Você está na página 1de 31

A necessidade de fundamentação da moral -

análise comparativa de duas perspetivas


filosóficas

O problema do critério ético da moralidade de uma ação

A ética, ou filosofia moral é a área da Filosofia que se dedica aos problemas relacionados com o
modo como devemos viver as nossas vidas.
A necessidade de fundamentação da moral

COMO DEVO VIVER? COMO ME DEVO COMPORTAR? O QUE É O BEM E O QUE


É O MAL?
Haverá um critério capaz de indicar com clareza qual é, em cada caso, a ação moralmente
certa e a ação moralmente errada?
Muitos filósofos pensam que esse critério existe, mas discordam acerca de qual ele seja e
propõem critérios diferentes.
A ética deontológica de Kant e o utilitarismo de Mill são teorias objetivistas, pois consideram
que o critério da moralidade pode ser aplicado pelos agentes de modo imparcial e objetivo,
recorrendo à razão e não a sentimentos pessoais ou tradições sociais.
Relevância do problema
Discutir o problema da fundamentação da moral é discutir se haverá um critério capaz de
indicar com clareza qual é, em cada caso, a ação moralmente certa e a ação moralmente errada.
Muitos filósofos pensam que esse critério existe, mas discordam acerca de qual ele seja e
propõem critérios diferentes.
Não há soluções consensuais para este debate, mas ainda assim poderá ajudar as pessoas a
clarificar as suas ideias e a justificar melhor as suas convicções morais.

ÉTICA UTILITARISTA DE STUART MILL

PROBLEMA: Qual é o fundamento da moral?

O que faz uma ação ser correta? Ou seja, qual é o critério da ação correta?
Trata-se de saber que caraterísticas fazem uma ação ser correta e outra incorreta.
De que depende o estatuto moral das ações? (Duas perspetivas éticas)
Introdução
A teoria utilitarista foi explicitamente desenvolvida a partir do século XVIII por Jeremy
Bentham.
Mas foi no século XIX que John Stuart Mill lhe deu nova vida, sendo hoje uma das teorias
éticas mais estudadas.
A tese principal defendida pelo utilitarismo é o Princípio da Maior Felicidade.
A ética de Stuart Mill
UTILITARISMO

 Fundado pelo filósofo inglês Jeremy Bentham.


 Stuart Mill foi discípulo de Bentham.
O utilitarismo é consequencialista, pois a moralidade das ações depende das consequências.
Se uma ação tiver consequências favoráveis (boas, positivas), é moralmente correta.
Se uma ação tiver consequências desfavoráveis (más, negativas), é moralmente incorreta.
Ao contrário do que acontece na ética kantiana, o motivo é irrelevante para avaliar a moralidade
de uma ação.
Para Mill, a moralidade de uma ação depende das suas consequências.
Contribuição para a felicidade
“O motivo nada tem a ver com a moralidade da ação, embora tenha muito a ver com o valor do
agente. Quem salva um semelhante de se afogar faz o que está moralmente correto, quer o seu
motivo seja o dever, ou a esperança de ser pago pelo seu incómodo”. Stuart Mill
Consequencialismo
O que determina se uma ação é ou não moralmente correta são os seus resultados e não o
motivo que levou o agente a realizá-la.
Devido a isso, o utilitarismo é considerado uma teoria consequencialista.
O princípio da utilidade

O Princípio da utilidade ou o Princípio maior felicidade (PMF)


As ideias principais do PMF são as seguintes:
 Um ato ser certo ou errado depende de um único fator: a sua contribuição para a
felicidade (bem-estar) – Consequencialismo.
 As ações corretas são as que maximizam a felicidade e minimizam a
infelicidade.
 Maximizar o prazer e minimizar a dor.
 Conceito de felicidade: prazer. (Hedonismo)
“A doutrina que aceita como fundamento da moral a utilidade, ou princípio da maior
felicidade, defende que as ações são corretas na medida em que tendem a promover a
felicidade, e incorretas na medida em que tendem a gerar o contrário da felicidade. Por
felicidade entendemos o prazer, e a ausência de dor; por infelicidade, a dor, e privação
de prazer”.
Stuart Mill
“Esse padrão [utilitarista] não é a maior felicidade do próprio agente, mas a maior
porção de felicidade no todo. [. . . ] Pode ser, na sua máxima extensão, garantida a
toda a humanidade; e, não apenas à humanidade, mas na medida em que a natureza
das coisas o permitir, a todas as criaturas sencientes.”
Stuart Mill
A resposta utilitarista
Qual é o bem último? A felicidade.
Qual é o critério da ação correta? As consequências.

A imparcialidade

A utilidade (ou felicidade) é o critério ético que permite justificar se uma ação é correta
ou é incorreta. Esta felicidade é a felicidade de quem? Será a do agente da ação?

