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Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra

Direito Patrimonial da Família e


Sucessões
Aulas Teóricas e Práticas

Prof. Dra. Paula Vitor


Ano Letivo 2023/2024

DPFS Marisa Branco Página 1 de 50


BIBLIOGRAFIA

• Manual de Direito da Família, do Dr. Guilherme Oliveira

• Sebenta do Dr. Pereira Coelho (digitalizado)

• Outros materiais no Uc Student

A. INTRODUÇÃO

1. DIREITO MATRIMONIAL E DIREITO PATRIMONIAL DA FAMÍLIA

Vivemos imensas alterações no direito da família. Na parte do direito patrimonial encontramos alguma
estabilidade. Isto não significa que as alterações do direito da família de cariz mais pessoal não tenham
implicações também no entendimento que fazemos das regras do direito patrimonial.

Esta divisão entre o que é patrimonial e o que é pessoal na família acaba por ser superficial. Só temos um
direito patrimonial da família porque temos relações de natureza pessoal que justifiquem que não se
apliquem as regras gerais do direito das coisas e do direito das obrigações. O direito patrimonial da família
serve as famílias que o direito regula e as formas como as pessoas organizam a sua vida em família.

Não podemos esquecer-nos desta ligação.

Também no direito patrimonial podemos falar da família num contexto de vulnerabilidade. O contexto
familiar cria as suas próprias vulnerabilidades – compensações pelo trabalho doméstico, por exemplo –
artigo 1672.º/2 CC – existe esse crédito compensatório porque existe um desequilíbrio criado pelas relações
familiares. “Se a contribuição de um dos cônjuges para os encargos da vida familiar for consideravelmente
superior ao previsto no número anterior, porque renunciou de forma excessiva à satisfação dos seus
interesses em favor da vida em comum, designadamente à sua vida profissional, com prejuízos patrimoniais
importantes, esse cônjuge tem direito de exigir do outro a correspondente compensação”

2. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO DIREITO DA FAMÍLIA COM RELEVÂNCIA PARA O


DIREITO PATRIMONIAL

Ligámos muito facilmente os princípios constitucionais do direito da família às matérias pessoais, mas
encontramos normas também com implicações no direito patrimonial.

• Art. 36º da CRP: “Todos têm o direito de constituir família e de contrair casamento em condições de
plena igualdade.”

• Art. 36º/2 da CRP: “A lei regula os requisitos e os efeitos do casamento e da sua dissolução, por morte
ou divórcio, independentemente da forma de celebração.” — no ano passado ligamos este número 2 à
questão dos sistemas matrimoniais – a todos os casamentos a que a lei reconhece efeitos civis, a lei civil
também vai regular os efeitos do casamento. Relativamente a duas pessoas que tenham casado
catolicamente, por exemplo, aplicam-se as regras patrimoniais que temos aqui.

• Art. 36/º3 da CRP: “Os cônjuges têm iguais direitos e deveres quanto à capacidade civil e política e à
manutenção e educação dos filhos.” — Este artigo fala-nos dos iguais direitos e deveres dos cônjuges –
quanto à capacidade civil e política e quanto à manutenção e educação dos filhos – princípio da
igualdade dos cônjuges e um princípio da igualdade dos cônjuges enquanto progenitores.

O direito patrimonial, até foi uma das matérias mais afetadas pela consagração constitucional deste
princípio da igualdade entre os cônjuges. Antes da reforma de 1977, que reconfigurou o direito da família
em função dos princípios constitucionais, estava consagrado o poder do marido de administrar os bens do
casal, incluindo bens próprios do cônjuge mulher, o que implicava que pudesse alienar bens móveis
próprios da mulher. O princípio da igualdade teve de exercer uma força reconfiguradora no âmbito dos
direitos patrimoniais.

Este nº3 é vertido de forma mais genérica no próprio CC — principio da igualdade entre os cônjuges art.
1671º CC.

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• Art. 36º/4 CRP: “Os filhos nascidos fora do casamento não podem, por esse motivo, ser objecto de
qualquer discriminação e a lei ou as repartições oficiais não podem usar designações discriminatórias
relativas à filiação.”

Isto vai ser importante para direito das sucessões para eliminar qualquer distinção entre filhos nascidos
dentro ou fora do casamento - vamos ver a sua projeção nos efeitos patrimoniais da filiação.

O artigo 36.º inclui-se no âmbito dos direitos, liberdades e garantias. Nos direitos económicos, sociais e
culturais temos os artigos 67.º, 68.º, 69º e os artigos 70º, 71.º e 72.º CRP.

Vamos aqui estudar também o regime dos maiores acompanhados.

3. REGIME DE BENS DO CASAMENTO

Noção de regime de bens do casamento

Chama-se regime de bens do casamento ao conjunto de regras cuja aplicação define a propriedade sobre os
bens do casal, isto é, a sua repartição entre o património comum e o património de cada cônjuge.

A este conjunto de regras acrescem muitas outras – sobre a administração dos bens, sobre a responsabilidade
por dívidas e pelos encargos da vida familiar, etc. No entanto, estas regras são impostas por lei, ao contrário
do regime de bens que pode ser escolhido, quase sempre, pelos nubentes.

Quantos aos efeitos patrimoniais do casamento, há efeitos patrimoniais do casamento que dependem do
regime de bens e há efeitos patrimoniais do casamento não dependentes do regime de bens.

Noutros ordenamentos jurídicos, nomeadamente no direito francês, fala-se em regime primário e regime
secundário. Quais são os efeitos patrimoniais que não dependem do regime de bens?

- Regras relativas à administração dos bens do casal, regras relativas às chamadas ilegitimidades conjugais
(atos que os cônjuges podem praticar ou não podem praticar sem o consentimento do outro cônjuge), as
regras que se referem aos poderes de disposição dos seus bens, as normas que regulam a responsabilidade
por dívidas dos cônjuges e também aquelas que regulam os contratos entre os cônjuges.

Para sabermos se um determinado bem é comum ou próprio e sabermos que regras lhe vamos aplicar, temos
de saber antes qual o regime de bens. Também há algumas regras pontuais que se referem ao regime de bens
– por exemplo, quanto à responsabilidade por dívidas – em geral, as regras não se referem a um regime de
bens particular – mas nem sempre assim é. Uma dívida contraída antes do casamento em proveito comum do
casal responsabiliza ambos se o regime for o regime da comunhão geral; responsabiliza apenas um se o
regime escolhido for o da comunhão de adquiridos.

Faz mais sentido percebermos os regimes de bens (quais são os bens próprios e os bens comuns) antes para,
depois, sabermos aplicar as regras gerais.

Vamos começar por falar de um instrumento que serve para fixar este regime de bens — vamos falar em
conjunto de regimes de bens e de convenções antenupciais.

1. Convenções antenupciais

1.1. Noção de convenção antenupcial

É um acordo que é celebrado entre os nubentes, ou seja, anterior ao casamento e que tem como finalidade
fixar o regime de bens do casamento. Então, o casamento constitui uma condição legal de eficácia da
convenção.

Artigo 1698º CC e ss

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Este acordo entre os nubentes tem como principal propósito fixar o regime de bens do casamento. Só nesta
definição nós já conseguimos encapsular uma série de ideias. Estamos a falar em nubentes – antes do
casamento – nubentes precedem a qualidade de cônjuges. Estamos a falar de um acordo – contrato – temos
declarações de vontade convergentes no sentido de fixar o regime de bens; e é um contrato acessório do
casamento. A convenção antenupcial não subsiste por si só, o casamento vai ser a condição legal de eficácia
da convenção antenupcial.

1.2. Princípios dominantes: liberdade e imutabilidade

1) Principio da liberdade

Artigo 1698º CC: “Os esposos podem fixar livremente, em convenção antenupcial, o regime de bens do
casamento, quer escolhendo um dos regimes previstos neste código, quer estipulando o que a esse respeito
lhes aprouver, dentro dos limites da lei.”

Regime de bens: diz respeito ao conjunto de regras que definem a titularidade dos bens dos cônjuges – que
bens integram o património próprio de um, que bens integram o património próprio do outro e, se estivermos
perante um regime de comunhão, que bens integram o património comum.

Podem os nubentes escolher qualquer um dos regimes previstos neste código — temos três regimes de bens
no ordenamento jurídico português: regime de comunhão de adquiridos, regime da comunhão geral de bens e
regime da separação de bens. No entanto, a lei diz que podemos estipular a este respeito o que nos aprouver,
não estamos limitados à adesão a um regime de bens que nos é dado pela lei, podemos criar regimes
mistos, introduzir cláusulas diversas nos regimes.

Ex.: temos um casamento celebrado no regime da comunhão geral de bens, mas estipulou-se que o imóvel
que um dos cônjuges adquiriu antes do casamento não entra no património comum, permanece como bem
próprio de um dos cônjuges — criou-se um regime atípico.

“dentro dos limites da lei” — Casos de imperatividade relativamente aos regimes de bens:

a. Absoluta: duas situações em que os cônjuges não podem escolher – a lei impõe que o regime aplicável ao
seu casamento seja o regime de separação de bens – não pode ser afastado pelas partes — art. 1720º CC:

"1 - Consideram-se sempre contraídos sob o regime da separação de bens:

a) O casamento celebrado sem precedência do processo preliminar de casamento — aqui estamos a falar
de formalidades do casamento - há uma suspeição pela parte do legislador da existência de um móbil de
natureza patrimonial para o casamento e para dissuadir os nubentes, o que faz é excluir o regime de
comunhão.

b) O casamento celebrado por quem tenha completado sessenta anos de idade:

Antes da reforma de 1977 o direito das sucessões era diverso, o cônjuge não integrava a primeira classe
sucessiva, então a questão jogava-se mais na partilha conjugal do que no funcionamento das regras da
sucessões - uma regra relativa a ausência de partilha conjugal fazia com que os bens levados para o
casamento não integrassem património comum, os filhos teria sempre uma posição prioritária. Isso mudou,
hoje, mesmo quando casado em separação de bens, o cônjuge é herdeiro legitimário.

Mas o problema aqui tem a ver com a constitucionalidade desta norma: Na nossa CRP temos uma lista
apontada pelo legislador constitucional como fatores potenciadores de descriminação, e aqui temos uma
norma discriminatória em razão da idade — restrição da capacidade das pessoas de 60 anos.

b. Relativa: exclui-se a possibilidade de escolher um determinado regime de bens, mas há possibilidade de


escolha fora desse âmbito — Art. 1699º/2 CC:

“Se o casamento for celebrado por quem tenha filhos, ainda que maiores ou emancipados, não poderá ser
convencionado o regime da comunhão geral nem estipulada a comunicabilidade dos bens referidos no n.º 1
do artigo 1722º.”

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Estamos aqui a limitar a liberdade de escolha do regime de bens, não impondo um particular regime de bens,
mas impedindo que escolha o regime da comunhão geral — se os nubentes têm filhos antes do casamento,
independentemente de estarmos a falar de filhos menores ou maiores, não pode ser convencionado o regime
da comunhão geral e não podem ser considerados comuns os bens levados para o casamento ou os bens
adquiridos por sucessão ou doação na constância do casamento. É um caso de imperatividade relativa porque
não impõe um determinado regime de bens. Exclui o regime da comunhão geral e a comunicabilidade de
determinados bens (bens próprios no regime da comunhão de adquiridos – bens levados para o casamento e
bens adquiridos a título gratuito na constância do casamento) – os nubentes podem ainda escolher o regime
da comunhão de adquiridos ou um regime misto.

Porque é que a lei determinará que quem leve filhos para o casamento não pode optar pelo regime da
comunhão geral? No regime da comunhão geral, quase tudo é património comum. O que se pretende tutelar
aqui é a posição sucessória dos filhos.

Imaginemos que os bens levados para o casamento entram no património comum - por morte de um
dos cônjuges, primeiro procede-se à divisão do património comum em termos de partilha conjugal e
depois a outra metade do bolo é dividida a título sucessório, entre o cônjuge e, imaginemos, dois
filhos. Se não há regime da comunhão de bens, não há partilha conjugal – há só partilha sucessória –
divide-se o património por três (cônjuge e dois filhos).

Faz sentido que isto assim seja quando estamos a falar de filhos que sejam filhos comuns dos
cônjuges? Neste momento, a maior parte dos nascimentos em Portugal dá-se fora do casamento. Há
muitas situações em que, apesar de haver o nascimento dos filhos fora do casamento, há o casamento
posterior dos progenitores. Neste caso, não faz sentido esta regra. Tanto não faz sentido que a PGR,
em 1995, emitiu um parecer recomendando precisamente a interpretação restritiva deste número 2 do
artigo 1699.º CC. Esta norma só se justifica enquanto não existam filhos comuns. Se todos forem
filhos comuns dos cônjuges, já não temos a ratio subjacente a esta norma a impor um regime de
imperatividade relativa.

Há ainda outros limites ao princípio da liberdade:

Art. 1699º CC: “ Não podem ser objecto de convenção antenupcial:

a) A regulamentação da sucessão hereditária dos cônjuges ou de terceiro, salvo o disposto nos artigos
seguintes;

Por regra, em convenção não posso regular a sucessão, o legislador quer que continue livre para fazer
disposições à cerca da minha sucessão. É por isso que o instrumento fundamental da sucessão é o
testamento.

Isto a não ser nos casos previstos no art. 1700º e ss - disposições por morte consideradas lícitas - pactos
que favorecem o casamento.

Mas mais importante do que estas normas, e vamos estudar isto mais a frente, é a introdução da alínea c)
do art. 1700º/1/c): até 2018 as únicas disposições admitidas nos termos da lei diziam respeito a
instituição do herdeiro legatário, e em 2018 introduziu-se a renúncia a condição de herdeiro legitimário,
é então possível, quando os cônjuges escolhem o regime da separação de bens, criar uma separação
também para além da morte. Ou seja, a regra é a de que o cônjuge é herdeiro, legitimário desde logo,
ainda que casado em separação e bens, mas se assim entenderem é possível na convenção renunciar a
esta condição de herdeiro legitimário.

b) A alteração dos direitos ou deveres, quer paternais, quer conjugais;

Conseguimos perceber bem esta limitação se pensarmos no regime anterior – a última alteração a este
artigo foi em 1977. Esta restrição ao princípio da liberdade é um travão para impedir por via
convencional aquilo que a lei quis afastar. Não se alteram os direitos ou deveres paternais. Não há
prerrogativas de um dos cônjuges relativamente às decisões quanto aos filhos.

c) A alteração das regras sobre administração dos bens do casal:

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Temos regras previstas para a administração dos bens do casal (art. 1678º) e este artigo tem a redação
que lhe foi dada pela redação de 1977, que cria um sistema paritário na administração dos bens do casal.
O que o legislador pretendeu evitar foi fazer-se por esta via convencional qualquer resquício destas
regras não igualitárias — o regime anterior concedia poderes de administração acrescidos ao cônjuge
marido e o art. 1699º quis que não se reintroduzissem por via da convenção antenupcial vias
desigualitárias que a lei tinha afastado.

Pode, antes, recorrer a um mandato, que é livremente revogável.

d) A estipulação da comunicabilidade dos bens enumerados no artigo 1733.º

O art. 1733º CC é um artigo próprio do regime da comunhão geral — vemos aqui que há alguns bens que
não entram na comunhão geral de bens, os bens incomunicáveis, bens próprios e são bens próprios que
o legislador entendeu que mesmo no regime mais comunhitarista de todos não podiam perder a
qualidade de bem próprio.

Se o legislador impôs que mesmo nos regime em que os nubentes assumem que querem que tudo entre
no património comum, ele excluiu estes bens do património, num regime menos comunhitarista eles
estarão também excluídos — relativamente a estes bens nunca pode ser estabelecida a comunicabilidade
seja qual for o regime de bens.

2) Princípio da imutabilidade

É uma especificidade nacional (permanece de forma anacrónica no nosso ordenamento jurídico).

Há aqui uma limitação clara à autonomia privada dos cônjuges. Propõe que haja uma cristalização da
vontade dos cônjuges a partir do momento da celebração do casamento. Não pode ser modificado o regime
de bens convencionado e também não pode ser modificado o regime supletivo – artigo 1714.º CC – depois
da celebração do casamento, aquilo que foi determinado em convenção antenupcial não pode ser alterado; ou
então houve casamento e nem houve convenção antenupcial – vigora o regime supletivo – vigora o regime
da comunhão de adquiridos – também já não pode ser alterado. Isto é a interpretação restrita do princípio da
imutabilidade.

Há duas interpretações que são dadas ao âmbito do princípio da imputabilidade:

(1) Aquela que vem na linha do que os Drs. Guilherme Oliveira e Pereira Coelho defendem — o princípio
da imutabilidade em sentido estrito:

Referimo-nos apenas a esta alteração no regime dos bens — não pode ser modificado nem o regime de
bens convencionado, nem o supletivo após a celebração do casamento, porque verdadeiramente
mutabilidade só existe após o casamento (art. 1712º CC).

Art. 1714º CC — regra: dá-nos o entendimento estrito deste princípio

Art. 1715º CC — exceções:

1. São admitidas alterações ao regime de bens:

a) Pela revogação das disposições mencionadas no artigo 1700.º, nos casos e sob a forma em que é
permitida pelos artigos 1701.º a 1707.º;

b) Pela simples separação judicial de bens;

c) Pela separação judicial de pessoas e bens; (tem os mesmos efeitos patrimoniais do divórcio)

d) Em todos os demais casos, previstos na lei, de separação de bens na vigência da sociedade


conjugal.Ex.: caso de insolvência, caso da partilha quando estão em causa dívidas dos cônjuges.

NOTA: A separação de pessoas e bens dá-se pela via judicial ou pela via administrativa, mas a simples
separação de bens dá-se apenas pela via judicial.

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(2) Há quem adote um entendimento amplo deste princípio, como a Dra. Rita Lobo Xavier: não está em
causa apenas a proibição de alteração do regime de bens após o casamento, mas também estão proibidos
negócios concretos que podem provocar alterações na composição das massas patrimoniais - art. 1714º/2
e 3 CC. Proíbe-se o contrato de compra e venda, por exemplo, porque este contrato leva a alterações
patrimoniais. Há quem entenda que este princípio da imutabilidade também proíbe estas alterações por via
negocial.

A Dra. Paula Vitor entende que estes negócios não se incluem neste entendimento do principio da
imputabilidade. O sentido mais restrito deste princípio tem sido tradicionalmente a interpretação da Escola
de Coimbra.

Porquê que temos o principio da imutabilidade e porque seria importante afasta-lo?

1) Para proteger o cônjuge que seria mais influenciável do ascendente do outro, que na constância do
casamento o poderia convencer a alterar o regime de bens para um mais favorável.

Esta justificação já não tem tanto fundamento hoje em dia em relação a forma como vemos o casamento.

2) Para a proteção de terceiros, na medida em que eles também podem ter que ver com o regime de
bens. Ex.: credor que vê um determinado bem entrar no património do casal, está convencido que é um
bem comum, tem uma garantia acrescida relativamente ao seu crédito, confia no que foi estipulado em
convenção, mas, entretanto, foi alterada, logo, as regras relativamente à titularidade dos bens também
foram alteradas.

Esta justificação também não nos parece suficiente, na medida que em há meios de proteger estes
terceiros ainda que haja alteração dos regimes de bens, por exemplo, concedendo publicidade a estas
alterações através do registo. Contudo, continua a vigorar este princípio da imutabilidade.

Exemplo: Art. 1691º/d) CC — São da responsabilidade de ambos os cônjuges as dívidas contraídas por
qualquer dos cônjuges no exercício do comércio, salvo se se provar que não foram contraídas em
proveito comum do casal ou se vigorar entre os cônjuges o regime de separação de bens;

Se eu contrair uma dívida no exercício do comércio, esta vai responsabilizá-lo e ao cônjuge — isto só
não aconteceria se tivéssemos optado pela separação de bens, mas não optaram, foi um regime de
comunhão. Então agora divorciaram-se mas o outro cônjuge continua devedor. Imagine-se como seria
importante que numa fase da vida em que se começou a desenvolver via comercial, que pudessem alterar
o regime de bens.

1.3. Requisitos de fundo

A convenção antenupcial é um contrato e, como tal, está sujeita às regras gerais relativamente às
divergências entre a vontade e a declaração e aos vícios da vontade. Para além disso, temos regras
específicas da convenção.

(1) Do ponto de vista do conteúdo, há a possibilidade de apor condição ou termo à convenção antenupcial
— Art. 1713º CC: “É válida a convenção sob condição ou a termo.”

Exemplos: casamos no regime da separação de bens, mas a fim de 10 anos de casamento passa a vigorar a
comunhão de adquiridos; quando casamos vigora o regime da separação de bens, mas assim que nascer o
primeiro filho passa a vigorar o regime da comunhão de adquiridos.

Mas não tínhamos falado ainda agora do princípio da imutabilidade? Isto não o põe em causa, não há
nenhuma alteração em relação ao estipulado na convenção.

(2) Quanto à capacidade: Quanto à capacidade, há regras diversas dos restantes negócios jurídicos:

Não há uma identificação da capacidade para celebrar convenções antenupciais com a capacidade de
exercício de direitos.

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Identifica-se a primeira com a capacidade para contrair casamento — art. 1708º/1 CC: “Têm capacidade
para celebrar convenções antenupciais aqueles que têm capacidade para contrair casamento.”

Nº2: “Aos menores só é permitido celebrar convenções antenupciais com autorização dos respetivos
representantes legais.”

Não há representação aqui, é antes necessária autorização dos representantes legais.

Nº3: “Aos maiores acompanhados, quando devam ser representados para a realização de atos de disposição
entre vivos ou quando os mesmos dependam de autorização, só é permitido celebrar convenções
antenupciais com o acordo expresso do acompanhante.”

1.4. Formalidades:

Quanto aos requisitos de forma:

Art. 1710º CC: “As convenções antenupciais são válidas se forem celebradas por declaração prestada
perante funcionário do registo civil ou por escritura pública.”

