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FILOSOFIA POLÍTICA

O QUE É REALMENTE UMA SOCIEDADE JUSTA?

A filosofia política é uma disciplina que procura refletir sobre questões acerca da forma como as
sociedades humanas devem estar organizadas.
A filosofia política estuda a maneira como devemos viver em sociedade, isto é, trata de saber
quais as formas corretas de organização social.
Quem deve deter o poder político?
Deve a liberdade de expressão ter limites?
COMO DEVE SER DISTRIBUÍDA A RIQUEZA PARA UMA SOCIEDADE SER JUSTA?
Trata-se do problema da justiça distributiva, ou seja, qual é a maneira correta de distribuir a
riqueza numa sociedade?
Relevância do problema
A Filosofia política é uma das áreas da Filosofia cujos problemas estão mais próximos da vida
quotidiana e onde as teorias filosóficas têm maior aplicabilidade.
Ao longo da história, as reflexões dos filósofos tiveram imensas consequências práticas.
Apesar de as sociedades poderem estar organizadas de formas muito diferentes, nem todas as
formas de organização social são justas.
Será justo que uma pessoa não beneficie de cuidados médicos quando necessita apenas porque
não ganha dinheiro suficiente para os pagar?
Que papel deve ter o Estado nesta matéria?
Onde deve o Estado ir buscar o dinheiro para os tratamentos que a pessoa não pode pagar?
Será que o estado possui o direito de obrigar os cidadãos com maiores rendimentos a pagarem
mais impostos para que todos (em especial os que menos ganham) tenham cuidados de saúde
gratuitos?
Em que se baseia o direito do Estado (dos governos) para impor a sua vontade aos que
discordarem das medidas que pretender aplicar?
Terão os mais ricos obrigações para com os mais pobres – por exemplo, a obrigação de garantir
que todos os cidadãos tenham acesso a bens sociais tão básicos como a educação, a saúde ou
outros?
Que papel cabe ao estado na distribuição da riqueza produzida na sociedade?
As desigualdades entre ricos e pobres continuaram a aumentar nas últimas décadas: entre países
mais e menos desenvolvidos e também entre a população dos países com as economias mais
avançadas.
Em 2022, 2 milhões de pessoas (19,4% da população) encontravam-se em situação de pobreza
ou de exclusão social em Portugal.
Terão os países ricos obrigações especiais para com os países pobres?
Uma sociedade igualitária é mais justa do que uma sociedade desigual?
A pobreza e a exclusão social também existe nos países desenvolvidos
Os novos pobres provêm da classe média. Resultam do desemprego de longa duração. Não se
trata de pobreza extrema, mas afeta profundamente a dignidade dos indivíduos e a estabilidade
familiar.
Estas desigualdades serão justas ou injustas?
Terá o Estado a obrigação de ajudar os mais desfavorecidos?
Não há respostas consensuais a essas questões.

Duas respostas clássicas, e muito diferentes uma da outra, são o igualitarismo e o liberalismo.

O IGUALITARISMO, embora com muitas variantes, considera que todas as desigualdades


sociais e económicas são injustas.
O LIBERALISMO tem também inúmeras variantes. Neste contexto é especialmente relevante
o libertarismo (liberalismo radical). As desigualdades económicas e sociais não são injustas (a
menos que resultem de atividades ilegítimas). O valor principal é a liberdade.
Mas o modo como a riqueza está distribuída não é o único fator a ter em consideração quando
avaliamos o grau de equidade das sociedades.
Uma sociedade pode ser tendencialmente igualitária no plano da distribuição dos rendimentos e
privar os cidadãos das garantias mais básicas.
Os direitos individuais, a liberdade de expressão e de intervenção política, bem como a não
interferência do estado na esfera privada dos cidadãos são aspetos fundamentais a ter em
atenção.

Liberdade e justiça social são indissociáveis.


Uma sociedade que não inclua o direito de escolher os dirigentes políticos ou que proíba a
expressão de opiniões contrárias a quem governa põe em causa a liberdade.
Será justo que o estado não reconheça aos cidadãos o direito às liberdades políticas (expressão,
reunião, etc.)?
Terá um governo o direito de impor as suas decisões sem um mandato expresso dos cidadãos?
Outros exemplos de questões típicas da filosofia política são os seguintes:
• Qual o melhor regime político (democracia, outros)?
• Será absoluto o direito à propriedade?
• Existirá o direito de desobediência a um governo legítimo por razões morais?
Formulação do Problema da Justiça Social
O QUE É REALMENTE UMA SOCIEDADE JUSTA? Ou seja, quais os princípios gerais em
que se deve basear uma sociedade justa?
• Uma sociedade em que há, ao mesmo tempo, pessoas muito ricas e pessoas muito pobres pode
ser justa?
• Uma sociedade em que todas as pessoas usufruem da mesma riqueza é necessariamente justa?
• Este problema tem a ver com a justiça social ou distributiva (sobre a forma como estão
distribuídos os recursos ou riqueza) e não com a justiça retributiva (sobre a finalidade das penas
atribuídas em tribunal).
Teorias que respondem ao Problema da Justiça Social
Suponha-se sociedades muito pequenas (compostas por apenas 5 pessoas).
Vamos representar, numa escala de 0 a 10, os níveis de bens sociais (rendimento ou riqueza)
dessas pessoas.