maximizar a felicidade - minimizar a infelicidade


A utilidade (ou felicidade) é o critério ético que permite justificar se uma ação é correta
ou é incorreta. Esta felicidade é a felicidade de quem? Será a do agente da ação?
Não. Não se trata somente da felicidade do agente, mas também a de:
 todas as pessoas implicadas na ação;
ou
 do maior número possível de implicados (se for impossível todos).
Por essa razão, a felicidade deve ser calculada com imparcialidade.
Ao avaliar se uma ação é moralmente boa ou má, deve calcular-se de modo imparcial e
não tendencioso a felicidade que é previsível ela produzir.
O agente deve ter em conta a sua felicidade, mas não deve desfavorecer a dos
outros.
A felicidade de cada um dos indivíduos implicados na ação deve contar da mesma
maneira.
“Tenho de repetir, uma vez mais, que a felicidade que constitui o padrão utilitarista do
que está correto na conduta não é a própria felicidade do agente, mas a de todos os
envolvidos [. . . ]. O utilitarismo exige que o agente seja tão estreitamente imparcial
entre a sua própria felicidade e a dos outros como um espectador desinteressado e
benevolente.”
Stuart Mill
“A moralidade utilitarista reconhece, de facto, nos seres humanos o poder de
sacrificarem o seu maior bem em prol do bem dos outros. Apenas recusa admitir que o
sacrifício é, em si, um bem. A moralidade utilitarista considera desperdiçado qualquer
sacrifício que não aumente, ou tenda a aumentar, a quantidade total de felicidade.”
Stuart Mill
O Hedonismo - Conceito de felicidade
Hedonismo (do grego hedoné- prazer)
A felicidade ou bem-estar de um indivíduo consiste unicamente no prazer e na ausência
de dor ou sofrimento. Assim, a felicidade consiste apenas em experiências aprazíveis (e
a ausência de experiências dolorosas).
Nem todos os prazeres têm o mesmo valor: alguns são melhores que outros.
Hedonismo:
Doutrina moral segundo a qual o prazer (e, implicitamente a ausência de dor) é a
essência da felicidade, constituindo o supremo bem do ser humano.
Mill e Bentham consideram que a felicidade (o bem estar) se identifica com o estado de
prazer e de ausência de dor ou sofrimento, sendo a infelicidade o estado de dor e de
privação do prazer.
BENTHAM - Hedonismo quantitativo:
O valor intrínseco de um prazer depende apenas da sua duração e intensidade.
MILL - Hedonismo qualitativo:
O valor intrínseco de um prazer depende sobretudo da sua qualidade.
A ética de Mill é hedonista porque:
Felicidade = prazer e ausência de dor e sofrimento.
Prazeres superiores e inferiores
Os prazeres são todos iguais?
Mill responde que não.
Considera que há prazeres superiores (os intelectuais) e prazeres inferiores (os
corporais), e afirma que quem os conhece a ambos prefere sempre os superiores aos
inferiores.
Porque são preferíveis os prazeres intelectuais?
Os prazeres intelectuais satisfazem melhor a natureza dos seres racionais – capazes de
pensar, imaginar e falar (que Mill considera as capacidades mais elevadas) e não apenas
de sentir, como os animais não racionais.

Conceito de felicidade: hedonismo qualitativo


Mill defende que alguns tipos de prazeres são qualitativamente superiores a outros. Ou
seja, há prazeres intrinsecamente melhores do que outros.
Prazeres inferiores
Os prazeres inferiores correspondem aos prazeres corporais: o prazer de comer, beber, o
sexo, etc.)
Prazeres superiores
Os prazeres superiores correspondem aos prazeres intelectuais e emocionais, ou seja,
dizem respeito à satisfação das necessidades mentais/espirituais (como a fruição da
beleza, do conhecimento, da amizade e do amor, o prazer de pensar, ler, ouvir música,
debater, etc.).
Mas como sabemos que os prazeres intelectuais são superiores aos corporais?
Hedonismo quantitativo:
• Bentham (fundador da ética utilitarista) defendia que os prazeres poderiam ser
quantitativamente melhores atendendo à sua intensidade e duração.
• Todos prazeres (e dores) são comensuráveis, ou seja, podemos fazer um cálculo da
felicidade:
• Podemos comparar os vários valores para ver qual tem mais valor e agir em
conformidade com o resultado.
• A melhor vida é aquela que, depois de considerados todos os prazeres e dores que a
constituem, apresenta o saldo mais positivo.
Será plausível o hedonismo quantitativo?

Objeções ao hedonismo quantitativo:


Para Mill a avaliação dos prazeres não depende apenas da quantidade.
Considere-se a seguinte experiência mental:
Imagine-se a vida tranquila e agradável de uma ostra com a duração de 500 anos.
Agora compare-se essa vida com a de um cientista que desfrutou de prazeres superiores
que resultaram do trabalho científico, mas que só durou 60 anos.
Segundo o hedonismo quantitativo, a vida da ostra seria melhor do que a do cientista,
dado que os prazeres da ostra duram muito mais tempo.
Contudo, parece óbvio que a vida do cientista é qualitativamente melhor do que a da
ostra.

Hedonismo qualitativo:
Mill argumenta que um juiz competente, o qual tem experiência dos dois tipos de
prazeres (intelectuais e corporais), não trocaria a oportunidade de fruir dos prazeres
superiores por nenhuma quantidade de prazeres inferiores.
Por exemplo, ainda que os prazeres de um porco fossem mais intensos e duradouros do
que os de um ser humano, os de um ser humano seriam preferíveis aos de um porco,
pois o porco apenas pode ter prazeres inferiores.
“É preferível ser um ser humano insatisfeito do que um porco satisfeito.”

