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Curso

PSICOMOTRICIDADE
Disciplina
PSICOLOGIA DO
DESENVOLVIMENTO E
PSICOMOTRICIDADE
Curso
PSICOMOTRICIDADE
Disciplina
PSICOLOGIA DO
DESENVOLVIMENTO E
PSICOMOTRICIDADE

Eunice do Vale MADEIRA


Fabiane MUNIZ
Henrique de Carvalho PEREIRA
Hildeberto MARTINS
Luis Eduardo GRANATO
Maria Cristina Fontes URRUTIGARAY
Maria POPPE

Revisado por Fátima ALVES

www.avm.edu.br
3

05 Apresentação

Aula 1
07 Introdução à Psicologia do
Desenvolvimento

Aula 2
25 Jean Piaget e o desenvolvimento
cognitivo.

Aula 3
50 O modelo histórico- cultural de
Vygotsky
Sumário

Aula 4
78 Wallon e o estudo da psicogênese

Aula 5
98 Freud e as fases psicossexuais do
desenvolvimento

Aula 6
136 O desenvolvimento da infância à
velhice

176 Referências bibliográficas


CADERNO DE
ESTUDOS
Psicologia do
Desenvolvimento

Queridos alunos, mais uma vez estamos aqui com vocês. Que
bom! Este caderno tem seis aulas sobre as Teorias psicológicas do
desenvolvimento humano. Na primeira aula você terá a
oportunidade de conhecer um pouco da história da psicologia
assim como alguns conceitos básicos para que possamos, então,
entrar propriamente no que nos interessa dentro da psicologia que
Apresentação

é a psicologia do desenvolvimento. Aí começaremos o nosso


passeio com os teóricos. Na segunda aula falaremos de Jean
Piaget, que com toda a sua inteligência foi o primeiro escolhido
para nosso percurso. Depois, na terceira aula, conheceremos
Vygotsky e seus pontos de vista históricos e culturais, para depois
demonstrarmos os pontos de encontros e desencontros desses
dois grandes nomes da psicologia. Na quarta aula quem vem com
muita emoção e afetividade é Henry Wallon. Com Wallon
chegaremos a conclusão que é por causa da expressão e dos
sentimentos dos outros que tentamos fazer algo para mudar o
mundo a nossa volta. Por fim, na quinta aula, estudaremos o
último teórico de nosso caderno, ou seja, leremos com toda sua
teoria sobre neurose e sexualidade, Freud e os pontos principais
da psicanálise para o nosso curso. Mas não acaba por aí não, pois
na ultima aula faremos uma articulação das teorias do
desenvolvimento e o seu curso. Bom estudo!

Este caderno de estudos tem como objetivos:

 Demonstrar a importância e a contribuição da psicologia do


Objetivos gerais

desenvolvimento na formação de profissionais da saúde e


educação.
 Demonstrar a teoria epistemológia de Jean Piaget sobre como
o homem desvenda o mundo, como interage com ele e como
ele elabora as idéias.
 Demonstrar o modelo histórico-cultural de Vygotsky no que se
refere ao desenvolvimento do homem.
 Conhecer os conceitos propostos por Wallon e sua relevância
para o entendimento dos estágios do desenvolvimento no qual
destaca o papel da tonicidade para integração do corpo com o
meio físico e social.
 Provocar uma reflexão sobre alguns conceitos da psicanálise de
Freud e, principalmente, sobre as fases psicossexuais do
desenvolvimento.
 Por fim, passear pelas idades sob o olhar da psicologia do
desenvolvimento.
Introdução à

AULA
Psicologia do
Desenvolvimento
Maria Poppe

Nesta aula apresentaremos as origens da Psicologia Geral


Apresentação

enquanto ciência, buscando dar um destaque especial para os


estudos da Psicologia do Desenvolvimento que é o foco desta
disciplina. Assim como vimos, o objetivo dessa disciplina consiste
em mapear todas as fases do desenvolvimento humano e suas
características particulares, abordando as mudanças e aquisições
vividas em cada etapa. Embora estas sejam mais perceptíveis
durante o período da infância, vale ressaltar que elas ocorrem ao
longo da vida. Porém, antes de comentarmos sobre as fases do
desenvolvimento e as principais contribuições de cada teoria do
desenvolvimento, cabe aqui apresentar o ramo da Psicologia que
se destina a estudar esse assunto, isto é, a Psicologia do
Desenvolvimento.

Esperamos que, após o estudo do conteúdo desta aula, você seja


capaz de:
Objetivos

 Entender a importância da psicologia na compreensão de todas


as teorias de base que fundamentam o desenvolvimento
humano;
 Saber a influência dos fatores orgânicos no desenvolvimento
humano, mas destacando também o papel do meio ambiente
influenciando igualmente o desenvolvimento humano;
 Discutir os diferentes campos de estudo da psicologia do
desenvolvimento;
 Compreender a relevância desse tipo de estudo para a sua
formação.
Aula 1|Introdução à psicologia do desenvolvimento 8

Introdução

Bem, para entendermos o que é a Psicologia do


Desenvolvimento, seu objeto de estudo e maiores
contribuições, precisamos definir primeiro o que ela
seja. Para tal, leia o quadro abaixo que retiramos da
internet, do site da Wikipédia:

PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO

É o estudo científico das mudanças de


comportamento relacionadas à idade durante a vida
de uma pessoa. Este campo examina mudanças
através de uma ampla variedade de tópicos,
incluindo habilidades motoras, habilidades em
solução de problemas, entendimento conceitual,
aquisição de linguagem, entendimento da moral e
formação da identidade.
Dentre as questões formuladas por psicólogos do
desenvolvimento poderiamos destacar. São as
crianças qualitativamente diferentes dos adultos ou
eles simplesmente não têm a mesma experiência
dos adultos? O desenvolvimento ocorre através de
uma acumulação gradual de conhecimento ou por
mudanças de um estágio de pensamento ou outro?
As crianças nascem com conhecimento inato ou elas
percebem as coisas com a experiência? O
desenvolvimento é direcionado pelo contexto social
ou por algo dentro da criança?

Fonte:Wikipédia(http://pt.wikipedia.org/wiki/P%C3
%A1gina_princial)

Bem, agora voltemos ao assunto que devemos


iniciar nosso diálogo que é a Psicologia, ciência que deu
origem ao campo de estudo da Psicologia do
Desenvolvimento.

O que é Psicologia?

Podemos definir Psicologia como sendo o estudo


científico do comportamento, onde o termo
SÍMBOLO QUE comportamento inclui todas as respostas, isto é, atos
REPRESENTA A
CIÊNCIA DA motores e respostas fisiológicas manifestas, assim
PSICOLOGIA
como, os eventos mentais internos e subjetivos
Aula 1|Introdução à psicologia do desenvolvimento 9

(imagens, memórias, pensamentos e sentimentos).


Esses eventos podem ser externos e observáveis ou
inferidos indiretamente através de relatos verbais ou
indicadores fisiológicos. A inferência indireta se realiza,
por exemplo:

 Quando se ouve uma história ou quando se lê


um livro, pois imediatamente o mundo
imaginário será habitado por construções
próprias do ouvinte ou leitor para ilustrar os
sons e palavras que compõem o relato ou a
leitura;

 Quando se tem um aumento da freqüência


cardíaca, transpiração, rubor da face e etc.
que são indicadores fisiológicos, também,
alimentados pelos relatos ou pelas leituras.

Para que a Psicologia possa ser considerada um


estudo científico é preciso que esta apresente
características distintivas dessa modalidade de estudo,
tais como: objetividade, repetibilidade, comunicação
com outros e abordagem sistemática. Como nos aponta
Lindzey, Hall e Thompson em seu livro “Psicologia”
(1977), tais conceitos podem ser definidos da seguinte
maneira:

Objetividade envolve o estabelecimento de


definições que sejam precisas e inteiramente
compreensíveis para qualquer pessoa adequadamente
treinada, bem como, a realização de observações de tal
maneira que reflitam exatamente o que existe no
mundo real (objetivamente observado).

Definições adequadas que permitam medir


alguma coisa (estatura, dominância, inteligência,
motivação e etc.) de forma que possa ser quantificada
- isto é, que possam ser atribuídos a esta, números as
Aula 1|Introdução à psicologia do desenvolvimento 10

observações por algum meio significativo e proveitoso.


Para refletir
Desta maneira, se determina padrões, classificações e
referências.
O investigador a
partir de sua
pesquisa relata que:
uma resposta A finalidade principal da objetividade é a
seguida de
recompensa tem eliminação das tendências pessoais do observador,
maior probabilidade
de ocorrer seus preconceitos e convicções, que poderiam distorcer
novamente do que
uma resposta não ou obscurecer o acontecimento ou objeto que estivesse
seguida de
recompensa. Se o
sendo observado.
investigador
fornecer uma
adequada definição Porém, não é suficiente que os dados sejam
desses termos,
outros psicólogos coletados de maneira objetiva. É preciso ainda que, os
poderão observar
essa mesma relação resultados sejam REPETÍVEIS para que se confirme a
regularmente em
outras ocasiões coleta de dados. Além disso, uma descoberta científica
e em diferentes
situações. deve poder ser partilhada com outros, tanto no sentido
da comunicação da descoberta, quanto na possibilidade
de que a experiência seja repetida em outros
laboratórios. Caso contrário, não será possível afirmar
uma abrangência que é necessária ao experimento.

Outro compromisso fundamental de uma


disciplina científica é o de lidar com os eventos
estudados de uma forma METÓDICA e ABRANGENTE.
Sendo assim, um investigador não pode tratar de
tópicos interessantes isolados e deixar sem resposta
questões significativas que estejam relacionadas ao
campo observado.

É, então, o essencial da teoria


psicológica tornar racional e
sistemática a busca do psicólogo por
uma compreensão do comportamento?
Certamente que é! De fato, uma das
principais contribuições da teoria é
proporcionar tanto uma estrutura
dentro da qual as descobertas
existentes possam ser incorporadas e
vistas em suas relações umas com as
outras, quanto também um mapa
daquelas questões relevantes que
ainda não foram estudadas. Por
exemplo, podemos saber que a
esquizofrenia é caracterizada por
Aula 1|Introdução à psicologia do desenvolvimento 11

certas deficiências intelectuais e que


existe uma forte determinação
hereditária desse distúrbio. Mas qual é
a relação entre as deficiências
intelectuais e os fatores hereditários?
Em geral a tarefa do psicólogo consiste
em explorar o comportamento
sistematicamente - não por capricho,
interesse pessoal ou mesmo modismo,
mas de modo a que, eventualmente, a
totalidade dos organismos que se
comportam venha a ser descrita e
compreendida em todos os seus
aspectos.
(Lindzey, Hall & Thompson, 1977, p.5)

Dentro dessa perspectiva também trabalham os


estudiosos do desenvolvimento, pois estes estão
interessados na relação entre o tempo e a existência
humana e procuram descrever e explicar
sistematicamente às mudanças que ocorrem nos modos
de pensar, sentir e agir nas diferentes fases da vida.
Eis, então, as primeiras idéias do que podemos
denominar de estudo sobre o desenvolvimento.

ALGUNS FATORES QUE INFLUENCIAM O


DESENVOLVIMENTO HUMANO

 Hereditariedade – a carga genética estabelece o


potencial do indivíduo, que pode ou não se
desenvolver. Existem pesquisas que comprovam
os aspectos genéticos da inteligência. No entanto,
a inteligência pode se desenvolver aquém ou
além do seu potencial, dependendo das condições
do meio que encontra.
 Crescimento orgânico – se refere ao aspecto
físico. O aumento de altura e a estabilização do
esqueleto permitem ao indivíduo comportamentos
e um domínio do mundo que antes não existiam.
Pense na possibilidade de descobertas de uma
criança, quando começa a engatinhar e depois a
andar, em relação a quando esta criança estava
no berço com alguns dias de vida.
 Maturação neurofisiológica – é o que torna
possível determinado padrão de comportamento.
A alfabetização das crianças, por exemplo,
depende dessa maturação. Para segurar o lápis e
manejá-lo como um adulto, é necessário um
desenvolvimento neurológico que a criança de 2,
3 anos ainda não tem. Observe como ela segura
o lápis.
Aula 1|Introdução à psicologia do desenvolvimento 12

 Meio – o conjunto de influências e estimulações


ambientais altera os padrões de comportamento
do indivíduo. Por exemplo, se a estimulação
verbal for mais intensa, uma criança de 3 anos
pode ter um repertório verbal muito maior do que
a média das crianças de sua idade, mas, ao
mesmo tempo, pode não subir e descer com
facilidade uma escada, porque esta situação pode
não ter feito parte de sua experiência de vida.
(Bock, 1999: 99).

Campo de estudo da Psicologia do


Desenvolvimento

A Psicologia do desenvolvimento tem três


objetivos que configuram o seu campo de estudo, como
nos descreve Maria A. Cória-Sabini (2003) em
“Psicologia do Desenvolvimento” são eles:

1º. OBJETIVO: Descrição da gênese das


condutas psicomotoras, afetivas, cognitivas e sociais, e
do processo de mudança dessas condutas ao longo da
vida.

É preciso explicar porque as modificações


ocorrem e determinar os fatores, processos e
mecanismos responsáveis por elas. O campo da
Psicologia do Desenvolvimento é caracterizado por
essas questões e conduzem tanto a estudos descritivos
quanto explicativos do comportamento humano ao
longo da vida.

2º. OBJETIVO: Fatores que afetam o


desenvolvimento das condutas:

Tradicionalmente, os fatores responsáveis pela


gênese das condutas e suas modificações ao longo da
vida se apresentam divididos em fatores genéticos e
ambientais. Essa divisão também aparece com outros
nomes, tais como: Comportamento inato ou aprendido,
comportamento instintivo ou inteligente, processos de
Aula 1|Introdução à psicologia do desenvolvimento 13

maturação ou de aprendizagem etc. Dentro dessa


visão, os determinantes do comportamento estariam
divididos em duas posições antagônicas, ou seja, uma
posição que defende que cada pessoa nasce com um
conjunto de predisposições e que o curso do
desenvolvimento será normal caso seja assegurado
condições ambientais mínimas. E uma segunda posição
que define o desenvolvimento humano como uma
história de condicionamento (princípio que controla as
ações humanas de forma causal) ou como um processo
de aprendizagem social.

Sabe-se hoje que essa divisão é simplista e


pouco produtiva para a compreensão das interações
organismo-meio, que constituem a essência do
processo de desenvolvimento.

A posição atual dos teóricos do


desenvolvimento, no entanto, é de que
os assim chamados “fatores genéticos”
só podem se manifestar como
respostas ao ambiente, como também
os assim chamados “fatores
ambientais” só podem agir sobre uma
estrutura já existente que, em
última análise, é a estrutura herdada.
(Cória-Sabini, 2003, p.14)

A observação do desenvolvimento do
comportamento social do bebê no primeiro ano de vida
mostra claramente a interação entre os fatores
ambientais e genéticos no desenvolvimento. Esse
primeiro contato social do bebê só é possível porque
ele nasce com uma série de comportamentos e
capacidades, embora esses elementos sozinhos não
sejam suficientes. Essa primeira relação social também
depende de experiências e condições que a criança
encontra no ambiente, tais como: estímulos, cuidados,
atenção, afeto.
Aula 1|Introdução à psicologia do desenvolvimento 14

Portanto, as características da primeira


relação social, bem como o seu
desenvolvimento posterior, são o
resultado da interação organismo-
meio; não são nem inteiramente pré-
programadas (genéticas), nem
resultantes apenas de aprendizagem
(ambientais).
(Cória-Sabini, 2003, p.14)

3º. OBJETIVO: Identificação de estágios ou fases


no desenvolvimento:

Todas as pesquisas realizadas no campo do


desenvolvimento apontam semelhanças na forma de
pensar, agir e sentir de indivíduos dentro de uma
mesma faixa etária, além de apontar que há variações
ao longo das idades. Essas descobertas possibilitaram
o emprego de conceitos tais como estágios, períodos,
fases para descrever o desenvolvimento humano.
Sendo assim, o desenvolvimento se dá por estágios ou
etapas que se diferenciam pela qualidade da cognição,
do comportamento, das relações afetivas, etc.

A identificação das mudanças que ocorrem ao


longo do desenvolvimento humano serviu para
estabelecer um referencial na avaliação do progresso
individual, além do que as expectativas de
comportamento para cada idade acabaram se tornando
um sistema de controle de conduta individual. O termo
“controle” pode ser empregado, uma vez que
instituições como a escola e a família passam a adotar
como referência os parâmetros estabelecidos pelos
estudiosos para comparar comportamentos e exigir
atitudes frente a determinadas situações. Assim agindo,
não somente produzem expectativas como também
conflitos que influenciam os aspectos emocionais no
desenvolvimento global que também comparecem no
espaço escolar.
Aula 1|Introdução à psicologia do desenvolvimento 15

Algumas teorias contribuíram com conceitos


importantes para o conhecimento dos processos
envolvidos no desenvolvimento e, embora, essas teorias
apresentem enfoques distintos existem princípios que são
comuns a todas. Dentre estes destacam-se:

 A transição de um estágio para outro se dá


dentro de um processo de integração e não
pela justaposição de etapas estranhas entre si;
 A ordem de sucessão dos estágios é
constante;
 As idades que delimitam um determinado
estágio podem variar dentro de certos limites.

Maria A. Cória-Sabini (2003) aponta três


motivos para que esse aspecto normativo das teorias
tenha sido bem aceito por profissionais e por leigos.

O PRIMEIRO MOTIVO é que a existência de


normas a respeito do desenvolvimento possibilita a
criação de condições ideais para o aparecimento ou
avaliação de certas condutas, estabelecendo pontos
referenciais formais ou informais na vida social.

EXEMPLO: Produtos e serviços que são oferecidos a


partir de pesquisas realizadas para atingir um
determinado público ou faixa etária.

O SEGUNDO MOTIVO baseia-se no fato de que


as normas podem ser tomadas como um referencial
para uma auto-avaliação, ou seja, a existência de um
referencial definido, comum a uma determinada fase,
pode auxiliar a minimizar as crises e propiciar melhor
adaptação aos desafios ambientais.

EXEMPLO: A conversa entre mães que têm filhos


adolescentes, a troca de experiências, faz com que
estas tenham maior serenidade para lidar com a tão
falada “crise da adolescência”. Uma vez que, o
isolamento nessas situações gera mais ansiedade,
assim como outros sentimentos que se identificam
com fracasso e ineficiência na relação com os
adolescentes.
Aula 1|Introdução à psicologia do desenvolvimento 16

E o TERCEIRO MOTIVO é que a existência de


normas oferece referencial para pesquisa. Várias
teorias admitem a existência de estágios e de inter-
relação entre eles, essas teorias estimularam várias
pesquisas que investigaram as etapas, os processos ou
mecanismos que determinam a sucessão dos estágios e
a relação entre eles. Esses estudos investigaram os
aspectos emocionais, cognitivos e sociais do
desenvolvimento.

Dentre as teorias voltadas para o estudo do


desenvolvimento humano duas exerceram influência
decisiva: A teoria de Jean Piaget (abordando a
dimensão cognitiva) e a Psicanálise (abordando a
dimensão emocional-afetiva). Porém, não há uma
teoria que dê conta do desenvolvimento em todas as
suas dimensões, na medida em que as teorias acabam
por privilegiar um aspecto em detrimento de outros.

Fica claro, então que:

...Para entender o comportamento de


um indivíduo particular, em qualquer
etapa do seu desenvolvimento, é
necessário conhecer não apenas as
mudanças cognitivas, sociais,
emocionais e biológicas que ocorrem,
mas também qual o impacto que cada
uma delas pode ter sobre as outras. O
desenvolvimento é um processo
unitário e individual.
(Cória-Sabini, 2003, p.18-19)

Torna-se fundamental o conhecimento das


diferentes teorias e abordagens uma vez que, nenhuma
delas compreende o conjunto da complexidade
humana. O desenvolvimento de cada criança é
multideterminado, ainda que, os estudos procurem
encontrar aspectos comuns e universais, pois é dessa
forma que a ciência se organiza.
Aula 1|Introdução à psicologia do desenvolvimento 17

Um pouco de história

Antes de chegarmos a apresentar as principais


contribuições de cada teoria do desenvolvimento
precisamos pensar de que forma teve início a
investigação sobre o desenvolvimento. Por onde
começaram os pesquisadores? Quais os aspectos
históricos envolvidos no nascimento da Psicologia do
Desenvolvimento?

Podemos dizer que as idéias de Darwin (1809-


1882) sobre a evolução das espécies e do
comportamento serviram de estímulo para que os
pensadores pudessem perceber a criança como fonte
de informação sobre a natureza humana e que a
investigação sobre o desenvolvimento humano teve
seu início pelo estudo da infância. Mas o conceito de
infância foi sempre o mesmo? A criança sempre foi
vista como um indivíduo que precisa ser cuidado,
protegido e orientado? Não. Por incrível que pareça,
até o século XVII a criança era considerada um adulto
em miniatura, ou seja, acreditava-se que os
sentimentos, as ações e o raciocínio de uma criança
eram constituídos dos mesmos elementos básicos
daqueles dos adultos e essa concepção era
determinante no tratamento que a sociedade dava as
crianças (Ariès, 1981).

Sabe-se que até o século XVII as crianças só


recebiam tratamento especial até os sete anos e,
depois disso, elas eram inseridas na comunidade dos
adultos e passavam a desempenhar as mesmas
atividades que eles.

EXEMPLO: As crianças que pertenciam às classes


menos privilegiadas trabalhavam no campo,
vendiam nos mercados e aprendiam um ofício.
Aula 1|Introdução à psicologia do desenvolvimento 18

E nas famílias mais abastadas? Será que a


criança era vista da mesma forma? Sim, nessas
Dica da
professora famílias, também, não era dispensado nenhum
tratamento especial. Como nos mostra Maria A. Cória-
Você deve estar se
perguntando: Essas Sabini em Psicologia do Desenvolvimento:
mudanças
ocorreram ao
mesmo tempo nas ...Era comum que as crianças
classes baixas e na
burguesia? começassem a escolarização aos
quatro ou cinco anos de idade. O
Não. A gradativa
mudança no
ensino esforçava-se para ser
conceito de infância, enciclopédico e para desenvolver as
a percepção da faculdades mentais de atenção,
criança como um memória, abstração etc. Por isso era
indivíduo em
formação, que
árduo e difícil. O método empregado
necessita de era a repetição em voz alta das
cuidado, proteção e informações dadas pelo mestre. Como
orientação era ninguém dava importância à
exclusiva dos
aristocratas e dos
compreensão no processo de
burgueses. A classe aprendizagem, não se questionava a
baixa, até o século dificuldade dos assuntos ensinados,
XIX, fazia nem se prestava atenção às diferenças
pouquíssima
distinção entre
individuais. As classes eram compostas
crianças e adultos, com elementos de todas as idades.
submetendo, Assim, ninguém se espantava ao ver
inclusive, suas meninos de sete anos e jovens de
crianças as mesmas
faltas legais que os
dezoito recitando juntos uma lição.
mais velhos. (2003, p.23)

A partir do século XVII, o conceito de infância


vai se transformando, alguns pensadores começam a
defender a idéia de que a mente da criança é diferente
da mente do adulto, a igreja afasta as crianças dos
assuntos ligados ao sexo, alegando a inadequação
dessas vivências para formação do caráter e da moral
dos indivíduos e estabelece-se o ensino graduado e a
formação de classes com crianças da mesma idade. As
famílias começam a se preocupar com os assuntos e
ações que possam prejudicar a formação moral de seus
filhos.

EXEMPLO: Proibição a participação das crianças em


festas públicas e orgias.
Aula 1|Introdução à psicologia do desenvolvimento 19

Dois aspectos foram fundamentais para que a


sociedade mudasse o tratamento dispensado as
crianças, foram eles:

 O grande número de crianças que não


sobreviviam à infância;
 O crescimento da burguesia.

Com isso, a infância passa a ser considerado um


período importante do desenvolvimento, momento de
formação do caráter e da moral. A criança ganha um
lugar diferenciado na família e a família acaba por
assumir a responsabilidade pelo pleno desenvolvimento
dos seus filhos.

Com a evolução do conceito de infância surgem


os primeiros estudos no campo do desenvolvimento
infantil (décadas de 1920 e 1930). Nesse momento, os
investigadores buscam obter um padrão normativo
para o desenvolvimento físico, motor e social do ser
humano.

E de que forma se deram? Como eram esses


estudos?

Os estudos baseavam-se na observação das


atividades de bebês nos seus primeiros anos de vida e
buscavam responder perguntas, como: Com que idade
o bebê consegue sentar sem ajuda? E andar? Quando
aparece o primeiro sorriso social?

O que percebemos é que esses estudos


intencionavam descrever e articular as mudanças de
comportamento de acordo com a idade e com as
variações existentes entre crianças de uma mesma
faixa etária, possibilitando, assim, a criação de padrões
de desenvolvimento.
Aula 1|Introdução à psicologia do desenvolvimento 20

Este tipo de pesquisa é chamado de


Para refletir descritivo. Nas pesquisas descritivas a
idade é a variável mais importante, e
as descrições são, primariamente,
Como o pediatra
poderia avaliar
sobre diversos comportamentos que
fidedignamente caracterizam um determinado nível de
essa criança se não desenvolvimento.As tabelas normativas
tivesse resultantes desses estudos representam
conhecimento dos
estágios do
uma contribuição muito importante e
desenvolvimento até hoje proporcionam conhecimentos
infantil? Nesse caso, úteis para pediatras, pais e
não seria útil a educadores.
utilização das
(Cória-Sabini, 2003, p.24 e 25)
escalas de
desenvolvimento?

