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Psicanálise & Desenvolvimento

 
A construção da realidade em Piaget e Winnicott:

o desenvolvimento dos esquemas cognitivos e socioemocionais

Prof. Responsável: Leopoldo Fulgencio (lfulgencio@usp.br)


Profa. Convidada: Maria Thereza C. C. Souza (mtdesouza@usp.br )

Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo


Departamento de Psicologia da Aprendizagem
Disciplina da Pós-Graduação - Primeiro Semestre de 2016

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Aula 1.
Proposta e percurso conceitual do curso

1. Psicanálise e desenvolvimento: o campo de pesquisa

2. A formação do ser humano como problema na filosofia, na psiquiatria e na psicologia

3. As teorias do desenvolvimento do ser humano

4. O problema do desenvolvimento da capacidade de apreensão da realidade externa no ser humano e seus

correlatos em Piaget

5. O problema do desenvolvimento da capacidade de apreensão da realidade externa no ser humano e seus

correlatos em Winnicott

6. Problema epistemológico-metodológico

7. A proposta do curso

8. Hipóteses de trabalho em relação aos resultados esperados

9. Plano de desenvolvimento conceitual das aulas

10. Referências bibliográficas 

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1. Psicanálise e Desenvolvimento:
o campo de pesquisa

1.1 O que é uma teoria do desenvolvimento?

1.2 Freud e Piaget como pioneiros a fornecer uma teoria do desenvolvimento científica sistemática

1.3 A teoria do desenvolvimento cognitivo de Piaget (foco, método, esquema geral)

1.4 A teoria do desenvolvimento psicosexual de Freud (foco, método, esquema geral)

1.5 O problema da comunicação entre os dados obtidos pelo método de observação direta

e pelo método clínico

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1.1 O que é uma teoria do desenvolvimento?

Uma teoria do desenvolvimento do ser humano, seja em que perspectiva e de que ponto de vista se proponha,

corresponde a um conjunto de explicações teóricas e descritivas dos diversos processos interativos que levam

etapa por etapa, à situação em que um ser humano chega a realizar as suas potencialidades propriamente

humanas. Trata-se de um conjunto no qual as diversas capacidades e conquistas são explicadas e integradas

num sistema geral. Num sistema que tem um modelo ontológico de homem, uma compreensão dos impulsos

básicos que impulsionam este desenvolvimento, um foco de análise colocando em destaque determinadas

capacidades ou faculdades (afetivas, cognitivas), bem como uma explicação da dinâmica que, passo a passo,

leva ou dificulta estas conquistas.

“Ela está interessada na maneira pela qual o comportamento evolui como uma entidade, e não nas funções,

órgãos, ou capacidades isoladamente consideradas. Afirma que esse desenvolvimento atravessa estágios

distintos, que levam a comportamentos sempre mais complexos; [...]”. (Cobliner, W. Godfrey. (1965). A escola de psicologia

genética de Genebra e a psicanálise: paralelos e equivalências In R. A. Spitz (Ed.), O primeiro ano de vida. São Paulo: Martins Fontes; p. 265) 

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1.2 Freud e Piaget como pioneiros a fornecer uma
teoria do desenvolvimento científica sistemática

A psicologia genética de Piaget é, ao lado da psicanálise, a única psicologia do desenvolvimento


que conseguiu construir uma rede coerente de proposições, que expõe o desenvolvimento
psicológico e explica o comportamento. (Cobliner, 1965, p. 265)

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1.3 A teoria do desenvolvimento cognitivo de Piaget
(foco, método, esquema geral)

Foco: A epistemologia genética da Faculdade de Conhecer (a inteligência)

Método: experimental + clínico (pergunta-diálogo)

Estágios do desenvolvimento cognitivo

Sensório-motor (0 – 2 anos) egocentrismo

Pré-operatório (2 – 6 anos) 1s esquemas simbólicos; eu # objeto

Operatório-Concreto (6 – 12 anos) Início do pensamento lógico


Uso de conceitos em situações concretas

Operatório-formal (12  ) Uso do pensamento lógico abstrato em situações

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1.4 A teoria do desenvolvimento psicosexual de Freud

Foco: O desenvolvimento das relações com os objetos, considerando os processos psíquicos inconscientes
e a importância da sexualidade infantil

Método: clínico-psicanalítico

Estágios do desenvolvimento psiscosexual da criança

Estágio Idade Foco Tarefas/Conquistas

Oral 0-1 Boca, lábios, língua Relações iniciais... (ao final, Desmame)