Isto dá-nos um suporte para a inserção de outras cláusulas em convenção antenupcial que não têm que ver
apenas com a fixação do regime de bens: p.e., a regulamentação da forma como são cumpridos determinados
deveres conjugais, mas também a sucessão contratual. Também falamos no ano passado nas convenções
antenupciais como possível suporte para outros atos jurídicos – nomeadamente para o reconhecimento
voluntário da paternidade – perfilhação através de escritura pública. São outras cláusulas que não têm que
ver com o regime de bens, mas podem utilizar este suporte formal.

Afasta-se o princípio da liberdade de forma. As consequência do desrespeito da forma legalmente prescrita


estão no art. 220º CC — nulidade.

Publicidade:

Art. 1711º CC:

“1.As convenções antenupciais só produzem efeitos em relação a terceiros depois de registadas.

2. Os herdeiros dos cônjuges e dos demais outorgantes da escritura não são considerados terceiros.

3. O registo da convenção não dispensa o registo predial relativo aos factos a ele sujeitos.”

As convenções antenupciais são objeto da publicidade que é dada o registo. Se não forem publicitadas não
serão eficazes perante terceiros — ou seja, a falta de publicidade não tem implicações quanto à validade, mas
tem quanto à eficácia perante terceiros.

1.5. Caducidade

1716º CC: “A convenção caduca, se o casamento não for celebrado dentro de um ano, ou se, tendo-o sido,
vier a ser declarado nulo ou anulado, salvo o disposto em matéria de casamento putativo.” — O casamento
é condição legal de eficácia da convenção antenupcial

Exemplo: Se eu celebro uma convenção antenupcial em janeiro de 2023, e escolho a comunhão geral e
celebro hoje o casamento validamente — a convenção antenupcial caducou, vai vigorar o regime supletivo
da comunhão de adquiridos.

Há duas modalidades de extinção do casamento — por dissolução ou invalidade. Na dissolução do


casamento nós temos o divórcio ou a morte (temos uma terceira para o casamento católico, que é a dispensa
do casamento rato não consumado – é privativa do direito canónico).

Quando falamos na invalidade, falamos na anulação do casamento civil ou declaração de nulidade do


casamento católico.

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Quando o casamento se dissolve, preservam-se os efeitos do casamento até ao momento da dissolução e o
momento da dissolução é o momento a partir do qual deixam de se produzir efeitos. Na invalidade, isto não
acontece – por causa da regra geral da invalidade – a anulação, a declaração de nulidade tem efeitos
retroativos. Se o casamento for invalidado, não só não se produzem efeitos para o futuro, como os efeitos do
passado vão ser eliminados.

O que é que isto pode causar no âmbito do casamento? Pode levar a que haja uma série de efeitos com que
até ambos ou apenas um dos cônjuges tenha contado e depois de o casamento ser invalidado são apagados.

Isto significa que esta vida em comum dos cônjuges cujo casamento foi invalidado não recebe o chapéu do
direito patrimonial – quanto aos bens adquiridos, quanto aos filhos que nasceram na constância do
casamento, etc. Quando muito, poderia receber o chapéu da união de facto.

Mas o legislador quer preservar alguns efeitos, porque considera que há situações que merecem ser
acauteladas, criando um instituto do casamento putativo. O casamento putativo funciona numa exceção face
à regra – a dos efeitos retroativos da declaração de nulidade ou anulação.

Para termos esta exceção (do casamento putativo), temos de ter verificados uma série de pressupostos.

Exemplo: Se o casamento vier a ser declarado nulo ou anulado: o casamento padecia de um vício de erro,
porque um dos cônjuge descobre que o outro cônjuge esteve envolvido numa série de atividades de caráter
xenófobo no ano de 2014, o que era essencial para a determinação da sua vontade de contrair casamento.
Com isto intentou uma ação de anulação (se fosse católico era declarado nulo).Os cônjuges tinham optado
pelo regime da comunhão de adquiridos, mas esse segundo cônjuge ao longo dos últimos anos tem feito uma
carreira com muito sucesso e tem ganho vários prémios — se o casamento é anulado a anulabilidade tem
efeito retroativos, mas excepcionalmente pode vigorar o casamento putativo — art. 1647º CC: “ O
casamento civil anulado, quando contraído de boa fé por ambos os cônjuges, produz os seus efeitos em
relação a estes e a terceiros até ao trânsito em julgado da respectiva sentença.” produzir-se efeitos
favoráveis do casamento em relação ao cônjuge de boa-fé. No nosso exemplo, quem estava de boa fé era
quem incorreu em erro quanto às qualidades essenciais do seu cônjuge e favorecia-o vigorar o regime do
casamento putativo.

Então ressalva-se a produção dos efeitos do regime de bens escolhido na convenção antenupcial apesar do
casamento ter sido anulado.

2. Regime da comunhão de adquiridos

2.1. Características gerais do regime

O princípio da liberdade determina que não só os regimes tipificados no código possam ser escolhidos pelos
nubentes. Podemos escolher um ou outro destes regimes, a não ser que tenhamos uma situação de
imperatividade absoluta ou relativa, mas também podemos criar regimes mistos.

A esmagadora maioria dos casos é a de regime tipificado na lei, é não haver recurso à convenção antenupcial
e simplesmente vigorar o regime supletivo – comunhão de adquiridos.

Vamos começar pelo regime da comunhão de adquiridos: (1) porque é o regime supletivo, (2) porque é o
regime dominante, (3) porque é aquele que está regulado de forma mais densa no nosso código.

Qual é a ideia subjacente à comunhão de adquiridos?

A ideia subjacente à comunhão de adquiridos é a de que aquilo que resulta do esforço comum do casal
integra o património comum. Grosso modo, aquilo que resulta da aquisição onerosa de bens na constância do
casamento, aquilo que resulta do trabalho dos cônjuges integra o património comum. Aquilo que foi levado
para o casamento ou adquirido a título gratuito não integra o património comum.
´
Ver artigo 1721.º e ss. CC “Se o regime de bens adoptado pelos esposados, ou aplicado supletivamente, for
o da comunhão de adquiridos, observar-se-á o disposto nos artigos seguintes.”

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Depois de estudarmos este regime vamos ver alguns aspetos quanto à comunhão geral e quanto à separação
de bens.

Quando vigora o regime da comunhão de adquiridos?

Artigo 1717.º CC — “Na falta de convenção antenupcial, ou no caso de caducidade, invalidade ou


ineficácia da convenção, o casamento considera-se celebrado sob o regime da comunhão de adquiridos.”

É o regime que pode vigorar enquanto regime supletivo, mas que vigora como regime convencional,
quando, por exemplo, os nubentes optam por este regime mas introduzem uma cláusula diversa deste regime.

O regime da comunhão de adquiridos passou a ser supletivo a partir da entrada em vigor do Código civil: isto
significa que as pessoas casadas antes de 31 de maio de 1967, que não tiverem escolhido o regime de
bens casaram-se com o regime supletivo anterior, o regime da comunhão geral.

Art. 1734º CC: “São aplicáveis à comunhão geral de bens, com as necessárias adaptações, as disposições
relativas à comunhão de adquiridos.”

Então, tudo aquilo em que não se aplique o regime específico da comunhão geral vai beneficiar do regime da
comunhão de adquiridos.

2.2. Natureza jurídica da comunhão e participação dos cônjuges no património comum

É importante ter em mente, que quando falamos no regime de comunhão de adquiridos, estamos a falar de
um regime de comunhão, um regime comunitário. Isto significa que temos de falar aqui de uma figura nova,
uma figura privativa do casamento, do direito da família – é a figura dos bens comuns.

Quando há bens tidos por mais do que um titular, nos termos gerais, nós recorremos à figura da
compropriedade:

- Implica que cada um dos comproprietários tenha uma quota sobre um determinado bem – quotas que se
presumem iguais, mas que podem ser desiguais.
- É possível pôr termo a esta situação através de uma ação de divisão de coisa comum. O regime da
compropriedade não é alheio ao casamento – pode existir e pode existir nos termos gerais, mas há uma
figura especialmente prevista para o regime do casamento.

No regime do casamento há a figura da comunhão:

- Na compropriedade existem quotas; aqui temos uma comunhão sem quotas.


- Por regra, enquanto vigorar o casamento, no âmbito do contexto matrimonial, sendo o regime o da
comunhão, não se pode pôr termo à comunhão nem dispor da meação dos bens comuns.
- É possível que um bem tenha mais do que um titular, nos bens comum temos uma comunhão sem quotas,
ambos os cônjuges são titulares do património comum, mas não de uma determinada quota do mesmo.
Existe um só direito de que são titulares ambos os cônjuges.

2.3. A regra da metade

Artigo 1730º CC: “1. Os cônjuges participam por metade no activo e no passivo da comunhão, sendo nula
qualquer estipulação em sentido diverso. 2. A regra da metade não impede que cada um dos cônjuges faça
em favor de terceiro doações ou deixas por conta da sua meação nos bens comuns, nos termos permitidos
por lei.” (Desde que haja património comum temos de considerar o art. 1730º CC)

No âmbito da comunhão de bens, vigora a chamada regra da metade:

• Cada cônjuge tem direito a metade do património comum – à chamada meação do património comum.

• Isto implica que tem direito a metade de cada bem? Não, tem direito a metade do valor do património
comum – determina-se no momento da partilha quais são os bens que vão integrar cada uma dessas
meações — é uma regra de caráter imperativo.

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• Isto significa que não se vão admitir entre nós cláusulas de partilha desigual. O legislador partiu do
princípio que nos regimes de comunhão o que entra no património comum é o que resulta do esforço
comum dos cônjuges — isto é a regra do nosso ordenamento jurídico.

• Poderia não ser esta a regra: nos ordenamentos da common law é comum existir a chamada equitable
distribution – no momento da partilha pode haver uma partilha segundo a regra da equidade - podemos ter
uma partilha desigual, não metade, metade.

Porque é que esta regra da equitable distribution tem sido tão importante em alguns Estados dos EUA? —
Porque não há soluções para responder a alguns problemas que nós temos por outra via. Tem sido
particularmente importante para garantir que um ex-cônjuge que esteja numa situação economicamente
mais débil ou tenha a guarda dos filhos possa continuar a habitar na casa da morada da família.

Nós temos esta regra cega (metade-metade), mas depois temos outros mecanismos de equilíbrio – há
atribuição da casa da morada da família, mesmo que seja bem próprio de um; depois há o pagamento de
uma renda, mas nem tem de ser o pagamento de uma renda no valor de mercado.

2.4. Composição das massas patrimoniais: bens próprios e bens comuns

Já vimos que há um património comum. Potencialmente, também temos patrimónios próprios de cada um
dos cônjuges: Potencialmente, podemos ter três massas patrimoniais – o património próprio de A, o
património comum e o património próprio de B. No património comum temos uma comunhão sem quotas,
mas há um direito à meação, dissolvendo-se este património.

O que são bens próprios?

Art. 1722º CC: “São considerados próprios dos cônjuges: a) Os bens que cada um deles tiver ao tempo da
celebração do casamento; b) Os bens que lhes advierem depois do casamento por sucessão ou doação; c)
Os bens adquiridos na constância do matrimónio por virtude de direito próprio anterior.”

Vamos sempre encontrar situações dúbias, difíceis de inserir nestas situações previstas no CC, tendo, antes,
de recorrer a ratio legis e tentar perceber se integram o património comum ou se são bens próprios — aquilo
que resultar do esforço comum será património comum, o que dele não resultar integrará património próprio.

Alínea a): Os bens levados para o casamento, os bens cujo título de aquisição é anterior ao casamento
integram património próprio – eu já tinha um carro quando me casei, não tem nada a ver com o esforço
patrimonial comum com o meu cônjuge. Eu levo o carro para o casamento, vai entrar no meu património
próprio.

Alínea b): Se eu recebi algo por doação isto não significa algum esforço da minha parte, o bem foi adquirido
a título gratuito, a lógica subjacente ao património comum não se vai aplicar aqui.

MAS — Art. 1729º CC: “1-Os bens havidos por um dos cônjuges por meio de doação ou deixa
testamentária de terceiro entram na comunhão, se o doador ou testador assim o tiver determinado; entende-
se que essa é a vontade do doador ou testador, quando a liberalidade for feita em favor dos dois cônjuges
conjuntamente.” — Então, é possível que em homenagem à vontade do disponente, e apesar de esta regra de
que os bens advindos por sucessão ou doação integrem o património próprio, o disponente pode dizer que
deixa os bens a ambos os cônjuges e, então, integrará o património comum.

Exceção — art. 1729º/2 CC “O disposto no número anterior não abrange as doações e deixas
testamentárias que integrem a legítima do donatário” — A legítima é aquela porção dos bens que a lei
reserva para uma categoria de herdeiros – os herdeiros legitimários – se aquele bem integra a legítima do
beneficiário da liberalidade, se o autor da sucessão deixa aquele bem a ambos os cônjuges, isto significa que
a sua legitima é dividida – este bem acaba por integrar o património comum. Aqui, a lei impõe um limite em
função do princípio da intangibilidade da legitima – aí estaríamos a diminuir a legitima.

Exemplo: A tem um único bem, um imóvel, e tem 2 filhos. Quando há 2 filhos, a lei reserva 2/3 da
herança para os filhos, é a quota indisponível ou legítima. Fez uma deixa testamentária em que
deixou tudo ao filho B e a sua mulher C, deixando de fora o filho D. Não podia faze-lo, porque 2/3

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da herança tinham de ficar reservados para B e D, e só podia dispor de 1/3 da herança. Ao deixar
para o cônjuge e o filho já esta a diminuir o que o próprio B iria receber.

Alínea c): Os bens adquiridos na constância do matrimónio por virtude de direito próprio anterior — temos
os exemplos no nº 2 (elenco não taxativo) — Os momentos relevantes em cada um destes casos situam-se
antes do casamento.

Bens sub-rogados no lugar de bens próprios:

Art. 1723º CC:

“Conservam a qualidade de bens próprios:

a) Os bens sub-rogados no lugar de bens próprios de um dos cônjuges por meio de troca directa;
b) O preço dos bens próprios alienados;
c) Os bens adquiridos ou as benfeitorias feitas com dinheiro ou valores próprios de um dos cônjuges, desde
que a proveniência do dinheiro ou valores seja devidamente mencionada no documento de aquisição, ou
em documento equivalente, com intervenção de ambos os cônjuges.”

(Sub-rogar: aquele bem vai ocupar o lugar do outro que saiu daquele património)

Aqui estamos a falar de situações que supõem a saída de bens do património com esta característica de
separação, a entrada de outros bens e a existência de uma conexão entre a perda e a aquisição – um bem sai e
outro entra para o seu lugar.

Podemos ter diferentes tipos de sub-rogação:

1. Conexão ostensiva: esta perda e aquisição resultam do mesmo ato/facto jurídico — é o que acontece na
alínea a).

Se não for um bem adquirido a título gratuito, nem adquirido antes do casamento poderíamos pensar que
seria bem comum, mas não, porque entrou em sub-rogação real de um bem próprio — ex.: trocar uma
mota bem próprio por um carro com o vizinho – troca direta.

Acontece o mesmo na alínea b) — ex.: quando há compra e venda – eu entrego este bem, recebo o preço;
na expropriação, é o que acontece também.

2. Situações em que temos a aquisição de um bem com dinheiro próprio (emprego) e situações de
reemprego/sub-rogação real indireta: estas são as situações em que não há esta ligação direta – não é o
mesmo ato de um facto jurídico que está na origem da saída de um bem e entrada de outro bem.

Sub-rogação real indireta: temos, p.e., a venda de um bem próprio e aquisição de um novo bem com o
produto da venda.

Porque é que isto é um problema nas relações entre os cônjuges? Esta questão põe-se porque a regra na
comunhão de adquiridos é que um bem adquirido onerosamente na constância do casamento integra o
património comum – o bem pode ter sido adquirido onerosamente na constância do casamento, mas pode
ser adquirido com um valor que integrava o património próprio de um dos cônjuges. Assim, fica o
património próprio empobrecido e fica o património comum enriquecido por aquele valor — há que
acautelar estas situações.

Este artigo vai ser aplicado também a outros regimes de comunhão – ao regime de comunhão geral e
a regimes mistos.

No regime da comunhão geral podemos ter bens próprios, os bens incomunicáveis — ex.: as
indemnizações recebidas por danos em bens próprios - imagine-se que eu tenho um quadro que me foi
dado pelo meu tio antes de me casar (bem próprio) e decidi emprestá-lo para uma exposição coletiva de
determinado artista plástico, mas o galerista resolveu pregar um prego diretamente no quadro,
estragando-a. Em juízo, é determinado que vou receber uma indemnização — esse valor é um bem
incomunicável. Entretanto utilizo esse valor para adquirir um automóvel — utilizei um valor próprio

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incomunicável para adquirir um bem na constância do casamento — aqui funciona o art. 1723º CC que
garante que aquele bem integra o meu património e não o do meu cônjuge.

Artigo 1723.º CC “Conservam a qualidade de bens próprios: a) Os bens sub-rogados no lugar de bens
próprios de um dos cônjuges por meio de troca directa; b) O preço dos bens próprios alienados; c) Os bens
adquiridos ou as benfeitorias feitas com dinheiro ou valores próprios de um dos cônjuges, desde que a
proveniência do dinheiro ou valores seja devidamente mencionada no documento de aquisição, ou em
documento equivalente, com intervenção de ambos os cônjuges.”

Quando a conexão não é ostensiva (na alínea c)), o legislador já faz exigências para que consideremos que
aquele bem vai integrar o património próprio.

Há duas posições doutrinais essenciais quanto ao sentido da alínea c):

(1) Uma das posições diz que a prova desta aquisição podia fazer-se por qualquer meio no momento da
partilha;

(2) A segunda posição vem dizer que tem de fazer-se através do título de aquisição. O Código de 1966
vem no sentido desta segunda posição.

Quando a alínea diz que tem de haver intervenção de ambos os cônjuges, fala da assinatura de ambos. Parece
que a lei nos diz que se não se reunirem todas estas exigências, todos estes requisitos, então estaremos
perante um bem comum.

É importante que estejamos perante a aquisição de um bem novo. Se o cônjuge A aplica dinheiro que está
numa conta reforma, não há aquisição de um bem novo – continua no mesmo património, simplesmente com
aplicação diferente.

A posição do Prof. Pereira Coelho e, mais tarde, do Prof. Guilherme de Oliveira tem sido a de que nós
temos de pensar na ratio desta norma — esta exigência só valia até onde a ratio da norma o justificasse:

• o legislador faz estas exigências para proteger a confiança de terceiros. O que é que um terceiro que assiste
à entrada de um bem de forma onerosa na constância do casamento vai pressupor? Que aquele bem vai
integrar o património comum. Sendo um credor, vai achar que a sua garantia patrimonial vai aumentar. Isto
influencia a sua disposição para conceder crédito aos cônjuges.

• O legislador considerou que o único meio fidedigno para proteger a posição de terceiros seria a
declaração inequívoca relativamente à proveniência do bem no ato da aquisição. Mas o legislador só exige
isto até onde a proteção de terceiros o justifique.

Se nós estivermos a falar, por exemplo, da partilha – das relações entre os cônjuges -, então estas
exigências já não se justificam. Estas exigências podem ser afastadas e a prova da proveniência dos valores
com que foi feita a aquisição pode ser feita por qualquer meio. Na partilha, eles sabem da proveniência dos
valores – então, a prova pode ser feita por qualquer meio.

• Esta posição está longe de ser unanime. A Prof. Rita Lobo Xavier considera que existe uma qualificação
imutável e o bem não deixa de ser comum. A posição de Coimbra é a do Prof. Pereira Coelho e do Prof.
Guilherme de Oliveira e a Dra. Paula Vitor também adere a esta posição.

Seguiu-se um Acordão importante, mas que não acabou com a discussão – Acórdão de Uniformização de
Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça de 2015 – o Plenário do STJ entendeu que se estivesse
em causa apenas os interesses dos cônjuges e não de terceiros, a omissão neste título aquisitivo desta menção
da proveniência dos valores não impedia que se provasse por qualquer meio que o bem tinha sido adquirido
com valores ou bens próprios. O caso que esteve na base deste acórdão não é muito claro — Isto não ficou
por aqui, porque o caso decidido não encaixa exatamente na questão que esta na base da posição doutrinal do
curso — no caso do STJ a aquisição foi feita por um cônjuge com os valores próprios do outro.

Há riscos nesta posição – estes problemas de saber se há sub-rogação ou não pode surgir em vários
contextos.

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- Aquele que parece mais pacífico é o da partilha entre os cônjuges. Mas, a verdade, pode surgir mesmo no
âmbito da partilha, na questão da liquidação e pagamento das dívidas – se temos terceiros, há aqui outros
interesses em causa.
- Também na questão nas ilegitimidades conjugais – há bens que não posso alienar sem o consentimento do
meu cônjuge – é preciso saber se o bem é próprio ou comum.

Apesar desta posição do STJ, nem sempre é fácil determinar na prática se estamos apenas perante interesses
dos cônjuges ou também interesses de terceiros.

Bibliografia essencial:
- Guilherme de Oliveira, Manual de Direito da Família, Coimbra, Almedina, 2021, pp. 237-259
Bibliografia recomendada:
- Francisco Pereira Coelho, Guilherme de Oliveira, Curso de Direito da Família, vol. I, 5.ª Ed., 2016, pp.
558-620.

Há situações dúbias, por vezes, surgem questões quando são usados valores que são do património
próprio de um cônjuge, mas também do património comum:

Exemplo: Imagine-se que os cônjuges têm poupanças já feitas durante o casamento, à conta dos seus
salários, que integram o património comum. Mas um deles já tinha levado uma quantia avultada de dinheiro
para o casamento. Querem comprar agora uma casa – vão usar os dois valores – como é que vamos qualificar
este bem?

Artigo 1726.º CC: 1- “Os bens adquiridos em parte com dinheiro ou bens próprios de um dos cônjuges e
noutra parte com dinheiro ou bens comuns revestem a natureza da mais valiosa das duas prestações. 2- . Fica,
porém, sempre salva a compensação devida pelo património comum aos patrimónios próprios dos cônjuges,
ou por estes àquele, no momento da dissolução e partilha da comunhão.”