P1 P2 P3 P4 P5 Total

Sociedade 1 6 3 9 6 6 30

Sociedade 2 7 6 10 8 9 40

Qual destas sociedades é a mais justa?


TEORIA 1 - UTILITARISMO
A melhor situação social é aquela em que há um maior número de bens sociais. Para o
utilitarista a sociedade S2 será mais justa.
Mas considere-se agora outras situações possíveis:

P1 P2 P3 P4 P5

Sociedade 3 1 10 10 10 2 33

Sociedade 4 6 7 7 6 6 32

Para um utilitarista, a sociedade S3 é mais justa do que S4. Mas será isso plausível? Pode-se
discordar disso, defendendo-se que S4 é melhor porque nessa sociedade há uma maior
igualdade de bens sociais. Assim, pode-se defender:
TEORIA 2 – IGUALITARISMO
A melhor situação social é aquela em que há maior igualdade de bens sociais.
1. Importância primordial ao valor da igualdade.
2. Numa sociedade justa o estado transfere riqueza dos ricos (através de impostos) para os mais
pobres para, assim, se evitar desigualdades.
TEORIA 3 - LIBERTARISMO
A melhor situação social é aquela em que se respeita a liberdade individual.
1.Importância primordial ao valor da liberdade individual e aos direitos de propriedade.
2. Numa sociedade justa o estado não pode interferir na propriedade individual.

John Rawls traça um caminho intermédio entre o libertismo e o igualitarismo, e defende uma
teoria da justiça como equidade.
O problema da organização de uma sociedade justa:
A teoria da justiça de John Rawls (1921-2002)
PROBLEMA DA JUSTIÇA DISTRIBUTIVA
A perspetiva de Rawls é habitualmente designada liberalismo igualitário.
A TEORIA DE JOHN RAWLS
Liberalismo igualitário
O igualitarismo idealiza uma sociedade com igual distribuição de riqueza, poder e direitos por
todos, e tem como valor principal a igualdade.
O libertarismo considera que só são injustas as desigualdades sociais e económicas que resultam
de atividades ilegítimas e tem como valor principal a liberdade.
Outros filósofos defendem que não precisamos de escolher entre igualdade e liberdade e que
podemos conciliar ambas.
John Rawls é um desses filósofos.
Liberalismo igualitário
Algumas desigualdades são injustas.
Deve-se tentar aumentar a igualdade, mas não acabar com todas as desigualdades sociais.
A justiça social requer, então, uma conciliação entre igualdade e liberdade.
Rawls questiona:
Em que princípios se deve basear uma sociedade para ser justa?
Quais os princípios da justiça que devem reger essa sociedade?
Rawls pressupõe que as perspetivas que as pessoas têm da justiça são muitas vezes
parciais.
Se és rico, provavelmente queres a liberdade de adquirir e de aproveitar os frutos do teu esforço.
Mas, se és pobre, provavelmente defendes mais um sistema que redistribui a riqueza.
Talvez uma pessoa inteligente diga que, numa sociedade justa, os mais inteligentes devem
ganhar mais, coisa que uma pessoa menos inteligente, mas mais trabalhadora, consideraria
injusto. Uma pessoa pobre talvez diga que os mais ricos devem pagar mais impostos do que
pagam, coisa que os ricos considerariam injusto.
Teoria da justiça
A justiça como equidade

Ralws defende uma teoria da justiça como equidade.


Justiça como equidade
Os princípios da justiça são aqueles que seriam escolhidos numa situação de equidade - em que
todas as pessoas merecem, à partida, igual consideração.
ESTRATÉGIA PARA ESCOLHER OS PRINCÍPIOS DE UMA SOCIEDADE JUSTA
Quais são os princípios de uma sociedade justa?
Como poderemos saber?