Não há deveres absolutos


Segundo Mill, em geral, matar, roubar e mentir são ações moralmente incorretas, pois é
mais habitual provocarem infelicidade do que felicidade.
Porém, pode haver circunstâncias em que matar, roubar e mentir provoquem mais
felicidade do que infelicidade.
Se dizer a verdade a um assassino acerca do paradeiro de uma pessoa trouxer mais
infelicidade do que felicidade para a generalidade dos envolvidos, então é correto
mentir.
Por vezes os fins justificam os meios.
 Tudo depende das consequências, isto é, da quantidade de felicidade e
infelicidade geradas pelas ações.
 Por conseguinte, para o utilitarismo não há deveres absolutos. Não há ações que
sejam sempre erradas e que nunca devam ser realizadas, nem ações que estejam
sempre corretas e devam sempre ser realizadas.
Para Mill, mentir, por exemplo, é normalmente incorreto – porque mentir provoca mais
infelicidade do que felicidade.
Mas mentir é sempre incorreto? Mill responde que não.
Considera que em determinadas situações mentir pode ser a ação correta, desde que ao
mentir se esteja a maximizar a felicidade.
Uma mesma ação pode ser incorreta numa determinada situação e correta noutra, o que
faz com que não existam deveres absolutos – ao contrário do que Kant defende.
À questão «Será que os fins justificam os meios?», o utilitarismo responde «Por vezes,
justificam.»
PRINCÍPIOS SUBORDINADOS
Por vezes não usamos o princípio da utilidade
Uma crítica ao utilitrismo é que, na maioria das situações, não há tempo para se refletir
acerca da ação que se quer realizar de modo a perceber, através da aplicação do
princípio da utilidade, se maximiza ou não a felicidade geral.
Mill responde que nos casos em que não é possível usar o princípio da utilidade (o
princípio supremo) o agente orienta-se por regras de ação (os princípios subordinados),
consagradas pela experiência de vida e «aprovadas» pelo princípio da utilidade, como,
por exemplo: não se deve mentir; não se deve roubar; não se deve matar.
E se as regras não funcionarem, acabando a ação por produzir, ao contrário do habitual,
maior infelicidade do que felicidade?
Nestes casos, para Mill justifica-se, de acordo com o princípio da utilidade, abrir uma
exceção.
Ou seja: Não há deveres absolutos.
MAXIMIZAR O PRAZER - MINIMIZAR A DOR

Princípios subordinados ou princípios secundários


A experiência acumulada e transmitida de geração em geração ensina-nos quais são as
ações que promovem a felicidade. Com base nessa experiência criam-se regras morais
sensatas, como por exemplo “Não se deve matar”, “Não se deve mentir” ou “Não se
deve roubar”.
Em vez de aplicar apenas o princípio da utilidade a ações particulares podemos aplicá-lo
a essas regras. E concluiremos que elas geralmente maximizam a felicidade e, portanto,
devem ser seguidas.
Mill chama a essas regras princípios subordinados ou princípios secundários, enquanto
o princípio da utilidade é o princípio moral supremo.
Há situações especiais em que essas regras não funcionam, pois se forem seguidas
produzir-se-á mais infelicidade do que felicidade.
O princípio da utilidade permite distinguir quando é que se deve seguir as regras ou
abrir uma exceção.
O BEM ÚLTIMO
Porque é que Mill considera a felicidade como o fundamento da moral?
A felicidade é o bem último porque, para Mill, é a finalidade última das ações humanas.
Ao contrário das outras coisas, a felicidade tem valor intrínseco: desejamo-la por si
mesma.
As outras coisas são desejadas como meios de alcançar a felicidade, mas desejamos a
felicidade por si mesma.
FELICIDADE
 É um bem último.
 Tem valor intrínseco: é algo bom em si mesmo.
BENS:
 Dinheiro, saúde, …
 Têm valor instrumental;
 São meios para atingir a felicidade.
Em Síntese:
O utilitarismo defende o Princípio da Maior Felicidade (PMF).
 De acordo com o PMF, uma ação é correta quando produz a maior felicidade
para o maior número. Ou seja, quando maximiza imparcialmente o bem.
 Aquilo que importa promover não é a felicidade do próprio agente (egoísmo
ético), mas a felicidade geral ou bem-estar agregado (sendo indiferente a forma
como o bem-estar está distribuído).
 A melhor escolha será aquela que, de um ponto de vista imparcial, promove a
maior felicidade geral. Ou seja, aquela que mais felicidade trouxer a um maior
número de agentes morais.
 Na avaliação de um ato, o que interessa são as melhores consequências o que
resultará desse ato); sendo irrelevante o motivo ou intenção do agente (a razão
pela qual queremos fazer algo).
 Assim, o utilitarista defende uma perspetiva consequencialista – são as
 consequências de um ato que determinam se este é certo ou errado.
 Por isso, também não há regras morais absolutas ou invioláveis.
EXERCÍCIOS

1. De um milionário prestes a morrer recebo um cheque de 500 mil euros.


Comprometo-me a cumprir a sua última vontade: entregar essa quantia ao
presidente do seu clube de futebol preferido. Contudo, a caminho do estádio,
uma campanha contra a fome no mundo chama a minha atenção. Surge um
conflito: devo ser fiel à minha promessa ao moribundo ou contribuir para salvar
milhares de vítimas da fome? de fome?
Seguindo a ética utilitarista, qual seria a ação correta? Porquê?

2. Imagina que um avião descontrolado ameaça despenhar-se sobre um edifício


repleto de pessoas. O avião tem um único ocupante - o piloto - que nada pode
fazer a fim de evitar a catástrofe. A única maneira de evitar que a queda do avião
mate centenas de pessoas é abatê-lo antes que se despenhe - matando, assim, o
seu único e inocente ocupante.

Seguindo a ética utilitarista, qual seria a ação correta? Porquê?

3. Imagina que és um bombeiro e estás prestes a efetuar um salvamento. Uma casa


está a arder e as pessoas não conseguem sair de lá. Numa parte da casa (área A)
está apenas uma pessoa e na outra parte oposta da casa (área B) estão quatro
pessoas.

Tu só tens tempo de ir a uma das partes da casa. O que deves fazer?

E se na área A estiver um teu amigo e na área B estiverem quatro estranhos?