Os cônjuges adquiriram a casa em parte com um valor próprio, em parte com um valor comum. A regra é a
de que, sendo utilizado um valor comum, o bem é comum – artigo 1724.º, alínea b). Um bem adquirido
com valores próprios na constância do casamento, pode manter a qualificação de bem próprio – artigo 1723.º
CC. Mas aqui houve contribuição de valores próprios e de valores comuns. Não vai ser bem próprio e bem
comum – ao legislador repugna criar formas complexas de propriedade, então, vamos fazer prevalecer uma
natureza – a natureza da mais valiosa das prestações.

Se o bem vai integrar o património comum e, ainda assim, houve contributo com valores próprios, há uma
perda do património próprio daquele cônjuge, daí termos o número 2 deste artigo.

O bem vai ter a natureza ou de bem próprio ou de bem comum, não uma natureza mista de bem próprio e
comum – qual foi a mais valiosa das prestações? O facto de integrar um ou outro património vai fazer com
que o património que ficou empobrecido vá ser compensado no momento da partilha. Ou é próprio ou
comum, consoante a mais valiosa das prestações.

Agora imaginemos que esta casa foi adquirida exatamente com o mesmo valor próprio e valor comum – qual
é a solução? Não há uma prestação mais valiosa, são exatamente iguais.

Quando falamos na qualificação de bens próprios que são adquiridos onerosamente na constância do
matrimónio, estamos a falar da existência de uma exceção à regra – a regra é que um bem adquirido
onerosamente na constância do património é bem comum. Então, funciona alguma exceção (quando as
contribuições são exatamente iguais) à regra de que o bem adquirido onerosamente na constância do
casamento é bem comum? Não. Então, se as contribuições são exatamente iguais, o bem é qualificado
como bem comum, sem prejuízo da compensação – para não haver desequilíbrio.

Aquisição de bens indivisos já pertencentes em parte a um dos cônjuges:

Artigo 1727.º CC – “A parte adquirida em bens indivisos pelo cônjuge que deles for comproprietário fora da
comunhão reverte igualmente para o seu património próprio, sem prejuízo da compensação devida ao
património comum pelas somas prestadas para a respetiva aquisição.”

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Temos um cônjuge que leva para o casamento um terreno – é comproprietário. Se o leva para o casamento,
no regime da comunhão de adquiridos é um bem próprio. O legislador favorece a simplificação dos direitos
sobre as coisas. A compropriedade tem inconvenientes, inconvenientes que ainda podem ser amplificados por
podermos estar a lidar com a figura dos bens comuns. Então, a opção é a de que vai consolidar-se a
propriedade na titularidade daquele que já era comproprietário à data do casamento. O cônjuge que já
era comproprietário de um determinado bem à data do casamento adquire a outra quota, mas essa quota não
vai integrar o património comum, vai integrar o património próprio daquele cônjuge, sem prejuízo da
compensação eventualmente devida ao património comum.

Exemplo: A leva para o casamento, enquanto bem próprio, um prédio rústico cultivado de que é
comproprietário com a irmã. Tem aqui duas quotas – a quota do A e a quota da irmã do A. Na constância do
casamento, a irmã diz que não quer nada disto, quer alienar a sua quota e o irmão diz que compra. No
entanto, não tem bens próprios suficientes para isso e vai utilizar, então, as poupanças dos seus salários – os
bens comuns. Vai utilizar valores comuns para adquirir a outra quota. Esta quota foi um bem adquirido
onerosamente na constância do casamento e foram utilizados valores comuns. Ainda assim, o legislador não
quer que este bem seja em parte um bem próprio e em parte um bem comum. Quer que esta propriedade se
consolide toda na esfera de A. Se isto acontecer, este bem passa a ser um bem próprio – mas foram utilizados
valores comuns, vamos ter de ter uma compensação. Contudo, este bem vai integrar o património próprio.

Bens adquiridos por virtude da titularidade de bens próprios:

Artigo 1728.º CC: “1. Consideram-se próprios os bens adquiridos por virtude da titularidade de bens
próprios, que não possam considerar-se como frutos destes, sem prejuízo da compensação eventualmente
devida ao património comum. 2. São designadamente considerados bens próprios, por força do disposto no
número antecedente: a) As acessões; b) Os materiais resultantes da demolição ou destruição de bens; c) A
parte do tesouro adquirida pelo cônjuge na qualidade de proprietário; d) Os prémios de amortização de
títulos de crédito ou de outros valores mobiliários próprios de um dos cônjuges, bem como os títulos ou
valores adquiridos por virtude de um direito de subscrição àqueles inerente.”

Sempre que temos um bem adquirido em virtude da titularidade de bens próprios, temos um bem que integra
um património próprio.

Depois, temos também de considerar como bens próprios aqueles que são bens próprios por natureza –
por exemplo, eu fui condecorado pelo Sr. Presidente da República com a Ordem do Infante – esta distinção
honorifica não se comunica ao meu cônjuge; A minha correspondência pessoal – e eu até tenho uma
correspondência pessoal que até pode ter um grande valor patrimonial porque me correspondo com uma
grande escritora – não se comunica ao meu cônjuge. Pela sua natureza, são bens próprios.

Há bens que são próprios por vontade dos nubentes – em convenção antenupcial, há esta possibilidade –
princípio da liberdade.

Também há bens próprios por força da lei – artigos 1729.º, 1730.º, 1731.º.

O art.1699º CC, diz-nos que há bens que não podem ser comunicáveis, tem de permanecer no património
comum, daí remetemos para o art.1733º CC — nós encontramos mais à frente estes bens que são
incomunicáveis por força da lei – artigo 1733.º CC – a lista está prevista para a comunhão geral, mas vai
aplicar-se ao regime da comunhão de adquiridos – vai aplicar-se ao regime da comunhão de adquiridos para
que não se possa introduzir aqui alguma torção por via convencional para que se altere esta lista de bens
incomunicáveis e por maioria de razão.

“1- São exceptuados da comunhão:

a) Os bens doados ou deixados, ainda que por conta da legítima, com a cláusula de incomunicabilidade;

Exemplo: o meu filho está casado no regime de comunhão geral, mas há um bem que eu tenho particular
gosto de deixar ao meu filho – em testamento, eu faço um legado ao meu filho – vais ficar com este carro
de coleção com que aprendeste a conduzir. Eu quero mesmo que o carro fique só para o meu filho –
estando eles casados em regime de comunhão geral, este bem iria integrar o património comum. Mas,
havendo esta cláusula de incomunicabilidade, este bem vai integrar o património próprio do meu filho e

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não o património comum.

b) Os bens doados ou deixados com a cláusula de reversão ou fideicomissária, a não ser que a cláusula
tenha caducado;

É uma figura que implica que bens sejam deixados a A para que os conserve e depois revertam a favor de
B. Para poderem vir a reverter a favor de B, não se podem tornar património comum.

c) O usufruto, o uso ou habitação, e demais direitos estritamente pessoais;

d) As indemnizações devidas por factos verificados contra a pessoa de cada um dos cônjuges ou contra os
seus bens próprios;

Exemplo: Eu sofri um acidente de viação, perdi parte da mobilidade do meu lado direito e recebi uma
indemnização – esta indemnização visa responder aos danos causados à minha integridade física – logo,
integra o meu património próprio.

e) Os seguros vencidos em favor da pessoa de cada um dos cônjuges ou para cobertura de riscos sofridos
por bens próprios;

Exemplo: Eu sou desportista de alta-competição e tinha um seguro relativamente a qualquer lesão que
pudesse vir a sofrer e sofri – tenho a mobilidade reduzida de um lado – venceu-se este seguro – o seguro
tinha outra vertente – uma vertente que visava cobrir todos os rendimentos que eu viesse a perder em
virtude de não poder já exercer esta minha atividade de alta-competição – visa também cobrir aquilo que
seria o produto do meu trabalho – nestes casos, temos de perceber para que é que servem estes seguros
ou o que cobrem estas indemnizações – a parte relativa à perda de património que viria do meu trabalho
já não integra o património próprio, integra o património comum. A parte que visa compensar a lesão é
património próprio.

f) Os vestidos, roupas e outros objectos de uso pessoal e exclusivo de cada um dos cônjuges, bem como os
seus diplomas e a sua correspondência;

Exemplo: o vestido mais famoso da história do cinema – se eu adquiri este vestido em leilão na
constância do casamento, vai integrar o meu património próprio? Não. Foi um investimento que eu fiz –
não integra o meu património enquanto vestido. Temos de perceber qual é a lógica da inclusão destes
bens nos patrimónios.

g) As recordações de família de diminuto valor económico.

h) Os animais de companhia que cada um dos cônjuges tiver ao tempo da celebração do casamento.

Exemplo: o cônjuge B leva o gato para o casamento, mas é o cônjuge A que trata do gato — isto não
importa, é património próprio, é um bem incomunicável. É por isto ser injusto que, no regime do
divórcio, uma coisa é a titularidade relativamente ao animal de companhia, outra coisa é o destino do
animal de companhia. Mesmo sendo da titularidade de B, pode o gato continuar a ser tratado por A,
embora não seja comunicável, não integre o património comum.

NOTA: Tudo o que sabemos quanto aos bens próprios, ajuda-nos a delimitar o círculo dos bens comuns.
Então, já vimos a lista de bens próprios.

Bens doados pelos cônjuges um ao outro

Artigo 1764.º CC – “1. Só podem ser doados bens próprios do doador. 2. Os bens doados não se
comunicam, seja qual for o regime matrimonial.”

Os bens doados vão continuar a integrar o património próprio. Há uma característica muito relevante nas
doações entre cônjuges – estão sujeitas a livre revogabilidade.

Bens comuns:

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artigo 1724.º CC “Fazem parte da comunhão:

a) O produto do trabalho dos cônjuges;

Produto do trabalho dos cônjuges dependente, independente, regulado, em dinheiro, em géneros…


assuma que natureza assumir o produto do trabalho dos cônjuges. Claro que se tivermos uma
relação laboral, se conseguirmos identificar a profissão, parece tudo mais simples.

Mas há algumas realidades que podem ser assimiladas ao produto do trabalho dos cônjuges.
Exemplo: os chamados papa-concursos – aquelas pessoas que estavam sempre a aparecer nos concursos
de televisão – estas pessoas preparavam-se muito com perguntas de cultura geral para ganhar estes
prémios nos concursos – este valor podia integrar o património comum – as pessoas faziam quase
profissão disto.

b) Os bens adquiridos pelos cônjuges na constância do matrimónio, que não sejam exceptuados por lei.

Já sabemos que são os adquiridos a título oneroso. Todos os que não forem bem próprios, visto que ser
bem próprio, adquirido na constância do casamento, é a exceção.

Há bens doados ou deixados em favor da comunhão (adquiridos a título gratuito), que vão integrar o
património comum quando a liberalidade seja feita em favor de ambos. O disponente quer determinar a
comunicabilidade do bem.

Exemplo contrário ao que vimos sobre o carro antes – há um regime de comunhão de adquiridos. Este bem
que eu vou deixar não vai entrar no património da minha nora, mas ela é um anjo e a pessoa com mais
conhecimentos de mecânica que eu conheço – para mim faz todo o sentido que o bem fique para o meu filho
e a minha nora. Por homenagem à minha vontade, do disponente, o bem vai integrar o património comum.

Artigo 1728.º CC – dissemos que são bens próprios, bens que também são adquiridos em virtude da
titularidade de bens próprios – “1. Consideram-se próprios os bens adquiridos por virtude da titularidade de
bens próprios, que não possam considerar-se como frutos destes (…)” – a contrario, os bens adquiridos em
virtude da titularidade de bens próprios que possam considerar-se frutos destes são bens comuns.

Remissão para o art. 212.º CC “1. Diz-se fruto de uma coisa tudo o que ela produz periodicamente, sem
prejuízo da sua substância. 2. Os frutos são naturais ou civis; dizem-se naturais os que provêm directamente
da coisa, e civis as rendas ou interesses que a coisa produz em consequência de uma relação jurídica.”

Exemplo: O terreno do exemplo que vimos antes integrou o património próprio – há uma incrível plantação
de macieiras neste terreno e toda a produção é vendida à Compal – há aqui um rendimento bastante
significativo. Os frutos naturais são produzidos sem prejuízo da própria coisa – integram não o património
próprio (e o terreno é próprio), mas o património comum.

Imagine-se a importância desta disposição no contexto das economias rurais. Na economia agrária, com a
estrutura económica que o nosso país tinha, era muito importante que apesar de o terreno ser de um dos
cônjuges, os frutos fossem património comum.

Mas também os frutos civis – exemplo: há uma conta bancária em que o A tem investido valores próprios –
os juros são frutos civis e são património comum. O outro cônjuge também vai beneficiar dos juros.

Referência do artigo 1733º/2 CC: “A incomunicabilidade dos bens não abrange os respectivos frutos nem o
valor das benfeitorias úteis.”

O valor das benfeitorias úteis é comum.

- E as benfeitorias necessárias? As benfeitorias necessárias integram o valor do bem.


- As benfeitorias voluptuárias, pela sua definição, não acrescentam valor à coisa.
- Só as benfeitorias úteis se justifica que sejam aqui contempladas.

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Para além disso, o legislador entendeu estabelecer uma presunção relativamente aos bens móveis – não é
fácil provar de onde vieram – quando haja dúvidas, consideram-se comuns – artigo 1725.º CC “Quando
haja dúvidas sobre a comunicabilidade dos bens móveis, estes consideram-se comuns.”

Podemos ter bens que foram adquiridos quer com valores próprios, quer com valores comuns, em que o valor
comum utilizado foi maior – integram o património comum, sem prejuízo da compensação devida.

Temos também a possibilidade de ter outras situações em que a sub-rogação vai funcionar relativamente aos
bens comuns e vigora a regra geral. Os bens sub-rogados no lugar de bens comuns, continuam a ser bens
comuns.

3. Regime da Comunhão geral

Artigo 1732.º CC “Se o regime de bens adoptado pelos cônjuges for o da comunhão geral, o património
comum é constituído por todos os bens presentes e futuros dos cônjuges, que não sejam exceptuados por lei.”

A regra é que entra tudo no património comum. Depois há exceções, e por isso é que não existe só o
património comum na comunhão geral, continuam a existir patrimónios próprios dos cônjuges.

Quando é que vigora este regime da comunhão geral de bens?

Sabemos que relativamente ao regime da comunhão adquiridos, vigora na maioria dos casos porque vigora
quando os nubentes nada dizem. O regime da comunhão geral não é, atualmente, o regime supletivo. Para
que vigore o regime da comunhão geral, à partida, tem de existir uma convenção antenupcial – os nubentes
têm de estipular que escolhem o regime da comunhão geral de bens. Só não o podem fazer quando estamos
perante casos de imperatividade absoluta ou também no caso da imperatividade relativa.

Também pode vigorar como regime supletivo – quando é que vigora como regime supletivo?

O regime da comunhão geral foi regime supletivo antes da entrada em vigor deste Código Civil. Até à
entrada em vigor (maio de 1967) vigorou como regime supletivo a comunhão geral. Então este regime
funciona como regime convencional, mas também como regime supletivo antes da entrada em vigor do
nosso CC.

“Bens presentes e futuros” – estamos a incluir os bens levados para o casamento:

Exemplos:

• Eu resolvo estipular o regime da comunhão geral e já tinha um apartamento quando me casei, logo, este vai
integrar o património comum.
• Também os bens futuros – por morte do meu tio-avô, que me deixou em testamento um terreno, eu vou
receber por esta via um bem, vou adquiri-lo a título gratuito na constância do meu casamento – vai entrar
no património comum.
• A minha mãe fez-me uma doação recentemente de um automóvel – vai integrar o património comum.
• Tudo o que recebo de produto do meu trabalho vai integrar o património comum.

Quais são os bens que integram o património próprio? — Artigo 1733.º CC, os bens incomunicáveis.

Quase tudo o que estudamos para o regime da comunhão de adquiridos é potencialmente aplicável ao regime
da comunhão geral — regras sobre participação no património comum e sobre sub-rogação real de bens, por
exemplo.

4. Regime da separação de bens

NOTA: Estruturalmente, este é um regime diferente dos restantes. Neste regime, não há a categoria dos bens
comuns, temos só os bens próprios de cada cônjuge. Há implicações mais claras quando temos este regime
quanto a titularidade, administração e disposição dos bens.

Neste regime temos dois patrimónios – património próprio de um e património próprio de outro.

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Artigo 1735.º CC – “Se o regime de bens imposto por lei ou adotado pelos esposados for o da separação,
cada um deles conserva o domínio e fruição de todos os seus bens presentes e futuros, podendo dispor deles
livremente”

Quando vigora este regime? Quando for convencionado ou quando há situações de imperatividade
absoluta.

O que vai integrar o património próprio de cada um dos cônjuges é o que levou para o casamento, o que
adquiriu a título gratuito na constância do casamento e tudo o que adquiriu a título oneroso na constância do
casamento — não há património comum.

Aqui não há apenas uma separação de bens, temos uma separação mais ampla que tem a ver com fruição,
administração e disposição de bens.

Agora, vamos voltar ao exemplo da casa:

- A casa foi adquirida onerosamente, na constância do casamento, por ambos, com o produto dos seus
salários. Não temos comunhão – temos de remeter para o regime da compropriedade. Continuamos a ter
patrimónios próprios e apenas patrimónios próprios – mas este bem, uma quota pertence a um património
e a outra quota ao outro património.

O que se pretende é que, do ponto de vista patrimonial, os cônjuges se comportem como estranhos – e o
regime jurídico tutela esta opção.

O regime da separação de bens visa preservar alguma independência. A lei pretende que os cônjuges se
comportem como estranhos a nível patrimonial, mas, em homenagem a esta comunhão de vida, a lei cria
alguns entorses a esta independência total:

- Uma das restrições diz respeito à disposição da casa da morada de família: O legislador entende que,
ainda que a casa de morada de família seja meu bem próprio, eu não a posso alienar sem consentimento do
meu cônjuge.

Também entende que, relativamente à minha mobília da sala, da casa onde vivemos, que eu adquiri,
integra o meu património próprio, eu simplesmente não posso entender aliená-la sem mais. Outros
bens, posso. Mas estes, que têm esta especial relação com a vida familiar, não posso livremente dispor
deles.

Artigo 1736.º CC “1. É lícito aos esposados estipular, na convenção antenupcial, cláusulas de presunção
sobre a propriedade dos móveis, com eficácia extensiva a terceiros, mas sem prejuízo de prova em contrário.
2. Quando haja dúvidas sobre a propriedade exclusiva de um dos cônjuges, os bens móveis ter-se-ão como
pertencentes em compropriedade a ambos os cônjuges.” – lembrar deste artigo para a união de facto e para
as relações patrimoniais nas uniões de facto.

4. REGIME DE ADMINISTRAÇÃO DOS BENS DO CASAL

Se cada um dos cônjuges fosse dono dos bens que adquirisse e se cada um dos donos administrasse os bens
que lhe pertencessem, não haveria necessidade de prever um regime especial sobre “administração dos bens
dos cônjuges” – as normas gerais de direito civil chegariam.

Mas, os bens do casal não são necessariamente de um ou de outro cônjuge, nem pertencem a ambos em
compropriedade – são antes “bens comuns”; isto supõe um regime específico para a sua administração,
porque não há regras gerais de direito civil sobre o assunto.

Por outro lado, mesmo quando os bens pertencem a um ou a outro cônjuge, as circunstâncias de grande
proximidade em que eles vivem – a “comunhão de vida” – recomendam que um dos cônjuges tenha poderes
de administração sobre bens do outro, ou tenha poderes exclusivos sobre bens que são dos dois. Também isto
carece de regulamentação especial.

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Este regime relativo à administração dos bens dos cônjuges não pode ser alterado por vontade dos nubentes
em convenção antenupcial — é um regime imperativo.

Podemos tratar em dois blocos as regras de administração: vamos perceber qual é a regra e quais são as
muitas exceções, quer em relação aos bens próprios, quer em relação aos bens comuns.

Quanto aos bens próprios:

Artigo 1678º CC: “1. Cada um do cônjuges tem a administração dos seus bens próprios.” — Quanto aos
bens próprios, a regra geral é a de que cada um dos cônjuges tem a administração dos bens próprios.

Logo a lei abre uma série de exceções no nº2: Cada um dos cônjuges tem ainda a administração

• Alínea e): Dos bens móveis, próprios do outro cônjuge ou comuns, por ele exclusivamente utilizados como
instrumento de trabalho;

A regra é que cada um dos cônjuges administre os seus bens, mas os bens próprios de um podem ser
administrados não pelo seu titular, mas pelo outro cônjuge se ele usa o bem próprio do outro cônjuge como
instrumento de trabalho.

Exemplo: A é designer gráfica e usa um computador levado para o casamento pelo seu cônjuge no
exercício da profissão. Nesta situação, titular do bem continua a ser o cônjuge que o levou para o
casamento e o cônjuge designer possui apenas a sua administração.

• Alínea f): Dos bens próprios do outro cônjuge, se este se encontrar impossibilitado de exercer a
administração por se achar em lugar remoto ou não sabido ou por qualquer outro motivo, e desde que não
tenha sido conferida procuração bastante para administração desses bens;

Um cônjuge ainda pode administrar bens que são próprios do outro em situações de ausência, por exemplo,
ou situações em que haja outro impedimento, outro motivo.

É importante ligarmos este regime com a falta geral – que outro motivo pode estar tão presente e pode
convocar a administração dos bens de um cônjuge pelo outro? Diminuição das aptidões cognitivas ou
volitivas – mas esta pessoa, nessa situação, não devia ser um maior acompanhado? Pode não ser:

- Artigo 140.º/2 CC “A medida não tem lugar sempre que o seu objetivo se mostre garantido através dos
deveres gerais de cooperação e de assistência que no caso caibam.” Não temos medida de
acompanhamento se funcionarem medidas informais – esta é a primeira medida informal que devemos
pensar.

Não há administração pelo outro cônjuge se o titular tiver escolhido outra pessoa para administrar os bens
– artigo 1678/2, alínea f), in fine e artigo 156.º CC.

• Alínea g): Dos bens próprios do outro cônjuge se este lhe conferir por mandato esse poder.