Anal 1-3 Ânus Treinamento Higiênico

Fálico 3-6 GenitaisC. Édipo/Elektra

Latência 6-12 Nenhum Desenvolv. Mec. Defesa; Identificação com pares do mesmo sexo

Genital + 12 GenitaisRealização plena do encontro sexual

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1.5 O problema da comunicação entre os dados obtidos
pelo método de observação direta e pelo método clínico

• […] estou convencido de que a psicologia do desenvolvimento é pobre se não leva em conta o que não pode ser

visto diretamente – por exemplo, os conteúdos das fantasias – e que ela pode ser muito enriquecida por teoiras

sobre a dinâmica interpessoal e sobre os processos emocionais que surgem na experiência psicanalítica, com o

acúmulo de evidências clínicas.

• Por outro lado, a psicologia do desenvolvimento tem seus próprios benefícios a oferecer, além de proporcionar

observações diretas: ela é disciplinada para projetar condições controladas que podem forncecer textes críticos

par acomprovaçãop de hipóteses alternativas e, ao fazê-lo, pode ajudar a resolver diversos debats trabvados

com a psicanálise que, de outra maneira, estariam limitados à condição de especulaçãometafísica ou poética.

• Na verdade, mesmo uma rápida revisão da literatura dedica às teorias do desenvolvimento, nos últimos anos,

revela uma enorme riqueza de material e de debate, que é extremamente pertinente aos interesses

psicanalíticos.

(Murray, Lynne (1989). Winnicott and the Developmental Psychology of Infance. British Journal of Psychotherapy, 5:333-348.)

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2. A formação do ser humano como problema na
filosofia, na psiquiatria e na psicologia

2.1 A especificidade do modo de ser do ser humano

2.2 O problema da relação do homem com a realidade:


O que é e como é possível conhecer a realidade?

2.3 A questão do EU como fundamento do ser humano


2.3.1 Na filosofia (a posição de Kant)

2.3.2 Na história da psiquiatria (a análise de Foucault)

2.3.3 Na psicologia

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2.1. A especificidade do modo de ser do ser humano

O homem, diferente de algumas espécies, não nasce pronto nem programado para lidar com

a realidade, ele terá que construir os meios (cognitivos e afetivos) para fazer isto.

O modo de ser humano como sendo o único que dá sentido a si mesmo, o único que forja o

mundo em que vive. (Dasein)

No entanto, há diversos modelos ontológicos (referidos ao que é o modo de ser humano),

dos mecanicistas aos biológicos, etológicos, socio-históricos e existencialistas-

fenomenológicos.

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2.2 O problema da relação do homem com a realidade

O homem parece sempre ter se colocado o problema de conhecer o mundo em que vive, como um
elemento necessário à sua existência.
No campo da filosofia há um tema central que diz respeito a saber o que é possível conhecer, especialmente
referido às teroias do conhecimento (que têm Descartes, Hume e Kant como seus autores de fundamento).
Dizendo de outra maneira, a questão de saber como é possível conhecer a realidade, corresponde a uma
questão central para o ser humano.
Ela leva, no entanto, a perguntar quais são as condições de possibilidade do homem e o que é que ele pode
conhecer; o que leva, necessariamente, à questão de saber como ele se constitui como sujeito do
conhecimento, como ele se organiza e se estrutura na unidade do sujeito psicológico.
Nesse sentido, apreender o Real está relacionado com estar em posse de si mesmo como algo distinto do
Real.
Este problema tem formulações no campo da filosofia e da psiquiatria que quero retomar.

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2.3 A questão do EU
como fundamento do ser humano

2.3.1 Na filosofia (a posição de Kant)

2.3.2 Na história da psiquiatria (a análise de Foucault)

2.3.3 Na psicologia

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2.3.1 A questão do EU
como fundamento do ser humano
Na filosofia (a posição de Kant) (1)

Que o ser humano possa ter o eu em sua representação, eleva-o infinitamente acima de todos os

demais seres que vivem na terra. É por isso que ele é uma pessoa, e uma e mesma pessoa em virtude

da unidade da consciência em todas as modificações que lhe possam suceder, ou seja, ele é, por sua

posição e dignidade, um ser totalmente distinto das coisas, tais como os animais irracionais, aos quais

se pode mandar à vontade, porque sempre tem o eu no pensamento, mesmo quando ainda não

possa expressá-lo, assim como todas as línguas têm de pensá-lo quando falam na primeira pessoa,

ainda que não exprimam esse eu por meio de uma palavra especial. Pois essa faculdade (a saber, a de

pensar) é o entendimento.
Kant, I. (1798). A Antropologia Pragmática. “O lugar do Eu”; p. 27

