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Tempo Presente
Reflexões sobre
a nossa época e
a nossa missão
“Cada época tem suas grandezas e suas loucuras, suas possibilidades e suas tentações.
Mas essas sempre são diferentes de época para época. Para aproveitar as oportunidades e
evitar as ciladas, os cristãos deveriam estar num processo contínuo de 'entender o tempo
presente'(Rom.13:11).”
Gene Edward Veith, Jr.
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Indice
Introdução 4
1. Viva as opções (Pluralismo e Relativismo) 5
a. Um panorama
b. Um certo elefante
2. Nossas origens modernas (Racionalismo) 10
a. Como eu e você pensamos o que pensamos a partir de Descartes
b. O que é dogma e quem é dogmático?
3. “Cada um na sua” (Individualismo e Misticismo)15
a. A era do lenço de papel
b. Misticismo de consumo
4. Sobre a Missão 21
a. A redescoberta da persuasão
b. Verdade, exclusividade e tolerância
c. “Rumo ao noroeste”
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Introdução
Uma das características dos profetas na Bíblia é que sabiam ler os “sinais
dos tempos”. Isso incluía anunciar eventos futuros. Mas, mais do que isso, sabiam ler a
sua realidade presente. Possuíam um dom divino especial de discernir o que estava por
trás das atitudes e posturas do povo, dos líderes religiosos e dos governantes de sua
época. Sua missão consistia em denúncia e anúncio. Iam além das aparências e
denunciavam as motivações erradas, traziam à luz os pecados escondidos, anunciavam as
consequências de permanecerem em seus maus caminhos e a possibilidade de
reconciliação e restauração caso houvesse a conversão para o Deus vivo. O profeta olha
para passado e para o futuro prevendo as consequências das tendências atuais, dos sinais
dos tempos da era presente. Adverte, então, baseado na revelação de Deus em sua
Palavra.
a. Um panorama
Mas também há outros aspectos desse pluralismo. Aqui vamos fazer uma
distinção entre pluralismo cultural e religioso 3. No âmbito cultural há aspectos positivos,
como os expostos acima. Ainda assim, mesmo entre os apreciadores da diversidade
cultural há aqueles que reconhecem que as culturas não são moralmente neutras4. Mas
também há aqueles que defendem que cada cultura se basta por si só, não devendo ser
julgada por uma outra. Esses afirmam, talvez com certa ingenuidade, que não se pode
efetuar juízos de valor, que não se pode dizer que tais elementos de determinada cultura
são bons ou maus. Ingenuidade porque reconhecem, às vezes inconscientemente, certos
valores universais que perpassam as culturas. Posso dar um exemplo. Numa certa
ocasião, uma colega minha da Universidade, que pensava dessa maneira pluralista e
relativista, veio ao meu encontro chorando. A causa era uma briga no Centro Acadêmico
da Faculdade, onde ela tinha sido alvo de agressões verbais e quase físicas. No meio do
choro e da indignação, ela disse "não é justo, isso não está certo…", interrompeu para
dizer “se bem que não existe esse negócio de certo e errado”, e depois de alguns
instantes, ainda chorando, repetiu “mas isso não é justo!”. O que essa história ressalta é a
verdade com a qual temos que lidar, de que em cada cultura há bons e maus elementos 5.
Torna-se difícil perceber como "natural", "bom" ou mesmo "aceitável" para determinada
cultura, qualquer que seja, situações como o canibalismo, a prostituição infantil ou a
corrupção.
Quanto ao pluralismo religioso, tem se dado por certo que as diferenças entre
as religiões não são assunto de verdade e falsidade, mas de diferentes percepções de uma
mesma verdade. Não importa, então, o conteúdo que uma determinada fé sustenta, mas a
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sinceridade com que se crê. De acordo com essa mentalidade, tudo que aparenta ser
dogmático deve ser questionado. A verdade nunca pode ser alcançada. Exalta-se a
dúvida6.
Para lembrar:
* Por pluralimo entendemos as múltiplas opções em todas as esferas da vida
humana. Isso tem sido algo estimado e desejado em nossos dias.
* O que qualquer religião diz é colocado no mundo dos “valores”. Ela não
pode falar acerca de fatos e de verdades e, assim, não pode querer “empurrar” suas
convicções sobre outros que já possuem as suas próprias.
b. Um certo elefante
“A idéia de que haja, ou poderia haver, uma instância de onde nós poderíamos
amostrar e avaliar as religiões mundiais, identificando os bons e maus elementos em cada
de um ponto de vista que seria neutro, imparcial, e acima das particularidades de
qualquer uma”9, pode ser uma idéia atraente, mas irreal. Todo pensamento, cosmovisão
ou ideologia são culturalmente condicionados. Eles não são, por assim dizer, neutros ou
imparciais. Eles possuem seus pressupostos e premissas particulares. Vamos tratar
melhor disso mais adiante. Por enquanto, vale ressaltar que não há uma instância
imparcial de juízo e avaliação das religiões mundiais. Alguém que busca esse ponto de
vista neutro ou diz bobagem, ou acaba por criar uma nova religião sincrética universal,
ou as duas coisas juntas.