Para isso, vamos fazer uma experiência mental para encontrar os princípios de justiça corretos.
Rawls usa o argumento do acordo hipotético para justificar e escolher os princípios da justiça, e
designa-o por "posição original".
Posição original –
Para fazer esta escolha propõe uma experiência mental: imaginar que podemos escolher os
princípios da justiça que irão reger uma sociedade em que vamos viver. É uma situação
hipotética e não real, porque todos vivemos em sociedades cujas regras já estão definidas.
A justiça requer imparcialidade. Esta imparcialidade pode ser modelada através do pressuposto
de ignorância.
Então, como garantir esta imparcialidade que é essencial para a justiça?
Através da “posição original”:
Ou seja, é uma situação imaginária em que as pessoas, estando sob um véu de ignorância
que garante a sua imparcialidade, escolhem os princípios de justiça corretos.
ESCOLHA DOS PRINCÍPIOS DA JUSTIÇA
Posição original
Supõe-se que temos a possibilidade de escolher o modo como uma sociedade, em que
passaríamos a viver, se iria organizar.
Nesta situação hipotética todos têm liberdade de escolha – as pessoas estão numa situação de
igualdade, todas têm os mesmos direitos.
A posição original é uma situação equitativa e justa.

Posição Original - Véu de Ignorância


Na posição original as partes (pessoas singulares) estão sob um véu de ignorância.
O VÉU DA IGNORÂNCIA impede-nos de saber várias coisas acerca de nós próprios (qual o
nosso sexo, etnia, inteligência, força, etc.), do lugar que iremos ocupar nessa sociedade (qual a
nossa profissão, estatuto social, riqueza, etc.), e até sobre o nosso próprio projeto de vida (o que
queremos ser, que coisas vamos querer fazer, etc.). Estas condições da posição original atuam
como dispositivo que nos ajuda a perceber os princípios corretos da justiça.
Resultado da estratégia sugerida por Rawls:
Dado que, na posição original, as pessoas desconhecem o seu “projeto de vida”, então estão
interessadas em assegurar que na sociedade existam, para todos, bens primários:
LIBERDADE, OPORTUNIDADES E RIQUEZA.
Véu da ignorância
O véu de ignorância faz com que a pessoa que está na posição original desconheça (em relação
à sociedade cujos princípios está a escolher):

 quais serão as suas características individuais;


 qual será a sua posição social.

A pessoa não sabe o que achará bom ou mau, mas sabe que, independentemente das suas
características, precisará de certos bens sociais primários: liberdades, direitos, oportunidades e
riqueza.
Quais são os princípios da justiça para Rawls?
Rawls identificou dois princípios da justiça.
Ao primeiro chamou princípio da liberdade igual.
Não deu nome ao segundo e dividiu-o em duas partes distintas:
a) princípio da oportunidade justa;
b) princípio da diferença.
Por isso, os princípios da justiça são, na realidade, três.
Rawls considera que este segundo princípio é o que regula as desigualdades económicas e
sociais.

OS PRINCÍPIOS DA JUSTIÇA DE RAWLS


1º: PRINCÍPIO DA LIBERDADE
Princípio da Liberdade Igual
Devemos ter todas as liberdades e direitos que sejam conciliáveis com as liberdades e direitos
dos outros: liberdade de expressão e de opinião, mas não a liberdade de ser violentos com os
vizinhos, por exemplo.
Todos os cidadãos devem ter liberdades e direitos de modo igual, sem exceção.
Este princípio é incompatível com práticas discriminatórias como o racismo, o sexismo e a
homofobia, por exemplo.

As liberdades básicas são constituídas pelos:


 direitos cívicos (liberdade de opinião, de expressão, de reunião);
 direitos políticos (Liberdade de voto e de participação na vida pública);
 direitos da pessoa (direito à integridade física e psicológica).
Todos os cidadãos devem ter essas liberdades e direitos de modo igual. O princípio da
Liberdade igual é, portanto, incompatível com práticas discriminatórias, como o racismo, o
sexismo e a homofobia.
É prioritário
Este princípio tem uma prioridade sobre os outros dois princípios.
Atingido um nível de bem-estar acima da luta pela sobrevivência, a liberdade tem prioridade
absoluta sobre o bem-estar económico ou a igualdade de oportunidades.
O que é importante é assegurar as liberdades (de expressão, de religião, de reunião, etc.). Elas
não devem ser violadas em troca de vantagens económicas ou outras.
Práticas como a escravatura, a tortura ou a prisão arbitrária das pessoas constituem violações do
princípio da liberdade.
2º PRINCÍPIO DA OPORTUNIDADE JUSTA (igualdade de oportunidades):
De acordo com este princípio, deve haver igualdade de oportunidades
Por exemplo, uma criança cuja família é pobre deve ter as mesmas possibilidades de ser
advogada ou engenheira (ou qualquer outra profissão prestigiada e bem remunerada) do que
uma criança cuja família é rica.
As desigualdades económicas e sociais devem estar ligadas a postos e posições acessíveis a
todos em condições de igualdade de oportunidades.
Também se pode chamar princípio da não-discriminação.
Neste princípio deve-se promover a igualdade de oportunidades – para isso é necessário, por
exemplo, que o Estado garanta o acesso de educação a todos.
Nenhuma desigualdade é aceitável se resultar de uns terem oportunidades que outros não têm,
seja por serem muito pobres e não terem acesso à educação ou por terem qualquer desvantagem
natural à partida.
Nestes casos o Estado deve intervir para garantir que todos tenham as mesmas oportunidades,
facultando-lhes acesso à educação, à cultura, à saúde. (visa corrigir a lotaria social).
Deste modo, é preciso criar condições para que as pessoas mais desfavorecidas não tenham
menos hipóteses do que outras.
Boas escolas públicas, bons hospitais públicos, conceder bolsas de estudo aos alunos mais
carenciados, alojamento gratuito de qualidade, caso estudem longe de casa.
Rawls usa com frequência a expressão “igualdade equitativa de oportunidades”
Equitativa – não se trata de uma mera igualdade aritmética. Dar o mesmo a todos nem sempre é
justo, pois algumas pessoas têm mais necessidades do que outras e é preciso compensar essa
desvantagem.
O princípio da oportunidade justa
Segundo este princípio, deve haver igualdade de oportunidades. Esta igualdade deve ser real e
não apenas formal.
Não basta ter leis não discriminatórias, é preciso criar condições para que os mais
desfavorecidos, efetivamente, não tenham menos hipóteses do que outras pessoas. Rawls usa a
expressão «igualdade equitativa de oportunidades» para salientar que esta igualdade de
oportunidades não pode ser apenas formal.
IGUALDADE EQUITATIVA DE OPORTUNIDADES
Não é uma mera igualdade numérica. Dar o mesmo a todos nem sempre é justo. Algumas
pessoas têm mais necessidades do que outras e é preciso compensar essa desvantagem.
Princípio da diferença
Segundo este princípio, é admissível que existam algumas desigualdades, ou seja, diferenças
económicas e sociais, desde que isso beneficie todas as pessoas e, principalmente os mais
desfavorecidos.
Uma sociedade completamente igualitária não seria produtiva e, por isso, não haveria riqueza
suficiente para redistribuir.
Uma sociedade em que é possível acumular riquezas e se permite que alguns indivíduos tenham
mais do que outros, é uma sociedade mais produtiva e geradora de riqueza, já que as pessoas
sentem-se mais motivadas e isso torna-as empreendedoras e empenhadas.

 As desigualdades podem funcionar como um sistema de incentivos.


 Sem desigualdades, numa sociedade perfeitamente igualitária, os incentivos seriam
eliminados.
 Assim não haveria razões sociais e económicas para os indivíduos desenvolverem
carreiras que implicam estudos e preparação especialmente longos ou que requerem
esforço acima do normal. Desta forma, a sociedade no seu conjunto ficaria a perder.
 As pessoas mais desfavorecidas beneficiam com isso, na medida em que assim é
possível cobrar impostos elevados a quem tem mais riqueza e o Estado pode redistribuir
a riqueza por quem precisa.
 Assim, se os mais pobres ganham com a existência de desigualdades, estas serão justas.
Segundo este princípio, é admissível que existam algumas desigualdades (diferenças sociais e
económicas) se isso for benéfico para todos, principalmente para os mais desfavorecidos.
Mas como podem as desigualdades beneficiar os mais desfavorecidos?
Rawls considera que uma sociedade que permite que alguns tenham mais do que outros é mais
produtiva e geradora de riqueza do que uma sociedade igualitária em que todos têm mais ou
menos o mesmo, mas todos têm pouco. As pessoas com mais riqueza devem contribuir, através
do pagamento de impostos, para ajudar as mais desfavorecidas.
O princípio limita a desigualdade impondo quer uma tributação (impostos) significativa quer a
redistribuição da riqueza.