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2.3.1 A questão do EU
como fundamento do ser humano
Na filosofia (a posição de Kant) (2)

Mas é notável que a criança que já sabe falar suficientemente bem comece no entanto

bastante tarde a falar por meio do eu (talvez bem depois de um ano), tendo até então falado

de si na terceira pessoa (Carlos quer comer, andar etc.), e uma luz parece se acender para

ela, quando começa a falar por meio do eu: a partir desse dia nunca mais volta a falar

daquela outra maneira. — Antes simplesmente sentia a si mesma, agora pensa em si

mesma. — A explicação desse fenómeno poderá custar bastante ao antropólogo.


Kant, I. (1798). A Antropologia Pragmática. “O lugar do Eu”; p. 27

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2.3.2 A questão do EU
como fundamento do ser humano
Na história da psiquiatria (a análise de Foucault) (1)

Em patologia mental, da-se o mesmo privilégio à noção de totalidade psicológica; a


doença é a alteração intrínseca da personalidade, desorganização interna de suas
estruturas, o desvio progressivo do seu devir; ela só teria realidade e sentido no interieur
de uma personaldiade estruturada. Nesse sentido esforça-se para definir a doença mental,
a partir da amplitude das perturbações da personalidade, acabando por distribuir os
transtornos mentais em duas categorias: as neuroses e as psicoses.
(Foucault, Michel. (1954). Maladie mentale et psychologie. Paris: Quadrige/PUF, 1995; p. 9)

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2.3.2 A questão do EU
como fundamento do ser humano
Na história da psiquiatria (a análise de Foucault) (2)

1. Nas psicoses, perturbações da personalidade global, incluem: um transtorno do


pensamento (pensamento maníaco que foge, que escoa, sobre as associações de sons ou
jogos de palavras; pensamento esquizofrênico, que salta, pula por cima dos intermediaries e
procede por jorros ou contrastes); uma alteração geral da vida emocional e do humor
(ruptura do contato afetivo na esquizofrenia; colorações emocionais maciças na mania ou na
depressão); uma perturbação do controle da consciência, colocando em perspectiva os
diversos pontos de vistas, formas alteradas do sentido critic (crença delirante na paranoia,
onde o sistena de interpretação se antecipa sobre as provas de sua exatidão, e permanece
impermeável à toda discussão, indiferença do paranoid à singularidade de sua experiência
alucinatória que, para ele, valor de evidência); (p. 9)

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2.3.2 A questão do EU
como fundamento do ser humano
Na história da psiquiatria (a análise de Foucault) (3)

1. Nas psicoses, …

2. Nas neuroses, ao contrário, é somento um seto da personalidade que é atingido: ritualismo dos
obssessivos em relação a tal out al objeto, angústias causadas por tal situação na neurose fóbica. Mas
o curso do pensamento permanece intacto na sua estrutura, mesmo se ele é mais lento nos
psicastênicos; o contato emocional subexiste, chega mesmo a ser exagerado em seus limites nos
histérios; enfim, o neurótico, mesmo que apresente obliterações de consciência como o histérico, ou
impulsos incontroláveis como o obsessive, conserva a lucidez crítica em relação a seus fenômenos
mórbidos. (p. 9-10)

Classifica-se, em geral, entre as psicoses, a paranóia e todo o grupo esquizofrênico, com suas suas
síndromes paranoids, hebefrênicas e catatônicas; entre as neuroses, a psicastenia, a histeria, a
obssessão, a neurose de angústia e a fobia. (p. 10)

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2.3.3 A questão do EU
como fundamento do ser humano
Na psicologia

Todas as teorias do desenvolvimento do ser humano e as descrições dos processos que levam
à constituição do EU como entidade,
à construção da unidade do sujeito psicológico na sáude
a compreensão das formas patológicas de organização do ser humano

Há uma grande área do conhecimento dedica à compreensão do desenvolvimento do ser


humano: a área da psicologia do dsenvolvimento.