Para lembrar:
* Não há uma instância imparcial onde alguém possa se colocar para analisar
as religiões mundiais.
“Penso, logo existo”. O que essa afirmação do séc. XVII tem a ver com a
minha fé ou com o mundo de hoje? Qual a sua importância? Grande, se constatarmos que
foi o ponto de partida e fundamento da filosofia de Descartes (considerado o pioneiro do
movimento moderno de ceticismo sistemático). Ou seja, estamos diante do início do
modo de pensar do mundo contemporâneo. Descartes afirmou que a verdade vem da
demonstração intelectual. Todas as outras verdades estão, assim, relacionadas à própria
existência do ser que pensa. Qual o referencial último? O homem e sua mente.
A Idade Média foi um longo período em que todas as coisas eram vistas
através de um prisma divino. As ciências naturais e a filosofia eram submetidas ao
escrutínio da fé. “Durante toda a Idade Média, o ponto de partida sempre fora Deus. Os
humanistas do Renascimento, ao contrário, têm como ponto de partida o próprio
homem”3. Se, por um lado, ter como ponto de partida os propósitos do Deus Criador para
uma humanidade criada é algo muito positivo, o dogmatismo e a intolerância da Igreja na
Idade Média contribuiram decisivamente para o surgimento da nova maneira de encarar a
realidade. Tendo em vista esse quadro repressivo, fica mais fácil entender a reação dos
novos humanistas em sua ênfase na liberdade de pensar, na autonomia do homem e em
sua fé suprema na razão. Buscou-se, a partir de então, a evidência, o visível, o palpável e
o racional, tudo a partir de um "método previamente concebido". Este consistia
basicamente na dúvida. Estabeleceu-se que seria metodicamente necessário colocar tudo
em dúvida4.
Para lembrar:
* O pensamento da modernidade tem como referencial último o ser
humano e sua mente.
coisas precisam passar por certos critérios de prova para serem aceitas como reais e
verdadeiras. Mas por que? Certamente, esses critérios são outros pensamentos
previamente dados como certos. Vejamos se alguns exemplos nos ajudam.
Um aluno assiste uma aula de seu professor e lê um livro indicado por ele.
Esse estudante pode aceitar como certo o que o professor e o livro lhe disseram. Ou pode
não aceitar e duvidar. Mas, e esse ponto é importante, ele apenas pode questionar
baseado em outra informação ou tradição que ele aprendeu de outra fonte. Ele apenas
pode duvidar se acreditar em alguma outra coisa que possui premissas diferentes.
Aqui deixamos que a crítica final seja feita por um professor de História
da Filosofia quando expõe o pensamento de Descartes. Ele diz que “resta então à
subjetividade uma espécie de estado nômade: percorrer todas as certezas estabelecidas
pelo homem mas sem estabelecer-se, por sua vez, em nenhuma delas. Não há um ponto
de apoio, não há um lugar de partida nem um objetivo a que se chegar. Esse percurso
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Para lembrar:
* Uma crítica nunca vem de uma mente vazia. Sempre é
baseada em outras crenças que a pessoa já possui.
Para lembrar:
* Com a secularização, qualquer idéia considerada religiosa
passou a ter importância secundária.
b. Misticismo de consumo.
O sagrado voltou! Ou talvez nunca tenha ido embora. O fato é que a razão
entrou em crise nesse fim de século e de milênio. O subjetivo e o místico aparecem com
força, mesmo na esfera científica, onde os guardiães da razão lutam contra os que
advogam a supremacia da intuição8. Com o que se parece essa religiosidade e por que ela
ressurge nesse momento?
Para lembrar:
* A religião volta com força devido à crise da razão.
4 - Sobre a Missão
a. A redescoberta da persuasão
Por outro lado, a Igreja cristã, com medo da incerteza e da relatividade dos
valores de um mundo pluralista, pode também querer agir em outra direção. Voltar à era
pré-moderna, da imposição daquilo que crê ser verdade e da intolerância e perseguição
aos diferentes. Querer, através do poder do Estado e da Lei, disseminar e instaurar sua fé
e seu credo. “Se chegarmos ao poder, se tivermos os meios certos(o Estado, as leis do
país, a mídia, os recursos) em nossos mãos, a nossa nação e o mundo serão do Senhor
Jesus”, é o que pregam. Para o bem de todos, é claro. Porém, ao fazer isso discriminam,
desrespeitam, usam recursos não tão lícitos assim e impõem aquilo que deveria ser aceito
e vivido pela fé. Como, então, deve ser a missão da Igreja, no que diz respeito à
proclamação de sua fé?