 Este princípio indica uma maximização da situação dos que estão na pior situação à
partida. Implica uma certa visão distributiva (aos que estão em pior situação – os
pobres).
 Rawls aceita a afirmação condicional de que se é necessária uma desigualdade para
melhorar as condições de todas as pessoas, e, em especial, para tornar as condições dos
mais desfavorecidos melhores do que seriam de outra forma, aquela deve ser permitida.
Deste modo, o princípio da diferença permite que algumas pessoas tenham mais que outras, mas
limita essa desigualdade ao impor uma tributação (cobrança de impostos)e a redistribuição da
riqueza.
Que razões temos para aceitar os princípios da justiça propostos por Rawls?
A razão é que, sob o véu da ignorância, o mais racional é jogar pelo seguro. Ou seja, adotar os
princípios de acordo com os quais o pior que nos poderia acontecer fosse o melhor possível.
Rawls diz que se trata de seguir regra MAXIMIN estratégia que permite maximizar o mínimo.
Maximizar o mínimo
Ralws defende que esta regra é muito diferente do que defendem os utilitaristas. Estes defendem
que devemos maximizar a felicidade geral.
Deste modo, é possível haver mais felicidade geral numa sociedade, em que há uma minoria de
pessoas que vivem muito mal, para que a maior parte delas viva muito bem, do que noutra em
que todos vivem moderadamente bem.
Por exemplo, a quantidade de felicidade geral numa sociedade em que quase todos vivem bem à
custa de meia dúzia de escravos pode ser maior do que numa sociedade em que não há escravos.
Este resultado é inaceitável para Rawls: viola os princípios da liberdade e da diferença.

«Assim, a injustiça é simplesmente a desigualdade que não resulta em benefício de todos.»


John Rawls
A regra maximin na escolha dos princípios da justiça

Para melhor compreender a aplicação da regra maximin, vamos considerar três sociedades
diferentes e analisar a distribuição da riqueza em cada uma delas (suponhamos que cada uma
delas tem apenas quatro habitantes, A, B, C, D).

IGUALITARISMO
A sociedade mais justa é a 3: é onde existe menos desigualdade na riqueza dos seus
habitantes.
LIBERALISMO IGUALITÁRIO
A sociedade mais justa é a 1: existe desigualdade, mas é onde quem tem pior situação se
encontra melhor.
O argumento moral na escolha dos princípios da justiça
A distribuição da riqueza e de oportunidades não deve basear-se em fatores moralmente
arbitrários, isto é, em coisas pelas quais as pessoas não têm responsabilidade. É injusto que
nascer numa família pobre ou rica, pouco ou muito instruída possa determinar as perspetivas de
vida de uma pessoa.
O Estado deverá assegurar a existência de uma real igualdade de oportunidades, criando escolas,
hospitais e outros serviços públicos para que os mais desfavorecidos não sejam prejudicados
pela sua falta de recursos. Para implementar estes apoios, o Estado deve cobrar elevados
impostos aos mais ricos.
A intervenção do Estado na distribuição de riqueza e de oportunidades visa evitar que as pessoas
sejam vítimas da

 lotaria social
 lotaria natural
É uma questão de sorte e não de mérito, nascer numa família de classe social elevada ou ser
muito ágil.
Seria injusto abandonar à sua sorte as pessoas que tiveram azar numa das lotarias ou em ambas.
Mesmo pessoas sem mérito moral (preguiçosas ou irresponsáveis) merecem ser ajudadas.
As pessoas mais talentosas têm o direito de beneficiar, do ponto de vista social e económico, do
seu talento, mas devem também partilhar os seus proventos e contribuir para melhorar a vida
dos mais desafortunados.  impostos.

CRÍTICAS A RAWLS
OBJEÇÕES
O princípio da diferença conduzir à desresponsabilização ou forçar os que trabalham a financiar
os que não trabalham são objeções que não levam necessariamente à rejeição da teoria de
Rawls.
Mas outras objeções são muito difíceis de compatibilizar com a teoria de Rawls, como é o caso
das críticas de:

 Robert Nozick
 Michael Sandel
As críticas à teoria da justiça de Rawls

 a crítica libertarista de Robert Nozick


 a crítica comunitarista de Michael Sandel

NOZICK - LIBERTARISMO - Objeção ao princípio da diferença


SANDEL - COMUNITARISMO - Objeção à posição original

NOZICK
Direito à liberdade e à propriedade
Para Nozick, existem direitos absolutos e invioláveis: o direito à liberdade e o direito à
propriedade.
Uma pessoa tem direito ao que adquiriu legitimamente e a justiça consiste em poder controlar e
dispor como bem entende das suas legítimas aquisições.
Cada um de nós tem direito ao que herdou, recebeu ou ganhou de modo legítimo.
A justiça social consiste nessa titularidade legítima.
Os impostos são uma apropriação indevida de rendimentos, o equivalente a trabalho forçado.
OBJEÇÕES À JUSTIÇA COMO EQUIDADE de Rawls
A distribuição de riqueza defendida por Rawls:
• promove a desresponsabilização dos que são apoiados pelo Estado;
• é injusta por obrigar os empenhados e cumpridores a financiar os que escolheram não se
esforçar e viver dos apoios do Estado.
A cobrança de impostos (para financiar as funções sociais do Estado e o apoio aos mais
desfavorecidos) constitui uma violação do direito à liberdade e do direito à propriedade.
É moralmente errado o Estado forçar uma pessoa a partilhar com outros os bens que adquiriu de
forma legítima.
Para Nozick, a cobrança de impostos significa uma instrumentalização das pessoas, ou seja, usá-
las como meios e não como fins, desrespeitando a sua dignidade.
As grandes desigualdades não são injustas.
Uma sociedade justa, que põe a liberdade individual em primeiro lugar e respeita os diretos de
propriedade legítimos, não impõe qualquer limite legal aos níveis de desigualdade económica
nela presentes.

A crítica libertarista de Robert Nozick


Objeção baseada no princípio da titularidade:
Nozick afirma que há direitos individuais absolutos e invioláveis, tais como o direito à vida, à
liberdade e à propriedade.
Uma pessoa tem direito ao que adquiriu legitimamente e a justiça consiste em uma pessoa
dispor como bem entende das suas legítimas aquisições – A justiça como titularidade legítima
(tenho o direito de dispor livremente do que ganhei).
O fosso entre ricos e pobres só é injusto se for criado através de meios injustos, tais como a
fraude e o roubo.
Para a justiça, é relevante o modo como se adquire e transmite a riqueza, e não o modo como a
riqueza está distribuída;
se a aquisição e a transmissão da riqueza são legítimas, então a distribuição que daí resultar
também é justa;
retirar parte da riqueza aos seus legítimos titulares, para a redistribuir, sem o seu consentimento,
é violar a sua autonomia.
Para os libertaristas, esta redistribuição, pressuposta pelo princípio da diferença, é um atentado
aos direitos que as pessoas devem ter aos frutos do seu trabalho, limitando desse modo a
possibilidade de disporem livremente dos seus bens.
O Estado tira a alguns indivíduos, sem o seu consentimento, parte daquilo que possuem
legitimamente, para beneficiar os mais desfavorecidos.
Cada um de nós tem direito ao que herdou, recebeu ou ganhou legitimamente, e esse direito de
propriedade não deve ser violado pelo Estado.
A redistribuição da riqueza – tirar a uns para dar a outros - por parte do Estado de modo a
financiar as funções sociais do Estado e o apoio aos mais desfavorecidos é uma violação dos
direitos à liberdade e à propriedade, é imoral.
Tributação = trabalho forçado, apropriação indevida de rendimentos.
Pode e deve-se apelar à generosidade dos mais favorecidos, mas não é justo obrigá-los a
socorrer os mais necessitados.
Nozick utilizou uma linguagem kantiana para caracterizar a cobrança coerciva de impostos:
esta constitui uma instrumentalização das pessoas, ou seja, implica considerá-las apenas
meios e não fins em si mesmas.
O princípio da diferença viola o princípio deontológico de Kant: nunca devemos tratar os outros
como meros meios.
Nozick diria que não há nenhuma injustiça mesmo que numa sociedade haja muitas
desigualdades económicas, esse facto não torna legítima a redistribuição da riqueza (que se tire
aos mais favorecidos para se dar aos mais desfavorecidos).
A justiça social consiste em permitir que os bens de que sou proprietário legítimo permaneçam
em meu poder, dispondo deles conforme entendo. Uma sociedade justa é aquela que põe a
liberdade individual em primeiro lugar e respeita a propriedade legítima.
Nozick critica a teoria da justiça de Rawls ao sustentar que não é possível defender consistente e
simultaneamente o princípio da liberdade e o princípio da diferença.