Vimos que em convenção antenupcial os cônjuges não podiam criar regimes diferentes de administração
dos bens. Mas também vimos que através de mandato, o cônjuge pode conceder poderes de
administração de bens que são próprios dele. A administração é do titular, mas através do mandato, pode
conceder essa administração ao cônjuge. Não pode é cristalizar-se essa administração, como aconteceria se
essa alteração aos poderes de administração ocorresse na convenção antenupcial — o mandato é
livremente revogável.

Quanto aos bens comuns:

Vamos agora olhar para os bens comuns e perceber o regime de administração dos bens comuns – o
nosso ponto de partida é o nº 3 do artigo 1768.º CC “os restantes actos de administração só podem ser
praticados com o consentimento de ambos os cônjuges.” – assim, percebemos que, quanto aos bens comuns,
a regra é a da administração conjunta.

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Contudo há exceções:

1) A primeira exceção encontramo-la na primeira parte do art. 1678.º/3 CC “Fora dos casos previstos no
número anterior, cada um dos cônjuges tem legitimidade para a prática de actos de administração
ordinária relativamente aos bens comuns do casal”

A regra é a da administração conjunta, é necessário o consentimento de ambos para os bens comuns, mas
se for meramente um ato de administração ordinária, cada um dos cônjuges pode praticar os atos – há
administração disjunta.

Temos de ter bem presente a distinção entre atos de administração ordinária e atos de administração
extraordinária: administração extraordinária não são atos que visem a normal utilização e frutificação e
os atos de administração ordinária têm que ver com a frutificação e utilização normal. É isso que temos
de avaliar em cada caso concreto.

Esta exceção tem um desvio – não o encontramos no Código Civil – encontramos no Código das
Sociedades Comerciais – artigo 8.º CSC “2 - Quando uma participação social for, por força do regime
matrimonial de bens, comum aos dois cônjuges, será considerado como sócio, nas relações com a
sociedade, aquele que tenha celebrado o contrato de sociedade ou, no caso de aquisição posterior ao
contrato, aquele por quem a participação tenha vindo ao casal.” Temos aqui um desvio à regra da
administração ordinária disjunta. Não é qualquer um deles que pode praticar atos sobre este bem –
apenas aquele que figura como sócio tem poderes de administração na relação com a sociedade – é um
desvio.

2) Alínea a) do nº 2: cada um dos cônjuges tem ainda poderes de administração dos rendimentos
provenientes do seu trabalho. Não deixam de ser bens comuns, mas só o cônjuge que os aufere os vai
poder administrar.

3) Alínea b) do nº 2 — “Dos seus direitos de autor;” – direitos patrimoniais.

4) Alínea c) do nº2 — “Dos bens comuns por ele levados para o casamento ou adquiridos a título gratuito
depois do casamento, bem como dos sub-rogados em lugar deles;” – mesmo na comunhão geral,
sabendo nós que estes bens integram o património comum, o cônjuge por meio do qual estes bens foram
integrados no património comum na constância do casamento é o cônjuge que vai administrar estes bens.

5) Alínea d) do nº2 — “Dos bens que tenham sido doados ou deixados a ambos os cônjuges com exclusão
da administração do outro cônjuge, salvo se se tratar de bens doados ou deixados por conta da legítima
desse outro cônjuge” Há a proteção por parte do legislador da vontade do disponente, que entrega com
âmbito de liberalidade.

6) Voltando à alínea e) do nº2 – já a vimos como exceção à regra de administração dos bens próprios –
“Dos bens móveis, próprios do outro cônjuge ou comuns, por ele exclusivamente utilizados como
instrumento de trabalho”

Exemplo: Eu adquiri onerosamente um computador na constância do casamento e sou casado no regime


da comunhão de adquiridos (bem comum) – este bem vai integrar o património comum, mas quem o vai
administrar sou eu.

Nota: Ver art. 1682º/2 CC — quanto à alienação ou oneração de móveis — a não ser que estejamos
perante as ressalvas dos nºs seguintes, o facto do cônjuge ter administração de bens comuns por ser ele
que os utiliza como instrumento de trabalho vai abrir a porta para outro tipo de atos, como a alienação e
oneração previstas neste artigo — esta passa a ser legítima sem o consentimento do outro cônjuge
(vamos ver mais à frente).

7) Alínea f) do nº2 “Dos bens próprios do outro cônjuge, se este se encontrar impossibilitado de exercer a
administração por se achar em lugar remoto ou não sabido ou por qualquer outro motivo, e desde que
não tenha sido conferida procuração bastante para administração desses bens” – aqui não há referência
a bens comuns, mas se pode administrar os bens próprios do outro cônjuge nestas situações, por maioria
de razão, poderá também administrar os bens comuns.

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Estudamos, no ano passado, o dever de socorro e auxílio mútuo (como vertente do dever de
cooperação), e este dever é, muitas vezes, pensado na vertente pessoal, mas a verdade é que prover a
administração dos bens do cônjuge também pode ser considerado como cumprimento do dever da
cooperação na vertente do auxílio mútuo.

Quando no regime dos maiores acompanhados, no art. 140º/2 CC se diz “A medida não tem lugar
sempre que o seu objetivo se mostre garantido através dos deveres gerais de cooperação e de assistência
que no caso caibam”, isto significa que numa situação que pudesse reclamar uma medida de
acompanhamento, se de facto a situação está acautelada pelo cumprimento dos deveres conjugais
(situação que aqui estamos a ver) o tribunal tem de avaliar esta situação do ponto de vista social, em
função do princípio da subsidiariedade destas intervenções. Estamos aqui a falar sempre de uma restrição
de direitos fundamentais, pelo menos quando há imposição de uma medida institucional, pelo menos o
direito à reserva de intimidade da vida privada é afetado. Então, se há uma medida informal e menos
gravosa que funciona e acautele a situação da pessoa, então, a esta é dada prioridade.

8) Alínea g) do nº2 “Dos bens próprios do outro cônjuge se este lhe conferir por mandato esse poder.” –
temos outra vez o mesmo problema e a mesma solução – se eu posso conceder por mandato poderes de
administração ao meu cônjuge para administrar bens próprios, também posso conceder por mandato
poderes para administrar bens comuns.

Estes poderes não podem ser alterados em convenção antenupcial, mas o instrumento de mandato é
importante para a gestão dos nossos interesses, até onde considerarmos que é importante — então é
livremente revogável.

Os poderes do cônjuge administrador não são apenas poderes de administração, ao lermos o art. 1682º/2 CC
percebemos que além de poderes de mera administração, também pode ter poderes de disposição que não
costumam ser dados aos administradores dos bens alheios.- alienar e onerar um bem de que tem
administração.

Depósitos bancários:

Há algumas regras específicas quanto ao cônjuge administrador que temos de tomar aqui em conta, desde
logo, as que dizem respeito a depósitos bancários — o artigo 1680.º CC ocupa-se disso.

O artigo 1680.º CC diz “Qualquer que seja o regime de bens, pode cada um dos cônjuges fazer depósitos
bancários em seu nome exclusivo e movimentá-los livremente.” – isso modifica em algo a titularidade dos
bens? Não. Não altera as regras gerais, desde logo, a titularidade dos bens, mas dá-me liberdade de
movimentação relativamente a estes bens.

Exemplo: Eu depositei o produto da venda de um bem comum numa conta bancária, sou a única titular deste
dinheiro — não altera a qualidade, a natureza de bem comum.

Responsabilidade do cônjuge administrador

O que é que acontece quando estes poderes são exercidos de uma forma indevida? Quando, por causa desta
administração, há danos provocados pelo cônjuge administrador.

As consequências relativamente à não observância das regras relativas à administração dos bens do casal vão
encontrar-se na responsabilidade pela administração

Podemos dividir este regime em dois blocos essenciais – o primeiro diz respeito aos casos em que o cônjuge,
por força da lei, tem poder para administrar bens que não são seus. Os outros casos são de responsabilidade
mais ampla.

Vamos ver em que casos podemos responsabilizar o administrador que, por força da lei, pode administrar
bens que não são seus. Artigo 1681.º CC:

“1. O cônjuge que administrar bens comuns ou próprios do outro cônjuge, ao abrigo do disposto nas alíneas
a) a f) do n.º 2 do artigo 1678.º, não é obrigado a prestar contas da sua administração, mas responde pelos
actos intencionalmente praticados em prejuízo do casal ou do outro cônjuge” – há uma alínea excluída, a

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alínea g) – o caso do mandato (esses poderes não são conferidos por força da lei – a possibilidade é aberta
pela lei, mas são conferidos pela via do mandato).

• Nestes casos, quando o cônjuge administra bens comuns ou próprios do outro porque tem os poderes
concedidos pela lei, não é obrigado a prestar contas da sua administração;

• E só responde pelos atos (não omissões!) que intencionalmente praticou, em prejuízo do casal ou do
outro cônjuge (ou seja, se há negligência não vai responder por estes atos) — isso significa que não há
uma obrigação de prestação de contas, no âmbito da administração;

• e a responsabilidade é limitada – responde por atos praticados – atos, não por omissões.

As omissões, no âmbito do exercício de uma administração, podem ser muito prejudiciais. Mas a verdade é
que houve aqui uma ponderação por parte do legislador, considerou que as dificuldades de prova são maiores
e existe aqui ainda subjacente aquela relutância de aplicar as normas gerais da responsabilidade civil nas
relações entre os cônjuges.

Atos intencionalmente praticados em prejuízo do casal ou do outro cônjuge – é preciso não estarmos perante
mera negligência – têm de ser atos intencionalmente praticados em prejuízo do casal ou do outro cônjuge.
Este regime de responsabilidade é altamente exigente. É mais dificilmente convocável.

Os outros casos são de responsabilidade ampla – nestes casos de responsabilidade mais ampla, a prática
dos atos de administração por parte do cônjuge que não é titular ou o único titular tem por base decisões dos
cônjuges:

Art. 1681º/2 “Quando a administração, por um dos cônjuges, dos bens comuns ou próprios do outro se
fundar em mandato, são aplicáveis as regras deste contrato, mas, salvo se outra coisa tiver sido estipulada,
o cônjuge administrador só tem de prestar contas e entregar o respectivo saldo, se o houver, relativamente a
actos praticados durante os últimos cinco anos.” — Refere-se a atos que o cônjuge tem poder de praticar,
não por força da lei, mas por força do mandato.

Temos aqui, então, uma remissão para o regime geral do contrato de mandato e é uma responsabilidade
mais alargada

Ainda assim, temos uma limitação em função da realidade conjugal — é só a prestação de contas quanto aos
últimos cinco anos, porque não se espera que tenham contabilidade organizada quando se está a falar da
administração de bens próprios do outro ou de bens comuns.

Art. 1681º/3: “Se um dos cônjuges entrar na administração dos bens próprios do outro ou de bens comuns
cuja administração lhe não caiba, sem mandato escrito, mas com conhecimento e sem oposição expressa do
outro cônjuge, é aplicável o disposto no número anterior…”

Sendo assim, os casos de responsabilidade ampla incluem não só as situações em que exista um mandato,
mas também situações em que existe conhecimento e não existe a oposição expressa do outro cônjuge.

Se houve conhecimento e não houve oposição, temos de admitir as situações em que há poderes de
administração, mas não há intervenção do outro cônjuge – ou porque não teve conhecimento ou porque não
houve esta ausência de oposição.

“…havendo oposição, o cônjuge administrador responde como possuidor de má fé.” — Se há oposição, o


cônjuge responde como possuidor de má fé. Que implicações tem responder como possuidor de má fé?

• Artigo 1269.º CC “O possuidor de boa fé só responde pela perda ou deterioração da coisa se tiver
procedido com culpa”;

• Artigo 1271.º CC “O possuidor de má fé deve restituir os frutos que a coisa produziu até ao termo da
posse e responde, além disso, pelo valor daqueles que um proprietário diligente poderia ter obtido”

• Artigo 1275.º/2 CC “O possuidor de má fé perde, em qualquer caso, as benfeitorias voluptuárias que haja
feito.”

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Problemas que temos quanto à responsabilidade do cônjuge administrador:

Cabe perceber que património é que este crédito da indemnização vai integrar. E neste âmbito não há uma
resposta clara.

Artigo 1733.º/1/d) – as indemnizações integram o património próprio.

E se o dano se verifica num bem comum? Já não vale a regra do artigo 1733.º CC, aqui temos duas
hipóteses:

- ou pertence ao património comum,


- ou responde apenas por metade do dano e integra o património próprio.
Esta questão não tem uma resposta certa, está em aberto esta discussão.

O momento para exigir o montante do crédito é o momento da partilha – isto também não é certo, mas é
para o que nos apontam os dados do sistema, do ponto de vista sistemático as soluções apontam-nos para o
momento da dissolução e partilha da comunhão. Não há uma resposta clara na lei, mas tem sido apontado
este momento – é quando os reequilíbrios patrimoniais se vão estabelecer.

Artigo 1697.º CC “1. Quando por dívidas da responsabilidade de ambos os cônjuges tenham
respondido bens de um só deles, este torna-se credor do outro pelo que haja satisfeito além do que
lhe competia satisfazer; mas este crédito só é exigível no momento da partilha dos bens do casal, a
não ser que vigore o regime da separação.” Remete também para o momento da partilha dos bens e
parece que é o que faz sentido tomar em conta.

Temos outros expedientes para a má administração do cônjuge administrador:

Como é o caso da simples separação judicial de bens: não opera um relaxamento do vínculo matrimonial.
É um expediente que o cônjuge não administrador pode lançar mão quando a administração é ruinosa. O
artigo 1767.º CC prevê esta hipótese “Qualquer dos cônjuges pode requerer a simples separação judicial de
bens quando estiver em perigo de perder o que é seu pela má administração do outro cônjuge.”

Note-se que está certo falar em simples separação judicial de bens e errado falar em separação judicial de
pessoas e bens. A separação de pessoas e bens segue as mesmas vias que o divórcio – que se pode dar por
duas vias diversas – via judicial, mas também administrativa. A separação judicial de pessoas e bens pode ser
judicial ou administrativa. A simples separação de bens é sempre decretada pelo tribunal.

Poderes de administração do cônjuge não administrador:

Artigo 1679.º CC: “O cônjuge que não tem a administração dos bens não está inibido de tomar
providências a ela respeitantes, se o outro se encontrar, por qualquer causa, impossibilitado de o fazer, e do
retardamento das providências puderem resultar prejuízos.” O cônjuge não administrador pode tomar
algumas providências quanto à administração dos bens se o outro se encontrar, por qualquer causa,
impossibilitado de o fazer, e do retardamento das providências puderem resultar prejuízos.

Este regime, de certeza que nos faz lembrar da gestão de negócios. Artigo 464.º CC “Dá-se a gestão de
negócios, quando uma pessoa assume a direcção de negócio alheio no interesse e por conta do respectivo
dono, sem para tal estar autorizada.”

Temos esta tutela legislativa quando alguém age no interesse e por conta de outra pessoa sem para tal estar
autorizado. Há esta parecença com a gestão de negócio porque temos um cônjuge que não tem poderes de
administração, nem está para tal autorizado por mandato e a lei considera que pode tomar providências.

Quais são as diferenças essenciais? No artigo 464.º CC não nos fala apenas das situações em que do
retardamento resulta prejuízo, no caso da gestão de negócios é necessária a ratificação pela parte do dono
para que haja vinculação. Isto não vai acontecer no caso do artigo 1679.º CC – só existe para evitar prejuízos,
mas não é necessária esta ratificação por parte do outro cônjuge. Então, embora haja proximidade, este
expediente permite esta carta branca ao cônjuge não administrador.

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Isto já não teria resposta por parte de outra regra do regime da administração? Quando o cônjuge está
incapacitado? Estas providências administrativas são para situações mais pontuais. Um impedimento não é
uma situação esporádica, estamos a falar aqui se situações com uma densidade diferente. Para estas
intervenções pontuais não podemos dizer que existam poderes de administração, mas poderes para tomar
providências administrativas.

5. ILEGITIMIDADES CONJUGAIS

Vamos entrar na matéria das chamadas ilegitimidades conjugais.

Os cônjuges podem fazer mais do que as regras comuns lhes permitiriam – um cônjuge pode administrar
bens próprios do outro sem ter mandato para tal, por exemplo. Mas, por outro lado, há também limitações
que não existiriam ao abrigo das regras comuns, há atos que um cônjuge não vai poder praticar livremente:

Há atos em que é necessário, para que possam ser validamente concluídos, o consentimento do outro
cônjuge – ainda que sejam atos praticados relativamente a bens próprios desse cônjuge. Há proibições de
concluir certos negócios jurídicos sem o consentimento do outro cônjuge – se esses atos forem concluídos
sem consentimento, podemos estar sujeitos a sanções.

Estamos a limitar a atuação de um cônjuge relativamente aos seus bens próprios e também os bens comuns.

Quando falamos na limitação do ponto de vista jurídico, quando falamos na limitação da atuação de alguém
geralmente, lembramo-nos de quê? Quem é que tem a sua atuação limitada? Os menores e maiores
acompanhados. Isso remete-nos para uma categoria – a incapacidade – quando está em causa a sua
capacidade – têm falta de capacidade para o exercício de direitos.

Quem é que é protegido por esta limitação na sua atuação de agir? O próprio menor e o próprio maior
acompanhado. Estas limitações que encontramos na Parte Geral do CC visam proteger os interesses das
pessoas cuja atuação é limitada.

Não é isso que se passa no plano das ilegitimidades conjugais: Quando falamos das ilegitimidades
conjugais, aquilo que está em causa é limitar a atuação de um dos cônjuges em função dos interesses do
outro, em função dos interesses da família. Ficamos já a perceber a diferença entre as incapacidades e as
ilegitimidades.

Para os regimes de comunhão — Artigo 1682.º -A — Alienação ou oneração de imóveis e de


estabelecimento comercial:

“1. Carece do consentimento de ambos os cônjuges, salvo se entre eles vigorar o regime de separação de
bens:

a) A alienação, oneração, arrendamento ou constituição de outros direitos pessoais de gozo sobre imóveis
próprios ou comuns;
b) A alienação, oneração ou locação de estabelecimento comercial, próprio ou comum."

O nosso legislador considera estes bens os mais importantes (os bens imóveis e o estabelecimento
comercial).

Estas regras aplicam-se só em regimes de comunhão. Podíamos pensar que se aplicam a regimes de
comunhão porque tratam de bens comuns, mas não é assim, aplicam-se também a bens próprios.

Um dos valores básicos relativamente ao desenvolvimento da vida familiar tem a ver com a importância dos
bens imobiliários.

Porque é que carece do consentimento do outro cônjuge este ato de alienação de imóvel próprio? Se fosse
comum, nós percebíamos, claro. Mas, os imóveis próprios? Que sentido é que isto pode fazer? Estamos a
falar de um bem imóvel próprio, mas pode ter implicações relativamente ao património do outro cônjuge.
Pode ser muito relevante a existência de frutos, que integram o património comum. Se eu alieno um

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bem imóvel próprio, isso pode significar que os frutos deste imóvel próprio vão deixar de integrar o
património comum – portanto, é relevante o consentimento do meu cônjuge.

NOTA: Há algumas situações que podemos considerar que não se reconduzem a esta hipótese: por exemplo,
temos um cônjuge que é construtor civil e aliena estes imóveis no exercício da sua atividade, no âmbito do
objeto da empresa, não obedece a lógica do 1682º-A. Mas também temos de pensar que quando um cônjuge
celebra um contrato de promessa de alienação temos de traçar a diferença, o contrato promessa não se
transmite o direito real, não é necessário consentimento de ambos os cônjuges, só se vincula quem realiza o
contrato - está fora desta limitação do artigo.

Quanto à oneração de imóveis próprios ou comuns: a constituição de direitos reais de gozo, constituição
de direitos reais de garantia, mas também o arrendamento e a constituição de outros direitos pessoais de gozo
– o bem não vai deixar, à partida, o património, mas conseguimos perceber as implicações que o ato tem
relativamente ao património.

- Se se constituem direitos reais de gozo, podemos ter uma limitação tão grande relativamente ao uso que se
perde o valor do bem.
- Relativamente aos direitos reais de garantia, pode mesmo perder-se o bem.
- Quando falamos em direitos pessoais de gozo, temos de pensar no comodato, por exemplo – artigo 1129.º
CC.

Tudo está ligado a um esvaziamento considerável dos poderes do proprietário. Portanto, é necessário o
consentimento do outro cônjuge.

Quanto à alínea b) do nº1 — O estabelecimento comercial não é um imóvel, temos vários valores com uma
afetação à atividade comercial, é uma universalidade de direito, e como não se trata de um bem imóvel nos
termos do art. 204º, será um bem móvel nos termos do art. 205º CC.

Apesar de se tratar de um bem móvel, vamos ter, pela importância do estabelecimento comercial, um
tratamento análogo ao dos bens imóveis.

Número 2: “A alienação, oneração, arrendamento ou constituição de outros direitos pessoais de gozo sobre
a casa de morada da família carece sempre do consentimento de ambos os cônjuges.”

Tem a ver com o regime de bens da separação de bens – da extensão que vem desde a liquidação à separação
de bens - sublinhar a palavra sempre – qualquer que seja o regime de bens – seja num regime de
comunhão, seja num regime de separação de bens, é necessário o consentimento do outro cônjuge para poder
proceder a esta alienação da casa de morada de família, mesmo sendo bem próprio num regime de separação
de bens.

Artigo 1682.º-B “Relativamente à casa de morada de família, carecem do consentimento de ambos os


cônjuges: a) A resolução, a oposição à renovação ou a denúncia do contrato de arrendamento pelo
arrendatário; b) A revogação do arrendamento por mútuo consentimento; c) A cessão da posição de
arrendatário; d) O subarrendamento ou o empréstimo, total ou parcial.”

Então, o nº2 do artigo 1682.º-A não se refere já à casa de morada de família? No artigo 1682.º-A, há
propriedade e no artigo 1682.º -B não há propriedade, falamos da limitação do direito, enquanto
arrendatários, quanto à sua disposição, por ilegitimidades conjugais.

A e B habitam aquela casa. A que titulo? Se são proprietários, um ou ambos, então quando falamos de
arrendamento, estamos a falar do artigo 1682.º -A/2 – eles são o senhorio eventual, trata-se de dar de
arrendamento o seu imóvel próprio ou comum.

