, os objetores de consciência podem eximir-se das atividades de caráter
essencialmente militares, mas estarão obrigados a prestar o serviço alternativo,
sob pena de cessação dos direitos políticos, nos termos do art. 15, inciso IV, c/c
art. 5o, VIII, da Carta Magna. Prestando o serviço alternativo, deixam de prestar
o serviço militar inicial, sem incorrer no crime de insubmissão. Convocados a
prestar o serviço militar e não se apresentando

97
na organização militar que lhes for designada, por objeção de consciência não
informada durante o alistamento militar, incorrem no crime de insubmissão.

Assim, os objetores de consciência – aqueles que estão albergados pela cláusula


de consciência ou consciência dissidente – podem, em razão de suas convicções
recusar-se a prestar o serviço militar inicial em armas. A proteção do bem
jurídico tutelado – serviço militar – será realizada pela denominada alternativa
neutra, que no caso é a prestação do serviço alternativo.

TEORIA DO “SETE W DOURADOS DA CRIMINALÍSTICA”

Entre os requisitos da denúncia está a necessidade de o fato imputado ao réu


contar todas as suas circunstâncias.

De todos os requisitos da denúncia, este, sem dúvida, é o que merece maiores


cuidados no seu trato. Na verdade, de acordo com o princípio da livre dicção
do direito, o juiz julga o fato e isto resulta bem claro da leitura do art. 383 do
CPP.

Por outro lado, o réu se defende da imputação de fato determinado contido na


denúncia e não da classificação dada pelo Ministério Público àquele mesmo
fato. Desde que o fato esteja perfeitamente descrito na petição inicial, o juiz
poderá, no momento oportuno, proceder à corrigenda do libelo (emendatio
libelli).

98
Pode-se dizer que a causa petendi é a ratio do pedido de condenação ou de
pronúncia. É a pedra de toque da denúncia ou da queixa.

Perfeitamente válida, ainda em nossos dias, a lição deste grande erudito que foi
João Mendes de Almeida Junior, a respeito dos requisitos que a petição inicial
deve conter. Vale enunciá-los: a pessoa que praticou o fato (quis), os meios
empregados (quibus auxiliis), o malefício causado (quid), os motivos (cur), a
maneira como foi praticado (quomodo), o lugar (ubi) e o tempo (quando).
Fórmula esta correspondente aos “Sete W dourados da criminalística” da
doutrina alemã.

A narração do fato, segundo boa doutrina, deve ser sucinta. Mas há fatos e
fatos, casos e casos; dessa forma, nem sempre a denúncia poderá ser breve.
Nesse ponto, não se pode estabelecer uma regra absoluta, pois o caso concreto
é que irá ditar o caminho a seguir. Comumente, pode-se dizer, sem medo de
errar, que não se exige uma denúncia extensa. Mas hipóteses haverá em que a
denúncia terá que, necessariamente, merecer ampliação, pena de comprometer
a imputação.

Na ocasião, encontra significado a observação no sentido de que, concluída


a instrução criminal, o Ministério Público terá o ensejo de analisar todo o
processo, concretizando-se ou não sua postulação no objetivo de obter a
condenação ou a absolvição do réu (art. 385 do CPP). Para tanto, dispõe do
prazo de alegações finais, sejam elas escritas, sejam elas orais.

99
O sobreleva, nesta fase, é a clareza da petição inicial, seja ela sucinta ou não.
Importa, isto sim, que ela propicie ao réu conhecer plenamente a acusação de
maneira a exercer a ampla defesa.

Desse modo, a data e o lugar do fato devem estar narrados, embora, por si sós,
ainda que ausentes, não devam invalidar a acusação, desde que perfeitamente
indicados na peça de informação que lhe serviu de lastro. Poderão ser corrigidos
(ou supridos, no caso de omissão) até a sentença final (art. 569, CPP). Bem
pode ocorrer que não se possa precisar um deles ou ambos. Porém, sempre que
possível, integrarão uma cuidadosa denúncia, pois revestem importância para a
fixação da prescrição ou da decadência (data) ou para a determinação da
competência de foro (lugar).

100
CAPÍTULO 02

Direito
PROCESSUAL
PENAL
101
PROCESSO PENAL
DOUTRINA DO “NÃO PRAZO”

A Constituição Federal e o próprio Código de Processo Penal não fixaram


limites de duração do processo. Dessa forma, apenas a prescrição seria um
limitador da razoável duração processual, não havendo outros meios idôneos
para garantir esse direito fundamental. Diante disso, o sistema brasileiro adotou
a “Doutrina do Não Prazo”.

Denilson Feitoza, ao explicar a teoria, elucida que: O prazo razoável de duração


do processo penal não se mede em dias, semanas, meses ou anos, mas sim deve
ser estabelecido em processo posterior (ex post iudicium), de conformidade
com uma combinação de critérios que permitirão deduzir a razoabilidade ou
não da duração do processo em seu conjunto.

Não obstante o fato do Código de Processo Penal fazer referências a diversos


limites de duração dos atos, isso não retira a crítica aqui imposta, uma vez que
são prazos sem sanção. Portanto, “não prazo” significa, simplesmente, dizer:
ausência de prazos processuais com sanção pelo descumprimento.

Em síntese, o art. 5º, LXXVIII, da Constituição Federal adotou a doutrina do


não prazo, fazendo com que exista uma indefinição de critérios e conceitos.

102
Na lição de Aury Lopes Jr., para aferir a razoabilidade processual, 4 deverão
ser os referenciais adotados pelos tribunais brasileiros, a exemplo do que já
acontece nos TEDH e na CADH: complexidade do caso; atividade processual
do interessado (imputado), que obviamente não poderá se beneficiar de sua
própria demora; a conduta das autoridades judiciárias como um todo (polícia,
Ministério Público, juízes, servidores etc.); princípio da razoabilidade.

Outrossim, Denilson Feitoza demonstra em sua obra os critérios adotados para


deduzir a razoabilidade da duração do processo penal, tais como: “gravidade
do fato, duração efetiva do processo, complexidade da prova, atitude das
autoridades encarregadas da persecução penal e a própria conduta do acusado
em relação aos atrasos do processo”.

Não tendo ainda claros limites temporais em nosso ordenamento, os modelos


citados pelos professores representam uma grande evolução, embora não sejam
ainda os mais adequados.

CRIPTOIMPUTAÇÃO

O art. 41 do CPP traz alguns regramentos básicos (requisitos) exigidos para a


oferta de ação penal, entre os quais a exposição do fato criminoso com todas as
suas circunstâncias, sob pena de inépcia e consequente não recebimento da peça
acusatória (art. 395 CPP).

103
Essa previsão se justifica diante da necessidade de observância do postulado da
ampla defesa, que não restaria cumprido acaso, da leitura da inicial acusatória,
não se compreendesse razoavelmente os fatos que estão sendo atribuídos à
autoria do réu.

Em outras palavras, quando a exordial penal estiver contaminada com


grave deficiência na narrativa dos fatos imputados (sério descumprimento
ao art. 41 do CPP), haveria uma petição inicial “gravemente inepta” ou, como
prefere parte da doutrina processualista, estamos diante de uma
criptoimputação.

Naturalmente, a doutrina faz uma analogia à criptografia, ou seja, aquela


linguagem codificada, truncada, incompreensível ao leitor comum. Essa
expressão é utilizada, entre outros, pelos professores Hugo Mazzilli e Antonio
Scarance Fernandes.

Esse tema foi cobrado no 57º concurso do Ministério Público de Goiás.

LIBERDADE PROVISÓRIA OBRIGATÓRIA

Há hipóteses em que a liberdade provisória é obrigatória, ou seja, não poderá


ser negada, sendo obrigatório seu deferimento. No sistema pré-2011 falava-se
em hipóteses em que o réu “se livra solto”.

104
Parte da doutrina entende ser possível, ainda hoje, utilizar-se desta
nomenclatura, muito embora a maioria da doutrina a rejeite, dada a alteração
na redação do antigo art. 321 do CPP (Art. 321. Ressalvado o disposto no art.
323, III e IV, o réu livrar-se-á solto, independentemente de fiança: I – no caso
de infração, a que não for, isolada, cumulativa ou alternativamente, cominada
pena privativa de liberdade; II – quando o máximo da pena privativa de
liberdade, isolada, cumulativa ou alternativamente cominada, não exceder a
três meses).

O sentido da expressão “livrar-se solto” continua presente: a pessoa é presa em


flagrante, encaminhada até a delegacia de polícia, mas não é feita a prisão
detenção, devendo o sus- peito ser liberado pela autoridade policial.

Aliás, o termo “livrar-se solto” continua previsto no art. 304, § 1.o do CPP.

Em nosso sistema há três hipóteses de liberdade provisória obrigatória:

a) Art. 69, parágrafo único da Lei 9.099/1995 – trata-se do Juizado


Especial Criminal. O autor do fato deverá ser indagado pela autoridade
policial se concorda em comparecer à audiência preliminar a ser
designada perante o Juizado Especial Criminal. Caso concorde não se
imporá a prisão em flagrante, devendo ser obrigatoriamente liberado.

b) Art. 301 da Lei 9.503/1997 – nos crimes envolvendo o Código de


Trânsito Brasileiro, ao condutor de veículo, nos casos de acidentes de

105
trânsito de que resulte vítima, não se imporá a prisão em flagrante, nem
se exigirá fiança, se prestar pronto e integral socorro àquela.
Há quem veja nesta hipótese violação da proteção constitucional contra
a proibição de produção de prova contra si mesmo. No entanto, há
divergência na doutrina; prevalece que se trata de sanção premial
imposta pelo Estado para as hipóteses em que haja o cumprimento do
dever de solidariedade existente entre todos os membros da sociedade.
Inconstitucional seria o dispositivo se dispusesse sanção negativa por
violação deste dever, mas sanção premial não pode ser entendida de
maneira inconstitucional.

c) Art. 48, § 3.o, da Lei 11.343/2006 – Nos casos envolvendo infração do


art. 28 da Lei 11.343/2006, não se imporá a prisão em flagrante (Art.
48, § 2o Tratando-se da conduta prevista no art. 28 desta Lei, não se
imporá prisão em flagrante, devendo o autor do fato ser imediatamente
encaminhado ao juízo competente ou, na falta deste, assumir o
compromisso de a ele comparecer, lavrando-se termo circunstanciado e
providenciando-se as requisições dos exames e perícias necessários)”.

DESPRONÚNCIA

De acordo com o Professor Luiz Flávio Gomes, trata-se a “despronúncia” da


reforma da decisão de pronúncia, quando do julgamento do recurso em sentido
estrito. A pronúncia é alterada para impronunciar o réu. Isso se chama
despronúncia.

106
O juiz inicialmente concluiu pela existência de indícios suficientes para levar o
acusado ao julgamento pelo plenário, mas diante do recurso da parte passiva
(réu) advém decisão alterando o entendimento primário para considerar que não
existem provas sobre os elementos necessários para a pronúncia.

Neste sentido, julgamento da 6ª Turma do STJ no REsp 1.010.570/DF


(16/11/2010), relatado pela Min. Maria Thereza de Assis Moura:

RECURSO ESPECIAL. DESPRONÚNCIA. AUSÊNCIA DE


ELEMENTOS INDICIÁRIOS DA AUTORIA. MATÉRIA
PROBATÓRIA. SÚMULA 7. A Corte de origem, ao desvendar a
inexistência de indícios mínimos de autoria, tornou a controvérsia
somente apurável em nível de cotejo probatório, o que recomenda
a aplicação da Súmula 7 desta Corte. Não se é de verificar a
prevalência do princípio do in dubio pro societate, no juízo de
pronúncia, se nem ao menos restaram comprovados indícios
suficientes de autoria, circunstância a ser considerada para
permitir a despronúncia. Recurso não conhecido.

Existem duas possibilidades de despronúncia:


(a) o juiz, em razão do juízo de retratação inerente ao RESE, volta atrás e
despronuncia;
(b) o Tribunal, ao julgar o RESE, reforma a decisão de pronúncia para
impronunciar o réu (ou seja, para despronunciar).

107
Esse tema (despronúncia) foi cobrado na segunda fase do concurso do
MPSC/2019.

DECISÕES SUICIDAS, VAZIAS E AUTOFÁGICAS

Renato Brasileiro dispõe sobre as decisões suicidas, vazias e autofágicas (esta


última já foi cobrada no MPGO).

A) DECISÃO SUICIDA: é aquela cujo dispositivo (ou conclusão)


contraria sua fundamentação, sendo, portanto, considerada nula, a não
ser que o vício seja sanado pelo órgão jurisdicional em virtude da
interposição de embargos declaratórios.

B) DECISÃO VAZIA: são aquelas decisões passíveis de anulação por falta


de fundamentação. Diante da ausência de motivação do ato jurisdicional,
é possível o reconhecimento de sua nulidade absoluta.

Com o advento da lei 13.964/2019 foi acrescido no CPP uma nova


hipótese de nulidade (art. 564, inciso V), qual seja: a decisão carente
de fundamentação.
Em verdade, nota-se que o legislador apenas realizou a adequação da
nova hipótese de nulidade com o já previsto na Constituição Federal, no
artigo 93, inciso IX:
“todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e
fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a

108
lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus
advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do
direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse
público à informação”.

C) DECISÃO AUTOFÁGICA: são aquelas em que há o reconhecimento


da imputação, mas o juiz acaba por declarar extinta a punibilidade, a
exemplo do que ocorre com o perdão judicial.

LIMITAÇÃO DA MANCHA PURGADA (VÍCIOS SANADOS


OU TINTA DILUÍDA)

De acordo com essa teoria, não se aplica a teoria da prova ilícita por derivação
se o nexo causal entre a prova primária e a secundária foi atenuado em razão
do decurso do tempo, da vontade de um dos envolvidos em colaborar com a
persecução criminal, das circunstâncias supervenientes na cadeia probatória ou
da menor relevância da ilegalidade.

Nesse caso, apesar de já ter havido a contaminação de um determinado meio de


prova em face da ilicitude ou ilegalidade da situação que o gerou, um
acontecimento futuro EXPURGA, AFASTA, ELIDE esse vício, permitindo-
se, assim, o aproveitamento da prova inicialmente contaminada.

Os Tribunais de Superposição (STF e STJ) não têm adotado, até o presente


momento, a limitação da mancha purgada.

109
Entretanto, parte da doutrina entende que esta teoria foi positivada com a
reforma processual, ao dispor-se, no p. 1º do art. 157, CPP que é admissível a
prova ilícita por derivação quando não evidenciado o nexo causal entre umas e
outras. Logo, ao se referir à ausência de nexo de causalidade entre prova ilícita
originária e prova subsequente, pode-se daí extrair a adoção da referida teoria.

Qual a diferença com a teoria da fonte independente? Na teoria da fonte


independente, o nexo causal entre as provas é atenuado em razão da
circunstância de a prova secundária possuir existência independente da prova
primária, ao passo que na teoria da mancha purgada, o lapso temporal decorrido
entre a prova primária e a secundária, as circunstâncias intervenientes na cadeia
probatória, a menor relevância da ilegalidade ou a vontade em colaborar com a
persecução penal atenuam a ilicitude originária, expurgando qualquer vício que
possa recair sobre a prova secundária.

RECURSO INVERTIDO

De acordo com Leonardo Barreto, o recurso invertido ocorre quando o


magistrado, no juízo de retratação, reforma a sua decisão, resultando em
sucumbência à parte até então recorrida, que contra esta nova decisão interpõe
um outro recurso, passando a atuar como recorrente. É o exemplo do que se
verifica no art. 589 CPP para o RESE.

110
De acordo com Gustavo Henrique Badaró:

“é da essência do recurso em sentido estrito o juízo de retratação.


(...) Caso o juiz se retrate, a parte que havia sido originariamente
prejudicada pela decisão passará a ser beneficiada com a
retratação. Por outro lado, a parte que era inicialmente recorrida,
posto que beneficiada com a decisão, uma vez que o juiz tenha se
retratado, restará prejudicada pela inversão da decisão. Nesse
caso, o recorrido originário, agora prejudicado pela retratação,
poderá, por simples requerimento, pedir que o recurso suba para
o Tribunal se cabível em tal hipótese”.

Assim, segundo Leonardo Barreto, este segundo recurso é conhecido como


recurso invertido, “pois, no recurso em sentido estrito, há uma inversão das
partes como recorrente e recorrido em relação ao 1° recurso.”

Logo, o recurso invertido é o recurso interposto, por mera petição, da


decisão em que o juiz se retrata no recurso em sentido estrito.

Gustavo Badaró ainda explica sobre a situação em que, interposto o recurso em


sentido estrito, o juiz se retrata somente parcialmente, e não quanto à totalidade
da matéria.

Nessa situação, o autor explica que, “como o juiz satisfez só em parte o


interesse do recorrente, deve o escrivão remeter os autos ao Tribunal, sem

111
necessidade de que o recorrente o requeira, pois ainda haverá recurso, posto
que diminuído. Por outro lado, o acusado, diante da retratação parcial, e não
sendo, neste caso recurso pro et contra, não poderá se valer da possibilidade do
recurso por simples petição, do parágrafo único do art. 589 do CPP.” Ou seja,
nessa última situação, o recorrente deve interpor o recurso nos moldes e com
os requisitos do CPP, e não por mera petição.

DUPLO JUÍZO DE VALIDADE DE UMA MESMA PROVA

O tema tem pertinência com o quanto decidido pelo Pleno do STF no


julgamento da Reclamação 25537/DF, cujos detalhes foram publicados no
Informativo 945/STF.

Em síntese, o caso concreto julgado versa sobre uma situação de concurso de


autores e/ou conexão probatória em que apenas uma parte dos investigados
possui foro por prerrogativa de função, tendo as provas sido produzidas por
determinação do juiz de primeira instancia.

Tendo sido reconhecida a incompetência do magistrado para a determinação da


produção de provas em relação aos investigados dotados de foro por
prerrogativa de função, foi declarada a nulidade das provas em relação a estes.

Contudo, como desdobramento de posição já pacificada na Corte Suprema, foi


reafirmado o entendimento no sentido do duplo juízo de validade de uma
mesma prova, ou seja, foi garantida a utilização das provas produzidas em

112
relação aos acusados cujos processos são de competência do juízo de primeiro
grau, órgão que determinou as provas.

Dois aspectos relevantes do julgamento devem ser ressaltados. Primeiro deve


ser afirmado que a regra estabelecida determina que, em caso de concurso de
autores e/ou conexão probatória de processos em que nem todos os acusados
possuem foro por prerrogativa de função, todos os processos devem ser
remetidos ao tribunal competente, que, analisando o caso concreto, pode decidir
manter a reunião dos processos e proceder ao julgamento conjunto dos agentes,
inclusive aqueles desprovidos de foro por prerrogativa de função, ou determinar
o desmembramento do feito, ordenando o retorno dos processos ao juízo de
primeiro grau para julgamento dos processos de sua competência. No caso em
análise foi determinado o desmembramento dos processos e prosseguimento do
feito, no primeiro grau, em relação aos acusados em foro privilegiado.

Ademais, deve ser esclarecido que, no caso em análise, foi expressamente


afastada a aplicação da Teoria da Aparência (Juízo aparentemente competente)
tendo em vista que, diante das circunstâncias do caso concreto, seria razoável
ao juiz de primeiro grau deduzir a sua incompetência para a determinação de
produção de provas, sendo certo que desde o início havia a suspeita do
envolvimento de congressistas, razão pela qual foi declarada a nulidade das
provas em relação aos parlamentares envolvidos.

113
TESTEMUNHO “POR OUVIR DIZER” (HEARSAY RULE)

Testemunho por ouvir dizer (hearsay rule) se verifica quando determinada


pessoa vem, no curso da instrução processual, prestar depoimento acerca de
fatos direta ou indiretamente relacionados à prática delitiva, sem, contudo, ter
visto ou presenciado qualquer situação relacionada ao caso concreto, sem
contato direto com os fatos, mas a fim de retratar e/ou “explicar” o que tomou
conhecimento “através de terceiros”.

A testemunha de ouvir dizer NÃO deve ter grande força probatória. Conforme
explica o Min. Rogério Schietti Cruz:

“A razão do repúdio a esse tipo de testemunho se deve ao fato de


que, além de ser um depoimento pouco confiável, visto que os
relatos se alteram quando passam de boca a boca, o acusado não
tem como refutar, com eficácia, o que o depoente afirma sem
indicar a fonte direta da informação trazida a juízo.”

Já decidiu o STJ:

(...) 6. A norma segundo a qual a testemunha deve depor pelo que


sabe per proprium sensum et non per sensum alterius impede, em
alguns sistemas – como o norte-americano – o depoimento da
testemunha indireta, por ouvir dizer (hearsay rule). No Brasil,
embora não haja impedimento legal a esse tipo

114
de depoimento, “não se pode tolerar que alguém vá a juízo repetir
a vox publica. Testemunha que depusesse para dizer o que lhe
constou, o que ouviu, sem apontar seus informantes, não deveria
ser levada em conta.” REsp 1.444.372/RS, julgado em 16/2/2016).

O STJ entende que testemunho por ouvir dizer, produzido somente na fase
inquisitorial, NÃO serve como fundamento exclusivo da decisão de pronúncia,
que submete o réu a julgamento pelo Tribunal do Júri. STJ. 6a Turma. REsp
1.373.356-BA, julgado em 20/4/2017 (Info 603).

Mas CUIDADO! Em alguns julgados recentes, a 5ª e 6ª Turmas do STJ


firmaram orientação em sentido oposto (HC n. 314.454-SC, Rel. Ministro
Ribeiro Dantas, 5ª T; 17/2/2017; AgRg no REsp 1.582.122-RS, 6ª T,
13/6/2016). As últimas manifestações do STJ não refutam por completo a
possibilidade de a pronúncia se dar com base exclusivamente em elementos de
informação da investigação inquisitiva, mas tal fato deve ser evitado.

No caso concreto mais recente, porém, essa orientação NÃO SE APLICA à


hipótese em que testemunhos produzidos na fase judicial não apontem os
acusados como autores do delito e os depoimentos colhidos na fase inquisitorial
sejam “relatos baseados em testemunho por ouvir dizer”.

115
DESDOBRAMENTOS DO PRINCÍPIO DO “NEMO TENETUR
SE DETEGERE”

✅ Direito ao SILÊNCIO (ou de ficar calado);


✅ Direito de não ser constrangido a CONFESSAR a prática de ilícito penal;
✅ Inexigibilidade de dizer a verdade (como não existe crime de perjúrio, a
mentira é tolerada, vez que dela não pode resultar prejuízo ao acusado);
✅ Direito de não praticar qualquer COMPORTAMENTO ATIVO que possa
incriminá-lo, como a reconstituição do crime;
✅ Direito de não produzir nenhuma prova incriminadora INVASIVA (que são
intervenções corporais que pressupõem penetração no organismo humano,
como o exame de sangue).

Conforme supramencionado, como não existe o crime de perjúrio no


ordenamento pátrio, pode-se dizer que o comportamento de dizer a verdade não
é exigível do acusado, sendo a mentira tolerada, porque dela não pode resultar
nenhum prejuízo ao acusado.

A esse respeito, o Supremo Tribunal Federal (HC 68.929/SP) concluiu que, no


direito ao silêncio, tutelado constitucionalmente, inclui-se a prerrogativa
processual de o acusado negar, ainda que falsamente, perante autoridade
policial ou judiciária, a prática da infração penal.

116
O que são as “mentiras agressivas”?

É quando o acusado imputar falsamente a terceiro inocente a prática do delito.


Nesse caso, o agente poderá responder normalmente pelo delito de denunciação
caluniosa, previsto no art. 339 do Código Penal.

É possível salientar, nesse contexto, que o direito ao silêncio não abrange o


direito de falsear a verdade quanto a identidade pessoal. Para o Supremo
Tribunal Federal, tipifica o crime de falsa identidade o fato de o agente, ao ser
preso, identificar-se com o nome falso, com objetivo de esconder seus maus
antecedentes (Súmula 522 do STJ).

De acordo com o explicitado acima, o acusado tem o direito de não praticar


qualquer comportamento ativo que possa incriminá-lo.

Inclusive, configura constrangimento ilegal a decretação de prisão preventiva


de indiciados Que recusarem em participar de reconstituição do crime. Nota-
se, portanto, que o acusado tem o direito de não colaborar na produção da prova
sempre que se lhe exigir um comportamento ativo (um facere).

Entretanto, em relação às provas que demandam apenas que o acusado


TOLERE a sua realização, ou seja, aquelas que exijam uma cooperação
meramente passiva, NÃO há violação do Princípio do “nemo tenetur se
detegere”. Assim, em se tratando de reconhecimento pessoal, ainda que o
acusado não queira voluntariamente participar, vem prevalecendo na doutrina
a admissibilidade de sua execução coercitiva.

117
No que tange às provas invasivas, o acusado NÃO é obrigado a se auto
incriminar. O STF, inclusive, Já se manifestou no sentido de que o acusado não
está obrigado a se sujeitar a exame de DNA, mesmo no âmbito cível.
Entretanto, diferentemente do direito penal que ficou é o princípio da presunção
de inocência, no âmbito cível a controvérsia pode ser resolvida com base na
regra do ônus da prova, sendo que a recusa do réu em se submeter ao exame
pode ser interpretado em seu prejuízo, no contexto do conjunto probatório.

AFASTAMENTO DE SERVIDOR PÚBLICO COMO EFEITO


AUTOMÁTICO DO INDICIAMENTO

De acordo com o art. 17-D da Lei 9.613/98 (Lei de lavagem de capitais), “Em
caso de indiciamento de servidor público, este será afastado, sem prejuízo de
remuneração e demais direitos previstos em lei, até que o juiz competente
autorize, em decisão fundamentada, o seu retorno”.

Logo, em se tratando de crimes de lavagem de capitais, há o afastamento


do servidor público de suas funções como efeito automático do
indiciamento.

O art. 17-D é constitucional? O STF ainda não se manifestou; entretanto,


parcela da doutrina entende ser inconstitucional, por violação aos princípios
da presunção da inocência e da jurisdicionalidade.

118
ARQUIVAMENTO IMPLÍCITO

Na lição de Afrânio Silva Jardim, arquivamento implícito é o fenômeno de


ordem processual decorrente de o titular da ação penal deixar de incluir na
denúncia algum fato investigado ou algum dos indiciados, sem expressa
manifestação ou justificação deste procedimento. Este arquivamento se
consuma quando o juiz não se pronuncia na forma do art. 28 CPP com relação
ao que foi omitido na peça acusatória.

A maioria da doutrina e jurisprudência NÃO admitem o arquivamento


implícito;

O STJ entende ser inviável a ação penal privada subsidiária da pública nas
hipóteses de arquivamento implícito (HC 21.074/RJ).

Importante destacar que o arquivamento implícito difere do arquivamento


indireto (MP não oferece denúncia em razões de incompetência da autoridade
jurisdicional).

REGRAS DE TÓQUIO

As Regras de Tóquio foram formuladas pelo Instituto da Ásia e do Extremo


Oriente para a Prevenção do Delito e Tratamento do Delinquente (em 1986),
cujo projeto foi aprovado em 14 de dezembro de 1990, pela Assembleia Geral

119
das Nações Unidas (8º Congresso), integrando a Resolução nº 45/110,
oficialmente denominadas Regras Mínimas das Nações Unidas para a
Elaboração de Medidas não Privativas de Liberdade, com o objetivo de
incentivar a adoção, pelos Estados-membros, de meios mais eficazes que o
cárcere para prevenir a criminalidade e melhorar o tratamento dos
encarcerados.

EM SUMA, as Regras de Tóquio são recomendações mínimas acerca da


criação e aplicação alternativa de medidas não privativas de liberdade.

Verifica-se pela leitura do documento, uma preocupação frequente da


Organização das Nações Unidas com a modernização e humanização do
Direito Penal e da execução da pena, procurando estabelecer diretrizes que
evitem o aumento da população carcerária e, consequentemente, a superlotação
das prisões, que prejudica o cumprimento da pena dentro dos padrões de
legalidade e dignidade, bem como deixa de realizar a promessa maior da justiça
penal, a reinserção social do apenado.

Pela leitura dos princípios gerais das Regras de Tóquio (Regras 1 a 4), é
possível observar diretrizes básicas para ampliar e facilitar a aplicação de
medidas não privativas de liberdade, bem como para garantir minimamente os
direitos das pessoas a elas submetidas.

E postulam, como objetivos fundamentais, a sua utilização como base da


política criminal, sendo gerenciadas de maneira adequada ao caso concreto
(natureza e gravidade da infração, por exemplo), impondo-se grande

120
flexibilidade em suas modalidades legais, com o escopo de permitir que as
autoridades ajustem as sanções penais de forma proporcional às necessidades
de cada delinquente, em face da infração cometida.

Ademais, as Regras de Tóquio visam a encorajar a coletividade a participar


mais do processo de justiça penal, enlaçando comunidade, vítima e infrator na
solução do conflito, e procurando, sempre que possível, evitar o recurso a um
processo formal, dando aplicação aos ditames do princípio da intervenção
mínima e da dignidade do ser humano, respeitando as escolhas religiosas e
culturais do infrator.

As regras em comento ratificam o entendimento de Michel Foucault, quando


ele afirma que “o cárcere, além de não atenuar a taxa de criminalidade, provoca
reincidência e patrocina a criação de uma verdadeira fábrica de delinquentes,
que, excluídos da sociedade, organizam-se, com o intuito do cometimento de
futuros delitos, fabricando criminosos, principalmente quando gera a miséria
na família dos reclusos”. (FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da
prisão. 34. ed. Petrópolis, RJ, Vozes, 2007, p. 234).

As regras de Tóquio NÃO possuem força de lei, mas apenas de recomendações


(“soft law”). Embora não possuam força de lei, são de extrema importância para
a humanização e a modernização do Direito Penal.

Em consonância com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, as Regras


de Tóquio se posicionam no sentido de abrandar o sistema penal e
proporcionar maior justiça e compatibilidade na aplicação de penas,

121
garantindo a proporcionalidade entre elas e o direito cometido e lhes atribuindo
função social de reabilitação.

STANDARDS PROBATÓRIOS

De acordo com o Professor Renato Brasileiro, os “standards” probatórios,


critérios de decisão ou modelos de constatação podem ser compreendidos como
o grau ou nível de prova exigido em um caso específico, como “indícios
suficientes” ou “além da dúvida razoável”.

Em virtude do influxo do direito material em jogo e da regra probatória do “in


dubio pro reo”, o processo penal adota um “standard” de prova bastante
elevado para a desconstituição do estado de inocência do acusado.

O STF utilizou recentemente do “standard probatório” em seu julgado:


(...) para a pronúncia requer-se um standard probatório um pouco inferior, mas
ainda assim dependente de uma preponderância de provas incriminatórias
(ARE 1067392/CE).

RECONHECIMENTO FOTOGRÁFICO COMO MEIO DE


PROVA

De acordo com a doutrina majoritária, o reconhecimento fotográfico do réu,


quando ratificado em juízo, sob a garantia do contraditório e ampla

122
defesa, PODE servir como meio idôneo de prova para fundamentar a
condenação.

Utiliza-se, por analogia, as regras previstas no art. 226 do CPP (as disposições
nele previstas são meras recomendações, cuja inobservância não causa, por si
só, a nulidade do ato - HC 443.769/SP, j. 12/06/2018);

O reconhecimento fotográfico não pode ser utilizado de forma isolada, devendo


estar em consonância com os demais elementos probatórios constantes
dos autos.

✅ Nesse sentido: STJ (HC 427.051/SC, j. 05/04/2018) e o STF (HC 74.267/SP).

ELOQUÊNCIA ACUSATÓRIA

A sentença de pronúncia deve ser fundamentada. No entanto, é necessário que


o juiz utilize as palavras com moderação, ou seja, valendo-se de termos sóbrios
e comedidos, a fim de se evitar que fique demonstrado na decisão que ele
acredita firmemente que o réu é culpado pelo crime.

Se o magistrado exagera nas palavras utilizadas na sentença de pronúncia,


dizemos que houve um “excesso de linguagem”, também chamado de
“eloquência acusatória”.

123
Logo, a eloquência acusatória consiste no excesso de linguagem na
pronúncia, quando esta decisão aprofunda, demasiadamente, o exame da prova
dos autos, a ponto de ter a potencialidade de interferir no convencimento dos
jurados.

Havendo excesso de linguagem, o que o Tribunal deve fazer?

Se o Tribunal reconhecer que houve excesso de linguagem na sentença de


pronúncia, ele deverá anular a decisão, assim como atos processuais
seguintes, determinando que outra sentença de pronúncia seja prolatada.
Portanto, o excesso de linguagem dá causa à nulidade absoluta da pronúncia,
inclusive por violação ao art. 413, par. 1º, do CPP, segundo o qual a
fundamentação da pronúncia limitar-se-á à indicação da materialidade do fato
e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação.

Não basta o desentranhamento e envelopamento. É necessário anular a


sentença e determinar que outra seja prolatada. Isso porque, como já dito
acima, a lei determina que a sentença de pronúncia seja distribuída aos jurados.
Logo, não há como desentranhar a decisão, já que uma cópia dela deverá ser
entregue aos jurados. Se essa cópia não for entregue, estará sendo descumprido
o art. 472, parágrafo único, do CPP. Assim, não há outro jeito.

A providência adequada é a anulação da sentença e os consecutivos atos


processuais que ocorreram no processo principal para que outra decisão seja
proferida.

124
REMIÇÃO FICTA DA PENA

Remição é o direito que possui o condenado ou a pessoa presa cautelarmente


de reduzir o tempo de cumprimento da pena mediante o abatimento de um dia
de pena a cada doze horas de estudo ou de um dia de pena a cada três dias de
trabalho.

O tempo remido será considerado como pena cumprida, para todos os efeitos
(art. 128 da LEP).

O trabalho e o estudo são direitos do preso. Na verdade, o trabalho possui uma


natureza híbrida considerando que, além de ser um direito, é também um dever
do apenado.

Logo, o Estado deve oferecer aos presos oportunidades de trabalho e estudo.


Com isso, o apenado pode se ressocializar e ter direito à remição.

Nos presídios onde isso não é oferecido, pode-se dizer que o Poder Público está
sendo omisso em seu dever. Ocorre que os presos não podem ser prejudicados
pela omissão do Estado. Logo, se a unidade prisional não oferece condições de
trabalho ou estudo para os presos, deve-se considerar, de forma ficta, que estes
presos estão trabalhando e, portanto, deve-se conceder a eles a remição mesmo
sem o efetivo trabalho. Assim, a defesa pede que os

125
presos sejam beneficiados com a remição da pena, na proporção de 3 dias
encarcerados por 1, até o efetivo oferecimento de trabalho ou de estudo.

Essa tese ficou conhecida como “remição ficta” ou “remição automática”.

A remição ficta é aceita pelos Tribunais Superiores?

Não se admite a remição ficta da pena.

Embora o Estado tenha o dever de prover trabalho aos internos que desejem
laborar, reconhecer a remição ficta da pena, nesse caso, faria com que todas as
pessoas do sistema prisional obtivessem o benefício, fato que causaria
substancial mudança na política pública do sistema carcerário, além de invadir
a esfera do Poder Executivo.

O instituto da remição exige, necessariamente, a prática de atividade laboral ou


educacional. Trata-se de reconhecimento pelo Estado do direito à diminuição
da pena em virtude de trabalho efetuado pelo detento. Não sendo realizado
trabalho, estudo ou leitura, não há que se falar em direito à remição.

STF. 1a Turma. HC 124520/RO, rel. Min. Marco Aurélio, red. p/ ac. Min.
Roberto Barroso, julgado em 29/5/2018 (Info 904).
STJ. 5a Turma. HC 421.425/MG, Rel. Min. Felix Fischer, julgado em
27/02/2018.
STJ. 6a Turma. HC 425.155/MG, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em
06/03/2018.

126
REGRA DA CORROBORAÇÃO NA COLABORAÇÃO
PREMIADA

Os elementos obtidos a partir da colaboração premiada, meio extraordinário de


obtenção de prova, podem servir como sucedâneo à instauração de uma
investigação criminal ou dar início ao processo criminal, sendo consideradas
suficientes as fontes e meios de provas ali indicados.

Contudo, em sede de sentença condenatória, a jurisprudência e a doutrina


trazem à baila a regra da corroboração, a qual, por sua vez, consiste na
obrigatoriedade de que as declarações do agente colaborador sejam suplantadas
por outros elementos probatórios.

Dito de outro modo, o que foi dito na declaração do agente colaborador não
possui força suficiente para, por si só, fundamentar uma sentença penal
condenatória.

O Professor Renato Brasileiro esclarece sobre a “importância daquilo que a


doutrina chama de regra da corroboração, ou seja, que o colaborador traga
elementos de informação e de prova capazes de confirmar suas declarações.”

Tal regra é sedimentada pela Lei de Organizações Criminosas em seu Art 4o,
§16o ( “nenhuma sentença condenatória será proferida com fundamento apenas
nas declarações do agente colaborador”). Observe que tal regra

127
demonstra a cautela devida às palavras do colaborados em razão do seu
inegável interesse no resultado do processo.

Importante salientar que a regra da corroboração não se confunde com a


eficácia objetiva da colaboração premiada que consiste na obtenção de ao
menos um dos resultados práticos elencados no Art. 4o da Lei 12.850/13 (I - a
identificação dos demais coautores e partícipes da organização criminosa e das
infrações penais por eles praticadas; II - a revelação da estrutura hierárquica e
da divisão de tarefas da organização criminosa; III - a prevenção de infrações
penais decorrentes das atividades da organização criminosa; IV - a recuperação
total ou parcial do produto ou do proveito das infrações penais praticadas pela
organização criminosa; V - a localização de eventual vítima com a sua
integridade física preservada.)

COLABORAÇÃO PREMIADA CRUZADA

A legislação não define qual a natureza do meio de prova do qual advirão os


elementos de corroboração do conteúdo da delação, podendo ser as declarações
do delator confirmadas por qualquer meio de prova ou meio de obtenção de
prova, tais como, documentos, interceptações telefônicas, depoimentos, dentre
outros.

Importante observar que a regra da corroboração estabelecida no § 16 do art.


4o da Lei 12.850 atribui um descrédito valorativo à delação premiada na

128
medida em que exige outros meios de prova ou elementos de prova confirmem
as declarações prestadas no acordo.

Diante deste cenário legislativo, a polêmica reside, no entanto, se serão


suficientes para justificar uma condenação duas ou mais colaborações que
confirmem uma a outra, o que a doutrina denomina colaboração cruzada ou
“mutual corroboration”. Em outras palavras, a delação premiada cruzada
ou recíproca nada mais é do que uma delação confirmada por outra
delação.

Neste contexto, essencial colacionar o trecho do parecer do Ministro Celso de


Mello em sede de pedido de instauração de inquérito policial, no ano de 2015
(PET 5700/DF).

Registre-se, de outro lado, por necessário, que o Estado não poderá utilizar-se
da denominada “corroboração recíproca ou cruzada”, ou seja, não poderá impor
condenação ao réu pelo fato de contra este existir, unicamente, depoimento de
agente colaborador que tenha sido confirmado, tão somente, por outros
delatores, valendo destacar, quanto a esse aspecto, a advertência do eminente
Professor GUSTAVO BADARÓ (“O Valor Probatório da Delação Premiada:
sobre o § 16 do art. 4o da Lei no 12.850/2013”):

“A título de conclusão, podem ser formulados os seguintes


enunciados: A regra do § 16 do art. 4o da Lei 12.850/13 aplica-
se a todo e qualquer regime jurídico que preveja a delação
premiada. O § 16 do art. 4o da Lei 12.850/13, ao não admitir a

129
condenação baseada exclusivamente nas declarações do delator,
implica uma limitação ao livre convencimento, como técnica de
prova legal negativa. É insuficiente para o fim de corroboração
exigido pelo § 16 do art. 4o da Lei 12.850/13 que o elemento de
confirmação de uma delação premiada seja outra delação
premiada, de um diverso delator, ainda que ambas tenham
conteúdo concordante. Caso o juiz fundamente uma condenação
apenas com base em declarações do delator, terá sido contrariado
o § 16 do art. 4o da Lei 12.850/13 (...).”

Desta forma, segundo as conclusões do Ministro do STF, bem como o


renomado doutrinador, não se deve admitir que o elemento extrínseco de
corroboração de uma delação premiada seja caracterizado pelo conteúdo de
outra delação premiada.

Portanto , o Supremo Tribunal Federal não aceita para fins de condenação a


chamada “corroboração recíproca ou cruzada” (MUTUAL
CORROBORATION), na qual o teor da colaboração premiada é demonstrada
exclusivamente por meio do depoimento de outros agentes colaboradores. Em
outras palavras, as provas obtidas por meio da colaboração premiada deverão
ser corroboradas por outras provas, que não apenas nas declarações de outro
delator, ainda que no mesmo sentido, tudo em razão da vedação legal inserta
no art. 4o, § 16, da Lei de Organização Criminosa.
INFORMATIVO 800 DO STF: “Registre-se, de outro lado, por necessário, que
o Estado não poderá utilizar-se da denominada “corroboração recíproca ou
cruzada”, ou seja, não poderá impor condenação ao réu pelo fato de contra

130
este existir, unicamente, depoimento de agente colaborador que tenha sido
confirmado, tão somente, por outros delatores, valendo destacar, quanto a esse
aspecto, a advertência do eminente Professor GUSTAVO BADARÓ (“O Valor
Probatório da Delação Premiada: sobre o § 16 do art. 4o da Lei no
12.850/2013”).

SERENDIPIDADE E INFILTRAÇÃO DE AGENTES

É perfeitamente possível que o agente policial seja infiltrado para investigar


algum dos delitos do art. 190-A do ECA e, durante a infiltração, descubra outros
crimes, como, por exemplo, tráfico de drogas, tráfico de pessoas, favorecimento
da prostituição de adultos etc.

Neste caso, os elementos indiciários ("provas") desses outros crimes,


coletados pelo agente infiltrado, também serão considerados válidos. Isso
porque, neste caso, ocorreu o chamado fenômeno da serendipidade, que
consiste na descoberta fortuita de delitos que não são objeto da investigação.

A serendipidade (tradução literal da palavra inglesa serendipity), também é


conhecida como “descoberta casual” ou “encontro fortuito”.

Esse é o entendimento do STJ nos casos de interceptação telefônica, raciocínio


que pode ser transportado para a infiltração policial. Confira precedente recente
do Tribunal:

131
(...) 1. Não há violação ao princípio da ampla defesa a ausência
das decisões que decretaram a quebra de sigilo telefônico em
investigação originária, na qual de modo fortuito ou
serendipidade se constatou a existência de indícios da prática de
crime diverso do que se buscava, servindo os documentos juntados
aos autos como mera notitia criminis, em razão da total
independência e autonomia das investigações por não haver
conexão delitiva.
2. O chamado fenômeno da serendipidade ou o encontro fortuito
de provas - que se caracteriza pela descoberta de outros crimes
ou sujeitos ativos em investigação com fim diverso - não acarreta
qualquer nulidade ao inquérito que se sucede no foro competente,
desde que remetidos os autos à instância competente tão logo
verificados indícios em face da autoridade. (...)
(RHC 60.871/MT, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA
TURMA, julgado em 04/10/2016, DJe 17/10/2016)

PERÍCIA ANTROPOLÓGICA

Uma perícia antropológica se torna exigência quando os fatos sociais, por sua
complexidade, para serem compreendidos requererem um conhecimento
especializado do saber antropológico, em estudo que evidencie um fazer
antropológico, relatado os achados de um modo que resulte a demonstração da
reconstrução do mundo social do grupo pesquisado, na perspectiva do grupo,
com registros de sua cosmovisão, suas crenças, seus costumes, seus

132
hábitos, suas práticas, seus valores, sua interação com o meio ambiente, suas
interações sociais recíprocas, suas ordens internas, a organização grupal,
fatores que geram concepção de pertencimento, entre outros.

A perícia antropológica se impõe quando há a necessidade de se documentar a


realidade e a verdade de fatos em torno, e.g., dos índios, quilombolas, ciganos,
populações tradicionais, suas comunidades e organizações; quando os fatos
sociais em torno desses grupos e comunidades necessitam ser interpretados na
sua significação individual e na sua dinâmica social e coletiva; para interpretar
e aplicar o Direito a essas comunidades e seus membros.

A perícia antropológica se caracterizando não apenas por ser feita por


antropólogo, mas, acima de tudo, adotando metodologia propriamente
antropológica, pois, na expressão do Min. Ayres de Britto, “O que importa para
o deslinde da questão é que toda a metodologia propriamente antropológica foi
observada pelos profissionais que detinham competência para fazê-lo (STF Pet.
3.388 RR, Caso Raposa Serra do Sol).

A perícia antropológica resultará documentada em um laudo, e esse é o


documento a ser adotado como base e referência pelos juristas para, sobre seus
achados e relatados, desenvolver a argumentação jurídica acerca da aplicação
mais adequada do Direito ao caso concreto.

Ante a concreta possibilidade índios, quilombolas, ciganos e populações


tradicionais virem a ser julgados e, eventualmente, condenados pela prática

133
dos crimes de que são acusados, será fundamental, para a precisa
individualização das sanções criminais, que o juiz-presidente do Tribunal do
Júri tenha as informações necessárias para efetuar o juízo de reprovação que
consubstancia a ideia (lato sensu) de culpabilidade.

Não se verifica, assim, prejuízo ao andamento processual que, uma vez (e se)
pronunciados os réus, seja determinada a realização do Estudo Antropológico,
pari passu aos atos necessários à preparação do julgamento, para o qual, então,
deverá o laudo estar concluído e colocado à disposição não apenas dos juízes,
leigos e togados, mas também das partes, ao escopo de auxiliá-las nos debates
que se desenvolverão em sessão plenária.

Portanto, segundo o STJ, embora não possua caráter vinculante, a realização de


perícia antropológica constitui-se em importante instrumento para assistir as
partes nos debates em plenário e também o julgador na imposição de eventual
reprimenda, podendo, no caso, ser realizado após a pronúncia do réu, sem
prejuízo ao andamento processual. RHC 86.305-RS, Rel. Min. Rogerio Schietti
Cruz, Sexta Turma, por maioria, julgado em 01/10/2019, DJe 18/10/2019 (Info
659).

134
CAPÍTULO 03

Direito
ConstitucIONAL
135
DIREITO
CONSTITUCIONAL
CONSTITUCIONALISMO ABUSIVO

Ao analisar a medida cautelar na ADPF 622 proposta pela Procuradoria Geral


da República no fim do ano de 2019, o Ministro Luís Roberto Barroso
suspendeu trechos do editado por Bolsonaro e restabeleceu os mandatos dos
antigos conselheiros do Conanda - Conselho Nacional dos Direitos da Criança
e do Adolescente. Um dos fundamentos levantados por Barroso foi justamente
o constitucionalismo abusivo que, em breve síntese, pode compreendido como
atos aparentemente legais, mas que provocam retrocesso democrático.

A ideia de constitucionalismo abusivo foi cunhada por David Landau que


define este modo de constitucionalismo como “o uso de institutos de origem
democrática para ceifar o espaço do pluralismo num determinado país”. Esta
forma de constitucionalismo, portanto, utiliza de mecanismos formais de
mudança constitucional para atentar contra o regime democrático.

136
O constitucionalismo abusivo pode ser visualizado na América Latina em
períodos nos quais os Estados americanos passaram por ditaduras, uma vez que
em diversas destas situações, buscou-se dar uma aparente legalidade e
legitimidade para estes regimes. Sobre o tema, Barroso ao julgar a MC na
ADPF 622 salientou que:

"Ao contrário, as maiores ameaças à democracia e ao


constitucionalismo são resultado de alterações normativas
pontuais, aparentemente válidas do ponto de vista formal, que, se
examinadas isoladamente, deixam dúvidas quanto à sua
inconstitucionalidade. Porém, em seu conjunto, expressam a
adoção de medidas que vão progressivamente corroendo a tutela
de direitos e o regime democrático."

O Ministro Luis Roberto Barroso também chama o constitucionalismo abusivo


de legalismo autocrático e em texto denominado “Democracia Liberais,
Direitos Humanos e Papel dos Tribunais Internacionais” conceitua o fenômeno
como um modelo que:

“produz democracias iliberais, isto é, sem suficiente proteção a


direitos, com enfraquecimento das instituições e os riscos à
autenticidade e lisura dos processos eleitorais que daí advêm.
Suas lideranças elegem alvos estratégicos na debilitação da
democracia”

137
Barroso também define três consectários do constitucionalismo abusivo:

a) Ataques às cortes supremas ou tribunais constitucionais: “Este é um


alvo bastante óbvio: são esses tribunais que apreciam a validade dos atos
administrativos e normativos que vêm do Executivo e do Legislativo, com o
poder de invalidá-los. Tais ataques envolvem: (i) supressão de matérias da sua
competência jurisdicional; (ii) redução da idade de aposentadoria dos juízes,
de forma a criar vagas a serem preenchidas pelo governo; (iii) alteração do
número de membros do tribunal; (iv) modificação do processo de escolha de
tais membros; e (v) restrição das garantias da magistratura. Tais ataques têm
o objetivo de reduzir a independência judicial e transformar as cortes em
órgãos legitimadores das medidas do governo”

b) Ataques a atores internos que fiscalizam ou limitam o poder (aqui


entraria o caso analisado na ADPF 622): “Diversos atores públicos e privados
funcionam como barreira de contenção ao exercício abusivo do poder: o
Legislativo, o Ministério Público, os partidos políticos de oposição, a
imprensa, as organizações não-governamentais (ONGs), movimentos sociais,
entidades da sociedade civil (como OAB, por exemplo) e a academia. As armas
para esses ataques incluem a desqualificação pública, a interferência em
nomeações, o corte de financiamento, a imputação inverídica de delitos
criminais a membros da sociedade civil, a jornalistas e órgãos de imprensa e
a supressão de recursos para pesquisas acadêmicas, em meio a outras
medidas”.

138
c) Ataques a atores internacionais e tribunais internacionais: “Também as
cortes internacionais são usualmente alvo de ataques por parte de líderes
autoritários. Esses ataques envolvem a sua desqualificação como agentes a
serviço de interesses ilegítimos, a alegação de que não dispõem de legitimidade
democrática e de que desconhecem as realidades do país, o descumprimento
aberto de suas decisões e, por fim, a denúncia a tratados internacionais para,
com isso, furtar-se à sua jurisdição”.

SENTIMENTO CONSTITUCIONAL

De acordo com Daniel Sarmento, costuma-se discutir o papel essencial do


Poder Judiciário na garantia da normatividade constitucional. No entanto, fala-
se pouco da existência na sociedade de uma cultura constitucional.

A observância efetiva da Constituição depende da adesão do povo para o qual


a Constituição se destina; pressupõe o reconhecimento que lhe é conferido pela
comunidade política; demanda a disseminação de uma cultura constitucional, e
o respeito pelas instituições políticas básicas do Estado Democrático de Direito.

Se a Constituição não é levada a sério pela sociedade, pouco adiantará um


sistema judiciário robusto e uma jurisdição constitucional atuante. A
Constituição será desrespeitada no cotidiano, seja pelo cidadão, seja pelos
agentes públicos e lideranças políticas.

139
Dessa maneira, para que a ordem constitucional se estabilize e se efetive, é
necessário que na sociedade não predomine a “vontade de poder”, mas a
“vontade de constituição” (Konrad Hesse).

Karl Loewenstein designou de “sentimento constitucional” este elemento


psicossocial e sociológico de cuja presença tanto depende o sucesso da
experiência constitucional em cada Estado.

Para o jurista alemão, o desenvolvimento do sentimento constitucional depende


de fatores imponderáveis, mas pode ser estimulado por meio de educação
cívica.

O florescimento da cultura constitucional na sociedade contribui decisivamente


para a garantia da Constituição. A opinião pública que se insurge contra práticas
contrárias à Constituição; uma cidadania que se mobiliza e protesta nas ruas
contra essas violações; um eleitorado consciente, que pune nas urnas os
políticos infiéis aos valores constitucionais, são instrumentos extremamente
importantes para a preservação e para a efetivação da Lei Maior.

Segundo Sarmento, para a vitalidade da experiência constitucional, é necessário


que o cidadão comum se identifique com os valores e princípios básicos da sua
Constituição, tomando-a como algo valioso e importante, que também é seu, e
não como um mero instrumento técnico-jurídico do mundo dos advogados.
Quando se atinge essa identificação popular com a

140
Constituição, ela se torna um meio importante de integração social o que
favorece a cristalização de uma identidade nacional.

Destaca-se que a adesão do cidadão aos princípios constitucionais básicos,


ligados, sobretudo, à democracia e aos direitos fundamentais, tem sido chamada
de “patriotismo constitucional” (confira o tópico sobre o tema neste
material), que é concebido como modelo democrático para integração das
sociedades plurais contemporânea, em substituição ao antigo nacionalismo e a
outros vínculos identitários particularistas.

O PAPEL DAS CORTES CONSTITUCIONAIS

De acordo com Bernardo Gonçalves, para o Ministro Luís Roberto Barroso,


existem três grandes papéis que podem ser desempenhados pelas mais distintas
cortes constitucionais:

PAPEL CONTRAMAJORITÁRIO: é pertinente à possibilidade de as Cortes


Constitucionais invalidarem leis e atos normativos à luz de uma análise de
compatibilidade com a Constituição.

A denominação dessa função advém da chamada “dificuldade


contramajoritária” (confira o tópico sobre o tema neste material),
concernente à tensão proveniente da possibilidade da interpretação da
Constituição realizada por agentes políticos eleitos pelo povo ser sobreposta
pela de juízes não eleitos.

141
 Para o Ministro, esse papel seria desempenhado pelo STF com
parcimônia e autocontenção;
 A discussão de determinadas matérias perante o Supremo acabou dando
a elas necessária visibilidade e, assim, permitindo um debate público que
não ocorreu quando da publicação das respectivas leis (como ocorreu,
por exemplo, no caso da pesquisa com células-tronco embrionária).

A título exemplificativo do papel contramajoritário, pode-se citar a ADI n.


4650.

PAPEL REPRESENTATIVO: ocorre quando as Cortes Constitucionais


atuam para sanar vazios normativos eventualmente deixados pelo legislador.

Assim, a atuação das Cortes para:


a) atender a demandas sociais não satisfeitas pelo Legislativo; e
b) integrar a ordem jurídica em situações de omissão inconstitucional do
Poder Legislativo configura o papel representativo.

A título exemplificativo do papel representativo, tem-se a edição da Súmula


Vinculante 13.

PAPEL ILUMINISTA: diz respeito ao papel das Cortes de promover, em


situações excepcionais, “certos avanços civilizatórios e empurrar a
história”, em nome de valores racionais.

142
Em que pesem não serem decisões que necessariamente representam a maioria
da população, elas são necessárias para a concretização de direitos
fundamentais, sobretudo à luz de discriminações e preconceitos eventualmente
vigentes.