Proporcionar liberdade às pessoas implica que não se pode impor restrições às posses
individuais de propriedade.
Nozick alega que a implementação das ideias de Rawls – que tem uma conceção padronizada
de justiça - implica uma intervenção constante do Estado na sociedade e na vida das
pessoas, o que limita ainda mais a liberdade
Isto sucede porque as escolhas livres das pessoas alteram os padrões estabelecidos pelo Estado
e, portanto, este tem de intervir constantemente para repor os padrões pretendidos.
Segundo Nozick, mesmo que, num certo momento, uma sociedade estivesse de acordo com os
padrões de justiça que Rawls propõe, manter esses padrões distributivos exigiria uma
intervenção constante do Estado através de tributações.
Nozick alega que a implementação das ideias de Rawls – que tem uma conceção padronizada
de justiça - implica uma intervenção constante do Estado na sociedade e na vida das
pessoas, o que limita ainda mais a liberdade
Isto sucede porque as escolhas livres das pessoas alteram os padrões estabelecidos pelo Estado
e, portanto, este tem de intervir constantemente para repor os padrões pretendidos.
Segundo Nozick, mesmo que, num certo momento, uma sociedade estivesse de acordo com os
padrões de justiça que Rawls propõe, manter esses padrões distributivos exigiria uma
intervenção constante do Estado através de tributações.
Uma vez dado o rendimento e a riqueza às pessoas segundo o princípio da diferença, algumas
gastá-los-ão, outras obterão mais, e assim a sociedade acaba por se afastar do princípio da
diferença. Quebrando o padrão.
Para que o padrão inicial seja reposto, a riqueza terá de ser redistribuída, o Estado terá de
intervir através de meios como a cobrança de impostos.
Estado mínimo
• Segundo Nozick, deve existir apenas um Estado mínimo. Este deve garantir os direitos
individuais dos cidadãos e a sua segurança em relação a ameaças externas e internas.
• O Estado deve cobrar apenas os impostos necessários para pagar esses serviços (polícia,
tribunais, exército…) e não para redistribuir a riqueza, ou seja, não deve obrigar os mais
favorecidos a pagar impostos destinados a apoiar os mais necessitados (pobres, doentes,
idosos, jovens, pessoas com limitações físicas e mentais). O Estado não deve ter
funções sociais.
• Defende um Estado mínimo que fomente a competição e a iniciativa individual,
limitando-se a assegurar as liberdades políticas e a proteger uns cidadãos da violência
de outros.
• Os libertaristas defendem um Estado mínimo cuja função é simplesmente a de defender
a vida, a segurança e a propriedade dos membros da sociedade e não a de redistribuir a
riqueza produzida.
• Qualquer intervenção do Estado na vida económica para regular a distribuição da
riqueza é uma violação dos direitos dos indivíduos.
A crítica comunitarista de Michael Sandel
Sandel concorda com muitas ideias de Rawls, nomeadamente com algumas que estão
envolvidas nos princípios da justiça. A sua crítica incide, sobretudo, no procedimento adotado
por Rawls para alcançar esses resultados.
No comunitarismo defende-se uma tese social sobre o ser humano, de acordo com a qual os
indivíduos não existem de forma isolada (noção de ser humano abstrata e individualista), mas
sim existem no seio das suas relações e interações sociais, em comunidade (daí a designação de
comunitarismo).
Podemos ver-nos como eus independentes, […] no sentido em que a nossa identidade nunca
está ligada aos nossos propósitos e afetos? Penso que não. […] As pessoas particulares que
somos são inseparáveis de uma certa família, comunidade, nação ou povo, de uma história e de
uma república de que são cidadãs. Lealdades como estas são mais do que valores que me
acontece ter. […] Lealdades como estas permitem que eu tenha mais deveres para com algumas
pessoas do que a justiça requer […], não pela razão de ter feito acordos, mas em virtude dos
[…] afetos e compromissos mais ou menos duradouros que, tomados em conjunto, definem
parcialmente a pessoa que sou.
M. Sandel, «The Procedural Republic and the Unencumbered Self», in R. Goodin (org.),
Contemporary Political Philosophy: An Anthology, Oxford, Blackwell, 2.ª ed., 2006, p. 244.
(Texto adaptado)
Este filósofo aceita muitas das ideias defendidas por John Rawls. No entanto, concordando
com as ideias, critica o procedimento usado e a justificação apresentada por Rawls.
Para Sandel, a posição original e o véu de ignorância não permitem determinar o que é uma
sociedade justa.
Rawls reflete sobre a justiça abstraindo-se das particularidades de cada pessoa para chegar a
conclusões imparciais, sem interesses pessoais envolvidos.
Sandel considera que abstrair as particularidades das pessoas não é possível nem desejável.
Somos seres profundamente comunitários: vivemos numa certa sociedade e fazemos parte de
vários grupos mais específicos.
“Eus” situados
A teoria de Sandel é considerada como comunitarista por este filósofo valorizar a importância
moral e política da comunidade.
Para Sandel, somos seres profundamente comunitários. Pertencendo a uma família e a um
determinado país, são-nos transmitidos valores e normas morais.
Somos eus situados e socialmente enraizados. Somos livres, mas somos também condicionados
pelos valores e normas morais da comunidade.
Por isso, Sandel discorda do conceito de liberdade de Rawls e da primazia que é dada ao
princípio da liberdade.
Nos grupos sociais de que a pessoa faz parte formam-se laços muito importantes.
Se, como pretendia Rawls, nos abstrairmos desses laços, não ficaremos com uma pessoa real,
mas com uma abstração vazia uma pessoa fictícia que nada nos poderá ensinar sobre a justiça.
«Eus situados»
Somos seres profundamente comunitários: vivemos numa certa sociedade e fazemos parte de
vários grupos mais específicos, como é o caso da família, partidos políticos, congregações
religiosas, clubes desportivos, etc.
A nacionalidade e a religião, por exemplo são parte essencial do que uma pessoa é e contribuem
para definir a sua identidade.
O bem e o justo
O BEM TEM PRIORIDADE SOBRE O JUSTO
• Sandel discorda de que o justo tenha prioridade sobre o bem, como defendeu Rawls.
• Pelo contrário, o bem tem prioridade sobre o justo.
Porque é com base no bem, diz Sandel, que podemos avaliar se as escolhas que fazemos
são justas ou injustas.
E O QUE É O BEM?
• Para Sandel, o bem é a vida boa.
• O conceito de vida boa remonta a Aristóteles: é a possibilidade de desenvolver as
capacidades próprias de seres racionais e sociais.
• O ser humano não se realiza vivendo uma vida privada – alguém que vive apenas para a
família e a profissão, não tem uma vida boa.