Você deve estar se perguntando: Para que serve


uma tabela que aponte o comportamento esperado em
cada idade?

É simples: Embora saibamos que o


desenvolvimento de cada criança é multideterminado e
que isso possibilita variações no tempo de aquisição
das aprendizagens, esta pode estabelecer níveis,
estágios de desenvolvimento, que ofereçam o
conhecimento de um padrão de normalidade esperado
para cada faixa etária, facilita a identificação de
problemas e a aplicação de medidas para
enfrentamento dos obstáculos percebidos.

Por Exemplo: Uma mãe chega ao pediatra


preocupada porque sua filha de três anos ainda não
fala. Ela diz: Doutor, tenho observado, na pracinha que
eu freqüento, que todas as crianças com mais de dois
anos e meio estão falando, e minha filha ainda não fala
nem mamãe, será que ela tem algum problema?

Como nos aponta Clara R. Rappaport (1981) em


Psicologia do Desenvolvimento:

...A partir da elaboração destas


escalas, de certa forma, o
desenvolvimento de cada criança
poderia ser medido e comparado com
o que se esperava para a sua faixa de
idade ou com o comportamento
considerado “normal”.
(Rappaport, 1981, p. 2)
Aula 1|Introdução à psicologia do desenvolvimento 21

E mais:

Fica claro então que o psicólogo do


desenvolvimento, através da pesquisa
(descrição precisa dos fenômenos
comportamentais individuais ou em
situação de interação social) e da
teorização (tentativa de explicar e
integrar os dados das pesquisas num
todo coerente e unitário), oferece
subsídios para a compreensão:
a) Do processo normal de
desenvolvimento numa determinada
cultura. Isto é, conhecimento das
capacidades, potencialidades,
limitações, ansiedades, angústias mais
ou menos típicas de cada faixa etária;
b) Dos possíveis desvios, desajustes e
distúrbios que ocorrem durante o
processo e podem resultar em
problemas emocionais (neuroses,
psicoses), sociais (delinquência, vícios,
etc.), escolares (repetência, evasão,
distúrbios de aprendizagem) ou
profissionais.
(Rappaport, 1981, p.4)

Com isso, percebemos que a Psicologia do


Desenvolvimento enriquece o trabalho de profissionais
na medida em que seus estudos permitem
circunscrever as habilidades, capacidades e limitações
de cada faixa etária nos vários aspectos da
personalidade, sejam eles: motores, emocionais,
intelectuais e etc. Tais informações viabilizam a criação
de programas escolares, esportivos, recreativos, assim
como de metodologias de ensino, adequadas a idade
cronológica e a escolaridade.

Vale destacar que, o desenvolvimento humano deve


ser entendido como uma globalidade, mas, para
efeito de estudo este tem sido abordado a partir de
quatro aspectos básicos, são eles:

 Aspecto físico-motor – se refere ao crescimento


orgânico, à maturação neurofisiológica, à
capacidade de manipulação de objetos e de
exercício do próprio corpo. Exemplo: a criança
leva a chupeta à boca ou consegue tomar a
mamadeira sozinha, por volta dos 7 meses,
porque já coordena os movimentos das mãos;
Aula 1|Introdução à psicologia do desenvolvimento 22

 Aspecto intelectual – é a capacidade de


pensamento, raciocínio. Por exemplo, a criança
de 2 anos que usa um cabo de vassoura para
puxar um brinquedo que está embaixo de um
móvel ou o jovem que planeja seus gastos a
partir de sua mesada ou salário;
 Aspecto afetivo-emocional – é o modo particular
de o indivíduo integrar as suas experiências. É o
sentir, A sexualidade faz parte desse aspecto.
Exemplos: a vergonha que sente em algumas
situações, o medo em outras, a alegria de rever
um amigo querido;
 Aspecto social – é a maneira como o indivíduo
reage diante das situações que envolvem outras
pessoas. Por exemplo, em um grupo de crianças,
no parque, é possível observar algumas que
espontaneamente buscam outras para brincar
enquanto outras permanecem sozinhas.

Todas as teorias do desenvolvimento humano


partem do pressuposto de que esses quatro
aspectos são indissociados, mas elas podem
enfatizar aspectos diferentes, isto é, estudar o
desenvolvimento global a partir da ênfase em um
dos aspectos. (Bock, 1999: 100)

Agora que já apresentamos a Psicologia do


desenvolvimento, seu alcance e objetivos e mostramos
os aspectos históricos implicados no seu nascimento,
cabe falarmos aprofundadamente das teorias do
desenvolvimento que compõe o seu corpo teórico.
Destacaremos as importantes contribuições de Piaget,
Vygotsky, Wallon e Freud.

Bem, mas antes de iniciarmos essa nova etapa,


proponho a você a realização de exercícios que busca
fixar o conteúdo dado e também estimular a reflexão a
respeito do tema trabalhado.
Aula 1|Introdução à psicologia do desenvolvimento 23

RESUMO

Vimos até agora:

 A definição de Psicologia e seus fundamentos


científicos, que permitem validar uma
observação com critérios e repetições de
experimentos;

 A caracterização do desenvolvimento humano


que recebe influência de diferentes fatores
hereditários, orgânicos, maturacionais e
ambientais, e assim, marcam o conjunto das
diferenças individuais tão ricas na experiência
docente;

 O campo de estudo da Psicologia do


Desenvolvimento que integra a gênese das
condutas globais da criança e todo seu processo
de mudanças, os fatores que afetam o
desenvolvimento de condutas e a identificação
de estágios no desenvolvimento;

 Uma breve história da Psicologia do


Desenvolvimento com considerações sobre a
visão da infância que teve influências históricas,
culturais e sociais.
24
Jean Piaget e o

AULA
desenvolvimento
cognitivo
Eunice do Vale Madeira

Nesta aula o nosso convidado é Jean Piaget. Jean Piaget foi um


epistemólogo suíço que por mais de quarenta anos realizou
pesquisas com crianças. A teoria de Piaget revolucionou a
compreensão que se tinha a respeito do desenvolvimento
Apresentação

intelectual. Ele explicou o desenvolvimento mental do ser humano


no campo do pensamento, da linguagem e da afetividade.Piaget
postulou que o desenvolvimento cognitivo se realiza em estágios e
com isso ele demonstrou que a natureza e as características da
inteligência mudam significativamente com o passar do tempo.
Além disso, relacionou o desenvolvimento cognitivo à maturação e
a experiência, ou seja, ele acreditava que as características
biológicas da criança impõem alguns limites na ordem e rapidez
em que as competências cognitivas emergem, embora acreditasse
que a experiência ativa com o mundo era decisiva para o
desenvolvimento cognitivo. Sendo assim, maturação e experiência
não podem ter papéis isolados no desenvolvimento. A exploração
e atuação no meio ambiente por parte da criança propiciam um
desenvolvimento cognitivo melhor.

Esperamos que, após o estudo do conteúdo desta aula, você seja


capaz de:
Objetivos

 Conceituar os principais tópicos propostos por Piaget;


 Discutir sobre as fases do desenvolvimento da inteligência;
 Reconhecer que a concepção de Piaget sobre a influência do
ambiente é determinante na construção da inteligência;
 Saber que para Piaget as teses sobre o inatismo da inteligência
estão superadas;
 Fazer uma relação entre a teoria Piagetiana e seu curso.
Aula 2 | Jean Piaget e o desenvolvimento cognitivo 26

Introdução

Nesta aula, você conhecerá um pouco do pensar


humano.

O pensamento é uma coisa à toa, mas


como é que a gente voa quando
começa a pensar…

Entender como o Homem desvenda o mundo,


como interage com ele, como elabora idéias que o
auxiliam a ser um construtor de seu “habitat”, sempre
foi motivo de pesquisa entre pensadores, cientistas e
filósofos. Entre eles, um nome se destaca: Jean Piaget,
biólogo, epistemólogo, nascido em Neuchâtel, Suíça, no
ano de 1896 e falecido em 1980.

Desde menino, o interesse científico de Piaget


era notório. Ainda jovem e com pouco tempo de
formado, interessou-se pela magia do pensamento
humano. Seus estudos que configuraram a Teoria da
Epistemologia Genética, ainda, são considerados como
um dos pilares para o conhecimento do
desenvolvimento cognitivo, até mesmo nos meios
científicos.

 Piaget significa para a inteligência o


que Freud representa para a
afetividade.
(Dolle)

 A teoria de Piaget é tão simples que


somente um gênio a poderia ter
concebido.
(Einstein)

Para Piaget, o homem é um sistema aberto. A


resposta do ambiente contribui para um processo
constante de reorganização mental, auto-regulando-o.
Sua visão teórica é interacionista: o Homem é produto
de uma bagagem genética que se desenvolve no meio
social.
Aula 2 | Jean Piaget e o desenvolvimento cognitivo 27

Trabalhou inicialmente com dois psicólogos


franceses - Binet e Simon (escala de inteligência) - e se
interessou pelas respostas erradas, concluindo que tais
respostas eram consideradas erradas por serem
analisadas a partir do ponto de vista do adulto. "As
respostas infantis têm uma lógica própria".

Sua grande busca sempre foi entender a gênese


das estruturas lógicas do pensamento da criança, como
se organizam suas ações inteligentes. Sua pergunta é:
como se dá o conhecimento?

O conhecimento não procede nem da


experiência única dos objetos nem de
uma programação inata pré-formada
no sujeito, mas de construções
sucessivas com elaborações
constantes de estruturas novas.
(Piaget, 1976)

Para Piaget, o desenvolvimento psíquico é


semelhante ao desenvolvimento orgânico, tem uma
direção - equilíbrio progressivo. Em sua ótica a
inteligência é uma adaptação na busca do equilíbrio
entre o organismo e o meio. Ela é construída através
do contato com o meio e as experiências vividas -
AÇÃO.

Elementos da teoria piagetiana

Como se pode perceber, Piaget concebe o ser


humano enquanto um ser que se constrói na relação
com o meio – um ser que aprende na relação sujeito-
objeto.

Vejamos alguns elementos de sua teoria:


Aula 2 | Jean Piaget e o desenvolvimento cognitivo 28

HEREDITARIEDADE

Dica da
professora O indivíduo herda:

Neste ponto
devemos lembrar  Estruturas biológicas;
que, Piaget como
 Um organismo que amadurece em contato
biólogo foi
fortemente com o meio ambiente;
influenciado pela
tese Darwinista da  Capacidades cujo desenvolvimento depende
evolução das
espécies. do meio ambiente.
“Piaget licenciou-se
em 1915, em
ciências naturais,
com uma tese em ADAPTAÇÃO
biologia sobre
moluscos. Tais
estudos permitiram-
lhe incorporar as Adaptação é a forma adequada para se lidar com
discussões
situações novas. Acontece por dois processos:
decorrentes da
teoria da evolução assimilação e acomodação.
de Darwin” (COSTA,
2001)

E de que forma, por meio de que processos


ocorre essa adaptação do organismo às exigências do
meio?

Os seres humanos interagem


continuamente com o ambiente,
organizando suas vivências e formando
novas estruturas organizacionais em
resposta a novas experiências. Esse
processo de adaptação ocorre através
de dois processos complementares:
ASSIMILAÇÃO E ACOMODAÇÃO (grifo
nosso).
(Conger,J.J.; Huston,A .C.; Kagan,J.
Mussen, P.H., 1990, p. 240).

ASSIMILAÇÃO – É o processo de incorporação


dos desafios e informações do meio aos esquemas
mentais existentes, ou seja, se refere aos esforços
realizados pelo indivíduo para lidar com o ambiente,
buscando ajustá-lo às estruturas já existentes no
organismo. Assimilação é a tentativa de solucionar uma
situação, utilizando uma estrutura mental já formada. É
semelhante à assimilação biológica. (Exemplo: alimento
conhecido X alimento novo).
Aula 2 | Jean Piaget e o desenvolvimento cognitivo 29

 Acomodação - É a tentativa de solucionar


uma situação nova buscando novas maneiras
de agir, considerando as propriedades do
objeto. Consiste em diferenciar cada vez
mais, refinadamente, os esquemas de ação
para os adaptar melhor às condições
cambiantes do campo de atividade,
contribuindo, ao mesmo tempo, para a
criação de esquemas novos.

O sujeito se constrói como sujeito enquanto


constrói o objeto. Os processos de acomodação levam
o sujeito a estabelecer relações de objetividade com o
mundo. Ao estruturar o objeto, a criança estrutura a si
mesma enquanto sujeito. Quanto mais o mundo
adquire coerência, mais ela própria se torna coerente.

ACOMODAÇÃO é o processo de criação ou


mudança de esquemas mentais em conseqüência da
necessidade de assimilar os desafios ou informações do
meio. Através da acomodação, os conceitos são
mudados em resposta às exigências ambientais. A
acomodação é o complemento da assimilação.

Usemos um exemplo para ilustrar melhor os


processos de assimilação e acomodação:

Para uma criança de cinco anos todo animal que


tiver bico, tiver asas e voar é considerado uma ave. Ao
visitar a fazenda do seu tio se depara com um avestruz
e o ASSIMILA ao seu conceito de ave. Porém fica
intrigada porque o avestruz é muito maior do que as
aves que ela já viu e seu tio lhe contou que avestruz
não voa. Ela se pergunta: Será que avestruz é uma
ave? (ISSO A COLOCA NUM ESTADO DE
DESEQULÍBRIO).

Ela pode ACOMODAR novas informações sobre o


avestruz e com isso alterar seu conceito de ave ou
Aula 2 | Jean Piaget e o desenvolvimento cognitivo 30

ainda formar um novo conceito diferente de ave -


formar um conceito (avestruz), o que permitirá que ela
reconheça um avestruz quando o vir. Essa acomodação
a deixará por um tempo em estado de equilíbrio ou
estabilidade cognitiva.

... Piaget supôs que todos os


organismos lutam pelo equilíbrio.
Quando o equilíbrio cognitivo é
perturbado – por exemplo, quando
alguma coisa é encontrada – os
processos de assimilação e
acomodação funcionam de modo a
restabelecê-lo. O estabelecimento do
equilíbrio é, às vezes, chamado
equilibração.

A Assimilação e a Acomodação quase


ocorrem juntas. A criança primeiro
tenta entender uma nova experiência,
usando velhas idéias e soluções
(assimilação); quando elas não
funcionam, a criança é forçada a
mudar sua estrutura ou entendimento
do mundo (acomodação).
(Conger,J.J.; Huston,A .C.; Kagan,J.
Mussen, P.H., 1990, p.241).

Durante toda a vida haverá interação entre os


processos de assimilação e acomodação. Todas as
adaptações cognitivas são resultantes desses
processos, em função dessa constância Piaget chamou
esses processos (assimilação e acomodação) de
INVARIANTES FUNCIONAIS.

É importante ressaltar que embora os processos


de assimilação e acomodação sejam invariáveis, as
estruturas mentais se formam e são modificadas ao
longo da vida.

ESQUEMA

Unidade estrutural básica de pensamento ou de


ação e que corresponde, de certa maneira, à estrutura
biológica que muda e se adapta. Agir é coordenar
esquemas entre si.
Aula 2 | Jean Piaget e o desenvolvimento cognitivo 31

 O bebê ao nascer possui reflexos e sensação.


Ele age através das funções tônica e de
Dica da
motilidade e estabelece uma comunicação professora

tônico-afetiva. Essa é a primeira forma de


O reflexo de
comunicação do ser humano. Por esse preensão é uma
situação simples que
processo, o bebê vai organizando suas podemos observar
sensações e utilizando intencionalmente seus no cotidiano de uma
criança. Procure
reflexos. analisá-lo sob a
perspectiva
piagetiana da
próxima vez!
Exemplo - Reflexo de preensão - O bebê, ao
nascer, agarra tudo que for colocado na palma de sua
mão. Com a maturação biológica e com estímulos do
ambiente, a criança desenvolverá um ESQUEMA DE
PREENSÃO que associado ao olhar lhe permite trazer o
objeto que está no seu alcance para junto de si
(exemplo: colocar a chupeta na boca).

EQUILÍBRIO

DESENVOLVIMENTO X DESENVOLVIMENTO
MENTAL ORGÂNICO

* Equilibração das * Equilíbrio orgânico


estruturas cognitivas
(inicialmente esquemas
sensoriais-motores).

* Diferentes
possibilidades de
interagir com o
ambiente em diferentes
faixas etárias.

Segundo Piaget, o desenvolvimento cognitivo é


explicado através de quatro fatores que, ao se
processarem, permitem tal desenvolvimento. São eles:

 Maturação - É o crescimento fisiológico das


estruturas orgânicas hereditárias.
 Experiência
 Física - Possibilita o conhecimento físico
através da observação.
Aula 2 | Jean Piaget e o desenvolvimento cognitivo 32

Ex.: a bola rola; o vidro quebra; o gelo derrete


na água, a areia não.
Quer
saber mais?

 Conhecimento lógico-matemático - A partir


O conceito de
equilíbrio, Piaget foi
daí, a criança constrói relações lógicas.
buscá-lo na Física,
onde todo corpo
tende a busca de
uma homeostase ou Ex.: Enfileirar 10 pedras. Contar em diferentes
estado de equilíbrio.
direções. Refazer o desenho e contar novamente.
Descoberta de que a soma independe da ordem.

 Transmissão social - informações


contraditórias ou desafiadoras.

 Equilibração - É o processo que produz


coordenação entre a acomodação e a
assimilação.

Coordena e regula os três fatores anteriores,


fazendo surgir estados progressivos de equilíbrio.

Obs.: Esses estados não são permanentes.

A criança, ao nascer, inicia seu processo de


equilibração sucessiva e progressiva por meio do
desenvolvimento das estruturas da inteligência. Isto
ocorre em quatro períodos distintos, cuja ordem é fixa.
Em cada período, o indivíduo tem um modo típico de se
relacionar com o mundo, determinado por uma
estrutura mental característica que possibilita uma
forma particular de raciocínio.

O processo de equilibração

O processo de equilibração sucessiva se


caracteriza em cada um dos seguintes períodos:
Aula 2 | Jean Piaget e o desenvolvimento cognitivo 33

 Período da inteligência sensório-motora (0 - 2


anos);
 Período da inteligência simbólica ou pré-
operatória (2 - 7 anos);
 Período da inteligência operatória concreta (7
- 11/12 anos );
 Período da inteligência operatória formal (a
partir de 11/12 anos com patamar de
equilíbrio entre 14/15 anos).

I - PERÍODO SENSÓRIO-MOTOR (0-2 ANOS)

CONQUISTA DO MUNDO
(evolução psíquica)

Importante

Quantos mitos e
Percepção Movimentos crendices foram
superados com
esses estudos. Pois
foi confirmada a
existência da
herança biológica
Esse período se desenvolve em três dos reflexos e da
discriminação de
estágios: sensações que
contribuem para o
desenvolvimento do
bebê.
1) Dos reflexos.

Características:

 Melhoria da interação através de exercício;


 Impulsos instintivos alimentares.

2) De organização das percepções e hábitos.

Exemplos:

 Sucção sistemática do polegar;


 Virar a cabeça em direção ao ruído;
 Seguir um objeto em movimento.
Aula 2 | Jean Piaget e o desenvolvimento cognitivo 34

3) De inteligência senso-motora.

 Inteligência prática (anterior à organização do


pensamento);
 Manipulação de objetos em lugar de palavras
e conceitos (esquemas de ação).

Ex.: pegar uma vareta para alcançar um objeto;

 procura de objeto fora do campo da


percepção (coberto com um lenço - mais ou
menos 1 ano).

Dica de
leitura
Nesse estágio, dois processos fundamentais
ocorrem:
Para brincar com o
tempo, utilize com
seus alunos o livro  Construção de categorias e de objetos.
Alice no País das
Maravilhas, de Lewis
Carroll.
Lewis Carroll foi um
Ao categorizar, a criança aprende a agrupar
professor de objetos por atributos.
matemática, inglês,
que se tornou
famoso com este
livro. A sua primeira
Ex.: separar carros de bolas.
tradução para o
português foi feita
por Monteiro Lobato  Construção da causalidade e do tempo.
por volta de 1930 é
uma das obras-
primas da literatura Aos 2 anos, a criança estrutura a noção de
infantil mundial.
espaço (ligada ao movimento) - um espaço geral que
compreende os outros, caracterizando as relações dos
objetos entre si.

Causalidade - É a relação entre um resultado


empírico e a ação que o atraiu (esquema causal).

Ex.: Descobrir que, puxando um cordão, o


brinquedo se movimenta.

Manifestação de sentimentos elementares ou


afetos perceptivos ligados à própria atividade.

Ex.: prazer, dor, agradável, desagradável,


interesse pelo próprio corpo etc.
Aula 2 | Jean Piaget e o desenvolvimento cognitivo 35

Obs.: Todos os aspectos enumerados são


diretamente influenciados e, ao mesmo tempo,
Dica da
influenciam na afetividade e inteligência. professora

Importante
Exemplificando: identificar que nesse
período o mundo
que existe para a
Uma criança de dez meses vê, por acaso, uma criança é o mundo
percebido. O objeto
valise no canto oposto da sala. Fixa o olho no objeto. deixa de existir
quando não
Começa a deslocar-se em direção a ele. Faz todo o alcançado mais pelo
campo visual.
sacrifício imposto por um deslocamento desajeitado – Observe crianças,
ainda menores, que
arrastando-se, esbarrando nos móveis e paredes- choram na ausência
de seus cuidadores,
enquanto consegue avistar a valise. Se em um dado mesmo que por
breve período de
momento, perdê-la de vista, em função de um tempo. A existência
do objeto é em
anteparo, sua atenção se voltará para um outro objeto tempo real, pois não
interessante que esteja ao seu alcance e visível no seu há condições de
fixação, na memória
novo campo visual, dedicando sua atenção e daquele objeto.

movimentos corporais a esta nova imagem,


esquecendo-se do objetivo do deslocamento anterior
(Furth, 1986).

Como podemos perceber, neste exemplo, a


criança demonstrou vários conhecimentos práticos. Foi
capaz de fixar seus sentidos e a orientação do corpo
em coisas que lhe atraíam o interesse e mostrou-se
capaz de coordenar essa habilidade com eficiência.
Entretanto, não foi capaz de um comportamento mais
estável em relação ao primeiro objetivo de alcançar a
valise. Sua atenção mostrou-se inteiramente
dependente da ação.

II - PERÍODO PRÉ-OPERACIONAL (2 - 7 ANOS)

Este é um período marcado pelo aparecimento


da linguagem, capacidade de reconstituir ações
passadas (narrativa) e antecipar ações (representação
mental), o que causa profundas mudanças tanto na
área afetiva quanto cognitiva. É também um poderoso
agente de socialização, da organização do pensamento
Aula 2 | Jean Piaget e o desenvolvimento cognitivo 36

(interiorização da palavra) e de experiências mentais


Para
pesquisar
(interiorização da ação).

Piaget fala do Tais mudanças não são bruscas, elas ocorrem


egocentrismo em
dois níveis: em transformações lentas e sucessivas. É preciso que a
intelectual e social.
Procure pesquisar e criança reconstrua o objeto, o espaço, o tempo, as
diferenciar estes
conceitos. categorias lógicas de classes e de relações no plano da
representação. Entretanto, é preciso ressaltar que esta
é uma representação simbólica, uma vez que a criança
não pensa propriamente, mas vê mentalmente o que
evoca, no plano do egocentrismo intelectual, pois sua
inteligência ainda não é reversível e ela ainda opera no
concreto. Ela transporta o mundo para sua cabeça,
transformando o real ao sabor de suas necessidades e
desejos.

Esse período se subdivide em dois estágios:

a) Estágio Pré-Conceitual (2 - 4 anos).

 A criança opera em nível de representação


simbólica (imitação);
 Pensamento egocêntrico (não é capaz de se
colocar no lugar do outro).
Dica da
professora

É a indiferenciação entre o ponto de vista


Observe crianças em
creche, há pouca próprio e os pontos de vista dos outros ou entre a
socialização. As
brincadeiras são atividade própria e as transformações do objeto. É um
isoladas, seu
universo imaginário
fenômeno inconsciente. É uma absorção do eu nas
é grande suficiente coisas e nas pessoas com indiferenciação, uma vez que
para falar com
animais, objetos e atribui ao outro qualidades provenientes de si ou da
“amigos fantasmas”.
Assim como, tudo perspectiva particular em que está envolvido. A criança
que está ao seu
alcance é “SEU”, não relativiza por ausência de descentração. O
puro egocentrismo.
egocentrismo confunde aparência com realidade,
manifestando-se na representação que a criança faz de
si no mundo.
Aula 2 | Jean Piaget e o desenvolvimento cognitivo 37

 Animismo - presume que todos os objetos


estão vivos - Provém de uma assimilação das
coisas à própria atividade.
 Linguagem egocêntrica – sem a preocupação
de comunicação com o outro.
 Raciocínio transdutivo - o raciocínio vai do
particular para o particular.

É a justaposição de elementos sem vinculá-los.