OBJEÇÕES AO UTILITARISMO
1. Dificuldades de cálculo
Segundo o utilitarismo temos de realizar o cálculo das consequências favoráveis e
desfavoráveis de uma ação. Muitas vezes é extremamente difícil calcular as
consequências das ações. Podemos, por exemplo, analisá-las erradamente e, por isso,
uma ação que podia ter boas consequências (maximizar a felicidade) pode, afinal, ter
péssimas consequências e ser prejudicial para os envolvidos.
O cálculo pressupõe que podemos saber quais são as consequências prováveis das
ações. Porém, não parece que se consiga prever com plausibilidade as consequências a
longo prazo.
A felicidade é uma noção subjetiva, pelo que é um critério instável para medir os
resultados das nossas ações.
2. O utilitarismo é uma ética demasiado permissiva
Violação dos direitos individuais:
O utilitarismo parece justificar ações que intuitivamente consideramos erradas, uma vez
que desrespeitam os direitos de algumas pessoas.
A felicidade geral pode ser o melhor dos fins, mas nem sempre os fins justificam os
meios; ou seja, existem certas formas de maximizar o bem que não são eticamente
permissíveis.
Exemplo: A Sara é uma cirurgiã especializada na
realização de transplantes. No hospital em que trabalha
enfrenta uma terrível escassez de órgãos – cinco dos seus
pacientes estão prestes a morrer devido a essa escassez.
Onde poderá ela encontrar os órgãos necessários para
salvá-los? O Jorge está no hospital a recuperar de uma
operação. A Sara sabe que o Jorge é uma pessoa solitária
– ninguém vai sentir a sua falta. Tem então a ideia de
matar o Jorge e usar os seus órgãos para realizar os
transplantes, sem os quais os seus pacientes morrerão.
Consideramos a ideia da Sara abominável. Mas de acordo
com o utilitarismo, nada há de errado em matar o Jorge
(pois, permitiria salvar cinco pessoas que de outro modo
morrerão).
3.O utilitarismo é uma ética demasiado exigente
De acordo com o Utilitarismo, se um ato não contribui no máximo grau possível para a
felicidade geral, então é errado. Assim, devemos fazer tudo o que está ao nosso alcance
para contribuir para o bem-estar de todos.
Mas, esta perspetiva não exigirá de nós um altruísmo extremo?
Não nos obrigará a fazer sacrifícios excessivos para benefício dos outros?
Exemplo: Imagina que tens 100 euros no banco e que
estás a decidir como hás-de gastá-los. Como gostas muito
de ver filmes, tencionas gastar esse dinheiro em bilhetes
de cinema. Mas, como tu és um utilitarista, o que deves
fazer: gastar esse dinheiro em bilhetes de cinema ou doá-
lo a instituições de caridade para ajudar a combater a
fome? Qual é a ação que maximiza o bem e contribui para
o bem-estar geral?
Um utilitarista diria que gastar esse dinheiro em bilhetes
de cinema provavelmente não gerará um estado de coisas
tão bom como dar esse dinheiro a instituições de
caridade; logo, deve-se doar este dinheiro a uma
instituição de caridade.

Se o utilitarismo fosse verdadeiro, então teríamos o dever de dedicar a nossa vida a


gerar o melhor estado de coisas possível, e não teríamos muita oportunidade para tentar
desenvolver os nossos projetos pessoais (como ir ao cinema, fazer um curso, comprar
livros, etc. . . ). Assim, se seguirmos o utilitarismo, parece que teremos de redefinir
radicalmente a nossa vida, prescindindo de quase tudo o que apreciamos para benefício
dos outros.
O utilitarismo impõe ao agente que seja imparcial na consideração da sua felicidade e da
felicidade das outras pessoas.
Assim, se tivéssemos de escolher entre salvar o nosso pai e um médico que estivesse
prestes a descobrir a cura para uma doença grave, deveríamos salvar o médico, pois essa
opção é que maximizaria a felicidade.
Contudo parece monstruoso não tratar algumas pessoas de modo especial.
Em síntese - OBJEÇÕES À ÉTICA DE MILL (ao utilitarismo)
Dificuldades de cálculo
Segundo esta objeção, podemos cometer um erro ao calcular as consequências das ações
e considerar benéficas ações que afinal são prejudiciais.
Excesso de exigência
Esta objeção sustenta que não é correto o agente tentar ser tão imparcial como o
utilitarismo pretende e que está certo dar mais peso à felicidade de algumas pessoas
(familiares, por exemplo).
Ética demasiado permissiva
Violação de direitos individuais
Segundo esta objeção, o utilitarismo parece justificar ações que a intuição nos diz serem
erradas – como, por exemplo, sacrificar uma pessoa inocente, violando o seu direito à
vida, para aumentar a felicidade geral. São ações que põem em causa os direitos de
algumas pessoas, embora maximizem a felicidade.
Atenção! Estas são apenas três de várias objeções possíveis à ética de Stuart Mill.
4.Críticas ao hedonismo (máquina de experiências)
Hedonismo
A felicidade ou bem-estar de um indivíduo consiste unicamente no prazer e na ausência
de dor ou sofrimento. Assim, a felicidade consiste apenas em experiências aprazíveis (e
a ausência de experiências dolorosas).
Experiência Mental da máquina de experiências (de Robert Nozick)
Imagine-se que vivemos num mundo em que todas as pessoas se encontram ligadas a
sofisticadas máquinas que controlam os nossos pensamentos e sentimentos. Imagine-se
também que as máquinas controlam as nossas experiências de forma a tornar as nossas
vidas virtuais extremamente ricas em prazeres. Em tal mundo, temos uma vida repleta
de sucesso e prazer, sem nunca termos de enfrentar obstáculos ou dissabores.
Imagine-se ainda que este mundo seria pleno de todo o tipo de prazeres, superiores e
inferiores.
Seria uma boa ideia estar ligado à máquina de experiências?
Objeção ao Hedonismo - argumento da máquina de experiências
(1) Se o hedonismo fosse verdadeiro, então o mundo da máquina de experiências seria
melhor do que o nosso.
(2) Mas o mundo da máquina da experiências não é o melhor. (Aliás, seria um mundo
bastante pior porque seria uma farsa, constituído por experiências ilusórias).
(3) ) O hedonismo é falso. [De 1 e 2, por modus tollens]
De acordo com Robert Nozick (1974):
• Não é verdade que uma vida seja boa apenas devido às experiências agradáveis que a
constituem.
• A autenticidade das nossas experiências é algo intrinsecamente valioso.
• Uma vida constituída por experiências ilusórias, ainda que que muito agradáveis, tem
menos valor do que uma vida real.
ÉTICA DEONTOLÓGICA DE KANT
(1) Deriva do termo grego deontos que significa dever ou obrigação.