Quando falamos do artigo 1682.º-B estamos a falar dos cônjuges que são arrendatários. É uma questão de
tutela da sua posição contratual enquanto arrendatários.

Uma situação que fica de fora do art. 1682º-B diz respeito à prestação de prestação de serviços pessoais que
tomem de arrendamento uma determinada casa.

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Tutela de bens móveis:

Agora vamos olhar para as situações em que está em causa a tutela de bens móveis. Alguns bens móveis
também merecem esta especial tutela por parte do direito no âmbito do casamento.

Artigo 1682.º CC “1. A alienação ou oneração de móveis comuns cuja administração caiba aos dois
cônjuges carece do consentimento de ambos, salvo se se tratar de acto de administração ordinária.” – Faz
sentido, se estamos a falar de bens móveis comuns cuja administração cabe aos dois, é necessário
consentimento de ambos.

“2. Cada um dos cônjuges tem legitimidade para alienar ou onerar, por acto entre vivos, os móveis próprios
ou comuns de que tenha a administração, nos termos do n.º 1 do artigo 1678.º e das alíneas a) a f) do n.º 2
do mesmo artigo, ressalvado o disposto nos números seguintes.”

O número 3 vai estabelecer estas limitações – que bens móveis é que justificam que para que se celebrem
determinados negócios jurídicos relativamente a estes seja necessário o consentimento do outro cônjuge?

“Carece do consentimento de ambos os cônjuges a alienação ou oneração: a) De móveis utilizados


conjuntamente por ambos os cônjuges na vida do lar ou como instrumento comum de trabalho;” – aqui
justifica-se adotar uma conceção mais ampla, está em causa proteger a integridade do recheio, tudo o que
faz com que a vida dentro daquela casa seja aquilo que é. Vamos considerar não só o indispensável, mas
também o que é útil e o que ornamenta a casa, uma vez que é, no fundo, o que dá identidade aquele lar:

Vamos, então, utilizar um conceito amplo de utilização e, para tal, vamos socorrer-nos de outra norma:

• Este artigo é instrumental para o funcionamento de uma atribuição preferencial no direito sucessório –
artigo 2103.º -A – por ocasião de morte de um dos cônjuges, quando se faz a partilha, há um direito
preferencial de um dos cônjuges a ser encabeçado não num direito de propriedade da casa de morada de
família, mas num direito de habitação na casa e utilização dos bens do recheio. Esta norma permite
tutelar a situação do cônjuge sobrevivo, e neste âmbito vamos encontrar um referência para identificar o
que é “recheio”:

• Artigo 2103.º -C “Para os efeitos do disposto nos artigos anteriores considera-se recheio o mobiliário e
demais objectos ou utensílios destinados ao cómodo, serviço e ornamentação da casa.”

Exemplificando:

- A mobília da sala de jantar, por exemplo.


- E a secretária do filho? Também parece que sim, apesar de a lei se referir apenas à utilização conjunta na
vida dos cônjuges, a secretária é um bem móvel dos cônjuges para cumprir as suas funções, relativamente
ao filho.
- Só um dos cônjuges utiliza a passadeira para correr de manhã, mas faz parte desta conceção de que entra
na vida do lar
- Se for uma jarra, na mesa da entrada? E se forem almofadas no sofá? Podem ser estas ou outras.
Devemo-nos socorrer deste conceito amplo relativamente ao conceito de recheio. Nós, aqui, como há pouco,
quando falamos em casa de morada de família, temos casos de barreira – residência principal ou
residência secundária. É necessário que nós, em concreto, percebamos onde é que se situa o centro da vida
familiar. Se houver uma utilização muito frequente de uma casa de fim de semana, é muito diferente de dizer
que há um imóvel de utilização muito esporádica.

(Fazer remissão do artigo 1682.º/3 para o artigo 2103.º-C)

Alínea a) ainda – instrumento comum do trabalho – temos a tutela da livre profissão dos cônjuges.

Voltando ao artigo 1682º/3:

Alínea b) “Carece do consentimento de ambos os cônjuges a alienação ou oneração: b) De móveis


pertencentes exclusivamente ao cônjuge que os não administra, salvo tratando-se de acto de administração

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ordinária.” Temos bens móveis que são da titularidade do cônjuge, mas esse cônjuge não administra esses
bens móveis – temos de estar numa das situações em que são conferidos poderes de administração ao outro
cônjuge. Hipóteses previstas no artigo 1678.º CC. Um cônjuge tem a titularidade do bem móvel, não
administra esse bem móvel e, por isso, carece do consentimento do outro cônjuge, que o administra, para o
alienar.

Vamos incluir aqui uma situação que não estava a coberto da alínea anterior.

Exemplo: Levei para casamento carrinha, bem próprio, depois do casamento o cônjuge passou a utilizar
carrinha para pet sitting. Quem o administra então é o outro cônjuge que o utiliza exclusivamente como
instrumento de trabalho. Mas agora quero vender a carrinha, posso? Não, ele é meu mas não o administro, é
necessário o consentimento do outro cônjuge.

Exemplo do nosso caso prático da aula anterior: tínhamos um bem móvel de um dos cônjuges – o cavalo
do Alberto – que era administrado pela Vitória, que o utilizava no âmbito da sua atividade de terapia. A
Vitória era o cônjuge administrador. Ela utilizava o cavalo exclusivamente como instrumento de trabalho.
Não era instrumento comum de trabalho. Se o Alberto quiser alienar este bem, não o pode fazer sem o
consentimento da Vitória, mas não ao abrigo da alínea a), mas ao abrigo da alínea b) do número 3 do artigo
1682.º CC.

Legados e heranças:

Artigo 1683.º CC – consentimento para a aceitação ou para o repúdio da herança ou legado – “1. Os
cônjuges não necessitam do consentimento um do outro para aceitar doações, heranças ou legados. 2. O
repúdio da herança ou legado só pode ser feito com o consentimento de ambos os cônjuges, a menos que
vigore o regime da separação de bens.”

Há aqui uma separação: para a aceitação não é necessário o consentimento do outro; para o repúdio, é
necessário o consentimento — porquê?

No âmbito sucessório, quando se dá o chamamento, quando se chama à sucessão os potenciais sucessíveis,


tem de haver uma resposta ao chamamento – pode ser positiva (aceitação), mas também pode ser negativa. A
resposta positiva permite a chamada aquisição sucessória – elas vêm, em última análise, a receber os bens do
de cujus. A resposta negativa é o repúdio. Repudiar a herança pode ter consequências para a família, daí ser
necessário o consentimento do cônjuge.

Artigo 2071.º CC “1. Sendo a herança aceita a benefício de inventário, só respondem pelos encargos
respectivos os bens inventariados, salvo se os credores ou legatários provarem a existência de outros bens.
2. Sendo a herança aceita pura e simplesmente, a responsabilidade pelos encargos também não excede o
valor dos bens herdados, mas incumbe, neste caso, ao herdeiro provar que na herança não existem valores
suficientes para cumprimento dos encargos.” — a ideia essencial é a de que os encargos são limitados às
forças das liberalidades.

• Vemos aqui relativamente às heranças, mas também relativamente às doações – artigo 963.º/2 CC “2. O
donatário não é obrigado a cumprir os encargos senão dentro dos limites do valor da coisa ou do direito
doado.” Aceitar uma herança, aceitar um legado é um benefício – não é necessário consentimento.

• Mas repudiar pode implicar uma perda potencial, do ponto de vista patrimonial. A não ser que se trate do
regime da separação de bens – aí cada um tem o seu próprio património, esta questão de perder o benefício
não se põe. Mas no regime da comunhão de adquiridos, os bens adquiridos a título gratuito também não
integram o património comum – mas, mesmo assim, há uma potencial perda patrimonial – os frutos, por
exemplo, mesmo que sejam de bens próprios, vão integrar o património comum.

Consentimento:

Agora, interessa-nos perceber, sendo necessário consentimento, como vai ser prestado e que exigências
existem relativamente a este consentimento.

Artigo 1684.º CC “1. O consentimento conjugal, nos casos em que é legalmente exigido, deve ser especial
para cada um dos actos.” Para que não seja uma carta branca – exige-se reflexão para cada um dos atos.

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“2. A forma do consentimento é a exigida para a procuração” — Para a procuração, exige-se a forma que é
exigida para o respetivo negócio. Para a alienação de bens imóveis, exige-se a escritura pública ou
documento particular autenticado. Normalmente, é pela intervenção do cônjuge no próprio ato que se presta
o consentimento.

Quando o cônjuge consente, o consentimento faz com que haja responsabilidade de ambos pela dívida
contraída por um (isto vamos ver depois)

E se não é prestado o consentimento? O artigo 1684.º diz que pode ser judicialmente suprido (remissão
para art. 1000º e 1001º CPC) Há esta possibilidade – nestes casos, o cônjuge não pode praticar o ato
sozinho, uma vez que estamos perante uma ilegitimidade conjugal.

- Pode ser judicialmente suprido quando? Havendo injusta recusa, ou impossibilidade, por qualquer
causa, de o prestar — o interesse é não sofrer as consequências do art. 1687º CC.

E se não há este consentimento? Qual é a sanção, quem é que pode invocar e em que prazo o pode fazer?

Artigo 1687.º CC “1. Os actos praticados contra o disposto nos n.os 1 e 3 do artigo 1682.º, nos artigos
1682.º-A e 1682.º-B e no n.º 2 do artigo 1683.º são anuláveis a requerimento do cônjuge que não deu o
consentimento ou dos seus herdeiros, ressalvado o disposto nos n.os 3 e 4 deste artigo.”

Estes atos foram praticados sem o consentimento do outro cônjuge, quando era exigido pela lei – são atos
anuláveis. O regime da anulabilidade requer que seja determinado por quem tem legitimidade para a invocar
– o cônjuge que devia ter dado o consentimento e não deu ou os seus herdeiros.

Prazo para reagir – “2. O direito de anulação pode ser exercido nos seis meses subsequentes à data em que
o requerente teve conhecimento do acto, mas nunca depois de decorridos três anos sobre a sua celebração.”

Há aqui dois momentos temporais relevantes:

- É importante a data do ato e a data de conhecimento do ato.


Exemplificando:

A está casado no regime de comunhão de adquiridos desde 2015. Em dezembro de 2019, alienou um bem
imóvel próprio, sendo que precisava do consentimento do cônjuge, mas não o obteve. Quando é que o
cônjuge teve conhecimento da alienação deste bem? Em janeiro de 2024.

Com isto, B, o cônjuge, quer reagir. Apesar de não terem passado 6 meses desde o conhecimento do facto
(passaram dois meses), já passaram mais de 3 anos desde a data de celebração.

Este bem imóvel foi alienado em junho de 2023 – com o conhecimento, mas sem o consentimento do outro
cônjuge. Se não teve consentimento, estamos perante ilegitimidade conjugal. Hoje, decidiu que ia anular.
Não passaram 3 anos desde o ato, mas já passaram mais de 6 meses desde o conhecimento. Também já não
está em tempo para o fazer.

Se teve conhecimento hoje e não na altura e o ato foi praticado em junho de 2022, ainda não passaram 3
anos, em 6 meses desde o seu conhecimento.

Temos duas situações especiais – números 3 e 4:

“3. Em caso de alienação ou oneração de móvel não sujeito a registo feita apenas por um dos cônjuges,
quando é exigido o consentimento de ambos, a anulabilidade não poderá ser oposta ao adquirente de boa
fé.” – Mais uma vez, temos a desvalorização dos bens móveis relativamente aos bens imóveis.

“4. À alienação ou oneração de bens próprios do outro cônjuge, feita sem legitimidade, são aplicáveis as
regras relativas à alienação de coisa alheia.” Neste caso, estou a alienar um bem próprio do meu cônjuge,
temos uma alienação de coisa alheia.

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A consequência, como tal, será a nulidade – artigo 892.º CC – aqui, o alienante nem é o proprietário, nem o
administrador. (Remissão do número 4 do artigo 1687.º para o 892.º CC).

Se for bem próprio do outro, mas este o administrar, então aplica-se o artigo 1687.º/1 e há anulabilidade (art.
288º CC) e não nulidade.

A lei também contempla a disposição de bens mortis causa:

Artigo 1685.º CC – não vão valer as ilegitimidades conjugais quando estão em causa situações post mortem,
estas disposições são mortis causa e se são mortis causa, só produzem efeitos depois da morte do disponente.
Aqui não vale a ideia de tutela da vida familiar que sustenta as ilegitimidades conjugais —mas há uma
exceção, aquela atribuição preferencial do direito de habitação, casa de morada, e do recheio (2103º CC)

“1. Cada um dos cônjuges tem a faculdade de dispor, para depois da morte, dos bens próprios e da sua
meação nos bens comuns, sem prejuízo das restrições impostas por lei em favor dos herdeiros legitimários.”

Quando a qualquer bem próprio, tenho legitimidade para fazer disposições mortis causa, independentemente
desta caracterização particular.

Quanto à meação - eu estando ainda casada, vigorando o regime de comunhão, posso dispor mortis causa da
minha meação dos bens comuns. Contudo, isto é temperado pelo número 2:

“2. A disposição que tenha por objecto coisa certa e determinada do património comum apenas dá ao
contemplado o direito de exigir o respectivo valor em dinheiro.” Nenhum dos cônjuges pode saber, antes da
partilha, que bens em concreto vão integrar a sua meação dos bens comuns.

Ex.: Se eu adquiri na constância do casamento um automóvel, é um bem adquirido onerosamente na


constância do casamento. Eu estou casado no regime da comunhão de adquiridos, logo, este bem integra o
património comum. O meu sobrinho aprendeu a conduzir neste carro, ele adora o carro e eu adoraria que, um
dia, ele ficasse com o carro, logo, no testamento deixo o automóvel ao meu sobrinho. Tem de se dar a
partilha conjugal antes de abrir o fenómeno sucessório — o sobrinho só vai ter o direito de exigir o valor em
dinheiro.

A regra é que só pode ser exigido o valor em dinheiro, porque nós não sabemos em concreto que bens vão
integrar cada meação, nem sabemos em concreto que bens vão existir – pode existir agora e não existir na
altura, mas há o direito a exigir o respetivo valor em dinheiro. E em espécie? Há, mas apenas nas hipóteses
do número 3 do artigo 1685.º CC:

“3. Pode, porém, ser exigida a coisa em espécie:

a) Se esta, por qualquer título, se tiver tornado propriedade exclusiva do disponente à data da sua morte;
b) Se a disposição tiver sido previamente autorizada pelo outro cônjuge por forma autêntica ou no próprio
testamento;
c) Se a disposição tiver sido feita por um dos cônjuges em benefício do outro.”

REGIME DA RESPONSABILIDADE POR DÍVIDAS

Vamos falar de um regime especial relativamente ao regime comum. Segundo as regras gerais, aquele que
contrai uma dívida é aquele que se obriga. Isto não acontece necessariamente assim no âmbito do casamento.
Há dívidas que responsabilizam ambos os cônjuges quando apenas um as contraiu. E por dividas da
responsabilidade de um até podem vir a responder bens comuns e por dividas da responsabilidade de ambos
podem vir a responder bens próprios.

Um dos cônjuges pode obrigar o outro por dívidas que ele próprio assumiu, sem se preencherem os
requisitos da gestão de negócios — a dívida ser da responsabilidade de ambos, ainda que não tenha havido
qualquer intervenção do outro. E o património próprio de um dos cônjuges pode vir a ser chamado a
responder por dívidas que são comuns – também aqui uma situação especial e temos de perceber a
justificação da mesma.

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Artigo 1690.º CC – este artigo tem uma particularidade, foi o último artigo do CC a fazer referência às
palavras diferenciadas em função do género “marido e mulher” – até 2010. Em tudo o resto, foi eliminado,
mas aqui, continuou.
Apareceu esta redação quando passou a existir o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Para contrair
dividas não é necessário o consentimento do outro. “1 - Qualquer dos cônjuges tem legitimidade para
contrair dívidas sem o consentimento do outro.” É relevante o consentimento do outro cônjuge, mas apenas
no âmbito da responsabilidade, não para a legitimidade para contrair a dívida.

O número 2 avança com uma norma importante “Para a determinação da responsabilidade dos cônjuges, as
dívidas por eles contraídas têm a data do facto que lhes deu origem” Temos um dado muito importante para
alguns contextos.

A regra é que as dívidas que são contraídas por um sem o consentimento do outro são da responsabilidade
deste.

Artigo 1691.º, alínea a) “1. São da responsabilidade de ambos os cônjuges: a) As dívidas contraídas, antes
ou depois da celebração do casamento, pelos dois cônjuges, ou por um deles com o consentimento do
outro.” Não há aqui qualquer distinção quanto ao regime de bens. O regime da responsabilidade por dívidas
pode ter uma ou outra regra com um regime diverso quanto à separação de bens, mas não acontece
necessariamente. Pode haver responsabilidade conjunta mesmo no regime da separação de bens.

Tal como nas ilegitimidades conjugais, podemos ter suprimento do consentimento? Não há suprimento
judicial do consentimento, porque este não é exigido.

Alínea a) – dívidas contraídas por ambos, por um ou pelo outro, antes ou depois da celebração do
casamento, desde que com o consentimento do outro.

Alínea b) “As dívidas contraídas por qualquer dos cônjuges, antes ou depois da celebração do casamento,
para ocorrer aos encargos normais da vida familiar;” “encargos normais da vida familiar” é um conceito
indeterminado muito relevante – se a dívida foi contraída por qualquer um deles, tendo em vista os encargos
normais da vida familiar, responsabilizamos ambos. Quais serão estes encargos normais da vida familiar?

- Geralmente, classificamos estas despesas como aquelas despesas correntes, periódicas, de pequena
importância, que permitem fazer face aos encargos da vida do casal. Exemplos: água, luz,
supermercados, vestuário, despesas médicas.

- “Despesa de pequena importância” — Ex.: Despesas com os filhos – à partida, diríamos que sim, claro –
mas, por exemplo, se não for pagar a mensalidade do colégio, mas pagar o curso de línguas durante um
mês, em Nova Iorque. É despesa com a educação do filho. É um encargo normal da vida familiar? Pode
ser ou não ser, depende do padrão de vida dos cônjuges. Aqui, o padrão de vida dos cônjuges é
relevante.

Ex.: Uma operação estética pode ser um encargo normal na vida familiar? Vai sempre depender da
avaliação em concreto das despesas e do padrão de vida do casal.

Estas dívidas contraídas responsabilizam ambos os cônjuges. Vamos lembrar-nos desta alínea na união de
facto.

Alínea c) “As dívidas contraídas na constância do matrimónio (art. 1690º/2) pelo cônjuge administrador, em
proveito comum do casal e nos limites dos seus poderes de administração, em proveito comum do casal” – já
não abrange dívidas contraídas antes do casamento, só na constância do matrimónio. Temos aqui dividas
relacionadas com bens cujo cônjuge que contraiu as dividas tenha administração.

No nosso caso prático da aula prática tínhamos um cônjuge que tinha entrado na administração da Quinta –
realizou uma série de obras – até acabamos por perceber que devia ser responsabilizado por isso – contraiu
dividas. É necessário determinarmos se estas dividas responsabilizam ou não ambos os cônjuges. Desde
logo, caía a possibilidade de responsabilizar ambos porque o cônjuge não tinha poderes de administração.

Tem de ter poderes de administração – tem de ser contraída a dívida em proveito comum do casal. Isto é
um conceito que requer uma densificação, não há aqui a definição do que é o proveito comum do casal.

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A doutrina já pensou muito sobre este conceito. Pistas de avaliação que nos foram trazidas pela doutrina:
(nº3) o proveito comum do casal não se presume, exceto nos casos previstos na lei – se a lei diz que há
proveito comum. Se não se presume, quem é que tem de fazer a prova do proveito comum?

- Os credores que têm interesse – o património que responde pela divida de responsabilidade de ambos é
mais amplo do que se a responsabilidade for de um;
- também o pode fazer o cônjuge que não quer ter responsabilidade exclusiva – para não responder em
primeira linha o seu património comum.

Se tem de ser provado, temos de saber o que vamos provar. O proveito comum não se vai aferir pelo
resultado, mas vai aferir-se pelo fim visado.

Exemplo 1: Imaginemos a seguinte situação: A e B são criadores de cavalos e um contrai uma dívida para
adquirir um cavalo. O cavalo sofre uma lesão na pata e, portanto, aqueles prémios que iria ter acabam por
não se concretizar. Havia ali um proveito económico à vista – dados que nos apontavam nesse sentido, para
ambos os cônjuges. O resultado não foi esse, mas o proveito comum afere-se pelo fim visado e não pelo
resultado.

Dívida contraída para a aquisição do cavalo – se não havia qualquer dado no sentido de achar que ia ter
algum sucesso – era muito bonito, mas era velho, tinha sofrido lesões anteriores, o cônjuge que tinha
contraído a dívida para o adquirir achou que ia recuperar – qualquer pessoa que percebesse minimamente do
assunto sabia que era um péssimo investimento. Avaliada segundo o padrão da pessoa média, aquela divida
não podia ser entendida em proveito comum do casal.

Exemplo 2: A e B são casados e adoram férias na neve. A contraiu uma dívida para pagar as férias de inverno
em fevereiro. Contudo, estava muito sol nessa altura. A pretendia que a dívida correspondesse a uma vontade
de ambos de praticar desportos de inverno, mas não se concretizou — ainda assim, foi contraída em proveito
comum do casal, porque este afere-se em função do fim visado e não do resultado.

Neste caso, o interesse não era económico, o proveito comum pode ter também uma natureza estrutural, uma
natureza intelectual, pode ser de ordem moral, económica, (…) — pode haver a aquisição de um bem para
proveito comum, não para proveito económico, mas pela alegria que dá àqueles cônjuges.

Ademais, esta avaliação não é puramente subjetiva, tem de haver uma intenção objetiva de proveito
comum. Temos de avaliar tudo isto que vimos até agora em função de um padrão objetivo – não só da
intenção subjetiva daquele que contrai a divida, mas também em função do padrão da pessoa média
(objetividade).