A criança não estrutura suas idéias em conceitos, como
o adulto, mas em pré-conceitos. São particulares no
sentido em que evocam realidades igualmente
particulares, possuindo um correlato simbólico próprio
de cada criança.

Ex.: Conta-se que uma criança de três anos, em


dia de verão ensolarado, estranhou ao ver sua mãe
com óculos escuros de grandes lentes. Esta,
percebendo, tirou-o. E a criança, abrindo um largo
sorriso exclamou: “- Agora você é minha mãe!”.

Outra situação interessante é a da criança que,


em viagem com a sua família, tendo visto uma barata
na garagem de sua casa ao entrar no automóvel e,
coincidentemente avistando outra barata que passava
pelo chão do local para onde fora, exclamou: “- Ela
também veio!”

 Finalismo - tudo tem um porquê;


 Artificialismo - As coisas foram construídas
(as montanhas crescem - os lagos foram
escavados) São esquemas de assimilação
egocêntrica;
 Imitação diferida - É a formação de um
símbolo mental de algo que a criança vê e
mais tarde imita.
Aula 2 | Jean Piaget e o desenvolvimento cognitivo 38

b) Estágio Pré-Lógico ou Intuitivo (4 - 7 anos).

 Raciocínio pré-lógico (baseado em


experiências perceptuais). A criança considera
a imagem mental em toda sua concreticidade
e a organiza mentalmente, sem conseguir
utilizá-las em outros lugares de sua organização
mental. Exemplo: O objeto não pode ter duas
funções. Se a mão se chama Maria, mais
ninguém poderá ser Maria também. E diz ao
coleguinha: “A minha mãe que é Maria, a sua
mãe não é Maria, ... não é.”

Ao final deste período, a criança se encontra em


fase intermediária de não conservação e conservação. É
o início das ligações entre estados e transformações,
tornando possível pensá-las sob a forma reversível.

 Centração - enfoque em apenas um estado de


uma situação (volume, comprimento, etc.)

Obs.: Aos 5 anos a criança não considera altura


e largura.

Por exemplo: Ao lhe mostrar dois objetos


semelhantes às figuras acima, um vazio e outro cheio
de água (ambos têm o mesmo volume) e, mesmo
passando o líquido de um para o outro recipiente na
frente dela, ao lhe perguntar em qual cabe mais a
criança não considerará a altura e a largura para
responder. Poderá até dizer que são iguais, mas ao se
questionar o porquê, dirá que viu todo o líquido passar
de um para o outro recipiente.

Pelo ensaio e erro, a criança pode chegar a uma


descoberta intuitiva de relações.
Aula 2 | Jean Piaget e o desenvolvimento cognitivo 39

 Irreversibilidade de pensamento - A criança


não consegue reverter uma atividade,
voltando atrás no raciocínio, a fim de
coordenar os fenômenos previamente
observados, com as circunstâncias presentes;

Ex.: “Você tem um irmão?” “Sim”


“E ele tem uma irmã?” “Não”

 Enfoque em estados - A criança não entende


o significado da transformação (conservação);

 Em exercícios de seriação com bastões, as


respostas são intuitivas. Não faz inserções.

Exercite o pensamento de seus alunos. Segue uma


sugestão, a poesia de Cecília Meireles.

OU ISTO OU AQUILO

Ou se tem chuva e não se tem sol ou se tem sol e


não se tem chuva! Ou se calça a luva e não se põe o
anel, ou se põe o anel e não se calça a luva!
Quem sobe nos ares não fica no chão, quem fica no
chão não sobe nos ares.
É uma grande pena que não se possa estar ao
mesmo tempo nos dois lugares!
Ou guardo o dinheiro e não compro o doce, ou
compro o doce e gasto o dinheiro.
Ou isto ou aquilo: ou isto ou aquilo... e vivo
escolhendo o dia inteiro!
Não sei se brinco, não sei se estudo, se saio
correndo ou fico tranqüilo.
Mas não consegui entender nada qual é o melhor: se
é isto ou aquilo.

III - OPERAÇÕES CONCRETAS (7 - 12 ANOS)

 Operações são ações no pensamento.


É aquilo que transforma um estado A
em um estado B deixando, pelo
menos, uma propriedade invariante no
decorrer da transformação, com
possível retorno de B para A, anulando
essa transformação.
(Fraise e Piaget, 1979)
Aula 2 | Jean Piaget e o desenvolvimento cognitivo 40

 Operações concretas.
É a capacidade de raciocinar
Dica da
logicamente, organizar os pensamentos
professora
em estruturas coerentes e totais, e
dispô-los em relações hierárquicas ou
Gardner, ao seqüenciais.
formular a Teoria (Pulaski, 1980)
das Inteligências
Múltiplas, tece
algumas críticas ao
trabalho de Piaget. São de duas ordens as operações que se
No entanto, quando
desenvolve sua constroem neste período:
teoria sobre a
Inteligência Lógico-
Matemática,
reconhece que
 Operações lógico-matemáticas - São operações
ninguém
do sujeito sobre o objeto, que é visto como
desenvolveu melhor
este tema do que o uma unidade a ser quantificada, seriada,
próprio Piaget.
A crítica de Gardner classificada. Não são acompanhadas de
diz respeito ao fato
de Piaget não haver imagem mental.
levado em
consideração as
outras inteligências,
que na opinião de  Operações infralógicas - São as que se
Gardner compõem o
conjunto da aplicam sobre um objeto situado num espaço
cognição.
e num tempo, nas suas relações parte-todo e
nas suas relações físicas com outros objetos.

Tipos de operações infralógicas

CONSERVAÇÕES FÍSICAS

Conservação é uma noção operatória que


Dica de
leitura
permite à criança compreender que alterações de forma
não causam alterações de quantidade, peso ou volume.
Sobre este tema,
leia:
GARDNER, H. Em nível pré-operatório a criança, por não
Estruturas da Mente.
Porto Alegre: descentrar (centrar a atenção em dois ou mais estados
Artmed, 2000.
ao mesmo tempo), não percebe a transformação,
ficando presa a apenas uma forma do objeto.

Conservações de quantidade

a) Contínua

 Transvasamento de líquidos
Aula 2 | Jean Piaget e o desenvolvimento cognitivo 41

Identidade simples - “A água é a mesma, não


aumenta nem diminui”. Importante

No entanto, deve ser


Reversibilidade; por inversão - “Se volta a água ponderada cada uma
dessas experiências
para o copo ela cabe toda”. em função da
realidade e do meio
vividos pela criança.
Reversibilidade por compensação ou Lembremos que
Piaget era suíço e
reciprocidade de relações - “A taça é mais baixa mas é em seu país não
havia fome nem
larga. O copo é alto, mas é estreito, é a mesma coisa”. violência.
Portanto, flexibilizar
os conceitos e a
evolução das
 Alteração da forma de uma porção de massa crianças nas
diferentes faixas
etárias é tarefa
fundamental de todo
b) Descontínua educador.

Colocar, simultaneamente, com as duas mãos


um grão de cada vez num copo alto e estreito e num
outro largo e baixo na frente da criança. Interromper e
questionar: Onde há mais grãos?

6/7 anos - É igual.


7/8 anos - Você botou um de cada vez em um e
outro, então é igual.
Dica de
leitura

Conservação de peso
GOULART, Iris.
Piaget: experiências
básicas para
Por volta de oito anos a criança já é capaz de
utilização pelo
entender que um quilograma de chumbo é igual a um professor. 14ª ed.,
Petrópolis: Vozes,
quilograma de algodão, embora, em termos de 1998.

quantidade física, ambos aparentem grande diferença. A


criança compreende que alterações de forma não são,
necessariamente, acompanhadas de alteração de peso.

Conservação de volume

Por volta de nove, dez anos, a criança já deve


ser capaz de perceber que determinado volume
permanece inalterado, mesmo quando aparentemente
ocupa um espaço maior. Esta noção é alcançada
Aula 2 | Jean Piaget e o desenvolvimento cognitivo 42

quando a criança compreende que alterações de forma,


posição, diferenças de peso não estão,
obrigatoriamente, associadas às variações de volume.

II - CONSERVAÇÕES ESPACIAIS

Conservação de comprimento

Após os sete anos, a criança já é capaz de


entender, por exemplo, que duas retas são iguais
mesmo quando aparentemente são diferentes, como no
desenho abaixo.

Obs.: A conservação de comprimento é mais


fácil de ser entendida do que a conservação de
quantidades contínuas, volume e peso.

Tipos de operações lógicas

Vejamos alguns tipos de operações lógicas e o


desempenho das mesmas no decorrer do processo de
desenvolvimento cognitivo.

I – CLASSIFICAÇÃO – É uma operação lógica


em que a criança é capaz de organizar objetos em
grupos de acordo com um ou mais atributos comuns a
eles.

 Aditiva visual
5/6 anos - um atributo
8/9 anos - dois ou mais atributos
Aula 2 | Jean Piaget e o desenvolvimento cognitivo 43

 Aditiva antecipatória

σσ
σσ
σσ
Ao se pedir à criança que coloque as figuras em
envelopes, atendendo à mesma característica, usando
o mínimo possível de envelopes, as respostas
evidenciarão o nível de maturidade. Assim sendo,
estruturas lógicas mais evoluídas vão caracterizar
maior visão de síntese. Dica de
leitura

 Composição de classes
DOLLE, Jean-Marie.
Para compreender
Jean Piaget: uma
A classe-inclusão é um tipo de operação de iniciação à psicologia
genética piagetiana.
classificação na qual a criança compreende as relações 4ª ed., Rio de
Janeiro: Zahar,
entre um conjunto de objetos e seus subconjuntos, e 1983.

entre vários subconjuntos.

9/10 anos - respostas corretas sobre todos e


alguns.

Obs.: A classe-inclusão é indispensável para a


compreensão do conceito de número.

 Classificação multiplicativa - por volta de


8 anos

A criança deve fazer classificações usando


dois atributos ao mesmo tempo.

 Multiplicação lógica de classes - final do


período operatório concreto
Aula 2 | Jean Piaget e o desenvolvimento cognitivo 44

A criança deverá ser capaz de trabalhar com


duas, três ou mais variáveis, combinando-as entre si.

II - SERIAÇÃO

Nas operações lógicas de seriação, o indivíduo


faz correspondências seriais. Consiste em corresponder
a um conjunto de objetos de tamanhos diferentes,
outros conjuntos de objetos igualmente diferentes em
tamanho, seriando-os e fazendo correspondência termo
a termo.

 Seriação simples;
 Seriação complexa;
 Transitividade - É o coroamento da operação
lógica de seriação.

Exemplo - Utilizando 3 conjuntos de botões (20


azuis - 25 vermelhos - 30 verdes), apresentar o azul e
o vermelho, dizendo que há menos azuis do que
vermelhos. Afastar o azul. Apresentar o verde junto ao
vermelho. Dizer que há menos vermelhos do que
verdes e questionar:

Qual a cor do menor conjunto?


Qual a cor do maior conjunto?

 Correspondências seriais - 7 anos -


seriação simples

III - COMPENSAÇÃO

É um tipo de raciocínio que tenta restabelecer o


equilíbrio de um sistema, modificando uma variável do
próprio sistema ou de um sistema diferente.
Aula 2 | Jean Piaget e o desenvolvimento cognitivo 45

A criança precisa entender proporção. A partir


da proporção qualitativa, chegará às proporções
métricas simples.

7/9 anos - proporções simples


9/11 anos - proporções complexas

Vamos analisar alguns casos narrados por Furth


(1990) e teremos a possibilidade de entender melhor a
importância da teoria apresentada.

 Uma menina de nove anos de uma escola de


elite passa duas horas alinhando algumas
frases sobre barômetro. Sua mente está
ocupada em copiar e memorizar palavras, em
fixar a descrição do aspecto desse Dica da
professora
instrumento. Nessa atividade ela pensa
pouquíssimo, ou quase nada, no único
Atenção às
aspecto desse instrumento que poderia considerações que
estão sendo
encerrar um desafio à sua inteligência – a desenvolvidas nesta
parte do texto. Elas
compreensão da utilização e funcionamento são muito
importantes!
do aparelho. Desta forma, seu intelecto não é Marque as frases
que você considera
adequadamente exercitado. Se esta criança fundamentais na
compreensão do que
tiver a oportunidade de ser estimulada a está sendo
formulado.
pensar fora da escola, provavelmente, terá a
oportunidade de compensar tanto tempo
perdido em tarefas escolares inúteis.

 Uma criança de cinco ou seis anos menos


afortunada, que não contou no passado com
um meio favorável, nem conta agora com um
meio estimulante, como é o da escola descrita
no caso anterior, estará jogando fora a
oportunidade de estabelecer contato com a
energia natural que possui e perderia o
momento de trabalhar e desenvolver sua
inteligência em um processo de aprendizagem
construtiva.
Aula 2 | Jean Piaget e o desenvolvimento cognitivo 46

 A aceitação de limitações mínimas


predeterminadas para aquilo que uma criança
é capaz de realizar, por parte dos professores,
pais e às vezes da própria criança, tende a
estimular uma atitude passiva e a fixar
critérios de expectativas prématuros e
improcedentes. Tal tendência é tão injusta
para a criança com altas habilidades quanto
para aquelas portadoras de deficiência
mental.

Dica de Como vimos nos exemplos apresentados, os


leitura
estímulos oferecidos ao processo de pensar, como

Sobre currículo: atividades desafiadoras da inteligência, é que

MOREIRA, Antonio favorecerão o desenvolvimento do intelecto. É neste


Flavio B. Currículo:
caminho que a escola precisa investir se quiser
questões atuais. 1ª
ed., Campinas: trabalhar o desenvolvimento da inteligência de seus
Papirus, 1997.
alunos como define Piaget na seguinte frase citada por
SALES, Christina. O
Currículo Furth, 1990, “A lógica do desenvolvimento é o
Construtivista na
Educação Infantil: desenvolvimento da lógica”.
práticas e
atividades. Tradução
Vinícius Figueira.
Porto Alegre: A escola precisa saber que tanto existe uma
Artmed, 2004.
inteligência voltada para o campo musical, quanto para
ANDRADE,
o campo das artes plásticas, das relações sociais e dos
Rosamaria Calaes
de. O Currículo cálculos matemáticos. Que para desenvolvê-la, a
ressignificado. Porto
Alegre: Artmed, criança e o jovem precisam contar com uma escola que
2003.
não os obriguem a parar de pensar.

Reconhecer que a inteligência trata de conceitos


gerais, tais como: o conceito de objeto (identificando
sua natureza), o conceito de classe, de relação e de
raciocínio lógico e que um mesmo indivíduo poderá ter
todos estes conceitos bem desenvolvidos ou apenas
alguns, dependendo do estímulo ambiental que receba
na escola e fora dela, é um grande passo para que as
instituições educacionais atuem com mais eficiência no
desenvolvimento da inteligência de seus alunos.
Aula 2 | Jean Piaget e o desenvolvimento cognitivo 47

A escola para o pensamento não deveria estar Dica de


limitada a um currículo fixo. Na análise de Furth leitura

(1966), “Não haveria necessidade de completar um


Sobre currículo:
programa fixo, havendo tempo amplo para se atender
MOREIRA, Antonio
ao desenvolvimento essencial. Se ao final de quatro Flavio B. Currículo:
questões atuais.
anos na escola elementar, uma criança não houvesse Campinas: Papirus,
1997.
aprendido outra coisa senão usar seu intelecto nas
atividades ordinárias de sua vida e da leitura, não seria SALES, Christina . O
Currículo
este um resultado conveniente e de bons prognósticos Construtivista na
Educação Infantil:
para aprendizagens futuras? Ou ela deveria saber a práticas e
atividades. Porto
data do descobrimento do Brasil, o nome dos Alegre: Artmed,
2000.
presidentes, a conjugação dos verbos, para ser
ANDRADE,
considerada bem-sucedida em seu processo de Rosamaria Calaes
de. O Currículo
desenvolvimento intelectivo? ressignificado. Porto
Alegre: Artmed,
2003.
RESUMO
Vimos até agora:

 Apresentação e discussão dos conceitos


estruturais da epistemologia genética de Jean
Piaget;

 A resposta do ambiente contribui para um


processo constante de reorganização mental,
auto-regulando-o;

 O conhecimento não procede nem da


experiência única dos objetos nem de uma
programação inata pré-formada no sujeito,
mas de construções sucessivas com
elaborações constantes de estruturas novas;

 O sujeito se constrói como sujeito enquanto


constrói o objeto. Os processos de
acomodação levam o sujeito a estabelecer
relações de objetividade com o mundo. Tais
processos estão presentes durante toda a
vida do indivíduo.
Aula 2 | Jean Piaget e o desenvolvimento cognitivo 48

 A criança, ao nascer, inicia seu processo de


equilibração sucessiva e progressiva por meio
do desenvolvimento das estruturas da
inteligência.

 Por fim, vimos a apresentação dos estágios


do desenvolvimento da inteligência que
segundo Piaget se organizam através de um
processo interno (maturação neurológica) em
contato com os estímulos ambientais e
constituem as estruturas mentais;
49
3
O modelo Histórico-

AULA
Cultural de Vygotsky
Eunice do Vale Madeira
Maria Cristina Fontes Urrutigaray

Nesta aula, o destaque é dado ao pensador que somente na


década de 80 passou a ser conhecido nos meios educativos.
Entretanto, a demora do conhecimento de sua teoria não diminui
sua importância e valor. Lev Semenovich Vygotsky é conhecido
como um dos principais representantes de uma escola da
psicologia soviética denominada psicologia sócio-histórica. Para
Apresentação

ele, o fundamento do funcionamento psicológico humano é


cultural e, conseqüentemente, histórico.
Vygotsky foi contemporâneo de Piaget, mas sua construção
teórica difere bastante deste devido as influências recebidas pelo
momento histórico, social e cultural que o moldou. Estamos
falando de um pensador nascido na Rússia Czarista que viveu o
conturbado período da Revolução Socialista e as discussões sobre
as teses do materialismo dialético.
Vygotsky se interessava pela formação social dos signos, neste
sentido sua preocupação estava em torno da relação entre
pensamento e linguagem. A linguagem que intermedia as relações
sociais e forma o discurso interior em cada pessoa. Sendo assim,
o funcionamento psicológico do homem é moldado pela cultura.

Esperamos que, após o estudo do conteúdo desta aula, você seja


capaz de:
Objetivos

 Identificar semelhanças e diferenças entre as teorias de


Piaget e Vygotsky, que fazem parte dos conceitos
construtivistas;
 Reconhecer os principais postulados da teoria sócio-
histórica, bem como sua influência no processo de
desenvolvimento e aprendizagem;
 Destacar a importância da mediação e sua condição de
realização nos espaços de aprendizagem;
 Dialogar sobre o processo de formação de conceitos na
criança que são propostos por Vygotsky.
Aula 3 | O modelo histórico-cultural de Vygotsky 51

Introdução

Nesta aula vamos compreender um pouco do


pensamento de LEV SEMENOVICH VYGOTSKY (Rússia -
17.11.1896 / 11.06.1934).

Todo inventor, até mesmo um gênio,


sempre é conseqüência de seu tempo
e ambiente. Sua criatividade deriva
das necessidades que foram criadas
antes dele e baseia-se nas
possibilidades que, uma vez mais,
existem fora dele. É por isso que
observamos uma continuidade rigorosa
no desenvolvimento histórico da
tecnologia e da ciência. Nenhuma
invenção ou descoberta científica
aparece antes de serem criadas as
condições materiais e psicológicas
necessárias para o seu surgimento. A
criatividade é um processo
historicamente contínuo em que cada
forma seguinte é determinada pelas
precedentes.
(Lev. Vygotsky, apud. Veer e Valsiner,
1999)

Lev. Semyonivich Vygotsky nasceu em 5 de


Quer
Novembro de 1896, numa cidade provinciana da saber mais?
Rússia. Descendente de judeus, sofreu sanções
pertinentes de uma Rússia czarista anti-semita. Apesar da vida
curta, o pensador
Portanto era fortemente identificado com as questões bielo-russo teve
uma produção
do povo judeu, pois estes não possuíam permissão do intelectual intensa.

governo czarista para viver fora de seus guetos Você leu há pouco
que ele formou-se
predeterminados nem podiam servir nas fileiras do em Direito. Mas
também fez cursos
exército por serem considerados “pessoas não
de Medicina, História
confiáveis”. e Filosofia.

Em meio ao total isolamento imposto pelo


governo, inclusive o sofrimento de conviver com uma
“cota” para admissão de judeu em instituições de
ensino superior, assim cresceu Vygotsky.

Sua formação iniciou-se em Direito, pois essa


carreira possibilitaria sua permissão de morar fora do
Aula 3 | O modelo histórico-cultural de Vygotsky 52

“território demarcado”. Seguiu-se, a partir de sua


graduação, uma enorme gama de interesses e
pesquisas, incluindo o despertar para os valores
semânticos lingüísticos, a psicologia e a medicina.

Trabalhou muito com a defectologia e realizou


brilhantes trabalhos na área da psicologia da
aprendizagem. Morreu em 1934, deixando uma
produção científica e significativa, tendo como principal
colaborador Luria, seu discípulo, amigo e redator de
suas últimas idéias.
Para
navegar
Na verdade Vygotsky teve, entre seus

Para saber mais de colaboradores, dois que merecem destaque pela


Luria e Leontiev
poderá pesquisar via continuidade que deram à sua obra. São eles Alexander
Web.
Romanovich LURIA e Alexei Nicolaievich LEONTIEV.

A partir destas colaborações iniciais


(humilhações sofridas), é possível identificar as
inúmeras aproximações entre a sua proposta
metodológica e os pressupostos do comunismo
construído por Engels e Marx, (uma sociedade comum e
igualitária para todos).

Inovador, e até porque não dizer revolucionário


para sua época, Vygotsky fez um percurso teórico na
busca de uma nova Psicologia, que fosse uma síntese
entre duas fortes tendências nesta área no início do
século. Para entendê-lo melhor, é importante conhecer
tais tendências na área de Psicologia na época de seus
estudos. Vygotsky preocupava-se com uma certa
divisão conceitual nos estudos da Psicologia e procurou
pensar cientificamente de modo a unificar as idéias de
sua época. Abaixo segue a maneira como a Psicologia
se encontrava.
Aula 3 | O modelo histórico-cultural de Vygotsky 53

PSICOLOGIA COMO CIÊNCIA NATURAL

Quer
Nesta época a psicologia buscava explicar saber mais?

processos sensoriais e reflexos considerando o homem


Watson, primeiro
basicamente como corpo, não abordando funções
psicólogo
psicológicas complexas. A psicologia behaviorista behaviorista,
desconsiderava a
tratava o corpo como um organismo, igual a qualquer consciência e
defendia a idéia da
outro ser vivo, que recebe estímulos e reage a estes psicologia como um
ramo objetivo da
com respostas imediatas sem levar em consideração a Ciência Natural.

consciência.

PSICOLOGIA COMO CIÊNCIA MENTAL

A psicologia por outro lado descrevia as


propriedades dos processos psicológicos superiores,
considerando o homem como mente, consciência. Era
uma abordagem descritiva, dirigida a fenômenos
globais, não produzindo descrições dos processos
complexos em termos aceitáveis para a ciência.

As duas abordagens acima refletiam, para


Vygotsky, uma análise de um ser fragmentado que na
psicologia ora contemplava aspectos mais cognitivos e
pragmáticos, ora acentuava a visão de homem como
um ser psíquico cujos aspectos afetivos eram mais
relevantes.

A busca de Vygotsky era por uma abordagem


que tratasse a inteligência e a afetividade de igual
modo, ou melhor, valorizando ambas as características
da natureza humana e integrando-as as características
sociais que o homem está inserido.

Pode-se afirmar que, Vygotsky e seus


colaboradores buscavam uma outra abordagem – nova
– que possibilitasse uma síntese entre as duas
psicologias, antes descrita, e não o somatório. Uma
síntese que abordasse o homem enquanto corpo e
Aula 3 | O modelo histórico-cultural de Vygotsky 54

mente, ser biológico e ser social, membro da espécie


humana e participante de um processo histórico.

Pretendeu construir uma nova psicologia sobre a


interpretação marxista, visando entender o
funcionamento intelectual no homem. Para ele, a
funcão da psicologia deveria incluir:

 A compreensão e a identificação dos


mecanismos cerebrais envolvidos em cada
uma das funções psicológicas (sua base
estruturalista);
 A conceitualização e a explicação do
desenvolvimento destas funções (seu
procedimento histórico de análise);
 A especificação ou a objetivação das relações
entre formas simples e complexas de um
mesmo comportamento (seu enfoque
funcionalista).

Vygotsky viu, nos métodos e princípios do


materialismo dialético, a solução dos paradoxos
científicos com que se defrontavam seus
contemporâneos e procurou desenvolver um método
que permitisse a compreensão da natureza do
comportamento humano, enquanto parte do
desenvolvimento histórico geral da nossa espécie.
Acabou sistematizando uma abordagem
fundamentalmente nova sobre o processo de
desenvolvimento do pensamento e das funções
cognitivas complexas de um sujeito contextualizado e,
portanto, histórico.