Frise-se que, conforme salientado por Barroso, o papel iluminista deve ser
exercido com grande autocontenção e parcimônia, tão somente em situações
excepcionais, de modo que não há uma defesa de atuação iluminista irrestrita,
mas emoldurada por limitações internas do próprio ordenamento, pelos direitos
humanos e, também, pelo próprio movimento dialético que possibilitou a
atuação da Corte em primeiro lugar.

Em Direito Comparado, esse papel iluminista foi desempenhado, por exemplo,


pela Suprema Corte dos Estados Unidos, no caso Brown v. Board of Education,
pelo qual a Corte proibiu a discriminação racial em escolas públicas.

No Brasil, cita-se como exemplo o RE 878.694, que equiparou a união estável


de casal heteroafetivo à união estável de casal homoafetivo.

JUSTIÇA DE TRANSIÇÃO (OU “TRANSITIONAL JUSTICE”)

143
A justiça de transição consiste em um conjunto de mecanismos judiciais ou
extrajudiciais utilizados por uma sociedade como um ritual de passagem à
ordem democrática após graves violações de direitos humanos por regimes
autoritários e ditatoriais, de forma que se assegure a responsabilidade dos
violadores de direitos humanos, o resguardo da justiça e a busca da
reconciliação.

Desse modo, a justiça de transição compreende diversas práticas


administrativas e judiciais que visam deslegitimar o regime antidemocrático
anterior, como por exemplo, prover indenizações aos familiares das vítimas,
responsabilizar o Estado pelos abusos cometi- dos etc.

Outrossim, o Conselho de Segurança da ONU também definiu quatro práticas


para lidar com o regime de exceção. A doutrina costuma chamar essas facetas
de “dimensões”.

São elas:
a) direito à memória e à verdade;
b) direito à reparação das vítimas (e seus familiares);
c) o adequado tratamento jurídico aos crimes cometidos no passado;
d) a reforma das instituições para a democracia. Passamos à análise de cada
uma das dimensões da justiça de transição.

1.1. Direito à verdade e à memória:

144
Trata de uma busca de toda informação ou esclarecimento de interesse público
para que a população saiba o que realmente aconteceu ou não durante o
período do regime antidemocrático.

Essa faceta da justiça de transição pode ser concretizada através de medidas


administrativas, resguardando a história do país afetado pelo regime
antidemocrático, e também através de ações judiciais que visem obter a devida
reparação pelos danos sofridos no regime antidemocrático, bem como
responsabilizar os responsáveis pelas violações de direitos humanos.

Assim, o direito à verdade e à memória retrata uma verdadeira luta contra o


esque- cimento (struggle against forgeting).

Ainda segundo a doutrina, o direito à verdade e à memória possui uma dupla


finalidade, qual seja, além do conhecimento de fatos históricos e de interesse
público, o reconhecimento de determinadas situações consolidadas no período
dos anos de chumbo, combatendo as inverdades e a negativa destas situações,
dando materialização ao direito à memória.

1.2. Direito à reparação das vítimas:

Essa dimensão da justiça de transição pode ser realizada tanto pela Corte
Interamericana de Direitos Humanos quanto pelo próprio Judiciário
brasileiro.

145
O direito à reparação das vítimas pode ocorrer de inúmeras maneiras, tais como:
a publicação da sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos no
Diário Oficial da União como pedido de desculpas; a descoberta do que
efetivamente ocorreu no período do regime antidemocrático; a localização dos
corpos das vítimas do delito de desaparecimento forçado no período ditatorial;
a concessão de indenizações para os familiares das vítimas etc.

No caso Gomes Lund e outros vs. Brasil, a Corte Interamericana de Direitos


Humanos condenou o Estado brasileiro a indenizar diversos familiares das
vítimas desaparecidas na região do Ara guaia.

Além disso, e como concretização do direito à reparação das vítimas (e seus


familiares), o Judiciário brasileiro vem entendendo que a Lei de Anistia não
pode ser estendida à esfera civil, o que possibilita que as pessoas suspeitas de
cometer atos ilícitos no período entre 1661 e 1979 possam ser demandadas na
justiça para que reparem seus danos.

1.3. A reforma e redemocratização das instituições evolvidas com a


ditadura militar:

Desde o advento da Constituição Federal de 1988, o Brasil vem evoluindo para


o cumprimento dessa dimensão da justiça de transição. A Constituição Federal
de 1988 estabeleceu no Brasil o que muitos entendem como o regime mais
democrático de toda a história brasileira.

146
Nesta linha, as próprias Forças Armadas passaram por um processo de
reformulação e democratização desde o fim do período ditatorial. Atualmente,
a liberdade de expressão, a liberdade de ir e vir, o direito de reunião e o direito
de associação, estão consagrados como direitos fundamentais e não podem
sofrer limitação arbitrária por parte do Estado.

Entretanto, se reconhece que o Brasil ainda pode melhorar seu regime


democrático, principalmente no que tange a concretização de direitos sociais.

1.4. O adequado tratamento jurídico aos crimes cometidos no período


democrático e a responsabilização dos agentes estatais responsáveis pelas
violações de direitos humanos:

Em virtude da importância desta dimensão da Justiça de Transição, eis que é


neste ponto que ocorre toda a discussão sobre a validade ou não da Lei de
Anistia brasileira.

O tema é polêmico e dá ensejo a diversas discussões.

Recentemente, o Ministério Público Federal propôs uma série de ações penais


contra agentes militares que supostamente teriam sido autores de crimes contra
a humanidade na época dos anos de chumbo. Nas ações penais, o MPF alegou
a prática de delitos de caráter permanente pelos acusados, assim como a não
abrangência destes crimes pela Lei de Anistia brasileira.

147
Cita-se como exemplo os casos envolvendo o atentado no Riocentro, a ação
penal proposta contra o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra e a exordial
acusatória ajuizada contra o coronel Sebastião Curió. A ação penal no caso
envolvendo os acusados de participar do atentado no Riocentro foi aceita em
primeira instância, mas trancada, via habeas corpus, em segundo grau.

Segundo o TRF da 2a Região:

“A jurisprudência brasileira não pode importar normas do


Tribunal de Nuremberg sobre a existência de crimes contra a
humanidade, inexistente na legislação brasileira”.

O relator do habeas corpus que trancou a ação penal no caso Riocentro, Des.
Fed. Ivan Athié, ainda concluiu que “não podemos admitir que normas
alienígenas sejam usadas como se integrassem o ordenamento jurídico
brasileiro, em nome de um sentimento de justiçamento perigosamente em voga
no nosso país atualmente”.

Argumentos semelhantes guiaram a decisão do mesmo Tribunal Federal em


relação ao caso Sebastião Curió. Por fim, a Ação Penal movida contra o
Coronel Ustra foi suspensa pelo STF. O PGR recorreu desta decisão, alegando
que os crimes cometidos por Ustra não estariam abarcados pela proteção
conferida pela Lei de Anistia, ante o caráter permanente dos delitos imputados
ao acusado. Já adiantamos desde já que não é possível concordar com os
argumentos exarados pelo Tribunal Regional Federal da 1a Região,

148
que refutam a importação de normas internacionais para a aplicação no
ordenamento jurídico interno.

TEORIA DA INTEGRIDADE (“ROMANCE EM CADEIA”)

Para o jurista e filósofo norte-americano, Ronald Dworkin, o direito deve ser


lido como parte de um empreendimento coletivo e compartilhado por toda a
sociedade.

Assim, todos que pertencem a uma mesma sociedade compartilham um


conjunto de direitos e deveres básicos, inclusive o direito de participar da
construção e atribuição de sentido a esses direitos.

Segundo Dworkin, ninguém (e sobretudo os magistrados) seria livre para


decidir casos levados ao Judiciário, nem poderia subordinar suas decisões à
perspectiva de metas coletivas, se direitos individuais estivessem em discussão,
vez que estes possuem primazia sobre os primeiros (metas coletivas).

Dworkin imagina uma metáfora (do romance em cadeia) na qual cada juiz é
apenas o autor de um capítulo em uma longa obra coletiva sobre um
determinado direito.

Ele se encontra vinculado ao passado e compromissado em ler tudo o que já foi


feito por seus antecessores para buscar continuar sua tarefa e redigir um

149
esquema melhor - dotado do que ele denomina INTEGRIDADE - dos
princípios existentes e reconhecidos pela comunidade.

Quatro pontos da teoria da integridade:


✅ nega-se a discricionariedade judicial (“decisionismos”);
✅ negam-se decisões judiciais que possam se apoiar em diretrizes políticas;
✅ há a importância do devido processo para a dimensão da integridade;
✅ a própria noção de integridade exige que cada caso seja compreendido como
parte de uma história encadeada, não podendo ser descartado sem uma razão
baseada em uma coerência de princípios.

Os Tribunais devem proferir suas decisões respeitando a INTEGRIDADE a


partir de “argumentos de princípio” e não de “argumentos de política “. Devem,
ainda, decidir sobre que direitos as pessoas têm em nosso sistema
constitucional. Desse modo, no ponto de vista jurisdicional, os juízes deveriam
interpretar o Direito de maneira que a história jurídica seja coerente com o
presente e com o futuro.

Por fim, estamos diante de uma teoria de interpretação constitucional aberta à


moral. Para Dworkin, a interpretação do Direito Constitucional é uma
interpretação moral.

150
CONTROLE DE SUSTENTABILIDADE OU DE
JUSTIFICABILIDADE
(“VERTRETBARKEITSKONTROLLE”)

Trata-se do mandamento dirigido ao legislador que, ao elaborar a lei, deve


buscar em bases empíricas, de pesquisas, dados e tudo aquilo que está ao
alcance da ciência para justificar sua decisão de produzi-la, sob pena de
inconstitucionalidade, por fugir da razoabilidade e da proporcionalidade.

O controle de sustentabilidade ou de justificabilidade (Vertretbarkeitskontrolle)


está orientado a verificar se a decisão legislativa foi tomada após uma
apreciação objetiva e justificável de todas as fontes de conhecimento
disponíveis no momento da promulgação da lei.

Aqui, o controle de constitucionalidade estende-se à questão de se o legislador


levantou e considerou diligente e suficientemente todas as informações
disponíveis e se realizou prognósticos sobre as consequências da aplicação da
norma, enfim, se o legislador valeu-se de sua margem de ação de “maneira
sustentável”.

A terminologia controle de justificabilidade ou de sustentabilidade


(vertretbarkeitskontrolle) tem origem alemã e foi empregada pelo Min. Gilmar
Mendes em seu voto quando do julgamento do art. 28 da Lei de Drogas (STF,
Recurso Extraordinário 635.659/SP, Plenário. Íntegra do voto do Min. Gilmar
Ferreira Mendes; Data do voto: 20.08.2015).

151
Ademais, a expressão controle de justificabilidade ou de sustentabilidade
(vertretbarkeitskontrolle) foi empregada no julgamento do Habeas Corpus
102.087/MG (STF, HC 102.087/MG, 2.a Turma. Íntegra do voto do Min.
Gilmar Ferreira Mendes. Rel. Min. Celso de Melo, Red. do acórdão Min.
Gilmar Mendes. Paciente: R. S. P.; Impetrante: Defensoria Pública da União;
Coator: Superior Tribunal de Justiça; j. 28.02.2012, p. 14 e ss.).

VICISSITUDE CONSTITUCIONAL TÁCITA

A Constituição Federal de 1988 estabelece um processo formal para a


modificação de suas prescrições. Para além dessa possibilidade de modificação
formal, são reconhecidos os processos INFORMAIS de modificação da
Constituição. Os processos informais correspondem às mutações do Texto
Magno.

A vicissitude constitucional tácita é sinônimo da mutação constitucional.

Os processos informais de modificação da Constituição, quer constituam


mutações constitucionais ou inconstitucionais, são os mecanismos pelos quais
a Lei Magna, sem suportar qualquer modificação formal em seu texto, adquire
novos sentidos e significados, adaptando-se às novas realidades e anseios
sociais.

152
As constituições, portanto, como organismos vivos que são, incorporam as
tendências sociais, políticas e econômicas que, embora não alterem a letra do
texto constitucional, propiciam modificações na substância, significado,
alcance e sentido dos dispositivos.

A esse respeito, valendo-se da expressão mutação constitucional em sentido


genérico, são ilustrativas as palavras de Uadi Lammêgo Bulos:

“Assim, denomina-se mutação constitucional o processo informal


de mudança da Constituição, por meio do qual são atribuídos
novos sentidos, conteúdos até então não ressaltados à letra da Lex
Legum, quer através da interpretação, em suas diversas
modalidades e métodos, quer por intermédio da construção
(construction), bem como dos usos e costumes constitucionais”.

Modalidades:

A) Mutação por interpretação constitucional (da interpretação


constitucional, no exercício do poder constituinte difuso, resultam
modificações quanto à amplitude, sentido e conteúdo das disposições
do Texto Magno);
B) Mutação por construção constitucional (atuação interpretativa para
além dos limites do texto da Constituição, realizando um diálogo com
outras fontes e saberes);

153
C) Mutação pelas práticas constitucionais (usos e costumes que se
formam à luz da Constituição, englobando, também, as praxes, os
precedentes e as convenções constitucionais).

CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE REALIZADO


PELO MEMBRO DO MINISTÉRIO PÚBLICO

É “a análise da compatibilidade dos atos normativos internos (comissivos ou


omissivos) em face das normas internacionais (tratados, costumes
internacionais, princípios gerais de direito, atos unilaterais e resoluções
vinculantes das organizações internacionais)”.

Legitimidade: Conquanto o tema seja comumente tratado sob a perspectiva dos


membros do Poder Judiciário, a Corte Interamericana de Direitos Humanos
possui sólido entendimento no sentido de que toda e qualquer autoridade
pública tem o poder-dever de exercer o controle de convencionalidade (caso
Gelman vs. Uruguai).

Partindo deste precedente, a doutrina passou a classificar o controle de


convencionalidade em próprio(jurisdicional, exercido por qualquer órgão do
Poder Judiciário) e impróprio (desempenhado pelos demais órgãos e
autoridades públicas, inclusive membros do Ministério Público!).

Atuação do MP: Na esteira da ampla legitimidade preconizada pela Corte


Interamericana, consentânea ao princípio da máxima efetividade dos direitos

154
humanos, o Ministério Público exsurge como importante instrumento na
conformação da ordem jurídica pátria ao arcabouço normativo internacional
destinado à tutela de tais interesses.

Tal conclusão ganha robustez quando confrontada com as atribuições


institucionais do Parquet, reconfiguradas com o advento da CF/88,
notadamente a salvaguarda dos direitos humanos em casos que envolvam as
camadas mais vulneráveis da população brasileira.

Nesse sentido, levando-se ainda em consideração a absoluta inexistência de


qualquer óbice legal, nada impede que, em sua atuação, o Órgão Ministerial
deixe aplicar ex officio uma norma que entenda não passar pelo duplo crivo do
controle de constitucionalidade e controle de convencionalidade, sem olvidar
da necessária motivação das suas manifestações e atos judiciais ou
extrajudiciais.

Logo, é possível afirmar que o controle de convencionalidade desponta como


mais uma relevante ferramenta à disposição do Promotor de Justiça para
combater o indesejável “efeito encantatório dos direitos humanos” e
buscar, mediante sua atuação funcional, a cessação das flagrantes violações
ocorridas no Estado brasileiro, otimizando seu papel enquanto agente de
transformação social.

Obs: A crítica doutrinária conhecida como “efeito encantatório dos direitos


humanos” reconhece que, embora os direitos das vítimas estejam todos
previstos em tratados internacionais de direitos humanos e na legislação

155
interna, eles não são, na grande maioria das vezes, observados. Assim, em que
pese a profusão de convenções e tratados internacionais de direitos humanos
possuir inegável caráter emancipatório e libertador (assim encantando a todos),
ainda há, principalmente no que toca às classes marginalizadas da população,
uma inefetividade das normas de direitos humanos sob o aspecto preventivo
(ou pré-violatório), o que acaba por “desencantar” o discurso utópico previsto
na teoria.

Fonte: http://www.escolasuperior.mppr.mp.br/arquivos/File/MP_Academia
Teses_2019Thimotie_Heemann O_exercicio_do_controle_de_convencional
idade.pdf

PENSAMENTO JURÍDICO DO POSSÍVEL

Em sociedades pluralistas, não há grupos hegemônicos capazes de impor seus


projetos econômicos, sociais ou religiosos, portanto são marcadas pelo
relativismo.

Nesse tipo de sociedade, a Constituição não tem a tarefa de determinar um


projeto predeterminado de vida em comum, mas de realizar condições de sua
viabilidade.

A assunção do pluralismo em uma Constituição democrática é a proposta de


soluções e coexistências possíveis, sendo um compromisso de possibilidades,

156
e não um projeto rigidamente preconcebido, cujo desenvolvimento é
permanente.

A ductibilidade constitucional pressupõe que se consagrem valores e


princípios, os quais não podem ser absolutos, a fim de se tornarem
compatíveis com os demais com os quais devem conviver.

Assim, a interpretação da Constituição não segue lógica de “um ou


outro”, mas pensamento permanentemente aberto a alternativas e
possibilidades. O pensamento do possível busca não só alternativas à
realidade, mas também alternativas às alternativas, trabalhando com ideias de
terceiras ou quartas possibilidades.

O pensamento do possível tem dupla relação com a realidade: negativa, ao


indagar sobre alternativas ainda não reais; e outra positiva, sobre aquilo que é
factível, ou seja, que pode se tornar realidade, separando o impossível do
possível.

Permite, em suma, a compatibilização de valores e princípios constitucionais


em aparente tensão dialética, incentivando a adaptação do texto
constitucional à evolução de sociedade complexa e plural. Cuida-se de
técnica de interpretação que pretende extrair o “ethos da Constituição”.

O pensamento jurídico do possível foi destacado na ADI 1.289, no qual se


discutia o preenchimento da regra do quinto constitucional no TRT. Realizou-
se uma interpretação constitucional aberta, excepcionando a norma. Gilmar

157
Mendes aduziu a existência de uma “teoria constitucional de alternativas”, na
medida em que, como sustentado por Peter Häberle, “o pensamento do possível
é o pensamento em alternativas (indagativo), abrindo suas perspectivas para
novas realidades (a realidade de hoje pode corrigir a de ontem)”.

FOSSILIZAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL

Tal conceito jurídico se encontra no contexto do efeito vinculante presente nos


remédios constitucionais da ADC e da ADI. O efeito vinculante, ou seja, a força
do Poder Judiciário de obrigar uma decisão não se aplica ao Poder Legislativo.

Essa não aplicação ocorre em virtude do argumento de que seria uma invasão
do princípio da divisão dos três Poderes impor ao Poder Legislativo a matéria
sobre o qual legislar.

O Poder Legislativo, assim, poderá, inclusive, legislar em sentido diverso da


decisão dada pelo STF, ou mesmo contrário a ela, sob pena, em sendo vedada
essa atividade, de significar inegável petrificação da evolução social.

A inviabilidade de vinculação do Poder Legislativo evita que o que se


denomina de “fossilização da constituição”. Assim, a vinculação repercute
somente em relação ao Poder Executivo e aos demais órgãos do Poder
Judiciário, não atingindo o Legislativo, sob pena de se configurar o

158
“inconcebível fenômeno da fossilização da Constituição”, conforme anotado
pelo Ministro Peluso na análise dos efeitos da ADI (Rcl 2617, Inf. 386/STF),
nem mesmo em relação ao próprio STF, sob pena de se inviabilizar, como visto,
a possibilidade de revisão e cancelamento de ofício pelo STF e, assim, a
adequação da súmula à evolução social.

Segundo Márcio Cavalcante, do Dizer o Direito: O Poder Legislativo, em sua


função típica de legislar, não fica vinculado, com a finalidade de evitar o
fenômeno da fossilização da Constituição. Assim, o legislador, em tese, pode
editar nova lei com o mesmo conteúdo daquilo que foi declarado
inconstitucional pelo STF.

Se o legislador fizer isso, não é possível que o interessado proponha uma


reclamação ao STF pedindo que essa lei seja automaticamente julgada também
inconstitucional (Rcl 13019 AgR, julgado em 19/02/2014). Será necessária a
propositura de uma nova ADI para que o STF examine essa nova lei e a declare
inconstitucional. Vale ressaltar que o STF pode até mesmo mudar de opinião
no julgamento dessa segunda ação.

A fossilização da constituição é fenômeno não aceito no nosso ordenamento


normativo. É, em verdade, efeito vedado e combatido pelo conjunto normativo
brasileiro, na medida em que veda que a constituição deixe de se adequar a
práxis mais moderna da sociedade. Evita que a constituição fique petrificada,
tornando-se um fóssil; distante das mudanças e mutações sociais.

159
ABSTRATIVIZAÇÃO DO CONTROLE DIFUSO DE
CONSTITUCIONALIDADE

O controle de constitucionalidade em concreto (incidental ou difuso) é aquele


que pode ser realizado por qualquer juiz ou Tribunal em um determinado caso
concreto, de maneira incidental, produzindo, em regra, os seguintes efeitos: i)
“ex tunc”; ii) “inter partes”; e iii) não vinculante.

Segundo a teoria tradicional, depois de declarar uma lei inconstitucional em


controle difuso, o STF deverá comunicar o Senado para suspender a execução,
no todo ou parte, de lei declarada inconstitucional (art. 52, X, CF/88), a fim de
conferir eficácia “erga omnes” e vinculante a decisão do STF. Neste ponto,
ressalte-se que, no âmbito da teoria tradicional, a supracitada decisão do Senado
é discricionária.

Entretanto, em 2017 (ADIs. nos. 3.406 e 3.470), o STF decidiu que, mesmo se
declarar a inconstitucionalidade em controle difuso (incidentalmente), a
decisão terá os mesmos efeitos da decisão proferida em controle concentrado
(efeito vinculante e “erga omnes”), ainda que sem a suspensão pelo Senado.

Nesse sentido, a referida Corte adotou a chamada teoria da abstrativização do


controle de constitucionalidade, a qual significa que, se o Plenário do STF
decidir a constitucionalidade ou inconstitucionalidade de uma lei ou ato
normativo, ainda que em controle difuso, essa decisão terá os mesmos efeitos
do controle concentrado, ou seja, eficácia erga omnes e vinculante.

160
Para o Ministro Gilmar Mendes é preciso fazer uma releitura do predito art. 52,
X, da CF no sentido de conferir efeito vinculante e erga omnes as decisões
proferidas em controle difuso de constitucionalidade, cabendo ao Senado
apenas o papel de dar publicidade daquilo que foi decidido pelo STF. Já para o
Ministro Celso de Mello o STF realizou uma verdadeira mutação constitucional
do art. 52, X, CF, a fim de ampliar os poderes do Tribunal e reduzir o papel do
Senado no controle de constitucionalidade.

Por fim, segundo o Professor Márcio Cavalcanti, apesar de essa nomenclatura


não ter sido utilizada expressamente no julgamento, o STF mudou seu antigo
entendimento para adotar a teoria da abstrativização do controle difuso, por
meio de uma mutação constitucional do art. 52, X, da CF.

“BOOTSTRAPPING” CONSTITUCIONAL

A função de bootstrapping, apresentada na doutrina por “Jon Elster”, consiste


em uma reação interna ao processo constituinte, quando a própria assembleia
constituinte rejeita a submissão ao ato que a criou, configurando uma
verdadeira “libertação de amarras”, buscando legitimar o seu exercício e
resultado diretamente perante o povo.

Sobre o tema, Daniel Sarmento e Cláudio Pereira de Souza Neto ressaltam:

161
“Jon Elster estudou, na perspectiva da teoria política, a tendência
das assembleias constituintes de expandirem os seus próprios
poderes, rompendo limites impostos pelas forças que as
convocaram, e chamou este fenômeno de constitutional
bootstrapping – que é, nas suas palavras, „o processo pelo qual
uma assembleia constituinte rompe os laços com as autoridades
que a convocaram e se arroga alguns ou todos os seus poderes
para si‟. Para Elster, esta tendência decorre do paradoxo do
poder constituinte, de que „cada geração quer ser livre para
vincular os seus sucessores, e ao mesmo tempo não quer estar
vinculada aos seus antecessores‟.

É possível o fenômeno do bootstrapping em terras brasileiras?

No que concerne às reformas constitucionais realizadas no Estado brasileiro, a


jurisprudência do STF já reconhece a existência de um poder constituinte
difuso. Entretanto, a Suprema Corte tem exercido de maneira firme e criteriosa
o controle sobre os mecanismos de rigidez previstos na CF/88, o que
praticamente inviabiliza o fenômeno do bootstrapping em terras brasileiras.
Isso porque o Estado brasileiro vive uma fase de intensa judicialização da
política, de modo que quase todos os litígios de cunho político acabam sendo
decididos pelo STF. Desse modo, dificilmente um ato de rebeldia e insurgência
por parte da assembleia constituinte não seria objeto de repressão pela Corte
Constitucional brasileira.

162
CONSTITUCIONALISMO MORALMENTE REFLEXIVO

A Constituição Dirigente foi desenvolvida por J. J. Gomes Canotilho


inicialmente para englobar um bloco de normas constitucionais em que se
definem fins e tarefas, devendo se estabelecer como estatuto organizatório,
transformando-se num plano normativo GLOBAL entre Estado e sociedade e
vinculando os poderes públicos à concretude dos anseios populares.

Salienta-se que a CF/88 estabelece programas/metas a serem cumpridos por


todos os poderes da República. Possui, desse modo, características de
constituição dirigente.

Entretanto, posteriormente Canotilho reviu a sua teoria, reconstruindo-a, com


o escopo de admitir maior abertura da Constituição à deliberações
democráticas, abarcando, também, a ideia de legitimidade procedimental,
sustentada (de diferentes formas e fundamentos) por doutrinadores como
Habermas e Luhmann.

É nesse novo contexto que Canotilho passa a aproximar-se da ideia de


“constitucionalismo moralmente reflexivo”, o qual busca o equilíbrio da pré-
ordenação e da pós-ordenação, entre a força dirigente e a força dialógica,
vocacionando à sensibilidade contextual dos fundamentos da Teoria da
Constituição.

163
Perfaz, ao mesmo tempo, as exigências constitucionais mínimas, isto é, o
conjunto de direitos fundamentais antimajoritários, bem como fundamentos
adequados a uma teoria de justiça, definindo as estruturas básicas da sociedade
sem se comprometer com situações particulares.

O constitucionalismo moralmente reflexivo integra uma corrente mista sobre a


Constituição (entre a procedimentalista e a substancialista), vez que prevê tanto
a importância do processo, quanto a óbvia essencialidade da definição de alguns
postulados materiais, como essenciais e inegociáveis do sistema.

Nesse contexto, a Constituição passa a ser menos densa, menos estatizante e


menos regulativamente autoritária e, por outro lado, fica enriquecida com a
constitucionalização da responsabilidade, com vistas a coexistir as distintas
perspectivas de valor, conhecimento e ação.

DECISÃO MANIPULATIVA (OU MANIPULADORA)

Trata-se de uma das espécies da SENTENÇA INTERMEDIÁRIA no controle


de constitucionalidade.

A decisão manipulativa é aquela mediante a qual "o órgão de jurisdição


constitucional modifica ou adita normas submetidas a sua apreciação, a fim de
que saiam do juízo constitucional com incidência normativa ou conteúdo
distinto do original, mas concordante com a Constituição" (RE 641320/RS).
Portanto, o Tribunal Constitucional manipula o conteúdo do ordenamento

164
jurídico, modificando ou aditando a lei a fim de que ela se torne compatível
com o texto constitucional.

Trata-se de instituto que surgiu no direito italiano, sendo, atualmente, no


entanto, adotada em outros Tribunais constitucionais no mundo.

Espécies de decisões manipulativas:

✅ Decisão manipulativa de efeitos aditivos (SENTENÇA ADITIVA):

O Tribunal declara inconstitucional certo dispositivo legal não pelo que


expressa, mas pelo que omite, alargando o texto da lei ou seu âmbito de
incidência.

No Brasil, não há tradição de sentença aditiva (Súmula 339 STF). No entanto,


temos alguns exemplos, sendo um deles a MI 670, Red. para o acórdão Min.
Gilmar Mendes, julgado em 25/10/2007, na qual o STF determinou a aplicação
aos servidores públicos da Lei nº 7.783/89, que dispõe sobre o exercício do
direito de greve na iniciativa privada, pelo que promoveu extensão aditiva do
âmbito de incidência da norma.

✅ Decisão manipulativa de efeitos substitutivos (SENTENÇA


SUBSTITUTIVA):

165
Na decisão manipulativa substitutiva, a Corte Constitucional declara a
inconstitucionalidade de parte de uma lei (ou outro ato normativo) e, além
disso, substitui a regra inválida por outra, criada pelo próprio Tribunal, a fim
de que se torne consentânea com a Constituição.

Ex: a MP 2183-56 alterou o Decreto-lei nº 3.365/41 e estabeleceu que, no caso


de imissão prévia na posse, na desapropriação por necessidade ou utilidade
pública e interesse social, havendo divergência entre o preço ofertado em juízo
e o valor do bem, fixado na sentença, deverá incidir juros compensatórios de
até 6% ao ano.

ACOMODAÇÃO RAZOÁVEL E ÔNUS INDEVIDO

A acomodação razoável, também chamada de adaptação razoável, se trata de


amoldar determinados ambientes para que sejam respeitadas as singularidades
de cada pessoa.

Mais comum que seja um dever imposto a instituições que adequam pessoas,
como escolas e universidades, para que o façam de maneira digna e justa, em
respeito, por exemplo, ao direito das pessoas com deficiência, mas àquelas não
se limitam.

É possível, por exemplo, encontrar a adaptação razoável no local de trabalho,


exigindo do empregador que se crie e se mantenha um ambiente laboral em que
haja respeito às diversidades étnicas, religiosas, culturais etc.

166
Verifica-se, desse modo, uma estreita relação com o princípio da dignidade da
pessoa humana.

Por outro lado, o ônus indevido é uma espécie de limite à acomodação razoável,
impedindo assim a criação de encargos desarrazoáveis àqueles responsáveis
pela acomodação.

Desse modo, a regra é a observância da acomodação razoável, desde que as


medidas necessárias para tanto não sejam desproporcionais.

Como exemplo, pode-se citar o caso de uma universidade que está obrigada a
seguir as normas de acessibilidade, como a construção de rampas, em virtude
da acomodação razoável de pessoas com deficiência.

Todavia, não se poderia exigir dessa mesma universidade, sob o pretexto de


garantir acessibilidade a pessoas com deficiência, a aquisição de um
equipamento milionário para deficientes visuais, pois o custo excessivo
acarretaria em ônus indevido à instituição.

TEORIA DA DUPLA REVISÃO

A teoria da dupla revisão, dupla reforma ou da reforma em dois tempos é a


possibilidade de, em um primeiro momento, se revogar as limitações

167
existentes no Texto Constitucional sobre determinados temas e, em um
momento posterior, retirá-las da Constituição.

O art. 60, §4°, CF elenca o rol de cláusulas pétreas, ou seja, aquelas matérias
que não podem ser suprimidas da Constituição. É o dispositivo que fundamenta
a tese de Alexandre de Moraes de termos uma Constituição super-rígida, em
virtude dessa sua parte que seria “imutável”.

Suponhamos que fosse aprovada a Emenda Constitucional Z para retirar o voto


secreto do inciso II do supracitado artigo. Desse modo, passaria a constar do
inciso que não são passíveis de serem abolidos via EC apenas o voto direto,
universal e periódico.

Depois, em um momento posterior, é aprovada a EC Y, abolindo o voto secreto


e passando a prever o “voto aberto”. Nesse caso, em tese, seria possível a
supressão do direito, já que a EC Z teria tornado supressível o direito, ao retirá-
lo do rol de cláusulas pétreas.

No caso em exemplo teria acontecido a dupla revisão: primeiro uma alteração


que retira o direito do rol de cláusulas pétreas e, depois, outra alteração que o
suprime do ordenamento jurídico.

O direito brasileiro adota a teoria da dupla revisão?

NÃO. Embora haja vozes em sentido contrário, a tese da dupla revisão não é
aceita no Brasil pela doutrina majoritária, que a considera verdadeira

168
fraude à autoridade do constituinte originário, se constituindo em verdadeira
limitação implícita ao poder de reforma.

CONSTITUIÇÃO “CHAPA-BRANCA”

De acordo com Carlos Ari Sundfeld, o intuito principal da Constituição é tutelar


interesses e até mesmo privilégios tradicionalmente reconhecidos aos
integrantes e dirigentes do setor público.

A Constituição, para ele, é fundamentalmente um conjunto normativo


“destinado a assegurar posições de poder a corporações e organismos estatais
ou paraestatais”. É o que se chama Constituição “chapa-branca”, no sentido de
uma “Lei Maior da organização administrativa”, uma vez que, para ele, o
núcleo duro do texto preserva interesses corporativos do setor público e
estabelece formas de distribuição e de apropriação dos recursos públicos entre
vários grupos.

Ressalta-se que “chapa branca” remete à cor das placas dos carros oficiais, que
são brancas.

Portanto, a Constituição Chapa-Branca é a que tutela interesses dos dirigentes


do setor público, visando assegurar posições de poder a instituições estatais e
paraestatais.

169
“CONSTITUIÇÃO UBÍQUA”

Trata-se da onipresença das normas e valores Constitucionais. Daniel


Sarmento, constitucionalista com opiniões próximas ao neoconstitucionalismo,
elaborou a abordagem da “ubiquidade constitucional”. Parte-se da constatação
de que os conflitos forenses e a doutrina jurídica foram impregnados pelo
direito constitucional. A referência a normas e valores constitucionais é um
elemento onipresente no direito brasileiro pós- 1988.

Essa “panconstitucionalização” deve-se ao caráter detalhista da Constituição,


que incorporou uma infinidade de valores substanciais, princípios abstratos e
normas concretas em seu programa normativo.

A panconstitucionalização é vista com ressalvas em razão de seus riscos. Em


primeiro lugar, a vagueza das normas constitucionais e seus conflitos internos
ampliam o poder discricionário dos tribunais, que podem facilmente abusar de
sua posição, invocando norma constitucional para fundamentar decisões nos
mais variados sentidos. Em segundo lugar, as contradições entre valores e
princípios colocam em risco a estabilidade e a eficácia constitucional, sendo
impossível sua implementação no estado atual do texto.

Diagnostica-se, assim, uma patologia constitucional que deve ser enfrentada


com duas estratégias defensivas da supremacia constitucional. Primeiro,

170
mediante reformas que, sem afetar o projeto progressista da Constituição,
tornem seu texto menos prolixo e contraditório.

Segundo, mediante o rigor argumentativo que permita controlar a ampla


margem de liberdade do Poder Judiciário, exigindo uma fundamentação
rigorosa das opções interpretativas. Essa abordagem descreve corretamente
muitas características da Constituição de 1988, mas adota a postura do
constitucionalismo liberal que desconfia da sinceridade e da aplicabilidade das
Constituições “analíticas”, entendendo essa última característica como defeito
a ser sanado mediante reforma constitucional e disciplinamento dos intérpretes.

CONSTITUIÇÃO LIBERAL-PATRIMONIALISTA

A visão tradicional do constitucionalismo brasileiro foi projetada também na


leitura da Constituição de 1988.

Desde a entrada em vigor dessa última, constitucionalistas politicamente


conservadores alegam que, apesar de certas aparências e proclamações, trata-
se de uma Constituição liberal-patrimonialista, que objetiva
preponderantemente garantir os direitos individuais, preservando fortes
garantias ao direito de propriedade e procurando limitar a intervenção estatal
na economia.

171
Reconhecem-se os corretivos sociais em forma de proclamação de direitos
sociais e a relevante atuação do Estado na economia. Mas se considera que tais
normas, primeiro, possuem caráter de proclamação programática, e não de
norma densa e vinculante como ocorre com os direitos individuais e
patrimoniais, e, segundo, devem ser interpretadas de maneira restritiva e de
forma a não atingir a tutela do patrimônio dos particulares.

CONSTITUIÇÃO SIMBÓLICA

O tema da constituição simbólica foi desenvolvido pelo jurista Marcelo Neves


na sua clássica obra “A constitucionalização simbólica”.

A constituição simbólica é aquela que não corresponde à realidade social do


Estado, sendo utilizada pelos governantes como verdadeira legislação álibi
para manutenção de um status quo instalado no país.

Sobre este ponto, é a lição de Daniel Sarmento e Cláudio Pereira de Souza Neto:

“Trata-se de Constituição que não corresponde minimamente à


realidade, não logrando subordinar as relações políticas e sociais
subjacentes. Ela não é tomada como norma jurídica verdadeira,
não gerando, na sociedade, expectativas de que seja cumprida.
Neste ponto, ela se assemelha à categoria da Constituição
nominal, de Lowenstein. Porém, a apreciação de

172
Marcelo Neves é mais negativa do que a do autor alemão. Para
Neves, as constituições simbólicas tendem a servir como álibi para
manutenção do status quo”.

CONSTITUCIONALISMO “WHIG” OU TERMIDORIANO

Trata-se do processo de mudança do cenário político e constitucional de forma


lenta e evolutiva, mas que se apresenta de modo revolucionário e radical.

Segundo Alceu L. Pazzinato, a expressão “Constitucionalismo Whig” tem


origem no partido Whig da Inglaterra, onde, até o século XVIII, existia o
Partido Tory. Os “Whigs eram a burguesia urbana, liberal e favorável ao poder
do Parlamento, enquanto os Tories eram a nobreza latifundiária, conservadora
e favorável ao poder do Rei.

Já a terminologia “Constitucionalismo Termidoriano remonta à origem na


Revolução Francesa, quando o Comitê de Salvação Pública ordenou a execução
de Robespierre, Saint-Just e de outros líderes jacobinos. Assim, com a reação,
encerrou-se a fase mais radical da revolução e o golpe aconteceu do dia 27 para
o dia 28 de julho de 1974.

De acordo com José Adércio Leite Sampaio, no pensamento constitucional,


tende-se a chamar de constitucionalismo whig (ou termidoriano) o processo

173
de mudança de regime político constitucional lento e evolutivo, mais que
revolucionário radical.

É o mote das chamadas transições constitucionais dos nossos dias. Não é


preciso derramamento de sangue para que haja mudanças, nascendo os regimes
políticos gradualmente de dentro dos regimes caducos.

O constitucionalismo evolutivo é visto por alguns como modelo de uma


ideologia conservadora de mudanças sociais. Tanto por inspiração inglesa,
quanto francesa, trata-se de uma forma incompleta de percepção. Toda
revolução termina em conservação. E todo constitucionalismo transporta um
ingrediente do Termidor.

Para os historiadores, a reação termidoriana é a fase de algumas revoluções em


que o poder passar das mãos da liderança revolucionária e de um regime radical
para grupos mais conservadores que adotam uma linha política que se distancia
das propostas originais, chegando mesmo a retomar valores e premissas pré-
revolucionários.

DECLARAÇÃO BRANCA DE INCONSTITUCIONALIDADE

Foi mencionada pelo Ministro Marco Aurélio em seu voto na ADC 16.
Segundo o referido Ministro, a declaração “branca” de inconstitucionalidade é
aquela declarada de forma tácita, não expressa, escondida ou transversa.

174
INCONSTITUCIONALIDADE CHAPADA

A expressão "chapada" começou a ser utilizada pelo Ministro Sepúlveda


Pertence quando desejada caracterizar uma inconstitucionalidade mais do que
evidente, clara, flagrante, escancarada, não restando qualquer dúvida sobre o
vício, seja formal, seja material.

Atualmente, vem sendo utilizada pelos Ministros, sempre nesse mesmo sentido
inaugurado pelo Min. Pertence. Vejamos um trecho da ADI 1.923- MC
(Informativo 474/STF):

(...) Inconstitucionalidade chapada, como diria o Ministro


Pertence, inconstitucionalidade que se manifesta também no
preceito veiculado pelo inciso XXIV do artigo 24 da Lei n.
8.666/93 com a redação que lhe foi conferida pelo artigo 1º da Lei
n. 9.648, de 27 de maio de 1998.

Inovando, o Ministro Carlos Britto, no sentido de descrever uma


inconstitucionalidade manifesta, chegou a caracterizá-la como "enlouquecida,
desvairada" (ADI 3.232).

DIFICULDADE CONTRAMAJORITÁRIA

175
Trata-se da crítica que se faz aos membros da jurisdição constitucional em
virtude de estes membros não serem eleitos pelo povo e, mesmo assim, deterem
competência para reconhecer a inconstitucionalidade de uma lei.

Segundo parte da doutrina, os membros do Poder Judiciário não teriam


legitimidade para controlar a constitucionalidade de leis aprovadas pela maioria
dos representantes do povo, já que os membros do Poder Legislativo são
escolhidos diretamente através do voto, o que não ocorre com os membros do
Poder Judiciário; daí a denominação do conceito, pois o Judiciário, ao exercer
o controle de constitucionalidade, atuaria contra a opinião majoritária do
Legislativo, eleito pelo povo.

Esta é uma discussão histórica nos Estados Unidos da América, que, aos
poucos, começa a ganhar força também no Estado brasileiro.

De acordo com Daniel Sarmento e Cláudio Pereira de Souza Neto:

“A legitimidade democrática da jurisdição constitucional tem sido


questionada em razão da „dificuldade contramajoritária‟ do
Poder Judiciário, que decorre do fato de os juízes, apesar de não
serem eleitos, poderem invalidar as decisões adotadas pelo
legislador escolhido pelo povo, invocando, muitas vezes, normas
constitucionais de caráter aberto, que são objeto de leituras
divergentes na sociedade. [...] A crítica ao controle jurisdicional
de constitucionalidade insiste que, em casos assim, a decisão
sobre a interpretação mais correta da Constituição deve caber

176
ao próprio povo ou aos seus representantes eleitos e não a
magistrados”.

TEORIA DO RIGHT TO TRY (“DIREITO DE TENTAR”)

Consiste na garantia de que o paciente possa tentar a cura de uma doença por
meio de tratamentos médicos experimentais, ainda que não exista prova da
eficácia do medicamento e de registros nos órgãos reguladores.

O right to try visa garantir ao indivíduo a manutenção do direito à vida,


corolário do princípio mater do ordenamento jurídico brasileiro, qual seja, a
dignidade da pessoa humana. Antes da suspensão da lei que autorizava o uso
da fosfoetanolamina pelo STF, muitos juízes autorizaram a distribuição e uso
da “pílula do câncer” com base no “direito de tentar”.

No entanto, a teoria do right to try ainda é de controversa aplicabilidade nos


tribunais superiores e na jurisprudência brasileira como um todo.

CONCEPÇÃO PROCEDIMENTAL X SUBSTANCIAL

No âmbito do Direito Constitucional, uma das clivagens mais importantes da


teoria constitucional contemporânea é a que distingue as concepções
procedimentalistas das substancialistas.

177
Essa distinção é empregada em dois contextos diferentes, que se interpenetram:
ela pode ser usada para discutir o papel da Constituição na sociedade, bem
como para debater o espaço adequado da jurisdição constitucional.

✅ As teorias PROCEDIMENTAIS sustentam que o papel da Constituição é


definir as regras do jogo político, assegurando a sua natureza democrática.

 Isso inclui também a defesa de determinados direitos, que são tidos como
pressupostos para o funcionamento da democracia como as liberdades de
expressão e de associação política.
 O procedimentalismo defende que as decisões substantivas sobre temas
controvertidos no campo moral, econômico, político e etc., NÃO devem
estar contidas na Constituição, cabendo ao povo deliberar sobre esses
temas (principal fundamento é o princípio democrático).

✅ Já o SUBSTANCIALISMO adota posição inversa, sustentando a


legitimidade da adoção de decisões substantivas pelas constituições, sobretudo
no que concerne aos direitos fundamentais - inclusive direitos que não estão
diretamente ligados ao funcionamento da democracia.

 O neoconstitucionalismo e a teoria da constituição dirigente se situam no


campo do substancialismo, vez que concebem papéis ambiciosos para as
constituições, indo além da garantia dos pressupostos do funcionamento
da democracia.

178
No contexto da interpretação constitucional:

✅ No campo hermenêutico, um SUBSTANCIALISTA tende a buscar respostas


para um grande número de controvérsias na Constituição, interpretando-a de
forma abrangente.
✅ Já um PROCEDIMENTALISTA, diferentemente, adota posição mais
cautelosa, no afã de preservar um maior espaço para a política majoritária
(exceção: pressupostos para o funcionamento da democracia).

Quanto ao papel da jurisdição constitucional:

✅ Os PROCEDIMENTALISTAS defendem um papel mais modesto (deve


adotar uma postura de autocontenção).
✅ Os SUBSTANCIALISTAS advogam um papel mais ativo para a
jurisdicional.

Bibliografia: Daniel Sarmento (Direito Constitucional).

PRINCÍPIO DA JUSTEZA OU PRINCÍPIO DA “EXATIDÃO


FUNCIONAL” OU DA “CORREÇÃO FUNCIONAL

Na interpretação da Constituição deve-se verificar qual é o espaço


institucional de cada poder.

179
Trata-se de corolário do princípio da separação dos poderes.

Assim, nenhuma interpretação realizada por um órgão pode conduzir a uma


usurpação de competência ou de função dos demais. Logo, a interpretação deve
procurar manter o mesmo sistema de repartição de funções estatais como
concebido no texto constitucional.

Não podem ser admitidos resultados que desconsiderem a vocação de cada um


dos órgãos do Estado, o tipo de legitimação que caracteriza suas decisões, bem
como as capacidades institucionais que reúne” - interpretação em que se busca
preservar o esquema de repartição de funções constitucionalmente
estabelecido.

Tal argumento foi muito usado como forma de impedir/limitar o “ativismo


judicial”.

Diferentemente, o PRINCÍPIO DA CONCORDÂNCIA PRÁTICA OU


HARMONIZAÇÃO, parte da “Unidade da Constituição “. Segundo esse
princípio, “bens jurídicos constitucionalizado deverão coexistir de forma
harmônica, em caso de conflito, buscando evitar o sacrifício de um princípio
em relação ao outro. Isso porque, inexiste hierarquia entre princípios.

Assim, havendo uma colisão, segundo Robert Alexy, deve o intérprete


ponderar os bens jurídicos em tensão (PONDERAÇÃO DE BENS OU
VALORES), realizando uma redução proporcional, de modo que a aplicação
de uma norma não implique sacrifício ou extirpação total da outra norma.

180
ATIVISMO CONGRESSUAL

O ativismo congressual é também denominado de “reação legislativa” ou


“reversão jurisprudencial”. Trata-se o ativismo congressual da reação do Poder
Legislativo frente uma decisão de inconstitucionalidade de determinada lei ou
ato normativo.

O Poder Legislativo, em sua função típica de legislar, não fica vinculado à


decisão do STF quando da declaração de inconstitucionalidade de uma lei ou
ato normativo. Evita-se a "fossilização da Constituição". Desse modo, o
legislador, em tese, pode editar nova lei com o mesmo conteúdo daquilo que
foi declarado inconstitucional pelo STF.

Isso porque, entende-se atualmente que a decisão do STF em matéria


constitucional deve ser compreendida como "última palavra provisória", vez
que depois que o STF decidir, reiniciam-se as rodadas de debates entre as
instituições e os demais atores da sociedade civil sobre o tema, em um
verdadeiro “diálogo institucional”.

O legislador pode, por emenda constitucional ou lei ordinária, superar a


jurisprudência.

181
 Por meio de emenda constitucional, a invalidação somente ocorrerá nas
restritas hipóteses de violação aos limites previstos no art. 60, e seus
§§, da CF/88.

 Por meio de lei ordinária, a lei que frontalmente colidir com a


jurisprudência do STF nasce com presunção relativa de
inconstitucionalidade, de forma que caberá ao legislador o ônus de
demonstrar, argumentativamente, que a correção do precedente se
afigura legítima. A nova legislação que frontalmente colida com a
jurisprudência (leis in your face) se submete a um controle de
constitucionalidade mais rigoroso.

Ressalta-se, ademais, que se o legislador fizer isso, não é possível que o


interessado proponha reclamação ao STF pedindo que essa lei seja
automaticamente julgada também inconstitucional (Rcl 13019 AgR).

Deve propor uma nova ADI para que o STF examine essa nova lei e a declare
inconstitucional, podendo o STF, inclusive, mudar de opinião no julgamento
dessa segunda ação.

Na reação legislativa há o que a doutrina constitucionalista denomina de “efeito


backlash”, que é uma reação conservadora de parcela da sociedade ou das
forças políticas diante de uma decisão do Poder Judiciário.

182
EFEITO BACKLASH

O “efeito backlash” tem sua origem atribuída ao julgamento Norte Americano


Furman x Georgia. Nesse caso, discutia-se a legalidade da pena de morte e a
compatibilidade da mesma com a Oitava Emenda da Constituição Norte
Americana. Em apertado placar – 5 x 4 – a Corte Suprema Norte Americana
entendeu que a pena de morte seria incompatível com a Constituição. A decisão
sopesava diversos princípios constitucionais.

Socorre que, a decisão terminou por causar forte rejeição social. Ao invés de
encontrar apoiadores a perversidade da punição da pena de morte, à eleição
seguinte demonstrou que a população era contra tal decisão, resultando em
verdadeiro endurecimento da legislação penal no País.

Anos depois, a mesma Suprema Corte Americana, revendo o caso – Furman x


Georgia – entendeu que a pena de morte seria compatível em determinados
casos. Essa forte reação popular e de todo o sistema foi denominada de “efeito
backlash”. Consiste, portanto, em uma forte reação social ao ativismo judicial
em temas de forte teor político, considerados polêmicos.

No Brasil, o caso que se destaca é a proibição da vaquejada. O STF, chamado


a analisar a Constitucionalidade da Lei do Estado do Ceará – Lei no
15.299/2013 – entendeu que a atividade de vaquejada submetia os animais a
tratamento cruel, terminando por entender a norma inconstitucional, verbis:

183
É inconstitucional lei estadual que regulamenta a atividade da
“vaquejada”. Segundo decidiu o STF, os animais envolvidos nesta
prática sofrem tratamento cruel, razão pela qual esta atividade
contraria o art. 225, § 1o, VII, da CF/88. A crueldade provocada
pela “vaquejada” faz com que, mesmo sendo esta uma atividade
cultural, não possa ser permitida. A obrigação de o Estado
garantir a todos o pleno exercício de direitos culturais,
incentivando a valorização e a difusão das manifestações, não
prescinde da observância do disposto no inciso VII do § 1o do art.
225 da CF/88, que veda práticas que submetam os animais à
crueldade. STF. Plenário. ADI 4983/CE, Rel. Min. Marco Aurélio,
julgado em 06/10/2016 (Info 842).

No entanto, ao invés da decisão criar um sentimento de proibição da vaquejada,


provocou o sentimento oposto. Num primeiro momento editou-se uma Lei
Federal sobre o tema – Lei 13.364/2016 – para depois editar uma Emenda à
Constituição – EC no 96/2017.

George Marmelstein resume a lógica do efeito backlash ao ativismo judicial:

“(1) Em uma matéria que divide a opinião pública, o Judiciário


profere uma decisão liberal, assumindo uma posição de
vanguarda na defesa dos direitos fundamentais. (2) Como a
consciência social ainda não está bem consolidada, a decisão
judicial é bombardeada com discursos conservadores inflamados,
recheados de falácias com forte apelo emocional. (3)

184
A crítica massiva e politicamente orquestrada à decisão judicial
acarreta uma mudança na opinião pública, capaz de influenciar
as escolhas eleitorais de grande parcela da população. (4) Com
isso, os candidatos que aderem ao discurso conservador
costumam conquistar maior espaço político, sendo, muitas vezes,
campeões de votos. (5) Ao vencer as eleições e assumir o controle
do poder político, o grupo conservador consegue aprovar leis e
outras medidas que correspondam à sua visão de mundo. (6)
Como o poder político também influencia a composição do
Judiciário, já que os membros dos órgãos de cúpula são indicados
politicamente, abre-se um espaço para mudança de entendimento
dentro do próprio poder judicial. (7) Ao fim e ao cabo, pode haver
um retrocesso jurídico capaz de criar uma situação normativa
ainda pior do que a que havia antes da decisão judicial,
prejudicando os grupos que, supostamente, seriam beneficiados
com aquela decisão.”

Outro exemplo adveio após pronunciamento do STF quanto ao reconhecimento


da união entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar (ADI 4277). A
tentativa de burla legislativa ao pronunciamento da jurisdição constitucional
manifestou-se, aqui, pela proposta de um “Estatuto da Família”, que pretendia
justamente grafar previsão em sentido contrário, de modo expresso, visando
excluir e tolher quaisquer outros arranjos familiares que não o eleito pelo
legislador.

185
O efeito blacklash, portanto, representa uma reação conservadora de parcela
da sociedade, diante de decisão liberal do Poder Judiciário. Em geral,
busca-se combater decisões de cunho progressista e são protagonizados por
personagens de perfil conservador, que justificam tais atos para a defesa de
valores nobres como, exposto “alhures”, a proteção à entidade familiar.

DIÁLOGOS INSTITUCIONAIS

De acordo com o constitucionalista Daniel Sarmento, na interpretação da


Constituição, não cabe ao Judiciário deter a “última palavra”.

Deve haver uma interação entre os Poderes, ou seja, uma interação produtiva,
na qual deverão trocar argumentos racionais, se abster de decidir nos pontos em
que outras instituições têm mais capacidade/legitimidade e tomar suas próprias
decisões de modo a desenvolver as decisões já tomadas por outras instituições.

Segundo a doutrina, seria prudente que o STF desse apenas a “última palavra
provisória”, considerando as demais instituições igualmente intérpretes.

Isso porque, o próprio texto constitucional desafia esse entendimento, uma vez
que:

186
a) os efeitos vinculantes das decisões proferidas em sede de controle
abstrato não atingem o Legislativo (arts. 102, parágrafo 2º e 103-A,
ambos da CF);
b) há o dever de fundamentação das decisões judiciais (art. 93, IX, da CF),
que impõe ao STF, mesmo nas hipóteses de correção legislativa de sua
jurisprudência, o enfrentamento da controvérsia à luz dos novos
argumentos expendido pelo legislador para reverter o precedente).

Dessa maneira, é preferível adotar um modelo que não atribua a nenhuma


instituição (nem o Judiciário, nem o Legislativo) o “direito de errar por último”,
abrindo-se a permanente possibilidade de correções recíprocas no campo
da hermenêutica constitucional, com base na ideia de diálogo, em lugar da
visão mais tradicional, que concede a última palavra nessa área ao STF.

Verifica-se que, a despeito da retórica da “supremacia judicial” na interpretação


constitucional, presente em vários julgados, a jurisprudência do STF vem
dando uma abertura para revisão dos seus posicionamentos anteriores, quando
postas em xeque por atos legislativos subsequentes. Essa abertura ao diálogo é
salutar, pois permite o controle recíproco entre os poderes do estado,
viabilizando a correção de erros na hermenêutica constitucional.

Portanto, deve o STF proceder como “catalisador deliberativo”, promovendo


a interação e o diálogo institucional, de modo a maximizar a

187
qualidade democrática na obtenção dos melhores resultados em termos de
apreensão do significado constitucional.