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3. A área atual da psicologia do desenvolvimento

3.1 Os campos de preocupação: físico, cognitivo, sociemocional

3.2 Os tipos de teorias:


Psicanalíticas (Freud, Erikson etc.)
Teorias da aprendizagem (Behaviorismos)
Teorias cognitivas (Piaget, Vygostsky etc.)
Teorias biológicas e ecológicas

3.3 Os períodos do desenvolvimento

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3.3 Os períodos ou Fases do desenvolvimento
(cronológicos)

 Pré-natal Da concepção ao nascimento

Primeira Infância 0-3 anos

(do nascimento com o início do uso da linguagem para se comunicar)

Segunda Infância 3-6 anos

(uso/linguagem até o ingresso da criança na escola ou em algum outro tipo de treinamento social)

Terceira Infância (meninice) 6-11 anos

Adolescência 11-20 anos aproximadament

Início da Vida Adulta20-40 anos

Vida Adulta Intermediária 40-65 anos

Vida Adulta tardia 65 (Papalia & Feldman, 2012, pp. 40-41)

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4. O problema do desenvolvimento da capacidade de apreensão da realidade externa no ser
humano e seus correlatos em Piaget

4.1 O problema de Piaget: a Faculdade de Conhecer

4.2 As fases da teoria do desenvolvimento cognitivo de Piaget

4.3 A maneira como Piaget coloca o problema da construção do real na criança

4.4 Concomitante à conquista da capacidade de apreensão do objeto permanente,

temos a constituição do EU

4.5 O desenvolvimento cognitvo e os esquemas de apreensão do mundo

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4.3 A maneira como Piaget coloca o problema da
construção do real na criança

A primeira questão que convém formular, para compreender como a inteligência nascente

constrói o mundo exterior, consiste em saber se, durante os seus primeiros meses, a criança

concebe as coisas, como acontece conosco, soba a forma de objetos substanciais, permanentes

e de dimensões constantes. Supondo que assim não seja, será preciso então explicar como se

constrói a noção de objeto. (Piaget, J. (1937). O Desenvolvimento da Noção de Objeto A construção do real na criança
(pp. 11-92). Rio de Janeiro: Zahar, 1975, p. 11).

... a observação e a experimentação combinadas parecem demonstrar que a noção de objeto,

longe de ser inata ou de ser dada, toda feita, na experiência, constrói-se pouco a pouco. (Piaget, J.

(1937). O Desenvolvimento da Noção de Objeto A construção do real na criança (pp. 11-92). Rio de Janeiro: Zahar, 1975.; p. 12)

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4.4 Concomitante à conquista da capacidade de apreensão do
objeto permanente, temos a constituição do EU
• Enquanto que, no ponto de partida deste desenvolvimento, o recém-nascido traz tudo para si ou, mais

precisamente, para o seu corpo [egocentrismo, narcisismo sem narciso], no final, isto é, quando começa a linguagem

e o pensamento, ele se coloca, praticamente, como / um elemento ou corpo entre os outros, em um universo que

construiu pouco a pouco, e que sente depois como exterior a si próprio. (Piaget, J. (1964). Six études de psychologie.

Gemève: Gonthiers; p. 17-18)

• A questão da CONSTRUÇÃO DO REAL se sobrepõe e coincide com o problema da passagem da situação egocêntrica do

início para a constituição do EU como uma entidade diferente do mundo externo; ou, dizendo em outras palavras, o

problema de construção do real na criança também corresponde ao problema da constituição do EGO, como algo

díspar da realidade externa.

• Assim, o problema do objeto permanente, enunciado por Piaget, corresponde também ao problema da organização

psíquica estrutura do ser humano.

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4.5 O desenvolvimento cognitvo
e os esquemas de apreensão do mundo

Ao procurar esclarecer esse processo, Piaget apontará para o fato de que, no início, o ser humano é imaturo para
reconhecer a realidade como externa a ele mesmo; este progredirá num processo de desenvolvimento utilizando
esquemas cognitivos de apreensão e assimilação dos objetos, inicialmente dados pelo funcionamento sensório-
motor e, depois, expandindo-os, chegará à constituição das noções de objeto-espaço, tempo-causalidade,
chegando à possibilidade de reconhecer os objetos como externos a ele mesmo (num processo referido como
sendo de assimilação, acomodação e equilibração).

[há analogias] entre as regulações orgânicas e os processos cognitivos, os processos de conhecimento. Há

estruturas do organismo e há estruturas da inteligência: eu experimento mostrar que umas procedem das

outras, e que a lógica, por exemplo, nasce da coordenação geral das ações e que a coordenação geral das

ações apoia-se sobre as coordenações nervosas, apoiando-se, elas mesmas, sobre as coordenações orgânicas.
(apud Jean Piaget, in Bringuier, Jean-Claude. (1978 [1977]). Conversando com Jean Piaget. Rio de Janeiro: Difel; p. 11).