(2) Ética deontológica= ética do dever

(3) Há ações que é sempre errado realizar e há ações que é sempre correto realizar,
independentemente de as consequências serem sempre positivas ou negativas.

(4) Não é consequencialista. As consequências das ações não são critério de distinção do
certo e do errado.

(5) Há deveres morais absolutos. Estes devem ser cumpridos incondicionalmente e são
valdos para todos os seres racionais, quer os humanos quer os outros que possam existir.

A RAZÃO
Como saber quais são as ações que constituem um dever moral?
Como justificar o caráter absoluto e incondicional dos deveres?
Kant responde graças à razão. Somos seres racionais e deve ser a razão a dizer o que está certo e
o que está errado.
RAZÃO = CAPACIDADE DE PENSAR.
A moralidade é um assunto racional. Os sentimentos, as convenções sociais, a religião e
qualquer outro fator exterior à razão não têm nenhum papel a desempenhar na moralidade.
Como podemos saber qual é o nosso dever em cada situação da vida?
A teoria de Kant baseia-se na ideia de que há imperativos categóricos, sendo uma ação correta
unicamente quando os cumprimos.
IMPERATIVO CATEGÓRICO
Todos os seres racionais são capazes de compreender e aplicar um princípio ético – o
imperativo categórico (ou lei moral).
É o princípio supremo da moralidade – é o critério que permite distinguir as ações
moralmente corretas das ações moralmente incorretas.
Deveres derivados do imperativo categórico são também incondicionais e absolutos.
A RAZÃO É A FONTE DO IMPERATIVO CATEGÓRICO!
Regra das regras - O imperativo categórico é como um teste:
• as ações aprovadas no teste devem ser feitas;
• as ações não aprovadas no teste não devem ser feitas.
Kant formula o imperativo categórico de vários modos, afirmando que a sua aplicação leva-nos
a aceitar ou rejeitar as mesmas ações.
Kant formula o imperativo categórico de diversas formas para determinar quais são os nossos
deveres.
(1) A fórmula da lei universal.
(2) A fórmula do fim em si.

Ainda que nos pareçam muito diferentes, para Kant são apenas maneiras distintas de exprimir a
mesma ideia.

Teoria da correção de Kant: Imperativo Categórico

Uma ação é moralmente correta se, e só se, não infringe as regras morais corretas.
As regras morais corretas são aquelas que passam no teste do imperativo categórico; assim, as
regras morais corretas são:
(1) aquelas que podemos querer que sejam adotadas universalmente (fórmula da lei
universal);
(2) aquelas que nos levam a tratar as pessoas como fins, e não como meros meios. (fórmula
do fim em si).
A fórmula da lei universal
A sua formulação é a seguinte:
Age apenas segundo uma máxima tal que possas ao mesmo tempo querer que ela se torne uma
lei universal
A ideia é que devemos agir apenas de acordo com regras (máximas) que podemos querer que
todos os agentes adotem.
Consiste em mostrar se é ou não possível todos agirem segundo essa regra (máxima).
Teste do imperativo categórico (da lei universal)
Que regra (máxima) estamos a seguir se realizarmos esta ação?
Estamos dispostos a que essa regra (máxima) seja seguida por todos e em todas as situações?
Ou seja, é possível todos agirem segundo essa regra?
Ex: A Joana é dona de um hotel que nunca engana os clientes, fazendo sempre um preço justo.
Ela faz isso não por interesse (para não perder os clientes), mas simplesmente por dever de ser
honesta.
Será que este exemplo passa no teste do imperativo categórico?
Sim. Porque a máxima é “venderás sempre a um preço justo, porque é um dever ser honesto”.
Essa regra (máxima) torna-se lei universal e, consequentemente, o ato é moralmente
permissível.
E é possível todos agirmos segundo essa máxima e queremos que todos obedeçam a essa
máxima.
Ex: Um Homem em apuros que decide pedir dinheiro emprestado, prometendo restituir o
dinheiro, mas não tem a intenção de o devolver.
Será que este exemplo passa no teste do imperativo categórico?
Não. Porque a máxima é “faz promessas com a intenção de as não cumprires”.
E esta máxima não poderia tornar-se lei universal; pois, se todos fizessem promessas com a
intenção de as não cumprirem, a própria prática de fazer promessas desapareceria (uma vez
que esta baseia-se na confiança entre as pessoas).
Ex. O António mente ao Joel sobre uma traição da sua namorada Benedita, pois, não quer que o
Joel sofra (tem assim compaixão por ele).
Acontece que o Joel passa a andar traído sem o saber.
Será que este exemplo passa no teste do imperativo categórico?
Não. Porque a máxima é “mentirás porque tens compaixão”. E não poderíamos querer que a
mentira fosse uma lei universal, pois isso derrotar-se-ia a si mesmo: as pessoas descobririam
rapidamente que não podiam confiar no que os outros disseram, e por isso ninguém acreditaria
nas mentiras.
Outra das formulações do imperativo categórico
A FÓRMULA DO FIM EM SI / Fórmula da Humanidade
Como tratamos os outros quando cumprimos o Dever?
A sua formulação é a seguinte:
Age de tal maneira que uses a humanidade, tanto na tua pessoa, como na pessoa de qualquer
outro, sempre e simultaneamente como fim e nunca simplesmente como meio.
Kant afirma que é incorreto instrumentalizar as pessoas, ou seja, usá-las como simples meios
para atingir os nossos fins.
Para respeitar as pessoas, devemos tratá-las sempre como fins em si e não como meros
instrumentos que estejam ao serviço dos nossos planos.
As pessoas são agentes livres com capacidade para tomar as suas próprias decisões, estabelecer
os seus próprios objetivos e guiar a sua conduta pela razão.
(Dar esmola a um pobre para que outros pensem bem de nós. É usar a pessoa pobre como um
meio para se obter prestígio social)
As pessoas são seres racionais, e tratá-las como fim em si significa respeitar a sua racionalidade.
Assim, nunca poderemos manipular as pessoas, ou usá-las para alcançar os nossos objetivos.
Segundo a fórmula do fim em si, não é errado tratar as pessoas como meios – é errada tratá-las
como simples meios (desrespeitando a autonomia e a racionalidade das pessoas).
A BOA VONTADE
Boa vontade:

 É intrínseca e ilimitadamente boa; não pode ser usada para o mal;


 É o bem supremo (ou bem último)
Temos uma boa vontade quando o nosso querer é determinado pela razão e obedecemos ao
imperativo categórico.
O valor da boa vontade não depende dos resultados ou das consequências de uma determinada
ação.
Ações determinadas pelo dever (animadas por uma boa vontade) têm valor moral.
Ações não determinadas pelo dever, mas por inclinações imediatas ou com intenção egoísta, não
têm valor moral.
Para Kant, a única coisa que tem valor absoluto e incondicional é a boa vontade
A inteligência, a coragem, a perseverança, e outros talentos que habitualmente consideramos
positivos, só são bons se a vontade que fizer uso deles for boa, caso contrário podem vir a ser
muito prejudiciais.
Se imaginarmos que esses talentos são usados por um criminoso, torna-se claro aquilo que Kant
tem aqui em mente.
A própria felicidade não possui valor intrínseco, pois só pode ser considerada boa se estiver
associada a uma boa vontade.
Se a felicidade não estiver associada a uma boa vontade não tem qualquer tipo de valor, pois
não é merecida.
Kant pensa que ninguém no seu perfeito juízo sentiria satisfação com a felicidade de um
assassino que escapou à justiça.
O que é a vontade boa?
A bondade de uma vontade boa não deriva dos seus resultados:
É BOA EM SI MESMA e não pela sua capacidade de alcançar certos fins.
O seu valor não depende da sua utilidade, mas sim pelo facto de querer a coisa certa, do facto de
querer cumprir o dever por si mesmo, e não como forma de alcançar este ou aquele fim para
satisfazer algum tipo de interesse.
A única coisa importante do ponto de vista moral é o motivo ou a intenção subjacente ao ato: ter
uma intenção boa é o que torna uma vontade boa (não o resultado).
O que é exatamente uma boa vontade?
É a vontade do agente guiada exclusivamente pela sua intenção em cumprir o dever por dever, e
não movida por inclinações ou interesses.
Para Kant uma ação é correta se, e só se, é executada por uma boa vontade.
Quem tem uma boa vontade faz aquilo que deve fazer, aquilo que é moralmente correto, pelas
razões corretas.
CONCEITO DE BOA VONTADE + CONCEITO DE VIVER  INSEPARÁVEIS
Tipos de ação
Agir por dever
Para Kant, a boa vontade, sendo intrínseca e ilimitadamente boa, não pode ser usada para o mal.
Um agente dotado de boa vontade não realiza ações contrárias ao dever – pelo contrário, age por
dever.
O que é agir por dever?
Kant distingue diferentes tipos de ação consoante o seu valor moral.

Quais as ações que possuem valor moral?