A essência deste novo método é o princípio de


que todos os fenômenos têm uma história caracterizada
por mudanças qualitativas e quantitativas e que devem
ser estudados como processos decorrentes de
movimentos e mudanças.
Aula 3 | O modelo histórico-cultural de Vygotsky 55

Vygotsky entendia que a compreensão do ser


humano dependia do estudo do processo de
Dica do
internalização das formas culturalmente dadas de professor

funcionamento psicológico. Foi através dessa premissa


Você vai observar
que tentou explicar a transformação dos processos
que, em Vygotsky,
psicológicos elementares, relacionados aos fatores “os aspectos mais
difundidos e
biológicos do desenvolvimento, em processos explorados de sua
abordagem são
superiores, resultantes da inserção do homem num aqueles referentes
ao funcionamento
determinado contexto sócio-histórico. cognitivo;”(...)”É
interessante notar,
porém, que
Vygotsky nunca
Através de seu estudo sobre as funções usou o termo
COGNIÇÃO.”
psicológicas mais sofisticadas, exclusivamente
Martha Kohl de
humanas, Vygotsky esclarece em que medida o ser
Oliveira, in:
humano constitui-se enquanto tal na sua relação com o “O problema da
afetividade em
outro social. Vygotsky”.

Baseando-se no pressuposto de que não há


essência humana a priori imutável, investiga a
construção do sujeito na interação com o mundo, a sua
relação com os demais indivíduos, a gênese das
estruturas de seu pensamento, a construção do
conhecimento. Conseguindo, finalmente, explicar como
a cultura torna-se parte da natureza humana num
processo histórico que, ao longo do desenvolvimento
da espécie e do indivíduo, forma o funcionamento
psicológico do homem. Vygotsky estendeu a noção de
mediação homem-mundo pelo trabalho e o uso de
instrumentos ao uso de signos. Afirma que a relação do
indivíduo com o ambiente é mediada, pois este,
enquanto sujeito de conhecimento, não tem acesso
imediato aos objetos e sim a sistemas simbólicos que
representam a realidade. Essa é a razão de atribuir um
papel de destaque à linguagem (já que é o principal
sistema simbólico de todos os grupos humanos), que
se interpõe entre o sujeito e o objeto de conhecimento.

Ao mesmo tempo em que a linguagem é um


fator importante para o desenvolvimento mental da
Aula 3 | O modelo histórico-cultural de Vygotsky 56

criança, exercendo uma função organizadora e


planejadora de seu pensamento, ela tem também uma
função social e comunicativa. Através da linguagem, a
criança entra em contato com o conhecimento humano
e adquire conceitos sobre o mundo que a rodeia,
apropriando-se da experiência acumulada pelo gênero
humano no decurso da história social. É, também, a
partir da interação social, da qual a linguagem é
expressão fundamental, que a criança constrói sua
própria individualidade.

E NA ESCOLA?

“É importante também que o professor se coloque


como um interlocutor real, interessado pelas trocas
comunicativas com as crianças. Para tanto, ele
precisa permanecer atento às colocações de seus
alunos, ouvi-los, buscando atribuir sentidos e
significados dentro dos contextos e experiência da
realidade das crianças.. Muitas vezes, as crianças
conversam segundo uma lógica própria, regulada
por uma forma de pensar específica, denominada
pensamento sincrético.
Esta é uma construção postulada por Vygotsky, para
explicar as plásticas relações e conceitos elaborados
pelas crianças.”

(Daniela Panutti, psicóloga, Programa Salto para o


Futuro, TV Escola, junho de 2004)

A construção do sujeito e de sua consciência é


em si mesma uma construção social. Assim, a
consciência representa para Vygotsky um contato social
consigo mesmo. Deste modo, quando a criança fala
para si mesma em sua fala interior, reproduzindo, em
princípio, os padrões da relação significativa com os
outros, está construindo sua consciência e constituindo-
se enquanto sujeito. Esse processo é possível no
momento em que as relações interpessoais são
transformadas em intrapessoais, permitindo assim a
construção mais delicada da sociedade, que é a
consciência humana. Em todo o processo, o
desenvolvimento da função auto-reguladora dos signos,
especialmente da linguagem, desempenha um papel
Aula 3 | O modelo histórico-cultural de Vygotsky 57

capital, porque dá lugar à gestação de formas que, ao


se internalizarem, transformam-se em consciência.
Quer
saber mais?

É por isso que Vygotsky afirma que a relação


Embora muitos
pensamento-linguagem é a chave para a compreensão
autores tenham
da natureza da consciência humana. As palavras têm contribuído para a
compreensão da
um papel central no desenvolvimento do pensamento, linguagem entre
mãe e bebê, um
na evolução histórica da consciência como um todo. A deles, Vygotsky
considera a
consciência é refletida na palavra como o sol se reflete linguagem como um
exercício social,
na gota de água. “Uma palavra é um microorganismo pressupondo não só
a relação entre os
da consciência humana”. falantes, mas
permitindo também
relacionamento
interpsíquico, que
Ao falar de linguagem, ele estava interessado no
participam da
desenvolvimento de um modelo de produção do construção da
imaginação e
pensamento no qual a linguagem tivesse um lugar memória, entre
outras, que são
determinante, desempenhando funções específicas, funções mentais
superiores.
sendo o mais importante esquema de mediação do
comportamento humano.

Ele afirma que a linguagem é um compartir de


pensamentos. A utilização da abordagem marxista
orientou os estudos de Vygotsky, representando uma
mudança significativa na interpretação das pesquisas
acerca dos fenômenos psíquicos e da caracterização do
ser humano.

O indivíduo, agora contextualizado (histórica e


socialmente), pode ser desnudado ou estudado
dialeticamente com relação às leis da sua evolução
biológica e às leis de seu desenvolvimento sócio-
histórico.

Portanto, para entender o homem, faz-se


necessário entender sua demanda primordial, isto é,
seu contexto histórico-social. Pois de nada adianta falar
em termos de desenvolvimento se não tivermos um
parâmetro inicial que identifique e sinalize este
processo. O homem é um produto social e um agente
ativo na criação cultural.
Aula 3 | O modelo histórico-cultural de Vygotsky 58

Dica de
A síntese que resume o pensamento de
leitura Vygotsky tem seus pilares em algumas idéias centrais
que serão trabalhadas nos próximos tópicos.
LURIA, A. R.
Fundamentos de
neuropsicologia. Rio
de Janeiro: Livros O homem possui uma base biológica
Técnicos e
Científicos/EDUSP,
1981.
As funções do cérebro têm um suporte biológico,
pois são produtos de uma atividade cerebral. O cérebro
é um sistema aberto, portanto tem possibilidade de
troca com o meio externo, de grande plasticidade, cuja
estrutura e modos de funcionamento são moldados ao
longo da história da espécie e do desenvolvimento
individual.

Como se pode perceber, Vygotsky recusou a


noção de funções mentais fixas e imutáveis, pois
acreditava na sociabilidade humana e na influência do
social no homem.

Em sua forma de ver, o funcionamento


Quer
saber mais? psicológico se fundamenta nas relações sociais entre o
indivíduo e o mundo exterior, desenvolvendo-se num
Os fenômenos processo histórico.
biológicos,
psicológicos e sociais
marcam as
primeiras etapas da No percurso do homem enquanto ser biológico e
existência do
homem, da sociohistórico (humanização), a cultura é essencial,
concepção à
adolescência, uma vez que é nesta inserção que o indivíduo é levado
determinando
diretamente uma
a interagir e, para funcionar satisfatoriamente vai, não
parte importante do
só, absorvendo a cultura, como também a modificando
seu comportamento.
ao mesmo tempo em que, para tal, desenvolve
estruturas internas cognitivas.

Este é um processo onde predominam as


funções psicológicas superiores, firmemente embasadas
nas formas culturalmente construídas de ordenar o
real. Estas funções são típicas do ser humano e
envolvem o controle consciente do comportamento, a
ação intencional, a liberdade do indivíduo em relação
ao momento presente e ao espaço.
Aula 3 | O modelo histórico-cultural de Vygotsky 59

É importante ressaltar que a relação Homem- Dica de


mundo na ótica Vygotskiana é uma relação mediada leitura

por sistemas simbólicos que se organizam através da


FREITAS, M. T. A.
linguagem. Todo seu estudo, por isso mesmo, irá se (org.). Vygotsky –
um século depois.
concentrar na relação entre pensamento e linguagem. Juiz de Fora:
EDUFJF, 1998.

O valor dado à linguagem na obra de Vygotsky


foi sua marca principal e é nesta que se estabelece à
relação entre mundo interno e externo em cada sujeito.
A função de mediação da linguagem possibilita a
criança e, depois, ao homem garantir seu estado de
consciência e seu suporte de comunicação com o outro.

O mundo da linguagem e dos símbolos foi o


universo de pesquisa de Vygotsky, fonte explicativa da
natureza humana que compreendia como sendo dotada
de consciência de si e do mundo que vive. Assim,
então, dá sentido a personalidade como elemento que
singulariza o sujeito das funções elementares para as
funções mentais superiores.

As funções psicológicas superiores se utilizam


das funções mentais essenciais como memória,
pensamento, percepção, atenção, e dota de consciência
as ações do sujeito, como mecanismos intencionais e
voluntários, que adquirem sentido na relação do
homem com o mundo.

Vale destacar que, os processos psicológicos


elementares e superiores permitem a integração entre
corpo e alma, e entre sujeito e mundo, tão importante
para Vygotsky.

Mediação

A perspectiva histórico-cultural tem como ênfase


a postulação do fator “mediação” enquanto
caracterização da relação do homem com o mundo e
com os outros homens.
Aula 3 | O modelo histórico-cultural de Vygotsky 60

Mediação é o processo de intervenção de um


elemento intermediário numa relação que deixa de ser
Dica do
professor direta para ser mediada por esse elemento. Este é um
conceito central na fundamentação sociohistórica do
Atenção aos outros
funcionamento psicológico.
conceitos
importantes na
psicologia
vygotskyniana. Podemos citar como exemplo a relação entre um
indivíduo e uma vela acesa:

Relação direta – sensação de calor e retirada


da mão.
Relação mediada – retirada da mão pela
lembrança da experiência anterior.

Ao longo da vida do indivíduo, as relações


mediadas passam a predominar sobre as relações
diretas.

Segundo Vygotsky há dois tipos de elementos


mediadores: instrumentos e signos.

INSTRUMENTO

É o instrumento que vai mediar a ação de um


sujeito, é o objeto que possibilitará esta ação. É, pois,
um objeto social, mediador da relação entre o sujeito e
o mundo.

Obs: – Os animais usam instrumentos, mas não


os produzem deliberadamente, não os guardam para
uso futuro, não preservam sua função para transmiti-la
a seus pares.

SIGNOS

O “signo” (o objeto, forma, fenômeno, gesto,


figura ou som) como representante de algo diferente de
si mesmo. E serve para expressar eventos, idéias,
Aula 3 | O modelo histórico-cultural de Vygotsky 61

situações, servindo como auxílio da memória e da


atenção humana. Importante

O recurso da
Ele consiste, portanto, no auxílio das ações linguagem é
privilégio do gênero
concretas, instituído pelos signos lingüísticos, ele tem a humano,
constituindo-se ao
função de controlar voluntariamente a atividade
mesmo tempo sua
psicológica ampliando a capacidade mnêmica e a característica
universal. O homem
atenção voluntária, dirigindo e orientando as ações dispõe para isto de
um equipamento
humanas. mental que age em
conjunto com o
aparelho fonador.
A invenção e o uso de signos como
meios auxiliares para solucionar um
dado problema psicológico (lembrar,
comparar coisas, relatar, escolher etc)
é análoga à invenção e ao uso de
instrumentos, só que agora no campo
psicológico. O signo age como um
instrumento da atividade psicológica
de maneira análoga ao papel de
instrumento no trabalho.
(Vygotsky, L., 1984)

A linguagem é um poderoso instrumento


semiótico que está tanto orientado para o outro quanto Você sabia?

para o próprio sujeito e que, neste caso, possibilita sua


Mais curiosidades
subjetividade e desenvolvimento. para você:

No início de nossa
A linguagem (a ferramenta do homem) resulta apostila, contamos
que Vygotsky nunca
de um sistema simbólico essencial e basal a todo grupo havia usado o termo
“cognição”. É claro
social humano. Ela é elaborada no curso da história que isto não quer
dizer que os
social através da sedimentação de signos compostos psicólogos soviéticos
tenham deixado de
em estruturas complexas, sendo fator primordial e estudar processos
como percepção,
imprescindível na psicologização (formação do pensamento ou
memória (Wertsch,
psiquismo). p. 63). O autor
citado continua
informando que
Através da aquisição da linguagem, o sujeito Vygotsky usou o
termo “função
adquire a possibilidade de transformação pessoal mental” para referir-
se a esses
(desenvolvimento), a partir de três possibilidades: processos.

 Evocar a presença de objetos ausentes;


 Abstrair e generalizar as características de
fatos e/ou objetos, eventos ou situações
circunstanciais;
Aula 3 | O modelo histórico-cultural de Vygotsky 62

 Comunicar e garantir a preservação, a


transmissão e a assimilação da cultura.

Assim sendo, para Vygotsky, a convivência em


sociedade é essencial para a transformação do homem
de elemento biológico em ser humano. É através da
aprendizagem determinada pelas relações com os
outros e mediada pela linguagem que construímos os
conhecimentos, os quais permitem nosso
desenvolvimento mental. Segundo o psicólogo, a
criança nasce dotada apenas de funções psicológicas
elementares, como os reflexos e a atenção involuntária,
presentes em todos os animais mais desenvolvidos.
Com o aprendizado cultural, no entanto, parte dessas
funções básicas transformam-se em funções
psicológicas superiores como a consciência, o
planejamento e a deliberação, características exclusivas
do homem.

Contudo, as informações não são incorporadas


diretamente do meio, elas são mediadas pelos signos,
os quais carregam os significados sociais e históricos.

Isso não significa que o indivíduo seja como um


espelho, apenas refletindo o que aprende, pois as
informações são reelaboradas numa espécie de
linguagem interna, própria de cada individualidade. Por
isto, a linguagem é duplamente importante para
Vygotsky. Além de ser o principal instrumento de
intermediação do conhecimento entre os seres
humanos, ela tem relação direta com o próprio
desenvolvimento psicológico. Nenhum conhecimento é
construído pela pessoa sozinha, mas sim em parceria
com as outras, que são os mediadores.

Ricardo Baquero em seu livro “Vygotsky e a


aprendizagem escolar”, assim descreve a função dos
instrumentos e signos da cultura traçando um paralelo
Aula 3 | O modelo histórico-cultural de Vygotsky 63

com a função da maturação e crescimento para o


desenvolvimento da criança.

Na distinção que se pode realizar,


então, no domínio ontogenético, quer
dizer, no desenvolvimento da criança,
a linha natural de desenvolvimento se
assemelha aos processos de
maturação e crescimento, enquanto
que a linha ”cultural” trata com os
processos de apropriação e domínio
dos recursos e instrumentos que a
cultura dispõe.
(Baquero, 1998, p.29)

Os processos de mediação sofrem


transformações, ao longo do desenvolvimento do
indivíduo, e fornecem um suporte concreto para a ação
do homem no mundo. Este processo se organiza através
de um outro chamado processo de internalização, que
será apresentado no tópico seguinte.

Processo de internalização

São representações mentais que tomam o lugar


dos objetos, das situações e dos eventos no mundo
real.

A questão da internalização, enquanto


processo de constituição da
subjetividade, e a construção do
significado envolvem um aspecto
particularmente relevante para a
compreensão da abordagem unificadora
do funcionamento psicológico humano
proposto por Vygotsky: a internalização
da linguagem. No processo de
aquisição da linguagem, a criança
primeiro utiliza a fala socializada, com a
função de comunicação, contato social.
Em fases mais avançadas de sua
aquisição, porém, a linguagem,
utilizada inicialmente para intercâmbio
com outras pessoas, é internalizada e
passa a servir ao próprio indivíduo. Isto
é, ao longo de seu desenvolvimento, a
pessoa passa a ser capaz de utilizar a
linguagem como instrumento de
pensamento, com a função de
adaptação pessoal.
(Oliveira, M., 1992)
Aula 3 | O modelo histórico-cultural de Vygotsky 64

Dica de
Ao longo do processo de desenvolvimento, o
leitura
indivíduo deixa de necessitar de marcas externas e
passa a utilizar signos internos (representações mentais
REY, Fernando Luiz
González. Sujeito e que substituem os objetos do mundo real).
subjetividade: uma
aproximação
histórico-cultural.
Tal capacidade permite ao homem libertar-se do
São Paulo: Pioneira
Thomson Learning, espaço e tempo presentes, fazer relações mentais na
2003.
ausência das coisas, imaginar, fazer planos, agir com
intencionalidade.

Ao longo da história da espécie humana, os


signos passam a ser compartilhados com os membros
de um grupo, permitindo interação e comunicação.
Podemos, pois, perceber que os sistemas de
representação da realidade (a linguagem é o sistema
Importante
simbólico básico de todos os grupos humanos) são
produtos sociais.
A chamada “herança
cultural” foi sendo
transmitida de
geração a geração, É na cultura que o indivíduo adquire ferramentas
por mecanismos
próprios, que não o que lhe permitirão estabelecer uma mediação com o
corpo.
A cultura significa a
mundo e também se constituir.
herança total da
humanidade, e uma
cultura é Agora que você já tomou conhecimento de
característica de
certo grupo social. conceitos da Teoria Sócio-Histórica, podemos pontuar
algumas conclusões que, certamente, facilitarão seu
entendimento.

O grupo cultural fornece ao indivíduo um


ambiente estruturado, uma vez que todos os elementos
são carregados de significado comum ao grupo. A
cultura não é algo pronto. Ela é altamente dinâmica e,
por isso, mutável e toda a produção humana também.
A vida social é dinâmica, cada sujeito é ativo, em
interação entre o mundo cultural e o mundo subjetivo
de cada um.

A internalização da matéria-prima fornecida pela


cultura não é um processo de absorção passiva, mas de
transformação e de síntese.
Aula 3 | O modelo histórico-cultural de Vygotsky 65

A internalização se trata de um
processo mediante o qual se concretiza
esta reorganização de uma função
psicológica desde o plano
interpsicológico ao plano intrapsicológico.
(Baquero, 1998, p.47)

O processo de desenvolvimento do ser humano Para


navegar
se dá de fora para dentro. O indivíduo primeiro realiza
ações externas que serão interpretadas pelas pessoas
Consulte o site
de acordo com significados culturalmente www.lic.ufjf.br ,
trata-se de um
estabelecidos. Tais significados percebidos passam a campo de estudo da
Universidade Federal
dar sentido à ação primária. de Juiz de Fora
chamado
“linguagem,
interação e
Deste modo, torna-se fácil entender que o conhecimento”.
mundo e as respostas, que dele se recebem, levam o
indivíduo a construir seu pensar, sua maneira de ser
através da lente da compreensão do funcionamento do
todo com o qual interage.

A interação humana é possibilitada basicamente


por dois fatores característicos do ser humano:
Pensamento e Linguagem. O estudo de Vygotsky gira
em torno destes fatores, de sua construção e
interpelação.

A linguagem tem duas funções básicas. A


primeira delas é o intercâmbio social – função da
comunicação. O Homem, por sua característica de ser
social, sempre interagiu, primeiro de forma primitiva,
evoluindo para maneiras mais elaboradas, até chegar à
linguagem verbal, ou seja, à construção de um código
composto de sons, conceitos próprios e partilhado por
um mesmo grupo.

A função da comunicação gerou uma segunda:


pensamento generalizante. Através dessa função, a
linguagem ordena o real criando categorias conceituais,
fornecendo os conceitos e as formas de organização do
real, tornando a linguagem um instrumento do
pensamento.
Aula 3 | O modelo histórico-cultural de Vygotsky 66

Segundo Vygotsky, ao longo do


desenvolvimento da espécie humana, a trajetória do
pensamento se une à da linguagem, possibilitando ao
biológico se transformar em sociohistórico. No
desenvolvimento do indivíduo, ocorre um processo
semelhante, o pensamento torna-se verbal e a
linguagem racional, ou seja, a fase pré-lingüística do
pensamento (utilização de instrumentos e inteligência
prática) e a fase pré-intelectual da linguagem (alívio
emocional e função social) dão origem ao pensamento
verbal e a linguagem torna-se racional.

A interação com membros mais maduros da


cultura que já dispõem de uma linguagem estruturada
é que vai provocar o salto qualitativo para o
pensamento verbal.

É no significado da palavra que pensamento e


fala se unem em pensamento verbal.

O significado de uma palavra


representa um amálgama tão estreito
do pensamento e da linguagem, que
fica difícil dizer se se trata de um
fenômeno da fala ou de um fenômeno
do pensamento. Uma palavra sem
significado é um som vazio; o
significado, portanto, é um critério da
palavra, seu componente
indispensável. Pareceria, então, que o
significado poderia ser visto como um
fenômeno da fala. Mas, do ponto de
vista da Psicologia, o significado de
cada palavra é uma generalização ou
um conceito. E como as generalizações
e os conceitos são, inegavelmente,
atos do pensamento, podemos
considerar o significado como um
fenômeno do pensamento.
(Vygotsky, L., 1989)

Em seus estudos, Vygotsky distingue dois


componentes do significado da palavra:
Aula 3 | O modelo histórico-cultural de Vygotsky 67

“significado propriamente dito” – Refere-se Dica de


ao sistema de relações objetivas que se formou no leitura

processo de desenvolvimento da palavra, tornando-se


OLIVEIRA, Marcos
um núcleo relativamente estável de compreensão da Barbosa de (org.).
OLIVEIRA, Marta
palavra, compartilhado com todas as pessoas que o Khol de (org.).
Investigações
utilizam; cognitivas:
conceitos,
linguagem e cultura,
“sentido” – Refere-se ao significado da palavra Porto Alegre:
Artmed, 1999.
para cada indivíduo, composto por relações que dizem
respeito ao contexto de uso da palavra e às vivências
afetivas do indivíduo (ligação do contexto de uso da
língua aos motivos afetivos e pessoais de seus
usuários).

Para uma melhor compreensão dos conceitos,


vamos utilizar a palavra “restaurante”. Seu significado
é compreensível para todos – lugar onde se come,
aparelhado com mobiliário e utensílios necessários aos
objetivos de sua existência.

O “sentido” ficará por conta do significado


individual – pode ser o lugar de lazer ou de trabalho,
de descontração ou de cansaço.

A linguagem, como instrumento do pensamento,


supõe um processo de internalização (discurso
interior), é uma atividade individualizada e
intrapsíquica que se estrutura a partir da atividade
social, interpsíquica.

Como se pode perceber, o atributo específico do


ser humano - a faculdade de pensar - demonstra que o
individual e o social se interpenetram em harmoniosa
conjugação, configurando a essência humana. Se o
individual imprime ao mundo um olhar específico, é o
mergulho no caldeirão cultural que permite ao
indivíduo a compreensão da dinâmica do que o
circunda. Por exemplo, como entender a mensagem de
Aula 3 | O modelo histórico-cultural de Vygotsky 68

compositores de algumas músicas de protesto sem o


conhecimento de fatos históricos da época que
Dica do
professor inspiraram tais letras?

Como exemplo,
trabalhe com
Outras áreas de conhecimento como
adolescentes o Desenvolvimento e Aprendizagem também são temas
significado das
músicas Aquele centrais nos estudos de Vygotsky, embora ele não
Abraço (Gilberto Gil)
e Meu Caro Amigo tenha estruturado uma concepção teórica sobre estas
(Chico Buarque).
áreas.

A idéia do desenvolvimento humano marcada


pela maturação do organismo (define parte do
percurso) é secundarizada em Vygostsky em função da
importância da interação e da cultura para a
aprendizagem (que possibilita o despertar de processos
Dica de
leitura internos de desenvolvimento). A personalidade envolve
totalidade deste ser que se desenvolve e aprende,
Sobre o valor do
estruturado no eixo do pensamento e da linguagem.
fator interacional em
Vygostsky, vale a
pena ler a obra de
Teresa Rego: O contexto teórico deste autor, que foi
- Vygostsky: Uma
Perspectiva pesquisador nas áreas de Psicologia, Pedagogia,
Histórico-Cultural da
Educação. Filosofia e professor atuante em diversas instituições de
Petrópolis: Vozes,
2001. ensino, trouxe grande contribuição para o mundo
escolar. Segundo ele, o conhecimento escolar é o saber
acumulado nas diferentes disciplinas científicas. Neste
momento, a troca com o mundo não é espontânea,
passando a ser articulada a partir de propósitos cuja
eleição o aluno não participou. Estaria aí uma das
dificuldades da aprendizagem sistematizada.

Segundo Vygotsky, a evolução intelectual é


caracterizada por saltos qualitativos de um nível de
conhecimento para outro. A fim de explicar esse
processo, ele desenvolveu o conceito de zona de
desenvolvimento proximal ou potencial (Z.D.P),
definida como a “distância entre o nível de
desenvolvimento real, que se costuma determinar
através da solução independente de
Aula 3 | O modelo histórico-cultural de Vygotsky 69

problemas, e o nível de desenvolvimento potencial,


determinado através de solução de problemas sob a
orientação de um adulto ou em colaboração com
companheiros mais capazes”. Trocando em miúdos: A
zona proximal define aquelas funções que ainda não
estão suficientemente amadurecidas, mas que se
encontram em processo de maturação.