INCONSTITUCIONALIDADE SUPERVENIENTE

Embora pouco discutido na doutrina, é possível afirmar que existem duas


concepções de inconstitucionalidade superveniente:

 Acepção tradicional (entrada em vigor de uma nova CF e leis


anteriores incompatíveis)

A lei ou ato normativo impugnado por meio de ADI deve ser POSTERIOR ao
texto da CF/88 invocado como parâmetro.

Assim, se a lei ou ato normativo for anterior à CF/88 e com ela incompatível,
não se pode dizer que há uma inconstitucionalidade. Nesse caso, o que existe é
a não-recepção da lei pela Constituição atual.

Logo, nesse sentido, afirma-se que não existe no Brasil inconstitucionalidade


superveniente para se explicar que a lei anterior à 1988 e que seja contrária à
atual CF não pode taxada como “inconstitucional”.

Não é admitida no Brasil.

188
 Acepção moderna (lei que sofreu um processo de
inconstitucionalização)

Uma lei ou ato normativo que foi considerado constitucional pelo STF pode,
com o tempo e as mudanças verificadas no cenário jurídico, político,
econômico e social do país, tornar-se inconstitucional em um novo exame do
tema.

Assim, inconstitucionalidade superveniente, nesse sentido, ocorre quando a lei


(ou ato normativo) torna-se inconstitucional com o passar do tempo e as
mudanças ocorridas na sociedade.

Não há aqui uma sucessão de Constituições. A lei era harmônica com a atual
CF e, com o tempo, torna-se incompatível com o mesmo Texto Constitucional.

É ADMITIDA no Brasil.

SOCIEDADE ABERTA DOS INTÉRPRETES DA


CONSTITUIÇÃO

Peter Häberle defende uma democratização da hermenêutica constitucional,


propondo que no processo de interpretação constitucional estejam ligados todos
os órgãos estatais, as potências públicas, todos os cidadãos e grupos sociais,
não se estabelecendo um limite aos participantes do processo

189
hermenêutico, sendo estes as forças produtivas de interpretação, sem as quais
seria impossível uma interpretação democrática da Constituição.

Os instrumentos de informação dos juízes constitucionais devem ser


ampliados, especialmente no que se refere a audiências públicas e a
“intervenções de eventuais interessados” (amicus curiae) assegurando novas
formas de participação das potências públicas pluralistas como intérpretes em
sentido amplo da Constituição.

Nota-se, portanto, que a teoria da sociedade aberta de intérpretes da


Constituição, do alemão Peter Häberle, é uma proposta que visa AMPLIAR o
círculo de intérpretes constitucionais, advogando uma “pluralidade de
intérpretes” (a exemplo das audiências públicas e participação do “amicus
curiae”), alinhada a uma perspectiva típica de um “Estado Democrático de
Direito”, que busca a abertura e não o fechamento (“sociedade fechada de
intérpretes”, típica da hermenêutica tradicional clássica) no processo de
concretização e densificação das normas constitucionais.

O autor afirma que

“Todo aquele que vive no contexto que vive no contexto regulado


por uma norma e que vive com este contexto, é, indireta ou, até
mesmo diretamente, um interprete da norma. O destinatário da
norma é participante ativo, muito mais ativo do que se pode supor
tradicionalmente, do processo hermenêutico. Como não

190
são apenas os interpretes jurídicos da Constituição que vivem a
norma, não detêm eles o monopólio da interpretação”.

Härbele defende também que é própria da força produtiva da interpretação, a


opinião pública democrática e pluralista, obtendo um importante papel, nesse
processo, a mídia (imprensa, rádio, televisão, etc..), e também os cidadãos, as
associações, os partidos políticos, igrejas, editoras, teatros, escolas, dentre
outros.

A participação do indivíduo é potencialmente integradora de todas as forças da


comunidade política no processo, em que a ampliação desse círculo de
intérpretes decorre da necessidade de integrar a realidade no processo
interpretativo. Neste o cidadão formula um recurso constitucional, ou seja, atua
como intérprete direito do texto da Lei Maior, já que essa interpretação é uma
atividade que, em geral, diz respeito a todos.

CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE PELO


MINISTÉRIO PÚBLICO E DEFENSORES PÚBLICOS

Os membros do Ministério Público e os Defensores Públicos podem realizar o


controle de convencionalidade?

A resposta é positiva.

191
Segundo a jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos (caso
Gelman vs. Uruguai), todas as autoridades públicas, inclusive os membros do
Ministério Publico e defensores públicos têm o dever de exercer o controle de
convencionalidade.

Sobre este ponto, é a lição de Valério de Oliveira Mazzuoli:

“Ainda que este tópico estude precipuamente o controle


jurisdicional de convencionalidade, é necessário ter nítido que a
partir do julgamento do caso Gelman vs. Uruguai, de 24.02.2011,
a Corte Interamericana de Direitos Humanos amplia essa
obrigação a todos os órgãos vinculados à administração da
justiça, no âmbito de suas respectivas competências e das regras
processuais pertinentes. Seria o caso, no Brasil, v.g., de se exigir
cada vez mais do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) a obrigação
de controlar a convencionalidade das leis que aplica nos casos
concretos” (MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direitos
Humanos. 2. ed. São Paulo: Editora Método, 2015, p. 113).

(I)LEGITIMIDADE INTERGERACIONAL DAS


CLÁUSULAS PÉTREAS E O GOVERNO DOS MORTOS
SOBRE OS VIVOS.

192
A partir de uma perspectiva filosófica e teórica, é possível afirmar que a
Constituição Federal de 1988 permite o governo dos mortos sobre os vivos.

Isso porque, quando uma Constituição vigora por certo tempo em um Estado e
há em seu texto constitucional a presença de cláusulas pétreas, o ordenamento
jurídico acaba por apresentar limites intransponíveis que foram estabelecidos
no passado.

É o chamado problema da legitimidade intergeracional das cláusulas pétreas.

Se, por um lado, as cláusulas pétreas conferem segurança, essência, identidade


e estabilidade ao ordenamento jurídico de um Estado, caracterizando-se como
verdadeiras cláusulas de “eternidade”, insuperáveis até mesmo em momentos
de grave crise institucional, por outro lado as cláusulas pétreas acabam por
retirar a capacidade das gerações futuras de determinado Estado de escolher seu
próprios caminhos, permitindo o que se chama de “governo dos mortos sobre
os vivos”, já que, dado certo período de vigência de uma Constituição, aqueles
que a confeccionaram e que optaram por inserir esta ou aquela cláusula pétrea
no corpo constitucional já terão falecido.

Apenas a título de ilustração, é possível verificar que boa parte dos deputados
que participaram da Assembleia Constituinte faleceram.

Sobre o problema da legitimidade intergeracional das cláusulas pétreas, é a


lição de Daniel Sarmento e Cláudio Pereira de Souza:

193
“Uma das questões mais importantes do debate constitucional é
estabelecer em qual proporção se afigura legítimo que uma
Constituição prefigure os caminhos e decisões do povo do futuro.
Quando reconhecemos que as constituições, em geral, aspiram
vigorar por muito tempo e disciplinar a coexistência política de
sucessivas gerações ao longo da trajetória de uma nação, somos
confrontados com uma pergunta fundamental: por que, e até que
ponto, pode uma geração adotar decisões vinculativas para as
outras que a sucederão? Não seria esta uma fórmula de governo
dos mortos sobre os vivos? [...] O problema se agrava quando
consideramos a presença, no texto constitucional, das chamadas
„cláusulas pétreas‟. De fato, diante de uma norma constitucional
indesejada que não configure cláusula pétrea, não ficam os
poderes políticos do povo presente de mãos completamente
atadas, pois sempre é possível buscar a mudança desejada, por
meio dos procedimentos de reforma estabelecidos pela própria
Constituição. Neste caso, apenas será necessário um esforço
maior, pois as constituições rígidas, como será esclarecido,
preveem para alteração dos seus dispositivos um procedimento
mais agravado e complexo. No entanto, diante das cláusulas
pétreas a vinculação é total, pois só a ruptura da ordem jurídica,
com a emergência de um novo poder constituinte originário
permitiria a sua superação. Proibir gerações futuras de deliberar
sobre determinadas questões é algo de enorme gravidade, pois,
com isto, elas ficam privadas da capacidade de

194
escolher seus próprios caminhos” (SARMENTO, Daniel e
NETO, Cláudio Pereira de Souza. Direito Constitucional: Teoria,
História e Métodos de Trabalho. 2. ed. Belo Horizonte: Editora
Forum, 2016, p. 28).

CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE FORTE


VERSUS CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE
FRACO

No sistema do controle de constitucionalidade forte, o Poder Judiciário é o


órgão com competência para dar a última palavra (ainda que provisória) sobre
determinada questão.

Já no sistema do controle de constitucionalidade fraco, não é o Poder Judiciário


quem profere a última palavra acerca de determinada discussão jurídica.

O controle de constitucionalidade fraco vigora no Canadá, uma vez que o


Estado Canadense admite a chamada “cláusula não obstante”, na qual o Poder
Legislativo pode suspender/revogar as decisões da Suprema Corte Canadense.

Sobre o controle de constitucionalidade fraco, é a lição de José Guilherme


Berman:

195
“Hoje temos disponíveis duas versões de controle de
constitucionalidade, fraco e forte. No controle forte, uma decisão
do judiciário sobre o conteúdo das leis sobre processo legislativo
não é formalmente passível de revisão, exceto pela própria corte
ou pelo difícil processo de emenda constitucional. Os sistemas de
controle fraco permitem revisão formal de decisões judiciais por
meio de um processo que é de alguma forma mais difícil de
empregar do que aquele exigido para a elaboração da legislação
ordinária. (…) O controle fraco de constitucionalidade em um
país como o Canadá, no qual qé bastante difícil conseguir a
aprovação de uma emenda à Constituição, permite que o Poder
Legislativo (federal ou provincial) aplique uma lei
inconstitucional (superando, assim, a opinião do judiciário) de
maneira rápida, o que seria impossível se fosse necessário
emendar a Constituição”. (BERMAN, José Guilherme. Controle
fraco de Constitucionalidade. Juruá: Paraná. 2016 pp. 219-221).

Assim, a partir da classificação explanada, é possível concluir que o Brasil


adota o controle de constitucionalidade forte.

CLÁUSULA DE RESERVA DE PLENÁRIO NO CONTROLE


DE CONVENCIONALIDADE

196
Ao reconhecer a inconvencionalidade do delito de desacato, o Superior
Tribunal de Justiça consignou que a decretação de inconvencionalidade não
precisa observar a cláusula da reserva de plenário (full bench).

Com base na doutrina Jurisprudência Internacional de Direitos Humanos:

“O Código Penal brasileiro ainda tipifica o crime de desacato


(art. 331). A permanência deste tipo penal no ordenamento
jurídico doméstico tem o efeito de inibir os indivíduos de
expressarem suas opiniões e pensamentos em relação aos
funcionários públicos, ocasionando um efeito resfriador (chilling
effect) no direito à liberdade de expressão. O efeito resfriador da
liberdade de expressão consiste numa autocensura realizada
pelos próprios agentes comunicativos que, receosos de políticas
sancionatórias e seguidas de censura por parte do Estado,
acabam evitando adentrar em assuntos polêmicos ou deixam de se
expressar da forma que gostariam. O STF já teve a oportunidade
de se manifestar sobre a constitucionalidade do crime de desacato
quando julgou a ADI 1.127, tendo decidido pela
inconstitucionalidade parcial de preceito contido no EOAB (art.
7o, § 2o) que estabelecia uma imunidade profissional ao
advogado para o eventual cometimento do crime de desacato
quando no exercício de suas funções, admitindo apenas a
imunidade para os crimes de injúria e difamação (ADI 1.127, rel.
Min. Ricardo Lewandowski, Plenário, j. 17/05/2006). Sobre essa
conexão com o Direito brasileiro, ainda devemos anotar

197
dois pontos: (I) as Defensorias Públicas da União e do Estado de
São Paulo já denunciaram o Brasil na CIDH, requerendo a
condenação do Estado brasileiro pela manutenção do crime de
desacato no Código Penal; e (II) recentemente, em habeas corpus
impetrado pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo, o STJ
decidiu pela inconvencionalidade do crime de desacato,
constando do voto do Min. Ribeiro Dantas (relator) que “(...) a
existência de tal normativo em nosso ordenamento jurídico é
anacrônica, pois traduz desigualdade entre funcionários e
particulares, o que é inaceitável no Estado Democrático de
Direito preconizado pela CF/88 e pela Convenção Americana de
Direitos Humanos”, e prossegue o Min. Ribeiro Dantas para
afirmar que “(...) a punição do uso de linguagem e atitudes
ofensivas contra agentes estatais é medida capaz de fazer com que
as pessoas se abstenham de usufruir do direito à liberdade de
expressão, por temor de sanções penais, sendo esta uma das
razões pelas quais a CIDH estabeleceu a recomendação de que os
países aderentes ao Pacto de São José abolissem suas respectivas
leis de desacato” (REsp 1.640.084, rel. Min. Ribeiro Dantas, 5a
Turma, j. 15/12/2016). Finalmente, ainda chamamos a atenção
para um ponto interessante do voto do Min. Ribeiro Dantas:
diferente do controle difuso de constitucionalidade, que exige a
cláusula de reserva de plenário e, no caso do STJ, ensejaria a
remessa do processo para a Corte Especial, o controle de
convencionalidade pode ser exercido por meio das Turmas”.
(HEEMANN, Thimotie Aragon; PAIVA,

198
Caio. Jurisprudência Internacional de Direitos Humanos. 2a ed.
Minas Gerais: CEI, 2017, pp 238-239).

Posteriormente, a 3ª seção do STJ reconheceu a convencionalidade do desacato.


No entanto, o objetivo do post é evidenciar a desnecessidade da regra da full
bench no controle de convencionalidade

PROCESSOS ESTRUTURANTES E DIREITO PROCESSUAL


DOS DESASTRES

Os processos estruturantes são:

“o conjunto de técnicas e instrumentos processuais aptos a tornar


viável a intervenção judicial, de modo responsável, em políticas
públicas (implantar uma política inexistente, complementar uma
política deficiente ou aperfeiçoar uma política ineficiente), ou a
que busca implantar uma reforma estrutural em um ente,
organização ou instituição, com o objetivo de concretizar um
direito fundamental, ou ainda resolver litígios complexos, assim
compreendidos aqueles que põe em roda de colisão múltiplos
interesses sociais, todos eles dignos de tutela”.

Logo, as decisões estruturais partem do pressuposto de que o processo civil


tradicional, cunhado para lidar com litígios individuais, não é adequado para

199
lidar com processos complexos, que envolvem políticas públicas ou a criação
e reestruturação de instituições

É preciso lembrar que os provimentos estruturais também podem decorrer de


decisões tomadas pelo Supremo Tribunal Federal no âmbito do controle
concentrado de constitucionalidade. Exemplo: ADPF do sistema carcerário
e reconhecimento do Estado de Coisas Inconstitucional.

São características dos processos estruturantes:

a) possibilidade de acentuada intervenção judicial na atividade dos sujeitos


públicos ou particulares envolvidos no processo (jurisdição de supervisão);
b) ativismo judicial equilibrado;
c) possibilidade de “decisões em cascata” (as decisões se sucedem e somente
podem ser tomadas após u cumprimento das fases anteriores. A decisão atual
depende do resultado e das informações decorrentes do cumprimento da
decisão anterior;
d) atenuação ou flexibilização da regra da congruência entre a decisão e a
demanda;
e) intima relação com a efetivação de direitos constitucionais e com o controle
jurisdicional de políticas públicas;
f) a imposição de medidas cuja implantação não é imediata, mas se perfaz no
tempo;
g) um grande detalhadamento sobre a forma pela qual a decisão será cumprida
– por meio da elaboração de planos, metas, fixação de prazos, imposição de
uma vasta gama de medidas acessórias;

200
i) flexibilidade executiva e prolongamento da execução durante um maior
período de tempo;
j) a possibilidade de se delegar à fiscalização a outros órgãos dotados de
melhores condições técnicas para tanto;

Microinstitucionalidade (Ricardo Luis Lorenzetti): Em razão da da


execução prolongada das decisões em processos estruturantes, o Ministro da
Suprema Corte Argentina, Ricardo Luis Lorenzetti, verificou a necessidade de
se implementar a decisão judicial estruturante de forma gradual e passo a passo.
Assim, Lorenzetti defende que em determinadas questões de expertise técnicas,
o plano de execução do expediente estruturante seja delegado para um órgão
técnico, ou ainda, que seja criada dentro da administração pública uma
instituição dedicada ao cumprimento da decisão em processo estruturante e
fiscalizada pelo próprio Poder Judiciário. Lorenzetti chama este fenômeno de
microinstitucionalidade.

Por fim, os processos estruturantes estão intimamente ligados com o chamado


Direito Processual dos Desastres(expressão de Hermes Zanetti Jr), uma vez
que desastres ambientais como as tragédias de Mariana/MG e Brumadinho/MG
exigem dos operadores do direito busquem uma solução para o ocorrido a partir
dos processos e decisões estruturantes.

TEORIA DA KATCHANGA

201
Consiste num conceito livre de autorização para o uso indiscriminado da
lista de princípios e direitos fundamentais previstos na Constituição, sendo
desautorizado todo um sistema de lógica e objetividade fundamentativa para
adotar decisões arbitrárias, sem maiores preocupações com o regramento como
um todo e com a fundamentação detalhada e objetiva, focado apenas na
resolução do direito e na hábil solução dos conflitos por meio de um
decisionismo apressado.

Trata-se de uma crítica a essa característica do neoconstitucionalismo, à


ampliação da aplicação principiológica e à discricionariedade judicial. Discute-
se também o método de ponderação de Alexy (“ponderação à brasileira”).

PRAGMATISMO JURÍDICO NO DIREITO


CONSTITUCIONAL

Trata-se de teoria normativa da decisão jurisdicional, voltada para o futuro


(caráter prospectivo), calcada na razoabilidade que visa o melhor resultado
de cunho prático possível.

Características:
1. Antifundacionalismo (refutação de conceitos abstratos);
2. Contextualismo (importância da experiência humana no
julgamento);

202
3. Consequencialismo (as proposições devem ser testadas para
projetar suas consequências e resultados possíveis para conduzir a
busca de interpretações às melhores consequências práticas -
“empiricista”).

De acordo com o professor de Chicago Richard Posner, para o pragmatismo


jurídico, de “matriz realista”, o direito se apresenta como um instrumento
estratégico e indeterminado de qualquer base de legitimidade e justificação
interna, conduzindo a um déficit de legitimidade e correção judicial.

Tem-se, no pragmatismo jurídico, um “CONSEQUENCIALISMO FORTE”,


que sustenta que a decisão judicial deve ser tomada não com os olhos no
passado (seguindo um viés interpretativista), mas sempre com os olhos voltados
para o futuro (de forma prospectiva), de modo a acolher, dentre as opções,
aquela que trouxer maior linha de vantagem que, para Posner, deve ser de cunho
econômico (a tese central é a análise econômica do direito).

Ademais, o pragmatismo de Posner ataca o academicismo teórico do direito (os


juristas acadêmicos), ou seja, ele faz parte do “movimento antiteórico
populista” (sustenta que nenhuma teoria MORAL pode oferecer base sólida
para um juízo moral).

Portanto, segundo Posner, explicitando mais uma vez sua vertente


consequencialista, “no momento de decidir, mais importante do que o juiz
conhecer conteúdos morais, é ele ter o domínio instrumental das questões

203
econômicas, políticas e sociais envolvidas na questão, sendo necessário o
domínio, com máxima previsibilidade possível, sob as consequências geradas
por sua decisão, tendo sempre como guia a adoção da medida que traga MAIOR
BENEFÍCIO ou UMA MELHORA nas condições gerais observadas pelas
pessoas envolvidas no caso.

DERROTABILIDADE (OU DEFESEABILITY)

As normas-regras, havendo colisão, são aplicáveis pelo sistema do “tudo ou


nada”, preconizado por Ronald Dworkin. Entretanto, a especificação e
determinabilidade da norma-regra pode gerar inconveniência para a aplicação
da norma jurídica.

Desse modo, é possível que uma decisão judicial, individualizada e específica,


supere a norma regulatória em determinados casos. É como se houvesse uma
cláusula implícita estabelecendo sua obrigatória aplicação, “a menos que”
uma situação extraordinária se concretizasse.

O STF, embora não utilize a expressão derrotabilidade, admite a superação


episódica de uma norma regulatória, apresentando solução casuística
específica.

Assim, a derrotabilidade da norma significa a possibilidade, no caso concreto,


de uma norma ser afastada ou ter sua aplicação negada, sempre que uma

204
exceção relevante se apresente, ainda que a norma tenha preenchido seus
requisitos necessários e suficientes para que seja válida e aplicável.

Desse modo, em virtude da impossibilidade de as normas preverem as diversas


situações fáticas, ainda que presentes seus requisitos, elas contém, de forma
implícita, uma cláusula de exceção (a menos que), de modo a ensejar, diante do
caso concreto, a derrota/superação da norma.

Ressalta-se que a norma derrotada/afastada diante do caso concreto continua


sendo aplicada a casos normais. Afinal, ela continua sendo uma norma.

Um exemplo de derrotabilidade seria o reconhecimento pelo STF da


possibilidade de interrupção da gravidez em razão da anencefalia, pois, com a
decisão, o Supremo superou/derrotou uma norma jurídica de Direito Penal
proibitiva do aborto (salvo nos casos de gravidez decorrente de estupro ou para
salvar a vida da gestante). Entretanto, o crime de aborto continua a existir e
incidir normalmente nos casos tipificados no Código Penal.

EFICÁCIA DIAGONAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Trata-se da eficácia irradiada dos direitos fundamentais na proteção das


relações entre particulares, mormente caracterizadas pelo desequilíbrio ou
desproporcionalidade fática diante da hipossuficiência.

205
A relação laboral/trabalhista é caracterizada pela presença de partes
materialmente desiguais diante da subordinação. Assim, a eficácia diagonal se
evidencia no princípio da proteção do empregado, que impõe ao ordenamento
trabalhista a previsão legal de garantias compensatórias da hipossuficiência do
obreiro na discussão. A eficácia diagonal dos direitos fundamentais também se
observa na relação consumerista (consumidor é a parte mais frágil da relação).

Na formulação clássica dos direitos fundamentais, esses representavam limites


ao exercício do poder do Estado (assim, a relação que se dá entre Estado, de
um lado, e particular, de outro, denomina-se de EFICÁCIA VERTICAL dos
direitos fundamentais).

Porém, além dessa perspectiva, surge a necessidade de se defender, com fulcro


nos direitos fundamentais, o particular nas relações com outros particulares,
falando-se aqui em EFICÁCIA HORIZONTAL DOS DIREITOS
FUNDAMENTAIS.

Todavia, é necessário lembrarmos que as relações privadas nem sempre se


apresentam de forma igualitária, sendo bastante comum encontrar situações em
que os particulares estão em posições bastante desiguais.

É justamente a partir destas relações que o surge a teoria da eficácia diagonal


dos direitos fundamentais que consiste na necessária incidência e observância
dos direitos fundamentais em relações privadas (particular-particular) que são

206
marcadas por uma flagrante desigualdade de forças, em razão tanto da
hipossuficiência quanto da vulnerabilidade de uma das partes da relação.

Trata-se de uma eficácia diagonal por que, em tese, as partes estão em situações
equivalentes (particular-particular), mas, na prática, há um império do poder
econômico, razão por que se defende a observância dos direitos fundamentais
nestas relações.

De acordo com Daniel Sarmento, é certo que o termo “direitos fundamentais”


nas relações privadas é o mais adequado, visto que em determinadas hipóteses
(casos concretos) os particulares NÃO ESTÃO EM RELAÇÃO DE
HORIZONTALIDADE devido à discrepância de uns em relação aos outros, o
que vem sendo denominado pela doutrina de “eficácia DIAGONAL dos
direitos fundamentais”.

Essa seria, segundo Daniel Sarmento, a referente aos particulares nas relações
com outros particulares não numa relação de horizontalidade, mas sim de
verticalidade, ou seja, um particular com grande poder econômico em relação
a outro particular hipossuficiente.

Nesse sentido, teríamos a eficácia diagonal dos direitos fundamentais (E NÃO


HORIZONTAL) apesar da relação ser entre particulares.

207
USUCAPIÃO DE
LEGALIDADE/CONSTITUCIONALIDADE

No Brasil não é admitido o fenômeno da usucapião de


legalidade/constitucionalidade.

Isso porque, o fato de uma norma permanecer em vigor por muito tempo no
ordenamento jurídico brasileiro não lhe confere
constitucionalidade/legalidade, não sendo admitido o fenômeno do
“usucapião de legalidade/constitucionalidade”.

A expressão “usucapião de legalidade/constitucionalidade” foi utilizada pelo


Supremo Tribunal Federal no julgamento da Ação Direta de
Inconstitucionalidade 4451.

CONSTITUIÇÃO SILENCIOSA X CONSTITUIÇÃO


GRANÍTICA

 Constituição fixa ou silenciosa: é aquela que só pode ser modificada


pelo mesmo poder que a criou (Poder Constituinte Originário). São
chamadas de silenciosas por não preverem procedimentos
especiais para a sua modificação. Um exemplo seria a Constituição
espanhola de 1876.

208
 Constituição imutável ou granítica: é aquela que não prevê nenhum
tipo de processo de modificação em seu texto. São relíquias históricas.

Em sociedades complexas como a nossa, constituições graníticas estariam


fadadas ao insucesso.

CONSTITUIÇÃO DÚCTIL (SUAVE) E O


CONSTITUCIONALISMO DA TEORIA DISCURSIVA DE
JÜRGEN HABERMAS

Para a Constituição Dúctil (suave), de Gustavo Zagrebelsky, o papel da


Constituição é apenas assegurar condições possíveis para uma vida em comum
(e não realizar um projeto predeterminado de vida). Portanto, uma Constituição
não deve predefinir uma forma de vida, mas, sim, deve criar condições para o
exercício dos mais variados projetos de vida (concepções de vida digna).

Trata-se de Constituição aberta que acompanha o desenvolvimento de uma


sociedade pluralista e democrática.

A concepção se aproxima da Constituição defendida pela Teoria discursiva


do direito e da democracia de Habermas (que trabalha com o
constitucionalismo procedimental do Estado Democrático de Direito).

209
CONCEPÇÕES DA CONSTITUIÇÃO

Resumidamente, trataremos das concepções da Constituição:

✅ Sentido Sociológico (Ferdinand Lassalle): Constituição é entendida como


“os fatores reais de poder que regem uma sociedade”.

✅ Sentido jurídico (Hans Kelsen): Constituição possui significado


exclusivamente normativo.

✅ Sentido Político (Carl Schimitt): “Constituição” é a decisão política


fundamental do povo (não se confunde com “Lei Constitucional”).

✅ Sentido culturalista (J. H. Meirelles Teixeira): Constituição é produto da


cultura (surge uma ideia de “Constituição total”, com a junção dos aspectos
econômicos, sociólogos, políticos, normativos, filosóficos e morais).

TEORIA DOS CAMALEÕES NORMATIVOS E A


METODOLOGIA FUZZY

Trata-se da problemática atual dos direitos econômicos, sociais e culturais, em


que Canotilho faz críticas ao modo como alguns doutrinadores tratam os
direitos econômicos, sociais e culturais.

210
Com o nome “camaleões normativos”, Canotilho busca demonstrar a suposta
vagueza normativa do sistema jurídico dos direitos sociais, o que acaba por
ocasionar uma confusão entre o conteúdo de um direito juridicamente definido
e determinado com sugestões de conteúdo político- jurídica.

As ciências sociais são criticadas por utilizarem metodologia „fuzzy‟, que são
métodos confusos, indeterminados e vagos para tratar dos respectivos objetos
de estudo, sendo, sobretudo, a teoria dos direitos fundamentais que recebe mais
críticas.

“DEPARTAMENTALISMO CONSTITUCIONAL” OU
INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL
DEPARTAMENTALISTA

O departamentalismo constitucional é uma corrente constitucional de origem


no direito norte-americano que propõe distribuir a prerrogativa de interpretar a
Constituição de determinado país entre os três Poderes do Estado, evitando a
sobreposição do Poder Judiciário de maneira incontrastável.

A ideia de departamentalismo constitucional vai ao encontro da chamada


cláusula não obstante (notstandingwith clause) oriunda do direito canadense
que permite ao Poder Legislativo manter em vigor determinado ato normativo
declarado inconstitucional pelo do Poder Judiciário.

211
DIMENSÃO OBJETIVA OS DIREITOS FUNDAMENTAIS

A dimensão objetiva dos direitos fundamentais propõe uma visão dos direitos
fundamentais a partir de uma perspectiva da comunidade como um todo, ou
seja, como valores ou fins a serem perquiridos e realizados, em grande medida,
através da ação estatal.

Segundo a doutrina brasileira, a dimensão objetiva dos direitos fundamentais


possui basicamente três manifestações de fácil visualização:

Efeito irradiador dos direitos fundamentais: Os direitos fundamentais


irradiam efeitos para o legislador infraconstitucional que deve observá-los na
criação do direito infraconstitucional. Nesse sentido, os direitos fundamentais
atuam como pautas interpretativas e critérios para a configuração do direito
infraconstitucional.

Direitos Fundamentais como normas de competência negativa: Tudo aquilo


que foi outorgado ao indivíduo em caráter de direito fundamental pelo
arcabouço normativo, seja em termos de liberdade de ação, seja em termos de
livre arbítrio de sua própria esfera, está sendo objetivamente retirado das mãos
do Estado.

Dever objetivo de promoção e proteção: A dimensão objetiva dos direitos


fundamentais também gera um dever de proteção por parte do Estado (e até
mesmo um dever de garantia do Estado acerca da não violação de direitos

212
fundamentais entre particulares), bem como um dever objetivo de promoção de
posições jurídicas fundamentais contra possíveis violações por terceiros.

Podem continuar mandando sugestões de conteúdo de direito constitucional e


direitos humanos que vou abordando os pedidos de vocês na medida do
possível.

CLASSIFICAÇÃO QUANTO À ONTOLOGIA

Constituição Normativa é "aquela cujas normas dominam o processo político,


pois são lealmente observadas por todos os interessados, fazendo com que o
poder se adapte ao texto constitucional. A constituição é efetivamente
aplicada".

Constituição Nominal é aquela “carente de realidade existencial. Apesar de


ser juridicamente válida, o processo político a ela não se curva ou se adapta
adequadamente. Não é aplicada efetivamente".

Constituição Semântica representa o “modelo constitucional que, em vez de


servir como mecanismo de limitação do poder estatal, visa apenas à
estabilização e conservação da estrutura de dominação do poder político”.
Assim, servem como mero instrumento dos donos do poder e das elites
políticas, sem limitação do seu conteúdo.

213
PRINCÍPIO DA PROIBIÇÃO DO RETROCESSO E SUAS
DIMENSÕES

a) Vedação do retrocesso social: Segundo o voto do Min. Celso de Mello no


MS 24.875, a vedação do retrocesso social pode ser encarada como “o
postulado da proibição do retrocesso social, cuja eficácia impede – considera a
sua própria razão de ser – sejam desconstituídas as conquistas já alcançadas
pelo cidadão, que não pode ser despojado, por isso mesmo, em matéria de
direitos sociais, no plano das liberdades reais, dos níveis positivos de
concretização por ele já atingidos”.

b) Vedação do retrocesso político: O princípio da vedação do retrocesso


político foi mencionado pela Min. Cármen Lúcia ao julgar a medida cautelar na
ADI 4.543 que dispunha sobre a volta do “voto impresso”. Para a Ministra do
Supremo Tribunal Federal, “a proibição de retrocesso político-
constitucional impede que direitos conquistados como o da garantia do
voto secreto pela urna eletrônica retrocedam para dar lugar ao modelo
superado do voto impresso” (STF, ADI 4.543-MC, Rel. Min. Cármen Lúcia,
julgamento em 19/10/2011, Plenário; grifo nosso).

c) Vedação do retrocesso civil: Ao julgar no ano de 2017 a


(in)constitucionalidade da desigualdade sucessória conferida pelas Leis
8.971/94 e 9.287/96 em cotejo com o Código Civil de 2002, O Ministro Luis
Roberto Barroso reconheceu que “O Código Civil foi anacrônico e
representou um retrocesso vedado pela Constituição na proteção legal

214
das famílias constituídas pela União Estável” (STF, RE 878.694/MG, Voto do
Min. Luis Roberto Barroso). Neste julgamento o STF fixou a seguinte tese: “é
inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e
companheiros prevista no art. 1.790 do Código Civil de 2002, devendo ser
aplicado, tanto nas hipóteses de casamento quanto nas de união estável, o
regime do artigo 1.829 do CC/2002”;

d) Vedação do retrocesso ecológico: Ao se deparar com diversos julgamentos,


como por exemplo as ações diretas de inconstitucionalidade sobre o Novo
Código Florestal, a doutrina e até mesmo os tribunais superiores reconhecem a
existência da proibição do retrocesso em sua vertente ambiental, qual seja,
a vedação ao retrocesso ecológico.

Este princípio também é chamado de proibição de evolução reacionária


(Canotilho), cláusula de entrincheiramento, vedação ao efeito cliquet ou ainda
vedação ao efeito catraca.

Fonte: Telegram, Professor Thimotie Heemann.

DIMENSÃO ECOLÓGICA DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE


HUMANA

Viola a dimensão ecológica da dignidade humana a reintegração, ao seu habitat


natural, de ave silvestre que já possui hábitos de animal de estimação e

215
convivência habitual duradoura com seu dono (STJ, RESP 1.797.175/SP,
Rel.Min. @ministro_Og, unânime, j. em 21/03/2019).

Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça reconheceu expressamente na


ementa de um recurso especial a existência da chamada dimensão ecológica da
dignidade humana. Essa faceta ambiental do princípio da dignidade da pessoa
humana foi proposta no ordenamento jurídico brasileiro pelos professores Ingo
Sarlet e Tiago Fensterseifer e possui um ponto de partida essencial: a existência
de um Estado Socioambiental de Direito no Brasil, no qual a busca pelo bem
estar ambiental e a proteção do meio ambiente é sempre um objetivo a ser
perquirido pelo Estado.

Nesta perspectiva, é realizada uma a releitura do princípio da dignidade humana


para reconhecer uma dimensão ecológica em seu conteúdo, na qual os animais
deixem de ser enxergados como meros objetos de direito e passem a ser
reconhecidos como sujeitos “especiais” de direito.

A partir de uma abordagem baseada no direito comparado, e inclusive fazendo


menção a teoria da pachamamma, que propõe o reconhecimento da Terra como
titular de direitos, o STJ ressaltou que da “coisificação” proposta de forma
clássica pelo princípio da dignidade da pessoa humana não deve recair apenas
sobre as pessoas, mas também sobre os animais.

Vejamos um trecho do REsp 1.797.175: “Noutro ponto, também viola a


dimensão ecológica da dignidade humana, pois as múltiplas mudanças de

216
ambiente perpetuam o estresse do animal, pondo em dúvida a viabilidade de
uma readaptação a um novo ambiente”.

Nesse sentido, o tribunal da comarca cidadania reconheceu a dignidade do


papagaio e o seu reconhecimento como sujeito de direito especial.

TEORIA DOS LIMITES DOS LIMITES

A teoria “dos limites dos limites” (expressão utilizada por Karl August
Betterman) também é denominada de “teoria da restrição das restrições”
(Schranken-Schranken).

Inicialmente, insta salientar que vem prevalecendo na doutrina a “não


absolutização dos direitos fundamentais”. Logo, é possível haver a restrição
(limitação) dos direitos fundamentais.

Entretanto, a limitação deve surgir para DESENVOLVER o direito


fundamental ou outros direitos fundamentais previstos constitucionalmente em
casos de colisão (ou seja, a limitação NÃO pode prejudicar o direito
fundamental).

E, para aferir tal prática, o parâmetro adequado é a proporcionalidade da


atuação do poder público. Desse modo, criam-se limites para as limitações aos
direitos fundamentais.

217
OBS: A possibilidade de restrições aos direitos fundamentais constitucionais
está intimamente relacionado com a TEORIA EXTERNA, de Virgílio Afonso
da Silva, que - diferentemente da teoria interna - admite restrições a direitos
fundamentais.

Essa teoria surge como um mecanismo de DEFESA dos direitos fundamentais


contra atos abusivos de origem legislativa ou administrativa.

Nesses termos, surge a TEORIA DOS LIMITES DOS LIMITES, ou seja,


limites (com base em determinados parâmetros) para limitação dos direitos
fundamentais.

Critérios (limites) para que as limitações possam ocorrer foram


estabelecidos
✅ qualquer limitação aos direitos fundamentais tem de respeitar o
núcleo essencial destes (e, por derivação, a noção de dignidade da pessoa
humana);
✅ a limitação, em regra, deve ser explícita no texto, como forma de
proteção da segurança jurídica (deve haver clareza e precisão);
✅ a limitação, em regra, deve ser de cunho geral e abstrato, evitando-
se criar restrições casuísticas;
✅ a limitação deve ser proporcional (deve obedecer aos instrumental da
proporcionalidade e seus subprincípios: adequação, necessidade e
proporcionalidade em sentido estrito).

218
DESACORDOS MORAIS RAZOÁVEIS

São aquelas matérias polêmicas, complexas, sobre questões emergentes ou


persistentes, para as quais existe a possibilidade de admitir soluções
antagônicas, diametralmente opostas, a partir de uma interpretação racional do
próprio sistema jurídico. São posições divergentes inteiramente, ambas, porém,
constitucionalmente legítimas e aceitáveis, coexistindo no seio da sociedade.

De acordo com a definição do Min. Roberto Barroso, os desacordos morais


razoáveis ocorrem quando “pessoas esclarecidas e bem-intencionadas
interpretam de maneira oposta o sentido da norma (anencefalia, pesquisas com
células-tronco embrionárias)."

Assim, nota-se que em nossas sociedades pluralistas, pessoas de boa-fé, bem


informadas e bem-intencionadas discordam profundamente sobre quais direitos
possuem, seu conteúdo e seu alcance. Discordam sobre questões centrais que
refletem escolhas maiores que qualquer sociedade moderna precisa enfrentar e
que são o ponto focal da discordância moral e política, como aquelas
envolvendo o aborto, a eutanásia, a pena de morte, os direitos de suspeitos de
crimes, as pesquisas científicas sobre células-tronco embrionárias, entre outras.

219
Não é possível invocar a existência de um desacordo moral razoável para
negar direitos a quem quer que seja. Isso porque, nos desacordos razoáveis,
não há uma resposta que possa se chamar de correta.

O que ocorre nessas situações é uma tolerância quando a decisão é tomada pelos
órgãos representativos, cientes de que, embora se tenha garantido o exercício
do direito de participar da decisão que a todos importa, seja por movimentos de
apoio ou simplesmente pelo voto, sua posição foi derrotada pela maioria e de
que, eventualmente, pode ser modificada em outro cenário político.

O exemplo mais citado na doutrina é a união familiar homoafetiva. Conquanto


se trate de uma posição minoritária, repugnada por setor específico da
sociedade, NÃO se pode negar o exercício dos direitos fundamentais.

TEORIA DAS ESCOLHAS TRÁGICAS

A escassez de recursos públicos, quando envolve questões peremptórias


(direito à vida e à dignidade humana) culmina em escolhas tidas como trágicas.

Em face da insuficiência de disponibilidade orçamentária, resta necessário


proceder a verdadeiras escolhas trágicas, em decisão governamental cujo

220
parâmetro, fundado na dignidade da pessoa humana, deverá ter em perspectiva
a intangibilidade do mínimo existencial.

Como existem infinitas demandas e finitos recursos, existem escolhas que


beneficiam determinadas demandas, abrindo mão de outras.

A destinação de recursos públicos, sempre tão drasticamente escassos, faz


instaurar situações de conflito, quer com a execução de políticas públicas
definidas no texto constitucional, quer com a própria implementação de direitos
sociais assegurados pela Constituição Federal.

Daí resulta contextos de antagonismo que impõem ao Estado o encargo de


superá-los mediante opções por determinados valores, em detrimento de outros
igualmente relevantes, compelindo o Poder Público, em face dessa relação
dilemática, causada pela insuficiência de disponibilidade orçamentária, a
proceder a verdadeiras escolhas trágicas, em decisão governamental cujo
parâmetro, fundado na dignidade da pessoa humana, deverá ter em perspectiva
a intangibilidade do mínimo existencial, em ordem a conferir real efetividade
às normas programáticas positivadas na Carta Política de 1988.

Com efeito, as escolhas trágicas exprimem o estado de tensão dialética entre a


necessidade estatal de tornar concretos direitos prestacionais fundamentais e as
dificuldades governamentais de viabilizar a alocação de recursos financeiros,
tão drasticamente escassos.

221
Nesse contexto, a cláusula da reserva do possível encontrará, sempre,
insuperável limitação na exigência constitucional de preservação do mínimo
existencial, que representa emanação direta do postulado da essencial
dignidade da pessoa humana.

Logo, como existem infinitas demandas e finitos recursos, existem, por óbvio,
escolhas que beneficiam determinadas demandas, abrindo mão de outras. São
chamadas pela doutrina de “teoria das escolhas trágicas”, uma vez que deixará
de contemplar alguma necessidade também premente, mas que foi considerada
por quem de direito menos urgente que outra.

TEORIA DO IMPACTO DESPROPORCIONAL

As ações afirmativas são ações governamentais, oriundas de qualquer dos


poderes da República, cuja finalidade é satisfazer o princípio da igualdade
material, em interpretação que prestigia as minorias e outros grupos de pessoas
que, por razões históricas, foram relegadas pelo Estado no passado.

Trata-se de um resgate, um “acerto de contas” entre o presente e o passado. O


próprio Estado, pela via Executiva, Legislativa ou por uma decisão judicial,
reconhece sua missão de Estado Democrático de Direito e resgata determinados
segmentos sociais vulneráveis por meio de medidas de compensação.

222
Em algumas oportunidades, o Estado tem boas intenções ao elaborar
determinado diploma normativo. Mas, o exercício cotidiano da legislação
revela inconsistências em relação ao princípio da igualdade em seu formato
substancial. A Lei antes aprovada termina por discriminar, de modo indireto,
determinado grupo vulnerável. Cuida-se da chamada “discriminação indireta”.

Essa consequência, também reveladora da teoria do duplo efeito (São Tomás


de Aquino), foi chamada de “Teoria do Impacto Desproporcional”.

De acordo com essa teoria, uma norma é considerada desproporcional quando,


embora juridicamente válida, sua APLICA ÃO importa em prejuízo anti-
isonômico a um determinado grupo.

Há violação do princípio constitucional da igualdade material se, em


consequência de sua aplicação, resultarem efeitos nocivos de incidência
especialmente desproporcional sobre certas categorias de pessoas (embora no
processo de elaboração, a norma atenda todos os preceitos formalmente
exigidos para a sua criação, a sua aplicação pelas autoridades competentes torna
prejudicial a situação de determinado grupo já estigmatizado).

Logo, toda prática empresarial, política governamental ou semigovernamental,


de cunho legislativo ou administrativo, ainda que não provida de intenção
discriminatória no momento de sua concepção, viola o princípio constitucional
da igualdade material se, em razão de sua aplicação,

223
resultarem efeitos nocivos de incidência desproporcional sobre certas
categorias de pessoas.

PATRIOTISMO CONSTITUCIONAL

De acordo com Dirley da Cunha Júnior, na Alemanha, em razão de seu passado


histórico maculado por um nacionalismo xenófobo, que conduziu ao nazismo,
buscou-se um novo modelo de identificação política capaz de superar aquele
nacionalismo totalitário e promover a união entre os povos.

Assim, no final da década de 70, por ocasião da comemoração dos 30 anos da


Constituição da Alemanha de 1949 (Lei Fundamental de Bonn), o historiador
Dolf Sternberger foi o primeiro a usar o termo patriotismo constitucional
(Verfassungspatriotismus), como forma de oposição à noção tradicional de
nacionalismo, visando a apresentar uma identificação do Estado Alemão com
a ordem política e os princípios constitucionais.

Todavia, foi com o filósofo e sociólogo alemão Jürgen Habermas, nos anos 80,
que o patriotismo constitucional foi amplamente difundido no meio acadêmico
e político.

Segundo Habermas, o patriotismo constitucional produziu de forma reflexiva


uma identidade política coletiva conciliada com uma perspectiva universalista
comprometida com os princípios do Estado Democrático de Direito. Isto é, o
patriotismo constitucional foi defendido como uma maneira de conformação de
uma identidade coletiva baseada em compromissos com princípios éticos e

224
constitucionais democráticos capazes de garantir a “integração e assegurar a
solidariedade entre os povos”, com o fim de superar o conhecido problema do
nacionalismo étnico, que por muito tempo opôs culturas e povos
(HABERMAS, Jürgen. Identidades nacionales y postnacionales. Madrid:
Tecnos, 1998).

Nesse contexto, a Constituição passa a desempenhar relevante papel na vida do


cidadão e da sociedade, na medida em que os defensores do patriotismo
constitucional apontam a Constituição, em face de seu poder aglutinante, como
um elo que aproxima os cidadãos com base nos pressupostos de um Estado
Democrático de Direito fundado nos Direitos humanos e na solidariedade
social, por mais que pertencentes a grupos étnicos e culturais diversos.

Abandona-se, pois, a ideia de nacionalismo, que tradicionalmente esteve


vinculado a questões étnicas e culturais, para se adotar um patriotismo
constitucional, que se reveste de um potencial inclusivo, cujo conceito
propugna uma união entre os cidadãos, por mais que diferentes étnica e
culturalmente, através do respeito aos valores plurais do Estado
Democrático de Direito.

É claro que os aspectos étnicos e culturais continuam importantes para


identificar uma comunidade; porém, não podem mais ser levados em
consideração para identificar uma forma de união e conciliação entre os
cidadãos, notadamente nas sociedades plurais, nas quais a divergência e a
diferença são marcas predominantes. Assim, a identidade coletiva não pode
mais se dar com fundamento na homogeneidade cultural, mas na convivência

225
sob os mesmos valores do Estado Democrático de Direito, situação que permite
uma coexistência das múltiplas formas de cultura, o que caracteriza o
multiculturalismo.

O patriotismo constitucional, portanto, busca o reconhecimento de um


constitucionalismo intercultural, que deve permitir a diversidade de culturas e
promover a conciliação entre todas as práticas culturais.

POSITIVISMO JURÍDICO ATUAL: POSITIVISMO


EXCLUSIVISTA E INCLUSIVISTA E O NÃO POSITIVISMO

O positivismo jurídico defende a ideia de que a não existe relação necessária


entre o Direito e a Moral.

Relação entre os fatos morais e o conteúdo do direito:

✅ Posição não positivista: necessariamente fatos morais contribuem para o


conteúdo do Direito;

✅ Posição do positivismo jurídico exclusivo: necessariamente apenas fatos


sociais contribuem para o conteúdo do direito - fatos morais não podem
contribuir;

✅ Posição do positivismo jurídico inclusivo: possivelmente fatos morais


contribuem para o conteúdo do Direito; mas se contribuem é em resultado de

226
algum fato social a que eles se referem, visto que o Direito deriva de fatos
sociais.

TEORIA DA RESERVA DO POSSÍVEL E O MÍNIMO


EXISTENCIAL

A teoria da reserva do possível trabalha com a ideia de observância dos limites


da razoabilidade, pois os direitos sociais que exigem uma prestação de fazer e
as políticas públicas estariam sujeitos à reserva do possível no sentido daquilo
que o indivíduo, de maneira racional, pode esperar da sociedade. Assim,
sustenta essa teoria que a satisfação dos direitos fundamentais é limitada pela
capacidade orçamentária do Estado.

Não obstante isso, adesivamente a esta teoria, há o mínimo existencial


(preconizado no Brasil no artigo 7º, inciso IV, da CRFB/88 e defendido pelos
minimizadores da teoria da reserva do possível) que delimita o conjunto de bens
e utilidades básicas imprescindíveis para uma vida com dignidade (saúde,
moradia, educação fundamental, etc.).

Ocorre que é com base exatamente na teoria da reserva do possível que o Poder
Público tem buscado se eximir de implementar direitos fundamentais.

Em virtude disso, incumbe ao Poder Judiciário o controle das políticas públicas


estatais, se e quando os órgãos estatais competentes, por descumprirem os
encargos político-jurídicos que sobre eles incidem, vierem a

227
comprometer a eficácia e a integridade de direitos individuais e/ou coletivos
impregnados de estatura constitucional, ainda que derivados de cláusulas
revestidas de conteúdo programático.

Ademais, comprovada, objetivamente, a incapacidade econômico-financeira da


pessoa estatal, desta não se poderá razoavelmente exigir a imediata efetivação
do direito social pleiteado, frente a limitação material demonstrada.

Entretanto, a Corte do STF entende que “a cláusula da “reserva do possível” –


ressalvada a ocorrência de justo motivo objetivamente aferível – NÃO pode ser
invocada, pelo Estado, com a finalidade de exonerar-se do cumprimento de suas
obrigações constitucionais, notadamente quando, dessa conduta governamental
negativa, puder resultar nulificação ou, até mesmo, aniquilação de direitos
constitucionais impregnados de um sentido de essencial fundamentalidade”.

Com isso, pode-se extrair desse entendimento que a limitação de recursos


financeiros e orçamentários existe e é uma contingência que não se pode
ignorar.

Assim, o intérprete deverá levá-la em conta ao afirmar que algum bem pode ser
exigido judicialmente, bem como o magistrado, ao determinar seu
fornecimento pelo Estado, mas que, por outro lado, não se pode esquecer que a
finalidade do Estado, ao obter recursos, para, em seguida, gastá-los sob a forma
de obras, prestação de serviços, ou qualquer outra política pública, é exatamente
realizar os objetivos fundamentais da Constituição, ou seja, a

228
meta central do Estado moderno deve ser a promoção do bem-estar do homem,
“cujo ponto de partida está em assegurar as condições de sua própria dignidade,
que inclui, além da proteção dos direitos individuais, condições materiais
mínimas de existência”.

EROSÃO DA CONSCIÊNCIA CONSTITUCIONAL

A erosão da consciência constitucional ocorre quando há uma desvalorização


funcional da constituição escrita, ou seja, a omissão dos poderes públicos
desvaloriza a função da Constituição.

Desse modo, trata de fenômeno consistente no enfraquecimento da função das


normas constitucionais, isto é, ocorre quando a lei fundamental de um país sofre
abalos em sua força normativa e na sua capacidade de transformação social.

Tal efeito pode decorrer de:


✅ afastamentos casuísticos da norma constitucional pelo julgador;
✅ repetidas emendas constitucionais que venham a desnaturar a essência da
Constituição e sua natureza rígida;
✅ perpetuação de omissões pelo legislador infraconstitucional, ao não
regulamentar e dar operabilidade a normas constitucionais de eficácia limitada
veiculadoras de direitos e garantias fundamentais.

229
O mandado de injunção é remédio apto a combater esse fenômeno da erosão da
consciência constitucional, em uma de suas causas, pois destina-se a viabilizar
o exercício dos direitos e garantias fundamentais consagrados pelo poder
constituinte originário, mas inaplicáveis, por serem “letra morta”, em razão da
ausência de regulamentação por parte do legislador.

O termo foi utilizado pelo Ministro do STF Celso de Mello no julgamento da


ADI 1.484/DF, assim como no RTJ 162/877-879, pelo mesmo Ministro, e na
STA (Suspensão de Tutela Antecipada) nº 175.

Bibliografia: LOEWENSTEIN, Karl. Teoria de la Constitución. p. 222, 1983,


Ariel, Barcelona.

DIMENSÕES OBJETIVA E SUBJETIVA DOS DIREITOS


FUNDAMENTAIS

Podemos enxergar os Direitos Fundamentais a partir de duas perspectivas:


subjetiva e objetiva.

A primeira dimensão é a subjetiva (ou seja, relativa aos sujeitos). É aquela que
diz respeito aos direitos de proteção (negativos) e de exigência de prestação
(positivos) por parte do indivíduo em face do poder público(perspectiva
subjetiva).

230
A segunda dimensão é a objetiva. Os direitos fundamentais devem ser
compreendidos também como o conjunto de valores objetivos básicos de
conformação do Estado Democrático de Direito. Nessa perspectiva (objetiva),
eles estabelecem diretrizes para a atuação dos poderes Executivo, Legislativo e
Judiciário e para as relações entre particulares. Para a doutrina, trata-se da
eficácia irradiante dos direitos fundamentais.

Então, o efeito irradiante dos direitos fundamentais decorre da dimensão


objetiva – capacidade que eles têm de alcançar os poderes públicos no
exercício de suas atividades principais.

Ou seja, como consequência de sua dimensão objetiva, os direitos fundamentais


conformam o comportamento do poder público, criando um dever de
proteção pelo Estado dos direitos fundamentais contra agressões (do Estado ou
de particulares). Assim, o Estado fica condicionado a adotar medidas que
promovam e protejam efetivamente os direitos fundamentais.

É a vertente objetiva dos direitos fundamentais que conformam a atuação do


Poder Público e exige que ele atue no sentido de promover a proteção daqueles
direitos.

Em suma, numa perspectiva subjetiva, os direitos fundamentais possibilitam


ao indivíduo (sujeito) obter junto ao Estado a satisfação de seus interesses
juridicamente protegidos. Numa perspectiva objetiva, eles sintetizam os

231
valores básicos da sociedade e seus efeitos irradiam-se a todo o ordenamento
jurídico, alcançando a atuação dos órgãos estatais.

RACISMO AMBIENTAL

O conceito de racismo ambiental se refere às políticas e práticas que prejudicam


predominantemente grupos étnicos vulneráveis.

No modelo atual de desenvolvimento, as ações que promovem a destruição do


ambiente e o desrespeito à cidadania afetam, de maneira direta, comunidades
indígenas, pescadores, populações ribeirinhas e outros grupos tradicionais.

O racismo ambiental se manifesta na tomada de decisões e na prática de ações


que beneficiam grupos e camadas mais altas da sociedade, que atuam dentro da
lógica econômica vigente.

Neste contexto, projetos de desenvolvimento são implantados em regiões onde


vivem comunidades tradicionais, sem que haja a preocupação com os impactos
ambientais e sociais para estes grupos. Fábricas que exploram matéria-prima,
aterros sanitários, incineradoras e indústrias poluidoras colocadas próximas às
regiões onde vivem grupos economicamente desfavorecidos, são alguns
exemplos de ações que caracterizam o racismo ambiental.

232
Este fenômeno tem grande impacto no desenvolvimento social e na qualidade
de vida da população nos países em desenvolvimento.

No Brasil, o mapa do racismo ambiental revela a realidade de degradação social


provocada, principalmente, por projetos e ações desenvolvimentistas.

Exemplos: Violência contra quilombolas que vivem próximos à base de


Alcântara; da luta de grupos indígenas da Amazônia contra o turismo predatório
e dos resíduos de chumbo deixados por uma fábrica instalada em Santo Amaro
da Purificação nos anos 60.