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5. O problema do desenvolvimento da capacidade de apreensão da realidade externa no ser humano
e seus correlatos em Winnicott

5.1 O problema de Winnicott: continuidade de ser, integração, aniquilação….

5.2 A Teoria do desenvolvimento emocional para Winnicott

5.3 A maneira como Winnicott coloca o problema do estabelecimento da relação com a realidade externa

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5.1 O problema de Winnicott:
continuidade de ser, integração, aniquilação…

Cada teórico da psicanálise, poder-se-ia dizer, organiza sua teoria em volta do que poderia ser chamado de uma
catástrofe essencial, para Freud era a castração; para Klein, o triunfo da pulsão de morte; e para Winnicott era a
aniquilação do self central pela intrusão, como falha no ambiente de sustentação. Phillips, Adam 1988 [2007]:
Winnicott. São Paulo, Idéias & Letras; p. 209.

Gostaria de postular um estado de ser que é um fato no bebê normal, antes do nascimento e logo depois. Esse
estado de ser pertence ao bebê, e não ao observador. A continuidade do ser significa saúde. Se tomarmos como
analogia uma bolha, podemos dizer que quando a pressão externa está adaptada à pressão interna, a bolha
pode seguir existindo. Se estivéssemos falando de um bebê humano, diríamos “sendo”. Se por outro lado, a
pressão no exterior da bolha for maior ou menor do que aquela em seu interior, a bolha passará a reagir à
intrusão. Ela se modifica como reação a uma mudança no ambiente, e não a partir de um impulso próprio. Em
termos do animal humano, isto significa uma interrupção no ser, e o lugar do ser é substituído pela reação à
intrusão. Cessada a intrusão, a reação também desaparece e pode haver, então, um retorno ao ser.
(WINNICOTT, 1988, p. 148)

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5.2 A teoria do desenvolvimento
emocional para Winnicott

5.2.1 Winnicott se considera um pensador do desenvolvimento

5.2.2 A teoria do desenvolvimento de Winnicott é uma teoria da dependência

5.2.3 O processo de desenvolvimento

5.2.4 As fases do desenvolvimento

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5.2.1 Winnicott se considera um pensador do
desenvolvimento

Vocês já devem ter percebido que, por natureza, treinamento e prática sou uma pessoa que pensa de modo

desenvolvimental. Quando vejo um menino ou uma menina numa carteira escolar, somando ou subtraindo, e lutando

com a tabuada de multiplicação, vejo uma pessoa que já tem uma longa história em termos de processo

desenvolvimental, e sei que pode haver deficiências, distorções no desenvolvimento ou distorções organizadas para

lidar com deficiências que têm de ser aceitas, ou que deve haver uma certa precariedade no que tange ao

desenvolvimento que parece ter sido conseguido. Vejo o desenvolvimento como indo em direção à independência e a

significados sempre novos para o conceito de totalidade, que pode ou não se tornar um fato no future daquela criança,

caso ela esteja e continue viva. Também tenho plena consciência do quando se depende do meio ambiente, e do modo

como esse meio, inicialmente importantíssimo, continua a ter significado e vai ter significado, mesmo quando o

indivíduo atinge a independência, por meio de uma identificação com características ambientais, como quando uma

criança cresce, se casa e cria uma nova geração de filhos, ou começa a participar da vida social e da manutenção da

estrutura social. (Winnicott, 1984h. Sum: eu Sou Tudo começa em casa. São Paulo: Martins fontes, 1999; p. 42-43)

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5.2.2 A teoria do desenvolvimento de Winnicott
é uma teoria da dependência

Possuímos a única formulação realmente útil, que existe, da maneira pela qual o ser humano

psicologicamente se desenvolve de um ser completamente dependente e imaturo para um

estado maduro relativamente independente. A teoria é excepcionalmente complexa e difícil de

ser enunciada de modo sucinto, e sabemos que existem grandes lacunas no nosso

entendimento. Apesar disto, existe a teoria, e, desta maneira, a psicanálise efetuou uma

contribuição que é de modo geral aceita, mas usualmente, não-reconhecida.