A estruturação da relação entre


desenvolvimento e aprendizagem é descrita, então,
através do conceito – ZONA DE DESENVOLVIMENTO
PROXIMAL:

Distância entre o nível de


desenvolvimento real, que se costuma
determinar através da solução
independente de problemas, e o nível
de desenvolvimento potencial,
determinado através da solução de
problemas sob a orientação de um
adulto ou em colaboração com
companheiros mais capazes.
(Vygotsky, L., 1984)

Podemos, pois, concluir que é preciso considerar


a capacidade da criança na realização de tarefas:

Desenvolvimento REAL – A criança já é capaz


de ações independentes, ou seja, ela as realiza sem
necessitar da ajuda de uma outra pessoa;

Desenvolvimento POTENCIAL – A criança já é


capaz de realizar determinadas ações, porém, com a
ajuda de outra pessoa.

Para Vygotsky, as possibilidades de


aprendizagem não se encontram somente na
dependência do nível de desenvolvimento mental da
criança, mas também é determinada pelos processos
de que nela já amadureceram (nível de
desenvolvimento real), mas, principalmente,
prospectivamente pelos processos que ainda estão em
Aula 3 | O modelo histórico-cultural de Vygotsky 70

formação (nível de desenvolvimento potencial). Assim,


Vygotsky elaborou o conceito de zona de
Dica do
professor desenvolvimento proximal, que tem importantes
implicações educacionais, como já visto. De acordo com
Observe, em
situação institucional
esse conceito, todo bom ensino é aquele que se
ou doméstica, duas direciona para as funções psicológicas emergentes.
ou três situações em
que a ZDP ou Zona Desta forma, o ensino deve incidir sobre a zona de
de Desenvolvimento
Proximal pode ser desenvolvimento proximal, estimulando processos
constatada.
Leia com atenção a internos maturacionais que determinam por se efetivar,
caixa de diálogo que
explica este conceito passando a constituir a base para novas aprendizagens.
muito bem e
SUCESSO! Ao atender a este princípio, a escola estará dirigindo a
criança para aquilo que ela não é capaz de fazer,
centrando-se na direção das potencialidades a serem
desenvolvidas.

Na medida em que ele viu a aprendizagem como


um processo essencialmente social – que ocorre na
interação com adultos e companheiros mais
experientes, onde o papel da linguagem é destacado –
percebe-se que é na aproximação de habilidades e
conhecimentos socialmente disponíveis que as funções
psicológicas humanas são construídas.

Nesse sentido, as concepções de Vygotsky, em


Importante
relação à Educação, podem abrir perspectivas para uma

A zona de
redefinição do papel da escola e do trabalho
desenvolvimento pedagógico.
proximal é o
caminho que o
indivíduo vai
percorrer para O aprendizado, portanto, constitui-se como
desenvolver funções
em processo de principal elemento responsável pela criação da zona de
amadurecimento.
Trata-se de um desenvolvimento potencial. E ele se realiza através da
domínio psicológico
em constante interação da criança com outros indivíduos que atuam
transformação.
como agentes ou mediadores de potencialidades.

A zona de desenvolvimento proximal, como já


dissemos, permite a compreensão da dinâmica interna
do desenvolvimento individual. Somente através da
análise de seu alcance, é que podemos verificar os
Aula 3 | O modelo histórico-cultural de Vygotsky 71

ciclos já alcançados bem como aqueles em vias de


formação. A ZDP é encarada como o fator determinante
e delineador da competência da criança e de suas
futuras conquistas.

Para a psicologia, sua especificação é de suma


relevância para a elaboração de estratégias
pedagógicas.

Mas esse caminho exige a proximidade com o


outro, o processo de socialização, existe também a
idéia de que é através da intersubjetividade que as
conquistas se darão tanto na aprendizagem quanto no
desenvolvimento. Em crianças é principalmente
processado com atividades lúdicas, sendo a brincadeira
uma atividade de experimentação da cultura, para
Vygotsky.

A brincadeira encena a cultura num


funcionamento imaginário e intersubjetivo, utilizando a
linguagem verbal que alimenta os processos simbólicos
Dica de
necessários a estes funcionamentos. leitura

Winnicott, D. W. O
Isso nos faz lembrar de Winnicott. Brincar e a
Realidade. Rio de
Janeiro: Imago,
1975.
Para Winnicott a brincadeira é universal, e
significa um espaço de troca entre o mundo interno e a
realidade externa, que se inicia com a mãe brincando
com o bebê. Diz ainda, que o brincar favorece o
crescimento e conduz aos relacionamentos grupais,
propiciando a comunicação.

Na brincadeira, a criança introduz seus conflitos


e os soluciona, de tal forma que, explora caminhos
possíveis para resolução de suas aflições no confronto
com o mundo real.
Aula 3 | O modelo histórico-cultural de Vygotsky 72

Dica de Intervenção psicológica


leitura

É na zona proximal que a intervenção é mais


Molon, Susana Inês.
Subjetividade e transformadora. A escola funciona como um motor para
constituição do
sujeito em novas conquistas e o papel do professor é interferir em
Vygotsky.
Petrópolis: Vozes, tal zona.
2003.

O bom ensino é aquele que se adianta ao


desenvolvimento. Entretanto, Vygotsky não propõe um
trabalho diretivo e autoritário, nem o aluno como um
ser passivo. Seu objetivo é trabalhar com a importância
do meio cultural e com a possibilidade de reconstrução,
pelo indivíduo, dos significados culturalmente
transmitidos.

Neste processo evolutivo e de construção do ser


humano, Vygotsky destaca o mecanismo da Imitação,
que ele não vê como simples cópia e sim como a
reconstrução individual daquilo que é observado nos
adultos. Não é, pois, um processo mecânico; só sendo
possível a imitação da ação que esteja dentro da zona
de desenvolvimento proximal do indivíduo.

Diante desta abordagem teórica, você tem


condições de perceber um sujeito contextualizado,
portador de uma história, fora da qual se torna mera
abstração. Não sendo possível olhá-lo como um
recorte. Sua personalidade, embora diferente de todas
as outras, se estruturou de uma matéria-prima cultural
e histórica de uma época que, por sua vez, está
inserida na própria história da humanidade.

A compreensão da teoria de Vygotsky poderá


ainda se tornar maior através da transcrição de
pequenos trechos escritos por Leontiev (1988), no livro
Linguagem, Desenvolvimento e Aprendizagem:
Aula 3 | O modelo histórico-cultural de Vygotsky 73

Para esclarecer o problema teórico das


forças motivadoras do
desenvolvimento do psiquismo infantil,
precisamos, primeiro, compreender o
que determina o caráter psicológico da
personalidade, em qualquer estágio de
seu desenvolvimento.
O primeiro ponto a ser estabelecido é
o seguinte: durante o desenvolvimento
da criança, sob a influência das
circunstâncias concretas de sua vida, o
lugar que ela objetivamente ocupa no
sistema das relações humanas se
altera.
Tentaremos demonstrar isso por meio
de uma descrição dos estágios reais
pelos quais passa uma criança em seu
desenvolvimento.
A infância pré-escolar é o período da
vida em que o mundo da realidade
humana que cerca a criança abre-se
cada vez mais para ela. Em toda a sua
atividade e, sobretudo, em seus jogos,
que ultrapassaram agora os estreitos
limites da manipulação dos objetos
que a cercam, a criança penetra num
mundo mais amplo, assimilando-o de
forma eficaz. Ela assimila um mundo
objetivo como um mundo de objetos
humanos, reproduzindo ações
humanas com eles. Ela guia um
'carro', aponta uma 'pistola', embora
seja realmente impossível andar em
seu carro ou atirar com sua arma. Mas
neste ponto de seu desenvolvimento
isto é irrelevante para ela, porque suas
necessidades vitais são satisfeitas
pelos adultos, independentemente da
produtividade concreta de seus atos.
Uma criança reconhece sua
dependência das pessoas que a
cercam diretamente. Ela tem de levar
em conta as exigências, em relação a
seu comportamento, das pessoas que
a cercam, porque isso realmente
determina suas relações pessoais. Não
apenas seus êxitos e seus malogros
dependem dessas relações, como suas
alegrias e tristezas também estão
envolvidas com tais relações e têm a
força de motivação.
Durante esse período da vida de uma
criança, o mundo ao seu redor se
decompõe como se fosse em dois
grupos. Um grupo consiste em pessoas
inteiramente relacionadas com ela,
sendo que as relações com elas deter-
Aula 3 | O modelo histórico-cultural de Vygotsky 74

minam suas relações com todo o resto


do mundo. Essas pessoas são sua
mãe, seu pai, ou aquelas que ocupam
lugares junto a ela. Um segundo
círculo, mais amplo, é formado por
todas as demais pessoas, sendo que
as relações com essas são mediadas
pelas relações que ela estabeleceu no
primeiro círculo, mais estreito. E isto
não é tão simples quando uma criança
em idade pré-escolar é posta em um
jardim-de-infância.
Seu modo de vida parece mudar
radicalmente, e em uma certa medida
isso é verdade, mas psicologicamente
sua atividade permanece como antes,
dentro do seus muito Importantes
limites básicos…
…O ponto principal, finalmente, é que
agora as relações da criança perdem
seu papel anterior determinante no
círculo mais amplo de seus contatos…
…Ao estudar o desenvolvimento
psicológico infantil, nós devemos por
isso, começar analisando o
desenvolvimento da atividade da
criança, como ela é construída nas
condições concretas de vida…
…As relações de uma criança dentro de
um grupo de crianças são também
peculiares. Os vínculos que as crianças
de três a cinco anos estabelecem entre
si constituem ainda, em grande parte,
o elemento pessoal em seu
desenvolvimento, que conduz a um
verdadeiro espírito de grupo….
…Devemos, por isso, falar da
dependência do desenvolvimento
psíquico em relação à atividade
principal e não à atividade em geral…
…a atividade principal é então a
atividade cujo desenvolvimento
governa as mudanças mais
importantes nos processos psíquicos e
nos traços psicológicos da
personalidade da criança
(Leontiev, A., 1990).

Podemos, pois, perceber que, segundo


Vygotsky, o intrapsicológico se organiza a partir de
processos interpsicológicos, que passam a mediar a
atividade do ser humano no mundo, em constante
interação. E também que a atividade é uma forma
complexa de relação homem-mundo, que envolve
Aula 3 | O modelo histórico-cultural de Vygotsky 75

finalidades conscientes e atuação coletiva e de


cooperação.

Devemos também considerar que nenhuma


atividade humana poderá ser analisada fora do
contexto sociohistórico. Por exemplo: Como conceber
uma atividade com papel e lápis numa sociedade sem
escrita?

Sintetizando nosso estudo, podemos destacar


pontos fundamentais na obra de Vygotsky:

 O funcionamento cerebral como suporte


biológico do funcionamento psicológico;
 A influência da cultura no desenvolvimento
cognitivo dos indivíduos;
 A atividade do homem no mundo, inserida
num sistema de relações sociais, como o
principal foco de interesse dos estudos em
psicologia.

RESUMO

Vimos até agora:

 Vygotsky não ignora as definições biológicas


das espécies humanas; no entanto, atribui
uma enorme importância à dimensão social, e
esta última fornece os instrumentos e os
símbolos, assim como todos os elementos
presentes no ambiente humano impregnados
de significado cultural, a linguagem é o
instrumento que funciona como mediador
entre indivíduo e mundo a sua volta. Ela
fornece os mecanismos psicológicos e as
formas de agir nesse mundo;
Aula 3 | O modelo histórico-cultural de Vygotsky 76

 O aprendizado é considerado, assim, um


aspecto necessário e fundamental no
processo de desenvolvimento das funções
psicológicas superiores, constituído pelo
pensamento comunicado através da
incorporação da língua;

 Portanto, o desenvolvimento pleno do ser


humano depende do aprendizado que se
realiza num determinado grupo cultural, a
partir da interação com outros indivíduos da
espécie. Isto quer dizer que, por exemplo, um
indivíduo criado numa tribo indígena, que
desconhece o sistema de escrita e não tem
nenhum tipo de contato com um ambiente
letrado, não se alfabetizará. O mesmo ocorre
com a aquisição da fala. A criança só
aprenderá a falar se pertencer a uma
comunidade de falantes, ou seja, ser
possuidora de condições orgânicas (como
possuir o aparelho fonador) não é suficiente
para que o indivíduo adquira a linguagem;

 Para Vygotsky, o sujeito é produzido pela


cultura. Nessa perspectiva, o aprendizado
torna-se o fator que possibilita e movimenta o
processo de desenvolvimento;

 Desse ponto de vista, o aprendizado é o


aspecto necessário e universal, uma espécie
de garantia do desenvolvimento das
características psicológicas especificamente
humanas e culturalmente organizadas.
77
4

AULA
Wallon e o Estudo da
Psicogênese
Maria Poppe

Nesta aula iremos apresentar a teoria de Henry Wallon que teve


um papel fundamental nas mudanças de foco sobre o
desenvolvimento. Digo isto, pois a inserção da relevância do
aspecto psicomotor considerado presente e atuante no
desenvolvimento infantil refletiu igualmente, na compreensão Do
Desenvolvimento e aprendizagem como um tripé constituído pelos
aspectos afetivo, cognitivo e psicomotor.
Apresentação

A partir da relevância acima descrita, os espaços de aprendizagem


tiveram que incluir determinantes que proporcionem o
desenvolvimento psicomotor das crianças tanto quanto os
determinantes que contribuam no desenvolvimento cognitivo e
afetivo. Assim, podemos observar que houve alterações no
mobiliário das escolas, na disposição destes de tal maneira que
contemplassem as necessidades motoras de seus estudantes, e
não somente na educação infantil. Tornou-se uma preocupação
pedagógica garantir também o desenvolvimento psicomotor de
forma integrada aos demais aspectos do desenvolvimento
humano. Agora, se você não trabalha em escolas e nem com
crianças, ou seja, se o grupo trabalha é de adolescentes, adultos
ou idosos, Wallon também será útil para você! Aguarde pra ver.

Esperamos que, após o estudo do conteúdo desta aula, você seja


capaz de:
Objetivos

 Identificar as principais idéias de Henry Wallon, bem como sua


importância para as novas práticas de aprendizagem;
 Conhecer os conceitos propostos por Wallon e sua relevância
para a atividade educacional;
 Entender os estágios do desenvolvimento na compreensão de
Wallon que destaca o papel da tonicidade para integração do
corpo com o meio físico e social;
 Reconhecer a importância da ludicidade em qualquer momento
da vida e em especial
 nos espaços de aprendizagem, principalmente, destacando seu
papel no desenvolvimento psicomotor.
Aula 4 | Wallon e o estudo da psicogênese 79

Introdução

Henry Wallon (1879 – 1962) nasceu em Paris.


Antes de iniciar seus estudos em psicologia estudou
Filosofia e Medicina, sendo possível identificar em sua
obra as influências desses campos de saber.

Mais um pouco de história do Wallonn: HENRY WALLON

Antes de começar seus estudos em psicologia


passou também pela filosofia e medicina e ao longo de
sua carreira foi cada vez mais explícita a aproximação
com a Educação, já que se interessou pela pesquisa em
crianças, em especial sobre problemas patológicos
(casos de retardo mental, epilepsia, anomalias
psicomotoras etc.), tentando encontrar respostas
práticas para o desenvolvimento de seu intelecto. Em
1902, com 23 anos, formou-se em filosofia pela Escola
Normal Superior, cursou também medicina, formando-
se em 1908.

Viveu num período marcado por instabilidade


social e turbulência política. As duas guerras mundiais
(1914-18 e 1939-45), o avanço do fascismo no período
entre guerras, as revoluções socialistas e as guerras
para libertação das colônias na África atingiram boa
parte da Europa e, em especial, a França.

Em 1914 atuou como médico do exército


francês, permanecendo vários meses no front de
combate. O contato com lesões cerebrais de ex-
combatentes fez com que revisse posições neurológicas
que havia desenvolvido no trabalho com crianças
deficientes. Até 1931 atuou como médico de
instituições psiquiátricas.

Paralelamente à atuação de médico e psiquiatra


consolida-se seu interesse pela psicologia da criança.
Aula 4 | Wallon e o estudo da psicogênese 80

Na 2ª guerra atuou na Resistência Francesa contra os


alemães, foi perseguido pela Gestapo, teve que viver
na clandestinidade. De 1920 a 1937, é o encarregado
de conferências sobre a psicologia da criança na
Sorbonne e outras instituições de ensino superior.

Em 1925 fundou um laboratório destinado à


pesquisa e ao atendimento de crianças ditas
deficientes. Ainda em 1925 publica sua tese de
doutorado L’Enfant Turbulent (A Criança Turbulenta).
Inicia um período de intensa produção com livros
voltados para a Psicologia da criança, como o livro
intitulado Origens do pensamento na criança.

Em 1931 viaja para Moscou, sendo convidado


para integrar o Círculo da Rússia Nova, grupo formado
por intelectuais que se reuniam com o objetivo de
aprofundar o estudo do materialismo dialético e de
examinar as possibilidades oferecidas por este
referencial aos vários campos da ciência. Publicaria em
1941 o livro L’evolution psychologiuqe de l’enfant (A
evolução psicológica da criança). Em 1942, filiou-se ao
Partido Comunista, do qual já era simpatizante.
Manteria ligação com o partido até o final da vida.

Em 1948 cria a revista Enfance (Infância). Nesse


periódico as publicações servem como instrumento de
pesquisa para os pesquisadores em Psicologia e fonte
de informação para os educadores. Wallon faleceu em
1962.

A observação de crianças doentes (casos de


epilepsia, retardo, anomalias psicomotoras) e sua
experiência clínica com adultos traumatizados e/ou
seqüelados pela guerra deram o embasamento para
suas concepções teóricas.
Aula 4 | Wallon e o estudo da psicogênese 81

Sua investigação das funções psíquicas sempre


esteve atrelada a infra-estrutura orgânica dessas
funções. Sua teoria é fundamentada em termos
neurológicos, na perspectiva genética e na análise
comparativa, utilizando a Neurologia, a Psicopatologia,
a Antropologia e a Psicologia.

Em seus estudos das Síndromes Psicomotoras


deixou evidentes as relações no desenvolvimento
infantil entre movimento e psiquismo, interagindo com
o meio social. Mas Wallon adverte para os riscos de se
comparar o comportamento da criança com o do
adulto. Propôs estudar o desenvolvimento infantil a
partir da própria criança, compreendendo cada uma
das suas manifestações, no conjunto de suas
possibilidades, levando em consideração a idade da
criança.

Wallon considera a doença como um elemento


necessário a compreensão da normalidade. Atuou como
médico e psiquiatra, mas focou seu interesse na
psicologia da criança, principalmente, nas questões
relacionadas ao desenvolvimento do intelecto, o que o
aproximou da Educação.

Wallon postulava que o método adequado para


a psicologia era a observação, como nos aponta
Heloysa Dantas:

As bases da sua concepção


metodológica estão lançadas: à
psicologia convém um tratamento
histórico (genético), neurofuncional,
multidirecional, comparativo. As
funções devem ser estudadas
evolutiva e involutivamente (daí o
interesse pela doença e pela velhice).
(Dantas, 1992, p. 36)

Sua proposta não deve ser considerada


organicista, pois para Wallon o ser humano é
Aula 4 | Wallon e o estudo da psicogênese 82

:: Psicologia organicamente social, o que supõe a intervenção da


Psicogenética:
cultura na estruturação orgânica e na sua atualização.
Concebe a vida dos organismos como uma alternância
Modelo psicológico
que tem como de opostos, onde se mantém uma pulsação
objetivo descrever a
gênese do permanente. Por isso, sua idéia de que o
desenvolvimento
humano. Wallon,
amadurecimento do sistema nervoso (SN) sozinho, não
Piaget e Vygotsky
garante o desenvolvimento intelectual mais complexo.
são seus principais
teóricos. A influência do meio social se torna decisiva na
aquisição da inteligência simbólica, sendo a cultura e a
linguagem elementos importantes que fornecem ao
pensamento os instrumentos de sua evolução.

Wallon, em seus estudos, não se preocupara


com a quantificação dos resultados, pois acreditava na
psicologia como uma ciência qualitativa, optara por
uma análise genética para não perder a inteiridade do
objeto.

Dica de
leitura
A Natureza do Sistema

Para saber um A teoria de Henri Wallon pode ser considerada


pouco mais sobre
Wallon, uma tentativa de articulação entre os fatores biológicos
recomendamos os
livros: (atos motores) e os fatores subjetivos (ato mental).
WALLON, Henri. As Preconizou ainda que as funções humanas devem ser
origens do caráter
na criança: os analisadas de maneira evolutiva (progresso/saúde) e
prelúdios do
sentimento de
involutivamente (regressão/doença).
personalidade. São
Paulo: Difusão
Européia do Livro, Baseando-se em sua experiência pessoal
1971.
enquanto profissional de saúde construiu um modelo
DANTAS, Pedro da
Silva. Para conhecer teórico que foi definido como Psicologia
Wallon: uma
psicologia dialética. Psicogenética.
São Paulo:
Brasiliense, 1983.

GALVÃO, Izabel. Esse modelo teórico percebe e compreende o ser


Henri Wallon: uma
concepção dialética
humano como organicamente social, ou seja, ele
do desenvolvimento
precisa da cultura para se atualizar. É através das
infantil. Petrópolis:
Vozes, 1995. primeiras e primárias interações objetivas (ato motor)
que o sujeito trava com a cultura, que pode existir
desenvolvimento de determinadas capacidades
Aula 4 | Wallon e o estudo da psicogênese 83

intelectuais, ou seja, o ato mental se desenvolve a


partir do ato motor.

Para essa teoria a motricidade necessita de um


espaço de expressão, ou seja, a motricidade humana
começa a atuar antes no meio social (e a modificá-lo)
do que no meio físico. O desenvolvimento do ato
mental (aquisição crescente do domínio dos signos
culturais) reduz a motricidade, em sua dimensão
cinética, e se virtualiza em ato mental, gerando certo
enfraquecimento da função cinética e um gradativo
crescimento do processo ideativo e intelectual.

Wallon aponta ainda – e isso é bastante


importante - que a expressividade humana,
inicialmente, só afeta o meio social e não o meio físico
(um sorriso só pode ser veículo de comunicação para
um outro e nunca de contato com o meio físico).

A seqüência psicogenética dos movimentos


expressivos acompanha o amadurecimento das
estruturas nervosas do organismo humano em seu
processo constante e invariável de maturação.

Em sua teoria, Wallon buscou articular os


fatores biológicos (atos motores) com os fatores
subjetivos (ato mental). O grande eixo é a motricidade,
para ele, o ato mental se desenvolve a partir do ato
motor, exemplo disso, a aquisição de habilidades
motoras básicas, como a preensão e a marcha que
contribuem para essa integração e desenvolvimento.

O ser humano é, então, organicamente social,


porque carece da cultura para se atualizar e o
desenvolvimento de determinadas capacidades
intelectuais dependem das interações objetivas que o
sujeito estabelece com a cultura. Antes que a
motricidade possa alcançar o meio físico, ela atua e
modifica o meio social.
Aula 4 | Wallon e o estudo da psicogênese 84

É a motricidade expressiva da mímica,


inteiramente ineficaz do ponto de vista
instrumental: não tem efeitos
transformadores sobre o ambiente
físico. Mas o mesmo não acontece em
relação ao ambiente social: pela
expressividade o individuo humano
atua sobre o outro, e é isto que lhe
permite sobreviver, durante o seu
prolongado período de dependência. A
motricidade humana, descobre Wallon
em sua análise genética, começa pela
atuação sobre o meio social, antes de
poder modificar o meio físico. O
contato com este, na espécie humana,
nunca é direto: é sempre intermediado
pelo social, tanto em sua dimensão
interpessoal quanto cultural.
(Dantas, 1992, p. 38)

Com isso, percebemos que na concepção


Para pensar walloniana, há uma descontinuidade entre ato motor e
ato mental na medida em que o ATO MOTOR PRECEDE
Quando queremos
modificar algo no O ATO MENTAL, assim como, o meio social é
mundo ou a nossa
volta é porque nos modificado, transformado pela expressividade humana
preocupamos com o
outro. Assim, o meio antes que esta possa ter efeitos sobre o meio físico.
físico será
modificado através
do meio social. Exemplo: o choro do bebê contagia a mãe, que
Ou seja, ver o outro
sofrer provoca uma lhe oferece o seio. O choro afeta e modifica o meio
atitude em nós.
social: a mãe dá um sentido a esse desconforto, sem o
que não haveria nenhuma modificação no meio físico.

Segundo Dantas (1992), Wallon dá ênfase a


questão da motricidade, não dissociando-a do conjunto
de funcionamento da pessoa. Associa a patologia do
movimento à patologia da personalidade. Identifica
duas funções na atividade muscular:

 Cinética ou clônica – movimento visível há


uma mudança de posição do corpo ou
segmentos deste no espaço.
 Postural ou tônica – responde pela
manutenção da posição assumida e pela
mímica. Atividade do músculo parado.
Aula 4 | Wallon e o estudo da psicogênese 85

Wallon dará ênfase à função tônica, embora a


dimensão afetiva ocupe um lugar central em sua
teoria. Para ele, a emoção tem profundas raízes na
vida orgânica.