CONSTITUIÇÃO VIVA

A expressão “Constituição viva”, de Riccardo Guaustini, indica o modo pelo


qual uma Constituição escrita é concretamente interpretada e praticada na
realidade política.

No que diz respeito à efetivação, a Constituição, como qualquer outro texto


normativo, pode tornar-se inoperante. Em relação à Constituição, pode-se
afirmar que são basicamente dois os grupos de normas que podem caracterizar
essa inoperância.

O primeiro grupo é composto pelas denominadas “normas programáticas”, que


são aquelas dirigidas ao legislador. O segundo grupo refere-se ao que a

233
doutrina denomina normas de eficácia 'diferida', que são normas que não podem
adquirir eficácia sem a intervenção de outras normas.

David A. Strauss, em livro intitulado “The living Constitution”, sustenta como


tese central que a Constituição é muito mais do que o documento que
fisicamente a representa. Ao contrário das palavras escritas (“norms”), a
narrativa do sentimento constitucional que congrega a humildade intelectual, o
senso de complexidade dos problemas vivenciados pela sociedade, a sabedoria
adquirida com eventos do passado e a responsabilidade de cada cidadão por
carregar consigo parte da história do país compõem o que se deve compreender
por Constituição.

Warren E. Burger, outrora “Chief-Justice” na Suprema Corte norte- americana,


também pontua que umas mais marcantes características da Constituição dos
Estados Unidos é a sua brevidade. De acordo com o Autor, não tendo sido
criada para ser um código, o documento inteiro pode ser reproduzido em não
mais do que 16 laudas.

Esta característica enseja que o significado do texto constitucional seja


trabalhado de maneira dinâmica ao longo da história. Em um cenário desses,
plenamente possível sustentar a existência de uma Constituição viva que,
calcada na diferença entre texto e narrativa constitucional, possa abarcar a
complexidade social, a humildade institucional e diversas outras características
intrínsecas e extrínsecas à democracia, em ordem a elaborar um acolhedor
ambiente de discussão de direitos, garantias e deveres.

234
PANCONSTITUCIONALIZAÇÃO

O fenômeno da panconstitucionalização consiste na excessiva


constitucionalização das matérias pela Constituição.

Afinal, se tudo é constitucionalizado, qual será o papel do legislador ordinário?


Parte da doutrina defende que tal cenário é antidemocrático, pois restringe de
maneira excessiva a liberdade de conformação do legislador.

Sobre este ponto, é a lição de Daniel Sarmento: “A constitucionalização


louvada e defendida pelo neoconstitucionalismo é aquela que parte de uma
interpretação extensiva e irradiante dos direitos fundamentais e dos princípios
mais importantes da ordem constitucional”.

Aqui, contudo, pode-se discutir até que ponto o fenômeno é legítimo. Poucos
discordarão, pelo menos no Brasil, de que alguma constitucionalização do
Direito é positiva e bem-vinda, por semear o ordenamento jurídico com os
valores humanitários da Constituição.

Porém, pode-se objetar contra as teses extremadas sobre este processo, que
acabam amputando em demasia o espaço de liberdade do legislador, em
detrimento da democracia.

Com efeito, quem defende que tudo ou quase tudo já está decidido pela
Constituição, e que o legislador é um mero executor das medidas já impostas

235
pelo constituinte, nega, por consequência, a autonomia política ao povo para,
em cada momento da sua história, realizar as suas próprias escolhas.

O excesso de constitucionalização do Direito reveste-se, portanto, de um viés


antidemocrático.

[...] É possível aceitar e aplaudir a constitucionalização do


Direito – fenômeno em geral positivo, por aproximar a
racionalidade emancipatória da Constituição do dia-a-dia das
pessoas –, mas defender que ela seja temperada por outras
preocupações igualmente essenciais no Estado Democrático de
Direito, como a autonomia pública e privada dos cidadãos. Pode-
se reconhecer a legitimidade da constitucionalização do Direito,
mas numa medida que não sacrifique em excesso a liberdade de
conformação que, numa democracia, deve caber ao legislador
para realizar opções políticas em nome do povo.

MEDIDAS PROVISÓRIAS PELOS ESTADOS: é possível?

Atualmente, é pacifico o entendimento de que é possível os Estados adotarem


medidas provisórias, desde que haja previsão expressa na respectiva
Constituição Estadual. Diversos Estados já dotaram essa espécie normativa
(Acre, Piauí, Santa Catarina e Tocantins).

236
O STF consagrou esse entendimento por decisão proferida na ADC 425/TO,
ajuizada pelo PMDB contra medidas provisórias de Tocantins, mas
questionando apenas o mérito delas. O Min. Maurício Correa decidiu levar ao
plenário a questão preliminar da competência dos governadores para editar
medidas provisórias, que decidiu que é constitucional a adoção da MP pelo
Estado-membro.

Os fundamentos dessa decisão foram os seguintes:


a) ausência de disposição constitucional proibindo a adoção;
b) aplicação da competência residual dos Estados (§1º do artigo 25 da CF);
c) instrumento adequado para solucionar situações emergenciais;
d) aplicação do princípio da simetria constitucional.

Em relação às MP‟s estaduais aplicam-se as mesmas limitações constitucionais


as MP‟s federais, contidas no artigo 62 da CF, no que for cabível, em especial
os requisitos de relevância e urgência.

Importante, ainda, esclarecer que há uma limitação expressa no §2º do artigo


25 da CF, que veda o seu uso para regulamentar exploração dos serviços locais
de gás canalizado, dispositivo este que foi utilizado pelo próprio STF da ADIn
para concluir que é cabível a adoção das MP‟s estaduais.

Esse tema foi cobrado no TJAP/2014 (primeira fase) e na segunda fase do TJPA
(segunda fase).

237
TEORIA DOS SISTEMAS SOCIAIS (NIKLAS LUHMANN)

Niklas Luhmann, sociólogo alemão, influenciou fortemente a ciência jurídica


no mundo ocidental.

A teoria de Luhmann parte dos conceitos de “sistemas sociais” e


“comunicação”, misturando tais noções com elementos próprios das ciências
naturais e das ciências biológicas.

Segundo Luhmann, a sociedade forma um macrossistema autopoiético, ou seja,


que é dotado de autorreferência e se modifica a partir de suas próprias bases
internas. A sociedade não sofreria influxos de outros sistemas, mas de sua
própria base de formação. Os indivíduos seriam o entorno psíquico dos sistemas
sociais.

Esse sistema de retroalimentação foi pensado a partir da biologia. A visão parte


da ideia de que a sociedade sofre mutações de dentro para fora, ou seja, seus
próprios elementos constituintes (legislação) se modificam com o tempo,
passando a influenciar a tomada de decisões futuras que, também à sua maneira,
influenciam na mudança das Leis.

Para que tal sistema se renove internamente, um fator determinante é a


comunicação, que ocupa lugar central na teoria de Niklas Luhmann. Mediante
a comunicação, diferentes subsistemas sociais espraiam as influências de uns
sobre os outros.

238
Com Luhmann, há uma superação do modelo de estudo científico baseado na
dicotomia entre sujeito e objeto. Para ele, o sujeito cognoscente não conforma
diretamente a sociedade (não se comunica diretamente), pois tal sujeito é o
próprio entorno psíquico da sociedade. Ele não pode formatar a sociedade, pois
ele próprio, o cidadão, tem sua consciência conformada/moldada pelas normas
do sistema. O homem faz, ontologicamente, parte do sistema. A abordagem de
Luhmann é ontológica: “o sistema existe”.

Conforme Luhmann, dentro do sistema ocorre um fenômeno chamado de


“redução de complexidade” das informações, pois os atores sociais fazem um
crivo de seleção das informações úteis ao sistema.

Essa redução de complexidade das informações decorre de um raciocínio


binário que o próprio sistema faz internamente, a partir das informações
oriundas do ambiente. Neste passo, Luhmann apoiou sua teoria no pensamento
do matemático britânico Spencer-Brown, de modo a comparar o mecanismo da
autopoiese com um programa de seleção de informações de modo binário:
aceitação ou rejeição da ideia.

O sociólogo alemão afirma que todos os sistemas tem dentro de si a dicotomia


entre “degeneração e continuidade”. O resultado da sobrevivência do sistema
vai sempre depender das escolhas binárias realizadas internamente.
Evidentemente, quando Luhmann se refere a sistema, seu raciocínio alcança os
“subsistemas” sociais mais frequentes, quais sejam, o Direito, a religião, a
economia, a política, etc.

239
Desse modo, para Luhmann, também os subsistemas se retroalimentam
segundo suas premissas. A existência de cada subsistema depende de uma boa
seleção (de sobrevivência) das informações que são úteis à sua continuidade.

Para a ciência jurídica, a importância da teoria dos sistemas de Luhmann reside


aqui: o Direito, sendo um subsistema social, depende da coerência de suas
normas para sua sobrevivência.

Como se vê, o pensamento de Luhmann, a propósito da existência de


subsistemas sociais, tem semelhança com a teoria de Karl Marx sobre a
infraestrutura social e as superestruturas. Para Marx, a infraestrutura seria
formada pelas relações de produção da economia, ou seja, pela relação entre
empregado e empregador em sua divisão de trabalho. Essa infraestrutura seria
conformadora ou influenciadora das outras superestruturas sociais, como a
cultura, a política, o Direito e a religião. Como é evidente, não é possível
afirmar nenhuma relação científica entre Luhmann e Marx. Entretanto, é
adequado apenas demonstrar que o estudo sociológico baseado em “sistemas”
não é novidade.

Como crítica à teoria de Luhmann, podemos dizer que seu pecado maior foi
ignorar a posição do Homem enquanto conformador da sociedade. Luhmann
não observou que é possível que pessoas com dons específicos (personalidades
políticas e de outras áreas), possam criar ideias que mudem a sociedade sem
provocar sua destruição. O processo seria de renovação, e não de desintegração.

240
CAPÍTULO 04

241
Direito
PROCESSUAL
Civil
PROCESSO CIVIL
SISTEMA ADOTADO PELO NOVO CPC PARA O
JULGAMENTO DE CASOS REPETITIVOS

Existem dois sistemas diferentes: (i) sistema de “causa-piloto” e (ii) sistema de


“procedimento-modelo”.

Sistema de “causa-piloto” (sistema de pinçamento): O órgão julgador


seleciona um caso concreto para julgar, fixando-se, a partir deste, uma tese
abstrata a ser seguida nos demais processos. Ex.: Áustria e Portugal
(contencioso administrativo).

242
Sistema de “procedimento-modelo”: Neste sistema, diferentemente, instaura-
se um incidente apenas para fixar, em abstrato, a tese a ser seguida, não havendo
a escolha de um caso concreto a ser julgado. Ex.: Alemanha (Musterverfahren).

Qual foi, então, a opção brasileira?

Quanto ao julgamento dos recursos repetitivos, é certo que o CPC brasileiro


adotou o sistema de “causa-piloto”, pois o tribunal, ao julgar o caso afetado (ou
paradigma), em sede de recurso repetitivo, também fixa a tese a ser aplicável
aos demais casos repetitivos.

A doutrina diverge acerca da possibilidade, ou não, de se instaurar o IRDR sem


que haja causa pendente no tribunal, isto é, há controvérsia acerca da
possibilidade de se iniciar um IRDR sem a existência, no tribunal, de processo
que verse sobre a matéria em discussão.

De acordo com o entendimento doutrinário MAJORITÁRIO, encabeçado por


Fredie Didier Jr. e Leonardo Carneiro da Cunha, o IRDR não pode ser
instaurado sem que haja causa pendente no tribunal, motivo pelo qual também
se aplica o sistema da “causa-piloto” ao referido instituto.

Assim, se não houvesse demanda em trâmite no tribunal, não se teria um


incidente processual, mas um processo originário, com a criação de

243
competência originária para tribunal, o que não pode ser feito pelo legislador
ordinário (art. 103, 105, 108, 125, § 1º, CF/88), ou melhor, caso fosse possível
a instauração de IRDR sem a existência de caso pendente no tribunal, ter-se-ia
descaracterizada a natureza jurídica de incidente processual, o que ensejaria a
sua inconstitucionalidade, pois somente a Constituição Federal pode instituir
competência originária para tribunais.

Há, inclusive, Enunciado do FPPC nesse sentido: “A instauração do incidente


pressupõe a existência de processo pendente no respectivo tribunal (Enunciado
no 344, FPPC)”.

Em sentido contrário, entendendo que o IRDR se caracteriza como espécie de


“procedimento-modelo”, destaca José Miguel Medina: “O incidente emerge de
processos que se repetem, mas não faz com que se desloque algum processo
para o tribunal. Não há, pois, uma causa ou recurso selecionado para
julgamento, a ser remetido ao tribunal, enquanto os demais ficam sobrestados”.
Tem-se, portanto, que (i) quanto aos recursos repetitivos o sistema adotado foi
o da “causa-piloto”, não havendo maiores discussões sobre a matéria; (ii) já no
tocante ao IRDR, a doutrina diverge sobre o tema, tendo em vista a existência
de controvérsia acerca da viabilidade, ou não, de se instaurar o IRDR sem que
haja causa pendente no tribunal.

Quando houver desistência da ação ou recurso afetado para julgamento, o


IRDR ou recurso repetitivo pode prosseguir para a definição da questão
comum, nos termos dos artigos 976 e 998, do CPC. Como se percebe, o CPC,

244
nessas hipóteses, adotou o sistema da “causa-modelo”. Isso porque, mesmo não
havendo mais caso concreto – ante a desistência -, o tribunal fixará a respectiva
tese jurídica, ainda que em abstrato. Em outras palavras, a desistência não
impede o julgamento do IRDR ou do repetitivo, com a definição da tese a ser
adotada pelo tribunal, mas o julgamento não atinge quem desistiu. Nesses
casos, o Ministério Público assume a titularidade do feito, consoante preceitua
o art. 976, § 2º, do CPC. É correto dizer, portanto, que o CPC prevê, ainda que
excepcionalmente, o sistema de “causa modelo”.

CUMPRIMENTO DE SENTENÇA ÀS AVESSAS

O cumprimento de sentença às avessas é também denominado pela doutrina de


“consignação em pagamento anômala”. Diferentemente do CPC/73 (Código
Buzaid), no âmbito do CPC/15 o cumprimento de sentença às avessas passou a
ser expressamente permitido.

Trata-se da possibilidade de o devedor, antes mesmo de ser intimado,


comparecer em juízo e oferecer voluntariamente pagamento. O cumprimento
de sentença às avessas encontra previsão no artigo 526 do CPC/15.

TEORIAS DA AÇÃO NO PROCESSO CIVIL

Para fins de diferenciação entre o direito de ação e o direito material,


historicamente foram desenvolvidas variadas teorias, a saber, em síntese:

245
a) Teoria Imanentista (civilista) (Friedrich Carl Von Savigny e Eduardo Juan
Couture): considera o direito de ação e direito material como direitos
imanentes, ou seja, inseparáveis. Aqui, o direito de ação e o direito material são
estáticos e se confundem.

b) Teoria Concreta da Ação (Adolph Wach): inicia-se o pensamento voltado


à separação do direito de ação e direito material, conferindo-lhes autonomia.
Contudo, o direito de ação é condicionado ao julgamento favorável.

c) Teoria Abstrata do Direito de Ação (Degenkolb, Plósz, Alfredo Rocco):


trata o direito de ação e o direito material não só como autônomos, mas também
como independentes. Em outras palavras, o direito de ação independe do direito
material, de sorte que aquele poderá existir ainda que desfavorável o
julgamento.

d) Teoria Eclética (Enrico Tullio Liebman): concorda que o direito de ação e


o direito material são autônomos e independentes. Porém, tem que o direito de
ação e de julgamento de mérito depende da observância da existência das
condições da ação. Em outras palavras, o julgamento de mérito, favorável ou
não, dependerá do preenchimento das condições da ação.

e) Teoria da Asserção ou prospecção (in status assertionis) (Enrico Tullio


Liebman): As condições da ação, em um primeiro momento, deverão ser
analisadas a partir de uma cognição sumária, a partir das afirmações deduzidas
na petição inicial.

246
Em caso de não preenchimento das condições das ações, deverá o processo ser
extinto SEM resolução de mérito. Lado outro, sendo as condições da ação
analisadas a partir de cognição profunda, imaginando-se a sua apuração após a
instrução do processo, deverão elas ser analisadas como matéria de MÉRITO,
e não meramente processual, o que culminará com o julgamento de mérito da
ação, com formação de coisa julgada material.

Trata-se da teoria aplicada pela Corte Cidadã:

“As condições da ação, dentre elas o interesse processual e a


legitimidade ativa, definem-se da narrativa formulada inicial, não
da análise do mérito da demanda (teoria da asserção), razão pela
qual não se recomenda ao julgador, na fase postulatória, se
aprofundar no exame de tais preliminares” (STJ. 3a Turma. REsp
1561498/RJ, Rel. Min. Moura Ribeiro, julgado em 01/03/2016).

Ademais, partindo dessa premissa, o STJ tem reconhecido a aplicação da


Teoria da Asserção também no âmbito processual PENAL, senão vejamos:

(...) Isso porque, ao proferir decisão positiva de admissibilidade


da denúncia e atestar a existência das condições da ação e dos
pressupostos processuais positivos, o magistrado ultrapassa uma
fase processual, surgindo, a partir daí, não mais um juízo sobre a
viabilidade da denúncia, mas sim um juízo de mérito,

247
ensejando a prolação de sentença condenatória ou absolutória,
conforme o caso, sendo aplicável a teoria da asserção. (REsp
1354838/MT, Rel. Ministro CAMPOS MARQUES
(DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/PR), QUINTA
TURMA, julgado em 02/04/2013, DJe 05/04/2013).

A SÚMULA VINCULANTE SE CARACTERIZA POR SER


SÚMULA IMPEDITIVA DE RECURSOS?

NÃO.

A súmula impeditiva é aquela que, na vigência do diploma adjetivo anterior,


determinava que o juízo a quo não recebesse o recurso interposto pela parte
quando a decisão recorrida estivesse em conformidade com matéria sumulada.

Esta previsão não consta do CPC vigente, sendo o instituto, portanto,


abandonado. O que acontece na atualidade é que o relator pode negar
provimento ao recurso que se encaixe nesta situação (art. 932, IV, a, do CPC).

A situação, portanto, é diferente: o recurso é conhecido, mas não é provido. A


súmula impeditiva de recurso impedia o próprio conhecimento do recurso,
porquanto inadmitido na origem.

248
FUNÇÃO “NOMOFILÁCICA” DOS TRIBUNAIS
SUPERIORES

A “função nomofilácica” dos tribunais superiores visa a conferir, na medida


do possível, uma interpretação uniforme aos casos similares. Assim, com o
advento do Novo Código de Processo Civil, está mais do que evidenciada a
necessidade de os ministros do STF exercerem tal função; afinal, o NCPC
estabelece um rígido sistema de precedentes a ser cumprido pelos intérpretes
do direito.

Sobre a função nomofilácica, é a lição de José Rogério Cruz e Tucci: “Cabe,


pois, precipuamente, às cortes superiores a função nomofilácica, isto é, de zelar
pela interpretação e aplicação do direito de forma tanto quanto possí- vel
uniforme. A jurisprudência consolidada garante a certeza e a previsibilidade do
direito, e, portanto, evita posteriores oscilações e discussões no que se refere à
interpretação da lei”.

Nesse sentido, também é a posição do próprio STF:

“Esse entendimento guarda fidelidade absoluta com o perfil


institucional atribuído ao STF, na seara constitucional, e ao STJ,
no domínio do direito federal, que têm entre as suas principais
finalidades a de uniformização da jurisprudência, bem como a
função, que se poderia denominar nomofilácica – entendida a
nomofilaquia no sentido que lhe atribuiu Calamandrei, des-

249
tinada a aclarar e integrar o sistema normativo, propiciando-lhe
uma aplicação uniforme –, funções essas com finalidades „que se
entrelaçam e se iluminam reciprocamente‟” (STF, Rcl 4335, Voto
do Ministro Teori Albino Zavascki, p. 155 do inteiro teor do
julgado).

Portanto, o NCPC incorpora ao seu texto a função nomofilácica, especialmente


no art. 926, que não deve ser considerado inconstitucional e nem mesmo um
mecanismo de engessamento da jurisprudência. Os valores isonomia e
segurança jurídica embasam a referida função.

Ademais, os jurisdicionados têm o direito fundamental a uma mínima


previsibilidade da resposta que possa ser dada pelo Poder Judiciário na solução
dos litígios. Afinal, não guiamos nosso agir apenas em função das leis, mas
também das decisões proferidas pelos Tribunais, especialmente pelos Tribunais
Superiores.

Por isso, se o art. 926 merece e tem recebido justas críticas da doutrina, no
sentido de seu aprimoramento, de outro lado reforça a necessidade inadiável de
que os Tribunais procurem uniformizar a interpretação e a aplicação do direito.

IRREVERSIBILIDADE DE MÃO DUPLA OU RECÍPROCA


IRREVERSIBILIDADE

250
Em um caso concreto, a não concessão da tutela antecipada pode gerar
sacrifício irreversível e a concessão, um sacrifício irreversível ao réu.

A exigência da reversibilidade nada mais é que uma forma de proteger o bem


tutelado de forma que quem pleiteia a ação não seja prejudicado pela
morosidade processual.

Nos ensina Daniel Amorim Assumpção Neves (2010, p. 1098):

[...] a doutrina majoritária entende que a irreversibilidade não diz


respeito ao provimento que antecipa a tutela, e sim aos efeitos
práticos gerados por ele. [...] a irreversibilidade não é jurídica,
sempre inexistente, mas fática, que é analisada pela capacidade
de retorno ao status quo ante na eventualidade de revogação da
tutela antecipada.[...] mesmo quando a tutela antecipada é
faticamente irreversível, o juiz poderá execepcionalmente
concedê-la, lembrando a doutrina que um direito indisponível do
autor não pode ser sacrificado pela vedação legal.

Não há como o magistrado assegurar o direito de ambas as partes, devendo


sacrificar o direito de um em detrimento do outro.

Entende assim Daniel Amorim Assumpção Neves (2010, p. 1098-1099):

251
São, por exemplo, muitas as tutelas antecipadas em demandas em
que se discute a saúde do autor, com adoção de medidas
faticamente irreversíveis, tais como a liberação de remédios,
imediata internação e intervenção cirúrgica.[...] Não é porque a
operação é necessária à sobrevivência do autor que o juiz
concederá, por esse simples fato, a tutela antecipada em seu favor
somente porque o plano de saúde ou hospital sempre poderão
cobrar o valor da operação posteriormente na hipótese de
revogação da tutela antecipada.[...] É uma situação-limite, que
podemos chamar de “irreversibilidade de mão dupla”, ou como
prefere a doutrina, “recíproca irreversibilidade”, na qual caberá
ao juiz a ponderação do direito mais provável no momento de
análise do pedido da tutela antecipada, aplicando- se o princípio
da razoabilidade.

PROVA EMPRESTADA

É admissível, assegurado o contraditório, a prova emprestada vinda de processo


do qual não participaram as partes do processo para o qual a prova será
trasladada.

A prova emprestada não pode se restringir a processos em que figurem partes


idênticas, sob pena de se reduzir excessivamente sua aplicabilidade sem
justificativa razoável para isso. Quando se diz que deve assegurar o
contraditório, significa que a parte deve ter o direito de se insurgir contra a

252
prova trazida e de impugná-la. STJ. Corte Especial. EREsp 617.428-SP, Rel.
Min. Nancy Andrighi, julgado em 4/6/2014 (Info 543).

PERÍCIAS REQUERIDAS PELO MINISTÉRIO PÚBLICO:


QUEM DEVE PAGAR?

De acordo com o entendimento majoritário na doutrina e na jurisprudência


brasileira, nas perícias requeridas pelo Ministério Público em ações civis
públicas, caberá à Fazenda Pública à qual se acha vinculado o Parquet
arcar com o adiantamento dos honorários periciais.

Cuida-se de entendimento que aplica analogicamente o enunciado 232 da


súmula do STJ, que dispõe o seguinte: “A Fazenda Pública, quando parte no
processo, fica sujeita à exigência do depósito prévio dos honorários do perito”.

Nesse sentido vem entendendo o STJ:

Não é possível se exigir do Ministério Público o adiantamento de


honorários periciais em ações civis públicas. Ocorre que a
referida isenção conferida ao Ministério Público em relação ao
adiantamento dos honorários periciais não pode obrigar que o
perito exerça seu ofício gratuitamente, tampouco transferir ao réu
o encargo de financiar ações contra ele movidas. Dessa forma,
considera-se aplicável, por analogia, a Súmula n. 232

253
desta Corte Superior (“A Fazenda Pública, quando parte no
processo, fica sujeita à exigência do depósito prévio dos
honorários do perito”), a determinar que a Fazenda Pública ao
qual se acha vinculado o Parquet arque com tais despesas. (...)
(REsp 1253844/SC, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL
MARQUES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 13/03/2013, DJe
17/10/2013).

É possível observar que o CPC/2015 disciplina o adiantamento de honorários


em perícias requeridas pela Fazenda Pública, pelo Ministério Público ou pela
Defensoria Pública, alguns, - sobretudo procuradores de Fazendas Públicas –
passaram a advogar a derrogação da regra do não adiantamento de despesas
vigente nas ações coletivas: doravante, se o MP ou Defensoria requeresse uma
perícia numa ação coletiva, teria que adiantar os respectivos honorários, à custa
do orçamento da instituição requerente.

Ressalta-se, porém, que o CPC só se aplica às ações coletivas naquilo que não
contrariar as regras do microssistema específico.

Importante esclarecer que há decisão monocrática do STF, da lavra do Min.


Ricardo Lewandoski (ACO 1560, rel. Min Ricardo Lewandoski, j. em
13.12.2018, DJe 18.12.2018), que surpreendentemente entendeu pela aplicação
da disciplina do CPC às ações civis públicas promovidas pelo MP. Trata-se de
tese que apregoa a incidência do art. 91 do CPC, segundo o qual a própria
instituição requerente teria que adiantar os respectivos honorários, à

254
custa do orçamento próprio. Tal entendimento, no entanto, ainda é
controvertido e minoritário.

COISA JULGADA PROGRESSIVA

A coisa julgada progressiva, também chamada de coisa julgada parcial, deriva


da teoria dos capítulos da sentença. Tal teoria defende que, embora
formalmente única, há situações em que é possível fazer uma cisão material da
decisão judicial.

Fredie Didier Jr. cita três situações em que isso ocorre: quando a decisão
contém o julgamento de mais de uma pretensão; quando uma pretensão
formalmente única e decomponível, ou seja, versa sobre coisas suscetíveis de
contagem, medição, pesagem ou qualquer ordem de quantificação; quando o
juiz analisa, no corpo de sua decisão, questões processuais, admitindo a
viabilidade do procedimento e, após, passando a analisar o mérito.

Podemos definir a coisa julgada progressiva (ou parcial) como “a possibilidade


da formação de várias coisas julgadas em um mesmo processo, em momentos
distintos e, em muitas vezes, em juízos distintos”.

JUSTIÇA MULTIPORTAS

255
A atividade jurisdicional estatal não é a única nem a principal opção das partes
para colocarem fim ao litígio, existindo outras possibilidades de pacificação
social.

Assim, para cada tipo de litígio existe uma forma mais adequada de solução. A
jurisdição estatal é apenas mais uma dessas opções.

Como o CPC/2015 prevê expressamente a possibilidade da arbitragem (art. 3,


§1º) e a obrigatoriedade, como regra geral, de ser designada audiência de
mediação ou conciliação (art. 334, caput), afirma-se que o novo Código adotou
o modelo ou sistema multiportas de solução de litígios (multi-door system).

Trata-se de mudança paradigmática (não basta que o caso seja julgado, é


preciso que seja conferida solução adequada que faça com que as partes saiam
satisfeitas).

A conciliação, mediação e arbitragem eram tradicionalmente chamadas de


métodos alternativos de solução dos conflitos. Com o advento do CPC/2015,
contudo, a doutrina afirma que elas não devem mais ser consideradas uma
“alternativa”, tendo em vista que passaram a integrar, em conjunto com a
jurisdição, um novo modelo que é chamado de “Justiça Multiportas”.

Segundo Leonardo Cunha, costumam-se chamar de „meios alternativos de


resolução de conflitos‟ a mediação, a conciliação e a arbitragem (Alternative
Dispute Resolution – ADR).

256
Estudos mais recentes demonstram que tais meios não seriam „alternativos‟:
mas sim integrados, formando um modelo de sistema de justiça multiportas.
Para cada tipo de controvérsia, seria adequada uma forma de solução, de modo
que há casos em que a melhor solução há de ser obtida pela mediação, enquanto
outros, pela conciliação, outros, pela arbitragem e, finalmente, os que se
resolveriam pela decisão do juiz estatal.

Há casos, então, em que o meio alternativo é que seria o da justiça estatal. A


expressão multiportas decorre de uma metáfora: seria como se houvesse, no
átrio do fórum, várias portas; a depender do problema apresentado, as partes
seriam encaminhadas para a porta da mediação, ou da conciliação, ou da
arbitragem, ou da própria justiça estatal.

O direito brasileiro, a partir da Resolução nº 125/2010 do Conselho Nacional


de Justiça e com o Código de Processo Civil de 2015, caminha para a
construção de um processo civil e sistema de justiça multiportas, com cada caso
sendo indicado para o método ou técnica mais adequada para a solução do
conflito.

O Judiciário deixa de ser um lugar de julgamento apenas para ser um local de


resolução de disputas.

Trata-se de uma importante mudança paradigmática.

257
Não basta que o caso seja julgado; é preciso que seja conferida uma
solução adequada que faça com que as partes saiam satisfeitas com o resultado.

Bibliografia: CUNHA, Leonardo Carneiro da. A Fazenda Pública em Juízo.


13ª ed., Rio de Janeiro: Forense, p. 637.

SITUAÇÃO DE INESCLARECIBILIDADE

O ônus da prova consiste no encargo que se atribui a um sujeito para


demonstração de determinadas alegações de fato. Nesse contexto, poderá haver
a distribuição dinâmica do ônus da prova (expressamente admitido pelo
CPC/15), na fase de saneamento ou instrutória.

No entanto, existem situações em que a prova do fato é impossível ou muito


difícil para AMBAS as partes, ou seja, é bilateralmente diabólica. É o que Luiz
Guilherme Marinoni chama de “situação de inesclarecibilidade”.

Nesse caso, incumbe ao juiz analisar qual das partes assumiu o risco da
situação de dúvida insolúvel, devendo esta ser submetida à decisão
desfavorável. Afinal, é vedado o “non liquet”.

TRANSLATIO IUDICII

258
O CPC/15 adotou um sistema que consagra a translatio iudicii (que consiste na
modificação da competência do juízo; o juízo reconhece que é incompetente
para julgar o caso e translada o processo para o juízo competente).

Trata-se de inovação do CPC/15. Há a preservação da litispendência e seus


efeitos (materiais e processuais), a despeito do reconhecimento da
incompetência.

Esse sistema pode ser visualizado a partir de algumas regras:

a) A incompetência (absoluta ou relativa) é defeito processual que, em


regra, NÃO leva à extinção do processo, apenas gerando a remessa dos
autos ao juízo competente (art. 64, p. 3º, CPC).

Há, entretanto, EXCEÇÕES (a incompetência gera a extinção do


processo):

1. Juizados Especiais (art. 51, inciso III, Lei 9.099/95);

2. Incompetência internacional (arts. 21 e 23 do CPC);

3. Acolhimento da alegação de convenção


de arbitragem formulada pelo réu (o processo será extinto,
e não remetido ao juízo arbitral - art. 485, VII, CPC).

b) A decisão sobre a alegação de incompetência deverá ser proferida


IMEDIATAMENTE após a manifestação da outra parte (art. 64, p. 2o,
CPC);

259
c) A incompetência NÃO GERA a automática invalidação dos atos
decisórios praticados (art. 64, p. 4o, CPC);

d) O regramento da incompetência na ação rescisória (aproveitamento total


da ação rescisória ajuizada perante tribunal incompetente - art. 968, p. 5o
e 6o, CPC);

e) Art. 240 CPC (Preservam-se os efeitos do ato de CITAÇÃO e do


DESPACHO CITATÓRIO, mesmo reconhecida a incompetência do
juízo que a determinou.

Os atos decisórios deixam o juízo transmissor com a presunção de sua


existência, validade e eficácia, até que seja proferida outra decisão pelo juízo
competente. Pode-se dizer que o Legislador foi sábio na mudança.

O Processo Civil deve ser o mais maleável possível. Deve ser uma moldura
coerente, com princípios bem identificados, mas deve permitir que o Julgador
complete os espaços vazios com os detalhes do caso concreto.

Ora, é possível que uma situação da vida tenha sido decidida liminarmente em
juízo incompetente, mas que tal decisão seja necessária para acautelar o direito
postulado. Essa saída não era permitida no CPC/1973.

Bibliografia: Curso de Direito Processual Civil, Fredie Didier (volume 1).

260
PREQUESTIONAMENTO IMPLÍCITO

Há prequestionamento implícito quando o Tribunal de origem, apesar de se


pronunciar explicitamente sobre a questão federal controvertida, não menciona
explicitamente o texto ou o número do dispositivo legal tido como
afrontado.

O Superior Tribunal de Justiça admite o prequestionamento implícito (REsp..


155.621, REsp. 166.147, REsp. 144.844, REsp. 155.321 e REsp 153.983);

Já no âmbito do Supremo Tribunal Federal não se admite o prequestionamento


implícito da questão constitucional. Segundo o Ministro Sepúlveda Pertence:

(...) “sendo o RE um instrumento de revisão in jure “não investe


o Supremo de competência para vasculhar o acordão recorrido à
procura de uma norma que poderia ser pertinente ao caso, mas da
qual não se cogitou” (AgRg 253.566-6).

Tanto o Recurso Extraordinário como o Recurso Especial pressupõe um


julgado contra o qual já foram esgotadas todas as possibilidades de impugnação
nas várias instâncias ordinárias ou na instância única, originária. Isso significa
dizer que o RE e RESP só são exercitados contra “CAUSA DECIDIDA” não
podendo ser manejados per saltum, deixando in

261
albis alguma possibilidade de impugnação por meio dos Recursos previstos
no CPC.

CONEXÃO POR AFINIDADE

O CPC/15 criou um sistema de julgamento de casos repetitivos (IRDR, nos


termos do art. 976 e seguintes; e recursos especial e extraordinário repetitivos
- art. 1.036 e seguintes).

Esses artigos preveem um novo caso de conexão no direito brasileiro: uma


conexão por afinidade entre as causas repetitivas.

Entretanto, diferentemente do modelo tradicional de conexão, em que se


determina a reunião das causas para processar e julgar simultaneamente,
OUTROS são os efeitos jurídicos da conexão por afinidade:
a) escolha de alguns “casos-piloto”, que funcionam como amostras;
b) sobrestamento dos demais processos, à espera da fixação da tese jurídica a
ser aplicada a todos os casos.

AUTOINTERDIÇÃO

Uma novidade trazida pelo Estatuto da pessoa com deficiência foi permitir a
promoção da interdição pelo próprio interditando (autointerdição).

262
Embora haja divergência acerca da possibilidade (ou não), vem prevalecendo
entre os doutrinadores ser perfeitamente POSSÍVEL;

Nesse sentido, inclusive, é o Enunciado 680 do FPPC: “Admite-se pedido de


autointerdição e de levantamento da própria interdição a partir da vigência
do Estatuto da Pessoa com Deficiência”.

TAXATIVIDADE MITIGADA

O rol do art. 1.015 do CPC é de taxatividade mitigada, por isso admite a


interposição de agravo de instrumento quando verificada a
URGÊNCIA decorrente da inutilidade do julgamento da questão no recurso
de apelação.

Segundo o STJ, não se admite interpretação extensiva, vez que ineficaz para a
conferir ao referido dispositivo uma interpretação em sintonia com as normas
fundamentais do processo civil;

A tese jurídica fixada e acima explicada somente se aplica às decisões


interlocutórias proferidas após a publicação do REsp 1704520/MT, o que
ocorreu no DJe 19/12/2018.

(REsp 1704520/MT, Rel. Ministra NANCY A NDRIGHI, CORTE


ESPECIAL, julgado em 05/12/2018, DJe 19/12/2018)

263
Em que pese parte da doutrina defender que o rol admite interpretação extensiva
(tal como Fredie Didier Jr. no caso de cabimento do agravo para a rejeição da
alegação de convenção de arbitragem), o STJ fez consignar o seguinte:

“A tese de que o rol do art. 1.015 do CPC seria taxativo, mas


admitiria interpretações extensivas ou analógicas, mostra-se
igualmente ineficaz para a conferir ao referido dispositivo uma
interpretação em sintonia com as normas fundamentais do
processo civil, seja porque ainda remanescerão hipóteses em que
não será possível extrair o cabimento do agravo das situações
enunciadas no rol, seja porque o uso da interpretação extensiva
ou da analogia pode desnaturar a essência de institutos jurídicos
ontologicamente distintos”.

A tese jurídica fixada e acima explicada somente se aplica às decisões


interlocutórias proferidas após a publicação do REsp 1704520/MT, o que
ocorreu no DJe 19/12/2018.

Surgiram três principais correntes de interpretação a respeito do rol


previsto neste artigo:

1) o rol é absolutamente taxativo (deve ser interpretado restritivamente):


Houve uma opção consciente do legislador pela enumeração taxativa das
hipóteses.

264
Não se pode ampliar o rol do art. 1.015, sob pena, inclusive, de comprometer
todo o sistema preclusivo eleito pelo CPC/2015.
Fernando Gajardoni, Luiz Dellore, André Roque, Zulmar Oliveira Jr.

2) o rol é taxativo, mas admite interpretação extensiva ou analogia: Os incisos


do art. 1.015 não podem ser interpretados de forma literal.
Os incisos devem ser interpretados de forma extensiva para admitir situações
parecidas.
Fredie Didier Jr., Leonardo da Cunha, Teresa Arruda Alvim, Cássio
Scarpinella.

3) o rol é exemplificativo: O rol é exemplificativo, de modo que a


recorribilidade da decisão interlocutória deve ser imediata, ainda que a situação
não conste no art. 1.015 do CPC.
William Santos Ferreira e José Rogério Cruz e Tucci

Qual foi o critério adotado pelo STJ?


O STJ construiu a ideia de que o rol do art. 1.015 do CPC/2015 é de
taxatividade mitigada.

O que significa isso?


Em regra, somente cabe agravo de instrumento nas hipóteses listadas no art.
1.015 do CPC/2015.
Excepcionalmente, é possível a interposição de agravo de instrumento fora da
lista do art. 1.015, desde que preenchido um requisito objetivo: a urgência.

265
Por que esse nome “taxatividade mitigada”?
Foi uma expressão cunhada pela Min. Nancy Andrighi.
O objetivo da Ministra foi o de dizer o seguinte: o objetivo do legislador foi o
de prever um rol taxativo e isso deve ser, na medida do possível, respeitado. No
entanto, trata-se de uma taxatividade mitigada (suavizada, abrandada,
relativizada) por uma “cláusula adicional de cabimento”.
Que cláusula (norma, preceito) é essa? Deve-se também admitir o cabimento
do recurso em caso de urgência.
E por que se deve colocar essa “cláusula adicional de cabimento”? Por que se
deve adicionar essa regra extra de cabimento? Porque, se houvesse uma
taxatividade absoluta, isso significaria um desrespeito às normas fundamentais
do próprio CPC e geraria grave prejuízo às partes ou ao próprio processo.
Logo, tem-se uma taxatividade mitigada pelo requisito da urgência.

Fonte: Site dizerodireito.com.br

PRECEDENTE COM EFICÁCIA DESEFICACIZANTE OU


RESCINDENTE

Trata-se de precedente que tem aptidão para rescindir ou retirar a eficácia de


uma decisão judicial transitada em julgado.

266
É o caso dos parágrafos 12, 13 e 14 do art. 525, e dos parágrafos 5o, 6o e 7o do
art. 535 do CPC/15, que reputam inexigível decisão judicial que se lastreie em
lei ou em ato normativo tidos pelo STF como inconstitucional.

Nesse caso, o precedente do STF deve ser ANTERIOR à decisão transitada


em julgado para produzir o efeito de deseficacizar a decisão judicial.

Se o precedente do STF for posterior ao trânsito em julgado, caberá ação


rescisória (art. 966, V, p. 5o e 6o e art. 525, p. 15, CPC).

O tratamento dispensando ao precedente judicial no CPC/15 é muito


importante, sobretudo em tempos de neoconstitucionalismo e da
leitura/interpretação da legislação infraconstitucional sempre à luz da Lei
Maior.

Lembrando que o precedente é a decisão judicial tomada à luz de um caso


concreto, cujo elemento normativo pode servir como diretriz para o julgamento
posterior de casos análogos.

Segundo Fredie Didier, os precedentes judiciais previstos no Novo Código de


Processo Civil (Lei nº 13.105/2015) podem produzir seis tipos de efeitos
jurídicos. São eles:
a) efeito persuasivo (persuasive authority);
b) efeito obstativo de revisão das decisões;

267
c) o efeito é o vinculante/obrigatório (biding precedent);
d) o efeito autorizante;
e) o efeito rescindente/deseficacizante; e
f) o efeito de revisão da sentença.

DEVER DE INTEGRIDADE DO CPC/15 e TEORIA DA


INTEGRIDADE

O Código de Processo Civil de 2015 inova o ordenamento processual brasileiro


ao dispor que “os tribunais devem manter sua jurisprudência íntegra” (art. 926).

De acordo com Fredie Didier, trata-se de inspiração na doutrina de Ronald


Dworkin, que pondera que o juiz deve ser fiel ao seu dever de integridade,
colocando-se como um autor e, ao mesmo tempo, como um crítico "de um
romance em cadeia, escrito por diversos autores".

Segundo essa teoria, o "capítulo seguinte de cada romance" deve


necessariamente "guardar correlação com o capítulo anterior". Um
rompimento total entre similaridade das decisões somente é possível, mediante
uma carga de argumentação extrema que se justifique, com base nas
peculiaridades do caso concreto.

268
TÉCNICA DE CONFRONTO E APLICAÇÃO DO
PRECEDENTE: “distinguishing”

Fala-se em distinguishing quando houver distinção entre o caso concreto (em


julgamento) e o paradigma, seja porque não há coincidência entre os fatos
fundamentais discutidos e aqueles que serviram de base à “ratio decidendi”
(tese jurídica) constante no precedente, seja porque, a despeito de existir uma
aproximação entre eles, alguma peculiaridade no caso em julgamento afasta a
aplicação do precedente.

São acepções do termo “distinguishing”:

A) distinguishing-método: para designar o método de comparação


entre o caso concreto e o paradigma.
B) distinguishing-resultado: para designar o resultado desse
confronto, nos casos em que se conclui haver entre eles alguma
diferença.

Observações importantes sobre a técnica de confronto “distinguishing”:


 O direito à distinção é um corolário do Princípio da igualdade (a ele,
corresponde um dever de o órgão julgador proceder à distinção- dever
esse consagrado em diversos dispositivos da legislação brasileira).

 Nos termos do Enunciado 306 do FPPC, “a distinção se impõe na


aplicação de QUALQUER precedente, INCLUSIVE os vinculantes”.

269
 O que é o “inconsistent distinguishing”? Trata-se de equívoco do órgão
julgador na utilização do método do distinguishing (quando ocorre a
distinção inconsistente, tem-se uma deturpação da técnica da distinção).

 “A realização da distinção compete a QUALQUER ÓRGÃO


JURISDICIONAL, independentemente da origem do precedente
invocado”, nos termos do Enunciado 174 do FPPC.

 Caso o magistrado ou tribunal, ao decidir o caso em julgamento,


IGNORE um precedente obrigatório ou uma lei relacionada ao caso,
segundo Marcelo Alves Dias de Souza, tem-se a “decisão per incuriam”,
que, na forma do art. 1022, p. único, incisos I e II, do CPC/15, é omissa.

OVERRULING DIFUSO X OVERRULING CONCENTRADO

A superação de um precedente ou de um entendimento jurisprudencial


(overruling) pode dar-se, no Brasil, de duas maneiras:

O overruling realizado difusamente pode ocorrer em qualquer processo que,


chegando no tribunal, permita a superação do precedente anterior. Trata-se de
regra (qualquer pessoa pode contribuir para a revisão de um entendimento
jurisprudencial).

270
No Brasil, entretanto, o overruling pode dar-se de modo concentrado. Instaura-
se um procedimento autônomo, cujo objetivo é a revisão de um entendimento
já consolidado no tribunal. É o que ocorre com o pedido de revisão ou
cancelamento de Súmula Vinculante (art. 3o Lei 11.417/2006) e o pedido de
revisão da tese firmada em IRDR (art. 986 CPC/15).

Por fim, ressalta-se o Enunciado 321 do FPPC:

“A modificação do entendimento sedimentado poderá ser


realizada nos termos da Lei 11.417/2006, quando se tratar de
enunciado de súmula vinculante; do regimento interno dos
tribunais, quando se tratar de enunciado de súmula ou
jurisprudência dominante; e, incidentalmente, no julgamento de
recurso, na remessa necessária ou causa de competência
originária do tribunal”.

RECURSO ADESIVO CRUZADO (RECURSO ADESIVO


CONDICIONADO)

Em regra, o recurso adesivo será da mesma espécie do recurso independente,


ao qual ele é subordinado. É possível, porém, em situações excepcionalíssimas,
que os recursos não tenham a mesma natureza. A essa possibilidade, segundo
Fredie Didier, dá-se o nome de recurso adesivo cruzado ou condicionado.

271
Na interposição de recurso especial e extraordinário, embora não usual, é
possível a interposição condicionada de um recurso diferente daquele
interposto de forma independente, que somente será julgado se o recurso
independente for provido, o que vem sendo denominado de “recurso adesivo
cruzado”.

Um exemplo: A parte fundamente a sua pretensão em questão constitucional e


questão federal, vindo o tribunal a acolher o pedido, mas rejeita o fundamento
constitucional (ou federal). A parte vencida, porque sucumbente, poderá
interpor recurso especial para discutir a questão infraconstitucional que foi
acolhida. Neste caso, a parte vencedora não tem interesse recursal para interpor
recurso extraordinário (para discutir a questão constitucional, que foi rejeitada),
uma vez que, como foi vitoriosa na questão principal, não tem interesse em
recorrer para discutir simples fundamento. Ocorre que a parte vencedora, neste
caso, pode sofrer prejuízo, em razão de não poder recorrer extraordinariamente:
em sendo dado provimento ao recurso especial, a questão constitucional restará
preclusa, não mais podendo ser discutida.

Nesta situação, defende a doutrina a possibilidade da interposição do recurso


extraordinário (ou especial) cruzado (porque será um recurso extraordinário
adesivo a recurso especial, ou vice-versa), sob a condição de somente ser
processado (analisado) se o recurso independente for acolhido. O recurso
adesivo será interposto por cautela, para ser julgado, apenas, no caso de o órgão
ad quem convencer-se da procedência do recurso independente (principal).

272
Desse modo, em se tratando da interposição de recurso especial e
extraordinário, é possível, embora não usual, a interposição condicionada de
um recurso diferente daquele interposto de forma independente, que somente
será julgado se o recurso independente for provido, o que vem sendo
denominado de “recurso adesivo cruzado”.

TEORIA DOS DOIS CORPOS DO REI

Esta teoria utiliza de uma metáfora da obra “Os dois corpos do Rei”, de Ernest
Kantorowicz, para traçar um paralelo com a segurança jurídica sob a
perspectiva jurisprudencial na busca da uniformidade, sendo que esta
busca parte da formulação de acórdãos e ementas, até a exposição das razões
de decidir, de modo que haja preocupação com toda a decisão e não apenas
com seus dispositivos.

Assim, a decisão com dois corpos (ou partes) seria construída no litígio judicial,
tem-se, de um lado, a parte indeterminada ou incerta, e, de outro lado, a
parte das circunstâncias fáticas, sem perder de vista o ideal da segurança
jurídica.

RECURSO ADESIVO

Trata-se de recurso contraposto ao da parte adversa, por aquela que se


dispunha a não impugnar a decisão, e só veio a impugná-la porque o fizera o
outro litigante, sendo necessária a sucumbência recíproca.

273
É possível ressaltar as seguintes características do Recurso Adesivo no Novo
CPC, de maneira resumida:

 Não é espécie de recurso, mas forma de interposição de recurso;

 É possível nos recursos de: 1. Apelação; 2. Recurso Especial; 3.


Recurso Extraordinário.

 Não cabe recurso adesivo em sede de Juizado Especial (En. 88


FONAJE);

 De acordo com o STJ, excepcionando a regra prevista no art. 997, p. 2º,


III, CPC/15, é impossível a desistência do recurso principal se foi
concedida tutela antecipada no recurso adesivo, em homenagem ao
princípio da boa-fé processual (Info 554).

TEORIA DA CAUSA MADURA (CPC/15)

De acordo com a teoria da causa madura, prevista no art. 1.013, § 3º CPC/2015,


estando a causa em condições de imediato julgamento (“madura”), o Tribunal
já deverá decidir desde logo o mérito.

EFEITO DESOBSTRUTIVO DO RECURSO: De acordo com a doutrina


(Fredie Didier Jr.), o julgamento do mérito diretamente pelo Tribunal gera o
denominado “efeito desobstrutivo do recurso”. Ademais, tal regra consagra

274
os princípios da primazia da decisão do mérito e duração razoável do processo
(art. 4º, CPC).

De acordo com o Superior Tribunal de Justiça: “O processo estará “pronto para


julgamento” quando o réu tenha sido devidamente citado e as provas tenham
sido produzidas” (sobre a necessidade de acervo provatório completo entende
o STJ, EREsp 874.507/SC).

Quais as hipóteses prevista no CPC/15?

Primeiramente, salienta-se que o NCPC ampliou significativamente as


hipóteses (art. 1.013, parágrafo 3º). Vejamos:

a) reformar sentença fundada no art. 485 (decisões


terminativas - que não enfrentam o mérito);
b) decretar a nulidade da sentença por não ser ela congruente
com os limites do pedido ou da causa de pedir;
c) constatar a omissão no exame de um dos pedidos, hipótese
em que poderá julgá-lo;
d) decretar a nulidade de sentença por falta de
fundamentação.

Ademais, de acordo com a jurisprudência do STJ:


 Admite-se a aplicação da teoria da causa madura (art. 515, § 3º, do
CPC/1973 / art. 1.013, § 3º do CPC/2015) em julgamento de agravo de

275
instrumento. STJ. Corte Especial. REsp 1.215.368-ES, Rel. Min.
Herman Benjamin, julgado em 1/6/2016 (Info 590);
 Não se aplica a teoria em julgamento de recurso especial (STJ, REsp
1.569.401/CE).

Ressalta-se que, por expressa previsão no art. 1.027, p. 2o, do CPC/15, aplica-
se a teoria para o recurso ordinário constitucional (na vigência do CPC/73,
os Tribunais Superiores entendiam que NÃO cabia, pois alegavam haver
supressão de instância e usurpação de competência).

OBS: A maioria da doutrina vem entendendo que o art. 1.013, p. 3º do CPC


(Teoria da causa madura) deve ser aplicado para TODOS os recursos (e meios
de impugnação).

Por fim, há três pressupostos para a aplicação da teoria da causa madura,


segundo Fredie Didier:
1) requerimento do recorrente (*não é pacífico na jurisprudência do STJ esse
requisito);
2) provimento do recurso;
3) processo em condições de imediato julgamento.

TÉCNICA DE AMPLIAÇÃO DO COLEGIADO (ART. 942 DO


CPC/15)

276
Segundo este instituto jurídico, em casos de julgamento não unânime, este terá
prosseguimento na mesma sessão ou, não sendo possível, em nova assentada,
a qual contará com a presença de novos Desembargadores convocados, em
número suficiente para garantir a possibilidade de inversão do resultado inicial.

O novo CPC retirou os embargos infringentes do rol de recursos. Conquanto,


em seu lugar, foi inserida a "técnica de ampliação do colegiado" para os casos
de julgamentos não unânimes, como se verifica no art. 942 do NCPC.

É cabível a técnica de ampliação do colegiado ao julgamento não unânime


proferido em:
1) Apelação;
2) Ação rescisória, quando o resultado for a rescisão da
sentença, devendo, nesse caso, seu prosseguimento
ocorrer em órgão de maior composição previsto no
regimento interno;
3) Agravo de instrumento, quando houver reforma da
decisão que julgar parcialmente o mérito.

Os embargos infringentes do CPC/73 foram substituídos por uma técnica de


julgamento mais ampla.

Qual a natureza jurídica deste instituto jurídico previsto no art. 942 do NCPC?
O referido dispositivo não enuncia uma nova espécie recursal, mas, sim, uma
técnica de julgamento, a ser aplicada de ofício, independentemente de

277
requerimento das partes, com o objetivo de aprofundar a discussão a respeito
da controvérsia fática ou jurídica sobre a qual houve dissidência.

Como não se trata de recurso, a aplicação da técnica ocorre em momento


anterior à conclusão do julgamento, ou seja, não há proclamação do resultado,
nem lavratura de acórdão parcial, antes de a causa ser devidamente apreciada
pelo colegiado ampliado.

Recentemente, a Corte Cidadã decidiu que os novos julgadores convocados na


forma do art. 942 do CPC/2015 poderão analisar todo o conte do das razões
recursais, não se limitando mat ria sobre a qual houve diverg ncia.
(Nesse sentido: REsp 1.771.815-SP, julgado em 13/11/2018 - Info 638 do STJ).

Informações importantes:
 NÃO se aplica aos Juizados Especiais (Enunciado n. 552 do FPPC);
 APLICA-SE ao mandado de segurança e à rescisão parcial do julgado
(Enunciados 62 e 63 JCJF, respectivamente).

DECISÃO DETERMINATIVA

Em algumas situações, a lei prevê conceitos indeterminados, que são


expressões não conceituadas pelo legislador (embora a lei preveja
consequências, quando presentes), devendo seu alcance ser delimitado pelo
julgador. É o caso, por exemplo, de "bons costumes".

278
Assim, diz-se que, quando o juiz profere uma decisão em que delimita um
conceito indeterminado, aplicando-o ao caso concreto, a referida decisão é
"determinativa", já que "determinou o conceito".

O assunto ganha relevância em razão da previsão do art. 489, parágrafo 1º, II,
do NCPC, segundo o qual não se considerará fundamentada a decisão quando
o magistrado empregar um conceito indeterminado sem, porém, explicar o
motivo concreto de sua incidência no caso.

RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA

Tema dos mais interessantes a respeito da coisa julgada diz respeito à sua
relativização, tese defendida por parcela considerável da doutrina nacional.

Durante dois anos a contar do trânsito em julgado da última decisão proferida


no processo, há possibilidade de ajuizamento da ação rescisória, quando ainda
é possível desconstituí-la. Mas, ultrapassado esse prazo, não haveria mais como
afastá-la, nem mesmo naquelas situações em que manifesto o equívoco na
decisão judicial, ou evidentes os danos que poderiam decorrer.