(Winnicott, 1989vk, A psicologia da loucura: uma contribuição da psicanálise Explorações Psicanalíticas, Porto alegre:

Artes médicas; p. 94)

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5.2.3 O processo de desenvolvimento (1)

Optando pela abordagem que estuda o desenvolvimento como a mais capaz de focalizar os

diversos pontos de vista, espero deixar claro [como] inicialmente, a partir de uma interação

primária do indivíduo / com o ambiente, surge um emergente, o indivíduo que procura fazer valer

os seus direitos, tornando-se capaz de existir num mundo não desejado;

ocorre então o fortalecimento do self como uma entidade, uma continuidade do ser onde, e de

onde, o self pode [emergir] como uma unidade, como algo ligado ao corpo e dependente de

cuidados físicos;

e então advém a consciência (awareness) (e a conciência implica na existência de uma mente) da

dependência, e a consciência quanto à confiabilidade da mãe e seu amor, que chega à criança sob

a forma de cuidados físicos e adaptação à necessidade; (Winnicott, 1988, pp. 25-26).

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5.2.3 O processo de desenvolvimento (2)

ocorre, então, a aceitação pessoal das funções e dos instintos e seus climaxes, o gradual

reconhecimento da mãe como um outro ser humano, e junto a isto a mudança da ruthlessness em

direção ao concern;

e então há o reconhecimento do terceiro, e do amor complicado pelo ódio, e do conflito emocional;

e esse todo é enriquecido pela elaboração imaginativa de cada função, e pelo crescimento da psique

juntamente com o do corpo;

e também a especialização da capacidadade intelectual, que depende da qualidade dos atributos

cerebrais;

e de novo, em paralelo a isso tudo, surge um desenvolvimento gradual da independência em relação

aos fatores ambientais, levando com o tempo à socialização. (Winnicott, 1988, pp. 25-26).

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5.2.4 As fases do desenvolvimento (1)

Podemos considerar, de forma geral, que a teoria do desenvolvimento emocional são descritos por Winnicott

não tanto em termos das relações de objeto impulsionadas pela vida instintual, mas em relação à linha que

leva os indivíduos

 do estado de nãointegração inicial para os diversos tipos e graus de integração,

 da dependência absoluta inicial em relação ao ambiente para o estado dinâmico da independência

relativa,

 do estado de nãoser para o de ser-no-tempo etc.

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5.2.4 As fases do desenvolvimento (2)

Fases do desenvolvimento emocional para Winnicott

Dependência Absoluta (0-4 meses). Neste estado o lactente não tem meios de perceber o cuidado materno, que é em grande parte uma questão de profilaxia.

Não pode assumir controle sobre o que é bem ou mal feito, mas apenas está em posição de se beneficiar ou de sofrer distúrbios;

Dependência Relativa. (4 meses a 1,5 ano) Aqui o lactente pode se dar conta da necessidade de detalhes do cuidado materno, e pode de modo crescente

relacioná-los ao impulso pessoal, e mais tarde, num tratamento psicanalítico, pode reproduzi-los na transferência;

Rumo à Independência (1,5 ano  )O lactente desenvolve meios para ir vivendo sem cuidado real. Isto é conseguido através do acúmulo de recordações do

cuidado, da projeção de necessidades pessoais e da introjeção de detalhes do cuidado, com o desenvolvimento da confiança no meio. Deve-se acrescentar aqui o

elemento de compreensão intelectual, com suas tremendas implicações. (Winnicott, 1960c, pp. 45-46)

Latência

Adolescência

vida adulta

velhice

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5.3 A maneira como Winnicott coloca o problema do
estabelecimento da relação com a realidade externa

[…] numa satisfatória amamentação, o fato de tomar parte do corpo materno fornece “esquemas” para

todos os tipos de experiência em que o instinto participa. (1957e, Amamentação, p. 59)

Ao procurar descrever o processo que leva o ser humano a estabelecer uma relação com a realidade

externa, ele identificará três modos do ser humano se relacionar com a realidade: o subjetivo, o

transicional e o objetivo. No que se refere a nosso tema e nossos interesses, nesse curso, podemos

caracterizar estes modos de se relacionar com a realidade como sendo, também, três esquemas

socioemocionais.

O processo descrito implica, ao mesmo tempo, a integração do Eu e a possibilidade de apreensão da

realidade externa como externa.

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6. Problema epistemológico-metodológico

Tendo sistemas teóricos diferentes, será que Piaget e Winnicott estão falando dos mesmos

fenômenos?

Como, epistemológica e metodologicamente, é possível considerar as diversas teorias sobre o

desenvolvimento do ser humano?

1. A posição eclética

2. A posição da comunicação paradoxal dos paradigmas incomensuráveis

Quais contribuições, no que se refere à compreensão da primeira infância a obra de Piaget pode

fazer à de Winnicott e, vice-versa, a obra de Winnicott pode fazer à de Piaget?