Ele descobre a origem dos comportamentos


vegetativos dos estados emocionais na função tônica e
caracteriza a atividade emocional como complexa e
paradoxal, por ser, simultaneamente, de natureza
biológica e social.

Para Wallon o psiquismo é uma síntese entre o


orgânico e o social.

É o vinculo que a consciência afetiva instaura


com o ambiente social que permite ao individuo o
acesso ao universo simbólico da cultura.

O desenvolvimento para Wallon é uma constante


e progressiva construção, com predominância funcional
de momentos afetivos e cognitivos.

 Caráter funcional - etapas da elaboração do


real e conhecimento do mundo físico.
 Caráter afetivo - relação com o mundo
humano e a construção do Eu.

Bem, até aqui, já temos claro que o organismo


biológico é afetado e modificado pela cultura, sendo o
psiquismo uma síntese entre o orgânico e o social. Mas,
uma questão se impõe: Por que ou para que Wallon dá
ênfase ao conceito de tônus, qual a implicação do
tônus no desenvolvimento emocional?

A resposta é simples e esclarece a ênfase dada:


Wallon utiliza o papel do tônus como um critério
classificatório para identificar a natureza das emoções,
tais como:
Aula 4 | Wallon e o estudo da psicogênese 86

 Hipotônica – emoções que levam a redução


do tônus. Ex: depressão, susto.
 Hipertônica – emoções que geram tônus. Ex:
cólera, ansiedade.
 Fluxo tônico – se dá quando ocorre a
elevação e escoamento do tônus em
movimentos expressivos. EX: alegria.

Wallon aponta a existência de três acessos as


manifestações passionais, são elas:

 Através de uma natureza química, central;


 Mecânico-muscular, periférica;
 Abstrata, representacional.

Além disso, aponta a função social do


comportamento emocional e seu conseqüente caráter
contagioso, buscando trazer luz à compreensão dos
processos interpessoais.

Sobre os três acessos a manifestação passional


acima descrita vale lembrar alguns exemplos bem
ilustrativos:

1º. EXEMPLO:
Na natureza química central podemos observar a
química cerebral atuando em situações de susto, por
exemplo, cuja reação corpórea é de sudorese e
taquicardia;
2º. EXEMPLO:
No mecânico-muscular periférico podemos observar
a reação corpórea pós relaxamento, onde a
tonicidade é alterada juntamente com o estado
emocional;
3º. EXEMPLO:
Na abstrata representacional é notória através das
reações diante de uma obra de arte ou um filme que
pode levar o espectador a grandes emoções.

E qual a utilização que nós profissionais da


saúde e/ou educação podemos fazer das concepções
teóricas propostas por Wallon?
Aula 4 | Wallon e o estudo da psicogênese 87

Vale ressaltar que para Wallon a emoção traz


consigo a redução da eficácia do funcionamento
cognitivo.

Mas o que significa isso? Para Wallon tem que


se descartar a emoção, excluí-la? Não, para Wallon a
afetividade é um componente PERMANENTE da ação, a
emoção não desaparece, mas ele postula que é preciso
que a emoção consiga transmutar-se em ação mental
ou motora, pois quando é emoção pura, ela produz
efeitos desorganizadores, e, por isso, reduz a eficácia
do funcionamento cognitivo. Daí Wallon achar
importante o conhecimento dos processos emocionais
para que possamos educar a emoção.

Sabemos também que é através da motricidade


que a criança reivindica muitos espaços e com estes
estabelece os primeiros contatos com a linguagem
socializada. As noções de “aqui” e “ali”, de “frente” e
“trás”, de “esquerda” e “direita”, de “dentro” e de
“fora”, e outras inúmeras que são essenciais para a
orientação do ser humano, tanto no sentido de sua
autonomia quanto de sua independência.

Para Wallon, a criança não é somente uma


combinação de sensações ou um conjunto de
movimentos. A experiência da criança, e mesmo de um
adulto, combina movimentos com emoções,
representações com socializações o tempo todo
(Dantas, 1992).

E o professor? Pode utilizar-se desse


conhecimento em sua prática? Traremos uma situação
do cotidiano da sala de aula para melhor exemplificar o
poder de contágio da emoção, a redução da capacidade
cognitiva, que a explosão causa (emoção pura) e a
importância da educação da emoção (conscientização
dos limites e regras sociais) para que o processo se
restabeleça.
Aula 4 | Wallon e o estudo da psicogênese 88

Uma professora de pré-escola está trabalhando com


seus alunos na “rodinha” uma história do interesse
de toda a turma. Um dos alunos insiste em sair da
sala, resistindo a toda tentativa de fazê-lo participar.
Após a frustração causada pela permanência na
sala, tem uma explosão de choro, e, imediatamente,
mais três colegas de turma começam a chorar
(contágio). A professora chama o grupo e conversa
sobre a hora da rodinha faz um acordo com eles que
depois desse tempo, eles terão atividade livre
(desenho, jogos, brincadeiras), levando ao
entendimento do tempo de cada atividade,
importância da realização da tarefa, de forma a
transmutar a emoção pura em ato mental, visando o
restabelecimento da participação dos alunos de
forma organizada. Sabemos que, durante uma
explosão de emoção a capacidade de raciocinar,
compreender fica reduzida, por isso, o professor
primeiro acolheu seus alunos, procurou saber o que
estava acontecendo, o motivo do choro, para depois
conversar e fazê-los entender as rotinas escolares.

Wallon considera que o caráter altamente


contagioso da emoção é conseqüência da visibilidade do
que se sente. A emoção é visível, expõe-se no exterior
através de modificações observáveis na mímica e
expressão facial, sensibilizando o observador as suas
manifestações. Essa teoria defende a existência de um
diálogo tônico. Não se trata, aqui, de empatias,
sintonia, formas de intersubjetividade. A emoção tem
visibilidade no corpo, na mímica, na expressão facial e
isso possibilita uma comunicação forte e primitiva que
utiliza a atividade tônico-postural para estabelecer-se.
E na comunicação é chamada de DIÁLOGO TÔNICO.

A afetividade, então, é uma fase do


desenvolvimento (podendo ser considerada a mais
arcaica) e não só uma das dimensões do ser humano.

E como Wallon conceitua o desenvolvimento? Ele


é um processo descontínuo, suas etapas são marcadas
por rupturas, reviravoltas, a passagem das fases se dá
através de reformulações, ou seja, não há linearidade,
já que uma etapa reformula a outra e o momento de
Aula 4 | Wallon e o estudo da psicogênese 89

passagem entre as etapas se dá através de crises que


modificam o comportamento da criança.

O desenvolvimento é marcado por conflitos que


surgem em função do processo maturacional e das
condições ambientais, e tem no decorrer das etapas a
reformulação dos avanços alcançados na fase anterior,
aumentando com isso a complexidade da ação. Os
conflitos, ora são de origem EXÓGENA caracterizada
por desencontros entre as ações da criança e o
ambiente externo (estruturados por adultos e pela
cultura), ora são de origem ENDÓGENA caracterizada
por efeito da maturação nervosa.

Wallon estabeleceu seis etapas para o


desenvolvimento psicomotor, são elas:

1ª etapa
ESTÁGIO IMPULSIVO-EMOCIONAL (0 - 03 meses)
- Essa fase é definida por movimentos reflexos,
impulsivos, globais e incoordenados do corpo, também
se observa o predomínio da afetividade nas reações do
bebê às pessoas.

2ª etapa
ESTÁGIO EXPRESSIVO-EMOCIONAL (03 meses
– 01 ano) – Ocorre o desenvolvimento de algumas
estruturas nervosas e observa-se o início das respostas
sociais ao ambiente. É a interação da criança com o
meio.

3ª etapa
ESTÁGIO SENSÓRIO-MOTOR E PROJETIVO – (01
– 03 anos) – Apresenta avanços que promovem
mudanças consideráveis, tais como: aquisição da
marcha e da preensão, maior exploração dos espaços e
manipulação de objetos, desenvolvimento da função
simbólica e da linguagem. O PROJETIVO se associa a
necessidade do uso de gestos para exteriorizar o ato
Aula 4 | Wallon e o estudo da psicogênese 90

mental e tem predominância das relações cognitivas


com o meio (inteligência prática e simbólica).

4ª etapa
ESTÁGIO DO PERSONALISMO (03 – 06 anos) – As
interações sociais promovem o processo de formação
da personalidade e a construção da consciência de si
mesmo. As crianças mostram interesse pelas pessoas
que as cercam. Retorno da predominância das relações
afetivas.

5ª etapa
ESTÁGIO CATEGORIAL (7 – 11 anos) – Nesse estágio
consolida-se a função simbólica e a inteligência.
Ocorrem os progressos intelectuais, a criança dirige seu
interesse para as coisas, para conquista do mundo
exterior, imprimindo suas relações com o meio, com
predominância do aspecto cognitivo.

6ª etapa
ESTÁGIO DA ADOLESCÊNCIA (11 – 12 anos) – Nesse
estágio ocorre uma predominância funcional. É comum
ocorrer nesse estágio a crise da puberdade, rompendo
a tranqüilidade afetiva, impondo a necessidade de uma
nova definição dos contornos da personalidade,
desestruturados devido as modificações corporais pela
:: Alternância
funcional: ação hormonal. O foco de interesse está voltado para
questões de ordem pessoal, existencial e moral, com
Cada fase retorno a afetividade.
predominante (de
dominância,
afetividade,
cognição), incorpora
as conquistas
Na passagem de um estágio para outro há uma
realizadas pela outra
alternância entre as formas de atividades e de interesse
fase, construindo-se,
reciprocamente, da criança chamada ALTERNÂNCIA FUNCIONAL.
num permanente
processo de
integração e
diferenciação. Para melhor compreendermos a teoria
apresentada, não podemos esquecer que Wallon
elabora sua concepção de desenvolvimento levando em
consideração alguns aspectos importantes:
Aula 4 | Wallon e o estudo da psicogênese 91

 1º Aspecto: A criança é um sujeito


contextualizado, devemos levar em conta
suas relações com o meio;

 2º Aspecto: A motricidade é essencial para a


formação de comportamentos mais
sofisticados;

 3º Aspecto: As etapas do desenvolvimento


são marcadas por rupturas e conflitos;

 4º Aspecto: A sucessão das etapas do


desenvolvimento não se dá de forma linear,
mas por reformulação;

 5º Aspecto: O ato motor precede o ato


mental;

 6º Aspecto: O psiquismo é uma síntese entre


o orgânico e o social.

Wallon contribuiu por desenvolver um estudo


que considera a criança um ser completo, para ser
observada de forma global, nas suas múltiplas
manifestações. Sua pesquisa articula emoção, cognição
e motricidade.

Após apresentarmos o percurso da Psicologia do


Desenvolvimento e suas principais correntes teóricas,
consideramos importante apresentar a vocês um
modelo psicológico chamado Psicologia Psicogenética.
Vocês devem estar se interrogando a respeito do
interesse desse assunto no âmbito dessa aula? Pois
bem, consideramos relevante o conhecimento do
enfoque teórico da Psicologia Psicogenética porque seu
propósito reside no estudo dos processos psíquicos em
sua gênese, na análise dos processos desde sua
origem, proporcionando uma abordagem do sujeito e
Aula 4 | Wallon e o estudo da psicogênese 92

de suas atividades de forma integrada, dentro de uma


visão global de desenvolvimento. Dentro dessa
concepção teórica, o sujeito não é fragmentado em
partes descontextualizadas, ele é abordado na sua
vertente biológica e social.

Outro motivo importante para apresentar a


psicologia psicogenética a vocês é o fato de que os
teóricos já estudados (Piaget, Vygotsky e Wallon)
desenvolveram seus estudos objetivando a descrição da
gênese do desenvolvimento humano, sendo por isso
elevados ao posto de representantes desse modelo de
abordagem científica.

Cabe ao profissional incrementar, favorecer


aspectos indispensáveis ao desenvolvimento, tais
como: sociabilidade, autonomia, criatividade, autoria e
cidadania, sem esquecermos da necessidade de
estimulação do desenvolvimento psicomotor, da
linguagem e das funções cognitivas (atenção,
concentração, memória e percepção). Só assim será
possível promover uma educação transformadora e
facilitadora para um desenvolvimento global de nossos
educandos. E, para que isso aconteça o que precisamos
considerar?

 A importância da ludicidade no processo de


desenvolvimento, por ser a experiência lúdica
uma oportunidade de estimulação
psicomotora que abrange questões relevantes
para a aprendizagem, como: coordenação
motora ampla e fina, equilíbrio estático e
dinâmico, organização espaço-temporal etc.

 Aproximação e articulação do conteúdo dado


com as experiências do dia-a-dia do
educando, de forma a tornar o conteúdo
inteligível e aplicável por ele.
Aula 4 | Wallon e o estudo da psicogênese 93

 Tornar o meio ambiente (escola, clínicas,


empresas.) um lugar de convivência com as
diferenças e diversidades culturais,
promovendo, com isso, valores determinantes
no desenvolvimento da cidadania.

Somente com a participação de todos será


possível estabelecer uma educação transformadora,
onde o processo de desenvolvimento e aprendizagem
contemple o aprimoramento do indivíduo nas suas
competências e na superação de suas dificuldades.

Para poder explicar as transformações que se


processam no desenvolvimento Wallon recorre ainda a
outros campos científicos na tentativa de aprofundar a
explicação dos fatores de desenvolvimento (psiquiatria,
neurologia, psicopatologia, antropologia, psicologia
animal etc.).

Podemos afirmar que, como bem apontou


Dantas (1983), a teoria de Wallon concebe o homem
como sendo um ser genética e organicamente social,
sendo que a sua existência se realiza como resultante
das exigências da sociedade e as exigências do
organismo.

A teoria de Wallon, na tentativa de construir


uma nova proposta de atendimento e entendimento da
criança, estabeleceu uma estreita interlocução com a
teoria construtivista de Piaget e psicanalítica de Freud.

Wallon formulou sua teoria como uma tentativa


de demonstrar as contradições e diferenças
apresentadas entre a sua teoria e a teoria de Piaget,
pois considerava ser essa a melhor maneira de discutir
e construir conceitos quando se está buscando o
conhecimento. Parece ser evidente que ambos se
propuseram elaborar uma análise genética dos
processos psíquicos (assim como Vygotsky), mas,
Aula 4 | Wallon e o estudo da psicogênese 94

contudo, podemos dizer que enquanto Wallon pretendia


elaborar uma gênese da pessoa completa, a teoria
piagetiana é uma tentativa de construir uma gênese da
inteligência.

Com relação aos trabalhos psicanalíticos de


Freud parece que esse autor estabeleceu uma postura
ao mesmo tempo de interesse e de reserva. Ambos
tiveram uma formação em neurologia e medicina, mas
Freud, ao formular sua teoria do inconsciente,
abandonou a neurologia e dedicou-se ao estudo das
neuroses, enquanto Wallon não a abandona em
decorrência do seu trabalho com crianças com
distúrbios mentais e de comportamento.

Objetivos Principais

A teoria de Wallon procura explicar os


fundamentos da psicologia enquanto modelo científico,
seus aspectos epistemológicos e metodológicos. Essa
teoria enfatiza o organismo como condição primeira do
pensamento, pois toda a função psíquica supõe um
componente orgânico, mas foi além ao preconizar que
isso não é condição suficiente para o desenvolvimento
da natureza humana, pois o objeto da ação mental é
proveniente e construído no ambiente o qual o sujeito
está inserido, ou seja, é um processo construído
exteriormente. Essa teoria define que o ser humano é
determinado fisiológica e socialmente.

A psicologia psicogenética tem como propósito


teórico o estudo dos processos psíquicos em sua
gênese. Esse modelo faz a análise dos processos
iniciais, os mais originários do sujeito. Para Wallon essa
foi a forma mais segura e a única maneira de
compreender as atividades humanas sem separá-las
em partes elementares ou torná-las abstratas demais.
Aula 4 | Wallon e o estudo da psicogênese 95

Para esse autor, a atividade do homem não


pode ser pensada descontextualizada do meio social.
Contudo, afirma também que certos padrões sociais
não podiam existir sem a presença de sujeitos que
tivessem certas habilidades biológicas (como a
linguagem), o que sugere uma conformação
determinada pelo cérebro humano. A demonstração
cabal dessa articulação é a ocorrência de certas
perturbações que afetam a integridade das ações
humanas e privam o indivíduo do recurso da palavra.
Por esse prisma não é possível dissociar o fator
biológico do contexto social no qual está inserido o
homem. Esta é uma das características básicas da sua
teoria do desenvolvimento humano.

O método adotado por Wallon é o da observação


pura. Considerava que esta metodologia permitia
conhecer a criança em seu contexto, no ambiente no
qual ela está inserida.

RESUMO

Vimos até agora:

 A gênese da inteligência para Wallon é


genética e organicamente social, ou seja: "O
ser humano é organicamente social e sua
estrutura orgânica supõe a intervenção da
cultura para se atualizar". Nesse sentido, a
teoria do desenvolvimento cognitivo de
Wallon está calcada na psicogênese da pessoa
completa;

 Henri Wallon pôde construir o seu modelo de


análise ao pensar no desenvolvimento
humano, estudando-o a partir do
desenvolvimento psíquico da criança normal e
deficiente;
Aula 4 | Wallon e o estudo da psicogênese 96

 Esse processo gera, em cada nova etapa,


significativas mudanças nas anteriormente
experimentadas. Nesse sentido, a passagem
dos estágios de desenvolvimento não pode se
dar de maneira linear, mas somente por
reformulação. O que se sucedem, no
momento da passagem de uma etapa a outra,
são crises que alteram o comportamento da
criança;

 Para Wallon os conflitos que se efetivam


nesse processo podem ser considerados de
origem exógena quando são efeitos do
resultado dos desencontros entre as ações da
criança e o seu ambiente externo, ambiente
que é estruturado pelos adultos e pela sua
cultura. Por outro lado, eles podem ser
considerados endógenos quando gerados
pelos efeitos da maturação nervosa (Galvão,
1995). São esses conflitos os
desencadeadores do desenvolvimento
humano;

 O processo de evolução da criança, ao mesmo


tempo que está determinado pela relação
entre o corpo, o movimento e a afetividade,
também determina mudanças cognitivas,
afetivas e motoras que são construídas e
aprendidas, cuja educação escolar tem um
papel essencial;

 Os estágios de desenvolvimento, embora


guardem semelhanças com os que Piaget
formulou são de fato diferentes, pois incluem
a associação entre os aspectos afetivos e
cognitivos de forma não simultânea, mas que
causam interferência e interdependência.
97
Freud e as Fases
Psicossexuais do

5
AULA
Desenvolvimento
Henrique Pereira
Luis Eduardo Granato
Hildeberto Martins
Fabiane Muniz

Olá! Agora o próximo da lista dos teóricos do desenvolvimento é


Sigmund Freud. A psicanálise foi pensada por Freud como uma
Apresentação

nova maneira radical de compreender o sofrimento humano a


partir da pesquisa de aspectos negligenciados da natureza
humana: as patologias psíquicas. Para ele, essa compreensão só
podia ser viável através do estudo do inconsciente, um sistema
psíquico totalmente diferente do sistema consciente, e que por
isso possuiria uma dinâmica (modo de funcionamento) e economia
própria (produção e eliminação de energia), ou seja, uma maneira
de investimento e de energia característico para a resolução dos
conflitos psíquicos, que nesse caso seriam sempre inconscientes.
Tem muita coisa pra aprender nessa aula. Vem com a gente!

Esperamos que, após o estudo do conteúdo desta aula, você seja


capaz de:
Objetivos

 Conhecer a biografia de Freud;


 Conhecer a natureza do sistema;
 Estudar os principais conceitos da psicanálise de Freud;
 Entender o funcionamento do aparelho psíquico segundo a
teoria Freudiana;
 Descrever as fases psicossexuais do desenvolvimento;
 Discutir sobre os objetivos principais da psicanálise e
 Discutir sobre as criticas da teoria de Freud.
Aula 5 | Freud e as fases psicossexuais do desenvolvimento 99

Sigmund Freud

BIOGRAFIA

Sigmund Freud nasceu em seis de maio de


1856, na cidade de Freiberg, Moravia. Viveu grande
parte da sua vida em Viena, na Áustria. Por causa de
sua descendência judaica sofreu sérias dificuldades em
SIGMUND FREUD
seus primeiros anos de estudos, formando-se
tardiamente em medicina no ano de 1881. Freud não
era um grande entusiasta da prática médica, e a única
área que lhe interessou foi a neurologia. Preferia o
campo da pesquisa e do ensino, mas em decorrência
de sua condição financeira teve que desistir de seus
projetos acadêmicos e abraçar a clínica médica como
resposta a este problema.
:: Associação livre:

Durante a sua formação médica foi um grande


Esse método foi
discípulo das idéias de Jean Martin Charcot (1825- inventado a partir da
sugestão de uma de
1893) e Josef Breuer (1842-1925) e conseqüentemente suas pacientes
durante o
do método hipnótico e da sugestão antes de inventar tratamento clínico
(Elisabeth Von R.).
um conceito-método fundamental para a ciência
psicanalítica: a associação livre. Contudo, o que
determinou definitivamente esse novo campo de
estudo sobre a subjetividade humana foi a elaboração
do conceito de inconsciente.

No início do século XX Freud começou a fazer


enorme sucesso, realizando inúmeras viagens para
divulgar e explicar a psicanálise. Viajou para
Massachussets, Budapeste, Munique e Berlim, entre
outras cidades. Com o acirramento do movimento
nazista na Alemanha e a perseguição aos intelectuais
em decorrência de suas idéias e posições políticas,
Freud começou a ter sérios problemas, inclusive
ocorrendo a destruição de suas obras por ordem desse
movimento fascista. Devido a interferência de várias
personalidades, inclusive de Franklin Delano Roosevelt
Aula 5 | Freud e as fases psicossexuais do desenvolvimento 100

(Estadista norte-americano) e Benito Mussolini


(Estadista fascista italiano), conseguiu transferir-se, em
1938, para Londres, Inglaterra, onde se refugiou em
decorrência da perseguição nazista. Morreu em
conseqüência de um câncer nesta capital, em 1939.

A NATUREZA DO SISTEMA

Desde o princípio os estudos freudianos


marcaram uma grande diferença entre a Psicologia e a
psicanálise. Para a Psicologia da época o Inconsciente
seria uma parte, um aspecto secundário do sistema
consciente, e por isso estando subordinado a este
último. O inconsciente era um adendo do sistema mais
importante, a consciência, sendo nesse sentido
irrelevante realizar estudos sobre ele.

É impossível ignorar que as escolas psicológicas do


século XIX e XX privilegiaram os estudos sobre a
consciência e a vontade em seus aspectos mais
objetivos e, portanto, observáveis.

Para Freud o inconsciente é um sistema


independente, mesmo que mantenha relações
necessárias com outros sistemas, como veremos mais
adiante. O psicanalista Luiz Alfredo Garcia-Roza (1992),
um grande estudioso da teoria freudiana, ao comentar
sobre o conceito de inconsciente na teoria psicanalítica
diz que: “o que define portanto o inconsciente não são
seus conteúdos mas o modo segundo o qual ele opera,
impondo a esses conteúdos uma determinada forma”.

Em princípio, Freud elaborou seu modelo


psicológico seguindo o padrão científico da época, por
isso ele descreveu, num primeiro momento, o aparelho
psíquico como um sistema neuronal, como seus
neurônios e funções específicas. Essa idéia seria
abandonada posteriormente por uma perspectiva
menos acadêmica e mais clínica, terreno o qual
Aula 5 | Freud e as fases psicossexuais do desenvolvimento 101

permitiu o surgimento dos principais conceitos da teoria


psicanalítica. Se Freud abraçou num primeiro momento Importante

uma pretensão científica na construção do seu aparelho


Isso ficou evidente
psíquico foi porque a construção de uma nova ciência no trabalho
intitulado Projeto
(a psicanálise) deve passar inicialmente pelo crivo do para uma Psicologia
científica, escrito em
modelo científico da época. Mas Freud ao tomar 1895, e que não foi
conhecimento que suas idéias seriam revolucionárias publicado em vida
por Freud.
não pôde mais abandoná-las, mesmo que isso
significasse ir contra os preceitos científicos vigentes
naquele momento.

A construção do modelo teórico psicanalítico se


deveu ao trabalho e análise de uma psicopatologia
bastante comum e de difícil solução do século XIX: a
histeria. Foi o interesse pela histeria, iniciado
provavelmente a partir dos seus estudos em
Salpêtrière, Paris, com Jean-Martin Charcot, onde tudo
começou. Esse contato com Charcot, na época um dos
mais renomados psiquiatras franceses, foi em
decorrência de uma bolsa de estudos ganha por Freud.
O contato com esse eminente psiquiatra impressionou
significativamente Freud, que resolveu traduzir seus
trabalhos acadêmicos. De volta a Viena, faria
conferências sobre histeria, mas estas não seriam bem
acolhidas pela comunidade acadêmica médica.

Freud dedicou grande parte do seu tempo à


pesquisa clínica. Utilizando o método hipnótico
trabalhou inicialmente em colaboração com Josef
Breuer, inclusive publicando trabalhos conjuntos sobre
o tratamento de casos de histeria. Alguns anos depois
rompeu com seu “mestre” por causa de idéias
divergentes em relação ao funcionamento do psiquismo
humano e de seus mecanismos de defesa.