Não se discute que o fenômeno da coisa julgada deve ser preservado e que, sem
ele, haveria grave comprometimento da função pacificadora das decisões
judiciais. Mas isso não afasta o risco de, por meio da coisa julgada, poderem

279
ser eternizadas situações tão nocivas, ou ainda mais, que aquelas que adviriam
da rediscussão posterior da decisão.

Por isso, já há alguns anos, por força dos ensinamentos do Ministro José
Augusto Delgado e de Humberto Theodoro Junior, às quais foram
acrescentados novos argumentos por Cândido Rangel Dinamarco, tem-se
falado na relativização da coisa julgada.

Trata-se da possibilidade de, em situações excepcionais, afastar a coisa


julgada, mesmo que já tenha sido ultrapassado o prazo de rescisória. O
fundamento teórico é a existência de direitos e garantias fundamentais tão ou
mais importantes do que a coisa julgada, que não poderia prevalecer se
confrontada com eles. São exemplos:

a) AÇÕES DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE, quando posterior


realização de exame científico de material genético comprova que o resultado
do processo não retrata a verdade dos fatos. Se, de um lado, há o direito à
segurança jurídica, de outro, há o direito individual das pessoas de figurarem
como filhos ou pais de quem efetivamente o são. Nesse caso, mesmo que já
ultrapassado o prazo da ação rescisória, será possível rediscutir a questão;

b) INDENIZAÇÕES A QUE FOI CONDENADA A FAZENDA


PÚBLICA, em relação a imóveis desapropriados, tendo sido constatada a
superestimação dos valores, do que decorreria prejuízo aos cofres públicos.

280
É POSSÍVEL RECONVENÇÃO SUCESSIVA
(RECONVENÇÃO DA RECONVENÇÃO)?

Seria permitido, quando da intimação para apresentar sua manifestação, ao


reconvindo, o protocolo de uma nova reconvenção?

Renomados doutrinadores respondem afirmativamente a esta questão, como é


o caso de Fredie Didier Junior e, ainda, MARINONE, este último, após afirmar
que é lícito ao reconvindo deduzir uma nova desde que a primeira reconvenção
tenha sido fundamentada nos fundamentos de defesa do réu, vejamos:

(...) a primeira reconvenção (a oferecida pelo réu) tenha sido


baseada no fundamento da defesa nesta hipótese (reconvenção
baseada no fundamento da defesa), o réu traz material fático
totalmente novo ao processo, podendo surgir daí o interesse do
autor-reconvindo em apresentar, sobre esse novo material,
também sua pretensão.

É possível afirmar, com base no raciocínio doutrinário, que é possível a


reconvenção sucessiva sempre que o autor reconvindo possuir uma
pretensão que seja conexa à reconvenção proposta pelo réu sobre
fundamento de sua defesa.

281
Contudo, insta salientar que parte da doutrina afirma, como condicionante, que
“a nova demanda a propor não seja portadora de uma pretensão que ele poderia
ter cumulado na inicial e não cumulou” (COLOTÔNIO, Camila Satsuki Yuko.
Análise jurisprudencial acerca do tema Reconvenção à Reconvenção).

Ademais, lei brasileira não veda a reconvenção sucessiva. Logo, há que se


fundamentar a possibilidade de reconvir da reconvenção ao analisar que quando
o Código de Processo Civil quis impedir esta possibilidade o fez,
expressamente, no art. 702, § 3º ao regrar a impossibilidade de reconvenção da
reconvenção nas ações monitórias. Logo, não tendo impedido nos demais
casos, entende-se pela possibilidade.

Desse modo, nota-se que o Novo CPC não previu expressamente a


possibilidade de reconvenção da reconvenção, entretanto, o fez para indicar sua
impossibilidade para as ações monitórias, fato que leva a compreender que nos
demais casos seria possível já que inexiste proibição.

Ademais, ante o silêncio do Código, coube à doutrina iniciar os debates sobre


o tema, de forma que entendeu, majoritariamente, possível a utilização do
instituto.

Não seria razoável, contudo, que esta reconvenção sucessiva se estendesse ao


ponto de que fosse permitida uma terceira, quarta ou quinta reconvenção. Desta
forma, o melhor raciocínio será de que ao propor o réu sua reconvenção

282
será permitida, tão somente, uma nova utilização do instituto, agora, por parte
do autor reconvindo.

Isto porque a reconvenção sucessiva é fundamentada em razão de uma demanda


a ser proposta após a reconvenção fundamentada em direito de defesa do réu,
fato que não deve acontecer na resposta do autor reconvinte, pois a maturidade
da situação já está por demais elevada e o surgimento de novas questões seriam
improváveis ou meramente provocadoras de tumultos processuais infindáveis.

283
CAPÍTULO 05

Direito Civil

284
DIREITO CIVIL
CARACTERÍSTICAS DO “NOVO” DIREITO CIVIL

Segundo Cristiano Chaves de Farias, Felipe Braga Netto e Nelson Rosenvald


(Manual de Direito Civil), são características do Direito Civil do Século XXI:

A) Constitucionalização, despatrimonialização e repersonalização do


direito civil: todas as relações civis devem ser lidas sob o ângulo dos
valores, princípios e regras da Constituição; é necessário reconhecer, em
primeiro lugar, a dimensão existencial.

B) Aplicação direta dos direitos fundamentais às relações privadas: há


aqui a eficácia horizontal dos direitos fundamentais (aplica-se, conforme
jurisprudência e doutrina majoritária, diretamente os direitos
fundamentais nas relações privadas).

C) Existência não só de códigos civis, mas também de microssistemas


legislativos.

D) Sistema jurídico como um “sistema aberto de princípios


normativos”: as sociedades velozes e pluralistas do nosso século
precisam também de normas abertas, normas mais flexíveis e de
conteúdo relativamente indeterminado (princípios), a fim de que a

285
sociedade evolua paulatinamente e o direito civil apenas se revitalize
pelo farto uso dos princípios e cláusulas gerais.

E) Funcionalização dos conceitos, categorias e institutos civis: os


conceitos funcionalizados são aqueles que ultrapassam a visão
puramente estrutural, estática e formal.

F) Renovação da interpretação no direito civil- a teoria dos direitos


fundamentais: o pensamento jurídico passa a orientar-se mais em
função dos valores do que dos interesses, recorrendo cada vez mais às
cláusulas gerais e aos princípios jurídicos, o que leva a falar atualmente
em “perdas de certeza” no pensamento jurídico (entretanto, a perda de
certeza, que um ordenamento que opera com valores e princípios traz,
não é um juízo de valor, mas um contexto histórico cujos contornos
começam a se configurar.

G) Redução qualitativa da autonomia da vontade (em matéria


contratual): com o fim de proteger os mais fracos, os hipossuficientes;
não leva-se em consideração apenas à vontade das partes, vez que o
conteúdo dos contratos é composto por padrões mínimos de
razoabilidade, que remetem à boa-fé objetiva, ao equilíbrio material entre
as prestações e à vedação ao abuso de direito.

H) Função social no direito civil: Fala-se atualmente em eficácia interna e


externa da função social do contrato. Exemplo da função externa é a
figura do “terceiro cúmplice” (terceiros devem se abster de interferir, de
modo danoso, nas relações contratuais de outrem).

286
DIREITO DE NÃO SABER

O “direito de não saber” consiste numa opção e defesa do indivíduo, acerca do


direito de não desejar tomar conhecimento sobre determinada situação de forma
independente do direito à privacidade.

O indivíduo tem a autonomia de optar por não tomar ciência, no que tange a
fatos informações indesejados que possam provocar abalo em sua vida.

O direito de não saber é um direito distinto do direito à privacidade e só tem


efeito quando a manifestação expressa de preferência pelo seu titular. O direito
de não saber encontra limites na projeção de probabilidade da violação de
direitos de outras pessoas.

O Civilista Flávio Tartuce, sobre tal tema, assevera o seguinte:

O STJ (Info 467) - colocou em pauta o que já vem sendo


denominado pela doutrina de “direito de não saber” - em ação
reparatória contra hospital em que foi realizado exame não
solicitado, de forma negligente, qual seja, anti-HIV, com o
resultado positivo. A Turma se posicionou no sentido de que, sob
o prisma individual, o indivíduo tem o direito de não saber o que
é portador de HIV (caso se entenda que este seja um Direito seu,
decorrente da sua intimidade); entretanto, esse direito é

287
suplantado por um direito maior, qual seja, o direito à vida
longeva e saudável.

Ademais, conforme leciona Lucas Miotto Lopes:

“O direito de não saber é um direito distinto do direito à


privacidade e só tem efeitos caso haja a manifestação expressa de
preferência. Tem limites na probabilidade da violação de direitos
de outras pessoas. Esse limite é aplicado o caso exposto pois o
fato de o demandante não saber ser portador de HIV poderia
trazer prejuízos a terceiros. Por isso, seu pedido reparatório e
faço namorar tório que fez o exame de sangue de maneira
equivocada foi corretamente rejeitado pela Corte Cidadã.

Portanto, nota-se que vem sendo reconhecido o “direito de não saber” no


ordenamento jurídico brasileiro. No entanto, o aludido direito encontra limite
na projeção de probabilidade da violação de direitos de outras pessoas (não
podendo trazer, assim, prejuízo a terceiros).

CONTRATO “GRÉ À GRÉ”

De acordo com José Saldanha da Gama e Silva, os contratos “gré à gré” são
aqueles que se formam mediante discussão entre as partes, diretamente ou
por meio de representantes legais daqueles.

288
Em outras palavras: são os contratos formados mediante tratativa, convenção,
consenso, pactuação ou acordo de forma bilateral e recíproca entre as partes.

Opostamente à essa modalidade contratual, têm-se os contratos de adesão, em


que as cláusulas não são discutidas pelas partes, porquanto já vem, via de regra,
previamente definidas.

Na seara cível, o contrato “gré à gré” tem perfeita viabilidade e possui


terminologias sinônimas “accordage” e marché-de-gré-à-gré.

EXCEÇÃO DE INSEGURIDADE

A exceção de inseguridade, segundo Flávio Tartuce, traduz a situação em que


a conduta de uma das partes do negócio jurídico submete a risco a fiel execução
do pactuado no contrato, ocasião em que a parte inocente pode, desde logo,
suspender o cumprimento de sua respectiva prestação, uma vez que não é dado
a quem coloca em perigo o pactuado ignorar a repercussão da própria conduta,
para exigir o adimplemento alheio.

Existe previsão deste instituto jurídico no CC/02? SIM. A exceção de


inseguridade está prevista no artigo 477 do Código Civil.

Art. 477. Se, depois de concluído o contrato, sobrevier a uma das


partes contratantes diminuição em seu patrimônio capaz de

289
comprometer ou tornar duvidosa a prestação pela qual se
obrigou, pode a outra recusar-se à prestação que lhe incumbe, até
que aquela satisfaça a que lhe compete ou dê garantia bastante de
satisfazê-la.

Ainda no que concerne à exceção de inseguridade, vejamos o Enunciado n. 438


da V Jornada de Direito Civil:

A exceção de inseguridade, prevista no art. 477, também pode ser


oposta à parte cuja conduta põe, manifestamente em risco, a
execução do programa contratual.

É necessário o inadimplemento para alegar a exceção de inseguridade?


NÃO. Para a incidência da exceção de inseguridade, segundo a doutrina, basta
o risco de descumprimento, advindo por meio de uma conduta qualquer da
outra parte do negócio jurídico. Desse modo, este instituto jurídico não reclama,
para a sua caracterização, o inadimplemento, mas apenas o risco dele.

A exceção de inseguridade decorre da boa-fé e, por consequência, do “tu


quoque”.

TEORIA DO CORPO NEUTRO

290
Segundo a teoria do corpo neutro, é eximido de responsabilidade o condutor do
veículo que foi lançado contra o carro de terceiro em virtude de colisão anterior
a que não deu causa.

Imaginemos a seguinte situação: Tício estava parado no semáforo, aguardando


o sinal verde, quando é surpreendido com uma forte colisão na traseira de seu
veículo. Em razão da batida, o veículo de Tício é arremessado no carro da
frente, causando-lhe avarias. Ou seja, típico caso de engavetamento.

Tício será isento de qualquer responsabilidade em virtude do acidente, uma vez


que, segundo jurisprudência da Corte Cidadã, o ocorrido evidencia fato de
terceiro e o veículo de Tício é caracterizado como um corpo neutro de
responsabilidade civil.

Desse modo, todos os danos deverão ser suportados pelo causador da batida,
não havendo de se falar sequer em responsabilidade de Tício com direito de
regresso em face do causador da batida.

Não se deve confundir o exemplo dado com uma situação diversa: caso Tício,
prevendo o engavetamento, tentasse fazer uma manobra e acabasse causando
danos a terceiros, não haveria de se falar em corpo neutro.

Isso porque, na teoria do corpo neutro, o carro de Tício serviu de mero


instrumento para causar o dano, diferentemente do segundo exemplo, em que

291
houve de fato um ato do condutor, muito embora, em ambos os casos, Tício
não vá suportar os prejuízos do ocorrido.

TEORIA DO DESESTÍMULO (PUNITIVE DAMAGE)

A teoria do desestímulo (“punitive damage”) tem origem norte-americana,


sendo uma aplicação da punição ao autor do fato danoso, onde os julgadores,
depois que fixar o montante suficiente para compensar a vítima pelo dano
moral, fixa também uma pena civil que atue como uma forma de inibir a
reiteração desta conduta. Esta teoria é muito utilizada nos países que utilizam o
direito a Common Law.

Quando se fala em “punitive damage”, não se discute e nem faz menção


somente aos danos punitivos da vítima, mas também à conduta reprovável que
o lesante levou ao ferimento ao patrimônio não material da vítima, que causou
a esta uma grande afronta à sua honra e dignidade.

Segundo Nelson Rosenvald, no que pertine aos punitive damages – modelo


jurídico celebrado na experiência estadunidense -, eventual pena civil fixada
pelo magistrado em razão de ilícitos aquilianos, não se restringirá a atender
interesses particulares da vítima.

Muito pelo contrário, para além de uma mera lesão a uma obrigação pré-
constituída, a finalidade primária da pena civil é preventiva e dissuasiva,
objetivando tutelar o interesse geral de evitar que o potencial ofensor pratique

292
qualquer comportamento de perigo social. Isso é, o interesse do particular só
será relevante enquanto coincidir com o interesse público de intimidar uma
pessoa natura ou jurídica, por media de desestímulo, a adotar um
comportamento que não coloque em risco interesses supraindividuais.

Desse modo, a teoria do desestímulo preconiza que a indenização deve ter a


função reparatória e pedagógica do dano moral, ou seja, deve reparar o dano da
vítima e punir pedagogicamente o ofensor para que não volte a reiterar a
conduta violadora.

Destaca-se que as indenizações punitivas não se aplicam apenas aos danos não
econômicos. Essa modalidade de indenização possui o condão de punir o
gerador do dano, com o escopo de este não repetir essa conduta danosa.

O caráter dúplice da responsabilidade civil (compensatória e pedagógica) tem


sido reconhecido - embora não seja firme e consolidado - pelo STJ em alguns
precedentes, a exemplo do REsp 207.926 e REsp 860.705/DF, bem como por
Tribunais (TJSP e TJMG).

PRINCÍPIO DA BOA -FÉ OBJETIVA (FUNÇÕES


SUPRESSIO, SURRECTIO, TU QUOQUE, EXCEPTIO DOLI
e VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM)

O Novo Código Civil apresenta como princípios norteadores a operabilidade, a


sociabilidade e a boa-fé. Este último princípio, cujo estudo é o escopo deste

293
trabalho, vem sendo concretizado nas jurisprudências devido a sua magnitude
e extensão, não sendo mais visto como um simples princípio norteador.

Com o princípio da boa-fé vigente em nosso Novo Código Civil, objetivamente,


cada pessoa deve ajustar sua conduta ao arquétipo de conduta social vigente.

Paulo Brasil Dill Soares (2001, p. 219-220), esclarece o significado da boa-fé


objetiva, ao conceituar:

“Boa-fé objetiva é um „standard‟ um parâmetro genérico de


conduta. Boa-fé objetiva significa, portanto, uma atuação
„refletida‟, pensando no outro, no parceiro atual, respeitando
seus interesses legítimos, suas expectativas razoáveis, seus
direitos, agindo com lealdade, sem abuso, sem obstrução, sem
causar lesão ou desvantagem excessiva, gerando para atingir o
bom fim das obrigações: o cumprimento do objetivo contratual e
a realização de interesses das partes.”

À luz da doutrina, há marcante diferença entre boa-fé subjetiva e objetiva: em


sua concepção subjetiva, corresponde ao estado psicológico do agente;
enquanto que a boa-fé objetiva se apresenta como uma regra de conduta, “um
comportamento em determinada relação jurídica de cooperação” (PEREIRA,
2003, p.20).

294
Na boa-fé subjetiva, portanto, o indivíduo se contrapõe psicologicamente à má-
fé, convencendo-se a não estar agindo de forma a prejudicar outrem na relação
jurídica.

O princípio da boa-fé objetiva impõe uma regra de conduta, tratando-se de um


verdadeiro controle das cláusulas e práticas abusivas em nossa sociedade.

A boa-fé assume feição de uma regra ética de conduta e tem algumas funções
como: fonte de novos deveres de conduta anexos à relação contratual;
limitadora dos direitos subjetivos advindos da autonomia da vontade, bem
como norma de interpretação (observar a real intenção do contraente) e
integração do contrato.

Em outras situações, no entanto, os deveres primários já foram adimplidos e o


contrato extinto, porém, remanescem os deveres laterais. Estes deveres laterais
são chamados de pré- contratuais (culpa in contrahendo) ou pós- contratuais
(culpa post pactum finitum). Estes consistem nos deveres de proteção,
informação (esclarecimento) e lealdade (Donnini, 2007, p. 45-46).

Pelo dever de segurança cabem as contratantes garantir a integridade de bens e


dos direitos do outro, em todas as circunstâncias próprias do vínculo que
possam oferecer algum perigo, sendo este o modelo de contrato
contemporâneo.

295
Conforme Ricardo Lorenzzeti (1998, p. 551) o contrato deixou de ser
visualizado como um representativo de interesses antagônicos, divisando-se um
affectio contractus, tornando os contraentes como se fossem parceiros.

CLÁUSULA ABERTA

As cláusulas abertas ou gerais são normas jurídicas incorporadoras de um


princípio ético orientador do juiz na solução do caso concreto.

Isso significa certa autonomia ao juiz quanto à solução da questão, o que tem
sido objeto de crítica. É um antagonismo entre segurança, de um lado, e o
anseio de justiça de outro.

Toda cláusula aberta geralmente remete o intérprete para um padrão de conduta


aceito no tempo e no espaço. E esta deve localizar o julgador em quais situações
os contratantes se desviaram da boa fé.

As cláusulas gerais, mesmo sendo criticadas por renomados doutrinadores


como Sílvio Salvo Venosa (2005, p. 379-380), têm a característica de que,
mesmo com as mudanças sociais que ocorrem diariamente, não perdem a sua
atualidade. Estas são passíveis de diferentes interpretações, sempre vinculadas
ao padrão comportamental da época e isto torna nosso ordenamento jurídico
dinâmico e situado na sociedade.

296
Inicialmente, a boa fé obrigacional se apresentou no direito brasileiro como
modelo dogmático (puramente teórico) para concretizar-se como modelo
jurídico através da atividade materializadora da jurisprudência.

Atualmente, é possível enumerar os efeitos da boa-fé nos contratos. Alguns


destes efeitos serão apresentados adiante.

SUPRESSIO E SURRECTIO

Fenômenos diretamente ligados são a supressio e a surrectio, sendo tachados


como dois lados de uma mesma moeda.

Trata-se a supressio de posição jurídica, que não é exercida por um período de


tempo contínuo, que posteriormente não poderá ser mais cumprida por violar a
boa- fé que se instalou; observa-se a supressão de um direito pelo seu não
exercício.

No segundo instituto (surrectio), haveria o surgimento de um direito, pautado


na boa-fé de uma conduta, que não lhe era possível de outro modo; o inverso
do supressio.

Essa prática pode ser visivelmente notada na leitura do artigo 330 do CC/2002,
que em sua redação diz: “o pagamento reiteradamente feito em outro local faz
presumir renúncia do credor relativamente ao previsto no contrato”.

297
A supressio se traz através da renuncia tácita de determinada posição jurídica,
enquanto a surrectio dá-se pelo costume, em que uma pratica que antes não era
legitimada, se torna exequível por força do seu uso reiterado na relação.

Nas palavras de Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald (2012, p. 193):


“A supressio é a situação do direito que deixou de ser exercitado
em determinada circunstancia e não mais possa sê-lo por, de outra
forma contrariar a boa-fé. Seria um retardamento desleal no
exercício do direito, que, caso exercitado, geraria uma situação
de desequilíbrio inadmissível entre as partes, pois a abstenção na
realização do negócio cria na contraparte a representação de que
esse direito não mais será atuado.
Na surrectio o exercício continuado de uma situação jurídica ao
arrepio do convencionado ou do ordenamento implica nova fonte
de direito subjetivo, estabilizando-se tal situação para o futuro.
Implica em direito decorrente de um costume”.

DUTY TO MITIGATE THE LOSS

O supracitado desdobramento da boa-fé objetiva observa que o credor, dotado


de certos poderes na relação com o devedor, deve evitar o agravamento do
próprio prejuízo.

298
Nesse sentido é o Enunciado n. 169, do CJF/STJ na III Jornada de Direito Civil:
“O princípio da boa-fé objetiva deve levar o credor a evitar o agravamento do
próprio prejuízo”.

Conforme Tartuce, o mencionado enunciado encontra inspiração no art. 77,


da Convenção de Viena de 1980, sobre a venda internacional de mercadorias:
A parte que invoca a quebra do contrato deve tomar as medidas razoáveis,
levando em consideração as circunstâncias, para limitar a perda, nela
compreendido o prejuízo resultante da quebra. Se ela negligencia em tomar
tais medidas, a parte faltosa pode pedir a redução das perdas e danos, em
proporção igual ao montante da perda que poderia ter sido diminuída.

De forma exemplificativa à aplicação do duty mitigate the loss, pode-se citar o


caso em que determinada empresa aluga uma sala comercial a uma pessoa
física.

Acontece que, já no início do contrato o locatário acaba tendo que mudar de


cidade devido a motivo pessoal e simplesmente abandona o local. Nesse caso,
não pode o Locador valer-se da situação e, mesmo sabendo que o Locatário
abandonou o local persistir na cobrança de aluguéis até que consiga firmar
contrato com terceiro.

Tal situação configura verdadeira quebra da boa-fé objetiva ligada a duty


mitigate the loss.

299
TU QUOQUE

“Tu quoque, Brutus, fili mi! A célere frase históricamente atribuída a Júlio
Cesar, pela constatação da traição de seu filho Brutus, dá nome a um dos mais
comuns desdobramentos do princípio da boa-fé objetiva”.

A aplicabilidade do chamado “tu quoque” se dá em situações em que uma parte


da relação contratual é pega de surpresa por determinada atitude da parte
contrária, causando-lhe inegável desamparo e eventual dano em decorrência da
atitude.

Diferencia-se do desdobramento da boa-fé objetiva denominado venire contra


factum proprium pois não objetiva a tutela de expectativa de continuidade de
comportamento, e sim uma manutenção de seus atos visando preservar o
equilíbrio contratual.

Tal conceito, correlato à boa-fé objetiva, “proíbe que uma pessoa faça contra
outra o que não faria contra si mesmo, consistindo em aplicação do mesmo
princípio inspirador da exceptio non adimplendi contractus”.

À título de exemplo, pode-se citar, conforme ensinamentos de Pablo Stolze:


“um bom exemplo desse desdobramento da boa-fé objetiva reside no instituto
do exceptio non adimplendi contractus. Se a parte não executou a sua prestação
no contrato sinalagmático, não poderá exigir da outra parte a contraprestação”.

300
VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM

Esta locução de origem canônica expressa o ideal de que ninguém se beneficie


de sua própria torpeza (vide artigo 973 do CC).

Por exemplo: O credor que concordou, durante a execução do contrato de


prestações periódicas, com o pagamento em lugar e tempo diferente do
convencionado, não pode surpreender o devedor com a exigência literal do
contrato (SAMPAIO, 2005, p. 78/79). Segundo Wieacker (apud SAMPAIO,
2005, p. 79) não se exige dolo nem culpa do credor, a proibição do venire é
uma aplicação do princípio da confiança e não uma proibição de má-fé e da
mentira.

Decorrente da boa-fé objetiva, a expressão latina venire contra factum


proprium, corresponde a proibição de comportamento contraditório de um
individuo na relação jurídica. Essa expressão pode ser traduzida literalmente
como agir contra fato próprio‟, e busca impedir a prática de um ato que
contraria comportamento anterior do agente. O individuo pratica
reiteradamente certa conduta, provocando no outro uma expectativa de que
aquilo é o certo, e logo após assume comportamento contraditório ao anterior.

Tem-se como base a confiança na conduta que se estabeleceu no tempo, como


se entende no Enunciado 362, da IV Jornada de Direito Civil, CJF que diz: A
vedação do comportamento contraditório (venire contra factum proprium)

301
funda-se na proteção da confiança, tal como se extrai dos arts. 187 e 422 do
Código Civil‟.

EXCEPTIO DOLI

É conclusivo pelo próprio título do desdobramento da boa-fé denominado


exceptio doli que refere-se a uma exceção de dolo, isto é, a boa-fé objetiva não
se observa quando determinada parte de um contrato vale-se de atitude dolosa
com o intuito “não de preservar legítimos interesses, mas, sim, de prejudicar a
parte contrária.”

Conforme Pablo Stolze:

“Uma aplicação deste desdobramento é brocardo agit qui petit


quod statim redditurus est, em que se verifica uma sanção à parte
que age com interesse de molestar a parte contrária e, portanto,
pleiteando aquilo que deve ser restituído”.

O legislador buscou restringir condutas eivadas de dolo ao redigir o art. 940,


do Código Civil, o qual garante a possibilidade de quem tenha sido acionado
judicialmente por dívida paga, no todo, ou em parte, de cobrar judicialmente o
dobro ou o mesmo valor como espécie de sanção.

PRINCÍPIOS NORTEADORES DO CÓDIGO CIVIL

302
 PRINCÍPIO DA ETICIDADE: simboliza o rompimento com a visão
patrimonialista, sendo o ser humano visto como um fim em si mesmo e,
como tal, protegido; ademais, simboliza um afastamento dos tecnicismos
que tradicionalmente são associados ao direito civil.

 PRINCÍPIO DA SOCIALIDADE: simboliza a funcionalização dos


conceitos, categorias e institutos, os quais só fazem sentido no contexto
das experiências sociais. A função social, além de ser um dado
normativo, é um conceito cujo conteúdo só socialmente pode ser
estabelecido.

 PRINCÍPIO DA OPERABILIDADE: simboliza um desejo, por parte


do legislador, de simplificar, de tornar úteis as categorias que traz.
Acentuou-se a preocupação com a realização social do direito.

DESOBEDIÊNCIA CIVIL

O tema da desobediência civil foi tratado de forma pioneira pelo autor norte-
americano Henry David Thoreau, porém ganhou “corpo” a partir dos estudos
de John Rawls.

No Estado brasileiro, a temática foi desenvolvida principalmente pelo


constitucionalista Paulo Bonavides à luz dos movimentos sociais.

303
O ato de desobediência civil situa-se entre o protesto e a resistência, ganhando
contornos de insatisfação social, sem que isso ameace o funcionamento da
ordem em vigor.

Características do ato de desobediência civil: John Rawls elenca quatro


principais características do ato de desobediência civil, são elas:
a) ato político;
b) ato público;
c) ato não violento e;
d) ato realizado contra a lei com a finalidade de buscar uma mudança no
cenário político ou na própria legislação em vigor.

Condições necessárias para reconhecer um ato como “desobedi ncia civil”:


Ainda segundo John Rawls, é necessário que existam três condições para que
um ato possa ser caracterizado como desobediência civil:
1. O ato deve se dirigir contra um caso de extrema injustiça;
2. Os atos de desobediência civil não podem ameaçar o pleno funcionamento
da ordem constitucional;
3. Os atos de desobediência civil são subsidiários ao esgotamento das vias
legais.

Classificação:

1) Desobediência civil direta: É aquela que se relaciona com o próprio


ato contra qual se protesta e resiste. Ex: Manifestações em razão de

304
uma determinada causa ou contra determinada situação ocasionada pelos
governantes.
2) Desobediência civil indireta: São os consectários do movimento:
paralisação de ruas, ocupação de prédios e repartições públicas, bloqueio
de rodovias e ruas e etc.

Fonte: Considerações formuladas a partir dos textos de Emily Garcia e Océlio


de Jesus Morais.

TEORIA “CONTRA NON VALENTEM”

Com o Estatuto da Pessoa com Deficiência, as pessoas com deficiência, física


ou mental, não mais se enquadram no conceito de incapacidade absoluta.

Isso, por um lado, é bom, uma vez que confere maior autonomia a essas pessoas
e combate a discriminação. Entretanto, por outro lado, trouxe aspectos
problemáticos, como é o caso da prescrição.

A prescrição não corre, segundo o Código Civil, contra os absolutamente


incapazes, como forma de protegê-los. Essas pessoas, portanto, que tinham essa
proteção legal, não mais terão, pelo menos não a partir da literalidade do
Código Civil.

Para solucionarmos essa problemática jurídica, segundo Cristiano Chevaes,


Felipe Braga Netto e Nelson Rosenvald (Manual de Direito Civil), podemos

305
nos valermos da Teoria “contra non valentem”, formulada por Bártolo de
Sassosferrato.

De acordo com a Teoria “contra non valentem”, admitem-se outras hipóteses


de suspensão ou impedimento de prazo prescricional, além daquelas
previstas na lei. O fundamento seria a impossibilidade concreta do titular
exercer seus direitos. Se incapaz não pode exprimir vontade, pode estar
impossibilitado de exercer a sua pretensão. Por isso, entende-se que, nessa
situação, não pode fluir o prazo prescricional, interpretando construtivamente
o Código Civil.

Portanto, averigua-se que essa teoria propõe uma compreensão exemplificativa


(não exaustiva) da norma legal, admitindo outras hipóteses para obstar o andar
do prazo prescricional. Propõe, por fim, uma compreensão equitativa (e não
legalista) das hipóteses de suspensão e interrupção da prescrição.

TEORIA DO INADIMPLEMENTO EFICIENTE (“efficient


breach theory”)

Com base na Análise Econômica do Direito, a teoria do inadimplemento


eficiente permite o descumprimento voluntário do contrato quando os ganhos
obtidos pela parte inadimplente se mostrarem tão lucrativos que a parte que
inadimpliu poderá compensar as perdas percebidas pela outra parte, de forma

306
que nenhuma delas fique em uma situação pior do que se encontraria se o
contrato tivesse sido cumprido.

O resultado proveniente da inadimplência seria, portanto, eficiente.

O ordenamento jurídico brasileiro adota essa teoria?

NÃO. A Teoria do Inadimplemento eficiente (efficient breach theory) não


é adotada pelo Código Civil.

Isso porque, em virtude da boa-fé objetiva e, ainda, considerando o instituto


do abuso de direito, o credor não tem a opção de descumprir o acordado.

Demais disso, além da cláusula penal é cabível indenização suplementar, nos


termos do art. 416 do CC/02.

DISCRIMINAÇÃO DE FATO X DISCRIMINAÇÃO


INDIRETA

Os doutrinadores Cristiano Chaves, Nelson Rosenvald e Felipe Braga Netto


(Manual de Direito Civil) distinguem a discriminação de fato da discriminação
indireta (teoria do impacto desproporcional), afirmando que a igualdade, hoje,
deve ser encarada sob uma perspectiva concreta (e não abstrata). Ademais,
segundo os ilustres autores, a nossa Constituição

307
contempla a igualdade formal e, ainda, a substancial, como fica claro a partir
da leitura do art. 3º.

1. Discriminação de fato: trata-se igualdade perante a lei (e não na lei);


não se postula a invalidade do ato normativo por violação da isonomia,
mas apenas é constatado que a lei, embora válida, tem sido, na prática,
aplicada de modo sistematicamente prejudicial a determinado grupo.

Um exemplo: Se for estatisticamente comprovado que a polícia realiza


revistas pessoais em negros com frequência muito superior àquela
praticada em outros cidadãos, há, sem dúvida, violação ao princípio da
igualdade.

2. Discriminação indireta (teoria do impacto desproporcional): há uma


medida, pública ou privada, que, embora juridicamente válida e
aparentemente neutra, sua aplicação importa em prejuízo anti- ison
mico a um determinado grupo.

Um exemplo: Determinada norma previa que a previdência social só


responderia por determinado valor (mínimo) de licença da gestante. O
resto ficaria sob responsabilidade do empregador. Essa medida, embora
aparentemente neutra, na prática teria um claro efeito perverso: os
empregadores evitariam, por certo, contratar mulheres, sobretudo se em
idade fértil.

308
Por fim, ressalta-se que a discriminação indireta, diferentemente da
discriminação de fato, NÃO comporta aplicação harmônica com o princípio da
igualdade (no exemplo, a norma que permite que a polícia realize revistas
pessoais nos carros pode ser aplicada de modo compatível com a igualdade).

MOMENTO PARA ALEGAR IMPENHORABILIDADE DO


BEM DE FAMÍLIA

Se alguém está sendo executado e é penhorado seu bem de família, qual é o


momento processual para que alegue a impenhorabilidade?

O devedor deverá arguir a impenhorabilidade do bem de família no primeiro


instante em que falar nos autos após a penhora.

Se o devedor não alegar a impenhorabilidade do bem de família no momento


oportuno, haverá preclusão?

NÃO. A impenhorabilidade do bem de família mat ria de ordem


p blica, dela podendo conhecer o juízo a qualquer momento, antes da
arrematação do imóvel, desde que haja prova nos autos. Logo, mesmo que o
devedor não tenha arguido a impenhorabilidade no momento oportuno, é
possível sua alegação desde que antes da arremata ão do im vel (STJ, REsp
981.532-RJ).

309
Portanto, não é possível alegar a impenhorabilidade do bem de família após
concluída a arrematação. O STJ, estipulou um marco para alegação da
impenhorabilidade, ao afirmar que não é possível alegar após a arrematação, ou
seja, a venda do bem adquirida por terceiro:

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM


RECURSO ESPECIAL. DECIS O MONOCR TICA.
FUNDAMENTO EM JURISPRUD NCIA DO STJ. A O RESCIS
RIA. IMPROCED NCIA. EMBARGOS ARREMATA O. BEM
DE FAM LIA. ALEGA O PRECLUSA. INE IST NCIA DE VIOLA
O A LITERAL DISPOSITIVO DE
LEI FEDERAL. 1. O entendimento sedimentado desta Corte, com
respaldo no art. 557, § 1o-A, do CPC/1973, autoriza o provimento
do recurso quando o acórdão recorrido contrarie a jurisprudência
dominante do STJ. Precedentes. 2. “O relator, monocraticamente
e no Superior Tribunal de Justiça, poderá dar ou negar
provimento ao recurso quando houver entendimento dominante
acerca do tema” (Súmula n. 568/STJ). 3. Nos termos da
jurisprudência desta Corte, não é possível alegar a
impenhorabilidade do bem de família após concluída a
arrematação. 4. Inexistente, portanto, ofensa a literal disposição
de lei (art. 485, V, do CPC/1973) nos autos dos embargos à
arrematação a ensejar a procedência do pedido rescisório. 5.
Agravo interno a que se nega provimento. (AgInt no AREsp
196.236)

310
Tal decisão é importantíssima, normalmente em ações civis públicas, na
execução a parte executada alega impenhorabilidade do bem quando vê que vai
perdê-lo depois da adjudicação.

NULIDADE DE ALGIBEIRA

Trata-se da nulidade que se dá quando a parte permanece em silêncio, no


momento oportuno para se manifestar, deixando para suscitar a nulidade em
ocasião posterior.

Assim, a “nulidade de algibeira” surge num primeiro momento e é guardada


pela parte (numa conduta omissiva) como se fosse uma “carta na manga” para
utilizar posteriormente, caso sua pretensão e tese principal não logre êxito.

Essa conduta fere nitidamente o princípio da boa-fé objetiva.

O STJ possui diversos precedentes inadmitindo a “nulidade de algibeira”


(entre eles: REsp 1.372.802/RJ). Segundo a Corte Cidadã:

“O Princípio da boa-fé objetiva dispõe que todos os sujeitos


processuais devem adotar uma conduta no processo em respeito a
lealdade e a boa-fé processual. Do princípio da boa-fé objetiva há
a SUPRESSIO, que é a supressão, por renúncia tácita, de um
direito ou de uma posição jurídica, pelo seu não exercício com o
passar dos tempos. Esse fenômeno é aplicável ao processo

311
quando se perde um poder processual em razão de seu não
exercício. Surge a nulidade de algibeira. Na nulidade de algibeira
a parte, embora tenha o direito de alegar a nulidade, mantém-se
inerte durante longo período, deixando para exercer seu direito
somente no momento em que melhor lhe convier. Nesse caso,
entende-se que a parte renunciou tacitamente ao seu direito de
alegar a nulidade, inclusive a nulidade absoluta, aplicando a
supressio (ou seja, a supressão de um direito)”.

Ressalta-se, ademais, que o STF também vem rechaçando a nulidade de


algibeira, aplicável, inclusive, para as nulidades absolutas, a exemplo do HC nº
105.041/SP:

“(...) É evidente que se trata de nulidade absoluta, mas também é


evidente que não houve alegação no tempo devido. O que essa
prática suscita é a possibilidade de se guardarem nulidades para
serem arguidas, o que resulta em um não respeito à lealdade
processual”.

Logo, o STJ e o STF chegaram a mesma conclusão quanto à influência que a


boa-fé objetiva processual exerce no sistema de nulidades, não permitindo que
a alegação desta fique guardada para momento posterior quando pode ser
realizada antes, independentemente da gravidade do vício (nulidade absoluta e
nulidade relativa).

312
INFERNO DE SEVERIDADE

Trata-se o inferno de severidade (“enfer de severité”) de teoria elaborada por


Geneviève Viney, onde se busca limitar exageradas indenizações e levar o
devedor à ruína econômica ou, ao inferno da severidade.

No ordenamento jurídico brasileiro, o art. 944, parágrafo único, do CC/02 visa


a evitar o inferno de severidade.

A aplicação irrestrita do princípio da reparação plena do dano pode representar,


para o causador do evento danoso, um autêntico inferno de severidade (enfer
de severité).

Se, na perspectiva da vítima, as vantagens da consagração irrestrita do princípio


são evidentes, na do agente causador do dano, a sua adoção plena e absoluta
pode constituir um exagero, conduzindo à sua ruína econômica em função de
um ato descuidado praticado em um momento infeliz de sua vida.

PRINCÍPIO DA INALTERABILIDADE RELATIVA DO


NOME

Resumidamente, em regra, no nosso ordenamento jurídico, o nome é imutável.


Isso vale para o prenome e sobrenome.

EXCEÇÕES:

313
 Erro gráfico evidente;
 Prenomes “ridículos” (art. 55 Lei 6.015/73);
 Adoção (art. 47, p. 5o, ECA);
 Apelidos públicos notórios;
 Fundado temor em razão de colaboração com apuração de crimes
(programa de proteção a testemunhas);
 Alteração imotivada do nome aos 18 anos;
 Naturalização do estrangeiro;
 Cirurgias de redesignação sexual - Ressalta-se, à título de
complementação, que o STJ admite retificação do registro de nascimento
para troca de prenome e sexo independentemente da realização de
cirurgia dê transgenitalização (REsp 1.626.739).

CONTRATO SÍNGRAFO

Trata-de da materialização do instrumento do contrato devidamente assinado


pelas partes contratantes, ou melhor, é o firmamento do instrumento do contrato
entre as partes na avença.

Segundo Raphael Delgado, contrato síngrafo é o “instrumento de contrato


assinado”, ou seja, é o “instrumento particular firmado pelo credor e pelo
devedor”.

São exemplos de “contrato síngrafo” os instrumentos particulares de contratos


e estatutos de sociedades.

314
TEORIA DO ADIMPLEMENTO SUBSTANCIAL

O adimplemento substancial constitui um adimplemento tão próximo ao


resultado final, que, tendo em vista a conduta das partes, exclui-se o direito de
resolução, permitindo somente o pedido de indenização e/ou adimplemento,
pois a primeira pretensão viria a ferir o princípio da boa-fé (objetiva).

A teoria do adimplemento substancial é acolhida, em regra, pelo STJ, desde


que cumprido requisitos (REsp 1581505/SC).

EXCEÇÕES (O STJ não admite a aplicação da teoria do adimplemento


substancial):

A) Contratos de alienação fiduciária em garantia regidos pelo


Decreto-Lei 911/69 (REsp 1.622.555-MG);
B) No âmbito do direito familiar - pagamento parcial da obrigação
alimentar não afasta a possibilidade da prisão civil (HC 439.973/MG).

Assim, segundo essa teoria, se a parte devedora cumpriu quase tudo que estava
previsto no contrato, então, neste caso, a parte credora não terá direito de pedir
a resolução do contrato porque, como faltou muito pouco, o desfazimento do
pacto seria uma medida exagerada, desproporcional, injusta e violaria a boa-fé
objetiva.

315
Conforme supramencionado, existem julgados adotando expressamente a
aludida teoria. Entretanto, seu uso não pode ser banalizado a ponto de inverter
a lógica jurídica de extinção das obrigações. O “normal” que as partes esperam
legitimamente é que os contratos sejam cumpridos de forma integral e regular.

Diante disso, a fim de que haja critérios, o STJ afirma que são necessários 3
requisitos para a aplicação da teoria:
a) a existência de expectativas legítimas geradas pelo comportamento das
partes;
b) o pagamento faltante há de ser ínfimo em se considerando o total do
negócio;
c) deve ser possível a conservação da eficácia do negócio sem prejuízo ao
direito do credor de pleitear a quantia devida pelos meios ordinários. STJ. 4ª
Turma. REsp 1581505/SC, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, julgado em
18/08/2016.

MENSURAÇÃO DA INDENIZAÇÃO NO CC/02

A mensuração da indenização pela extensão do dano tem pretensão reparatória.


À vista do grau do dolo ou da culpa do ofensor, excepcionalmente, poderá ter
pretensão punitiva.

316
De acordo com o art. 944, “caput”, do CC, mensura-se a indenização pela
extensão do dano, o que demonstra claramente a pretensão REPARATÓRIA,
indenizatória.

Apenas excepcionalmente, nos termos do Enunciado 458, da V Jornada de


Direito Civil do CJF, tem-se admitido que, à vista do grau do dolo ou da culpa
do ofensor, tenha a indenização pretensão PUNITIVA. Ademais, com base no
p. único, do art. 944, CC, o juiz pode, havendo excessiva desproporção entre a
gravidade da culpa e o dano, reduzir, equitativamente, a indenização.

REGIME DUALISTA DE GUARDA

O ordenamento jurídico brasileiro adota um sistema dualista de guarda:

1) Guarda na relação familiar (decorrente da dissolução de uma relação


afetiva): é a guarda de filhos, prevista no art. 1583, CC/02 - visa a
proteção da pessoa dos filhos;

2) Guarda como uma das modalidades de colocação de menor em


família substituta (guarda estatutária): trata-se de regularização de uma
anterior situação de fato - visa a proteção integral da criança ou
adolescente (art. 28, ECA).

OS ALIMENTOS SÃO IRRENUNCIÁVEIS?

317
 Segundo o CC/02 (art. 1.707), SIM: (...) é vedado ao credor renunciar
o direito ao alimento.

 Entretanto, de acordo com a jurisprudência do STJ e Enunciado 263 da


Jornada de Direito Civil, NÃO. Senão vejamos:
 O STJ entende que somente são alcançados pela irrenunciabilidade
os alimentos em favor de incapazes, admitida a renúncia para os
alimentos devidos em razão do casamento, da união estável ou
da união homoafetiva.
 O Enunciado 263 da JDC, no mesmo sentido, dispõe ser possível a
renúncia manifestada por ocasião do divórcio ou dissolução da
união estável.

EMANCIPAÇÃO X RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PAIS

Em regra, como a emancipação antecipa a maioridade civil (exclusivamente no


setor CÍVEL, não alterando a maioridade penal e nem a capacidade para dirigir
veículos, por exemplo), afasta-se a responsabilidade civil dos pais.

EXCEÇÃO: Emancipação voluntária - A jurisprudência, no intuito de evitar


emancipações fraudulentas, vem frisado que, neste caso, os pais continuam
solidariamente responsáveis pelos danos que os menores emancipados
porventura causarem (P. do melhor interesse).

Logo, a emancipação voluntária não afasta a responsabilidade civil dos pais.

318
 Nesse sentido: STJ, REsp 764.488.

TRANSMISSÃO DAS RELAÇÕES JURÍDICAS


PERTENCENTES AO FALECIDO

REGRA GERAL: Há transmissão de todas as relações jurídicas patrimoniais


pertencentes ao falecido (herança - garantia constitucional fundamental,
conforme art. 5º, XXX, CF/88).

EXCEÇÕES (não são transmitidos):

✅Direito autoral (art. 22 da Lei 9.610/98);


✅Usufruto, uso e habitação (art. 1410, inciso I, do CC/02);

✅Enfiteuse (art. 692, inciso III, CC/16);

✅ Alvará Judicial (Lei 6.858/80).

O PERFIL FUNCIONALIZADO DA CURATELA

Primeiramente, salienta-se que a curatela pode definida como “o instituto


jurídico pelo qual o curador tem um encargo imposto pelo juiz de cuidar dos
interesses de outrem que se encontra incapaz de fazê-lo”.

Os conceitos civis, em geral, experimentam uma passagem da estrutura à


função. A estrutura conceitual e normativa é importante, mas é preciso ir

319
além, indagando concretamente sobre as funções exercidas, sobre as inserções
sociais das categorias. A curatela entra nessa discussão, aliás de modo intenso,
forte. Assim, a solidariedade social renova a visão que tínhamos de curatela.
Fala-se do “perfil funcionalizado da curatela”.

Existem dois modelos jurídicos possíveis de abordagem da deficiência: a)


deficiência com curatela; b) deficiência sem curatela.

Com o Estatuto da Pessoa com Deficiência, a curatela passou a ser uma medida
EXCEPCIONAL (art. 84), de modo que a pessoa com deficiência apenas será
submetida à curatela quando necessário, tratando-se de medida protetiva
extraordinária, proporcional às necessidades e às circunstâncias de cada caso,
durando o menor tempo possível.

Desse modo, pode-se dizer que:


 Haverá intenso ônus argumentativo por parte de quem pretenda interditar
uma pessoa em razão de uma causa permanente;
 Sendo ela interditada, a incapacidade ser apenas relativa, pois a
incapacidade absoluta fere a regra da proporcionalidade;
 A curatela, em regra, será limitada à restrição da prática de atos
patrimoniais, preservando-se, na medida do possível, a autodeterminação
para condução das situações existenciais (nos termos exatos do
enfatizado no art. 85 do Estatuto da Pessoa com Deficiência).

320
COMPRA E VENDA DE ASCENDENTE PARA
DESCENDENTE (BEM MÓVEL)

Procedendo a exegese do artigo 496, ao estabelecer que “é anulável a compra


e venda de ascendente a descendente, salvo se os outros descendentes e o c
njuge do alienante expressamente houverem consentido”, surge a seguinte
indagação: Aplica-se esta norma para a compra e venda de bens imóveis, tão-
somente, ou, também, para a de bens móveis?

Embora a legislação não especificasse a dispensa da anuência para a compra e


venda de bens móveis, é sabido que até o advento da hodierna legislação, a
observância da norma era feita, rigidamente, apenas para a alienação de bens
imóveis. Entretanto, deve ser exigida a anuência dos descendentes e do
cônjuge do alienante na compra e venda de qualquer espécie de bens.

Outro não é o magistério de J. M. Carvalho Santos, in Código Civil Brasileiro


Interpretado, Vol. XVI, p. 62, que assim estabelece:

“Venda feita nestas condições é anulável, à vista do dispositivo do


Código, não importando a natureza dos bens – pois a proibição
abrange a venda quer de imóveis, quer de móveis. Pouco
importando, tampouco, que tenha sido realizada diretamente, ou
por interposta pessoa”.

321
A CLÁUSULA DE “HARDSHIP”

De acordo com Cristiano Chaves, Nelson Rosenvald e Felipe Braga Netto


(Manual de Direito Civil), a cláusula de “hardship” encontra assento no direito
contratual internacional.

Durante a execução do contrato, circunstâncias econômicas, políticas ou sociais


podem alterar de maneira fundamental o equilíbrio econômico do contrato.

Dependendo da extensão dos efeitos de tal evento, os contratantes poderiam


ver se impossibilitados de executar a suas obrigações nos moldes avençados.

Nesses casos, a cega obediência ao princípio da força obrigatória do contrato


conduziria a objetivo contrário à proteção dos interesses doa contratantes
envolvidos em decorrência de alteração das circunstâncias contratuais.

Para essas situações, os princípios relativos aos contratos internacionais de


comércio “Unidroit” facultam às partes a inclusão da cláusula de “hardship”,
estabelecendo dever de readequação contratual para fatos supervenientes que
alterem substancialmente as circunstâncias, gerando desequilíbrio do conteúdo
econômico do contrato.

Destarte, originária da prática contratual internacional, a cláusula de “hardship”


é um exemplo da criatividade dos negociadores, visando suprir

322
lacunas dos conceitos clássicos no que se refere à solução do problema da
incerteza nos contratos internacionais e, principalmente, nos de longa duração.

Logo, a cláusula de hardship apresenta-se ao direito contratual como


instrumento de conservação do negócio jurídico. Trata-se de cláusula de
readaptação do contrato, prevendo a renegociação pelos contratantes dos
termos contratuais, quando a execução houver se tornado inútil ou demasiado
onerosa para uma deles, em vista das modificações imprevistas de
circunstâncias que embasaram o negócio. Reveste-se, portanto, de nítida função
conservatória do negócio jurídico.

A conservação do negócio, aliás, parece ter sido consagrada pelo CC/02


Brasileiro, que chega mesmo a estabelecer hipótese de conservação de negócio
nulo.

Culmina por se aproximar da teoria da base do negócio jurídico (adotado pelo


CDC), pois os critérios da imprevisibilidade e inevitabilidade poderão ser
acrescidos ou reduzidos, de modo a ampliar a margem de atuação das partes
quanto à preservação do vínculo contratual e a sua adaptação às transformações
que possam ocorrer ao longo de sua execução.

Há, pois, dupla finalidade nesta cláusula: 1) evitar a dissolução do contrato


(negativa); e 2) renegociação das cláusulas como obrigação de melhores
esforços (positiva).

323
REGISTRO TORRENS

Normalmente os registros públicos têm a presunção de veracidade, ou seja, são


considerados verdadeiros. Contudo essa presunção não é absoluta, mas
relativa, pois admite prova em contrário, ou seja, caso seja comprovada
irregularidade, o registro pode ser alterado ou retificado.

O Registro de Torrens, por sua vez, é uma forma de registro diferenciada, pois
uma vez efetivado, fornece ao proprietário um título com força absoluta vez
que contra ele não é admitido prova em contrário. É a única forma de registro
que goza dessa presunção absoluta.

No Brasil, atualmente, esse registro somente é permitido para imóveis rurais,


depois um processo muito rigoroso especificado em lei. As regras principais
deste processo se encontram dentre os arts. 277 a 288 da Lei nº6.015/73. O
requerente deverá juntar inúmeros documentos aptos a comprovar a
propriedade da coisa, sendo tal titularidade inequívoca.

O feito poderá ser impugnado por qualquer pessoa. Salienta-se, ainda, que o
Ministério Público deverá intervir obrigatoriamente.

Depois de cumpridos todos os requisitos, constará na matrícula do imóvel o


referido registro.

324
Caso o imóvel rural seja hipotecado, o registro Torrens, procedimento especial
de registro de imóvel rural que visa garantir sua titularidade, somente será
possível com a anuência expressa do credor hipotecário ou da pessoa em favor
de quem se tenha instituído o ônus (questão CORRETA e cobrada no concurso
PC-BA 2013).

No Brasil, apenas o registro de imóveis feito pelo sistema torrens acarreta


presunção absoluta sobre a titularidade do domínio, mas tal instituto somente
se aplica em relação aos imóveis rurais (PGE-PI CESPE 2014).

TEORIA THIN SKULL RULE

A doutrina brasileira possui algumas teorias acerca do nexo causal, para nortear
o julgador no momento de caracterizar a extensão da responsabilidade do seu
causador.

Vem ganhando espaço no conteúdo da disciplina de responsabilidade civil uma


teoria pouco conhecida no Brasil, face ao impacto causado, qual seja, a teoria
do resultado mais grave, ou thin skull rule.

Alguns doutrinadores ignoram totalmente sua aplicação no direito brasileiro,


senão veja-se: “As teorias da responsabilidade pelo resultado mais grave (thin
skull rule) e teoria da causalidade alternativa não parecem encontrar
fundamento em nosso ordenamento, pelo que não serão comentadas.”

325
De acordo com esta teoria, o causador do dano será responsável por danos
futuros, decorrentes do cometimento do ato ilícito, ainda que este e aquele
não tenham relação imediata e adequada. A dizer, por exemplo, que se uma
pessoa é empurrada por outra, vindo a cair e causar uma pequena lesão em seu
braço, mas que por motivo de doença pré-existente não haja possibilidade de
cicatrização, causando a morte da vítima, todos os resultados serão atribuídos
àquele que casou a queda, que deverá indenizar a família daquele que morreu.

Para Schreiber (2015), esta teoria envolve a multiplicidade de causas geradoras,


particularmente preexistentes. Ou seja, preexiste um fator que possa
desencadear na vítima uma condição mais grave, mas o resultado final será
cobrado daquele que cometeu o ato que, por si só, não acarretaria todo o
prejuízo. Segundo ele, os contornos desta teoria são mais difíceis que na esfera
penal, eis que a teoria do thin skull rule aplica a responsabilidade do agente
pelo dano causado, mesmo que resultante da combinação entre a ação ou
omissão, com condições preexistentes particulares da vítima.

Cavalieri Filho destaca que a condições pessoais da vítima e predisposições que


tenha, não podem diminuir a responsabilidade do agente, embora agravem seu
resultado. O autor cita como exemplo a questão de um atropelamento que
resulte em complicações à vítima por ser diabética, ou um pequeno golpe que
resulte em fratura de crânio por fragilidade congênita do osso frontal. E finaliza,
dizendo que em todos os casos, “o agente responde pelo resultado mais grave”.
(CAVALIERI FILHO, 2006, p. 85)

326
Nerilo (2016) explica que se trata da responsabilização que leva em
consideração uma vulnerabilidade ínsita à vítima. Nesses casos, ao contrário
da teoria dos danos diretos e imediatos, haveria responsabilização pelos danos
indiretos, mesmo que o indigitado não pudesse saber da vulnerabilidade da
vítima.

No Brasil, conforme a autora se vem cogitando o uso da teoria quando a


condição de vulnerabilidade se originou a partir do evento causado pelo
indigitado.