Kant distingue três tipos de ações:
1. Ações contrárias ao dever
São aquelas que violam o dever.
Impermissíveis ou proibidas, coisas que nunca podemos intencionalmente fazer.
Como por exemplo roubar, matar inocentes, mentir, quebrar promessas (violação dos direitos
fundamentais das pessoas).
2. Ações conforme o dever
São as que se encontram de acordo com o dever, mas que não são realizadas por se reconhecer
que seria correto fazê-lo, mas sim porque daí resulta algum tipo de interesse ou inclinação
pessoal.
Por exemplo quando alguém não rouba porque tem receio de ser apanhado ou não mente
porque tem medo de ser castigado.
3. Ações por dever
São as únicas que têm valor moral intrínseco, uma vez que são realizadas por si mesmas, e não
por aquilo que por seu intermédio possa vir a ser alcançado.
Correspondem aquilo que deve ser feito, são motivadas pelo puro cumprimento do dever.
Como, por exemplo, não mentir para cumprir essa obrigação moral, ou não roubar porque seria
errado fazê-lo.
Um caso...
Suponha-se que uma criança entra numa padaria para comprar um pão. A padeira
apercebe-se de que pode enganar a criança no troco, mas está preocupada que os outros
clientes possam dar-se conta desse embuste e que os possa perder. Por isso, ela decide
dar à criança o troco justo.
• Será a conduta da padeira moralmente correta?
• Será que fazer a coisa certa por causa do medo das consequências é uma ação
moralmente correta?
Um comerciante não engana os seus clientes porque tem medo de ser apanhado.
Será a sua conduta moralmente correta?
Segundo Kant não, pois ele só não engana os clientes porque tem medo de ser
apanhado, e não por ter boas intenções; ele não tem boas intenções porque não tem uma
vontade boa. Embora as consequências sejam boas a sua ação não tem valor moral.
Determina o valor moral das seguintes máximas:
“Não minto porque se o fizer, arrisco-me a que a minha namorada já não goste de
mim”.
• Não tem valor moral – é uma ação meramente conforme ao dever – motivada
por sentimento de medo.
“Ajudo um mendigo na rua apenas por ter pena dele”.
• Não tem valor moral – é uma ação meramente conforme ao dever – motivada
por sentimentos de compaixão.
“Há adolescentes que se divertem a maltratar mendigos na rua”.
• Não tem valor moral – é uma ação contrária ao dever.
“A Sofia faz doações para ações de caridade apenas para aumentar a sua
popularidade entre os amigos”.
• Não tem valor moral – é uma ação meramente conforme ao dever – motivada
por interesse.
“Uma pessoa está a afogar-se e outra pessoa salva-a. Esta tirou-a da água para
receber uma recompensa pelo salvamento”.
• . Não tem valor moral – é uma ação meramente conforme ao dever – motivada
por interesse.

Mas, o que são imperativos? E como Kant os distingue?


Os Imperativos são ordens.
IMPERATIVO CATEGÓRICO E IMPERATIVO HIPOTÉTICO
Nem sempre o verbo «dever» é usado num sentido moral – ao contrário do que acontece
com os deveres que derivam do imperativo categórico.
Por isso, Kant faz uma distinção entre imperativo categórico e imperativo hipotético.
O imperativo hipotético é uma regra que nos diz que meios devemos usar se queremos
atingir determinados resultados.
O imperativo hipotético não tem caráter moral porque quem lhe obedece:
• não age por dever;
• age contra o dever ou por mera conformidade ao dever.
• O imperativo hipotético promove a heteronomia da vontade enquanto o
imperativo categórico promove
a sua autonomia.
Autonomia Heteronomia
A ética kantiana não admite autoridades morais externas e superiores à razão
(heteronomia).
O agente autónomo aceita a lei moral, não porque uma autoridade externa o convenceu,
mas porque a lei foi criada por si mesmo, quando a sua escolha moral foi imparcial e
desinteressadamente determinada pela sua razão.

Questões
3. Qual é a única coisa boa em si mesma, segundo Kant? Porquê?
4. O que é a vontade boa, segundo Kant?
5. Kant pensava que a vontade só é boa quando é inteiramente dirigida pelo quê?
6. Que relação estabelece Kant entre a vontade boa e a felicidade?
Respostas
3. A vontade boa porque é a única coisa que não é usada para o mal.
4. A vontade boa é a vontade de cumprir sempre o dever. É uma vontade que é
inteiramente dirigida pela racionalidade e por isso quer cumprir sempre o
dever.
5. Pela racionalidade.
6. Só é digno de ser feliz quem tiver uma vontade boa.
Mas, no que se baseiam as ações realizadas por dever?
Na razão... Quando agimos por dever estamos a agir racionalmente.
Ou seja, agir por dever implica fazer aquilo que é correto tendo como único motivo ou
intenção obedecer à lei moral que a razão impõe.
Pelo contrário, quando agimos por outros motivos (inclinações) estamos a agir em
função de desejos não racionais. (Desejos esses que tiram todo o valor moral às nossas
ações).
Importância das intenções e das máximas
Se a boa vontade é bem último, na avaliação moral das ações a única coisa que interessa
são as intenções dos agentes e não as consequências.
Por sua vez, as nossas intenções expressam-se através de máximas (como p.e. "devemos
ser honestos").
As máximas são regras ou princípios que nos indicam a intenção dos agentes.
Kant considera que quando agimos estamos a seguir uma máxima. As máximas
traduzem-se em imperativos que seguimos quando agimos, como, por exemplo:
• Não mintas, se não quiseres perder a credibilidade;
• Não copies no exame, se correres o risco de ser apanhado;
• Ajuda os amigos em necessidade;
• Cumpre as tuas promessas.
Deveres perfeitos e deveres imperfeitos
De acordo com a perspetiva kantiana nós temos o dever de ajudar os outros. Mas é
preciso notar que Kant considera que este dever não é tão importante quanto o dever de
não prejudicar os outros, de não os enganar e de não violar os seus direitos.
Kant afirma que alguém que não ajuda os outros é, ainda assim, preferível a alguém que
ocasionalmente ajuda os outros, mas que noutras circunstâncias os prejudica.
Agir por dever implica o cumprimento de deveres morais: deveres para connosco
próprios e deveres para com os outros.
 Os deveres perfeitos não admitem qualquer exceção, devem ser observados em
toda e qualquer circunstância (respeito total pelos deveres fundamentais das
pessoas (direito à vida, à liberdade, à integridade física e psicológica, entre
outros).
Têm um caráter negativo: são proibições morais absolutas (“Não mates!” “Não
tortures inocentes!”; “Não mintas!”; etc.)
 Os deveres imperfeitos têm um caráter positivo: diz-nos que há fins obrigatórios
de beneficência.
Os deveres perfeitos têm prioridade sobre os deveres imperfeitos.
(é sempre errado cumprir um dever imperfeito, se ao fazê-lo violar um dever perfeito)
Do ponto de vista de Kant, os imperativos categóricos são acessíveis a qualquer ser
racional: basta usar a razão para os descobrir.
Porquê?
Porque são imposições da própria razão e não imposições exteriores a ela.
Assim, quando agimos corretamente, estamos a agir racionalmente.
Quando agimos em função das nossas inclinações (por medo ou pena, por exemplo), as
nossas ações não são moralmente corretas.
(Kant diz que ocorre uma heteronomia da vontade: a vontade deixa-se determinar por
algo exterior)
OBJEÇÕES À ÉTICA DE IMMANUEL KANT
Conflito de deveres
Segundo esta objeção, existem casos em que há deveres incompatíveis (conflito de
deveres).
Se os deveres em causa forem todos absolutos, não sabemos o que fazer, qual deles
seguir.
O imperativo categórico é consequencialista
Segundo esta objeção, ao contrário do que Kant pretendia, o único modo plausível de
entender o imperativo categórico é consequencialista: averiguar se uma máxima é ou
não universalizável é analisar se as consequências de todas as pessoas agirem do mesmo
modo, em circunstâncias semelhantes, são boas ou más.
É errado negar a importância moral dos sentimentos
Segundo esta objeção, alguns sentimentos são muito importantes para a vida humana e
têm caráter moral. É habitual considerar que a amizade ou o amor, por exemplo, são
sentimentos moralmente bons. Não é correto eliminá-los da esfera ética, negando a sua
importância moral.
Atenção!
Estas são apenas
três de várias objeções
possíveis à ética
de Kant.
CONFLITOS DE DEVERES
A ideia de que temos deveres absolutos levanta um outro problema: e se estes entrarem
em conflito?
Kant diz-nos que temos deveres absolutos. Ora, isso significa que nunca é permissível
fazer o que estes deveres proíbem (por ex. roubar, enganar, etc.).
Contudo podemos imaginar situações nas quais esses deveres entram em conflito.
Mas, se ambos os deveres são absolutos, somos conduzidos a um conflito irresolúvel
entre eles, sem ter nenhuma forma de os hierarquizar e de estabelecer uma prioridade
entre eles.
Ex. É incorreto mentir a um assassino? M. J. Sandel, Justiça. Fazemos o que devemos?,
Presença, 2011, pp. 141-142.
Cumprir um dever pode implicar não cumprir o outro. Se cumprirmos o dever de não
mentir, não cumprimos o dever de não contribuir para a morte de inocentes – e vice-
versa. Como sair deste impasse?