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Estavam preparados para o debate, podiam sustentar sua posição tanto em campo neutro
como hostil. Davam testemunho, referiam-se constantemente aos fatos do Evangelho e ao
ensino do Velho Testamento (palavras como sunzetein e sumbibazein indicam essa séria
procura das Escrituras). Algumas vezes isso levava um dia, ou mesmo uma semana.
Algumas vezes voltavam a atacar seguidamente. Mas, do conteúdo intelectual da
proclamação dos primeiros dias, não pode haver nenhuma dúvida. Sem essa apologética,
não teriam ido a parte alguma… …a verdade é tão simples que uma criança pode
entender e, ao mesmo tempo, é tão profunda que nenhum intelectual jamais seria capaz de
vasculhar suas profundezas. É, verdade, naturalmente, que nenhum raciocínio, por mais
esclarecedor que seja, fará quem quer que seja entrar no Reino de Deus. Fato é que muitas
pessoas jamais encararão o desafio pessoal de Cristo sobre suas vidas enquanto: (1) não
virem uma apresentação intelectual aceitável para que possam crer e, (2) não tiverem suas
rotas de fuga intelectual destruídas por uma apologética cristã paciente, eficaz e
persuasiva.1
Para lembrar:
* O cristianismo pode sucumbir a uma estratégia de mercado e
assim deturpar o conteúdo de sua fé.
Uma nova linguagem, que procura falar além das toscas categorias do bem
e do mal, da verdade e da mentira, domina o nosso tempo. Já citei o caso de uma colega
da universidade que, ao ser agredida, dizia que não era certo o que fizeram com ela, “se
bem que não existe esse negócio de certo e errado”! É bom lembrar que há aqueles que se
consideram “donos absolutos da verdade”, demonstrando em suas atitudes muito de
preconceito, superioridade e arrogância. Por isso, é natural a reação de quem proclama
não haver absolutos em nenhuma esfera da vida. Esses defendem que não há algo a ser
chamado de bom, normal ou verdadeiro. Entram em contradição ou em crise quando
advogam certos valores morais (rejeitam a violência, o estupro, a discriminação, a
injustiça social). Isso nos leva ao ponto em que mesmo que tenhamos que rejeitar a
intolerância do domínio absoluto de uma verdade, reconhecemos que, se ela existe, deve
ser buscada e admirada. Chegamos no momento de admitir que "a verdadeira abertura
acompanha o desejo de saber, ou seja, tem a consciência da ignorância. Negar a
possibilidade de conhecer o bem e o mal corresponde a suprimir a verdadeira abertura” 4.
Devo ser aberto às opções, inclusive àquela que afirma haver um propósito para a
humanidade revelado pelo Deus Criador na narrativa bíblica, culminando com os eventos
relacionados à pessoa e obra de Jesus Cristo.
Para lembrar:
* A verdade é algo a ser buscado e almejado.
c. “Rumo ao noroeste”
Não se pode, então, ir em direção ao outro extremo. Esse seria aquele em que
você resume toda a apresentação do Evangelho a comentários subjetivos, como “Jesus
me dá muita paz”, “é bom viver com Jesus no coração”, “minha vida não é mais a mesma
depois que ele me transformou”. Isso é importante, bonito e comove. Mas talvez não
provoque mais do que isso, comoção. Quando um chamado à fé é feito apenas em
argumentos pessoais, é um convite a que a pessoa duvide da universalidade da sua
eficácia e transformação, talvez respondendo assim: “acho legal o que aconteceu com
você, é algo que admiro e que me emociona, mas é apenas a sua experiência e eu preciso
ter a minha própria, do meu jeito e do meu modo”. Ainda que o testemunho pessoal seja
importante, ele sozinho não basta. Quando não há uma apresentação objetiva da fé cristã,
a pessoa pode se converter, mas estará se convertendo a quê? Como René Padilla já disse,
uma evangelização fajuta conduz a uma conversão fajuta.
Toda a sua vida Hudson havia ambicionado encontrar um estreito na região setentrional
da América, que uniria os oceanos Atlântico e Pacífico. O casco de seu navio sulcava as
águas da baía que leva seu nome, quando os marinheiros se amotinaram e, abandonando
em seu pequeno bote a Hudson, ao filhinho deste e a um velho piloto, John King, que
seguia fiel ao seu capitão, voltaram a proa em direção ao porto de saída. Achando-se
assim, em situação desesperada, abandonado e sem recursos, em meio da penúria, Hudson
não se entregou; mas dirigindo-se a King, que manejava o leme, lhe disse… 'Rumo ao
noroeste, manteremos a honra de um propósito constante, em meio dos perigos de
caminhos desconhecidos, rumo ao noroeste, deixando a Deus a nossa sorte'.
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Notas