Para elucidar, cita o julgado REsp. 419.059/SP, cujo relatório foi feito pela
Ministra Nancy Andrighi:

“Responsabilidade civil. Ação de conhecimento sob o rito


ordinário. Assalto à mão armada iniciado dentro de
estacionamento coberto de hipermercado. Tentativa de estupro.
Morte da vítima ocorrida fora do estabelecimento, em ato
contínuo. Relação de consumo. Fato do serviço. Força maior.
Hipermercado e shopping center. Prestação de segurança aos
bens e à integridade física do consumidor. Atividade inerente ao
negócio. Excludente afastada. Danos materiais. Julgamento além
do pedido. Danos morais. Valor razoável. Fixação em salários-
mínimos. Inadmissibilidade. Morte da genitora. Filhos. Termo
final da pensão por danos materiais. Vinte e quatro anos. – A
prestação de segurança aos bens e à integridade física do
consumidor é inerente à atividade comercial desenvolvida pelo

327
hipermercado e pelo shopping center, porquanto a principal
diferença existente entre estes estabelecimentos e os centros
comerciais tradicionais reside justamente na criação de um
ambiente seguro para a realização de compras e afins, capaz de
induzir e conduzir o consumidor a tais praças privilegiadas, de
forma a incrementar o volume de vendas. – Por ser a prestação de
segurança e o risco ínsitos à atividade dos hipermercados e
shoppings centers, a responsabilidade civil desses por danos
causados aos bens ou à integridade física do consumidor não
admite a excludente de força maior derivada de assalto à mão
arma ou qualquer outro meio irresistível de violência. – A
condenação em danos materiais e morais deve estar adstrita aos
limites do pedido, sendo vedada a fixação dos valores em salários-
mínimos. – O termo final da pensão devida aos filhos por danos
materiais advindos de morte do genitor deve ser a data em que
aqueles venham a completar 24 anos. – Primeiro e segundo
recursos especiais parcialmente providos e terceiro recurso
especial não conhecido”.(BRASIL – Superior Tribunal de
Justiça – Resp. 419.059/SP – Relª. Min.ª Nancy Andrighi –
Terceira Turma – j. em 19.10.2001 – DJ 29.11.2001 – p.315)

Nesse sentido, Stolze (2017, s/p) destaca que “se o agente do dano deu causa a
um resultado mais grave, ainda que não se possa visualizar a sua
responsabilidade segundo as teorias convencionais da causalidade, seria justo
que compensasse a vítima”, de forma que haveria aplicação da teoria ora
debatida.

328
Portanto, não se trata da aplicação da teoria nos moldes em que se aplica nos
países em que seu uso é mais comum, mas em hipóteses em que foi o próprio
autor do dano que colocou a vítima em situação de vulnerabilidade, o que
parece bastante plausível.

ANATOCISMO

É a capitalização de juros: os juros são calculados sobre os próprios juros


devidos. Outras denominações para “capitalização de juros”: “juros sobre
juros”, “juros compostos” ou “juros frugíferos”. Normalmente, são verificados
em contratos de financiamento bancário.

A capitalização de juros foi vedada no ordenamento jurídico brasileiro pelo art.


4º, Decreto 22.626/33 (Lei de Usura). O STJ, no entanto, entende que, diante
da ressalva prevista no próprio dispositivo, é possível a capitalização anual.

Portanto, a capitalização de juros por ano é permitida, seja para contratos


bancários ou não-bancários. O que é proibida, em regra, é a capitalização de
juros com periodicidade inferior a um ano. A MP 1.963-17, porém, permitiu o
anatocismo com periodicidade inferior a um ano em contratos bancários
celebrados após 31 de março de 2000, data da publicação da MP (atual MP
2.170-36/2001).

329
Essa MP foi considerada constitucional pelo STF. Desse modo, os bancos
podem fazer a capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano,
desde que expressamente pactuada.

330
CAPÍTULO 06

Direito
AdminiSTRATIVO

331
DIREITO
ADMINISTRATIVO
“DIREITO ADMINISTRATIVO DO ESPETÁCULO”

Segundo Marçal Justen Filho, o “Direito Administrativo do Espetáculo” indica


a proliferação de institutos e interpretações descolados da realidade,
vinculados à produção de um cenário imaginário e destinado a produzir o
entretenimento dos indivíduos antes do que a efetiva implantação de valores
fundamentais.

O instante central da existência humana consiste na experiência imaginária


produzida pelos filmes, internet, videogames e jogos on-line na internet.

A preocupação central do Estado do Espetáculo não é alterar a realidade, mas


o desenvolvimento de atividades destinadas a gerar imagens, sonhos e manter
uma audiência entretida.

No Estado do Espetáculo, o melhor governo não é aquele que realizar a mais


intensa e adequada satisfação dos valores fundamentais. Nem há necessidade

332
de observar fielmente os princípios e regras jurídicas. Não se exige sequer a
efetiva promoção de direitos fundamentais ou o respeito à democracia.

O fundamental é a capacidade de ocupar os espaços na imaginação e no tempo


da plateia, fornecendo elementos imaginários para a diversão. A grande virtude
reside em produzir a “imagem de bom governante”.

Ora, um Estado de Espetáculo se traduz num “DIREITO ADMINISTRATIVO


DO ESPETÁCULO”. Os instrumentos jurídicos do desempenho da atividade
administrativa refletem os atributos do exercício do poder político.

O núcleo do direito administrativo do espetáculo reside no pressuposto de que


o ser humano não é o protagonista nem da história, nem dos processos políticos,
nem do direito.

O direito de estar ativo do espetáculo costuma qualificar o ser humano como o


particular ou o administrado. O particular é uma figura em determinada
imprecisa, destituída de características diferenciais em face do estado e da
administração pública. O administrado não tem rosto e face do direito de
ministra ativa, quase uma sombra.

Outra característica do direito administrativo do espetáculo reside na especial


preferência pelos princípios (O controle por meio de princípios amplia a
dificuldade de identificação de condutas reprovadas pela ordem jurídica,

333
especialmente quando se estabelece uma comparação em vista das regras. É
que as regras contém comandos com conteúdo mais preciso e determinado).

O direito administrativo do espetáculo Consagra princípios destituídos de


conteúdo material. São adotados princípios que permitam a ampla criatividade
do governante para desenvolver imagens de uma falsa submissão a controles,
como “ordem pública” e “interesse público”.

Ademais, o direito administrativo do espetáculo se caracteriza pela rígida


organização administrativa, de modo assegurar a concentração de poderes
destinada a impedir a crítica ou a divergência internamente a própria
administração pública.

PRINCÍPIO DA RESERVA DA ADMINISTRAÇÃO

O princípio constitucional da reserva de administração impede a ingerência


normativa do Poder Legislativo em matérias sujeitas à exclusiva competência
administrativa do Poder Executivo.

É conhecido doutrinariamente como o “núcleo funcional da administração


resistente à lei” (Canotilho).

Vejamos a lição de Rafael Carvalho Rezende Oliveira acerca do tema:

334
“A liberdade de conformação do legislador, sem dúvida, encontra
limites no texto constitucional. Entre esses limites, costuma-se
apontar, no Direito Comparado a existência da denominada
“reserva de administração” como um verdadeiro “núcleo
funcional resistente à lei” (CANOTILHO). Daí que a
Constituição, em situações específicas, determina que o
tratamento de determinadas matérias fica adstrito no âmbito
exclusivo da Administração Pública, não sendo lícita a
ingerência do parlamento. A reserva geral de administração
fundamenta-se no princípio da separação de poderes” e significa
que a atuação de cada órgão estatal não pode invadir ou cercear
o “núcleo essencial” da competência de outros órgãos”. Nesse
contexto, compete exclusivamente à administração executar as
leis, especialmente no exercício da discricionariedade
administrativa”. (OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. A
Constitucionalização do Direito Administrativo. 2a ed. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2010, pp. 64-65).

O STF também reconhece a existência do princípio da reserva de


administração:

(...) Reserva de Administração. Separação de Poderes. Violação.


Precedentes. Recurso extraordinário parcialmente provido. 1. O
STF tem declarado a inconstitucionalidade de leis de iniciativa do
poder legislativo que preveem determinado benefício tarifário no
acesso a serviço público concedido, tendo em vista a

335
interferência indevida na gestão do contrato administrativo de
concessão, matéria reservada ao Poder Executivo, estando
evidenciada a ofensa ao princípio da separação dos poderes. 2.
Não obstante o nobre escopo da referida norma de estender aos
idosos entre 60 (sessenta) e 65 (sessenta e cinco) anos,
independentemente do horário, a gratuidade nos transportes
coletivos urbanos esteja prevista no art. 230, § 2o, da Constituição
Federal, o diploma em referência, originado de projeto de
iniciativa do poder legislativo, acaba por incidir em matéria
sujeita à reserva de administração, por ser atinente aos contratos
administrativos celebrados com as concessionárias de serviço de
transporte coletivo urbano municipal (art. 30, inciso V, da
Constituição Federal). (ARE 929591 AgR, Relator(a): Min. DIAS
TOFFOLI, Segunda Turma, julgado em 06/10/2017, PROCESSO
ELETRÔ- NICO DJe-247 DIVULG 26-10-2017 PUBLIC 27-10-
2017).

ORDENAMENTOS ADMINISTRATIVOS SETORIAIS

Os ordenamentos administrativos setoriais consistem em regimes jurídicos


estabelecidos por órgãos independentes, destinados a regular determinado
setor econômico ou profissional, cuja disciplina não se satisfaz pela
concepção tradicional de lei, em razão das necessárias agilidade e tecnicidade,
decorrentes da realidade econômica.

336
Suas principais funções são a regulação de atividades empresariais ou
profissionais, que, por apresentarem relevância pública, não podem ser
deixadas à livre regulação privada.

Suas principais características são:


 A Incidência restrita a determinados indivíduos;
 Situarem-se no plano infralegal.

Podem ser compreendidos como fenômenos correlatos serem derivados de uma


ADMINISTRAÇÃO POLICÊNTRICA (trata de Administração marcada com
a criação, sob influência do direito norte-americano, das agências reguladoras,
marcadas pela independência política de seus dirigentes, em razão da
estabilidade de seus mandatos), havendo doutrinadores que consideram a
chamada delegificação ou deslegalização, mas nesse ponto há divergência
doutrinária.

São exemplos de ordenamentos administrativos setoriais os atos regulatórios


expedidos por Comissão de Valores Mobiliários, conselhos profissionais,
Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE, agências reguladoras
e Conselho Nacional do Meio Ambiente.

ACCOUNTABILITY HORIZONTAL e VERTICAL NA


ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

337
A accountability é uma forma de controle social, de sujeição do poder público
a estruturas formais e institucionalizadas de constrangimento de suas ações à
frente da gestão pública, tornando-o obrigado a prestar contas e a tornar
transparente sua administração.

Mas não é somente a dimensão legal da accountability que deve ser levada em
conta.

É preciso dar ênfase à dimensão política, devendo, para tanto, haver uma
conscientização da classe política em torno da necessária comunicação com a
sociedade, não só na implementação das políticas públicas como também na
aferição dos resultados conforme as expectativas da sociedade.

Accountability é também um atributo da sociedade civil, como forma de


fiscalizar, por meio dos mecanismos de participação popular, independente dos
poderes públicos, não só em períodos eleitorais, como também ao longo do
mandato de seus representantes.

A implementação de mecanismos efetivos de controle social, especialmente a


accountability, como prestação de contas, é imprescindível para o exercício da
verdadeira cidadania, mediante a participação efetiva e permanente da
sociedade no processo político.

Neste sentido, serão abordadas as várias formas de accountability: a vertical, a


horizontal e a societal e, ainda, a importância dessas formas de controle como
meio de responsabilização do Poder Público e alcance da boa governança.

338
A accountability vertical é caracterizada pela realização de eleições livres e
justas, sendo o voto o meio pelo qual os cidadãos podem premiar ou punir o
mandatário na eleição seguinte.

A accountability horizontal, por sua vez, é caracterizada pela existência de


agências estatais de controle dispostas a supervisionar e, até, punir ações de
outras agências.

A accountability societal, finalmente, vem ampliar significativamente o


conceito da vertical, sendo caracterizada como forma de atuação da sociedade
no controle das autoridades políticas, com ações de associações de cidadãos e
de movimentos, com o objetivo de expor os erros governamentais e ativar o
funcionamento das agências horizontais.

OVERBREADTH DOCTRINE E A TIPIFICAÇÃO DE ATOS


DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA PELA LEI N.
8.429/92

Foi ajuizada uma ação direta de inconstitucionalidade pelo Partido da


Mobilização Nacional (ADI no 4295), questionando 13 artigos da Lei de
Improbidade Administrativa, por considerá-los excessivamente abrangentes e
vagos.

No fundamento da ADI consta que:

339
“quanto mais uma norma for capaz de gerar fundadas
consequências sobre direitos políticos, civis e patrimoniais dos
indivíduos, tanto mais deve ser nítida, bem delineada nos
pressupostos das punições que comina e na descrição dos poderes
que entrega aos agentes que exercem a perseguição em nome do
Estado”.

Em outras palavras, questiona-se a vagueza dos dispositivos sancionadores da


Lei de Improbidade Administrativa.

A nulidade destes dispositivos está consubstanciada justamente em uma teoria


norte-americana denominada de Overbreadth Doctrine. A doutrina sustenta
que uma lei calcada em definições demasiadamente amplas pode ser
invalidada sempre que, a pretexto de proteger determinados direitos
constitucionais, acaba violando, indiretamente e sem intenção do legislador,
outros direitos igualmente protegidos pela Constituição (José Antonio
Remedio e Vinícius Pacheco Fluminhan).

A utilização desta teoria não encontra respaldo no ordenamento jurídico


brasileiro. Os bens jurídicos protegidos nos Estados Jurídicos e no Brasil são
diferentes, mormente para se considerar sua aplicação junto à LIA. Os direitos
protegidos pela Primeira Emenda da Constituição dos EUA não se confundem
com os direitos difusos protegidos pela LIA.

340
O uso de conceitos abertos é uma técnica legítima utilizada nos ordenamentos
jurídicos modernos, pois tem o condão fechar o cerco para todas as práticas
ilícitas, impossíveis de serem narradas e previstas pelo legislador.

O entendimento jurisprudencial brasileiro admite a utilização de conceitos


jurídicos indeterminados (STF e STJ). Não há qualquer ilegitimidade na
utilização dos conceitos abertos e mesmo se houvesse, a impugnação formulada
na ADI 4295 impugna 13 artigos, o que prejudicaria por inteiro sua aplicação.

ADMINISTRAÇÃO POLICÊNTRICA – CORRUPÇÃO E


TRANSPARÊNCIA

Administração Policêntrica

A atual feição da Administração Pública é policêntrica, com a criação, sob


influência do direito norte-americano, das agências reguladoras, marcadas pela
independência política de seus dirigentes, em razão da estabilidade de seus
mandatos.

Diferentemente, portanto, da Administração Pública dos anos 1970 e 1980, a


Administração atual não mais converge à figura politicamente responsável do
Presidente da República: caracterizadas por estendida autonomia, tais agências,
em virtude de seu poder regulamentar e do alto grau de especificidade das
matérias com as quais trabalham, têm verdadeiramente

341
inovado o mundo jurídico, deixando, portanto, de ser “simples instâncias de
execução de normas heterônomas” para tornar-se, em maior ou menor medida,
“fonte de normas autônomas” (BINENBOJM), o que leva, indubitavelmente, a
uma crise de legitimidade da atividade administrativa, apenas passível de
superação quando estabelecida uma ligação direta não com a lei, mas com o
plexo principiológico constitucional.

A insurgência de espaços administrativos efetivamente autônomos frente ao


Poder Executivo central, do que as agências reguladoras independentes
constituem o exemplo mais relevante em nosso Direito Positivo, é uma
exigência da eficácia da regulação estatal em uma sociedade que, tal como o
Estado, se torna cada vez mais diferenciada e complexa.

Todavia, a adoção de um modelo multiorganizativo e pluricêntrico de


Administração Pública traz riscos à legitimidade democrática da sua atuação.
Em outras palavras, uma das suas maiores vantagens - a distância dos critérios
político-partidários de decisão, assegurada sobretudo pela impossibilidade do
Chefe do Poder Executivo (eleito) exonerar livremente os seus dirigentes
(nomeados) - é também um dos seus maiores riscos.

Para evitar o desvio democrático destas instituições devemos ter sempre clara
a sua vinculação às pautas estabelecidas pelo Legislador para as políticas
públicas cuja implementação lhes é atribuída, assim como a necessária
coordenação que devem possuir com o restante da Administração Pública, com
o Poder Executivo central e com a rede composta do conjunto das demais
instituições independentes.

342
A nomenclatura "independente" é, assim, apenas um meio de denotar a sua
autonomia reforçada, que, todavia, é, como toda autonomia, por definição
limitada.

Assim, podemos adotar as seguintes conclusões:

Longe de propugnar um retorno ao monolitismo cuja nostalgia sobrevive nos


espíritos jacobinos - a prática das autoridades administrativas independentes
deve favorecer uma evolução que promova um policentrismo equilibrado.

Não se trata, certamente, de uma receita mágica. E não podemos confundi-la


com a evolução simétrica, que consistiria em menosprezar as administrações
centrais - a que seriam reservadas as funções de concepção, de coordenação e
de controle - em benefício do agenciamento às estruturas mais ágeis e adaptadas
- tais como aquelas que se desenvolvem no domínio das telecomunicações - às
quais seriam confiadas as responsabilidades de gestão.

Este foi o modelo adotado no Direito brasileiro - e já chancelado pelo


Supremo Tribunal Federal - em relação às agências reguladoras e outros
órgãos e entidades similares, dotados de ampla autonomia decisória,
autonomia esta que, contudo, é instrumental à realização dos objetivos fixados
na lei e nas políticas públicas estabelecidas pela Administração central.

Corrupção e Transparência

343
Subtema: Direito fundamental do povo a governos honestos e regime global de
proibição da corrupção

O referido pensamento provoca discussões acadêmicas no Brasil e pode ser


compreendido como “o direito de todas as pessoas que participam da
comunidade política a ter suas instituições públicas administradas sob os
atributos da honestidade, da boa-fé, da lisura, da impessoalidade, da moralidade
e da legalidade”.

O direito do povo ao governo honesto já foi reconhecido expressamente pela


jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF, MS 27.141 MC/DF) e pode
ser extraído da conjugação de uma série de dispositivos da Constituição Federal
de 1988, como por exemplo, o princípio republicano (art. 1o), princípio da
dignidade da pessoa humana (art. 1o, inciso III) e princípio da moralidade
administrativa (art. 37, caput) possuindo, portanto, natureza constitucional
implícita.

Ainda sobre o tema, é importante ressaltar que toda a problemática posta em


comento se coaduna com o chamado “regime global de proibição da
corrupção”, materializado pela Convenção Interamericana contra a Corrupção,
Convenção da OCDE sobre corrupção de funcionários públicos estrangeiros
em transações comerciais internacionais e Convenção da ONU sobre o
Combate à Corrupção, popularmente conhecida como “Convenção de Mérida”.
Todos estes tratados já foram ratificados e internalizados no Estado brasileiro.

344
TEORIA DA ENCAMPAÇÃO

De acordo com a teoria da encampação, caso ocorra a indicação como


autoridade coatora de uma autoridade hierarquiamente superior àquela que
realmente a autoridade coatora responsável pelo ato (dentro da pessoa jurídica
na qual ambas estão vinculadas), será desnecessária a correção da
irregularidade, se o agente trazido à lide assume a defesa do ato impugnado.

Logo, à luz do STJ, não há necessidade de correção do polo passivo do


“mandamus”.

São requisitos CUMULATIVOS para aplicar a teoria da encampação:

(a) existência de vínculo hier rquico entre a autoridade erroneamente


apontada e aquela que efetivamente praticou o ato ilegal;

(b) que a extensão da legitimidade não modifique a regra constitucional


de compet ncia estabelecida na ;

(c) tenha a autoridade impetrada defendido a legalidade do dato


impugnado, ingressando no m rito do mandado de segurança.

Ressalta-se que caso se regra de competência estiver prevista apenas


na Constituição Estadual, tem-se entendido (segundo Márcio Cavalcante, do

345
Dizer o Direito) que a Teoria da Encampação não poderá também ser aplicada,
pois haverá mudança de competência.

Finalmente, salienta-se que o Superior Tribunal de Justiça também já


reconheceu a possibilidade da aplicação da teoria da encampação em habeas
data:

CONSTITUCIONAL. HABEAS DATA. VIÚVA DE MILITAR DA


AERONÁUTICA. ACESSO A DOCUMENTOS FUNCIONAIS.
ILEGITIMIDADE PASSIVA E ATIVA. NÃO-OCORRÊNCIA.
OMISSÃO DA ADMINISTRAÇÃO CARATERIZADA. ORDEM
CONCEDIDA.
1. A autoridade coatora, ao receber o pedido administrativo da
impetrante e encaminhá-lo ao Comando da Aeronáutica, obrigou-
se a responder o pleito. Ademais, ao prestar informações, não se
limitou a alegar sua ilegitimidade, mas defendeu o mérito do ato
impugnado, requerendo a denegação da segurança, assumindo a
legitimatio ad causam passiva. Aplicação da teoria da
encampação. Precedentes.
2. É parte legítima para impetrar habeas data o cônjuge
sobrevivente na defesa de interesse do falecido.
3. O habeas data configura remédio jurídico-processual, de
natureza constitucional, que se destina a garantir, em favor da
pessoa interessada, o exercício de pretensão jurídica discernível
em seu tríplice aspecto: (a) direito de acesso aos registros
existentes;

346
(b) direito de retificação dos registros errôneos e (c) direito de
complementação dos registros insuficientes ou incompletos.
4. Sua utilização está diretamente relacionada à existência de
uma pretensão resistida, consubstanciada na recusa da
autoridade em responder ao pedido de informações, seja de forma
explícita ou implícita (por omissão ou retardamento no fazê-lo).
5. Hipótese em que a demora da autoridade impetrada em
atender o pedido formulado administrativamente pela impetrante
– mais de um ano – não pode ser considerada razoável, ainda mais
considerando-se a idade avançada da impetrante.
6. Ordem concedida.
(HD 147/DF, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA,
TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 12/12/2007, DJ 28/02/2008, p.
69).

Logo, é plenamente possível a utilização da teoria da encampação também nos


habeas data, desde que estejam preenchidos os requisitos supra analisados e
delineados pela jurisprudência da Corte Cidadã.

PRINCÍPIO DA INTANGIBILIDADE DA OBRA PÚBLICA

O princípio da intangibilidade da obra pública é usado pelo Superior Tribunal


de Justiça e pela jurisprudência pátria para fundamentar a desapropriação
indireta.

347
Trata-se de princípio implícito às desapropriações indiretas, reconhecido na
doutrina e na jurisprudência de Direito Público de vários países.

No direito francês o princípio da intangibilidade da obra pública e a teoria da


“via de facto” são conhecidos desde o século XIX: “L´ouvrage public mal
planté ne se détruit pas” foi criação da jurisprudência francesa, concretamente,
a partir do Arrêt Robin de la Grimaudière (1853).

Tal princípio consagra a supremacia do interesse público, a ponto de se manter


o Estado na posse de uma propriedade privada, quando, apesar de a posse
assentar em título ilegal, não representa um atentado grosseiro ao direito de
propriedade.

No caso, a restituição deve ser substituída pela indenização, atento o dano que
causaria ao interesse público a restituição ao proprietário.

Assenta-se, também, na ideia de não se considerar oportuno destruir trabalhos


que poderão ser refeitos amanhã após regular expropriação do bem ocupado, e
a solução de fato mais razoável consiste em indenizar o proprietário.

Trata-se de uma ponderação entre violação do princípio da legalidade pela


Administração Pública e o interesse público que pode ser violado, se o Estado
for retirado da posse que ocupada de forma irregular. No caso, o particular, vê
consolidada, em prol do Poder Público, a propriedade de um bem ocupado para
obras públicas, contentando-se com uma indenização.

348
A licitude do apossamento é base para as desapropriações diretas, regulares, e
não para as desapropriações anômalas ou indiretas.

É correto afirmar que a chamada desapropriação indireta decorre da aplicação


do princípio da intangibilidade da obra pública a uma situação originada de ato
ILÍCITO indenizável praticado pela Administração contra o proprietário ou
possuidor (Questão cobrada no concurso para Juiz de Direito- TJSP/2018).

TEORIA DA DUPLA GARANTIA

É possível propor ação diretamente contra o agente público?

✅ TEORIA DA DUPLA GARANTIA (Posição do STF): o agente público


não poderá ser diretamente acionado pelo dano que tiver causado.

A teor do art. 37, § 6o, da CF, a ação por danos causados por
agente público deve ser ajuizada contra o Estado ou a pessoa
jurídica de direito privado prestadora de serviço público, sendo
parte ilegítima para a ação o autor do ato, assegurado o direito
de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.
(STF, RE 1027633/SP, julgado em 14/8/2019 (repercussão geral)
- Info 947).

349
✅ TEORIA DA INEXISTÊNCIA DO BENEFÍCIO DE ORDEM (Posição
do STJ): a vítima pode propor ação diretamente contra o agente público.

O STJ afirma explicitamente que a questão é pacífica (STJ, REsp 687.300).

Nota-se que há divergência jurisprudencial sobre o tema. No entanto, embora


haja essa divergência, é bem provável que a posição do STF (TEORIA DA
DUPLA GARANTIA) acabe por prevalecer na jurisprudência.

Convém lembrar que essa posição do STF foi reforçada com o advento do
CPC/15 (arts. 143, 181, 184 e 187 do CPC).

TEORIA DA CAPTURA

No âmbito do direito administrativo, fala-se do risco da teoria da captura ante


a forte autonomia e a concentração de poderes das agências reguladoras
(autarquias submetidas a regime jurídico especial), ou melhor, tais atributos
diferenciados colocam em risco a sua legitimidade democrática e a sua
compatibilidade com o princípio da separação dos poderes.

Há o risco potencial de captura dos interesses (teoria da captura) pelos grupos


economicamente mais fortes e politicamente mais influentes, em detrimento de
consumidores e usuários de serviços públicos regulados.

Formas da captura:

350
a) Econômica (acontece pelo setor privado);
b) Política (interesse que prevalece é advém do próprio setor público).

DOUTRINA CHENERY

A “doutrina Chenery” (Chenery doctrine) surgiu a partir de um julgamento da


Suprema Corte norte-americana (SEC v. Chenery Corp., 318 U.S. 80, 1943).
Trata-se de teoria que envolve a temática do controle jurisdicional de atos
administrativos, em especial na hipótese de escolhas políticas governamentais
que se transmudem seja em atos administrativos discricionários, seja em atos
de governo.

Segundo essa teoria, o Poder Judiciário não pode anular um ato político adotado
pela Administração Pública sob o argumento de que ele não se valeu de
metodologia técnica. Isso porque, em temas envolvendo questões técnicas e
complexas, os Tribunais não gozam de expertise para concluir se os critérios
adotados pela Administração são corretos ou não.

Desse modo, as escolhas políticas dos órgãos governamentais, desde que não
sejam revestidas de reconhecida ilegalidade, não podem ser invalidadas pelo
Poder Judiciário, uma vez que este não possui a expertise necessária para
compreender as consequências econômicas e políticas de uma decisão que
invada o mérito administrativo de tais medidas, sejam elas disciplinadas pelo
Direito Administrativo (atos discricionários) ou pelo Direito Constitucional e
Ciência Política (atos de governo).

351
Exemplo próximo de tal variante da insindicabilidade diz respeito aos atos
emanados pelas Agências Reguladoras, autarquias especiais que possuem
relativa independência (parafraseando a eminente Prof. Maria Sylvia Zanella
Di Pietro) e atribuição para publicarem atos administrativos normativos de
caráter técnico.

Nesse sentido, segundo a Doutrina Chenery, por representarem medidas de


natureza jurídico-política subsidiadas por complexas pesquisas técnicas de uma
entidade que possui expertise na matéria, não podem ser alvo de controle
judicial de seu conteúdo, mas tão somente de seus aspectos formais e legais.

AÇÃO RESCISÓRIA NA AÇÃO DE IMPROBIDADE


ADMINISTRATIVA

É incabível ação rescisória no bojo da ação de improbidade administrativa


com o fim de revisão das sanções aplicadas no caso concreto fundamentada
em violação manifesta à norma jurídica, com fundamento exclusivo na
desproporcionalidade da sanção com o caso concreto.

No bojo da ação de improbidade, o STJ entende que não é cabível o manejo da


ação rescisória com fulcro na violação literal de norma jurídica, justificando na
desproporcionalidade da sanção.

352
Nesse sentido: REsp 1351701/SP, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS,
Rel. p/ Acórdão Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA,
julgado em 17/3/2015, DJe 8/9/2016 18.5.2010, DJe 22.6.2010.

Havendo a aplicação de reprimendas com substrato fático-


jurídico, bem como inexistente qualquer situação teratológica,
inadmissível o acolhimento de ação rescisória proposta com o
escopo de alterar respostas sancionatórias fixadas em sede de
ação civil pública por improbidade administrativa.

Afinal, de acordo com o Min. Francisco Falcão, o dimensionamento da pena


leva em conta a análise de contornos essencialmente subjetivos e não de ordem
juridicamente objetiva, o que seria imprescindível para a ação rescisória.

Noutro julgado anterior, o STJ também asseverou:

“os critérios de proporcionalidade de justeza, de razoabilidade,


utilizados como parâmetros na aplicação das sanções ao ato
ímprobo não são passíveis de serem revistos na via estrita de ação
rescisória, porquanto não se constituem como violação
„literal‟ de dispositivo legal” REsp 1351701/SP, Rel. Ministro
HUMBERTO MARTINS, Rel. p/ Acórdão Ministro HERMAN
BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 17/3/2015, DJe
8/9/2016 18.5.2010, DJe 22.6.2010.

353
Desta forma, somente em situações de teratologia, em que a aplicação da
reprimenda não se amolda ao substrato fático-jurídico, é que seria possível o
manejo da ação rescisória. Lado outro, a argumentação de, por exemplo, o valor
da multa – ainda que aplicada dentro dos limites do art. 12, LIA – é exorbitante,
não ensejará o manejo do presente mecanismo de impugnação.

O ARTIGO 221 DO CPP E A LEI DE IMPROBIDADE


ADMINISTRATIVA (EXCEÇÃO)

O art. 221 do CPP prevê que determinadas autoridades, quando forem


chamadas para servirem como testemunhas, serão ouvidas em local, dia e hora
previamente ajustados entre eles e o juiz.

Essa garantia NÃO é aplicada quando a autoridade é convocada para ser ouvida
na condição de investigado ou de acusado. STJ. 5ª Turma. HC 250.970-SP,
Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 23/9/2014 (Info 547).

Mas temos uma EXCEÇÃO: LEI DE IMPROBIDADE


ADMINISTRATIVA, que conferiu alcance maior a tal prerrogativa processual.

De acordo com a doutrina (Emerson Garcia), ao referir-se a depoimentos e


inquirições, pretendeu-se incluir no âmbito de incidência da norma as referidas
autoridades quer quando figurem como TESTEMUNHAS, quer quando
figurem como RÉS.

354
Esemplo: A inquirição de um prefeito em exercício, RÉU em ação de
improbidade, se dará em local,dia e hora previamente ajustados entre ele e o
juiz.

RESPONSABILIDADE DA PESSOA JURÍDICA PELA LEI DE


IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

Até o advento da Lei no12.846/13 a doutrina debatia sobre a possibilidade de


responsabilidade da pessoa jurídica pela Lei no 8.429/92, com base na
interpretação do art.3o da Lei no 8.429/92:

Em entendimento contrário a aplicação em face das Pessoas Jurídica, Fazzio


Júnior e Carvalho Filho, respectivamente:

Em princípio, este dispositivo não distingue entre terceiro pessoa


física e terceiro pessoa jurídica, mas ao usar a expressão “mesmo
que não seja agente público” e ao aludir aos verbos “induzir” e
“concorrer”, para descrever a conduta do extraneus, certamente
está se referindo à pessoa natural, não à jurídica.

De qualquer forma, o terceiro jamais poderá ser pessoa jurídica. As condutas


de indução e colaboração para a improbidade são próprias de pessoas físicas.

355
Quanto à obtenção de benefícios indevidos, em que pese a possibilidade de
pessoa jurídica ser destinatária deles (como, por exemplo, no caso de certo bem
público móvel ser desviado para seu patrimônio), terceiro será o dirigente ou
responsável que eventualmente coonestar com o ato dilapidatório do agente
público. Demais disso, tal conduta, como vimos, pressupõe dolo, elemento
subjetivo incompatível com a responsabilização de pessoa jurídica.

Já de maneira favorável, exemplifica-se o entendimento de Emerson Garcia:

Ante a amplitude conferida pelos arts. 3o (As disposições desta lei


são aplicáveis, no que couber, àquele que, mesmo não sendo
agente público, induza ou concorra para a prática do ato de
improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou
indireta) e 6o (No caso de enriquecimento ilícito, perderá o agente
público ou terceiro beneficiário os bens ou valores acrescidos ao
seu patrim nio) da Lei de Improbidade, nada impede a sua
inclusão como ré da ação civil pública, devendo figurar, nesta
condição, ao lado de seus sócios e administradores (aqueles que
tenham praticado atos de gestão dando ensejo à improbidade).

De notar-se que, a partir da teoria da realidade técnica, confere-se às pessoas


jurídicas a capacidade de aquisição e exercício de direitos, capacidade para a
prática de atos e negócios jurídicos, enfim. Pode-se afirmar, deste modo, que
possuem elas uma vontade distinta da vontade de seus integrantes, sendo
“dotadas do mesmo subjetivismo outorgado às pessoas físicas.

356
Contudo, a nível jurisprudencial, o Superior Tribunal de Justiça entendeu
pela possibilidade da aplicação da lei de improbidade administrativa s
pessoas jurídicas, no REsp 970393-CE, relatoria do Ministro BENEDITO
GON ALVES, julgado em 21/06/2012, DJe 29/06/2012, quando assim
decidiu:

“Considerando que as pessoas jurídicas podem ser beneficiadas e


condenadas por atos ímprobos, é de se concluir que, de forma
correlata, podem figurar no polo passivo de uma demanda de
improbidade, ainda que desacompanhada de seus sócios”.

NEPOTISMO PARA CARGO POLÍTICO

Em regra, a proibição da Súmula Vinculante 13 (nepotismo) não se aplica


para cargos p blicos de natureza política.

Assim, a jurisprudência do STF, em regra, tem excepcionado a regra sumulada


e garantido a permanência de parentes de autoridades públicas em cargos
políticos, sob o fundamento de que tal prática não configura nepotismo.

xce ões:
1) Nepotismo cruzado (Info 952 STF);
2) Fraude à lei (Info 952 STF);

357
3) Inequívoca falta de razoabilidade da indicação, por manifesta ausência
de qualificação técnica ou inidoneidade moral do nomeado. Nesse
sentido: “Poderá ficar caracterizado o nepotismo mesmo em se tratando
de cargo político caso fique demonstrada a inequívoca falta de
razoabilidade na nomeação por manifesta aus ncia de qualificação t
cnica ou inidoneidade moral do nomeado. STF. 1a Turma. Rcl 28024
AgR, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 29/05/2018”.

NORMA DE EXTENSÃO PESSOAL DOS TIPOS DE


IMPROBIDADE (ART. 3º LIA)

O art. 3º da Lei 8.429/92 autoriza a ampliação do âmbito de incidência da LIA,


que passa alcançar não só o agente público que praticou ato de improbidade,
como também os terceiros que concorreram para a prática da conduta ímproba,
ou dela se beneficiaram.

Os terceiros responderão solidariamente pela prática do mesmo ato de


improbidade imputado ao agente público (STJ, REsp 678.599/MG).

A responsabilização de terceiros está condicionada à prática de um ato de


improbidade pelo agente público, sob pena de ser afastada a incidência da LIA,
estando o 3º sujeito a sanções previstas em outras disposições legais.

TENTATIVA DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

358
Segundo Emerson Garcia, a sua conduta poderá ser enquadrada no tipo residual
(ou de aplicação subsidiária)previsto no art. 11 da Lei 8.429/92, porquanto
certamente terá transgredido algum princípio regente da atividade estatal, a ele
se aplicando, portanto, as sanções previstas no art. 12, inciso III, da LIA
(equivalendo, na esfera penal, com a punição pela tentativa).

Nesse sentido já se manifestou o STJ (REsp 1014161/SC):

(...) é necessária a ampliação do espectro objetivo da LIA para


punir a tentativa de improbidade administrativa, nos casos em que
as condutas não se realizam por motivos alheios ao agente.

EMERGÊNCIA FABRICADA

Em matéria de licitações, a denominada “emergência fabricada” se encontra no


contexto da hipótese legal de dispensa de licitação prevista no art. 24, IV, da
Lei n. 8.666/93, referente a casos de contratações em situação de emergência.

Por “emergência fabricada” entende-se a situação em que a Administração,


dolosa ou culposamente, deixa de tomar tempestivamente as providências
necessárias à realização da licitação previsível. Atinge-se o termo final de um
contrato sem que a licitação necessária à nova contratação tenha sido realizada.

359
Nessas hipóteses, sem se desconhecer entendimento no sentido da
impossibilidade da dispensa emergencial, que, se realizada, seria considerada
ilegal, com nulidade do contrato firmado, tem-se posicionamento sólido no
sentido de que, em casos tais, deve ser verificado se a urgência efetivamente
existe e se a contratação direta é a melhor possível frente às circunstâncias
concretas.

Em caso afirmativo, para que não haja agravamento do ônus suportado pela
comunidade afetada, a contratação com dispensa de licitação poderá ser
realizada. Todavia, simultaneamente, deverá ser desencadeada a indispensável
licitação.

Tudo sem prejuízo da exemplar responsabilização do agente público que tenha


se omitido no desencadeamento tempestivo da licitação, inclusive com dever
de indenizar o prejuízo sofrido se comprovado que com a licitação formal e
comum a Administração teria obtido melhor resultado.

DESPOLARIZAÇÃO DA DEMANDA

Tamb m denominado pela doutrina de “Intervenção móvel”, “migração


pendular” ou, ainda, “legitimidade bifronte”.

Trata-se da possibilidade da pessoa jurídica interessada, em ações coletivas,


cujo o ato seja objeto de impugnação, abster-se de contestar a ação e atuar ao

360
lado do autor desde que essa opção seja tomada com a finalidade de garantir
a observância do interesse público (STJ, REsp 1391263/SP).

Nota-se, dessa maneira, que o único requisito é que tal interesse jurídico
coincida com o interesse público.

Estamos diante de uma quebra de regra da estabilidade subjetiva do processo


em favor do interesse público. Por isso, ocorre uma “despolarização da
demanda”, com a mudança de polo de uma dar partes.

A intervenção móvel está prevista expressamente no art. 6º, §3º, da Lei 4717/65
(Lei da Ação Popular) e também na Lei de Improbidade Administrativa (art.
17, §3º).

Mas e as ações civis públicas?

Embora não haja previsão expressa, segundo a doutrina e a jurisprudência do


STJ, a regra é extensível a todo o microssistema do processo coletivo (o art. 5º,
§2º, da Lei 7.347/85 confere autorização para a intervenção móvel). Segundo o
STJ, justamente em razão do interesse público, pode-se dizer que a regra se
aplica a todo microssistema. No REsp 791.042/PR, a Corte Cidadã reconheceu
a possibilidade da intervenção móvel nas ações civis públicas, utilizando o
microssistema.

Ressalta-se, por fim, que segundo o STJ, a ausência de citação da pessoa


jurídica interessada, por se tratar de hipótese de litisconsórcio facultativo, não

361
é causa de nulidade processual. Aplicável, no caso, o princípio da
instrumentalidade das formas (STJ, REsp 886524/SP).

RESPONSABILIDADE DA ADMINISTRAÇÃO POR


ENCARGOS TRABALHISTAS

Conforme teor do art. 71, § 1º da Lei Federal nº 8.666/1993 e do quanto


decidido pelo STF no ADC 16, a Administração poderá ser responsabilizada
pelos encargos trabalhistas devidos pela empresa contratada, mas
subsidiariamente e desde que comprovada (ônus de quem alega) a sua
omissão culposa no dever de fiscalização do cumprimento das obrigações
contratuais e legais da prestadora de serviços como empregadora.

Ademais, mais recentemente, o STF fixou a seguinte tese de repercussão geral:

“O inadimplemento dos encargos trabalhistas dos empregados do


contratado não transfere automaticamente ao Poder Público
contratante a responsabilidade pelo seu pagamento, seja em
caráter solidário ou subsidiário, nos termos do art. 71, § 1º, da
Lei 8.666/1993” (RE 760.931, rel. p/ acórdão ministro Luiz Fux,
julgamento em 26-4-2017).

Na ocasião, o STF deixou claro que a imputação da culpa “in vigilando” ou “in
eligendo” à Administração Pública, por suposta deficiência na fiscalização

362
da fiel observância das normas trabalhistas pela empresa contratada, somente
pode acontecer nos casos em que se tenha a efetiva comprovação da ausência
de fiscalização.

Nesse ponto, asseverou que a alegada ausência de comprovação em juízo da


efetiva fiscalização do contrato não substitui a necessidade de prova taxativa
do nexo de causalidade entre a conduta da Administração e o dano sofrido. Em
caso de reconhecimento da existência de dívida trabalhista, a responsabilidade
pelo pagamento das dívidas trabalhistas não é transferida automaticamente da
empresa contratada para o poder público, seja em caráter solidário ou
subsidiário (TJSC-2019, CESPE, magistratura).

TEORIA DO RISCO INTEGRAL

De acordo com Rafael C. R. Oliveira, segundo a teoria do risco integral,


adotada em situações excepcionais no ordenamento jurídico brasileiro, o
Estado assume integralmente o risco de potenciais danos oriundos de atividades
desenvolvidas ou fiscalizadas por ele.

Enquanto a teoria do risco administrativo admite alegação de causas


excludentes do nexo causal por parte do Estado, a teoria do risco integral afasta
tal possibilidade. Desse modo, por exemplo, de acordo com o risco integral, o
Estado seria responsabilizado mesmo na hipótese de caso fortuito e força maior.

363
O ordenamento jurídico brasileiro adotou, como regra, a teoria do risco
administrativo, a qual pressupõe que o Estado assume prerrogativas especiais e
tarefas diversas em relação os cidadãos que possuem riscos de danos inerentes.

CASOS EXCEPCIONAIS QUE ADMITEM O RISCO INTEGRAL

No entanto, parcela da doutrina e da jurisprudência defende a adoção do risco


integral em situações excepcionais, quais sejam:
A) responsabilidade por danos ambientais ecológicos (art. 225, p. 3º, CF e art.
14, p. 1º, da Lei 6.938/81);
B) responsabilidade por danos nucleares (art. 21, XXIII, d, da CF);
C) responsabilidade da União perante terceiros no caso de atentado
terrorista, ato de guerra ou eventos correlatos, contra aeronaves de matrícula
brasileira operadas por empresas brasileiras de transporte aéreo, excluídas as
empresas de táxi aéreo (art. 1º da Lei 10.744/2003).

Obs: Essa última hipótese foi cobrada no TJSC/2015 (banca FCC): “Na
hipótese de danos causados a terceiros, em decorrência de atentado terrorista
que venha a ser praticado contra aeronaves de matrícula brasileira operadas por
empresas brasileiras de transporte aéreo público, a União é legalmente
autorizada a assumir as consequentes despesas de responsabilidade civil que a
empresa aérea teria em relação aos terceiros”.

364
CAPÍTULO 07

365
Processo
Coletivo

PROCESSO COLETIVO
PROCESSO COLETIVO COMUM X ESPECIAL

 Processo coletivo especial: objeto de estudo do direito constitucional, é


o referente às ações objetivas para controle abstrato de
constitucionalidade no Brasil, a exemplo da ADI, dados os efeitos erga
omnes que lhes são característicos.

 Processo coletivo comum: objeto de estudo do processo coletivo, este


se presta as ações para a tutela dos interesses metaindividuais que não

366
se relacionam ao controle abstrato de constitucionalidade. Em verdade,
ação coletiva comum é toda aquela que não é dirigida ao controle
abstrato de constitucionalidade. São exemplos Ação Civil Pública (lei
7.347/85); a Ação Coletiva prevista no CODECON; a Ação Popular (lei
4.717/65); a Ação de Improbidade Administrativa (Lei 8.429/92) e o
Mandado de Segurança Coletivo (Lei 12.016).

LITÍGIO ESTRATÉGICO

O conceito de “litigio estratégico em direitos humanos”, também chamado de


“litígio de interesse público” pela doutrina estrangeira, pressupõe uma atuação
estratégica, calculada e pormenorizada visando a transformar a realidade
social de determinada localidade, segmento ou grupo vulnerável.

No litígio estratégico em direitos humanos não há espaço para aventuras


irresponsáveis ou bravatas.

Quatro questões devem ser previamente respondidas em matéria de litígio


estratégico em direitos humanos:
Vou litigar?
Onde eu vou litigar?
Como eu vou litigar?
É a hora de litigar?

367
Em que pese o incentivo do Novo Código de Processo Civil para a
sedimentação de um sistema de precedentes, sempre pautado pelos valores da
segurança jurídica e da estabilidade, o professor Mangabeira Unger propõe que
em determinadas situações o intérprete e aplicador do direito brasileiro deve se
pautar por um direito a desestabilização.

Tal raciocínio possui total relevância em matéria de litígio estratégico em


direitos humanos, uma vez que a proposta do litígio de interesse público é
justamente desestabilizar certas estruturas que estão há bastante tempo
estabilizadas.

O princípio do fórum shopping propõe a possibilidade do litigante escolher o


locus de sua atuação. Em matéria de litígio estratégico o litigante precisa ter a
sensibilidade aguçada para perceber qual é a melhor arena para buscar suas
pretensões.

Atualmente no Estado brasileiro, o Supremo Tribunal Federal é o melhor local


para litigar em determinadas causas que envolvam questões de
“reconhecimento” (nas palavras de Nancy Fraser, tema já estudado em filosofia
do direito neste curso), como por exemplo, em questões envolvendo direitos da
comunidade LGBTQI+.

O reconhecimento da união homoafetiva como entidade familiar pelo STF


(ADPF 132 e ADI 4244) bem como o casamento entre pessoas do mesmo sexo
retrata esta afirmativa de modo irrefutável.

368
Por outro lado, a propositura de uma PEC no Congresso Nacional visando
inserir o casamento entre pessoas do mesmo sexo na Constituição seria um erro
crasso de litígio estratégico em direitos humanos, uma vez que certamente a
PEC seria rejeitada pela maioria do Congresso Nacional e posteriormente os
parlamentares argumentariam que “isto é democracia”.

No entanto, o Supremo Tribunal Federal não parece o local mais adequado para
litigar em matérias que envolvem distribuição de riquezas (aqui novamente um
dos critérios utilizados por Nancy Fraser e já estudado neste curso). Exemplo:
Na PET 3388 (Caso Raposa Serra do Sol), o Supremo Tribunal Federal
estabeleceu um marco temporal para determinar o que é ou não terra indígena,
sendo tal decisão extremamente prejudicial aos povos indígenas brasileiros.

Portanto, a arena escolhida para realizar o litígio estratégico é um fator de suma


importante a ser levado em consideração, sempre à luz dos princípios do fórum
shopping e fórum non conveniens.

Discursos emotivos e ideológicos devem ser deixados de lado em matéria de


litígio estratégico em direitos humanos. Parafraseando o filósofo brasileiro Luiz
Felipe Pondé, “toda a militância deixa a pessoa meia boba”.

No litígio estratégico em direitos humanos o que se busca é o sucesso, o êxito.

369
Deste modo, a utilização de discursos calorosos e ideológicos deve ser deixada
em segundo plano, dando-se primazia por uma atuação eminentemente técnica.

Não se pode esquecer que “o outro lado” é extremamente técnico e geralmente


possui todo o sistema já posto e sedimentado em seu favor.

Não há, portanto, espaço para a paixão e emoção em matéria de litígio


estratégico em direitos humanos. Em determinados casos, o litigante
estratégico em matéria de direitos humanos sabe que a chance de êxito é
mínima naquele momento, no entanto a realização do litígio estratégico é
necessária para que a sociedade passe a debater um assunto que antes era
considerado um “não assunto” ou “off the wall” para que posteriormente no
futuro exista uma maior chance de êxito no referido litígio.

A partir dos comentários colacionados, é possível perceber que o Ministério


Público pode atuar como um forte agente no âmbito da litigância estratégica
em direitos humanos, uma vez que o parquet possui dentre suas funções
institucionais a defesa de direitos indisponíveis e de relevância social.

Nesse sentido, o litígio estratégico pode no âmbito ministerial pode ocorrer


quando o Promotor de Justiça materializa objetivos, metas e estratégias de
forma interna no âmbito da sua Promotoria de Justiça (ou até mesmo a
administração superior de determinado Ministério Público em nível
institucional), buscando atingir determinados objetivos, ou ainda em sua
vertente clássica na qual o membro do Ministério Público atua extramuros

370
(fora do seu gabinete) seja no âmbito extrajudicial seja no âmbito judicial
buscando êxito no litígio de interesse público e tutelando direitos humanos de
grupos vulneráveis.

LIQUIDAÇÃO IMPRÓPRIA

Liquidação imprópria é a modalidade de liquidação nas ações coletivas para a


reparação de danos envolvendo direitos individuais homogêneos, quando
procedente a sentença, caso em que deverão ser apurados a titularidade do
crédito e o “quantum debeatur”.

Ressalta-se que a sentença condenatória nas ações coletivas em prol dos


interesses individuais homogêneos tem seu âmbito cognitivo restrito ao
NÚCLEO DE HOMOGENEIDADE DESSES DIREITOS, ou melhor, ela
somente define a situação fático-jurídica que é comum a todos os lesados
(existência do evento lesivo, o responsável por tal evento e a obrigação de ele
indenizar as vítimas do evento).

A sentença não adentra nas situações individuais dos lesados (razão pela qual
trata-se de uma SENTENÇA CONDENATÓRIA GENÉRICA, cujo conteúdo
precisa ser complementado via liquidação, antes de ser executado ).

Mas ATENTE para a diferença:


 Nas sentenças condenatórias genéricas do processo tradicional,
incumbe ao interessado, na fase de liquidação, demonstrar

371
simplesmente o “quantum debeatur”, ou seja, qual o valor a ser
executado;
 Diferentemente, na liquidação de sentenças coletivas que geram a
obrigação de indenizar os titulares de direitos individuais homogêneos
lesados, os interessados (vítimas ou sucessores) devem comprovar não
apenas o “quantum debeatur”, mas TAMBÉM a própria condição de
vítima do evento reconhecido na sentença, uma vez que a sentença
condenatória não identifica cada uma das vítimas do evento. Em razão
disso, a liquidação dessas sentenças coletivas é denominada por
Dinamarco como “liquidação imprópria”.

LITÍGIOS TRANSINDIVIDUAIS DE DIFUSÃO GLOBAL,


LOCAL OU IRRADIANTE

Para Edilson Vitorelli, o conceito legal de direitos transindividuais presente no


CDC é insuficiente para refletir com precisão todos os litígios relacionados a
esses direitos.

Os litígios coletivos têm graus variados de complexidade e conflituosidade, que


impedem que todos eles sejam tratados da mesma forma, sob pena de se dedicar
recursos desnecessários simples e se simplificar indevidamente casos
complexos, ou de suprimir indevidamente divergência sociais legítimas. .

Propõe, assim, a conceituação dos direitos transindividuais em 3 categorias (a


partir de premissas teóricas sociológicas de Elliott e Turner).

372
Nota-se uma mudança de paradigma na conceituação estática dos direitos
coletivos em sentido lato, passando a basear o processo coletivo no CONFLITO
(no litígio em si).

Logo, Vitorelli toma como ponto de partida o litígio concretamente verificado.

LITÍGIOS COLETIVOS DE:

A) DIFUSÃO GLOBAL: Lesão ou ameaça de lesão não atinge diretamente


os interesses de qualquer pessoa. Ex: Derramamento de pequenas
quantidades de produtos químicos na Baía de Santos.
 O grau de conflituosidade e complexidade é BAIXO;
 Há grande chance de autocomposição.

B) DIFUSÃO LOCAL: Lesão ou ameaça de lesão atinge diretamente


grupo de indivíduos que compartilham de uma identidade própria
comum ou de uma perspectiva social. Ex: Comunidades indígenas.
 O grau de conflituosidade e complexidade é MÉDIO.

C) DIFUSÃO IRRADIADA: Lesão ou ameaça de lesão atinge diretamente


interesses de diversas pessoas os segmentos sociais que não compõem
uma comunidade e não serão atingidas, na mesma

373
medida, pelo resultado. Ex: Conflitos decorrentes da instalação de uma
usina hidrelétrica.
 O grau de conflituosidade e complexidade é ALTO e complexo.
 Estamos diante de “mega-conflitos”.
 A titularidade do direito material é atribuída em graus diferentes
(proporcional à gravidade da lesão experimentada).

Verifica-se, portanto, que essa conceituação de Vitorelli possui relevância


prática (e não meramente acadêmica). Isso porque, ele muda a perspectiva do
processo coletivo para se criar um devido processo legal coletivo (com base no
tipo do litígio).

PROCESSOS ESTRATÉGICOS

Trata-se do uso de um instrumento processual não apenas para resolver o litígio


no caso concreto, mas também para atender a problemas alheios ao direito
afirmado na demanda ajuizada.

Processos estratégicos são, portanto, processos cujo objetivo não é,


primordialmente, a resolução do litígio que existe entre as partes, mas o
estabelecimento de uma nova compreensão do direito, para que ela seja
sedimentada e aplicada a outros casos.

374
As partes são instrumentais a esse objetivo e há uma articulação entre os
operadores do direito envolvidos no caso, a fim de que ele seja conduzido do
modo mais propício para a obtenção do resultado jurídico esperado.

O caráter estratégico está no modo de condução do processo, não no seu


objeto, de modo que processos relativos a interesses privados também podem
ser conduzidos estrategicamente.

Segundo Edilson Vitorelli:

“Processo estratégico é um processo que pretende estabelecer um


novo entendimento jurídico sobre determinado assunto. Enquanto
um processo existe, em regra, para resolver o litígio entre as
partes, o foco de um processo estratégico, pelo contrário, está no
precedente, na formação de uma nova compreensão do direito. As
partes são instrumentais a esse objetivo. O processo estratégico
não é exclusivo do direito público. Temas de privado também
podem ser tratados estrategicamente”.

FLUID RECOVERY

O art. 100 CDC prevê a denominada “fluid recovery” (reparação fluída), ou


execução coletiva residual, que consiste na atribuição ao legitimado ativo para
a propositura da ação coletiva, da legitimidade ativa para promover a

375
liquidação e o cumprimento da sentença, quando não tiverem sido promovidas
execuções individuais suficientes para reparar o dano no prazo de um ano (a
contar do trânsito em julgado da sentença condenatória):

“Decorrido o prazo de 1 ano sem habilitação de interessados em


número compatível com a gravidade do dano, poderão os
legitimados do art. 82 promover a liquidação e execução da
indenização devida”.