A descoberta clínica da importância do conflito


psíquico para a produção de respostas defensivas
inconscientes levou Freud a abandonar a hipnose e a
analisar um outro aspecto evidenciado durante o
Aula 5 | Freud e as fases psicossexuais do desenvolvimento 102

:: Resistência: tratamento: elucidação da resistência. Para Freud


esse fenômeno é um mecanismo de defesa do
Definida como "tudo psiquismo na tentativa de dar conta do conflito
o que nos atos e
palavras do inconsciente de amor/ódio em relação à figura do
analisando, durante
o tratamento analista (no caso, Freud), que é o substituto de uma
psicanalítico, se
opõe ao acesso figura mais arcaica, no caso o pai como objeto
deste ao seu
inconsciente". simbólico de amor/ódio. É o próprio Freud quem diz
que a “resistência é regulada pela distância em relação
ao recalcado; por outro lado, corresponde a uma
função defensiva”. Com a formulação da segunda
tópica, o caráter defensivo será mais enfatizado.

Alguns conceitos fundamentais da


psicanálise

:: Segunda Tópica: Descartes (séc. XVII) foi o grande formulador da


noção moderna de subjetividade. Subjetividade que
O conceito de tópica identificou à Razão, ao Espírito, à Consciência. Era a
decorre da idéia de
“lugar psíquico” razão a garantia do conhecimento, do acesso à
formulado por Freud
na tentativa de verdade. Esta concepção influenciou entre outros W.
descrever os
conflitos Wundt, o fundador da psicologia moderna, em 1879,
inconscientes
resultantes da luta que quis fazer desse saber o estudo da experiência
entre isso, eu e
supereu (id, ego e consciente.
superego) presentes
no aparelho psíquico
e que ocupariam Mas Freud, com a produção do conceito de
lugares (topos)
diferentes nesse inconsciente, operou uma mudança significativa nessa
mesmo aparelho.
imagem que o homem fazia de si próprio. Mostrou, a
partir da análise de pacientes neuróticos, que o
aparelho psíquico (alma, psique ou mente) não é
unitário, mas dividido. A subjetividade perdera seu
centro, já que não se reduzia tão-somente à
consciência. Haveria um outro sistema psíquico em
funcionamento a ser levando em conta que não o
consciente, isto é, o inconsciente. Assim, em Cinco
Lições de Psicanálise, de 1909, Freud elegeu a divisão
da mente e a dissociação da personalidade como
pontos centrais da teoria psicanalítica. Mas como
chegou a tal conclusão?
Aula 5 | Freud e as fases psicossexuais do desenvolvimento 103

Esquema do aparelho psíquico proposto por Freud


em A dissecção da personalidade psíquica (Vol. XXII
das Obras Completas).

RESISTÊNCIA, DEFESA E RECALCAMENTO

Freud certa vez escreveu que a psicanálise só


pôde ser inventada quando abandonou a hipnose como
técnica psicoterapêutica. A hipnose, enquanto terapia
baseada na sugestão, mascarava um fenômeno clínico
importantíssimo, qual seja, a resistência. Freud
CHARCOT
observou que, por um lado, o paciente procura o
analista para que o ajude a curar-se de seu sofrimento,
mas, por outro, alguma barreira se ergue dentro de si
contra o tratamento. Esta barreira é a resistência. Ela é
notada quando o paciente deixa de associar livremente,
quando sua memória “falha” e as reminiscências lhe
escapam. Mas contra o quê o paciente resiste? Resiste
Quer
a imagens, pensamentos e idéias que lhe dão saber mais?

desprazer, causam sofrimento, despertam vergonha e


Freud foi estudar
culpa. Com efeito, a resistência seria a expressão com Charcot, um
observável do mecanismo do ego, que Freud chamou proeminente médico
francês, que
de defesa. A defesa, portanto, visa proteger o eu de aplicava a hipnose a
pacientes com
representações (idéias) investidas de afeto paralisias histéricas.
Quando
desagradáveis. hipnotizadas, as
pacientes
conseguiam mexer o
O recalque ou recalcamento, por sua vez, é um membro paralisado.

dos mecanismos de defesa do eu, não devendo, por


conseguinte, ser confundido com a noção genérica de
defesa. O recalque designa “a operação pela qual o
Aula 5 | Freud e as fases psicossexuais do desenvolvimento 104

indivíduo procura repelir ou manter no inconsciente


representações (...) ligadas a uma pulsão” (Pontalis &
Laplanche, 19?, p.553).

Os conceitos de resistência, defesa e recalque


assinalam o estado de divisão e luta em que se
encontra a personalidade. Uma batalha se trava entre
diferentes forças dentro do psiquismo humano. Isto é,
de um lado há as representações investidas de desejo
do inconsciente que querem tornar-se conscientes e do
outro as defesas do ego erguidas contra elas.

O INCONSCIENTE

A psicanálise é uma trama de conceitos. Para


explicar um de seus conceitos precisamos de outros
para torná-lo inteligível. Nesse sentido, as idéias de
resistência, defesa, e recalque se vinculam à hipótese
da existência de um outro sistema psíquico, distinto do
consciente, o inconsciente. Na neurose, em particular,
fica evidenciada a existência de um conflito entre esses
dois sistemas. Conflito que o sujeito não suporta,
levando-o assim a refugiar-se no sintoma como uma
tentativa de superá-lo. A neurose é, por conseguinte,
uma fuga. O sintoma alienação. A terapia psicanalítica
surge então como uma atividade que procura
desconstruir as resistências do paciente de modo que
ele possa re-conhecer aquilo que recalcou e que,
portanto desconhece. A “verdade” não está mais agora
no eu consciente ou na Razão, como queria Descartes,
mas no desejo inconsciente. A psicanálise é, pois, uma
ética do desejo.

Em A interpretação dos sonhos, de 1900, Freud


apresenta o seu primeiro modelo de aparelho psíquico
(primeira tópica). Ali, o psiquismo aparece dividido em
três regiões psíquicas: consciente, pré-consciente e
inconsciente. Mas se o inconsciente é por definição
Aula 5 | Freud e as fases psicossexuais do desenvolvimento 105

desconhecido, não conhecido, como sabemos de sua


“existência”? Mediante seus efeitos sobre o consciente, Importante

o que Freud denominou de “formações de


As piadas (chistes)
compromisso”. Tais formações são os sonhos, os também são,
segundo Freud, uma
sintomas, as fantasias e atos falhos (parapraxias). forma socialmente
aceita de dar
Todos esses fenômenos fogem ao controle do eu, expressão ao
revelam-se espontâneos, parecem possuir autonomia. recalcado.

Neste primeiro modelo, Freud praticamente


reduz o inconsciente a conteúdos psíquicos recalcados,
isto é, representações impedidas de alcançarem o
sistema pré-consciente/consciente. Porém, em O Ego e
o Id, de 1920, reformula sua imagem de aparelho
psíquico. A segunda tópica assimila à instância do id as
principais características do inconsciente. As outras
demais instâncias formadoras do aparelho psíquico são
o ego e o superego. Neste novo modelo, nem tudo que
é inconsciente o é porque foi recalcado. O ego e o
superego, por exemplo, têm agora partes
inconscientes.

O id, além do mais, é descrito por Freud como


um “caldeirão pulsional” e o “grande reservatório de
libido”. Pulsão e libido são dois dos principais conceitos
da psicanálise que tratam da sexualidade. O que tanto
causa desprazer ao ego — e que portanto tem de ser
recalcado — são os impulsos sexuais que se originam
no id. Dito de outra forma parece haver algo na
sexualidade que causa desprazer ao sujeito.

A INSTAURAÇÃO DO INCONSCIENTE: O CONCEITO


DE RECALCAMENTO

A teoria do recalcamento ocupa um espaço


privilegiado dentro do modelo metapsicológico
freudiano (modelo teórico). Esse conceito aparece em
textos anteriores ao texto A interpretação de sonhos,
sendo comparado por Freud ao conceito de defesa,
Aula 5 | Freud e as fases psicossexuais do desenvolvimento 106

mas não se confundido com este. Esse conceito foi


traduzido para o português como repressão, termo que
não se aproxima, segundo alguns autores, do real
sentido que Freud quis dar à sua idéia.

Dentro da teoria psicanalítica o conceito de


recalque é considerado o mecanismo de defesa
:: Princípio de
Nirvana: característico, mas não o único, da personalidade
neurótica, permitindo que esta estrutura psíquica possa
É o movimento pelo
qual o aparelho lidar com os conflitos que afetam o sujeito. Esses
psíquico pode levar
a zero ou ao mínimo
conflitos são o resultado do aumento da tensão
possível qualquer (energia) dentro do aparelho psíquico, causado pela
quantidade de
excitação, tanto de excitação do mesmo, e da tentativa (sempre frustrada)
origem externa ou
interna. Ele está de sua eliminação total pelo escoamento da descarga
relacionado,
segundo Freud, em desencadeadora da excitação.
um certo nível, à
pulsão de morte.

A descoberta da teoria psicanalítica aponta para


os caminhos possíveis junto ao aparelho psíquico da
descarga causadora da excitação, já que a sua total
descarga tem conseqüências negativas para a vida do
sujeito (a morte), mas que é ao menos, em tese,
desejado por este aparelho (princípio de Nirvana). É
:: Inconsciente:
na tentativa de descrever esse funcionamento que
Freud esbarra com a idéia de recalque como barreira
É um dos sistemas
do aparelho protetora do aparelho psíquico, já que ela é a defesa
psíquico. Seus
“conteúdos” inconsciente do ego (eu).
(representantes das
pulsões) estão
inacessíveis à
consciência e só
Os comentários que se seguem sobre a teoria
podem retornar a
psicanalítica acompanham de perto as formulações e
ela como formações
de compromisso idéias apresentadas por Luiz Alfredo Garcia-Roza
(sonho, ato falho,
sintoma) depois de (1990, 1991, 1992, 1993) em seus estudos sobre os
passarem pela
censura. Já o mais variados aspectos da teoria freudiana.
sistema Pré-
consciente/
Consciente é distinto Esquematicamente podemos definir o recalcamento
do primeiro sistema
como uma fronteira entre os sistemas
já que está separado
pela censura. Os Inconsciente (ICS) e Pré-consciente/Consciente
“conteúdos” pré- (PCS/CS), cujo propósito seria regular a passagem
conscientes são de certas inscrições inconscientes (traços
acessíveis à
mnêmicos). Devemos lembrar que antes da
consciência.
fundação desses dois sistemas certas experiências
(olfativas, auditivas, visuais etc.) são inscritas no in-
Aula 5 | Freud e as fases psicossexuais do desenvolvimento 107

consciente, sendo que a sua possível acessibilidade


à consciência fica impedida a partir de então em
conseqüência da tensão que foi gerada no aparelho
psíquico e que é denominada de recalcamento
originário. Para Freud é o recalcamento originário
que permite a separação do inconsciente em seus
sistemas constituintes.

Segundo Freud, somente quando essas experiências


recalcadas ganham um sentido para o sujeito (suas
fantasias) em decorrência do processo de
verbalização e da constituição de uma imagem
egóica (imagem do eu) é que elas ganham a função
traumática e podem ser experimentadas como
insuportáveis, necessitando com isso ser recalcadas,
processo definido como recalcamento secundário ou
propriamente dito.

Quando acontece o fracasso do recalcamento, em


decorrência de uma série de fatores, pode acontecer
de os elementos recalcados reaparecem no sistema
PCS/CS. Esses conteúdos inconscientes que
atravessam a barreira do recalque só conseguem
fazê-lo de maneira deformada sob a forma de prazer
parcial, como formação de compromisso (sonhos,
atos involuntários, manifestações patológicas,
relações transferenciais etc.). Esse movimento é
denominado de retorno do recalcado.

Podemos resumir esses estágios do :: Censura:


recalcamento da seguinte maneira:
O conceito de
censura é mais
 O RECALCAMENTO ORIGINÁRIO – utilizado por Freud
na primeira tópica,
inscrição/fixação de certas experiências cuja depois sendo
confundida com o
significação inexiste para o sujeito, registro conceito de recalque
e defesa. Ela é a
imaginário (pré-verbal, antes do ingresso no barreira que se
constitui entre os
simbólico), vão servir de pólo da atração para
sistemas do
o recalcamento secundário, só existe o aparelho psíquico.

contra-investimento;

 O RECALCAMENTO SECUNDÁRIO – efeito do


conflito entre os sistemas ICS e PCS/CS. Sua
função é impedir que certas representações
do sistema inconsciente tenham acesso ao
sistema PCS/CS. Esse seria o recalcamento
propriamente dito.
Aula 5 | Freud e as fases psicossexuais do desenvolvimento 108

 O RETORNO DO RECALCADO – efeito do


fracasso do recalcamento, onde os elementos
recalcados reaparecem “e conseguem fazê-lo
de maneira deformada sob a forma de
compromisso”. A sua incidência na vida
mental do ser humano demonstra e confirma
a idéia psicanalítica de indestrutibilidade dos
conteúdos inconscientes.

A demonstração empírica do fenômeno do


recalcamento foi resultante da descoberta freudiana do
conceito de resistência, que se apresentava na clínica
como uma falha na memória ou a incapacidade de falar
sobre um determinado tema sem um motivo aparente.
A resistência, segundo Freud, está sempre a serviço
das defesas inconscientes do sujeito.

O FUNCIONAMENTO DO APARELHO PSÍQUICO

O aparelho psíquico ao longo da teoria


freudiana, e dos continuadores desse modelo (Lacan,
Klein etc.), é definido a partir de três características
bem distintas, mas intimamente articuladas. Assim, o
sistema inconsciente psicanalítico pode ser analisado e
descrito do ponto de vista tópico, dinâmico e
econômico.

O CARÁTER TÓPICO

Os lugares psíquicos têm um caráter metafórico


e é dessa maneira que devem ser pensados pois para a
teoria freudiana não existe um lugar anatômico, uma
localização cerebral para o inconsciente, não sendo
encontrando neles coisas da ordem da materialidade
física mas sim da ordem das representações e afetos. É
Freud mesmo quem alerta ao dizer: “(...) evitaremos
cuidadosamente a tentação de determinar
anatomicamente de qualquer maneira a localização
psíquica [do inconsciente]”.
Aula 5 | Freud e as fases psicossexuais do desenvolvimento 109

Em sua primeira formulação do aparelho


psíquico, Sigmund Freud chama de lugares psíquicos os
sistemas dotados de características e funções
diferenciadas e que também apresentam certa
ordenação hierarquizada. Essa preocupação era uma
tentativa de explicar os fenômenos mentais que eram
apresentados pelos pacientes na clínica.

A proposta de tópica já estava presente desde A


interpretação de sonhos e seria conhecida como
primeira tópica, composta de Consciente, Pré-
consciente e Inconsciente.

O Pré-Consciente e o Consciente formam uma


única instância subjetiva. Cada instância psíquica tem
determinadas funções específicas e está ao mesmo
tempo articulada aos outros aspectos envolvidos na
caracterização do sistema como um todo. Assim, o
sistema ICS (tópico) está ligado ao processo primário,
fenômeno inconsciente que visa à descarga total de
toda a energia inconsciente através da passagem da
energia psíquica a outra instância (PCS/CS) sem a
interferência das barreiras defensivas. Esse processo
ainda está articulado ao processo econômico e
dinâmico denominado de energia livre, fenômeno
referente à descarga direta dessa energia psíquica e,
conseqüentemente vinculado ao princípio de prazer,
princípio o qual define que toda a atividade psíquica
está voltada para a eliminação do desprazer e a
manutenção do prazer. Todo esse processo
inconsciente está vinculado e resulta em fenômenos
como o sonho e os sintomas patológicos.

O sistema PCS/CS (tópico) está, por outro lado,


ligado ao processo secundário, fenômeno pré-
consciente e consciente. Este visa à descarga parcial da
energia inconsciente através da passagem da energia
psíquica a outra instância (PCS/CS) sem a interferência
Aula 5 | Freud e as fases psicossexuais do desenvolvimento 110

das barreiras defensivas e, portanto, articulado ao


processo econômico e dinâmico denominado de energia
ligada, fenômeno referente à descarga moderada ou
controlada dessa energia psíquica e, conseqüentemente
vinculado ao princípio da realidade, princípio o qual
define que toda a atividade psíquica está voltada para a
regulação do aparelho psíquico a partir de princípios
impostos pela realidade exterior e tendo como
conseqüência o adiamento da descarga energética, ou
seja, a transformação da energia livre em ligada. Todo
esse processo está vinculado a fenômenos a serviço do
ego, como a atenção, o pensamento da vigília, a
memória e a linguagem.

O CARÁTER DINÂMICO

O aparelho psíquico freudiano também é


caracterizado pelo que passou a se chamar de seu
caráter dinâmico, ou seja, pelos aspectos referentes à
luta entre a energia psíquica que impulsiona o aparelho
a uma tentativa de descarga dessa mesma energia e o
movimento contrário destinado a impedir essa descarga
que é conhecido como recalcamento. Nesse processo
está presente a idéia de conflito, fenômeno que permite
o funcionamento desse mesmo aparelho. Essa idéia
freudiana é considerada um grande avanço em relação
a compreensão do inconsciente e seus processos ao
enfatizar o aspecto dinâmico e não mais uma
concepção estática desse sistema e das patologias
associadas aos fenômenos psíquicos, o que era comum
em estudos psiquiátricos da época.

Esse princípio serviu de base para a própria


definição de dualismo pulsional da teoria freudiana. A
noção dinâmica de Freud não pressupõe somente a
idéia de força, mas de conflito entre forças como motor
do funcionamento do aparelho psíquico. Para Freud era
necessária uma força contrária impedindo o acesso dos
Aula 5 | Freud e as fases psicossexuais do desenvolvimento 111

produtos inconsciente à consciência (Laplanche e


Pontalis, 1992).

Como se sabe, a energia psíquica está sempre :: Produtos do


associada a um representante (representação de coisas inconsciente:

ou de palavras) e que este ao tentar ter acesso à


São resultado do
consciência pode ser impedido pelo processo de efeito de deturpação
decorrente do
recalcamento. Como resultado disso podemos ter o que processo de
recalcamento. Os
é denominado de retorno do recalcado ou mais fenômenos mais
comuns resultantes
simplesmente produtos do inconsciente. desse trabalho são
os sintomas
neuróticos.
Para a psicanálise esse fenômeno é uma solução
de compromisso entre as instâncias do aparelho
psíquico, já que o retorno do recalcado na verdade é a
junção entre o recalcado e um elemento consciente da
vida do sujeito. Esse elaborado truque se faz
necessário para que o conteúdo recalcado possa advir
ao campo pré-consciente/consciência sem ser
totalmente censurado pela barreira do recalcamento.
Não custa lembrar que o(s) produto(s) inconsciente(s)
que chega(m) ao nível da consciência pode(m)
novamente retornar para o sistema inconsciente em
conseqüência de um fenômeno chamado de
recalcamento secundário.

Outro mecanismo característico e que


demonstra o funcionamento conflitivo do aparelho
psíquico é a resistência, fenômeno evidenciado na
clínica psicanalítica.

Esses fenômenos atestam a importância da


compreensão dos processos conflitivos para a
investigação e descrição mais detalhada do
inconsciente e de suas conseqüências para a vida do
sujeito. Passemos agora para a descrição do aspecto
econômico. Mas antes, que tal fazer um exercício para
testar o que aprendeu?
Aula 5 | Freud e as fases psicossexuais do desenvolvimento 112

O CARÁTER ECONÔMICO: O DESTINO DAS


QUANTIDADES DE EXCITAÇÃO

Segundo a lógica freudiana, para que o aparelho


psíquico pudesse funcionar plena e eficazmente era
necessária uma certa quantidade de energia, ou
fisicamente falando é necessário uma certa quantidade
de excitação dentro desse aparelho. Essa energia foi
definida com o nome de pulsão, e se tornou um dos
conceitos mais importantes da psicanálise.

Para descrever o funcionamento do aparelho


psíquico a partir da força que o alimenta, denominada
de pulsão, Freud demonstra que ela não se apresenta
diretamente no sistema, e sim é representada. Os
representantes psíquicos da pulsão são: representação
de coisas e representação de palavras (inscrições da
pulsão no sistema psíquico). Os representantes
psíquicos ficam assim divididos no aparelho, segundo o
caráter tópico: ICS: representação de coisas; PCS/CS:
representação de palavras e afeto. O que passa é a
representação e não a energia investida nesta
representação.

Toda energia de investimento tem como fonte


original as pulsões e esta energia é a libido (energia
das pulsões sexuais).

Quanto ao caráter econômico o sistema


inconsciente pode ser assim definido:

Sistema Ics  energia livre  princípio do


prazer (desprazer – ligado ao aumento das
quantidades de excitação; prazer – ligado à sua
redução)

Sistema Pcs/Cs  energia ligada  princípio de


realidade (transformação de energia livre em
ligada)
Aula 5 | Freud e as fases psicossexuais do desenvolvimento 113

Segundo a teoria freudiana a aquisição da


linguagem é de grande importância, já que é a partir
da apropriação que fazemos do mundo através da
linguagem que o acesso ao simbólico se efetiva. A
função simbólica é um conjunto de leis que estruturam
o inconsciente freudiano.

Com o avanço e reformulação das principais


idéias ao longo de toda a sua vida a teoria tópica
também foi revista, o que ficou evidente após o
trabalho intitulado Jenseits des Lustprinzips (Além do
princípio do prazer), de 1920. A partir desse momento
a teoria freudiana seguiu uma nova direção e que
culminou com a formulação de uma segunda tópica.
Esse novo modelo iria consagrar definitivamente os
conceitos usados por Freud para determinar os lugares Dica de
filme
psíquicos: o Isso (Id), o Eu (Ego) e o Supereu
(Superego). Para conhecer
melhor a teoria
psicanalítica,
sugerimos os filmes
Outra grande contribuição da teoria freudiana
“Freud além da
para o campo educacional foi a formulação das fases alma”,
“Encaixotando
de desenvolvimento psicossexual infantil. Elas foram Helena”,
“Inconscientes”,
descritas em decorrência do investimento libidinal de entre outros.

uma região ou lugar subjetivo do corpo humano. As


fases são as seguintes: oral, anal, fálica e genital. O
desenvolvimento psicossexual ainda é composto pelo
período de latência. As idades aqui apresentadas são
os períodos aproximados da eclosão dessas fases e dos
respectivos fenômenos que caracterizam cada uma
delas. Contudo, cabe lembrar que esses fenômenos
não ficam restritos a esses períodos cronológicos, já
que o inconsciente é atemporal. Passemos agora a sua
breve descrição.

 FASE ORAL (0 – 06 meses)


 A boca é a zona erógena (zona de prazer)
 1º corte: o desmame (perda do seio-falo)
Aula 5 | Freud e as fases psicossexuais do desenvolvimento 114

 FASE ANAL (02 – 03 anos)


 2º corte: exigência de controle
esfincteriano (mediação corporal
intermediado por regras, prescrições e
interdições) – relação fezes-falo.

 FASE FÁLICA (04 – 06 anos)


 O complexo de Édipo e o complexo de
castração.
 No menino: Angústia de castração.
 Na menina: Inveja do pênis.
 3º corte: complexo de castração (angústia
de castração) – relação pênis-falo.

 PERÍODO DE LATÊNCIA (07 – 11 anos)


 Caracterizado por um maior investimento
no plano social. Seria o momento de
investimento nos processos coletivos e
sociais e coincide como o período de
socialização escolar.

 FASE GENITAL (11/12 anos)


 Ela se configura na puberdade
 Se caracteriza pela escolha da identidade
sexual

Vejamos com mais detalhes cada uma dessas


etapas.
O texto foi baseado na própria obra de Freud.

Fases psicossexuais do desenvolvimento


FASE ORAL

A fase oral começa no nascimento e envolve os


lábios e a língua. É a pulsão (instinto) básica do bebê
de receber alimento, assim diminuem as tensões de
fome e sede. Esse momento de alimentação também
representa conforto, carinho, aconchego, atenção... que
é igual a prazer.
Aula 5 | Freud e as fases psicossexuais do desenvolvimento 115

A boca é a primeira área do corpo que o bebê


pode controlar. A maior parte de energia libidinal Importante

disponível é direcionada ou focalizada nesta área.


Freud, conforme
Kupfer (2001) divide
essa fase em duas
Na fase oral, como o prazer está centrado na etapas: oral
receptivo e oral
boca, o bebê quer conhecer o mundo pela boca:
agressivo. No oral
morder, sorrir, chorar, sugar, chupar. Mamar é a receptivo a criança
succiona e no oral
primeira forma de prazer que ele alcança com seu agressivo a criança
morde com
próprio esforço, é a inauguração de sua capacidade de tendências a destruir
e odiar.
se relacionar com o mundo, o primeiro vínculo de carinho Crianças que
recebem afeto
que será um dos mais importantes de sua vida. Este suficiente passam
por esta fase com
vínculo não se cria apenas dando o peito ou a tranqüilidade, o ego
fortalecido e a auto-
mamadeira, mas reside na capacidade de transmitir estima aumentada.
Se ao contrário o
segurança e carinho ao bebê.
afeto não for
suficiente poderá ter
problemas como:
Neste período, o bebê não tem uma grudar nos outros,
bebida, fumo,
compreensão clara sobre o seio, para ele o seio faz comida, mascar
chicletes, obesidade
parte do seu corpo. Se o seio for gratificador, a criança e outros.

terá expectativas otimistas do mundo e também será


generoso. Se ao contrário, o seio for frustrador, a
criança terá expectativas pessimistas do mundo e terá
ressentimentos. A mãe ou a pessoa que desempenha o
papel de cuidar do bebê precisa ser equilibrada para
poder exercer uma influência positiva sobre o bebê.