REGRAS MORAIS ABSOLUTAS?


O Imperativo categórico implica que temos determinados deveres perfeitos com caráter
absoluto. Assim, por exemplo, nunca devemos mentir. Mas será isto plausível?
(texto de M.Sandel - É incorreto mentir a um assassino?)
Intuitivamente parece errado não mentir nesta situação; aqui a mentira parece ser
moralmente correta. Logo, a ideia de haver deveres absolutos parece implausível.
A moral kantiana não dá atenção às consequências da ação.
Há casos em que as consequências da ação parecem relevantes para apreciar o seu valor
moral.
O lugar das emoções em ética
A ética kantiana, ao considerar que para agir moralmente temos de nos abstrair de todas
as nossas inclinações e seguir um imperativo ditado pela razão, parece esvaziar a
moralidade de algumas emoções que lhe estão frequentemente associadas, como: a
compaixão, a simpatia e o remorso.
Contudo, parece inegável que os nossos sentimentos, desejos e emoções também têm
um papel a desempenhar no domínio da moralidade e se a ética kantiana não deixa
espaço para esse papel, então temos de reconhecer que isso é uma limitação desta teoria.
Faça sempre a pergunta: «E se toda a gente fizesse o mesmo?» Não se considere um
caso especial. Kant pensava que, na prática, isto significava que não devemos usar as
outras pessoas, mas sim tratá-las com respeito, reconhecendo a autonomia dos outros,
a sua capacidade de, como indivíduos, tomarem decisões sensatas para si mesmos. Esta
reverência pela dignidade e valor de cada ser humano está no centro da moderna teoria
dos direitos humanos. É o grande contributo de Kant para a filosofia moral.
N. Warburton, Uma Pequena História da Filosofia, Edições 70, pp. 124-126
Considere a máxima seguinte.
“Sempre que for necessário, mentirei para evitar magoar as pessoas.”

Aplique-lhe o teste de moralidade kantiano (teste da universalização) e justifique


os resultados a que esse teste conduz.
Cenário de resposta:
• O teste de universalização permite concluir que não é possível todos agirem
segundo esta máxima. (Age apenas segundo aquela máxima que possas ao
mesmo tempo desejar que se torne lei universal). No caso em que todos
procurassem agir segundo a máxima em questão, a mentira para poupar as
pessoas poderia ocorrer em qualquer momento, levando as pessoas a encarar
com descrença o que quer que lhes fosse dito. A mentira caridosa,
universalizada a máxima, seria então impossível. Logo, essa regra (máxima)
não pode ser seguida e, consequentemente, o ato é moralmente proibido.
• O mesmo acontece se considerarmos esta máxima à luz do imperativo
categórico na fórmula da humanidade. (Age de tal forma que trates a
humanidade, na tua pessoa ou na pessoa de outrem, sempre como um fim e
nunca apenas como um meio). Respeitar a autonomia da pessoa parece exigir
que se lhe diga sempre a verdade, para que esta possa tomar as suas decisões de
modo informado.

ANÁLISE COMPARATIVA

Você também pode gostar