Qualquer um dos legitimados ativos para a ação coletiva também possui


legitimidade ativa para a execução na “fluid recovery” (ainda que não seja o
autor da demanda), o que consiste igualmente em uma legitimação concorrente.

Busca-se, com a “fluid recovery”, promover a reparação integral dos danos e


evitar o enriquecimento sem causa do causador do dano.

Há, portanto, um caráter PUNITIVO dessa espécie de liquidação e


cumprimento de sentença, porque visa produzir consequências jurídicas contra
o ato ilícito, inibir a sua continuidade ou reiteração e impedir a obtenção
indevida de ganhos com a sua prática.

O prazo anual é decadencial?

376
De acordo com Grinover, não. Mesmo que já apurado e executado o débito a
título de “fluid recovery”, enquanto não transcorrido o prazo prescricional de
sua pretensão individual, a vítima poderá promover individualmente a
liquidação e execução de seu crédito.

Sobre o assunto, entende o STJ que:

(...) “a reparação fluida (fluid recovery) constitui específica e


acidental hipótese de execução coletiva de danos causados a
interesses individuais homogêneos, instrumentalizada pela
atribuição de legitimidade subsidiária aos substitutos processuais
do art. 82 do CDC para perseguirem a indenização de prejuízos
causados individualmente aos consumidores, com o objetivo de
preservar a vontade da Lei e impedir o enriquecimento sem causa
do fornecedor” (REsp 1741681/RJ, julgado em 23/10/2018).

Só é permitido ao ente coletivo instaurar a liquidação coletiva após um ano do


trânsito em julgado da sentença condenatória genérica.

O STJ (Info 499) entendeu que essa legitimação depende da publicação de


edital, com o conteúdo da sentença coletiva, convocando as vítimas; o MP,
por exemplo, só pode proceder à “fluid recovery” após 1 ano, contado da
publicação desse edital.

377
CLÁUSULA “NO MEU QUINTAL, NÃO”

A cláusula “no meu quintal, não”, também chamada de NIMBY (not in my


backyard) é uma expressão que exemplifica a forma como alguns movimentos
de bairro se posicionam contra determinadas mudanças em suas vizinhanças,
principalmente em relação as chamadas “áreas verdes” e em favor de uma
maior proteção ambiental.

A cláusula NIMBY também pode ser concebida como um ativismo em favor


do meio ambiente, de forma que a mobilização popular consiga barrar a
construção de um empreendimento imobiliário ou a abertura de novas vias
sobre determinadas áreas verdes.

TEORIA DA MOLECULARIZAÇÃO DO CONFLITO

Trata-se de teoria criada pelo processualista Kazuo Watanabe ao se referir à


prevalência pelo ajuizamento das ações coletivas.

De acordo com essa teoria, não há razão para julgar várias ações individuais
(que seriam átomos) quando é possível julgamento coletivo (molécula).

Segundo Cândido Dinamarco, “o estilo de vida contemporâneo, solidário por


excelência e por imposição das necessidades e aspirações comuns da sociedade
de massa deste fim de século, impõe o trato coletivo de interesses

378
que se somam e se confundem, quase que destacando-se dos indivíduos a que
tradicionalmente se reportavam com exclusividade”.

Nota-se, portanto, que o Direito Coletivo é o “direito de massa”, resultante


dessa nova realidade social, e que, por sua vez, impõe rumos novos ao processo
civil, o qual também vai se modelando como um processo civil de massa.

Existem outros institutos que levam ainda mais o processo coletivo a


“molecularizar” os litígios, evitando o emprego de inúmeros processos voltados
à solução de controvérsias fragmentárias e dispersas. Quais sejam: ✅reforço

da coisa julgada de âmbito NACIONAL; ✅ expressa possibilidade de controle


difuso da constitucionalidade pela via da ação coletiva.

Ademais, ressalta-se que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça


encampa a ideia do professor Kazuo Watanabe de buscar a “molecularização”
dos conflitos em detrimento de sua “atomização” (com vistas a buscar um
tratamento coletivo dos litígios) ao decidir que “ajuizada ação coletiva atinente
a macro-lide geradora de processos multitudinários, suspendem-se as ações
individuais, no aguardo do julgamento da ação coletiva”.

Assim, ainda que o autor da ação individual não tenha manifestado


expressamente a sua intenção em suspender o feito, verifica-se que é possível
que haja a suspensão do feito.

379
A razão de ser é a de economia processual e para se evitar decisões
contraditórias. Afinal, com a ação civil pública é possível que se decida a
macro-lide, beneficiando os indivíduos e evitando o risco de prolação de
decisões contraditórias (REsp 1.353.801/RS).

DELEGAÇÃO DE COMPETÊNCIA NA JUSTIÇA FEDERAL

Não há delegação de competência da justiça Federal para a Justiça estadual em


matéria de Ação Civil Pública.

O fato de não existir Justiça Federal no local do dano não acarreta a


competência da Justiça Estadual. Não havendo justiça federal no local, a
competência será da justiça federal da localidade mais próxima.

Havia divergência acerca do tema. Em um primeiro momento, o STJ editou a


Súmula 183;

No entanto, o STF, ao julgar o RE nº 228.955-9, pelo Pleno, adotou


entendimento contrário e, em virtude disso, o STJ, no julgamento dos
Embargos de Declaração interpostos no CC 27.676/BA, cancelou a Súmula
183.

Assim, o entendimento atual é que o § 3º do art. 109 da CF não se aplica à


ação civil pública.

380
TEORIA DA QUALIDADE

De acordo com a doutrina, a responsabilidade disposta no art. 12 do CDC é


baseada na TEORIA DA QUALIDADE, de Antônio Herman Benjamin, uma
vez que a responsabilização dos fornecedores em sentido amplo dar-se-á em
razão do DEFEITO do produto e do serviço, e não da culpa ou de eventual risco
criado pelo fornecedor.

O fundamento da responsabilidade, de natureza objetiva, diga-se de passagem,


se dá tão somente por força da existência de um dever anexo de reparação
decorrente da apresentação de um defeito.

INQUÉRITO CIVIL NO ÂMBITO ELEITORAL

O Ministério Público Eleitoral PODE se valer do inquérito civil no âmbito


eleitoral.

O art. 105-A da Lei no 9.504/1997, que dispõe sobre as regras gerais das
eleições, estabelece o seguinte:

“Art. 105-A. Em matéria eleitoral, não são aplicáveis os


procedimentos previstos na Lei no 7.347, de 24 de julho de 1985.”

381
Ante tal previsão normativa, a jurisprudência o TSE caminhou no sentido de
vedar o inquérito civil em matéria relacionada com o Direito Eleitoral:

“(...). Conforme decidido por esta Corte no julgamento do RO no


4746-42/AM, o Ministério Público Eleitoral não pode se valer do
inquéri- to civil público no âmbito eleitoral, consoante a limitação
imposta pelo art. 105-A da Lei no 9.504/97. (...).” (Recurso
Ordinário no 489016, Acórdão, Relator(a) Min. Dias Toffoli,
Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 54, Data
20/03/2014, Página 66)

Ocorre, no entanto, que o TSE modificou o seu entendimento:

“[...] Eleições 2014. Governador. Representação. Conduta


vedada a agentes públicos. Omissão. Contradição. Obscuridade.
Inexistência. Rejeição. [...] 3. A jurisprudência inicialmente
firmada quanto à impossibilidade de instauração de inquérito civil
público no âmbito desta Justiça incidiu apenas para as Eleições
2010 e 2012. Por conseguinte, a mudança desse entendimento
para o pleito de 2014 em diante (caso dos autos) não constitui
afronta à segurança jurídica (art. 16 da CF/88)” (Ac. de 3.5.2016
no ED-AgR-REspe no 131483, rel. Min. Herman Benjamin).

382
ALCANCE DA DECISÃO PROFERIDA EM AÇÃO
COLETIVA

O STJ pacificou o entendimento de que a decisão proferida na ação coletiva


possui alcance nacional, obviamente quando assim a situação concreta exigir.

Seguiu-se a doutrina amplamente majoritária que refuta interpretação


literal e isolada da redação do artigo 16 da Lei 7.347/85.

A solução atual dominante prestigia a interpretação sistemática (diálogo das


fontes) entre vários diplomas infraconstitucionais, com destaque para a Lei
7.347/85 e CDC e concluir que é da própria natureza do direito metaindividual
o efeito erga omnes, ou seja, a vocação para afetar os beneficiados com a tutela
independentemente do local onde estejam ou residam, obviamente para as
situações que assim se colocarem.

EXCEÇÃO:

Art. 2o-A Lei 9494/97. A sentença civil prolatada em ação de caráter


coletivo proposta por entidade associativa, na defesa dos interesses e
direitos dos seus associados, abrangerá apenas os substituídos que
tenham, na data da propositura da ação, domicílio no âmbito da
competência territorial do órgão prolator.

383
sse art. o- da ei no . e constituciona . no
u gamento do e. in. arco ure io u gado em 10/5/2017,
declarou a constitucionalidade do art. 2o-A da Lei no 9.494/97.

LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA


IMPETRAR MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO

Na esteira do inciso LXX do art. 5o da Constituição da República, o art. 21 da


Lei n. 12.016/2009 prevê como legitimados para impetrar mandado de
segurança coletivo apenas “partido político com representação no Congresso
Nacional, na defesa de seus interesses legítimos relativos a seus integrantes ou
à finalidade partidária” e “organização sindical, entidade de classe ou
associação legalmente constituída e em funcionamento há, pelo menos, 1 (um)
ano, em defesa dos interesses de seus membros ou associados”.

Não obstante, importante destacar: a) a legitimidade do MP para a impetração


do writ na defesa e promoção do Estatuto da Criança e do Adolescente (arts.
201, IX, e 212, § 2o); b) a admissão da utilização de todas as espécies de ações
para a proteção dos direitos constantes do Código de Defesa do Consumidor
(art. 83).

Tirante essas hipóteses expressamente previstas na lei, a doutrina que adota a


posição restritiva, segundo a qual inexiste legitimidade ativa do MP para
impetrar MS coletivo, aduz que o rol de legitimados insertos na lei possui

384
caráter exaustivo, haja vista ter o sistema brasileiro de substituição processual
encampado o requisito da previsão em lei da autorização de defesa em juízo de
direitos alheios.

Uma vez considerada lista taxativa, a definição leva o intérprete a não admitir
o emprego do recurso da analogia para ampliá-la.

Acrescente-se ainda que a ACP já é instrumento adequado para tutela dos


direitos coletivos ao alcance do MP, com a possibilidade, inclusive, de dedução
de qualquer tipo de pedido.

Noutra ponta, a doutrina ampliativa, segundo a qual o rol de legitimados


contido na Lei 12.016/2009 é exemplificativo, defende o uso da ação
mandamental pelo MP se necessário para alcançar os objetivos decorrentes de
suas atribuições constitucionais.

Na visão de Hugo Nigro Mazzili, por sua destinação de tutor constitucional de


interesses transindividuais, o Ministério Público também poderá valer-se do
mandado de segurança coletivo. Já na linha defendida por Nelson Nery Junior,
em sendo o Órgão legitimado à propositura da ação civil pública (art. 129, III,
CF), também seria ao mandado de segurança coletivo, visto que esta seria uma
espécie daquela ação.

385
A COISA JULGADA NA AÇÃO DE IMPROBIDADE
ADMINISTRATIVA

A ação de improbidade administrativa é uma espécie de ação civil pública, de


acordo com a concepção majoritária da doutrina. No entanto, não há consenso
sobre o regime jurídico aplicável à coisa julgada.

Basicamente são três correntes doutrinárias que explicam.

A primeira corrente determina que a coisa julgada na ação de improbidade deve


seguir o regime comum do Código de Processo Civil, ou seja, não a coisa
julgada não é secundum eventum litis ou secundum eventum probationis. As
sentenças terminativas não fazem coisa julgada material, enquanto que as
definitivas possuem coisa julgada intra partes. Esta é a posição seguida por
Hely Lopes Meirelles e Gilmar Mendes, que não veem na ação de improbidade
uma espécie de ação civil pública.

A segunda corrente entende que a coisa julgada tem um regime misto. Com
relação às sanções punitivas (ex: suspensão dos direitos políticos, perda da
função pública, etc.), o regime aplicável é o do Código de Processo Civil. Já
com relação à sanção de ressarcimento ao erário, a coisa julgada segue o regime
do art. 16 da Lei da ACP (erga omnes e secundum eventum litis). É a posição
seguida por Teori Zavascki.

386
Por fim, a terceira corrente, e a que prevalece na doutrina, entende que a coisa
julgada segue o mesmo sistema do microssistema processual coletivo, tendo
em vista à dimensão difusa do interesse tutelado (eficácia erga omnes). É a
posição adotada por Emerson Garcia, Wallace Paiva Martins Júnior e Sérgio
Sobrane, examinador do 93o MPSP.

PROCESSO COLETIVO PASSIVO

O processo coletivo passivo está presente quando há um agrupamento humano


no polo passivo de uma relação jurídica discutida em uma ação judicial, ou seja,
a demanda é formulada contra uma dada coletividade.

A doutrina se divide em relação à existência ou não do processo coletivo


passivo. Isso ocorre porque não há nenhuma regulamentação em nosso
ordenamento jurídico que disponha das regras e dos procedimentos desse
processo.

Para Cândido Dinamarco, não existe ação coletiva passiva, justamente pela
ausência de previsão legal.

Para a segunda corrente, defendida por Ada Pellegrini Grinover e Fredie Didier
Jr., há sim a existência dessas ações coletivas passivas, pois a prática tem
demonstrado que, em algumas situações, a coletividade deve ser acionada, e a
sua existência decorre da interpretação sistemática de nosso

387
ordenamento jurídico, sendo dispensada a necessidade de uma previsão
expressa.

O processo coletivo passivo, no Brasil, sofre argumentos contrários à sua


viabilidade, pois não há no ordenamento jurídico brasileiro a sua previsão.
Porém, pelo princípio do acesso à justiça, tais demandas devem sim ser
reconhecidas. Não admitir a ação coletiva passiva corresponde a negar a alguns
o direito de exigir algo contra algum grupo. Além disso, na sociedade atual,
conflitos de massa se tornam cada vez mais comuns, o que permite o uso de
ações coletivas passivas.

FUNDAMENTO PARA POSSIBILIDADE

Dessa forma, fazendo uma análise sistêmica, podemos fundamentar a


existência do processo coletivo passivo em alguns dispositivos, como:

a) Art. 5o, parágrafo 2o da Lei 7.347.1985 (Lei de Ação Civil Pública) que
permite o ingresso do Poder Público e das associações como litisconsorte de
qualquer das partes, o que abrange a passiva;

b) O art. 83 do CDC que determina que para a defesa dos interesses coletivos
são admitidos todas as espécies de ações, capazes de propiciar a adequada e
efetiva tutela;

c) Acaso não se admitida a demanda coletiva passiva, não será possível


explicar a ação rescisória proposta pelo réu da ação coletiva originária, os

388
embargos à execução coletiva, ou o mandado de segurança impetrado pelo réu
da ação coletiva contra ato judicial.

CLASSIFICAÇÃO

A ação coletiva passiva pode ser classificada em original ou derivada.


• Original: dá início a um processo coletivo, sem qualquer vinculação a um
processo anterior;
• Derivada: decorre de um processo coletivo ativo anterior e é proposta pelo
réu desse processo, como a ação de rescisão da sentença coletiva e a ação
cautelar incidental a um processo coletivo.

POLO PASSIVO: O maior problema das ações coletivas passivas é a escolha


do representante adequado. Algumas ponderações podem ser efetuadas para
garantir a correção desse sistema:
I) em regra, não será o MP o adequado representante em ações coletivas
passivas originais ou iniciais, ou seja, não derivadas;
II) o individuo deve ter apenas legitimação residual, na falta de associação
que possa figurar como adequado representante;
III) os membros do grupo poderão intervir no processo, sendo que o juiz deve
controlar para que não haja tumulto.

A COISA JULGADA NO PROCESSO COLETIVO: O ordenamento


jurídico brasileiro não trata sobre o tema, mas essa lacuna legislativa não
impede a admissão de demandas coletivas passivas. Conforme o principio da

389
adequação, há a imposição de que se crie o sistema de coisa julgada coletiva
passiva.

Conforme Fredie Didier Jr., o ideal é considerar que a coisa julgada em uma
ação coletiva proposta contra a coletividade em uma situação jurídica coletiva
difusa seja pro et contra e erga omnes, isto é, há coisa julgada
independentemente do resultado do processo coletivo e a sua eficácia vincula
todos os membros do grupo. Isso é o ideal, pois a situação jurídica passiva é
indivisível, ou seja, não há como dar soluções diferentes para os membros do
grupo, pois o dever é do grupo e, pois, a decisão que lhe diz respeito vincula
todos os membros deste grupo.

O mesmo entendimento deve ser aplicado para a coisa julgada em que se


discute os deveres coletivos stricto sensu. A aplicação da coisa julgada ocorre
de forma idêntica, ressalvando-se apenas o âmbito da coisa julgada que se
restringe ao grupo dos sujeitos, isto é, ultra partes.

Já em relação às ações coletivas passivas propostas contra deveres individuais


homogêneos, mantém-se a mesma ideia das ações coletivas ativas e, dessa
forma, a coisa julgada será pro et contra e erga omnes. Então terá coisa julgada
qualquer que seja o resultado da demanda, e a decisão vinculará todos, no plano
coletivo, não sendo mais possível discutir o assunto em uma ação coletiva. Mas,
além disso, nesse caso, reconhece-se uma não extensão da coisa julgada
coletiva para o plano individual, ou seja, se a coisa julgada coletiva for
desfavorável aos interesses dos membros, esta não deverá ser

390
transportada para eles, que poderão ingressar com uma ação própria ou
incidental para afastar os efeitos dessa decisão.

LITÍGIOS ESTRUTURAIS

Os litígios estruturais são aqueles que envolvem conflitos multipolares, de


elevada complexidade, cujo objetivo é promover valores públicos pela via
jurisdicional, mediante transformação de uma instituição pública ou privada.

Há necessidade de reorganização de toda uma instituição, com a alteração de


seus processos internos, de sua estrutura burocrática e da mentalidade de seus
agentes, para que ela passe a cumprir sua função de acordo com o valor
afirmado pela decisão. A temática tem sido abordada, conforme esclarece a
doutrina, sobretudo a partir de 1954, com o caso Brown vs. Board of Education
of Topeka.

391
CAPÍTULO 08

Difusos
e Coletivos

392
DIFUSOS E COLETIVOS
RECOMENDAÇÃO E A FUNÇÃO OMBUDSMAN

As recomendações constituem importante instrumento de que dispõe o


Ministério Público no exercício de suas funções constitucionais, uma vez que
podem acarretar a resolução consensual do conflito e, portanto, evitar a
judicialização.

Se as recomendações, forem emitidas dentro de limites de razoabilidade e bom


senso, normalmente serão atendidas, dando ensejo, inclusive, ao imediato
arquivamento do inquérito civil instaurado.

Quando não atendidas, constituem importante instrumento para caraterização


do elemento subjetivo que, em regra, é imprescindível para efeito de prova em
torno do dolo ou da culpa do agente público responsável pela ação ou pela
omissão, impedindo que a alegação de „não conhecimento do fato‟ sirva de
defesa durante o um processo judicial.

O poder recomendatório do Ministério Público expressa o que a doutrina


denomina de função ombudsman da instituição. Trata-se da face ativa do

393
Ministério Público, no exercício da função de ombudsman, de procurador dos
direitos fundamentais e do interesse do cidadão e da coletividade. Podem ser
dirigidas a pessoas naturais, jurídicas, públicas ou privadas, órgão e outros
entes despersonalizados, dando ensejo à responsabilização, quando for o caso,
por seu descumprimento.

Características do ombudsman (também denominado de defensor del Pueblo):

a) independência institucional ou individual;

b) proteção das pessoas do povo, e tutela dos seus direitos em face dos
equívocos, insultos, negligências e decisões administrativas injutas adotadas
pela administração pública.

Sua atividade é uma nova forma de institucionalização de garantias e se dá


através da conexão entre o Estado e a sociedade civil.

De acordo com Fredie Didier:

(...) A função mais importante do ombudsman é de exercer o


controle, mediante a fiscalização externa e independente, da
atividade das autoridades estatais a partir de reclamações dos
cidadãos contra a ação dos órgãos públicos e em defesa dos
direitos e liberdades. Inclui: a) conduzir investigações; b)
providenciar recomendações; c) restaurar - a partir das diversas
formas de atuação, inclusive a autocomposição e as ações

394
judiciais – os direitos fundamentais; d) submeter propostas de
alterações legislativas para melhorar e tornar mais efetiva a tutela
dos direitos.”

EFEITO SINÉRGICO NO DIREITO AMBIENTAL

Os “efeitos sinérgicos” significam que o dano ambiental pode ser resultado


de várias causas concorrentes - simultâneas ou sucessivas - dificilmente tendo
como uma única e linear fonte, levando à pulverização/ dispersão da própria
ideia de nexo de causalidade com o dano, pode do ser atribuído a uma
multiplicidade de causas, fontes e comportamentos.

Com efeito, há certas atividades que, tomadas solitariamente, são incapazes de


causar, de per si, prejuízo ambiental, entretanto, em contato com outros fatores
ou substâncias esses agentes se transformam, de imediato, em vilões, por um
processo de reação em cadeia.

Ressalta-se, por fim, que os “efeitos sinérgicos” dos danos ambientais também
justificam a adoção da teoria da responsabilidade objetiva, além de lastrear a
teoria da equivalência dos antecedentes para identificar o nexo causal entre a
conduta e o resultado danoso.

TEORIA DA CAOS (“efeito borboleta”)

395
De acordo com a Teoria do caus (ou “efeito borboleta”), tudo no universo está
conectado e os vínculos de causa e efeito se estabelecem em múltiplos níveis
difíceis de discernir, de maneira que uma perturbação, muito fraca em princípio,
é suficiente para impor progressivamente um ritmo novo macroscópico.

Desse modo, segundo essa teoria, “o bater de asas de uma borboleta no Brasil,
pode desencadear um tornado no Texas”, isto é, pequenas alterações numa
situação trazem efeitos incalculáveis.

Princípio da incerteza: não conhecemos do real senão o que nele introduzimos,


ou seja, que não conhecemos do real senso a nossa intervenção nele.

A utilidade de ambos os conceitos reside em romper o que o pensador


Boaventura Sousa Santos chama de „ideia cartesiana de mundo‟, na qual tudo
pode ser medido e explicado; na análise dos processos ecossistêmicos,
vislumbram-se novas variáveis ainda não completamente esclarecidas pela
ciência.

Avaliando o contexto apresentado, “o bem ambiental deve ser encarado em sua


complexidade e fragilidade, podendo pequenas alterações conduzir a
consequências catastróficas e muitas vezes irreversíveis.”

É nesse palmilhar que se justificam no direito ambiental a hermenêutica „in


dubio pro natura‟ e os princípios da prevenção e da precaução.

396
O efeito borboleta também possui relação com os efeitos sinérgicos no meio
ambiente - o dano ambiental pode ser resultado de várias causas concorrentes,
simultâneas ou sucessivas, levando à pulverização do nexo causal (em um
processo de reação em cadeia).

A conexão planetária causada pelos efeitos sinérgicos, como sustentam os


autores já citados, justificam, por exemplo, a) a responsabilidade civil objetiva
(pelo risco integral) na Lei 6938/1971, e b) a Res 1/1986 CONAMA, ao prever
critérios básicos e diretrizes gerais para implantação da Avaliação de Impacto
Ambiental, que deve levar em conta as propriedades cumulativas e sinérgicas
dos impactos do empreendimento.

A pessoa jurídica pode ser considerada „terceiro‟ para fins de sujeição à lei de
improbidade administrativa quando receber algum benefício, pois consoante o
entendimento do STJ (Resp.1.122.177-MT, Rel. Herman Benjamin, Dje
27.04.11).

Apesar de o STJ admitir que a pessoa jurídica sujeite-se à LIA, na doutrina a


questão é divergente.

Por um lado, para José dos Santos Carvalho Filho, terceiro jamais poderá ser
pessoa jurídica. As condutas de indução e colaboração para a improbidade são
próprias de pessoas físicas. Tal conduta pressupõe dolo, elemento subjetivo
incompatível com a responsabilização de pessoa jurídica.

397
Por outro lado, Emerson Garcia sustenta que “contrariamente ao que ocorre
com o agente público, sujeito ativo dos atos de improbidade e necessariamente
uma pessoa física, o art. 3o da Lei de Improbidade não faz qualquer distinção
em relação aos terceiros, tendo previsto que „as disposições dessa lei são aplicá-
veis, no que couber, àquele que, mesmo não sendo agente público...‟ o que
permite concluir que as pes- soas jurídicas também estão incluídas sob tal
epígrafe.”

CRIMES AMBIENTAIS COM NATUREZA PERMANENTE

Algumas condutas delituosas lesivas ao meio ambiente podem ser consideradas


como de natureza permanente.

A análise doutrinária mais acurada sobre as particularidades da natureza


instantânea ou permanente dos crimes contra o meio ambiente é medida de
especial relevância prática para quem opera o Direito Penal Ambiental.

Outro elemento de relevo na discussão a que nos propomos diz respeito à


configuração da situação de flagrância delitiva daqueles que comentem crimes
de tal natureza, pois nos termos do artigo 303 do Código de Processo Penal:
“Nas infrações permanentes, entende-se o agente em flagrante delito enquanto
não cessar a permanência” e, consoante o artigo 301 do mesmo digesto,
“Qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes deverão
prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito”.

398
Resumidamente, são consequências da modalidade permanente nos crimes
ambientais:
 Regra especial da prescrição: a consumação se perdura no tempo até que
ocorra a cessação da atividade lesiva ao meio ambiente, momento a partir
do qual se considera consumado, iniciando a contagem do prazo
prescricional.
 Configuração da situação de flagrância (art. 303 CPP): Nas infrações
permanentes, entende-se o agente em flagrante delito enquanto não
cessar a permanência.

Sem qualquer pretensão de esgotar o vasto rol de crimes ambientais que podem
ser enquadrados na conceituação de crimes permanentes, é possível fazer a
abordagem de algumas condutas que nos afiguram como inseridas em tal
âmbito, delineando um ponto de partida para novas reflexões sobre a importante
temática.

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de


Justiça reconhecem a natureza permanente de alguns crimes ambientais com
construção típica e objetividade jurídica símiles à do artigo 48 da Lei 9.605/98.

A conduta imputada ao paciente é a de impedir o nascimento de nova vegetação


(artigo 48 da Lei 9.605/1998), e não a de meramente destruir a flora em local
de preservação ambiental (artigo 38 da lei ambiental). A consumação não se dá
instantaneamente, mas, ao contrário, se protrai no tempo, pois o bem jurídico
tutelado é violado de forma contínua e duradoura,

399
renovando-se, a cada momento, a consumação do delito. Trata-se, portanto, de
crime permanente. Tratando-se de crime permanente, o lapso prescricional
somente começa a fluir a partir do momento em que cessa a permanência.
Prescrição não consumada. (STF - RHC 83.437, rel. min. Joaquim Barbosa, 1ª
T, j. 10-2-2004, DJE 70 de 18-4-2008)

Outrossim, o tipo insculpido no artigo 48 da Lei 9.605/1998 tem como


propósito preservar o meio ambiente, buscando assegurar a regeneração natural
das florestas e das demais formas de vegetação, e não punir a ocorrência de
dano direto já realizado à natureza.

Hipótese em que a conduta do agravante de manter construção (casa de


madeira) em área de marinha e de preservação permanente, situada em área de
manguezal no interior de unidade de conservação, na Reserva Extrativista
Marinha do Pirajubaé, incide no tipo penal previsto no artigo 48 da lei de crimes
ambientais, tendo em vista que a continuidade da ocupação impediu a
recuperação natural da localidade.

O delito em questão possui natureza permanente, cuja consumação se perdura


no tempo até que ocorra a cessação da atividade lesiva ao meio ambiente,
momento a partir do qual se considera consumado e se inicia a contagem do
prazo prescricional, nos termos do artigo 111, inciso III, do Código Penal. (STJ;
AgRg-REsp 1.503.896; Proc. 2014/0342199-9; SC; Quinta Turma; Rel. Min.
Gurgel de Faria; DJE 09/10/2015).

400
CLÁUSULA DE CONTRATO SAÚDE QUE AUTORIZA
AUMENTO DE MENSALIDADES

É válida a cláusula prevista em contrato de seguro-saúde que autoriza o


aumento das mensalidades quando o usuário completar 60 anos de idade?

De acordo com o Superior Tribunal de Justiça, em regra, é VÁLIDA a cláusula


prevista em contrato de seguro-saúde que autoriza o aumento das mensalidades
do seguro quando o usuário completar 60 anos de idade.

No entanto, deve ser aferida a sua compatibilidade com a boa-fé objetiva e a


equidade em cada caso concreto.

Entretanto, NÃO será considerada válida, ou melhor, a cláusula será


ABUSIVA quando:
 não respeitar os limites e requisitos estabelecidos na Lei 9.656/98; ou
 aplicar índices de reajuste desarrazoados ou aleatórios, que onerem em
demasia o segurado.
Nesse sentido: STJ. 4ª Turma. REsp 1.381.606-DF, Rel. originária Min. Nancy
Andrighi, Rel. para acórdão Min. João Otávio De Noronha, julgado em
7/10/2014 (Info 551).

Mas e o art. 15, § 3º, do Estatuto do Idoso que dispõe ser vedada a discriminação
do idoso nos planos de saúde pela cobrança de valores diferenciados em razão
da idade?

401
Para o STJ, não se pode interpretar de forma absoluta o art. 15, § 3º, do EI, ou
seja, não se pode dizer que, abstratamente, todo e qualquer reajuste que se
baseie na idade será abusivo. O que o Estatuto do Idoso quis proibir foi a
discriminação contra o idoso, ou seja, o tratamento diferenciado sem qualquer
justificativa razoável.

Ademais, a Lei n.° 9.656/98 (Lei dos Planos e Seguros Privados de Saúde)
previu expressamente a possibilidade de que a mensalidade do seguro-saúde
sofra aumentos a partir do momento em que o segurado mude sua faixa etária,
estabelecendo, contudo, algumas restrições a esses reajustes (art. 15).

Embora o Estatuto do Idoso seja POSTERIOR à Lei 9.656/98, decidiu o STJ


que deve-se encontrar um ponto de equilíbrio entre a Lei dos Planos de Saúde
e o Estatuto do Idoso, a fim de se chegar a uma solução justa para os interesses
em conflito.

Por fim, segundo o STJ é desnecessária a intervenção do MP, na qualidade de


fiscal da lei, em demandas que não envolvam direitos coletivos ou em que não
haja exposição de idoso aos riscos previstos no artigo 43 do estatuto.

402
CAPÍTULO 09

Direito do
Consumidor
403
DIREITO DO
CONSUMIDOR
TEORIA DO “CAVEAT EMPTOR” NO DIREITO DO
CONSUMIDOR

”Caveat emptor” significa o consumidor que se cuide. Ou seja, impõe ao


consumidor o dever de se acautelar em relação às informações de um
determinado produto.

Essa teoria é adotada pelo CDC? NÃO. Isso porque, atualmente, é direito
básico do consumidor a informação adequada e clara sobre os diferentes
produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características,
composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem (art.
6º, III, do CDC).

Ademais, o dever de informar é considerado um dever anexo decorrente da


função integrativa da boa-fé objetiva, uma necessidade social que se tornou um
autêntico ônus proativos.

Posição do Superior Tribunal de Justiça: O tema foi abordado pelo STJ, que
assim decidiu:

404
Ainda que haja abatimento no preço do produto, o fornecedor
responderá por vício de quantidade na hipótese em que reduzir o
volume da mercadoria para quantidade diversa da que
habitualmente fornecia no mercado, SEM INFORMAR na
embalagem, de forma clara, precisa e ostensiva, a diminuição do
conteúdo. STJ. 2a Turma. REsp 1.364.915-MG, Rel. Min.
Humberto Martins, julgado em 14/5/2013.

Entendeu-se que a informação prestada ao consumidor não foi feita de forma


clara, precisa e ostensiva. O direito à informação encontra fundamento na
CF/88 (art. 5o, XIV). Ademais, o CDC o prevê como sendo um direito básico
do consumidor (art. 6o, III).

O direito à informação confere ao consumidor uma escolha consciente,


permitindo que suas expectativas em relação ao produto ou serviço sejam de
fato atingidas. Trata-se do “consentimento informado ou vontade
qualificada”.

Finalmente, segundo a Corte Cidadã, o dever de informar é considerado um


modo de cooperação, uma necessidade social que se tornou um autêntico ônus
pró-ativo incumbido aos fornecedores (parceiros comerciais, ou não, do
consumidor), pondo fim à antiga e injusta obrigação que o consumidor tinha de
se acautelar (caveat emptor).

405
Nota-se que, por fim, que o dever de informar não é tratado como mera
obrigação anexa, e sim como dever básico, essencial e intrínseco às relações de
consumo.
VENDA CASADA ÀS AVESSAS OU INDIRETA

De acordo com a doutrina, a "venda casada" consiste na comercialização de um


produto ou serviço condicionada a outro, conforme definição expressa no art.
39, inciso I, do CDC.

É possível salientar que a sua prática viola a boa-fé objetiva, ou seja, o


fornecedor que obriga o consumidor, na compra de um produto, a levar outro
que não deseja, apenas para ter direito ao primeiro, seu verdadeiro intento, viola
a liberdade de escolha, direito básico do consumidor (art. 6º, inciso II, do CDC)
(Melo, Tasso Duarte de. A definição de venda casada segundo a jurisprudência
do Superior Tribunal de Justiça).

E o que seria a venda casada às avessas ou indireta?

A venda casada às avessas “consiste em se admitir uma conduta de consumo


intimamente relacionada a um produto ou serviço, mas cujo exercício é
restringido à única opção oferecida pelo próprio fornecedor, limitando, assim,
a liberdade de escolha do consumidor. Essa circunstância é bem ilustrada na
hipótese da exploração de exibição cinematográfica paralela à de serviços de
lanchonete.” (RECURSO ESPECIAL Nº 1.737.428 - RS).

406
INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA NO CDC

 Com previsão no art. 6º, inciso VIII, do CDC, trata-se de um direito


público subjetivo do consumidor;
 Pode ser reconhecido de ofício pelo juiz;
 O reconhecimento do direito à inversão do ônus da prova depende da
verificação, pelo juiz (inversão “ope iudicis”) da presença,
alternativamente, dos requisitos: 1. Verossimilhança (aparência de
verdade); OU 2. Hipossuficiência (dificuldade do consumidor para
produzir, no processo, prova do fato favorável a seu interesse);
 Trata-se, segundo a jurisprudência majoritária e o CPC/15 (art. 363,
parágrafo 1º), de regra de procedimento ou de instrução, a ser aplicado
antes da sentença;
 Deve fazer sobre fato ou fatos específicos.

TEORIA DO DESVIO PRODUTIVO DO CONSUMIDOR

De acordo com a teoria do desvio produtivo do consumidor, este, diante de uma


situação de mau atendimento, precisa desperdiçar o seu tempo e desviar as suas
competências para tentar resolver um problema criado pelo fornecedor, a um
custo de oportunidade indesejado, de natureza irrecuperável.

Desse modo, de acordo com Luciano Figueiredo:

407
“A responsabilidade civil pela perda do tempo livre ou desvio
produtivo de consumo consiste na perda de tempo considerável e
acima do razoável pelo ofendido (consumidor) diante do ofensor
(ou empresa) para resolver impasses decorrentes da relação de
consumo, no exercício de seu direito, por quadro de funcionários
insuficientes, mero capricho ou desrespeito da empresa, com o
objetivo de criar entraves e delongas para desestimular o
consumidor a tanto”.

Posição do Superior Tribunal de Justiça: Com base na Corte Cidadã, é


possível, resumidamente, dizer que esse desperdiço de tempo do consumidor:

 Pode gerar dano moral individual, mas é necessário prova de alguma


“intercorrência que pudesse abalar a honra do autor ou causar-lhe
situação de dor, sofrimento ou humilhação” (AgRg no AREsp
357.188/MG, 09/05/2018).
 É capaz de gerar dano moral de natureza coletiva STJ. 3ª Turma. REsp
1737412/SE, 05/02/2019, não sendo necessária a demonstração efetiva
dessa “intercorrência”.

“CHAMARIZ” NO DIREITO DO CONSUMIDOR

De acordo com os ensinamentos de Rizzato Nunes (Comentários ao Código de


Defesa do Consumidor, 8ª edição, ed. São Paulo: Saraiva, 2015), “chamariz”,
no direito do consumidor é uma forma bastante usada. Este é uma

408
modalidade de enganação que não está, necessariamente, atrelada ao produto
ou serviço em si.

O chamariz é, portanto, uma maneira enganosa de atrair o consumidor, para


que ele, uma vez estando no estabelecimento (ou telefonando), acabe
comprando algo. Muitas vezes bem constrangido.

409
410
CAPÍTULO 10

Direito
EMPRESARIAL

411
DIREITO EMPRESARIAL

SOCIEDADE UNIPESSOAL NO DIREITO BRASILEIRO:


existe?

Nos termos do art. 981 do Código Civil de 2002: “celebram contrato de


sociedade as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens
ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos
resultados”.

De acordo com a doutrina, e pela redação do artigo 981 do CC, a


pluralidade de pessoas é um dos pressupostos para a constituição de uma
sociedade.

Mas, seria possível a constituição de uma sociedade unipessoal (uma sociedade


de um único sócio)?

Para a maioria da doutrina, são sociedades unipessoais:


 A sociedade subsidiária integral, espécie de sociedade anônima que
tem como único sócio uma sociedade brasileira (art. 251, § 2º, Lei nº.
6.404/1976);
 A sociedade unipessoal de advocacia (art. 15, Lei nº. 8.906/1994, com
redação dada pela Lei nº 13.247/2016).

412
Fábio Ulhoa entende que a EIRELI - Empresa Individual de Responsabilidade
Limitada também é uma sociedade unipessoal, mas essa posição não é
majoritária.

No entanto, há enunciados do CJF, das Jornadas de Direito Civil, que


evidenciam tese em sentido contrário. Por exemplo: Enunciado 469, da V
Jornada de Direito Civill: “A empresa individual de responsabilidade limitada
(EIRELI) não é sociedade, mas novo ente jurídico personificado”.

Ocorre que, atualmente, além da subsidiária integral e da sociedade de


advogados, outra sociedade unipessoal é admitida pelo direito brasileiro: A Lei
nº. 13.874/2019 permitiu, expressamente, a constituição de uma Sociedade
Limitada (LTDA) por uma única pessoa (art. 1.052, § 2º).

Na prática, o empresário individual, que assume o risco do empreendimento


também com seu patrimônio pessoal, poderá, caso opte por constituir uma
sociedade limitada, restringir a responsabilidade e o risco do negócio ao capital
investido, isto é, os bens utilizados na atividade empresarial é que deverão
responder prioritariamente pelas obrigações sociais.

O “CRAM DOWN” NA RECUPERAÇÃO JUDICIAL

No processo de recuperação judicial, após a empresa ajuizar o pedido e ter


deferido o seu processamento, abre-se um prazo de 60 (sessenta) dias,

413
contados da publicação da decisão de deferimento, para a apresentação do
plano de recuperação judicial. Por meio deste documento, a recuperanda
apresentará aos credores as medidas de reestruturação a serem implementadas,
as condições de pagamento dos créditos sujeitos e a exposição da viabilidade
da empresa.

Para que a devedora obtenha a concessão da recuperação judicial, faz-se


necessário, contudo, na grande maioria dos casos, que o plano seja aprovado
pela assembleia geral de credores, composta, neste caso, por 04 (quatro) classes
de credores: Classe I: Créditos Trabalhistas; Classe II: Créditos com Garantia
Real; Classe III: Créditos Quirografários, e Classe IV: Créditos de Micro e
Pequenas Empresas.

Para a aprovação do plano de recuperação judicial pela assembleia geral de


credores, mostra-se necessário que todas as 04 (quatro) classes de credores
votem a favor do plano. Nas classes de credores trabalhistas e micro e pequenas
empresas, basta que a maioria simples dos credores presentes se manifestem a
favor, enquanto que, nas classes de credores com garantia real e quirografários,
tanto a maioria simples dos credores quanto a maioria do crédito devem ser
contabilizados para a aferição da aprovação.

Em caso de não aprovação do plano de recuperação judicial, em regra, o juiz


deverá decretar a falência da empresa, na chamada “convolação em falência”.
No entanto, o art. 58, §1º e incisos, da Lei nº 11.101/2005, estipula
determinadas condições que, se atendidas, mesmo diante da rejeição do plano

414
de recuperação judicial pela assembleia geral de credores, facultam ao juiz a
concessão da recuperação judicial.

São elas: (i) o voto favorável de credores que representem mais da metade do
valor de todos os créditos presentes à assembleia, independentemente de classes
(ii) a aprovação do plano em todas as classes de credores votantes, menos uma,
(iii) o voto favorável de mais de um 1/3 (um terço) dos credores da classe em
que o plano foi rejeitado e (iv) a equivalência do tratamento entre todos os
credores da classe em que o plano foi rejeitado.

A concessão da recuperação judicial sob essa modalidade foi inspirada no


instituto previsto na Section 1129 do Chapter 11 do Bankruptcy Code norte-
americano, popularmente referido como “cram down” (goela abaixo).

No Brasil, a doutrina critica a forma em que o “cram down” foi introduzido na


legislação, por seu caráter legalista e fechado e sem margem para a apreciação
das condições econômicas e financeiras do devedor e de eventual abuso pelo
juiz, reduzindo-se a um quórum alternativo de aprovação do plano.

Nesse sentido, Sheila C. Neder Cerezetti aponta a necessidade de “redução do


rigorismo e a adoção de mecanismos realmente capazes de conceder adequada
proteção aos credores, sem permitir que empresas viáveis sejam levadas à
falência devido à rigidez de regras que buscam ser protetivas, mas podem
acabar prejudicando todos os envolvidos na crise empresarial.”

415
A professora ainda indica que, na maioria das legislações estrangeiras que
preveem a superação do veto de uma classe de credores, os requisitos
estabelecidos se baseiam na necessidade de aprovação do plano por pelo menos
uma das classes votantes, na inexistência de tratamento diferenciado entre os
componentes da classe que rejeitou o plano (unfair discrimination) e na
caracterização do plano como justo e equitativo quanto ao tratamento da classe
discordante com relação às demais (fair and equitable rule).

Eduardo Secchi Munhoz, por sua vez, propõe uma espécie de flexibilização dos
requisitos para o “cram down”, a partir do reconhecimento da possibilidade de
o juiz aprovar um plano de recuperação judicial rejeitado pela assembleia geral
de credores, desde que fosse assegurado (i) que nenhum credor recebesse
menos do que receberia na falência (best-interest-of- creditors), ou (ii) que os
credores que rejeitarem o plano recebessem tratamento semelhante e
proporcional ao dispensado à maioria dos credores com crédito da mesma
natureza (unfair discrimination).

Jurisprudência brasileira: No âmbito da jurisprudência, o próprio Superior


Tribunal de Justiça e diversos Tribunais de Justiça, notadamente o Tribunal de
Justiça do Estado de São Paulo, já promoveram a flexibilização dos critérios do
“cram down” no caso concreto, notadamente quando um só credor detinha a
maioria do crédito da empresa, quando determinada classe possuísse somente
um credor ou quando, por pouco, não se alcançou a maioria necessária.

416
CAPÍTULO 11

PACOTE
Anticrime

417
PACOTE ANTICRIME
JUIZ DAS GARANTIAS

ATENÇÃO: A eficácia do Juiz de Garantias foi SUSPENSO, por tempo


indeterminado (“sine die”) pelo Supremo Tribunal Federal (Ministro Luiz Fux)
na ADI 6.299/DF.

O novo Código de Processo Penal (CPP) introduz a figura do “juiz das


garantias”, responsável pelo controle da legalidade da investigação criminal e
pela salvaguarda dos direitos fundamentais do acusado (art.14).

Atualmente, um mesmo juiz participa da fase de inquérito e profere a sentença,


porque foi o primeiro a tomar conhecimento do fato (art. 73, parágrafo único
do CPP). Com as mudanças, caberá ao “juiz das garantias” atuar na fase da
investigação e ao juiz do processo julgar o caso – este tendo ampla liberdade
em relação ao material colhido na fase de investigação, o qual não ficará
prevento para a ação penal futura.

Assim, o Juiz das Garantias seria responsável por toda a etapa investigativa,
ficando vedada sua atuação no processo dela decorrente, ante a possibilidade
de que as convicções formadas no curso da investigação acabem por
contaminar a imparcialidade necessária ao justo julgamento do feito, seja para

418
absolver ou condenar o acusado. Logo, nota-se que o objetivo primordial dessa
separação é garantir a imparcialidade.

Trata-se de importante instituto, com previsões equivalentes em diversos países


(Como por exemplo: os cargos de Giudice per le indagini preliminari na Itália,
Juiz de instrução em Portugal, Juez de garantía no Chile, entre outros), que
assegura distanciamento do juiz do processo em relação aos elementos colhidos
em estágio preliminar, muitas vezes produzidos de forma unilateral e sem
efetivo contraditório, além de potencializar a melhoria da prestação
jurisdicional, com a especialização da matéria pelos magistrados.

A preocupação central dessa proposta, digna de encômios, reside no respeito


ao princípio acusatório assim como na preservação da imparcialidade do juiz
do processo.

Por força do princípio acusatório o juiz que investiga ou que monitora a


investigação não pode julgar a causa. O juiz que investiga fica “contaminado”,
isto é, perde sua imparcialidade, compromete-se psicologicamente com a
investigação. Nesse mesmo sentido muitos países (Espanha, França, Estados
Unidos etc.) têm promovido recentes reformas na sua legislação (com o escopo
de preservar a imparcialidade judicial na fase contraditória).

O juiz das garantias (projetado), de outro lado, não tem nada a ver com o juiz
ou juizado de instrução (da Espanha e França, v. G.). O juiz das garantias não

419
vai presidir o inquérito policial. A presidência do inquérito continua com a
polícia, em regra.

Não se pode ignorar que a atual jurisprudência do STF vem validando as


investigações feitas pelo MP isoladamente. O juiz das garantias,
precipuamente, vai cuidar da sua legalidade assim como do respeito aos direitos
e garantias fundamentais do indiciado ou suspeito.

A figura do juiz das garantias não extingue o inquérito policial ou outro


procedimento investigatório.

ACORDO DE IMUNIDADE

Acordo de imunidade consiste em um prêmio, que relativiza o Princípio da


obrigatoriedade da ação penal, por meio do qual o membro do Ministério
Público se compromete a não denunciar o colaborador, se este colaborar de
forma efetiva.

Trata-se de um prêmio que conduz à extinção da punibilidade do colaborador,


bem como ao arquivamento dos autos.

Os requisitos para a concessão do acordo de imunidade são:


A) Colaborador não seja o líder da organização criminosa;
B) Colaborador seja o primeiro a prestar efetiva colaboração nos termos deste
artigo;

420
C) A colaboração se refira a fato que o membro do Ministério Público não
teve conhecimento prévio.

O que fez a Lei 13.964/2019?

Acrescentou o terceiro requisito para a concessão do acordo de imunidade


(Atualmente, portanto, é necessário que a colaboração se refira a fato que o
membro do Ministério Público não teve conhecimento prévio).

Ademais, nos termos do § 4o-A da Lei de Organização Criminosa, “Considera-


se existente o conhecimento prévio da infração quando o Ministério Público ou
a autoridade policial competente tenha instaurado inquérito ou procedimento
investigatório para apuração dos fatos apresentados pelo colaborador”.

TEORIA DA DESCONTAMINAÇÃO DO JULGADO

ATENÇÃO: A eficácia do dispositivo que trouxe a Descontaminação do


Julgado foi SUSPENSA, por tempo indeterminado (“sine die”) pelo Supremo
Tribunal Federal (Ministro Luiz Fux) na ADI 6.299/DF.

A descontaminação do julgado consiste em um mecanismo processual que


torna possível o julgamento da demanda por outro juiz que não aquele que
conheceu da prova tida, posteriormente, como ilícita.

421
Em outros termos, trata-se de impedir que o juiz que conheceu de prova ilícita
julgue a causa, porquanto, ainda que não queira, poderá ser influenciado pelo
conteúdo do material probatório ilícito conhecido.

EM SÍNTESE: A teoria da descontaminação do julgado, situada na teoria da


prova, diz que o magistrado que teve contato com a prova declarada
inadmissível/ilícita não pode proferir sentença ou acórdão.

Não há, pela própria condição humana, pelas próprias características que
revestem qualquer tipo de interpretação, como garantir-se, no caso, uma
pretensa imparcialidade.

Ainda que o magistrado tente a todo custo mantê-la, poderá contrariar


inconscientemente todo o conjunto probatório válido apenas para poder emitir
um juízo de procedência.

Dessa maneira, nota-se que o principal fundamento da aludida teoria é a


garantia da imparcialidade do julgador.

A teoria da descontaminação do julgado foi adotada pelo ordenamento jurídico


brasileiro?
Com a Lei 13.964/2019 (Pacote Anticrime), SIM. Agora, com a adoção desta
teoria, presume-se, de forma absoluta, que o magistrado que teve contato com
a prova ilícita é parcial para decidir.

422
Por fim, insta destacar a natureza jurídica deste instituto jurídico. Trata-se de
uma hipótese de impedimento, vez que traz uma circunstância objetiva que
impede o magistrado de proferir a decisão.

AGENTE DISFARÇADO

A Lei 13.964/2019 trouxe a nova figura do agente disfarçado, que não deve ser
confundido com outras técnicas especiais de investigação, como agente
infiltrado ou agente que atua em meio a uma ação controlada.

O agente disfarçado é aquele que, ocultando sua real identidade, posiciona-se


com aparência de um cidadão comum (não chega a infiltrar-se no grupo
criminoso) e, partir disso, coleta elementos que indiquem a conduta criminosa
preexistente do sujeito ativo.

O agente disfarçado ora em estudo não se insere no seio do ambiente criminoso


e tampouco macula a voluntariedade na conduta delitiva do autor dos fatos.

Verifica tratar-se de outra espécie de técnica especial de investigação e atuação


policial, utilizável em situações peculiares e que reclamam uma sofisticação
operacional intermediária, situada entre uma simples campana policial e uma
infiltração policial/ação controlada.

423
Além do relativo grau de expertise, notabilizado pela habilidade de atuar
descaracterizado de forma a permitir a coleta de provas do crime e de sua
autoria, sem, entretanto, interferir em seu curso causal.

Assim, ainda que o agente policial tenha uma pequena participação na cadeia
causal da conduta criminosa, resta afastado o crime impossível porque,
doravante, a norma penal erigiu como nova hipótese normativa (suporte fático)
uma conduta que produz um resultado jurídico bem delimitado, qual seja, a
dispersão daqueles produtos ilícitos, independentemente de serem identificadas
outras pessoas no negócio.

Para a validade da atuação do agente disfarçado deve haver a demonstração de


provas em grau suficiente a indicar que o autor realizou antes uma conduta
criminosa, circunstância objeto da investigação proporcionada pelo disfarce.

Há, portanto, uma relação utilitarista-consequencial entres esses elementos


típicos.

A investigação realizada pelo agente disfarçado, em razão da qualificada


apreensão de informações proporcionada pelo disfarce, colhe elementos
probatórios razoáveis acerca da conduta criminosa preexistente.

Assim, quando um policial anonimamente tenta adquirir drogas de um usuário,


que, exclusivamente em razão desse ato, obtém e repassa a substância ao
proponente, resta caracterizada uma obra fruto de um agente provocador e
consequentemente um caso de flagrante provocado.

424
Contudo, caso um policial disfarçado realize um prévio levantamento
investigativo que indique que determinada pessoa exerce função de vendedor
de drogas em pequenas quantidades, sem que as mantenha consigo antes das
propostas de compras, e realize com ela uma negociação pela substância,
poderá, no momento da venda ou da entrega, efetuar sua prisão porque o crime,
neste instante, resta caracterizado ante a realização dos elementos específicos
do tipo, ainda que criminoso mantenha com ele exclusivamente a exata quantia
de drogas comercializada.

Observe-se que neste caso, não fosse a nova figura delitiva em estudo com
participação do agente disfarçado, não seria possível a prisão do traficante pelos
demais núcleos verbais vez que restariam descaracterizadas a voluntariedade
acerca da posse da droga envolvida na comercialização.

Por fim, segundo Rogério Sanches, o agente disfarçado, previsto na Lei


13.964/2019 é uma adequada resposta a atual sofisticação na prática de crimes
de tráfico de armas e drogas indica que a atuação estatal de enfrentamento a
esta criminalidade deve aperfeiçoar-se de modo a evitar que a dispersão desses
produtos ilícitos seja feita por meio de pequenas quantidades.

INFORMANTE DO BEM (WHISTLEBLOWER)

Denominado pela doutrina de “whistleblower”, esse informante não se


confunde com o autor da colaboração premiada. Para o professor Rogério

425
Sanches, o colaborador concorre de qualquer modo para a infração penal e age
com o intuito de obter o abrandamento de futuras sanções a que estaria sujeito.

O informante, por sua vez, não tem qualquer participação ou envolvimento nos
delitos, mas deseja simplesmente cooperar com as autoridades para que as
infrações sejam apuradas.

A lei cria mecanismos de proteção e incentivo aos informantes, prestigia a


atuação do homem de bem em prol da segurança coletiva e ordem jurídica e
assegura a eficiente atuação das autoridades responsáveis na repressão e
prevenção dos crimes. A criação de mecanismos de proteção e incentivo desses
“informantes do bem” atende exigência prevista na Convenção das Nações
Unidas contra a Corrupção.

E, para encorajar o detentor da informação a atuar em prol do bem comum, a


lei prevê que quando as informações disponibilizadas resultarem em
recuperação de produto de crime contra a administração pública, poderá ser
fixada recompensa em favor do informante em até 5% (cinco por cento) do
valor recuperado.

CONFISCO ALARGADO

O confisco de bens consiste em uma medida penal com efeitos civis contra a
corrupção sistêmica.