Nos casos práticos temos de perceber se a dívida é contraída no âmbito da administração do bem, se o
consegue era administrador, etc.

Alínea d) “As dívidas contraídas por qualquer dos cônjuges no exercício do comércio, salvo se se provar
que não foram contraídas em proveito comum do casal ou se vigorar entre os cônjuges o regime de
separação de bens”

A regra é que as dívidas comerciais responsabilizam ambos, aqui o legislador quis favorecer a tutela do
comércio, quis favorecer a obtenção de crédito para exercício do comércio e dar uma nota aos credores de
que têm património mais amplo para satisfazerem o seu crédito.

Aqui vamos ter uma distinção em função de regime de bens. Temos regras diferentes relativamente a
responsabilidade por dívidas, consoante estejamos perante regimes de separação ou de comunhão.

Nos casos de comunhão tem de se afastar a comunicabilidade da dívida provando a ausência de proveito
comum. No regime da separação é do próprio regime que resulta o afastamento da comunicabilidade.

Princípio da imutabilidade – um cônjuge que decide iniciar esta atividade comercial durante a constância
do casamento não vai poder mudar o regime de bens, vai ter de responsabilizar o outro cônjuge.

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Estando casados num regime de comunhão, é possível afastar esta responsabilidade? É, tem de se
demonstrar que não houve proveito comum do casal – tem de se provar que não foi contraída no exercício
do comércio, senão, funciona a presunção do artigo 15.º CCom.

Imagine-se que temos um cônjuge que é galerista e contrai uma dívida para adquirir uma obra de arte. Mas
não foi para integrar na sua galeria, foi para seu próprio proveito pessoal ou para oferecer a alguém. Aí,
podemos encontrar o cônjuge não comerciante a provar a ausência de proveito comum – não foi no exercício
do comércio.

Alínea e) “As dívidas consideradas comunicáveis nos termos do n.º 2 do artigo 1693.º” – qual é o regime
em que estas forças integram o património comum? Regime da comunhão geral ou algum regime misto.

“2. Porém, se por força do regime de bens adoptado, os bens doados, herdados ou legados ingressarem no
património comum, a responsabilidade pelas dívidas é comum, sem prejuízo do direito que tem o cônjuge do
aceitante de impugnar o seu cumprimento com o fundamento de que o valor dos bens não é suficiente para a
satisfação dos encargos.”

Podemos ligar isto à necessidade de consentimento para aceitar ou repudiar heranças ou legados. A
responsabilidade é limitada ao valor destes bens.

Vejamos agora outra hipótese de dívida contraída em proveito comum do casal, mas que responsabiliza
mais amplamente ambos os cônjuges:

Artigo 1691º/2 “2. No regime da comunhão geral de bens, são ainda comunicáveis as dívidas contraídas
antes do casamento por qualquer dos cônjuges, em proveito comum do casal.”

Exemplo de dívidas contraídas antes do casamento em proveito comum do casal: a lua-de-mel, que foi
contraída por um deles, até fez surpresa ao outro cônjuge – antes do casamento, em proveito comum do casal
– no tal interesse não económico, mas de natureza imaterial. Há proveito comum.

Casam-se no regime da comunhão geral – vai tudo, com as exceções que nós sabemos, integrar o património
comum. Se fosse só da responsabilidade do cônjuge que contraiu, vemos que pelas dívidas de
responsabilidade de um responde apenas o património próprio desse cônjuge e a meação do património
comum. A realidade do casamento justifica que ambos sejam responsabilizados por dívidas que apenas um
contraiu se temos uma série de circunstâncias que o legislador valora no sentido de justificar que a
responsabilidade pese por ambos. Esta valoração tem em conta não só o interesse dos cônjuges, mas também
terceiros – os credores.

Há outras normas que se referem à possibilidade de responsabilização de ambos os cônjuges:

Artigo 1694.º CC “1. As dívidas que onerem bens comuns são sempre da responsabilidade comum dos
cônjuges, quer se tenham vencido antes, quer depois da comunicação dos bens”. — Dívidas que oneram
bens comuns, encargos. Por exemplo, impostos relativamente à propriedade vão ser da responsabilidade de
ambos os cônjuges.

“2. As dívidas que onerem bens próprios de um dos cônjuges são da sua exclusiva responsabilidade, salvo se
tiverem como causa a percepção dos respectivos rendimentos e estes, por força do regime aplicável, forem
considerados comuns.”

Imagine-se que temos um casal, casados no regime da comunhão de adquiridos – um deles é proprietário de
um bem imóvel, um apartamento, que levou para o casamento, logo, mantém a qualidade de bem próprio. Dá
de arrendamento o apartamento – os frutos que recebe (a renda) são bens comuns. Agora tem dívidas fiscais.

As dívidas que oneram bens próprios dos cônjuges são da sua exclusiva responsabilidade, salvo se tiverem
como causa a perceção dos respetivos rendimentos – há impostos sobre os rendimentos deste imóvel que foi
dado de arrendamento. Estas dívidas vão ser da responsabilidade de ambos os cônjuges.

Já sabemos que dividas são da responsabilidade de ambos os cônjuges, ainda que apenas um deles as tenha
contraído. Que bens vão responder por estas dívidas da responsabilidade de ambos os cônjuges?

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Vamos encontrar bens que respondem pelas dívidas comuns – artigo 1695.º CC – bens comuns do casal e,
na falta ou insuficiência destes, bens próprios de cada um dos cônjuges – vão responder os bens próprios
de cada um dos cônjuges solidariamente. O credor pode simplesmente procurar satisfazer o seu crédito junto
de qualquer um dos cônjuges solidariamente e este terá um direito de regresso em relação ao outro, mas cada
um deles pode ser mandado isoladamente.

Exemplo: A contrai uma dívida relativa a encargos da vida familiar, é da responsabilidade de ambos – vem
agora o credor que pretende satisfazer o seu crédito. Vai, em primeiro lugar, atacar o património comum. Só
se não houver património comum suficiente para satisfazer o seu crédito é que pode atacar o património
comum. Não precisa de recorrer primeiro ao cônjuge que contraiu a dívida nem pedir exatamente metade a
cada um dos cônjuges. Pode exigir tudo a um dos cônjuges – a responsabilidade é solidária – sem prejuízo de
haver direito de regresso.

Artigo 524.º CC “O devedor que satisfizer o direito do credor além da parte que lhe competir tem direito de
regresso contra cada um dos condevedores, na parte que a estes compete.” O credor pode exigir o
pagamento da totalidade da divida a um dos cônjuges, estes respondem solidariamente, mas, o outro cônjuge
vai ter direito de regresso.

Quando é que isto vai acontecer? No momento da partilha dos bens do casal – o artigo 1689.º fala-nos da
partilha.

Apesar da nossa primeira afirmação – de que no regime da separação de bens o legislador quer tratar os
cônjuges como se fossem estranhos do ponto de vista patrimonial – podemos afastar isto no regime da
responsabilidade por dívidas. Em alguns casos, ainda que casados num regime de separação de bens, podem
ser ambos responsabilizados pela dívida.

Neste regime, não há um património comum para responder. Artigo 1695.º/2 CC “2. No regime da
separação de bens, a responsabilidade dos cônjuges não é solidária.” Neste caso, o credor sabe que tem dois
patrimónios para satisfazer a divida. Mas não há responsabilidade solidária, há responsabilidade parcial. Não
pode exigir tudo a um, tem de exigir a cada um deles a parte que lhe compete.

Vai-nos surgir uma questão: em que proporção responde o património de cada?

A regra seria cada um responder por metade. Mas temos de nos lembrar dos deveres conjugais:

Deveres conjugais – ou obrigação de alimentos, ou encargos da vida familiar – as duas vertentes do dever de
assistência – artigo 1676.º CC “1- O dever de contribuir para os encargos da vida familiar incumbe a
ambos os cônjuges, de harmonia com as possibilidades de cada um (…)” Nem todas as dívidas da
responsabilidade de ambos os cônjuges, relativamente a elas não podemos aceitar uma responsabilidade
igual. Quanto a estas, dos encargos da vida familiar, temos este artigo.

Agora, vamos ver quais são dívidas da responsabilidade exclusiva de cada um dos cônjuges:

Se eu contraio uma dívida sem o consentimento do outro cônjuge e não estamos perante uma das
exceções, então, a divida é da minha exclusiva responsabilidade. A regra é que se eu contraio uma divida,
não tenho o consentimento do meu cônjuge nem circunstâncias que justifiquem que se estenda a
responsabilidade, a divida seja da minha exclusiva responsabilidade - artigo 1692.º CC.

Artigo 1692.º, alínea b) “As dívidas provenientes de crimes e as indemnizações, restituições, custas judiciais
ou multas devidas por factos imputáveis a cada um dos cônjuges, salvo se esses factos, implicando
responsabilidade meramente civil, estiverem abrangidos pelo disposto nos n.os 1 ou 2 do artigo anterior;”
— temos uma exceção nesta última parte.

A exceção não funciona se os factos implicarem responsabilidade criminal. É da responsabilidade


meramente civil que falamos — temos factos que implicam responsabilidade civil, mas que não estão
abrangidos pelos números 1 e 2 do artigo 1691.º CC e também aí a responsabilidade continua a ser exclusiva,
não funciona a exceção.

Exemplo em que funciona a exceção: imagine-se que um dos membros do casal contratou uma funcionária
para a prestação de trabalho doméstico – no âmbito do exercício destas funções e obedecendo ordens de um

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dos membros do casal, esta pessoa sofre um acidente. Responsabilidade meramente civil e ao abrigo do
contrato que foi celebrado para ocorrer aos encargos normais da vida familiar. Esta será uma dívida da
responsabilidade de ambos os cônjuges.

O artigo 1693.º ainda nos fala de outras dividas da responsabilidade exclusiva de um dos cônjuges:

“1. As dívidas que onerem doações, heranças ou legados são da exclusiva responsabilidade do cônjuge
aceitante, ainda que a aceitação tenha sido efectuada com o consentimento do outro.

2. Porém, se por força do regime de bens adoptado, os bens doados, herdados ou legados ingressarem no
património comum, a responsabilidade pelas dívidas é comum, sem prejuízo do direito que tem o cônjuge do
aceitante de impugnar o seu cumprimento com o fundamento de que o valor dos bens não é suficiente para a
satisfação dos encargos.”

Por fim, artigo 1694.º/2 CC “2. As dívidas que onerem bens próprios de um dos cônjuges são da sua
exclusiva responsabilidade, salvo se tiverem como causa a percepção dos respectivos rendimentos e estes,
por força do regime aplicável, forem considerados comuns.”

Artigo 1696.º CC “1 - Pelas dívidas da exclusiva responsabilidade de um dos cônjuges respondem os bens
próprios do cônjuge devedor e, subsidiariamente, a sua meação nos bens comuns.”

Agora, torna-se mais claro como é preferível para o credor que uma dívida seja da responsabilidade de
ambos os cônjuges. Se for da responsabilidade de ambos, responde todo o património comum e, na falta ou
insuficiência destes, o património próprio de cada um dos cônjuges. Se a dívida for da responsabilidade
exclusiva de um dos cônjuges, responde só um património e ainda subsidiariamente a meação dos bens
comuns.

“2. Respondem, todavia, ao mesmo tempo que os bens próprios do cônjuge devedor: a) Os bens por ele
levados para o casal ou posteriormente adquiridos a título gratuito, bem como os respectivos rendimentos;
b) O produto do trabalho e os direitos de autor do cônjuge devedor; c) Os bens sub-rogados no lugar dos
referidos na alínea a).”

Se respondem estes bens ao mesmo tempo que os bens próprios do cônjuge responsável, não há
subsidiariedade. Há bens aqui que podem ser comuns e podem responder ao lado dos bens próprios, podem
até ser penhorados antes dos bens próprios. O bem continua a ser comum, mas para aquele credor, em função
das suas expectativas, responde ao mesmo tempo.

Compensações devidas pelo pagamento das dívidas do casal:

Art. 1697º/1 CC: “Quando por dívidas da responsabilidade de ambos os cônjuges tenham respondido bens
de um só deles, este torna-se credor do outro pelo que haja satisfeito além do que lhe competia satisfazer;
mas este crédito só é exigível no momento da partilha dos bens do casal, a não ser que vigore o regime da
separação.”

Aqui responderam bens de apenas um dos cônjuges: Para isto acontecer basta que não haja no património
comum bens suficientes para saldar a dívida.

Esse cônjuge torna-se credor do outro pelo que haja satisfeito além do que lhe competia satisfazer. Mas este
crédito só é exigível no momento da partilha.

Art. 1697º/2 CC: “Sempre que por dívidas da exclusiva responsabilidade de um só dos cônjuges tenham
respondido bens comuns, é a respectiva importância levada a crédito do património comum no momento da
partilha.”

Regime processual das dívidas dos cônjuges

Artigos 740.º e ss. CPC “1 - Quando, em execução movida contra um só dos cônjuges, forem penhorados
bens comuns do casal, por não se conhecerem bens suficientes próprios do executado, é o cônjuge do
executado citado para, no prazo de 20 dias, requerer a separação de bens ou juntar certidão comprovativa

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da pendência de ação em que a separação já tenha sido requerida, sob pena de a execução prosseguir sobre
os bens comuns.”

A execução é movida contra um, mas são penhorados bens comuns do casal – neste caso, o cônjuge do
executado vai ser citado para requerer a separação de bens. A execução fica suspensa até à partilha e se por
esta os bens penhorados não couberem ao executado, podem ser penhorados outros.

É uma dívida da responsabilidade de um dos cônjuges – a execução é movida contra um dos cônjuges –
respondem, em primeira linha, os seus bens próprios – em segunda linha, os bens comuns – o outro cônjuge
é citado para haver partilha. A execução fica suspensa para que se faça a partilha. Aquele bem não integra a
meação do cônjuge executado – então, vão ser executados outros bens – bens que integrem a sua meação.

Artigo 741.º CC- incidente de incomunicabilidade suscitado pelo exequente: Quando, em execução movida
contra um só dos cônjuges, forem penhorados bens comuns do casal, por não se conhecerem bens suficientes
próprios do executado, é o cônjuge do executado citado para, no prazo de 20 dias, requerer a separação de
bens ou juntar certidão comprovativa da pendência de ação em que a separação já tenha sido requerida, sob
pena de a execução prosseguir sobre os bens comuns.

Artigo 742.º CC - incidente de incomunicabilidade suscitado pelo executado. Ao credor, interessa que a
dívida seja considerada comum.

Mas o artigo 741.º CPC diz-nos “1 - Movida execução apenas contra um dos cônjuges, o exequente pode
alegar fundamentadamente que a dívida, constante de título diverso de sentença, é comum; a alegação pode
ter lugar no requerimento executivo ou até ao início das diligências para venda ou adjudicação, devendo,
neste caso, constar de requerimento autónomo, deduzido nos termos dos artigos 293.º a 295.º e autuado por
apenso.”

O mesmo acontece no artigo 742.º CPC “1- Movida execução apenas contra um dos cônjuges e penhorados
bens próprios do executado, pode este, na oposição à penhora, alegar fundamentadamente que a dívida,
constante de título diverso de sentença, é comum, especificando logo quais os bens comuns que podem ser
penhorados, caso em que o cônjuge não executado é citado nos termos e para os efeitos do n.º 2 do artigo
anterior.”

O executado é o cônjuge. Se a divida é própria, em primeiro lugar vão ser executados os bens próprios. E só
depois a meação dos bens comuns. O executado vem dizer que é uma divida comum – executem-se em
primeiro lugar os bens comuns e só depois, na falta ou insuficiência destes, os bens próprios.

CONTRATOS ENTRE OS CÔNJUGES

Afloramos esta matéria quando tratamos do princípio da imutabilidade. Há uma diferente arrumação destas
matérias consoante adotemos a conceção mais ampla ou mais restrita deste princípio.

Artigo 1714.º CC – relativamente à primeira parte do número 1, temos o princípio da imutabilidade em


sentido estrito:

“1. Fora dos casos previstos na lei, não é permitido alterar, depois da celebração do casamento, nem as
convenções antenupciais nem os regimes de bens legalmente fixados. 2. Consideram-se abrangidos pelas
proibições do número anterior os contratos de compra e venda e sociedade entre os cônjuges, excepto
quando estes se encontrem separados judicialmente de pessoas e bens.”

Há uma restrição à possibilidade de celebrar determinados contratos. São proibidos, desde logo, os contratos
de sociedade entre os cônjuges. (A Dra. adota a posição restrita).

A situação de separação judicial de pessoas e bens é, aqui, equiparável a dissolução do casamento e divórcio.

“3. É lícita, contudo, a participação dos dois cônjuges na mesma sociedade de capitais, bem como a dação
em cumprimento feita pelo cônjuge devedor ao seu consorte.”

Este número 3 também nos fala destes contratos de sociedade:

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Remissão para o artigo 8.º do Código das Sociedades Comerciais. “1 - É permitida a constituição de
sociedades entre cônjuges, bem como a participação destes em sociedades, desde que só um deles assuma
responsabilidade ilimitada.”

Outro contrato proibido é o contrato de compra e venda:

Conseguimos perceber os efeitos do contrato de compra e venda entre cônjuges em termos de alteração das
massas patrimoniais. O legislador quis evitar uma verdadeira doação, pelo princípio da livre revogabilidade,
que rege as doações (ver a seguir).

Doações entre cônjuges:

Determinante é a regra que vamos encontrar relativamente às doações entre cônjuges – a da livre
revogabilidade. Os contratos de compra e venda podiam ser celebrados entre os cônjuges para haver uma
transação desta propriedade que estivesse furtada à livre revogabilidade das doações. Teríamos, formalmente,
uma compra e venda, mas, na verdade, uma doação irrevogável.

Temos outros com regimes dúbios. Não são proibidos, mas colocam problemas.

Por exemplo, o contrato de trabalho entre cônjuges – na relação laboral, há uma relação de supra-
infraordenação e o princípio que vigora no seio do casamento é o principio da igualdade dos cônjuges. Mas
temos de separar esferas. Outra vez, temos aquela questão do produto de trabalho dos cônjuges – no regime
da comunhão de adquiridos, integram o património comum. O cônjuge empregador paga o salário ao cônjuge
trabalhador e esse salário vai integrar o património comum dos cônjuges. Também se levantam questões com
o mútuo, comodato…

Doações entre cônjuges – artigo 1761.º e ss. – até ao 1766.º - regras especiais – mas também as regras
gerais do artigo 940.º e ss.

Há uma proibição – que se liga a uma matéria que já estudámos aqui – é uma restrição à autonomia dos
cônjuges. Há uma situação em que a doação entre casados é nula – artigo 1762.º CC – é aquela em que
vigora imperativamente um regime de separação de bens – casos do artigo 1720.º - não haver precedência do
processo preliminar ou quando um dos cônjuges tiver mais de 60 anos. Em ambos os casos o legislador quer
evitar situações de aproveitamento patrimonial.

Forma quanto às doações entre cônjuges – artigo 947.º CC “1 - Sem prejuízo do disposto em lei especial, a
doação de coisas imóveis só é válida se for celebrada por escritura pública ou por documento particular
autenticado. 2 - A doação de coisas móveis não depende de formalidade alguma externa, quando
acompanhada de tradição da coisa doada; não sendo acompanhada de tradição da coisa, só pode ser feita por
escrito.” No seio do casamento, não pode bastar a tradição da coisa doada. As pessoas vivem juntas – aquela
exteriorização que nos é dada pela tradição da coisa doada não existe o casamento. Diz-nos o artigo 1763.º
CC “1. A doação de coisas móveis, ainda que acompanhada da tradição da coisa, deve constar de documento
escrito.” “2. Os cônjuges não podem fazer doações recíprocas no mesmo acto.” – Para manter a
independência. Isto mantém, preserva, a livre revogabilidade, que podia ficar obscurecida se tivéssemos
doações no mesmo ato.

O que é que pode ser doado? Só podem ser doados bens próprios do doador. E ainda que o regime seja um
regime tão comunitarista que faça com que os bens doados integrem o património comum, nem assim há
comunicabilidade. Artigo 1764.º CC.

Característica central do regime da doação entre os cônjuges é o da livre revogabilidade – artigo 1765.º CC –
no regime geral das doações, é possível revogar as doações, mas essa revogabilidade não é livre. Tem de
haver ingratidão do donatário – artigo 970.º CC. Entre cônjuges, há livre revogabilidade. “1. As doações
entre casados podem a todo o tempo ser revogadas pelo doador, sem que lhe seja lícito renunciar a este
direito. 2. A faculdade de revogação não se transmite aos herdeiros do doador.”

Artigo 1766.º CC “1. A doação entre casados caduca: a) Falecendo o donatário antes do doador, salvo se este
confirmar a doação nos três meses subsequentes à morte daquele; b) Se o casamento vier a ser declarado
nulo ou anulado, sem prejuízo do disposto em matéria de casamento putativo; c) Ocorrendo divórcio ou
separação judicial de pessoas e bens por culpa do donatário, se este for considerado único ou principal

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culpado. 2. A confirmação a que se refere a alínea a) do número anterior deve revestir a forma exigida para a
doação.”

O conteúdo da alínea c) é inaplicável por não haver lugar para a consideração e graduação das culpas no
divórcio ou na separação judicial de pessoas e bens, uma vez que, com a Reforma de 2008, deixou de ser
considerada a culpa dos cônjuges para efeitos de divórcio, separação judicial de pessoas e bens e as suas
consequências.
Quando falamos do princípio da liberdade – artigo 1698.º - avançamos para as restrições do artigo 1699.º e
vimos que “1. Não podem ser objecto de convenção antenupcial: a) A regulamentação da sucessão
hereditária dos cônjuges ou de terceiro, salvo o disposto nos artigos seguintes” – há matérias que fogem a
esta limitação do ponto de vista sucessório.