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7. A proposta do curso

Tanto num como noutro, vemos que o desenvolvimento ocorre com a constituição e expansão de
esquemas (cognitivos e socioemocionais) aplicados e/ou vividos na relação com a realidade.

Vamos retomar a descrição feita por Piaget, procurando apreender os fenômenos que ele pode
apreender e, da mesma maneira, nos dedicar a Winnicott, com o mesmo objetivo. Depois
vamos procurar indicar em que sentido um autor pode contribuir para o desenvolvimento da
perspectiva do outro.

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8. Hipóteses de trabalho
em relação aos resultados esperados

• No que se refere às contribuições de Piaget para Winnicott, creio que Piaget focou sua análise no desenvolvimento de

certas conquistas que Winnciott pouco falou (espacialização, temporalização, compreensão da causalidade com o

surgimento da mente etc.), de uma maneira que poderíamos desenvolvê-los no quadro do pensamento de Winnicott

(com seus interesses clínicos evidentes), dado que estes aspectos da Natureza Humana estariam não só considerados

como parte da estrutura humana (fenomenologia) como estariam perturbados nas psicoses.

• No que se refere ao inverso, os piagetianos poderiam levar em consideração a ação criativa da criança, a dependência do

ambiente, a descrição da situação do amálgama inicial descrito por Winnicot, bem como os fenômenos da

transicionalidade e da fase do uso do objeto, como dados empíricos a serem considerados no processo de

desenvolvimento da vida cognitiva, bem como da constituição da moral.

• De uma maneira sintética, poderíamos considerar que a descrição dos esquemas cognitivos (Piaget) e dos esquemas

socioemocionais (Winnicott) poderiam ser considerados para a ampliação das teorias do desenvolvimento em cada um

dos autores, delimitados em seus paradigmas e com seus próprios meios.

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9. A linha de desenvolvimento conceitual do curso
Plano temático das aulas

Aula 1. Apresentação do curso

Aula 2. Aspectos gerais das teorias do desenvolvimento

Aula 3. Aspectos epistemológicos e metodológicos do estudo crítico-comparativo

entre sistemas teóricos díspares

Aula 4 e 5. A epistemologia genética de Jean Piaget como uma teoria do desenvolvimento cognitivo:

princípios e atualidade (Maria Thereza C. C. Souza)

Aula 6. Estudo crítico de Piaget sobre A construção do Real na criança

Aula 7. A teoria do desenvolvimento socioemocional de Winnicott

Aula 8, 9, 10 e 11. Estudo crítico de Winnicott sobre o estabelecimento da relação com a realidade externa

Aula 12. Contribuições mútuas entre Piaget e Winnicott

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Cronograma das aulas
e modo de funcionamento do curso

 Cronograma provisório das aulas


 
Março 9 16 23 30 Aula 1 em 16/03
Abril 6 13 20 27
Maio 4 11 18 25
Junho 1 8 15 22 29 Aula 12 em 15/06

• Data para entrega de trabalho, para avaliação dos alunos: 15/junho


 
 
• A) DROPBOX
– Geral (ementa, cromograma, bibliografia, textos, registro de aulas)
– Particular (para os aluns regulares e especiais; mural; inserção de trabalho)
 
• B) Horários, presença

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Referências Básicas
Teorias do desenvolvimento

Boyd, Denise, & Bee, Helen. (2011). A criança em crescimento. Porto Alegre: Artes Médicas.

Crain, William. (2011 [2000]). Theories of Development: Comncepts and Applications. New York et al.:
Prentice Hall.

Lerner, Richard M. (2002 [1976]). Concepts and Theories of Human Development. New York & London:
Lawrence Erlbaum Associates.

Miller, Patricia H. (2011 [1989]). Theories of Developmental PSYCHOLOGY (5 ed.). New York: Worth
Publishers.

Papalia, Diane E., & Feldman, Ruth Duskin. (2012). Desenvolvimento Humano (12 ed.). Porto Alegre:
McGrawHill e Artmed, 2015.

Steinberg, Laurence; Bornstein, Marc H.; Vandell, Deborah L.; Rook, Karen S. (2011). Lifespan Development.
Infance Throught Adulthood. EUA: Wadsworth.

Thomas, R. Murray. (2005). Comparing Theories of Child Development. USA: Thomson Wadsworth.

40
Referências Básicas
Epistemologia e metodologia

Fulgencio, Leopoldo. (2013). Metodologia de pesquisa em psicanálise na universidade. In F.