426
A doutrina aponta três modelos de confisco (LINHARES, S. C. CONFISCO
DE BENS - uma medida penal com efeitos civis contra a corrupção sistêmica.
1a. ed. São Paulo: R T - Revista dos Tribunais, 2016):

i) Confisco Direto ou Clássico: trata-se da perda do produto ou do


instrumento direto do crime, após sentença penal condenatória definitiva,
previsto no art. 91, alíneas “a” e “b” do Código Penal.

ii) Confisco por equivalência: perda de bens ou valores equivalentes ao


produto ou proveito do crime. Tem caráter subsidiário, uma vez que terá lugar
quando não localizados os bens ou valores diretos do crime, ou ainda quando
estes se localizarem no exterior, conforme inteligência do art. 91, § 1o do
Código Penal.

iii) Confisco por alargamento ou alargado: constrição dos valores


correspondentes à diferença valorativa dos bens patrimoniais totais do autor do
crime (lícitos mais ilícitos) e daqueles comprovadamente de origem lícita.
Nesse ponto, diante da existência de diferença entre bens licitamente declarados
e o total de bens descobertos, presume-se a ilicitude daqueles cuja
procedência não restou comprovada, autorizando, por consequência, sua
constrição. Perderá lugar o confisco se o agente comprovar a licitude integral
de todo o patrimônio. Em outras palavras, aquilo que o agente possuir a mais
do que o licitamente comprovado, será considerando de origem ilícita.

427
A Lei 13.964/2019 (Pacote Anticrime) trouxe o denominado CONFISCO
ALARGADO, de modo expresso, no artigo 91-A, do Código Penal.

ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO CÍVEL

A Lei 13.964/2019 alterou a Lei de Improbidade Administrativa para criar o


“acordo de não persecução cível” em ações do tipo.

Agora, o parágrafo 1º do artigo 17 da lei, que proibia transações com ações de


improbidade, diz: “As ações de que trata este artigo admitem a celebração de
acordo de não persecução cível, nos termos desta lei”.

Desse modo, atualmente há autorização expressa para que tanto o Ministério


Público quanto os entes lesados por atos de improbidade façam acordos com
quem os cometeu.

Ademais, a Lei 13.964/2019 acrescentou o § 10-A no art. 17 da LIA, a fim de


prever que “havendo a possibilidade de solução consensual, poderão as partes
requerer ao juiz a interrupção do prazo para a contestação, por prazo não
superior a 90 dias”.

É mais um capítulo de uma longa discussão sobre esse tipo de acordo. Em 2013,
com a aprovação da Lei Anticorrupção, foi prevista a primeira possibilidade de
acordo envolvendo atos de improbidade administrativa. Mas a lei diz
expressamente que esses acordos, chamados de acordo de leniência,

428
só podem ser tocados pela Controladoria-Geral da União ou suas contrapartes
nos estados e municípios, a depender de regulamentação local.

Mas os procuradores da “lava jato” nunca se importaram com o texto da lei e


assinaram diversos acordos de leniência com as empreiteiras investigadas na
operação. A justificativa era que a Constituição dá ao MP o poder de tocar o
inquérito civil e o Código de Processo Civil o autoriza a fazer acordos. E, como
a Lei Anticorrupção previu o acordo de leniência, o MP ficou implicitamente
autorizado.

Agora, com a Lei 13.964/2019, o acordo de não persecução cível nas ações de
improbidade administrativas passou a ser expressamente previsto na Lei
8.429/92 (LIA), embora anteriormente parte da doutrina já vinha realizando
uma interpretação lógico-sistemática das normas que combatem a corrupção, a
fim de admitir a extensão dos efeitos do acordo de leniência para a esfera de
improbidade administrativa.

MUDANÇAS NO CÓDIGO PENAL

1. NOVA MODALIDADE DE LEGÍTIMA DEFESA (art. 25, p. único,


CP): Agente de segurança pública que repele agressão contra a vítima mantida
refém. Seria o caso do sniper que, para defender a vítima mantida refém durante
assalto, atira no assaltante.

429
Essa situação já se encontrava abarcada pela legítima defesa de terceiro, no
entanto, o legislador entendeu por bem reforçar a excludente de ilicitude da
referida conduta do agente de segurança pública.

2. A MULTA SERÁ EXECUTADA PERANTE O JUIZ DA


EXECUÇÃO PENAL (art. 51, CP): A multa, embora considerada dívida de
valor, mantém seu caráter de sanção penal, sendo, portanto, executada perante
o juiz da execução penal.

3. NOVO LIMITE DE CUMPRIMENTO DA PENA PRIVATIVA DE


LIBERDADE (art. 75, CP): O limite de cumprimento de pena que antes era
de 30 anos, passou para 40 anos.
Exemplo: João foi condenado por roubo, estupro e estelionato em concurso
material de crimes – nessa situação as penas serão unificadas e o seu
cumprimento não poderá exceder a 40 anos.

4. ALTERAÇÃO DOS REQUISITOS PARA A CONCESSÃO DO


LIVRAMENTO CONDICIONAL (art. 83, CP): Foram acrescidos novos
requisitos para a obtenção do livramento condicional.
Art. 83 (...) III - comprovado: a) bom comportamento durante a execução da
pena; b) não cometimento de falta grave nos últimos 12 (doze) meses; c) bom
desempenho no trabalho que lhe foi atribuído; e d) aptidão para prover a própria
subsistência mediante trabalho honesto.

5. NOVOS EFEITOS DA CONDENAÇÃO (art. 91-A, CP): Trata-se do


confisco alargado. Esses novos efeitos da condenação tem o intuito de

430
impedir que o agente se locuplete do produto ou proveito do crime – Por vezes,
o produto ou proveito do crime não são encontrados, desta maneira o novo
efeito da condenação tem o escopo de decretar o perdimento dos bens do
indivíduo que for incompatível com a sua renda.

6. NOVAS CAUSAS IMPEDITIVAS DA PRESCRIÇÃO (art. 116, CP):


Essas novas causas devem ser analisadas em conjunto com as demais causas já
previstas no Código Penal.
Art. 116. (...) II - enquanto o agente cumpre pena no exterior; III - na pendência
de embargos de declaração ou de recursos aos Tribunais Superiores, quando
inadmissíveis; e IV - enquanto não cumprido ou não rescindido o acordo de não
persecução penal.

7. ALTERAÇÕES NO CRIME DE ROUBO (art. 157, CP): Foi acrescida a


hipótese de roubo majorado pelo emprego de arma branca. Em decorrência da
lei 13.654/2018, a arma branca deixou de configurar uma majorante, no
entanto, com o advento da lei 13.964/2019, a arma branca voltou a configurar
hipótese de roubo circunstanciado.
- roubo majorado em razão do emprego de arma branca (1/3- 1⁄2)
- roubo majorado em razão de arma de fogo (2/3)
- roubo majorado em razão do emprego de arma de fogo de uso restrito ou
proibido (2X).

8. ALTERAÇÃO NO CRIME DE ESTELIONATO (art. 171, CP):


O crime de estelionato agora, em regra, exige representação da vítima ou de
seu representante legal.

431
EXCEÇÕES : Será de ação pública incondicionada se a vítima for:
I - a Administração Pública, direta ou indireta;
II - criança ou adolescente;
III - pessoa com deficiência mental; ou
IV - maior de 70 (setenta) anos de idade ou incapaz.

9. AUMENTO NA PENA DO CRIME DE CONCUSSÃO (art. 316, CP):


A pena do crime de concussão sofria críticas por parte da doutrina em razão de
a pena máxima ser baixa (8 anos) em relação à gravidade do delito. Com esta
alteração legislativa, a pena máxima cominada em abstrato foi aumentada para
12 anos.

EXECUÇÃO DA PENA DE MULTA

O Código Penal trata da execução da pena de multa no seu artigo 50. A Lei de
Execução Penal, por sua vez, cuida do tema em seu artigo 164.

Tem prevalecido que o prazo para pagamento é aquele do artigo 164 da LEP,
que prevê o seu início apenas após a “citação” do condenado para pagar o valor
da pena de multa ou nomear bens à penhora.

É importante observar que o tema passou por uma grande mudança com a Lei
9.268/96 que, dando nova redação ao artigo 51 do Código Penal, passou a

432
determinar o tratamento da pena de multa, imposta por sentença transitada em
julgado, como dívida de valor da Fazenda Pública.

A atual redação foi dada pela Lei 13.694, de 24 de dezembro de 2019, que
passou a prever a competência do Juízo da Execução Penal:

Art. 51. Transitada em julgado a sentença condenatória, a multa


será executada perante o juiz da execução penal e será
considerada dívida de valor, aplicáveis as normas relativas à
dívida ativa da Fazenda Pública, inclusive no que concerne às
causas interruptivas e suspensivas da prescrição.

O STF decidiu, no dia 13 de agosto de 2018, modificando seu próprio


entendimento, que a legitimidade para cobrança da pena de multa é do
Ministério Público, sem prejuízo de, subsidiariamente, a Fazenda Pública
promover sua execução:

“O Tribunal, por maioria, resolveu a questão de ordem no


sentido de assentar a legitimidade do Ministério Público para
propor a cobrança de multa, com a possibilidade subsidiária de
cobrança pela Fazenda Pública, nos termos do voto do Relator,
vencidos os Ministros Marco Aurélio e Edson Fachin. Ausentes,
justificadamente, os Ministros Celso de Mello e Gilmar Mendes.
Presidência do Ministro Dias Toffoli. Plenário, 13.12.2018”.

433
Entretanto, mesmo após a modificação do entendimento do STF, o STJ tem
decidido de forma oposta:

“(…) Conforme o entendimento da Terceira Seção desta Corte, a


pena pecuniária é considerada dívida de valor e, assim, possui
caráter extrapenal, de modo que sua execução é de competência
exclusiva da Procuradoria da Fazenda Pública. (…)” (STJ, AgRg
no HC 441809/SP, Rel. Min. Ribeiro Dantas, Quinta Turma, DJe
04/06/2019).

Para tornar o assunto mais complexo, a Lei 13.694/2019 modificou o artigo 51


do Código Penal, passando a prever que a execução deve se processar no Juízo
da Execução Penal, o que parece reforçar a legitimidade do Ministério Público
e afastar a da Procuradoria da Fazenda, ao menos após o início da sua vigência,
prevista para 30 dias após a publicação:

Art. 51. Transitada em julgado a sentença condenatória, a multa


será executada perante o juiz da execução penal e será
considerada dívida de valor, aplicáveis as normas relativas à
dívida ativa da Fazenda Pública, inclusive no que concerne às
causas interruptivas e suspensivas da prescrição.

ALTERAÇÕES NO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL

434
JUIZ DAS GARANTIAS

ATENÇÃO: A eficácia do Juiz de Garantias foi SUSPENSO, por tempo


indeterminado (“sine die”) pelo Supremo Tribunal Federal (Ministro Luiz Fux)
na ADI 6.299/DF.

O juiz das garantias atuará durante a investigação penal e será responsável por,
em conjunto com a autoridade policial, observar os direitos individuais do
investigado.

As medidas cautelares no curso da investigação serão direcionadas ao juiz das


garantias, como exemplo da representação para a decretação da prisão
preventiva.

Além disso, competirá ao juiz das garantias analisar eventuais habeas corpus
em favor do investigado antes do oferecimento da denúncia.

Importante destacar que o juiz das garantias não atuará nas infrações de
menor potencial ofensivo.

É importante consignar, ainda, que foi adotado de forma expressa o sistema


processual penal acusatório.

De acordo com o doutrinador Rogério Sanches, na sistemática que antecedeu a


Lei 13.964/19, a regra de competência ia no sentido diametralmente oposto,
isto é, o juiz da investigação tornava-se prevento para prosseguir no feito até

435
final julgamento (arts. 75, parágrafo único, e 83 do CPP). E, que o juiz que
julgará o caso – juiz de instrução – somente terá contato com o resultado da
investigação depois de oferecida e recebida a inicial acusatória. A ideia que
permeia a criação do instituto do juiz das garantias é a de distanciar o juiz de
instrução da fase anterior, o que, acredita-se, lhe dará maior imparcialidade.

Em suma, com a nova estrutura, instala-se verdadeira separação entre as


funções judiciais ligadas à investigação e ao processo.

Observe-se, contudo, que no sistema acusatório, mesmo o juiz das garantias


não deve imiscuir-se na fase investigatória, senão quando necessária a sua
intervenção, sempre provocada pelos órgãos que atuam na investigação. O juiz
das garantias não é um juiz investigador.

Insta salientar que no art. 3º-B, §2º - nota-se a impropriedade do emprego da


expressão relaxada, uma vez que somente a prisão ilegal é relaxada. Nesse caso
a prisão é prorrogada em razão da necessidade da investigação, trata-se,
portanto, de hipótese legal de prisão. Assim, não sendo possível a conclusão da
investigação no prazo, a prisão deverá ser revogada e não relaxada. A prisão
apenas tornar-se-á ilegal e, consequentemente, passível de relaxamento, se não
for revogada imediatamente após o decurso do prazo.

Além disso, destaca-se que o art. 10, CPP, determina a conclusão do inquérito
para o acusado preso em 10 dias, sem possibilidade de prorrogação. O art. 3º-
B, §2º, por sua vez, determina a conclusão em 15 dias, admitindo uma

436
prorrogação. Para Rogério Sanches, pelo princípio da posterioridade, deve
prevalecer essa última norma.

NOMEAÇÃO DE DEFENSOR PARA OS AGENTES DE SEGURANÇA


PÚBLICA

Em casos que envolvam o uso da força letal e os agentes de segurança pública,


assim como os agentes das Forças Armadas, o legislador entendeu que deverá
obrigatoriamente haver o acompanhamento da investigação ou demais
procedimentos extrajudiciais por defensor constituído ou indicado pela
instituição a que integra.

ALTERAÇÕES NA REGRA DO ARQUIVAMENTO DO INQUÉRITO


POLICIAL

ATENÇÃO: A eficácia do novo art. 28 do CPP foi SUSPENSO, por tempo


indeterminado (“sine die”) pelo Supremo Tribunal Federal (Ministro Luiz Fux)
na ADI 6.299/DF.

O arquivamento do Inquérito Policial agora passará por uma revisão


ministerial, após realizado o pedido de arquivamento pelo Ministério Público.

Nota-se, portanto, que o magistrado não tem mais o poder de decisão sobre o
arquivamento ou não do inquérito policial. Agora, o arquivamento é
ordenado diretamente pelo Ministério Público.

437
Salienta-se que a vítima será comunicada acerca do pedido de arquivamento
pelo Ministério Público e caso ela discorde, poderá submeter a matéria à revisão
da instância competente do MP.

É possível averiguar, desse modo, que a vítima ou se representante legal


podem RECORRER da ordem de arquivamento, no prazo de 30 dias,
contados do recebimento da comunicação (diferentemente do que ocorria antes
do Pacote Anticrime).

ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL

O acordo de não persecução penal era definido pela Resolução 181/2017 do


Conselho Nacional do Ministério Público.

Com o advento da lei 13.964/2019 o acordo de não persecução penal passou a


ser regulado expressamente no CPP.

Mediante o cumprimento de determinadas condições pelo investigado, o


Ministério Público poderá deixar de prosseguir com a persecução penal acerca
do fato delitivo supostamente praticado pelo agente (nítida exceção ao princípio
da obrigatoriedade).

Para que o agente se beneficie deste acordo de não persecução penal deverão
ser observados alguns requisitos (não ter cometido infração penal com
violência ou grave ameaça, pena mínima do delito ser inferior a quatro anos,

438
dentre outras) e o investigado deverá se submeter a determinadas condições
(reparar o dano, prestar serviços a comunidade, dentre outras).

Não é possível o acordo de não persecução penal nas seguintes hipóteses


(expressamente previstas no CPP):
I - se for cabível transação penal de competência dos Juizados Especiais
Criminais, nos termos da lei;
II - se o investigado for reincidente ou se houver elementos probatórios que
indiquem conduta criminal habitual, reiterada ou profissional, exceto se
insignificantes as infrações penais pretéritas;
III - ter sido o agente beneficiado nos 5 (cinco) anos anteriores ao
cometimento da infração, em acordo de não persecução penal, transação penal
ou suspensão condicional do processo; e
IV - nos crimes praticados no âmbito de violência doméstica ou familiar, ou
praticados contra a mulher por razões da condição de sexo feminino, em favor
do agressor.

Por fim, salienta-se que o descumprimento do acordo de não persecução penal


pelo investigado também poderá ser utilizado pelo Ministério Público como
justificativa para o eventual não oferecimento de suspensão condicional do
processo.

ALTERAÇÕES NAS MEDIDAS ASSECURATÓRIAS

De maneira resumida:

439
a) Ocorreu a revogação do parágrafo único do artigo 122 do Código de
Processo Penal, sendo que antes da aludida alteração o valor era
destinado ao Tesouro Nacional. Atualmente, após o Pacote Anticrime, o
valor apurado com a alienação das coisas apreendidas será destinado ao
Fundo Penitenciário Nacional.

b) Outra alteração importante, com o Pacote Anticrime, consiste no fato de


os bens que possuírem relevante valor artístico ou cultural serão
destinados a museus públicos (Art. 124-A. Na hipótese de decretação de
perdimento de obras de arte ou de outros bens de relevante valor
cultural ou artístico, se o crime não tiver vítima determinada, poderá
haver destinação dos bens a museus públicos).

c) O Ministério Público passou a se tornar mais um legitimado para


requerer ao juiz a avaliação e venda dos bens cujo perdimento tivesse
sido decretado após a sentença transitada em julgado, nos termos do
artigo 133 do CPP (Art. 133. Transitada em julgado a sentença
condenatória, o juiz, de ofício ou a requerimento do interessado ou do
Ministério Público, determinará a avaliação e a venda dos bens em
leilão público cujo perdimento tenha sido decretado).

d) O artigo 133-A inovou ao permitir que os bens sequestrados,


apreendidos ou sujeitos às medidas assecuratórias possam ser utilizados
pelos órgãos de segurança pública (ATENÇÃO para as carreiras
policiais!!).

440
DAS PROVAS CONSIDERADAS ILÍCITAS

Importante alteração que ocorreu no artigo 157 do CPP se refere ao fato de que
o juiz que tomar contato com a prova ilícita não poderá julgar a ação em que
essa ilicitude tenha sido reconhecida (é a denominada TEORIA DA
DESCONTAMINAÇÃO DO JULGADO).

Essa disposição rompe com o entendimento dos Tribunais Superiores que


entendiam pela desnecessidade de afastamento do magistrado que tivesse
contato com a prova ilícita, bastando que essa fosse desentranhada e inutilizada.
Resgata a previsão constante do §4º, vetado, em razão da justificativa da
celeridade e simplicidade que a reforma de 2008 visava imprimir ao processo
penal.

O legislador entendeu que o magistrado que tenha tido contato com a prova
ilícita tem sua parcialidade afetada de forma que não poderá mais prosseguir
com o julgamento da ação.

CADEIA DE CUSTÓDIA

A definição de cadeia de custódia já decorria de uma construção doutrinária,


como o processo de documentar a história cronológica da evidência, esse
processo visa a garantir o rastreamento das evidências utilizadas em processos
judiciais, registrar quem teve acesso ou realizou o manuseio desta evidência.

441
No que diz respeito à preservação das informações coletadas a cadeia de
custódia possibilita documentar a cronologia das evidências, quem foram os
responsáveis por seu manuseio, garantir a inviolabilidade do material, lacrar as
evidências, restringir acesso, tudo isso visando à perda da confiança do
elemento (com)probatório, seja em qual área for.

No processo penal, por envolver instrumento processual que pode culminar


com a restrição da liberdade de locomoção do cidadão, o tema preservação das
fontes de prova ganha ainda maior importância e, nesse contexto, a preservação
da cadeia de custódia probatória segue mesma sorte. A sua preservação, em
verdade, é erigida a verdadeira “condição de validade da prova”.

Para o doutrinador Rogerio Sanches, a cadeia de custódia compreende a


sistematização de procedimentos que objetivam a preservação da prova
pericial. E, a inobservância dos procedimentos não implica em inexistência ou
ilegalidade da prova, tendo reflexos na sua autenticidade.

Segundo Renato Brasileirom a consequência da quebra da cadeia de custódia


(break on the chain of custody), sem dúvida, deve ser a proibição de valoração
probatória com a consequente exclusão física dela e de toda a derivada, com o
consequente desentranhamento da aludida prova.

Ademais, no âmbito jurisprudencial podemos citar o seguinte informativo com


a definição de cadeia de custódia:

442
A cadeia de custódia da prova consiste no caminho que deve ser
percorrido pela prova até a sua análise pelo magistrado, sendo
certo que qualquer interferência indevida durante esse trâmite
processual pode resultar na sua imprestabilidade (STJ. 5ª Turma.
RHC 77.836/PA, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em
05/02/2019).

Após o advento do Pacote Anticrime, sua definição e regulamentação passaram


a constar expressamente no Código de Processo Penal, senão vejamos:

Art. 158-A. Considera-se cadeia de custódia o conjunto de todos


os procedimentos utilizados para manter e documentar a história
cronológica do vestígio coletado em locais ou em vítimas de
crimes, para rastrear sua posse e manuseio a partir de seu
reconhecimento até o descarte.

Portanto, a cadeia de custódia (mecanismo que garante a autenticidade das


provas já coletadas e examinadas), que já vinha sendo reconhecida pela
doutrina e jurisprudência, com o Pacote Anticrime passou a ser
regulamentada e conceituada expressamente no CPP.

Por fim, foi sedimentado em lei o conceito de vestígio (Art. 158-A, parágrafo
3º do CPP: Vestígio é todo objeto ou material bruto, visível ou latente,
constatado ou recolhido, que se relaciona à infração penal).

443
MEDIDAS CAUTELARES

Foram alteradas algumas disposições acerca das medidas cautelares (Artigo


282 do CPP).

Essas alterações deverão ser lidas em conjunto com o artigo 282, caput, incisos
I e II e parágrafo 1º do CPP – esses dispositivos não foram alterados.

De acordo com a antiga legislação, o juiz podia decretar as medidas cautelares


de ofício durante a ação penal. Ressalta-se, entretanto, que para parte da
doutrina essa disposição violava o sistema processual penal acusatório.

No entanto, com o Pacote Anticrime, o juiz não poderá mais decretar medidas
cautelares de ofício durante a ação penal (Art. 282. § 2º As medidas cautelares
serão decretadas pelo juiz a requerimento das partes ou, quando no curso da
investigação criminal, por representação da autoridade policial ou mediante
requerimento do Ministério Público).

Outrossim, foi reforçada a excepcionalidade da prisão preventiva por meio de


justificação fundamentada de acordo com os elementos do caso concreto e de
forma individualizada.

O artigo 283 do CPP também teve sua redação alterada: substituíram-se as


expressões “prisão temporária” e “prisão preventiva” pelo termo “prisão
cautelar”.

444
PRISÃO SEM EXIBIÇÃO DE MANDADO

O artigo 287 do CPP já previa que nas infrações penais de natureza


inafiançável, a falta do mandado não obstaria a prisão.

Com a nova redação do artigo 287, após a realização da prisão, em tal situação
deverá ser apresentado o preso imediatamente ao juiz para a realização da
audiência de custódia.

PRISÃO EM FLAGRANTE

Após a realização da prisão em flagrante, o juiz deverá realizar a audiência de


custódia dentro do prazo de 24 horas. Essa previsão já constava na resolução
n. 213/2015 do CNJ e, atualmente, com o Pacote Anticrime, passa a constar
diretamente no CPP.

Observações:

1. Voltam a vigorar hipóteses de LIBERDADE PROVISÓRIA PROIBIDA


(denominação dada por Renato Brasileiro), conforme se desprende do
parágrafo 2º do artigo 310 do CPP (§ 2º Se o juiz verificar que o agente é
reincidente ou que integra organização criminosa armada ou milícia, ou
que porta arma de fogo de uso restrito, deverá denegar a liberdade provisória,
com ou sem medidas cautelares).

445
Diante das hipóteses que constam no dispositivo supramencionado, o juiz
deverá denegar a liberdade provisória.

2. Se a audiência de custódia não for realizada dentro do prazo de 24 horas, a


prisão em flagrante será considerada ilegal (“Art. 310. § 4º Transcorridas 24
(vinte e quatro) horas após o decurso do prazo estabelecido no caput deste
artigo, a não realização de audiência de custódia sem motivação idônea ensejará
também a ilegalidade da prisão, a ser relaxada pela autoridade competente,
sem prejuízo da possibilidade de imediata decretação de prisão preventiva”).
ATENÇÃO: A eficácia deste dispositivo que determina o relaxamento da
prisão pela inobservância do prazo para a realização da audiência de custódia
foi SUSPENSA, por tempo indeterminado (“sine die”) pelo Supremo Tribunal
Federal (Ministro Luiz Fux) na ADI 6.299/DF.

PRISÃO PREVENTIVA

Com o Pacote Anticrime, a prisão preventiva mais não poderá ser decretada de
ofício pelo juiz durante a ação penal, salvo na hipótese do artigo 316 do CPP
(somente poderá o juiz revogar de ofício a prisão preventiva se faltarem
motivos para que subsista ou decretá-la novamente no caso de sobrevierem
motivos que a justifiquem).

Art. 316. O juiz poderá, de ofício ou a pedido das partes, revogar


a prisão preventiva se, no correr da investigação ou do processo,

446
verificar a falta de motivo para que ela subsista, bem como
novamente decretá-la, se sobrevierem razões que a justifiquem.

O parágrafo único do art. 316 trouxe a obrigatoriedade de o magistrado que


decretar a prisão preventiva realizar a REVISÃO da necessidade de sua
manutenção a cada 90 dias. Vejamos:

Parágrafo único. Decretada a prisão preventiva, deverá o órgão


emissor da decisão revisar a necessidade de sua manutenção a
cada 90 (noventa) dias, mediante decisão fundamentada, de
ofício, sob pena de tornar a prisão ilegal.

Ademais, o CPP passou a prever, expressamente, que não será admitida a


utilização da prisão preventiva como forma de antecipar o cumprimento
da pena e nem decorrerá de forma imediata em razão de investigação ou
ação penal em curso. Dessa maneira, a sua aplicação deverá ser sempre
fundamentada.

Outrossim, nessa mesma linha, o artigo 315, parágrafo 2º do CPP apresenta um


rol de situações em que a prisão preventiva não é considerada fundamentada,
vejamos:

§ 2º Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial,


seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que:

447
I - limitar-se à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato
normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão
decidida;
II - empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o
motivo concreto de sua incidência no caso;
III - invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra
decisão;
IV - não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo
capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador;
V - limitar-se a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem
identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que
o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos;
VI - deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou
precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de
distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento.

Por fim, salienta-se que o art. 312 incluiu uma nova hipótese de prisão
preventiva: perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado (Art. 312.
A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da
ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a
aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício
suficiente de autoria e de perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado).

448
PRISÃO APÓS SENTENÇA CONDENATÓRIA DO JÚRI

A redação do antigo artigo 492, inciso I, alínea “e” apenas trazia a previsão da
possibilidade de prisão preventiva após a sentença condenatória do júri.

Com a nova redação, além da prisão preventiva, agora há a possibilidade de


o juiz determinar a EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA quando o réu
for condenado a pena igual ou superior a 15 anos.

O artigo 492, parágrafo 4º reforça que a regra será a execução provisória da


pena e excepcionalmente o recurso terá efeito suspensivo.

OBS: Destaca-se que conforme a jurisprudência recente do STF não mais se


admite a execução provisória da pena. Embora esse dispositivo restrinja a
execução provisória da pena apenas para os crimes dolosos contra a vida
(submetidos a júri), com certeza será alvo de intenso debate doutrinário e
jurisprudencial.

DAS NULIDADES

Com o advento da lei 13.964/2019 foi acrescido no CPP uma nova hipótese de
nulidade, qual seja: a decisão carente de fundamentação.

Em verdade, nota-se que o legislador apenas realizou a adequação da nova


hipótese de nulidade com o já previsto na Constituição Federal, no artigo 93,
inciso IX: “todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão

449
públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a
lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus
advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à
intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à
informação”.

DO RECURSO EM SENTIDO ESTRITO

Com o advento do acordo de não persecução penal (agora previsto


expressamente no CPP), o legislador adicionou mais uma hipótese de
cabimento do recurso em sentido estrito (RESE), qual seja: a recusa de
homologação à proposta de acordo de não persecução penal.

Apenas a título de complementação, salienta-se que o rol de hipóteses de


cabimento do RESE, previsto no artigo 581 do CPP, é exaustivo (taxativo). A
doutrina majoritária, entretanto, vem entendendo pela admissibilidade da
interpretação extensiva.

RECURSO EXTRAORDINÁRIO E RECURSO ESPECIAL

De acordo com a nova redação do artigo 638 do CPP (Art. 638. O recurso
extraordinário e o recurso especial serão processados e julgados no Supremo
Tribunal Federal e no Superior Tribunal de Justiça na forma estabelecida por
leis especiais, pela lei processual civil e pelos respectivos regimentos internos),
o processamento e julgamento do recurso extraordinário e do

450
recurso especial serão regulamentados não tão somente por regimento interno,
mas também por leis especiais e a lei processual civil.

ALTERAÇÕES NA LEI DE EXECUÇÃO PENAL

IDENTIFICAÇÃO DE PERFIL GENÉTICO

A identificação do perfil genético já havia previsão na Lei de Execução Penal


antes da lei 13.964/2019, no entanto foram acrescidas novas disposições para
regulamentar o referido procedimento.

Cumpre relembrar que somente incidirá a identificação do perfil genético para


aqueles que forem condenados por crimes dolosos praticados com violência de
natureza grave contra a pessoa OU condenados pela prática de crime hediondo.

NOVA HIPÓTESE DE FALTA GRAVE

Foi adicionada uma nova hipótese de falta grave no rol do artigo 50 da Lei de
Execução Penal: A recusa do preso a se submeter ao procedimento de
identificação do perfil genético.

REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO

451
O regime disciplinar diferenciado (RDD) é uma sanção disciplinar aplicada
para:

a) Os presos que praticam fato previsto como crime doloso e quando


ocasione subversão da ordem ou disciplina internas;
b) Os presos sobre os quais recaiam fundadas suspeitas de envolvimento
em organização criminosa, associação criminosa ou milícia privada; ou
c) Os presos que apresentem alto risco para a ordem e a segurança do
estabelecimento penal ou da sociedade.

Observações:

1. Aplica-se para preso provisório ou condenado, nacionais ou estrangeiros.

2. Foram alteradas as características do RDD. Dentre as alterações efetuadas,


pode ser citada a duração do RDD, que passou a ser de 2 anos, podendo ser
prorrogado sucessivamente, por períodos de 1 ano nas situações do preso
estiver envolvido com organização criminosa, associação criminosa ou milícia
privada ou se ele apresentar alto risco para a ordem e a segurança do
estabelecimento penal ou da sociedade

Art. 52. A prática de fato previsto como crime doloso constitui


falta grave e, quando ocasionar subversão da ordem ou disciplina
internas, sujeitará o preso provisório, ou condenado, nacional ou
estrangeiro, sem prejuízo da sanção penal, ao

452
regime disciplinar diferenciado, com as seguintes características:
I - duração máxima de até 2 (dois) anos, sem prejuízo de
repetição da sanção por nova falta grave de mesma espécie;
II - recolhimento em cela individual;
III - visitas quinzenais, de 2 (duas) pessoas por vez, a serem
realizadas em instalações equipadas para impedir o contato físico
e a passagem de objetos, por pessoa da família ou, no caso de
terceiro, autorizado judicialmente, com duração de 2 (duas)
horas;
IV - direito do preso à saída da cela por 2 (duas) horas diárias
para banho de sol, em grupos de até 4 (quatro) presos, desde que
não haja contato com presos do mesmo grupo criminoso;
V - entrevistas sempre monitoradas, exceto aquelas com seu
defensor, em instalações equipadas para impedir o contato físico
e a passagem de objetos, salvo expressa autorização judicial em
contrário;
VI - fiscalização do conteúdo da correspondência;
VII - participação em audiências judiciais preferencialmente por
videoconferência, garantindo-se a participação do defensor no
mesmo ambiente do preso.

Ademais, existindo indícios de que o preso exerce liderança em organização


criminosa, associação criminosa ou milícia privada, ou que tenha atuação
criminosa em 2 (dois) ou mais Estados da Federação, o regime disciplinar

453
diferenciado será obrigatoriamente cumprido em estabelecimento prisional
federal.

PROGRESSÃO DE REGIME

Para que o preso seja beneficiado com a progressão de regime, faz-se necessária
a observância de requisitos objetivos e subjetivos.

Os requisitos objetivos correspondem às frações de pena que o condenado


deverá cumprir para ser beneficiado com a progressão de regime, enquanto o
requisito subjetivo corresponde à demonstração de bom comportamento
carcerário.

O candidato deverá se manter atento com as alterações referentes às frações de


pena que o preso deverá cumprir para ser beneficiado com a progressão de
regime – essas frações serão exaustivamente cobradas em concurso. Perceba
que há uma variação dessa fração de acordo com a gravidade do crime
praticado.

I - 16% (dezesseis por cento) da pena, se o apenado for primário e o crime tiver
sido cometido sem violência à pessoa ou grave ameaça;

II - 20% (vinte por cento) da pena, se o apenado for reincidente em crime


cometido sem violência à pessoa ou grave ameaça;

III - 25% (vinte e cinco por cento) da pena, se o apenado for primário e o crime
tiver sido cometido com violência à pessoa ou grave ameaça;

IV - 30% (trinta por cento) da pena, se o apenado for reincidente em crime


cometido com violência à pessoa ou grave ameaça;

V - 40% (quarenta por cento) da pena, se o apenado for condenado pela prática

454
de crime hediondo ou equiparado, se for primário;

VI - 50% (cinquenta por cento) da pena, se o apenado for:

a) condenado pela prática de crime hediondo ou equiparado, com resultado


morte, se for primário, vedado o livramento condicional;

b) condenado por exercer o comando, individual ou coletivo, de organização


criminosa estruturada para a prática de crime hediondo ou equiparado; ou

c) condenado pela prática do crime de constituição de milícia privada;

VII - 60% (sessenta por cento) da pena, se o apenado for reincidente na prática
de crime hediondo ou equiparado;

VIII - 70% (setenta por cento) da pena, se o apenado for reincidente em crime
hediondo ou equiparado com resultado morte, vedado o livramento condicional.

Observações:

1. Quanto ao livramento condicional, este será vedado para o preso, primário


ou reincidente, que cometer crime hediondo ou equiparado com resultado
morte.

2. O tráfico privilegiado não é considerado crime hediondo (Artigo 33,


parágrafo 4º da lei 11.343/2006). Salienta-se que este já era o entendimento dos
Tribunais Superiores, agora sedimentado em lei.

3. Cometimento de falta grave interrompe o prazo para a progressão de regime.


Observa-se que a súmula de jurisprudência do STJ nº 534 já trazia previsão
nesse sentido.

SAÍDA TEMPORÁRIA

455
Será vedada a saída temporária para os condenados pela prática de crimes
hediondos ou equiparados com resultado morte: mais uma vez o legislador
demonstrou que os crimes dessa natureza serão tratados com maior severidade.

Art. 122. (...) § 1º( ...) § 2º Não terá direito à saída temporária a
que se refere o caput deste artigo o condenado que cumpre pena
por praticar crime hediondo com resultado morte.

ALTERAÇÕES NA LEI DE ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA

EXECUÇÃO DA PENA

Foi inserido o parágrafo 8º e 9º, no artigo 2º na lei 12.850/2013. O parágrafo


8o dispõe que os líderes da organização criminosa armada deverão iniciar o
cumprimento em estabelecimento penal de segurança máxima. Ademais, o
parágrafo 9o restringe alguns benefícios da execução penal enquanto o
indivíduo se mantiver vinculado à organização criminosa.

Art. 2o (...) § 8o As lideranças de organizações criminosas


armadas ou que tenham armas à disposição deverão iniciar o
cumprimento da pena em estabelecimentos penais de segurança
máxima.
§ 9o O condenado expressamente em sentença por integrar
organização criminosa ou por crime praticado por meio de

456
organização criminosa não poderá progredir de regime de
cumprimento de pena ou obter livramento condicional ou outros
benefícios prisionais se houver elementos probatórios que
indiquem a manutenção do vínculo associativo.

COLABORAÇÃO PREMIADA

A colaboração premiada, na lei 12.850/2013, consiste em um meio de obtenção


de prova que visa conceder um prêmio legal ao agente colaborador que prestar
declarações que auxiliem no desmantelamento da organização criminosa, seja
auxiliando na identificação dos demais membros da organização criminosa,
localizando o proveito do crime, revelando a estrutura da organização
criminosa, dentre outros resultados previstos mencionada na lei.

Principais alterações:

A) O artigo 3o-A passou a sedimentar o entendimento doutrinário e


jurisprudencial acerca da natureza jurídica da colaboração premiada:
natureza de negócio jurídico e meio de obtenção de prova.

B) Quanto ao prêmio legal de o Ministério Público deixar de oferecer a


denúncia (ACORDO DE IMUNIDADE), foi acrescido um requisito
legal: tratar sobre infração penal cuja existência não se tinha prévio
conhecimento. Desta maneira, percebe-se que são requisitos para que o
agente possa se beneficiar desse prêmio: não ser líder da organização

457
criminosa, ser o primeiro a prestar a colaboração e prestar colaboração
sobre existência de infração penal que não se tinha prévio conhecimento.

C) A análise judicial da colaboração premiada recairá sobre:


• Regularidade e legalidade da colaboração
• A voluntariedade da manifestação de vontade do colaborador
• Adequação dos resultados e dos benefícios

D) Passa a ser direito do agente colaborador: cumprir pena ou PRISÃO


CAUTELAR em estabelecimento diverso dos corréus delatados.

E) As declarações do agente colaborador não poderão por si só


fundamentar: a condenação, a decretação de medidas cautelares, o
recebimento de denúncia ou queixa.

INFILTRAÇÃO VIRTUAL DE AGENTES POLICIAIS

A infiltração virtual de agentes policiais, na lei 12.850/2013, consiste em um


meio de obtenção de prova em que o agente policial disfarçado passa a integrar
organização criminosa, se valendo do meio virtual (internet), para que possa
reunir informações sobre a prática de delitos e sobre a organização criminosa,
auxiliando assim seu desmantelamento.

Cumpre destacar que o Estatuto da Criança e do Adolescente também prevê no


artigo 190-A ao artigo 190-E a infiltração virtual de agentes policiais. A lei

458
13.964/2019 regulamentou a referida técnica especial de investigação na lei
12.850/2013.

Art. 10-A. Será admitida a ação de agentes de polícia infiltrados


virtuais, obedecidos os requisitos do caput do art. 10, na internet,
com o fim de investigar os crimes previstos nesta Lei e a eles
conexos, praticados por organizações criminosas, desde que
demonstrada sua necessidade e indicados o alcance das tarefas
dos policiais, os nomes ou apelidos das pessoas investigadas e,
quando possível, os dados de conexão ou cadastrais que permitam
a identificação dessas pessoas.

§ 4o A infiltração será autorizada pelo prazo de até 6 (seis) meses,


sem prejuízo de eventuais renovações, mediante ordem judicial
fundamentada e desde que o total não exceda a 720 (setecentos e
vinte) dias e seja comprovada sua necessidade.

Insta salientar que na infiltração virtual do ECA o prazo é diferente. Nos termos
do artigo. 190-A, inciso III, o prazo não poderá exceder a 90 (noventa) dias,
sem prejuízo de eventuais renovações, desde que o total não exceda a 720
(setecentos e vinte) dias e seja comprovada a efetiva necessidade.

ALTERAÇÕES NA LEI DE CRIMES HEDIONDOS

459
ROL DOS CRIMES HEDIONDOS

Primeiramente, salienta-se que prevalece na doutrina que o rol de crimes


hediondos previsto no artigo 1º da lei 8.072/90 constitui rol taxativo. Por esse
motivo a doutrina brasileira preceitua que foi adotado o sistema legal para se
definir o crime hediondo. Desse modo, incumbe ao legislador definir o que é
crime hediondo, e não o magistrado.

Com o advento da lei 13.964/2019 foram acrescidas algumas infrações penais


no rol de crimes hediondos, como o roubo circunstanciado pela restrição da
vítima (sequestro relâmpago), colocando fim na discussão doutrinária acerca
da hediondez do delito. Além disso, foram acrescentados outros crimes, como
o furto qualificado pelo emprego de explosivo, dentre outras.

Um detalhe importante: Como se trata de novatio legis in pejus, apenas poderão


ser assim considerados os crimes cometidos após a entrada em vigor da nova
lei.

É possível averiguar que o legislador, mais uma vez, perde a oportunidade de


elencar como hediondos os crimes de racismo, tráfico de pessoas e redução a
condição análoga à de escravo, crimes de inquestionável gravidade e
hediondez.

Insta salientar que, para Rogério Sanches, essa lei altera o Estatuto do
Desarmamento para diferenciar arma de uso restrito e de uso proibido.

460
Ademais, altera o rol da lei dos crimes hediondos para prever como tal a posse
ou porte de arma de fogo de uso proibido.

Agora, apenas a de uso PROIBIDO será considerada como crime


hediondo, caracterizando novatio legis in melius, pois antes da alteração a
posse ou o porte de arma de fogo de uso RESTRITO era classificada como
crime hediondo.

Além disso, outra observação pontuada pelo professor Rogerio Sanches é que
o legislador contemplou como hediondo o crime de FURTO qualificado
pelo emprego de explosivo, mas deixou de trazer igual previsão para o roubo
cometido nas mesmas circunstâncias, ferindo demasiadamente a razoabilidade
e proporcionalidade.

Destaca-se que por integrarem o rol de crimes hediondos, a eles serão aplicadas
as regras da prisão temporária em conformidade com o artigo 2º, parágrafo 4º
da lei 8.072/1990.

Com o Pacote Anticrime, passaram a integrar também o rol de crimes


hediondos:
a. O crime de organização criminosa.
b. Roubo circunstanciado pelo uso de arma de fogo.
c. Roubo circunstanciado pelo uso de arma de fogo proibido ou
restrito.
d. Roubo circunstanciado pela restrição da liberdade da vítima.
e. Roubo qualificado pela lesão grave.

461
f. Comércio ilegal de armas de fogo e o tráfico internacional de armas
de fogo.
g. Furto qualificado pelo emprego de explosivo OU de artefato
análogo que cause perigo comum.
h. Extorsão qualificada pela restrição de liberdade da vítima
(sequestro relâmpago).
i. Crime de posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso proibido.

REVOGAÇÃO DA REGRA SOBRE PROGRESSÃO DE REGIME

Antes, a lei dos crimes hediondos estipulava fração diferenciada a ser cumprido
pelo preso que cometesse crime hediondo ou equiparado para que fosse
beneficiado com a progressão de regime (quais sejam: 2/5 se primário e 3/5 se
reincidente).

Com o Pacote Anticrime, entretanto, o dispositivo que fazia essa previsão foi
revogado, uma vez que agora a Lei de Execução Penal passou a tratar sobre
a progressão de regimes para os crimes de natureza hedionda ou
equiparada.

ALTERAÇÕES NA LEI DE INTERCEPTAÇÃO


TELEFÔNICA

CAPTAÇÃO AMBIENTAL

462
A Lei de Organização Criminosa já previa a captação ambiental como meio de
obtenção de prova e, agora, a aludida técnica especial de investigação está
prevista e regulamentada na lei de interceptação telefônica (lei 9296/1998).

São requisitos da captação ambiental:


A) A prova não puder ser obtida por outros meios (subsidiariedade do
meio de obtenção de prova);
B) Elementos probatórios de autoria ou participação;
C) Infração penal com pena máxima superior a 4 anos ou infrações
penais conexas;
D) Autorização judicial

A captação ambiental não poderá exceder a 15 dias, podendo ser prorrogada


sucessivamente por iguais períodos, desde que indispensável a prorrogação e
se trate de atividade criminosa permanente, habitual ou continuada.

Art. 8-A. § 3º A captação ambiental não poderá exceder o prazo


de 15 (quinze) dias, renovável por decisão judicial por iguais
períodos, se comprovada a indispensabilidade do meio de prova e
quando presente atividade criminal permanente, habitual ou
continuada.

Ademais, foi criado novo tipo penal consistente na realização de captação


ambiental sem autorização judicial:

463
Art. 10-A. Realizar captação ambiental de sinais
eletromagnéticos, ópticos ou acústicos para investigação ou
instrução criminal sem autorização judicial, quando esta for
exigida:
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.
§ 1º Não há crime se a captação é realizada por um dos
interlocutores.
§ 2º A pena será aplicada em dobro ao funcionário público que
descumprir determinação de sigilo das investigações que
envolvam a captação ambiental ou revelar o conteúdo das
gravações enquanto mantido o sigilo judicial.

ALTERAÇÕES NA LEI DE LAVAGEM DE CAPITAIS

AÇÃO CONTROLADA E INFILTRAÇÃO DE AGENTES

Com o Pacote Anticrime, a ação controlada e a infiltração de agentes passam a


ser meios de obtenção de prova à disposição dos órgãos responsáveis pela
persecução penal, no que se refere aos crimes de lavagem de capitais.

Esses meios de obtenção de prova já estão previstos, dentre outras leis, na Lei
12.850/2013 (Lei de Organização Criminosa) e na Lei 11.343/2006 (Lei de
Drogas).

464
Insta salientar que a ação controlada é também denominada de flagrante
retardado ou diferido, uma vez que os agentes policiais deixam de realizar o
flagrante no momento da prática da infração penal para realizá-lo em momento
mais oportuno para obtenção de provas.

Na infiltração de agentes, os agentes policiais passam a integrar o grupo


criminoso com intuito de reunir provas acerca das práticas dos ilícitos penais.

ALTERAÇÕES NO ESTATUTO DO DESARMAMENTO

O Estatuto do Desarmamento teve diversas alterações com o Pacote Anticrime,


vejamos:

Agora há penas diferentes para aqueles que portam arma de fogo de uso restrito
daqueles que portam arma de fogo de uso proibido, sendo o porte de arma de
fogo de uso PROIBIDO mais grave (hediondo).

A definição de arma de uso restrito e proibido foi dada pelo decreto n.


9.847/2019, respectivamente no artigo 2º, inciso II e III.

Além disso, foi aumentada a pena do crime de comércio ilegal de armas de


fogo e do crime de tráfico internacional de arma de fogo.

465
Ademais, foi criada uma figura equiparada ao crime de comércio ilegal de
arma de fogo e ao tráfico internacional de armas (artigo 17, parágrafo 2º e artigo
18, parágrafo único, ambos da lei 10.826/2003).

Foi adicionada mais uma causa de aumento de pena no artigo 20 da lei


10.826/2003: o reincidente específico.

Salienta-se, ainda, a criação, com o Pacote Anticrime, do Banco Nacional de


Perfis Balísticos. No entanto, como se trata de novatio legis in pejus, as
disposições são aplicáveis apenas aos crimes cometidos após a vigência da nova
lei.

AGENTE POLICIAL DISFARÇADO: Trata-se de nova figura prevista no


ordenamento jurídico brasileiro.

De acordo com o doutrinador Rogerio Sanches, à luz das normas contidas na


Lei 13.964/2019, pode-se esboçar a definição de agente disfarçado como aquele
que, ocultando sua real identidade, posiciona-se com aparência de um cidadão
comum (não chega a infiltrar-se no grupo criminoso) e, partir disso, coleta
elementos que indiquem a conduta criminosa preexistente do sujeito ativo.

O agente disfarçado, ora em estudo, não se insere no seio do ambiente


criminoso e tampouco macula a voluntariedade na conduta delitiva do autor dos
fatos.

466
Verifica tratar-se de outra espécie de técnica especial de investigação e atuação
policial, utilizável em situações peculiares e que reclamam uma sofisticação
operacional intermediária, situada entre uma simples campana policial e uma
infiltração policial/ação controlada.

Além do relativo grau de expertise, notabilizado pela habilidade de atuar


descaracterizado de forma a permitir a coleta de provas do crime e de sua
autoria, sem, entretanto, interferir em seu curso causal.

Assim, ainda que o agente policial tenha uma pequena participação na cadeia
causal da conduta criminosa, resta afastado o crime impossível porque,
doravante, a norma penal erigiu como nova hipótese normativa (suporte fático)
uma conduta que produz um resultado jurídico bem delimitado, qual seja, a
dispersão daqueles produtos ilícitos, independentemente de serem identificadas
outras pessoas no negócio.

Para a validade da atuação do agente disfarçado deve haver a demonstração de


provas em grau suficiente a indicar que o autor realizou antes uma conduta
criminosa, circunstância objeto da investigação proporcionada pelo disfarce.

Há, portanto, uma relação utilitarista-consequencial entres esses elementos


típicos. A investigação realizada pelo agente disfarçado, em razão da
qualificada apreensão de informações proporcionada pelo disfarce, colhe
elementos probatórios razoáveis acerca da conduta criminosa preexistente.

467
ALTERAÇÕES NA LEI DE DROGAS

NOVA HIPÓTESE DE TRÁFICO DE DROGAS

Como se trata de novatio legis in pejus, as disposições são aplicáveis apenas


aos crimes cometidos após a vigência da nova lei.

Art. 33. § 1º (...). IV - vende ou entrega drogas ou matéria-prima,


insumo ou produto químico destinado à preparação de drogas,
sem autorização ou em desacordo com a determinação legal ou
regulamentar, a agente policial disfarçado, quando presentes
elementos probatórios razoáveis de conduta criminal preexistente.

ALTERAÇÕES NA LEI DE IDENTIFICAÇÃO CRIMINAL

PERFIS GENÉTICOS

Importante alteração na lei 12.037/2009 se refere à exclusão dos perfis


genéticos dos bancos de dados.

Na antiga legislação o prazo variava de acordo o prazo de prescrição do delito.


Agora, permanecerá o perfil genético, durante 20 anos contados do
cumprimento da pena, registrado nos bancos de dados e, em caso de

468
absolvição, não será necessário aguardar o respectivo período, sendo neste caso
excluído de forma imediata após a absolvição do acusado. Vejamos:

Art. 7º-A. A exclusão dos perfis genéticos dos bancos de dados


ocorrerá:
I - no caso de absolvição do acusado; ou
II - no caso de condenação do acusado, mediante requerimento,
após decorridos 20 (vinte) anos do cumprimento da pena.”

Além disso, outra alteração se refere a autorização de criação do Banco


Nacional Multibiométrico e de Impressões Digitais.

ALTERAÇÕES NA LEI 13.608/2018 E A FIGURA DO


“WHISTLEBLOWER”

REGULAMENTAÇÃO ACERCA DA PROTEÇÃO DO INFORMANTE

Denominado pela doutrina de “whistleblower”, esse informante não se


confunde com o autor da colaboração premiada.

Para o professor Rogerio Sanches, o colaborador concorre de qualquer modo


para a infração penal e age com o intuito de obter o abrandamento de futuras
sanções a que estaria sujeito. O informante, por sua vez, não tem qualquer
participação ou envolvimento nos delitos, mas deseja simplesmente
cooperar com as autoridades para que as infrações sejam apuradas.

469
A lei cria mecanismos de proteção e incentivo aos informantes, prestigia a
atuação do homem de bem em prol da segurança coletiva e ordem jurídica e
assegura a eficiente atuação das autoridades responsáveis na repressão e
prevenção dos crimes.

A criação de mecanismos de proteção e incentivo desses “informantes do bem”


atende exigência prevista na Convenção das Nações Unidas contra a
Corrupção.

E, para encorajar o detentor da informação a atuar em prol do bem comum, a


lei prevê que quando as informações disponibilizadas resultarem em
recuperação de produto de crime contra a administração pública, poderá ser
fixada recompensa em favor do informante em até 5% (cinco por cento)
do valor recuperado.

ALTERAÇÕES NA LEI 12.694/2012 (FORMAÇÃO DE


ÓRGÃO COLEGIADO PARA CRIMES DE ORGANIZAÇÃO
CRIMINOSA)

REGULAMENTAÇÃO DOS ÓRGÃOS COLEGIADOS

Com o Pacote Anticrime, foram inseridos novos dispositivos na lei


12.964/2012 regulamentando a criação e atribuições de varas criminais
colegiadas com competência para o processo e julgamento de crimes de
organização criminosa e o crime de constituição de milícia privada.

470
Art. 1º-A. Os Tribunais de Justiça e os Tribunais Regionais
Federais poderão instalar, nas comarcas sedes de Circunscrição
ou Seção Judiciária, mediante resolução, Varas Criminais
Colegiadas com competência para o processo e julgamento:
I - de crimes de pertinência a organizações criminosas armadas
ou que tenham armas à disposição;
II - do crime do art. 288-A do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de
dezembro de 1940 (Código Penal); e
III - das infrações penais conexas aos crimes a que se referem os
incisos I e II do caput deste artigo.
§ 1º As Varas Criminais Colegiadas terão competência para todos
os atos jurisdicionais no decorrer da investigação, da ação penal
e da execução da pena, inclusive a transferência do preso para
estabelecimento prisional de segurança máxima ou para regime
disciplinar diferenciado.
§ 2º Ao receber, segundo as regras normais de distribuição,
processos ou procedimentos que tenham por objeto os crimes
mencionados no caput deste artigo, o juiz deverá declinar da
competência e remeter os autos, em qualquer fase em que se
encontrem, à Vara Criminal Colegiada de sua Circunscrição ou
Seção Judiciária.
§ 3º Feita a remessa mencionada no § 2º deste artigo, a Vara
Criminal Colegiada terá competência para todos os atos
processuais posteriores, incluindo os da fase de execução.

471
LEI 8.038/1990 (COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA DOS
TRIBUNAIS)

ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL

O acordo de não persecução penal se aplica também para os processos de


competência originária dos tribunais.
Serão aplicadas as mesmas regras do acordo de não persecução penal
previstos no CPP.

Art. 1º (...) § 3º Não sendo o caso de arquivamento e tendo o


investigado confessado formal e circunstanciadamente a prática
de infração penal sem violência ou grave ameaça e com pena
mínima inferior a 4 (quatro) anos, o Ministério Público poderá
propor acordo de não persecução penal, desde que necessário e
suficiente para a reprovação e prevenção do crime, nos termos do
art. 28-A do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941
(Código de Processo Penal).

LEI QUE TRATA SOBRE O FUNDO NACIONAL DE


SEGURANÇA PÚBLICA - LEI 13.756/2018

RECURSOS PARA O FUNDO NACIONAL DE SEGURANÇA


PÚBLICA

Art. 3º (...)

472
V - os recursos provenientes de convênios, contratos ou acordos
firmados com entidades públicas ou privadas, nacionais,
internacionais ou estrangeiras;
VI - os recursos confiscados ou provenientes da alienação dos
bens perdidos em favor da União Federal, nos termos da
legislação penal ou processual penal;
VII - as fianças quebradas ou perdidas, em conformidade com o
disposto na lei processual penal;
VIII - os rendimentos de qualquer natureza, auferidos como
remuneração, decorrentes de aplicação do patrimônio do FNSP.

ALTERAÇÕES NO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL


MILITAR

CONSTITUIÇÃO DE DEFENSOR PARA INVESTIGADO QUANDO O


FATO FOR RELACIONADO AO USO DA FORÇA LETAL

O CPPM repete as disposições previstas no CPP sobre a necessidade de se


constituir defensor para fatos relacionados com o uso da força letal. Salienta-
se que essa disposição deverá ser observada também para os membros das
Forças Armadas.

473
474
BIBLIOGRAFIA

Lima, Renato Brasileiro, Manual de Processo Penal; 7ª edição; editora


juspodivm.

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