Há outras matérias que acabam por ter um instrumento comum – a convenção antenupcial. Doações que têm
em vista o casamento – a estas doações vão ser aplicadas as regras gerais do artigo 940.º e ss., mas o artigo
1756.º dá-nos algumas especificidades. “1. As doações para casamento só podem ser feitas na convenção
antenupcial. 2. A inobservância do disposto no número anterior importa, quanto às doações por morte, a sua
nulidade, sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 946.º, e, quanto às doações em vida, a inaplicabilidade
do regime especial desta secção.” Número 2 do artigo 946.º CC “2. Será, porém, havida como disposição
testamenteira a doação que houver de produzir os seus efeitos por morte do doador, se tiverem sido
observadas as formalidades dos testamentos.”

É possível fazer doações em favor de um dos esposados ou de ambos. Há exigências de forma especiais –
estas doações sejam feitas em convenção antenupcial – reveste uma forma que permite que as razões que
estão na base desta exigência vigorem aqui.

Quando falamos destas doações por morte, a consequência da nulidade pode ser afastada.

Estas doações para casamento estão sujeitas a um regime de caducidade se o regime não ocorrer no espaço
de um ano, se ocorrer divórcio ou separação de pessoas e bens…

Contratos de trabalho entre os cônjuges:

Não é incomum um contrato de trabalho entre cônjuges. Não faria sentido proibir estes contratos, até porque
isto geraria uma desproteção destas situações — temos de admitir o contrato de trabalho porque significa
uma proteção ao nível das regras do contrato de trabalho, da proteção da segurança social, etc.

Só que depois há questões que têm de ser acauteladas:

ex.: licenças de paternidade e maternidade, por exemplo - a vida familiar entra na vida profissional; também
o facto de existir uma relação de supra infra ordenação do sentido de o trabalhador ter de acatar ordens do
empregador, não poder ser transportado para o âmbito da vida doméstica.

Apesar da admissibilidade destes contratos, o funcionamento do regime de bens pode por-nos questões
particulares.

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AULAS PRÁTICAS
Olga e Jorge, ambos bailarinos clássicos, pretendem celebrar casamento segundo um regime de bens
diferente do regime supletivo.

Para tanto, celebraram, em agosto de 2021, por escrito particular, convenção antenupcial onde
estipularam o seguinte:

1.º O regime de bens do casamento será o da comunhão de adquiridos até Olga completar a sua
licenciatura em Dança; depois dessa data passará a ser o regime da separação de bens;

2.º O produto do trabalho dos cônjuges será objeto de administração conjunta;

3.º Será considerado bem comum qualquer indemnização que os cônjuges venham a receber por danos
causados no exercício das suas profissões.

4.º Todos os bens adquiridos por doação pelos cônjuges serão considerados bens próprios.

Olga e Jorge celebraram casamento em julho de 2023, como haviam acordado.

a) Aprecie o valor desta convenção.

b) Suponha que a convenção foi celebrada por escritura pública e o casamento se celebrou em junho
de 2022. Aprecie o valor da convenção e das diferentes cláusulas à luz desta alteração.

Estamos a falar de efeitos patrimoniais do casamento, essencialmente, mas não só. O casamento é uma
relação familiar que cria um estado novo, o estado de casado, e isto tem efeitos sobre as pessoas e sobre os
bens.

Artigo 1577.º CC “Casamento é o contrato celebrado entre duas pessoas que pretendem constituir família
mediante uma plena comunhão de vida, nos termos das disposições deste Código.” O ponto de partida é
identificarmos a relação familiar que está aqui em causa.

Esta relação familiar é particular porque vai fazer com que àquelas pessoas se apliquem regras que não se
aplicariam num contexto não familiar, não matrimonial.

Quando se fala em plena comunhão de vida, sabemos que isto tem um significado do ponto de vista dos
efeitos pessoais dos cônjuges, mas também significa que há comunhão dos efeitos patrimoniais. Há um
regime especial à parte do direito das obrigações e do direito das coisas para servir este tipo de relação.

Começámos por ver – se não funciona o regime supletivo, não funciona o regime de comunhão de
adquiridos, então temos que nos confrontar com outro instrumento – temos de ter uma convenção
antenupcial. Trata-se aqui de avaliarmos esta convenção, perceber se é válida, quais os seus efeitos jurídicos

Convenção antenupcial – é um contrato celebrado entre os esposos (nubentes) que visa fixar o regime de
bens do casamento. Vimos que é um contrato acessório do casamento – a sua eficácia vai depender da
existência e da validade do casamento que vai ser celebrado. Mas também vai depender de uma análise da
convenção em si.

É possível incluir outro tipo de clausulas, mas no fundo é essencial esta definição – porque a convenção
antenupcial existe para fixar o regime de bens (apesar de estas poderem ser usadas para outros fins que não
este).

Estando perante um contrato acessório do casamento, continuamos a estar perante um contrato, apesar das
especificidades do direito da família. Então, também temos de analisar uma serie de planos relevantes, do
ponto de vista formal e substancial, para este contrato.

Várias questões que têm de ser analisadas/detetadas quando falamos em convenções antenupciais
(temos de ver se no nosso caso se cumprem com essas exigências legais/requisitos):

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- Temos de perceber se os nubentes tinham capacidade para celebrar a convenção;
- Temos de perceber se há exigências de forma e se essas exigências de forma foram respeitadas.
- Temos de ver do ponto de vista da produção dos efeitos, se a publicidade exigida também foi respeitada.
- Temos de perceber do ponto de vista do conteúdo se houve aposição de termo ou de condição;
- Temos de saber se caducou…
- E depois há uma análise de conteúdo que também tem de ser feita;

(Temos aqui a estrutura de análise do caso prático)

Voltando, então, ao caso:

Temos de começar pela possibilidade de escolher um regime diferente do que é determinado pela lei para
valer na ausência de manifestação de vontade dos agentes. À partida, por regra, eles podem escolher o
regime que quiserem – no âmbito das convenções antenupciais vigora o princípio da liberdade – artigo
1698.º CC “Os esposos podem fixar livremente, em convenção antenupcial, o regime de bens do casamento,
quer escolhendo um dos regimes previstos neste código, quer estipulando o que a esse respeito lhes
aprouver, dentro dos limites da lei.”

Então, vamos ver se cumprimos os requisitos:

Celebraram em agosto de 2021, por escrito particular, convenção antenupcial. Teriam capacidade para
celebrar esta convenção antenupcial?

Quem tem capacidade para celebrar convenções antenupciais é quem tem capacidade para celebrar
casamento – artigo 1708.º CC – não têm capacidade para celebrar casamento são os menores de 16 anos,
alguns maiores acompanhados, as pessoas já casadas – quem tem capacidade para contrair casamento são
aqueles que não têm impedimentos - quem tem capacidade para celebrar casamento são aqueles
relativamente aos quais se verifica a inexistência de impedimentos – artigo 1600.º e ss. CC. Não temos
nenhum dado que nos aponte para a existência de impedimentos ao casamento – diríamos que têm
capacidade para celebrar convenção antenupcial.

Forma – artigo 1710.º CC – “As convenções antenupciais são válidas se forem celebradas por declaração
prestada perante funcionário do registo civil ou por escritura pública.” Escrito particular não é uma das
formas previstas na lei. O que é que acontece quando, exigindo a lei uma determinada forma, essa forma não
é observada? A convenção é nula – a regra, quanto à forma, é o princípio da liberdade de forma – artigo
219.º CC – quando a lei faz exigências de forma, é porque há aqui uma série de interesses que visa acautelar
– artigo 220.º CC “A declaração negocial que careça da forma legalmente prescrita é nula, quando outra
não seja a sanção especialmente prevista na lei.” O artigo 1710.º CC não nos aponta para outra sanção.

Temos aqui, desde logo, uma questão de invalidade da nossa convenção antenupcial por falta da observância
da forma legalmente exigida.

Se não fosse esta questão a convenção não tinha sido revogada. Artigo 1712.º CC “1. A convenção
antenupcial é livremente revogável ou modificável até à celebração do casamento, desde que na revogação
ou modificação consintam todas as pessoas que nela outorgaram ou os respectivos herdeiros.”

Ainda que não estivéssemos perante a inobservância da forma legalmente prescrita, teríamos outro problema
da convenção antenupcial. Teríamos um problema de caducidade – artigo 1716.º CC “A convenção caduca,
se o casamento não for celebrado dentro de um ano, ou se, tendo-o sido, vier a ser declarado nulo ou
anulado, salvo o disposto em matéria de casamento putativo.” No nosso caso, o casamento foi celebrado
quase dois anos depois. A convenção antenupcial caducou.

Que regime de bens vigora no casamento, neste contexto? O regime supletivo – regime da comunhão de
adquiridos – artigo 1717.º CC “Na falta de convenção antenupcial, ou no caso de caducidade, invalidade ou
ineficácia da convenção, o casamento considera-se celebrado sob o regime da comunhão de adquiridos.”

Temos uma convenção antenupcial que é nula porque não observa a forma legalmente prescrita - mesmo se o
tivesse feito, teria caducado porque o casamento não foi celebrado em prazo de um ano. Vigora o regime da
comunhão de adquiridos.

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Alínea b)

Com estes novos dados, a convenção é válida (ou, pelo menos, não padece de um vício de forma). Se o
casamento foi celebrado em junho de 2022, afastamos a caducidade – foi celebrado menos de um ano da
celebração da própria convenção. Os dois problemas que tínhamos do ponto de vista formal, que nos
conduziam ou à invalidade, ou à caducidade da convenção, foram eliminados com estes novos dados.

Tendo uma convenção válida, que não caducou, podemos agora apreciar cada uma destas cláusulas.

A convenção é eficaz.Temos aqui 4 clausulas e vamos apreciar cada uma delas. O pp. da liberdade no
âmbito das convenções antenupciais continua a a ser o nosso ponto de partida.

Primeira cláusula – evento futuro que implica uma mudança no regime de bens já na constância do
casamento. Escolha do regime de bens está sujeito ao princípio da liberdade e princípio da imutabilidade. O
princípio da liberdade determina que em convenção antenupcial os esposos possam fixar livremente o regime
de bens do casamento, quer escolhendo um dos regimes do Código, quer estipulando um regime que lhes
aprouver. Eles escolheram dois regimes tipificados – primeiro, comunhão de adquiridos, depois separação de
bens. Podem fazê-lo? Sim. Porquê?

O princípio da imutabilidade diz-nos que não é permitido alterar depois da celebração do casamento o
regime de bens. O que está a acontecer aqui é sujeitar esta alteração a uma condição – e a lei diz que isto é
possível. Temos uma condição, porque temos um evento futuro e incerto. Não se põe em causa o princípio da
imutabilidade – porquê? Porque não há uma alteração da convenção posterior à celebração do casamento. Há
apenas a verificação dessa condição posterior à celebração do casamento.

Esta cláusula é valida – nos temos do art 1713.º - é possível apor uma condição.

Este primeiro regime que vai vigorar durante o casamento, até pode vigorar sempre na constância do
casamento. Eles podem escolher o regime de bens, mas não podem escolher sempre.

Imagine-se que eles são bailarinos clássicos de idade avançada – a Olga tem 70 anos e o Rodolfo tem 50
anos. Aqui não podiam escolher qualquer regime de bens – artigo 1720.º CC “1 - Consideram-se sempre
contraídos sob o regime da separação de bens: a) O casamento celebrado sem precedência do processo
preliminar de casamento; b) O casamento celebrado por quem tenha completado sessenta anos de idade.”
Neste caso imperativamente vigoraria o regime da separação de bens. Não era possível escolher o regime da
comunhão de adquiridos num primeiro momento.

Imaginemos que em vez de terem escolhido o regime da comunhão de adquiridos, tinham escolhido o regime
da comunhão geral. Depois, passava a vigorar o regime da separação de bens. O Rodolfo já tinha um filho
anterior ao casamento – artigo 1699.º/2 CC – “2. Se o casamento for celebrado por quem tenha filhos, ainda
que maiores ou emancipados, não poderá ser convencionado o regime da comunhão geral nem estipulada a
comunicabilidade dos bens referidos no n.º 1 do artigo 1722.º.”

E se o filho fosse anterior ao casamento, mas do Rodolfo e da Olga? Como somos juristas, importa-nos a
ratio das normas – proteção de expectativas do ponto de vista sucessório dos filhos de outras relações,
precisamente porque só relativamente a estes há uma diminuição do potencial acervo hereditário – só se
justifica este limite à liberdade até onde a ratio subjacente às normas se encontra presente.

De todo o modo, no nosso caso prático, não estamos perante uma situação de imperatividade absoluta ou
relativa que condicione a escolha do regime de bens.

Mas quando perguntamos se podiam escolher regimes de bens diferentes, dizemos que não é um caso nem de
imperatividade absoluta, nem se põe uma questão de imperatividade relativa – estas limitações ao princípio
da liberdade afastam-se. Temos de analisar sempre esses vários níveis.

Quanto à segunda cláusula:

Em convenção antenupcial, podem ser reguladas outras matérias, desde que a lei permita. A lei entende
estabelecer alguns limites — o Art. 1699.º CC apresenta-nos uma lista de restrições ao pp. da liberdade:

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“1. Não podem ser objeto de convenção antenupcial: c) A alteração das regras sobre administração dos
bens do casal”

Este artigo diz que não pode criar novas regras de administração dos bens do casal – e o que estava na génese
desta opção legislativa era a reforma de 1977, com vista à igualdade dos cônjuges, que visava criar um
regime de igualdade no ponto de vista de administração dos bens do casal (afastando a ideia do cônjuge
marido ser o administrador).

Temos então de olhar para o regime de administração dos bens do casal.

Art. 1678.º CC – no n.º 3 diz respeito à administração de bens comuns:

“3. Fora dos casos previstos no número anterior, cada um dos cônjuges tem legitimidade para a prática de
atos de administração ordinária relativamente aos bens comuns do casal; os restantes atos de administração
só podem ser praticados com o consentimento de ambos os cônjuges.”

Falamos de administração de bens comuns!! O produto do trabalho dos cônjuges, na constância do regime da
comunhão de adquiridos, é um bem comum. O produto do trabalho dos cônjuges, na constância do regime da
separação de bens, é um bem próprio.

Quanto aos bens comuns, a regra é a da administração conjunta – a não ser que se trate de atos de
administração ordinária. Quando aos bens próprios, a regra é a de que cada um tem a administração dos seus
bens próprios. Podíamos dizer que no âmbito da comunhão de adquiridos, esta cláusula é válida. Seria se não
existisse a alínea a) do artigo 1678.º/2 CC. “2. Cada um dos cônjuges tem ainda a administração: a) Dos
proventos que receba pelo seu trabalho;”.

Quer num contexto, quer no outro, a administração é sempre da parte daquele que aufere os rendimentos do
seu trabalho. Mesmo sendo bens comuns no regime da comunhão de adquiridos, a administração é sempre
levada a cabo por aquele que os aufere. Efetivamente, esta cláusula é inválida.

Com esta cláusula estamos claramente a assistir a uma alteração das regras de administração dos bens do
casal – contraria uma norma imperativa – se contraria uma norma imperativa, é uma cláusula nula – artigo
294.º CC “Os negócios jurídicos celebrados contra disposição legal de carácter imperativo são nulos, salvo
nos casos em que outra solução resulte da lei.”

Neste momento, temos uma convenção com uma cláusula válida (a primeira), mas que inclui uma cláusula
nula. Pelo menos, temos aqui uma nulidade parcial da convenção. Será que pelo facto de ter sido introduzida
esta cláusula, toda a convenção vai ficar ferida de nulidade? Não. Há redução do negócio jurídico – artigo
292.º CC “A nulidade ou anulação parcial não determina a invalidade de todo o negócio, salvo quando se
mostre que este não teria sido concluído sem a parte viciada.” – é difícil também que houvesse aqui uma
relação de dependência entre as clausulas.

Terceira cláusula:

Ambos têm uma profissão com alto risco de lesão. Eles estão a determinar que apesar do regime de bens
escolhido – comunhão de adquiridos e separação de bens – há aqui um bem que integra sempre o património
comum – as indemnizações que venham a receber por danos causados no exercício das suas profissões.
Isto é possível?

Artigo 1699.º/1/d) CC – “1. Não podem ser objecto de convenção antenupcial: d) A estipulação da
comunicabilidade dos bens enumerados no artigo 1733.º” O que é incomunicável no regime da comunhão
geral, também é incomunicável nos outros.

Artigo 1733.º “1. São exceptuados da comunhão: d) As indemnizações devidas por factos verificados contra
a pessoa de cada um dos cônjuges ou contra os seus bens próprios;” – Isto é uma profissão com este risco
associado, potencialmente até de curta duração – se no âmbito desta indemnização há uma dimensão que visa
responder aos rendimentos provenientes do trabalho que foram perdidos em função desta lesão, temos de
tratar disto de forma diferente.

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Se tiver como objetivo apenas responder aos danos causados na integridade física daquele cônjuge, então,
diremos que efetivamente não pode deixar de ser incomunicável, é próprio; se visar restituir os rendimentos
do trabalho que deixou de auferir, já pode ser considerado património comum. Uma parte pode integrar o
património próprio e outra parte integrar o património comum.

Ao admitirmos esta cláusula nesta parte que visa restituir rendimentos do trabalho, no momento em que
vigora o regime de separação de bens, passamos a ter um regime misto. Regime de separação de bens com a
eventualidade de vir a surgir uma alteração tipificado, incluindo a possibilidade de surgir esta categoria de
bens comuns.

Então: Na alínea d) vemos referidas as indemnizações: Sendo lesão corporal pode integrar o património
próprio necessariamente; Mas essa indemnização pode, na verdade, responder a danos diversos:

Pode corresponder a estes danos causados na integridade física do Jorge ou da Olga – e ai é incomunicável.
Ou pode ser pelo facto de deixarem de auferir os rendimentos da usa atividade profissional – e isso vem
substituir o produto do trabalho dos cônjuges – e nesta parte é admissível que nenhuma ser bens comuns.

Quarta cláusula:

Em regra, os bens adquiridos por doação pelos cônjuges integram o património próprio – tanto no regime da
comunhão de adquiridos - artigo 1722.º/1/b) CC (esta não é uma norma imperativa, o princípio da liberdade
permite que se moldem os regimes de bens); como no regime da separação de bens – artigo 1735.º CC.

Na verdade, acabamos por ter um regime de comunhão de adquiridos muito diminuído. E um regime de
separação de bens muito diminuído também.

O que é adquirido por doação integra património próprio.

O que resulte de indemnizações, pode integrar património comum se resultar de perdas de salários – aí
mesmo que vigore separação de bens, acabamos por ter um pequeno património comum.
Temos comunhão de adquiridos com acertos, e separação de bens com acertos – ou seja, temos regimes
mistos.

Podemos ver estes bens doados integrados património comum – Em homenagem à vontade do disponente,
temos de admitir que haja bens que integrem o património comum – artigo 1729.º CC (se não estivermos
perante as duas exceções dos arts. 1722.º e 1733.º CC).

CASO PRÁTICO 2

Vitória e Alberto casaram em 2016, sem terem celebrado convenção antenupcial.

a) Alberto, ávido praticante de hipismo, herdara de um tio em 2017 um apartamento e um cavalo, o


Gota.
b) Em 2017, o tio de Vitória doou-lhe um vasto terreno num empreendimento algarvio, que
Vitória vendeu no mesmo ano. Com parte do produto da venda e com um montante inferior
proveniente das poupanças dos seus salários adquiriu em seguida a Quinta do Império.
c) Em 2018, Alberto venceu uma prova de saltos no Ascote-de-Baixo Champions Tour tendo recebido
um prémio, que se traduziu numa soma em dinheiro.
d) Em 2019, completou-se o prazo de usucapião de um terreno adjacente à Quinta do Império,
relativamente ao qual Vitória começou a comportar-se como proprietária.
e) Em 2019, Alberto recebeu a prestação seguradora relativa à cobertura dos danos emergentes
(reembolso de despesas veterinárias) sofridos pelo seu cavalo Gota num acidente em competição.
f) Em 2022, venderam a primeira colheita da estufa de mirtilos que Vitória instalara na Quinta do
Império.

Diga a que massa patrimonial pertencem os bens referidos.

NOTA: Qualquer caso relacionado com direito patrimonial do casamento começa com a menção a
convenções antenupciais, regime de bens ou administração dos mesmos. Nos exames, não perder o nosso
tempo e duas ou três páginas a explicar o que é o casamento e os efeitos do casamento. Dizer que temos um

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casamento (e dizer qual é o artigo) e que tem um regime especial. Não vamos explicar todos os efeitos e
todos os regimes especiais.

Resolução:

Estamos a falar de efeitos patrimoniais do casamento – artigo 1577.º CC – o estado de casado cria um regime
especial não apenas quanto às pessoas, mas também quanto aos bens dos cônjuges. Em função da ideia de
plena comunhão de vinha e dos interesses patrimoniais, temos regras que nos vão oferecer um regime
específico.

Temos, então, uma série de bens que temos de classificar ao abrigo da informação de Alberto e Vitória se
terem casado sem convenção antenupcial.

Casam em 2016 sem terem celebrado convenção antenupcial, logo, vigora o regime supletivo, o regime da
comunhão de adquiridos — art. 1717º CC, que remete para o artigo 1721º e ss.

Se tivessem casado antes de 1967, antes da entrada em vigor do código civil, o regime supletivo era o regime
da comunhão geral de bens. Estes dados - o ano de celebração do casamento e a falta de convenção
antenupcial - é que nos conduzem a este regime.

a) Em 2017, Alberto herda um apartamento e um cavalo, os dois bens adquiridos por sucessão – note-se que
ele já estava casado. Se herda este apartamento e este cavalo quando já estava casado, o título de aquisição é
posterior à celebração do casamento. Aquilo que integra o património comum é aquilo que resulta do esforço
comum. Aquilo que é adquirido a título gratuito (doação ou sucessão, neste caso), não é património comum –
artigo 1722.º/1/b) CC.

Então temos, desde já, dois bens próprios de Alberto, tanto o cavalo como o apartamento são bens próprios.
(Não temos de distinguir estar perante bem móvel ou bem imóvel).

b) O bem cuja titularidade estamos a determinar é a Quinta. Para chegarmos lá temos de passar por uma série
de etapas, temos uma cadeia que temos de seguir.

Tudo começa com a doação – este terreno, quando foi doado pelo tio da Vitória, integrou o património
próprio da Vitória – temos bens que advieram depois do casamento por doação, a título gratuito – artigo
1722.º/1, alínea b) CC.