VIDA BOA
A vida boa só é alcançável na convivência com os outros, porque isso permite desenvolver as
capacidades próprias dos seres racionais, por exemplo:

 a reflexão crítica
 o debate público
 a entreajuda
 a participação na vida política
 a participação na vida cívica

A pertença a esses grupos como a família e a nação, faz-nos receber uma certa herança cultural,
onde se incluem valores e normas morais. Estes não foram escolhidos por nós, ainda assim
condicionam-nos.
Por exemplo, quando nascemos já existia na nossa sociedade a instituição do casamento
monogâmico e valores como a fidelidade matrimonial que influenciam muitas das nossas ações.
De acordo com Sandel, somos livres mas não independentes em relação à comunidade. Somos
«eus» situados e socialmente enraizados.
O que somos é inseparável dessa pertença comunitária.
Sandel argumenta que:
a avaliação dos princípios da justiça é uma escolha moral. Mas, com o véu de ignorância de
Rawls, tais escolhas são realizadas de forma egoísta, pois as partes, na posição original, só se
preocupam individualmente em maximizar a sua situação e em não ficarem na pior situação
possível.
Sem referentes morais, os indivíduos não saberiam o que é “bom” nem o que é “justo”. Apenas
estariam preocupados em acautelar a sua situação pessoal, dado que há sempre a hipótese de
sofrerem os azares da lotaria social e natural.
Contudo, as escolhas morais também devem decorrer de laços comunitários que nos moldam e
onde temos as nossas raízes.

A maioria dos comunitaristas reconhece a importância do princípio da diferença e defende, à


semelhança de Rawls, um Estado interventivo, capaz de redistribuir justamente a riqueza e de
corrigir as desigualdades.
Contudo, não aceita a ideia de que o Estado deva manter-se neutro relativamente às conceções
de bem ou de “vida boa” que cada indivíduo escolhe.
Antes de podermos dizer o que é justo, temos de saber o que entendemos por bem (moral) e o
que queremos para a sociedade.
Razões para rejeitar desigualdades excessivas:
• Sandel discorda do modo como Rawls perspetiva o princípio da liberdade.
• Mas está de acordo com Rawls na avaliação das grandes desigualdades sociais e
económicas: são erradas e devem ser combatidas através da redistribuição. E, tal como
Rawls, também defende uma real igualdade de oportunidades, direitos e liberdades para
todos.
• Sandel pensa que as desigualdades sociais são injustas porque provocam sofrimento e
porque diminuem a coesão da comunidade.
• Sandel não discorda nem doprincípio da oportunidade justa
nem do princípio da diferença.
• No entanto, discorda doprocedimento usado por Rawls para alcançar esses princípios e
também da justificação – Rawls pensa que os princípios da justiça se podem justificar
com uma espécie de cálculo: são bons porque tanto os mais como os menos
favorecidos, ficam a ganhar.
Princípios de justiça não podem ser fundamentados por um cálculo baseado no interesse egoísta,
mas, sim, a partir dos benefícios para a comunidade. Por exemplo, reduzir a desigualdade é um
objetivo de qualquer sociedade justa.

Comparação entre as críticas de Nozick e Sandel aos princípios da


justiça de Rawls

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