Scorsolini-Comin & C. A. Serralha (Eds.), Psicanálise e Universidade: Um encontro na
pesquisa. Curitiba: CRV.

Kuhn, Thomas Samuel. (1970). A estrutura das revoluções científicas. São Paulo:
Perspectiva, 1975.

Kuhn, Thomas Samuel. (1977). A tensão essencial. Lisboa: Edições 70.

Kuhn, Thomas Samuel. (2000). O caminho desde A estrutura. Ensaios Filosóficos, 1970-
1993, com uma Entrevista Autobiográfica. São Paulo: Editora Unesp, 2006.

41
Referências Básicas
Winnicott e sua teoria do desenvolvimento socioemocional

Winnicott, Donald W. (1988) Natureza Humana. Rio de Janeiro: Imago.

Abram, Jan. (2008). Donald Woods Winnicott (1896–1971): A brief introduction. The International Journal of
Psychoanalysis, 89(6), 1189-1217.

Dias, Elsa Oliveira. (2003). A teoria do amadurecimento de D. W. Winnicott. Rio de Janeiro: Imago Editora.

Fulgencio, Leopoldo. (2015 - inédito). Descrição do processo de desenvolvimento dos modos de ser-no-mundo do
ponto de vista de Winnicott WINNICOTT. A PSICANÁLISE DO SER. São Paulo: Concern.

Phillips, Adam. (1988). Winnicott. São Paulo: Idéias & Letras, 2007.

Spelman, Margaret Boyle. (2013a). The Evolution of Winnicott's Thinking: Examining the Growth of Psychoanalytic
Thought Over Three Generations. London: Karnac Books.

Spelman, Margaret Boyle. (2013b). Winnicott's Babies and Winnicott's Patients: Psychoanalysis as Transitional
Space London: Karnac Books

42
Referências Básicas
Piaget
Piaget e a epistemologia genética

Piaget, Jean. (2001 [1964]). Seis Estudos de Psicologia. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 2001.

Piaget, Jean, & Inhelder, Bärbel. (1986 [1966]). Psicologia da criança. São Paulo: Difel.

Piaget e a construção do real na criança

Piaget, Jean. (1937a). A construção do real na criança. Rio de Janeiro: Zahar, 1975.

Piaget, Jean. (1937b). O Desenvolvimento da Noção de Objeto A construção do real na


criança (pp. 11-92). Rio de Janeiro: Zahar, 1975.

43
Referências Básicas
Winnicott e a conquista da realidade

Winnicott, Donald Woods. (1960c). Teoria do Relacionamento Paterno-Infantil O Ambiente e os Processos de Maturação (pp.

38-54). Porto Alegre: Artmed, 1983.

Winnicott, Donald Woods. (1996o). Introdução Primária à Realidade Externa: Os Estágios Iniciais Pensando Sobre Crianças (pp.

45-50). Porto Alegre: Artes Médicas, 1997.

Winnicott, D. W. (1988). Estabelecimento da relação com a realidade externa natureza Humana (pp. 120-135). Rio de Janeiro :

Imago, 1990.

Winnicott e teoria do desenvolvimento

Murray, Lynne (1989). winnicott and the Developmental Psychology of Infancy. Britsch journal of Psychotherapy, 5:333-348.

44
Relação de Videocasts

1. Para ler Winnicott

https://youtu.be/mHQUskmlCMA

2. A concepção de Natureza Humana para Winnicott

Part 1. (em inglês) The conception of Human Nature by Winnicott

https://youtu.be/p0hJCQFpW-M

Em Português

Parte 1 https://youtu.be/QchPhiUzC9A

Parte 2 https://youtu.be/s9Z7n8gGXek

Parte 3 https://youtu.be/xaq6TsCjz-A

Parte 4 https://youtu.be/oGnlzv5Gqx0

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Relação de Videocasts
 

3. Os objetivos do tratamento psicanalítico I (Freud, Lacan, Winnicott)

https://youtu.be/I1ywUDYgNpI

4. Uma investigação sobre a natureza humana

a partir da filosofia transcendental de Immanuel Kant

https://youtu.be/cNroJH3qi9k

5. Congresso Narcisismo e sexualidade

Dia 13/08 https://youtu.be/laoyarWZUfw

Dia 14/08 https://youtu.be/zPtMdtbxgvo

6. Os objetivos do tratamento psicanalítico II (Freud, Klein, Bion)

https://youtu.be/vlgwBI2prYQ
 

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