Contudo, o terreno já não existe neste património. Agora, temos de determinar se o produto da venda do
terreno continua a ser bem próprio – temos essa solução expressamente prevista na lei – para que o produto
da venda do terreno mantenha a qualidade de bem próprio, é necessário que atentemos nas regras relativas à
sub-rogação de bens – vamos substituir naquele património o bem que saiu. Artigo 1723.º CC – sub-
rogação real de bens – alínea b) – primeiro entra um bem próprio a título de doação, depois vende-se este
bem próprio e entra o produto da venda, que se mantém como bem próprio. Aqui nem temos exigência
adicional, porque temos uma conexão ostensiva.

Agora, vai adquirir-se um bem, em parte com valores próprios e em parte com valores comuns. O valor da
venda é utilizado em conjunto com outro valor na aquisição de um bem novo.

O produto do salário dos cônjuges no âmbito do regime de comunhão de adquiridos é bem comum – artigo
1724.º/a) CC: Se utilizamos em parte um valor que adveio em virtude de serem visados bens próprios e este
valor comum, temos um bem adquirido em parte com dinheiro próprio e em parte com dinheiro comum.

Agora, temos um bem adquirido onerosamente na constância do casamento – a regra é que será um bem
comum – artigo 1724º/b) CC – só não será um bem comum se estivermos perante uma das exceções
previstas na lei.

Agora temos a utilização do produto da venda de um bem na aquisição de um outro bem. Estamos a falar de
um fenómeno mais complexo. Estamos a falar do fenómeno do reemprego – temos uma sub-rogação real
indireta – artigo 1723.º, alínea c) – aqui há uma conexão não ostensiva:

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“Conservam a qualidade de bens próprios: c) Os bens adquiridos ou as benfeitorias feitas com dinheiro ou
valores próprios de um dos cônjuges, desde que a proveniência do dinheiro ou valores seja devidamente
mencionada no documento de aquisição, ou em documento equivalente, com intervenção de ambos os
cônjuges.” Este artigo é particularmente exigente:

(1) nestas situações de sub-rogação real indireta, para o bem manter a qualidade de bens próprio, a
proveniência do dinheiro tem de ser mencionada devidamente,
(2) tem de ser feita no documento de aquisição ou documento equivalente;
(3) e tem de haver a intervenção de ambos os cônjuges.

Na Escola de Coimbra, na posição do Sr. Dr. Guilherme de Oliveira, que já era a posição do Dr. Pereira
Coelho, este artigo só importa quando há interesses de terceiros em causa:

- nas relações entre os cônjuges, a ratio da exigência destes requisitos não se aplicaria. Qual é a ratio? Um
terceiro que confia que um bem foi adquirido onerosamente na constância do casamento e, portanto,
integra património comum, só tem possibilidade de conhecer que assim não é se houver esta menção da
proveniência do dinheiro no documento de aquisição — os terceiros que estabelecem relações
patrimoniais com um dos cônjuges têm de perceber de onde vem aquele bem – se não perceberem, vão
partir do princípio que, sendo onerosamente adquirido na constância do casamento, é bem comum. Vão
partir do princípio que têm um bom património para satisfazer o seu crédito.

O STJ foi sensível a estes argumentos, em 2015, no sentido de que a prova possa ser feita por qualquer meio,
sem a necessidade de menção no documento de aquisição.

Vamos, então, admitir aqui que ou esta prova foi feita por qualquer meio, ou estamos a falar apenas das
relações entre os cônjuges. Diríamos que, assim, vai poder manter a qualidade de bem próprio.

Artigo 1726.º CC – temos um bem em que há contributos de natureza diversa. Temos contributos não só
do produto da venda, mas também do produto do trabalho dos cônjuges (que é bem comum). A contribuição
superior foi feita com valores próprios provenientes da venda do bem. Temos um bem que mantém a
qualidade de bem próprio.

Contudo, o património comum vai ficar prejudicado – mas há uma solução prevista na lei – uma
compensação – nº 2 do artigo 1726.º CC. Esta compensação é diferida para o momento da partilha, mas
também é nesse momento que efetuamos os reequilíbrios do património.

c) Vamos determinar a titularidade do prémio desportivo: Não podemos dizer que é a profissão dele, no
sentido em que ele pratica outra atividade a título principal, mas resulta do empenho diário dele, de onde
ganha benefícios económicos. Temos de considerar a lógica subjacente às regras – este prémio é produto do
trabalho – sendo assim, vamos integrá-lo no património comum do casal. Artigo 1724.º/a) – produto do
trabalho.

d) é adquirido na constância do casamento, à partida iria integrar património comum – mas a situação da
usucapião fundada em posse anterior ao casamento é expressamente contemplada – artigo 1722º/2/c) CC:

“1. São considerados próprios dos cônjuges: c) Os bens adquiridos na constância do matrimónio por virtude
de direito próprio anterior. 2. Consideram-se, entre outros, adquiridos por virtude de direito próprio
anterior, sem prejuízo da compensação eventualmente devida ao património comum: b) Os bens adquiridos
por usucapião fundada em posse que tenha o seu início antes do casamento”

O terreno vai integrar o património de Vitória.

e) estamos a falar aqui de seguros – estas prestações de seguradoras podem integrar quer um património,
quer outro. Os danos foram sofridos pelo cavalo, que é um bem próprio.

O artigo em causa nem está previsto para o regime da comunhão de adquiridos, mas o argumento da maioria
de razão vale aqui, se estes são bens próprios no regime mais comunitarista, justifica-se que o sejam também
no regime da comunhão de adquiridos – falamos do artigo com a lista de bens incomunicáveis – artigo
1733.º CC/e) – o valor do seguro vai integrar o património próprio do Alberto.

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f) a quinta do império é um bem próprio da Vitória – os mirtilos são frutos naturais. Artigo 1728.º CC – a
contrario, retiramos a classificação que vai receber.

“1. Consideram-se próprios os bens adquiridos por virtude da titularidade de bens próprios, que não
possam considerar-se como frutos destes (…)” – os mirtilos são adquiridos em virtude da titularidade do
terreno, mas são frutos naturais. Os que se consideram frutos de bens próprios não são bens próprios, são
bens comum.

Para além do artigo 1728.º CC, temos outro artigo que nos corrobora esta ideia de que os frutos são bens
comuns do casal, ainda que advenham de bens próprios. São frutos naturais pelo que diz no artigo 212.º/2
CC. Artigo 1733.º - temos uma referência – número 2 – “2. A incomunicabilidade dos bens não abrange os
respectivos frutos nem o valor das benfeitorias úteis.” Logo, o produto da venda dos frutos naturais vai
integrar o património comum.

Então já vimos toda a classificação de todos estes bens.

g) Na sequência do acidente, o cavalo Gota deixou de poder competir. Vitória, terapeuta, passou a
utilizar o Gota, para desenvolver um programa de equoterapia com crianças com problemas de
desenvolvimento. Após o início desta prática, passou a tomar todas as decisões quanto ao tipo de treino
e cuidados do cavalo Gota. Pode fazê-lo?

h) Afastado da prática de hipismo, Alberto começa a dedicar-se à administração da quinta de Vitória,


onde organiza eventos. Num primeiro momento, Vitória alegrou-se com esta nova atividade de
Alberto. Entretanto, Alberto realiza uma série de obras. Vitória considera que houve má
administração por parte daquele e pretende responsabilizá-lo. Pode fazê-lo?

i) Alberto aplica o dinheiro do prémio de hipismo numa conta bancária a prazo. Pode fazê-lo?

Agora estamos a falar do regime da administração de bens — temos bens comum mas, mesmo
relativamente ao património próprio, a comunhão de vida pode suscitar regras particulares. Num exame
temos sempre de classificar os bens como próprios ou comuns primeiro.

g) esta alínea diz respeito à administração de um bem próprio do Alberto, o cavalo. Qual é a regra quanto
à administração de bens próprios? Cada um dos cônjuges administra os seus bens próprios – artigo 1678.º/1
CC, a regra é a de que o Alberto é o administrador.

Mas há uma série de exceções: estamos perante uma dessas exceções, prevista no nº2/e) – “Cada um dos
cônjuges tem ainda a administração: e) Dos bens móveis, próprios do outro cônjuge ou comuns, por ele
exclusivamente utilizados como instrumento de trabalho;” Ora, estamos perante um cavalo, um bem móvel –
artigo 205.º CC (aqui importa entender se temos um bem móvel ou imóvel).

A partir do momento em que Vitória utiliza o bem como instrumento de trabalho, exclusivamente, então
é ela que tem poderes de administração relativamente a esse bem.

h) A Quinta é bem próprio de Vitória e cada um dos cônjuges tem a administração dos bens próprios – regra
geral — art. 1678º/1 CC. Tratando-se de um bem imóvel próprio e não havendo contrato de mandato, não há
exceções.

Note-se, no entanto, que Alberto entrou na administração do bem com o conhecimento e sem oposição de
Vitória.

Verdadeiramente, estamos aqui perante uma situação que temos de considerar com cautela – artigo 1681.º
CC – situações de responsabilização pela administração de bens – nº 3 “3. Se um dos cônjuges entrar na
administração dos bens próprios do outro ou de bens comuns cuja administração lhe não caiba, sem
mandato escrito, mas com conhecimento e sem oposição expressa do outro cônjuge, é aplicável o disposto
no número anterior; havendo oposição, o cônjuge administrador responde como possuidor de má fé.”

A Vitória sabia e não se opôs.

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Sendo aplicável o disposto no número anterior, temos de voltar às regras do mandato, apesar de ainda não
existir mandato “(…) são aplicáveis as regras deste contrato, mas, salvo se outra coisa tiver sido estipulada,
o cônjuge administrador só tem de prestar contas e entregar o respectivo saldo, se o houver, relativamente a
atos praticados durante os últimos cinco anos.”

Temos a aplicação das regras gerais – responsabilidade no âmbito do mandato – vai ter de indemnizar os
danos causados, mas tem esta limitação relativamente ao período em que tem de apresentar este registo – só
os últimos 5 anos.

Não se prevê que ele tenha contabilidade organizada, como teria alguém estranho ao casamento.

i) o prémio integrou o património comum. Temos de ver qual a regra quanto à administração dos bens
comuns – artigo 1678º/3 CC, in fine. A regra é a da administração conjunta, a não ser que estejamos
perante uma exceção:

Alínea a) do 1678º/2 “Cada um dos cônjuges tem ainda a administração: a) Dos proventos que receba pelo
seu trabalho;”. Também aqui temos uma exceção à regra – a regra seria a da administração conjunta, mas
quem vai administrar estes valores será o Alberto, o bem entrou pela via do esforço do Alberto, a
proveniência do bem releva aqui, logo, pode aplicar na conta bancária que bem lhe aprouver.

j) Neste momento, Alberto encontra-se na Ucrânia, para onde partiu no dia 28 de fevereiro. Não tem
perspetivas de voltar. Antes de partir, outorgou poderes de representação, em procuração, ao seu
primo Guilherme, para administrar os seus bens. Na semana passada, apartamento que Alberto
herdara do tio é atingido por um incêndio no seu prédio e fica gravemente danificado. Poderá Vitória
tomar providências, face à inércia do primo?

Relativamente a este bem imóvel próprio, o Alberto tem a administração — art. 1678º/1 CC — quem tem
poderes de administração, em regra.

Mas há uma exceção – alínea f) do número 2 – no entanto, a parte final destrói a possibilidade de usar esta
alínea para o nosso caso prático, uma vez que houve procuração. Quem tem poderes de administração
relativamente ao bem é o Guilherme. Vitória não é cônjuge administrador com base nesta alínea.

Contudo, o Guilherme nada faz. O bem pode acabar por se degradar e o Alberto ainda pode acabar por ser
responsabilizado por danos que venham a ser causados.

Só agora podemos recorrer ao artigo 1679º CC, o procurador não está a tomar as providências necessárias e
podem, daí, resultar prejuízos — “O cônjuge que não tem a administração dos bens não está inibido de
tomar providências a ela respeitantes, se o outro se encontrar, por qualquer causa, impossibilitado de o
fazer, e do retardamento das providências puderem resultar prejuízos.” O cônjuge não tem a administração
dos bens, mas não está impedido de tomar providências a ele respeitantes, nas condições do ar:go 1679º CC.

CASO PRÁTICO 3

Augusto e Lívia casaram civilmente, em abril de 2016. Em janeiro de 2015, tinham celebrado
convenção antenupcial em que haviam escolhido o regime da separação de bens.

Lívia praticou os seguintes atos sem o consentimento e sem conhecimento de Augusto:

a) Em 30 de março de 2019, Lívia constituiu uma servidão de passagem a favor de Cláudio sobre um
prédio rústico, avaliado em 40.000 euros, que adquirira no dia 20 de janeiro de 2013.

b) Em 3 de julho de 2020, Lívia e Augusto compraram a Marco António um terreno sito na Comporta,
junto à praia. Em 1 de setembro de 2021, para conseguir complementar o rendimento do casal, Lívia
deu de arrendamento este terreno a Tibério, que aspira fundar uma escola de surf.

c) Em janeiro de 2024, Lívia emprestou a Júlia, filha de uma amiga sua que viera estudar para
Coimbra, um quarto (com serventia de cozinha) na casa onde o casal habita, que Lívia levara para o
casamento.

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d) Em fevereiro de 2022, Lívia vendeu um busto do tio César que ornamentava a entrada da casa onde
morava com Augusto e que tinha sido por ela levado para o casamento.

e) Em abril de 2023, Lívia vendeu a Germânico, um automóvel que Augusto herdara de seu avô.

Tendo em consideração que Augusto tomou conhecimento dos atos praticados por Lívia há dois meses
atrás, poderá ele (ainda e com que fundamento) reagir contra tais atos.

Estão aqui em causa ilegitimidades conjugais. Há determinados atos que são praticados por um cônjuge
sem consentimento do outro e queremos saber se esse cônjuge pode praticar esses atos sem o consentimento
do outro. Há um regime especial relativamente à liberdade de disposição de bens na constância do
casamento.

Temos de começar por determinar o regime de bens que vigora neste casamento.

Eles casaram civilmente em 2016 e tinham celebrado uma convenção antenupcial. Eles podiam ter celebrado
convenção antenupcial, nos termos do artigo 1698.º CC — princípio da liberdade de escolha do regime de
bens do casamento.

Contudo, não foi celebrado o casamento no prazo de 1 ano – para que esta convenção antenupcial venha a
produzir os seus efeitos, é necessário que o casamento seja celebrado dentro de 1 ano a partir da celebração.
Se isso não acontecer, a convenção caduca – artigo 1716.º CC.

Que regime vai vigorar neste casamento? Vai vigorar o regime supletivo – artigo 1717.º CC – regime da
comunhão de adquiridos. Temos, então, de resolver o nosso caso em função do regime da comunhão de
adquiridos (o casamento foi celebrado depois de 31 de maio de 1967 e nenhum dos cônjuges tem mais de 60
anos).

Temos de começar por qualificar os bens como bem próprio ou comum. Para além disso, precisamos de
saber se o bem é móvel ou imóvel. Também, para alguns efeitos, precisamos de saber quem administra o
bem. Precisamos de saber que tipo de ato é. Temos a realização de um ato que na ausência de consentimento
configuraria ilegitimidade conjugal? Houve consentimento? Se não houve consentimento, qual é a sanção?
Quem pode reagir? E está em prazo para o fazer?

Alínea a)

O bem tinha sido adquirido em 2013 pela Lívia. Eles estão casados no regime da comunhão de adquiridos.
Um bem levado para o casamento no regime da comunhão de adquiridos é um bem próprio – artigo 1722.º/
1/a) CC.

Artigo 204.º/1, alínea a) – temos um prédio rústico – tem um bem imóvel próprio da Lívia. Quem administra
este bem? O proprietário – artigo 1678.º/1 CC. Não há dados que nos apontem para a aplicação de uma
exceção do nº2.

Temos aqui uma constituição de uma servidão legal de passagem. Há aqui a constituição de um direito real
limitado, ou seja, esta vai limitar os poderes do proprietário, vai onerar este bem — temos um ato de
oneração relativamente a um bem imóvel próprio da Lívia. Era necessário o consentimento de Augusto para
onerar este bem? Existe uma ilegitimidade conjugal se o Augusto não consentir?

Artigo 1682.º-A/1/a) CC – a oneração deste imóvel carecia do consentimento de ambos os cônjuges, logo,
estamos perante uma ilegitimidade conjugal, uma vez que não houve consentimento do Augusto.

Artigo 1687.º/1 CC – este ato é anulável. Quem tem legitimidade para requerer a anulabilidade? O cônjuge
que não deu o seu consentimento ou os seus herdeiros. Temos um cônjuge que quer reagir – o Augusto.

E está em tempo de o fazer? Temos de ver o número 2 deste artigo – o ato foi praticado em 2019 e ele teve
conhecimento da prática do ato em 2024. Ele tem 6 meses para reagir a partir do conhecimento da prática do
ato. Mas já passaram mais de 3 anos desde a celebração do ato. Portanto, o Augusto não pode reagir.

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Alínea b)

Bens adquiridos onerosamente na constância do casamento são bens comuns no regime da comunhão de
adquiridos – artigo 1724º/b) CC. Temos um bem comum que é imóvel – artigo 204.º/1, alínea a) CC.

Um bem imóvel comum – a regra de administração relativamente a este bem imóvel está no número 3, in
fine, do artigo 1678.º CC. Temos um bem imóvel comum sujeito à administração conjunta.

Lívia deu de arrendamento este terreno sem o consentimento do Augusto. Vamos então ao artigo 1682.º- A/
1/ a) – também aqui o arrendamento de bens imóveis comuns por parte de Lívia carece do consentimento de
Augusto. O Augusto quer reagir. Pode? Artigo 1687.º/1 diz-nos que o ato é anulável – a requerimento do
cônjuge que não deu consentimento.

Está em tempo para o fazer? Ainda não passaram 6 meses desde o conhecimento do ato e ainda não passaram
3 anos desde a celebração, Augusto tem até setembro de 2024 para reagir, logo, está em tempo de pedir a
anulação deste ato.
Alínea c)

Estamos a falar de um ato relativo à casa de morada de família. É um bem imóvel – artigo 204.º/1, alínea a)
CC. Admitimos que a Lívia levou a casa para o casamento. No âmbito do regime da comunhão de
adquiridos, este é um imóvel próprio – artigo 1722.º/1, alínea a).

A que título é que eles habitam a casa de família? São proprietários ou arrendatários? Vamos olhar para o
artigo 1682º-A ou 1682º-B consoante a questão em causa.

A administradora será a Lívia – artigo 1678.º/1 CC. Mas há uma série de limites a esta livre administração, e
e sendo um comodato (art. 1129º CC), constituiu-se um direito pessoal de gozo a favor da Júlia sobre a casa
de morada de família.

Ainda que estejamos a falar de um imóvel próprio, diz-nos o artigo 1682º -A/2 que a constituição de um
direito pessoal de gozo sobre a casa da morada de família carece sempre do consentimento do outro cônjuge.

Ainda que este imóvel seja próprio e, ainda mais, sendo a casa de morada da família, teria sido necessário o
consentimento do Augusto. Pode reagir? Sim. O ato é anulável – artigo 1687.º/1 CC. O Augusto tem
legitimidade. Está em tempo para o fazer? Sim. Não passaram nem os 6 meses a partir do conhecimento do
ato, nem os 3 anos a partir da sua celebração. Pode reagir.

Alínea d)

Estamos a falar de um bem próprio de Lívia (art. 1722º/1/a)). A riqueza mobiliária não é objeto do mesmo
tipo de proteção que os bens imóveis. É necessário terem determinadas características para que o legislador
os proteja. Artigo 205.º - é um bem móvel.

Lívia é o administrador e estamos a falar da alienação de um bem – ela vendeu o Busto. Para a alienação de
bens móveis, temos o artigo 1682.º CC. Artigo 1682.º/3, alínea a) – a alienação carece do consentimento de
ambos os cônjuges. Podíamos dizer que estaríamos a ser demasiado generosos a dizer que o busto é utilizado
na vida do lar. Mas é um bem utilizado na vida familiar, logo, temos de saber se o busto se vai incluir no
recheio da casa:

Artigo 2103.º-C “Para os efeitos do disposto nos artigos anteriores considera-se recheio o mobiliário e
demais objectos ou utensílios destinados ao cómodo, serviço e ornamentação da casa.” – Neste caso, é
ornamentação da casa. Estamos perante um bem móvel, mas é um bem móvel com proteção acrescida, faz
parte do recheio da casa de morada de família.

Este ato configura uma ilegitimidade conjugal, e Augusto pode reagir com base no art. 1687º/1, dentro destes
prazos temporais.

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Alínea e)

O bem em causa é um bem próprio do Augusto, é um bem adquirido a título gratuito por sucessão – artigo
1722.º/1/b) CC. É um bem próprio móvel – artigo 205.º CC. O administrador é o proprietário, porque não
temos indicação da administração pela parte da Lívia – artigo 1678.º CC. Estamos a falar de um ato de
alienação de um bem móvel próprio de Augusto.

Este é um caso de venda de coisa alheia. O bem não está na esfera jurídica de Lívia.

Temos então de recorrer ao artigo 1687.º/4 CC “4. À alienação ou oneração de bens próprios do outro
cônjuge, feita sem legitimidade, são aplicáveis as regras relativas à alienação de coisa alheia” — remissão
para o artigo 892.º CC – é nula a venda de bens alheios.

O Augusto pode reagir? Artigo 286.º CC – a nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e
pode ser declarada oficiosamente pelo tribunal.

Recapitulando os passos:

1º Definição prévia de qual é o regime de bens


2º Classificação do bem como móvel ou imóvel
3º Determinação da natureza do bem e de quem administra
4º Determinação da natureza do ato - alienação, constituição de direito pessoal de gozo, etc
5º Perceber se estamos perante ilegitimidade conjugal - era necessário consentimento?
6º Sanções e verificação dos prazos
7º Quanto à alienação de bens imóveis — podemos confrontar-nos perante o caso de estarmos perante
terceiro de boa-fé e se a situação lhe é oponível.

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