Existe um segundo momento da fase oral,


chamada de Fase oral tardia que ocorre depois do
aparecimento dos dentes. Nesta fase, inclui a
gratificação de instintos agressivos. Ex.: Morder o seio
da mãe.

Conforme o crescimento da criança, outras


áreas do corpo desenvolvem-se e tornam-se
importantes áreas de gratificação. Entretanto, alguma
energia é permanentemente fixada nos meios de
gratificação oral.

E por isso alguns adultos têm hábitos orais


como interesses contínuos em manter prazeres orais.
Aula 5 | Freud e as fases psicossexuais do desenvolvimento 116

(Ex.: comer, chupar, mascar, fumar, morder, lamber).


Importante Estas pessoas podem ser parcialmente fixadas na fase
oral, cuja maturação psicológica pode não ter se
Dúvidas de pai e
mãe. completado, ou seja, ou o prazer se fixou na área oral,

Posso me referir aos ou faltou recompensa e agora é necessário repor.


órgãos genitais por
apelidos
engraçadinhos? Outra suposta conseqüência da fase oral é um
Sim, mas não deixe
de ensinar os nomes adulto ligado ao sarcasmo, que tem prazer em zombar,
científicos: pênis e
vagina. Por que insultar, e até mesmo de arrancar o alimento dos
apenas os órgãos
sexuais devem ter outros ou de fazer fofocas. Ou seja, estes
apelidos?
Não se chama nariz comportamentos também podem estar ligados a esta
ou braço de outra
coisa. fase do desenvolvimento.
Usar nomes "sérios"
também confere
naturalidade ao
assunto.
A retenção de algum interesse em prazeres orais
é normal. Esse interesse só pode ser encarado como
patológico se for o modo dominante de gratificação,
isto é, se uma pessoa for excessivamente dependente
de hábitos orais para aliviar a ansiedade.

FASE ANAL

Com o crescimento da criança, novas áreas de


tensão e gratificação são levadas à consciência. Entre 1
e 3/4 anos as crianças aprendem a controlar os
esfíncteres anais e a bexiga.

Nesta fase, então, a zona erógena está localizada


no ânus, sendo que a principal tarefa dessa etapa do
desenvolvimento é o controle dos esfíncteres. O prazer
está centrado em produzir fezes e urina, primeiras
produções da criança, como também na estimulação do
reto e das partes adjacentes. Ao notar que após a
evacuação há um grande alívio, a criança sente e
percebe o cocô como uma coisa boa, o que a desperta
para o prazer anal. Com o início do controle dos
esfíncteres a criança trocará a fralda pelo penico ou
vaso sanitário, um momento importante do ponto de
vista emocional.
Aula 5 | Freud e as fases psicossexuais do desenvolvimento 117

Inicia a capacidade de compreensão e de


comunicação. Quando a fase anal não é vivida de
maneira tranqüila o indivíduo tende a se tornar frio,
racional, sempre acha que alguém esconde algo ou
sentimentos. Às vezes, segundo Freud, quando uma
criança é muito repudiada pelos pais por mexer com
fezes, no futuro poderá sublimar este desejo
trabalhando como escultor, com dinheiro ou outro
similar.

O treinamento do uso do banheiro desperta um


interesse natural pela autodescoberta. Prestam atenção
especial à micção e à evacuação. A obtenção do controle
fisiológico é ligada à percepção de que esse controle é
uma nova fonte de prazer.
Quer
saber mais?

Além disso, aprendem que o crescente nível de


Na fase fálica
controle dos esfíncteres lhes traz atenção e elogios por meninos e meninas
começam e se tocar.
parte dos pais. E o inverso também é verdadeiro, Segundo Sacchetto,
“O mais importante
assim, o interesse dos pais no treinamento da higiene
é fazer com que a
permite à criança exigir atenção tanto pelo controle criança possa ter
experiências, das
bem-sucedido quanto pelos “erros”. mais diversas com a
figura masculina ou
feminina, do mesmo
gênero,
Características adultas que estão associadas à preferencialmente o
pai ou a mãe.”
fixação parcial nesta fase são: ordem, parcimônia e Karen Kaufmann
Sacchetto
obstinação. A confusão que pode acompanhar a fase Fonte:
http://guiadobebe.u
anal é a aparente contradição entre o elogio e o ol.com.br/bb5a6/a_
descoberta_da_sexu
reconhecimento, e a idéia de que ir ao banheiro é
alidade.htm
“sujo” e que deve ser guardado em segredo. Acesso em
26/10/2006

Ex.: a criança não compreende inicialmente que


suas fezes e urina não sejam apreciadas. Afinal de
contas as fezes são suas primeiras “produções”. Assim,
as observam, acenam e dizem adeus ao darem
descarga; às vezes, oferecem como presente aos pais
que se surpreendem e até reagem com repugnância.

FASE FÁLICA

Aos 3 anos a criança entra na fase em que


focaliza as áreas genitais do corpo. Nessa fase, a
Aula 5 | Freud e as fases psicossexuais do desenvolvimento 118

criança se dá conta de seu pênis ou da falta de um que


é o caso das meninas.

É a primeira fase em que as crianças se tornam


conscientes das diferenças sexuais. É durante esse
período que homens e mulheres desenvolvem sérios
temores sobre questões sexuais.

Dica da
A fase fálica, então, é a terceira fase do
professora
desenvolvimento psicossexual da personalidade.

Fálica vem de Falo


que significa Pênis.
Por isso, esta fase Nesta fase a zona erógena localiza-se nos
chama-se fase
fálica.
órgãos genitais, estando a descoberta desses órgãos
vinculada a manipulação, ao prazer e a percepção das
diferenças entre os órgãos genitais. Surgem ainda os
namorinhos, o que é tomado por Freud como muito
saudável, já que as crianças começam a reconhecer
com mais clareza as diferenças entre homens e
mulheres.

A criança começa a se ligar em assuntos sexuais


com grande interesse, quer saber sobre os órgãos
sexuais das pessoas próximas, sobre a relação sexual
dos pais e tem necessidade de saber de onde vêm os
bebês. Está alerta a linguagem corporal, a reação dos
adultos às cenas de televisão, o tom de voz com que o
sexo é discutido, os olhares trocados quando o assunto
aparece. Tudo entra na compreensão infantil e dá
forma a suas fantasias sexuais.

As características desta fase são: a criança gosta


de exibir o próprio corpo, fixa atenção no corpo do
outro, gosta de jogos, brincadeiras sexuais e de
manipular-se, questionadora, quer saber o por quê de
tudo, aprende se relacionar com outras crianças.

Nesta fase o menino se apaixona pela mãe e


sente ciúmes do pai que beija e dorme com a mãe. A
menina se apaixona pelo pai e culpa a mãe que vai em
Aula 5 | Freud e as fases psicossexuais do desenvolvimento 119

busca do pai, além de ter inveja do pênis do menino.


Freud denominou esta situação de Complexo de Édipo,
e a inveja da menina em relação ao pênis de Complexo
de Castração.

O complexo de Édipo é resolvido quando o menino


começa a se desligar da mãe e a se identificar com o
pai. Freud chamava esse processo de “identificação
com o agressor”. Todavia podem ocorrer desvios
neste percurso, como no caso da mãe que fala
muito mal dos homens ou do pai, impedindo o filho
de se identificar com o pai. A mãe muitas vezes tem
atitudes sedutoras podendo agravar o sentimento do
filho.
Uma mãe que não aceita ser mulher o ainda um pai
que deprecie a esposa, para Freud causa na menina
uma grande dificuldade para a identificação com a
mãe. Uma pessoa que não conseguiu passar bem a
fase fálica possui um caráter fálico sendo:
temerário, resoluto, inseguro de si, agressivo,
provocativo, superestima o pênis, hostis às
mulheres, é vaidoso ou então uma mulher
masculinizada. Se superar esta fase com
tranqüilidade, corresponde a uma pessoa amigável,
respeitadora, generosa, responsável, autoconfiante
e que consegue superar os conflitos.

O desenvolvimento da inveja do pênis para a


menina é um momento crítico, pois tem a aparente
descoberta que lhe falta algo, e, com isso, o desejo de
ter um pênis.

A descoberta de que é castrada


representa um marco decisivo no
crescimento da menina. Daí partem
três linhas de desenvolvimento
possíveis: Uma conduz à inibição
sexual, outra à modificação do caráter
no sentido de um complexo de
masculinidade e a terceira, finalmente,
à feminilidade normal.
(Freud, 1933, p. 31)

É nessa fase que a criança vivencia a excitação


sexual, ou seja, o prazer com a estimulação das áreas
genitais. Esta excitação está ligada, na mente da
criança, à presença física próxima de seus pais. Mas o
desejo desse contato torna-se cada vez mais difícil de
ser satisfeito pela criança. E ela luta pela intimidade
que seus pais compartilham entre si.
Aula 5 | Freud e as fases psicossexuais do desenvolvimento 120

Esta fase caracteriza-se pelo desejo da criança


Importante de ir para a cama de seus pais e pelo ciúme da atenção
que seus pais dão um para o outro, ao invés de dar à
O aumento desta
intimidade fará com criança.
que fortaleça a
confiança entre os
filhos e os pais.
O menino deseja estar próximo da mãe. E tem o
Alertar, esclarecer e
desmistificar o sexo pai como rival. Mas, ao mesmo tempo, quer o amor e a
e a sexualidade fará
com que nossos afeição do seu pai e, por isso, sua mãe é vista também
filhos possam se
tornar adolescentes como uma rival. A criança fica numa situação
e adultos
conscientes para insustentável de querer e temer ambos os pais.
tomar as próprias
decisões no que se
refere a sexualidade.
É quando ocorre o Complexo de Édipo (tragédia
"Podemos vivenciar
nossa sexualidade
grega – peça de Sófocles). Para Freud todo o menino
de forma
revive um drama interno similar. Deseja possuir a mãe
extremamente
benéfica e positiva e matar seu pai, mas também teme seu pai e receia ser
para um
desenvolvimento castrado por ele, reduzindo a criança a um ser sem
sadio, desde que
feito com muito sexo.
amor. Reprimir é
anular a si próprio.
Respeitar, aprender Isto causa uma ansiedade, reconhecida por
a sentir e escutar as
mensagens que seu ansiedade de castração. O amor e o temor pelo pai, e o
corpo transmite
proporcionará uma amor e desejo sexual pela mãe não podem nunca ser
elevação da auto-
estima. É preciso completamente resolvidos. Assim é reprimido,
saber se amar para
aprender a amar o guardado no inconsciente. Afinal de contas não
outro. Amar o outro
é doar-se." devemos ter nossos pais como nossos objetos de
(Hellmann, 2006b)
desejo sexual.

O superego entra em ação pela primeira vez. O


superego é o nosso “juiz interno”, aquele que nos julga
e nos condena, ou seja, são as leis e a razão. É o que
nos faz pensar no que é certo e no que é errado. Assim
o superego tem o dever de manter tudo isso
inconsciente, impedi-lo de aparecer na consciência,
evitar que se pense a respeito ou que se reflita sobre
isso.

Nas meninas o problema é similar, mas a


expressão e a solução são diferentes. A menina deseja
o pai, vê sua mãe como rival, mas não teme a
castração, assim a necessidade da menina de reprimir
Aula 5 | Freud e as fases psicossexuais do desenvolvimento 121

seus desejos é menos severa. A diferença está na


intensidade do problema, assim as meninas reprimem a
situação edipiana mais tarde. Conseqüência: a criança
parece modificar seu apego aos pais (depois dos 5 anos
de idade) e se voltam para o relacionamento com
amigos, atividades escolares, esportes etc.

Esta época, dos 5 anos até o começo da


puberdade, é denominada período de latência.

PERÍODO DE LATÊNCIA

É o tempo em que os desejos sexuais não


resolvidos da fase fálica são inibidos, ou seja, a
repressão que é feita pelo superego tem sucesso.

Durante este período os anseios sexuais


diminuem de vigor e são abandonados e esquecidos.
Surge a vergonha, a repulsa e a moralidade.

É durante este período de latência


total ou parcial que se constroem as
forças psíquicas que irão mais tarde
impedir o curso do instinto sexual e,
como barreiras, restringir seu fluxo – A
repugnância, os sentimentos de
vergonha e as exigências dos ideais
estéticos e morais.
(Id. 1933, p. 181)

A educação tem a ver com a construção dessas


barreiras, mas na realidade este desenvolvimento é
organicamente determinado pela hereditariedade e
pode ocasionalmente ocorrer sem auxílio da educação.

Aqui cabe pensar que mesmo com a energia


sexual reprimida, o impulso sexual não cessa nesta
fase de latência. Sendo assim esta energia é dirigida
para outras finalidades.
Aula 5 | Freud e as fases psicossexuais do desenvolvimento 122

Vamos aos detalhes:

Quer
saber mais? A fase da latência, então, é a quarta fase do
desenvolvimento psicossexual da criança, corresponde
Compreender a aproximadamente a faixa etária dos 6 aos 12 anos de
sexualidade
"permite expandir a idade. Não há nesta fase uma zona erógena, mas uma
percepção dos
limites aos quais calmaria nos impulsos sexuais, permanecendo a
cada um está
confinado por sexualidade dormente até a eclosão da puberdade, o
nossas próprias
experiências de que a faz ressurgir novamente. É uma fase rica, criativa
vida". (Rodrigues,
Jr. 2006)
e de grandes interesses extra-sexuais. O desenvolvimento
da identidade e da intelectualidade se torna pontos
RODRIGUES JR.,
Oswaldo M. centrais. A criança é despertada para o grupo com
Sexualidade. Fonte:
http://www.gehspac atividades esportivas, intelectuais, artísticas, busca de
e.com/sexualidade
conhecimentos e de adequação às normas sócio-
culturais moldadas. (apud Silveira, 2006)

A masturbação desacelera e a criança se


encontra livre para o aprendizado. Há também, nesta
fase,duas etapas: uma que vai dos 6 aos 9 anos e outra
dos 9 aos 12 anos. Nela, a criança se liga a heróis de
ficção, pais e professores como em ídolos, além de se
tornar mais democrática e mais justa. Gosta também
de contar histórias intermináveis, diverte-se fazendo
contas de matemática e se envaidece por saber ler e
escrever sozinha. A fase dos porquês se acalma, suas
perguntas têm mais fundamentos e exigem respostas
claras, que passam a ser incorporadas à sua bagagem
intelectual, começando a consolidar seu acervo
intelectual.

As brincadeiras também vão se tornando mais


elaboradas e a criança adquire interesses por outras
coisas e amizades. Deixa de lado o amor exagerado aos
pais, diante da necessidade de pertencer a algum
grupo, o que a ajuda a superar o complexo de Édipo.
Depois dos pais, o professor é o segundo objeto de
amor. Uma decepção com o professor pode afetar no
desenvolvimento da personalidade. O ideal seria que os
professores fossem pessoas mais equilibradas, sem
Aula 5 | Freud e as fases psicossexuais do desenvolvimento 123

grandes problemas familiares para exercerem uma


influência positiva nas crianças.

Se a criança não consegue resolver muitos de


seus conflitos pode se tornar uma pessoa irritada,
agressiva, exibicionista, masturbadora e um estudante
fraco. O adulto que não passou bem a fase da latência
geralmente apresenta um caráter infanto-juvenil, gosta
de carros, filmes de cowboys, heróis de ficção, não tem
responsabilidade familiar e encara a mulher como
apenas um objeto. (apud Silveira, 2006)
Quer
saber mais?
Mediante a descobrindo dos prazeres da vida,
por meio da convivência em grupo, uma das primeiras
"Desde que o mundo
regras que vai se afirmando é a de que meninos é mundo, a
sexualidade é parte
brincam com meninos e meninas, com meninas. Cada essencial da vida do
homem. Tem
um refugia com seus pares em busca de uma identidade.
ocupado lugar na
mitologia, na
filosofia, nas artes,
Essa é afirmada pela oposição ao outro sexo, o em toda forma de
representação e
que origina uma rivalidade manifestada por conhecimento
humano, inclusive,
provocações, rixas e intrigas. mais recentemente,
nas Ciências."
(Sayão, 2006a).

No início esta rivalidade não tem conotação SAYÃO, Yara. BOCK,


Silvio Duarte. A
sexual, só mais tarde, à medida que vai chegando a sexualidade nas
épocas e culturas.
puberdade, momento em que a sexualidade se
Fonte:
manifesta e que começa o interesse pelo sexo oposto. http://www.educare
de.org.br
Todavia, Freud esclarece que, na verdade, não é que Acessado em:
20/10/2006.
eles não se interessam pelo sexo oposto, simplesmente
levam mais tempo para descobri-lo. Enquanto isso
briga e compete para saber quem é o melhor por qualquer
motivo: quem faz xixi mais longe, quem arrota mais
barulhento, quem chuta mais forte. (apud Silveira,
2006)

Neste período surge também a preocupação se


o menino se sente mais à vontade com as meninas,
como uma manifestação precoce da homossexualidade.
Embora a criança tenha uma certa noção de identidade
Aula 5 | Freud e as fases psicossexuais do desenvolvimento 124

sexual, ela não se fixa nessa ou naquela orientação,


pois essa está longe de ser definida.

A INTERRUPÇÃO DO PERÍODO DE LATÊNCIA

De acordo com Freud (1905), em alguns


momentos deste período de latência, ocorre uma
manifestação fragmentária da sexualidade que escapou
à sublimação, até que o instinto sexual surja com maior
intensidade na puberdade.

FASE GENITAL

É a fase final do desenvolvimento biológico e


psicológico. Ocorre com o início da puberdade, onde o
corpo sofrerá modificações devido ao efeito dos
hormônios. É o retorno da energia libidinal aos órgãos
sexuais.

Tudo o que foi reprimido na fase de latência


volta, porém os desejos sexuais que retornam não são
direcionados aos pais. Neste momento, meninos e
meninas estão ambos conscientes de suas identidades
sexuais distintas e começam a buscar formas de
satisfazer suas necessidades eróticas e interpessoais.

Perguntaram para Freud, na velhice, como


definiria um adulto normal que alcançou a fase genital
e ele respondeu:

Aquele que é capaz de amar e trabalhar.

Para a psicanálise, alcançar a fase genital


significa que a pessoa atingiu o pleno desenvolvimento
do adulto normal, conseguiu discriminar seu papel
sexual, desenvolveu-se intelectual e socialmente, o
objeto de desejo não está mais no próprio corpo, mas
em um objeto externo ao indivíduo, o outro e é o
tempo das realizações.
Aula 5 | Freud e as fases psicossexuais do desenvolvimento 125

A BUSCA DO PRAZER COMEÇA NA INFÂNCIA

Entrevista com o Professor Milton Zaiden, membro


da Sociedade Brasileira de Psicanálise e especialista
em psicanálise infantil
Qual a influência da psicanálise na concepção teórica
do mundo mental da criança?
Zaiden - Bem, praticamente a psicanálise consiste
na descrição do mundo mental da criança. Pode-se
até dizer que são a mesma coisa: falar em
psicanálise é, em última instância descrever o
mundo mental da criança. Freud ao estudar o adulto
começou a descobrir a existência da criança dentro
dele. Tudo aquilo que os estudiosos da mente
humana faziam anteriormente eram tentativas de
aproximação de um doente mental: primeiro, de vê-
lo como um doente; depois de tentar estabelecer
uma classificação de doenças, diferenciar em
grupos, coisas desse gênero. Freud foi quem
percebeu que todos os chamados sintomas tinham
um determinado significado. E, à medida em que foi
aprofundando seus dados de observação e contatos
com seus pacientes, formulou uma teoria dizendo
que tudo aquilo que ele observava nada mais era do
que a persistência do mundo mental da criança no
adulto. Então ele trouxe todo esse conceito de
desenvolvimento do psiquismo, do aparelho mental
- e, para ilustrar melhor, é o mesmo caso de uma
maçã verde que não pudesse amadurecer por haver
nela condições tais que impedissem o seu
amadurecimento - de modo que essa influência é total
na minha maneira de ver.

(Jornal "Folha de São Paulo”)


Folhetim - Como se deram os primeiros estudos de
Freud sobre a criança?
Zaiden - Antes de tudo Freud era um estudioso
primeiramente curioso; e, em segundo lugar, um
observador muito perspicaz. Seus primeiros
pacientes"mostraram" a Freud que possuíam na vida
sexual. Foi a partir desses dados que começou a
desenvolver uma teoria de que a função sexual existia,
desde o começo da vida. Ficava difícil compreender
como alguma coisa pudesse surgir, nascer no ser
humano a partir de uma determinada idade, como se
algo descesse lá do céu. A gente pode explicar, por
exemplo, que uma perna ou um dedo existem, mesmo
que de forma rudimentar, desde o embrião. Então a
gente podia supor que as várias funções, sejam
digestivas, renais, mentais ou sexuais também
tivessem um principio e, depois, toda uma
continuidade de desenvolvimento até chegar na
"função sexual do adulto".
Aula 5 | Freud e as fases psicossexuais do desenvolvimento 126

O mérito de Freud nesta questão, foi o de diminuir


aqueles limites tão nítidos que existiam entre o que se
considerava "normal e anormal". Ele viu que esses
limites não eram tão nítidos, havia um interposição. A
função sexual normal, na sua concepção, passou a ter
um conceito mais amplo, tanto no sentido do normal
para anormal, quanto no de adulto para criança.
Zaiden diz - Agora é preciso diferenciar o sexual do
genital. O adulto, por exemplo, exerce funções sexuais
num nível genital - que é a realização do ato sexual -
quando ele o faz em busca do prazer, olhando sob o
prisma biológico (embora a religião tenha colocado
esse ato sexual sob a condição da reprodução). Freud
descobriu, e teorizou, que a sexualidade se
manifestava de várias maneiras, e não só através o
genital. Quer dizer, na criança tudo aquilo que ela
considerasse prazeiroso passava a ser considerado
como sexual. Neste caso estaria o prazer que a criança
sente ao ser amamentada, tanto pelo contato físico
com a mãe, como na alimentação em si, satisfazendo
a fome.
De uma forma esquemática - mas pouco
esclarecedora em meu modo de ver - nós poderíamos
dizer, que, a partir da teoria de Freud, a primeira e
principal satisfação de uma pessoa vinha através da
amamentação materna. Na medida em que a pessoa
vai crescendo, essa necessidade ligada à boca passava
para as necessidades excretoras, especialmente com a
evacuação. Ou seja, a sexualidade ligada a outro
ponto do corpo. Depois é que começaria a haver um
predomínio ligado ao genital.

Fonte:
http://www.cefetsp.br/edu/eso/filosofia/entrevistafreu
d.html data de acesso 26/10/2006

Essa fase será foco de estudo na próxima aula


que terá como tema a sexualidade na adolescência. Na
presente aula estamos nos restringindo à sexualidade
infantil. A fase genital foi citada aqui para que
possamos ter por completo as etapas de
desenvolvimento psicossexual escrita por Freud. Além
disso, essa simples introdução da fase genital serve
como “ponte” para o estudo da próxima aula que será
sobre sexualidade na adolescência.

Resumindo, então as fases psicossexuais do


desenvolvimento: Segundo Guimarães e Galina (2004)
Freud em suas investigações na prática clínica sobre as
causas e funcionamento das neuroses, descobriu que a
Aula 5 | Freud e as fases psicossexuais do desenvolvimento 127

grande maioria de pensamentos e desejos recalcados


referia-se a conflitos de ordem sexual, localizados nos
primeiros anos de vida dos indivíduos, isto é, na vida
infantil estavam as experiências de caráter traumático,
recalcadas, que se configuravam como origem dos
sintomas atuais e, confirmava-se, desta forma, que as
ocorrências deste período de vida marcam
profundamente o psiquismo. As descobertas colocam a
sexualidade no centro da vida mental e assim Freud
desenvolve um dos conceitos mais importantes para a
teoria psicanalítica: a sexualidade infantil. A Teoria
Sexual infantil destacam-se diversos aspectos da
sexualidade que vão contra as idéias de sua época, pois
mostra que a função sexual existe desde o nascimento
e não só a partir da puberdade; explica que a
sexualidade passa por um período longo até chegar à
maturidade, onde as funções de obtenção de prazer e
reprodução podem estar associadas; e aponta a libido
como a energia psíquica dos impulsos sexuais. Sendo
assim Freud descreve o processo de desenvolvimento
psicosexual. Ele fala que nos primeiros tempos de vida
o individuo encontra prazer no próprio corpo, a função
sexual está ligada à sobrevivência. O corpo é erotizado,
destacando-se neles algumas zonas erógenas. Ocorre
também um desenvolvimento progressivo da sexualidade,
este está ligado com as diferentes formas de
gratificações e de relações objetais. Ainda com relação
ao desenvolvimento psicossexual, Freud coloca que no
primeiro ano de vida a criança está na fase oral onde a
zona erógena é a boca, e o prazer está ligado à
alimentação; nesta o objetivo sexual consiste na
incorporação do objeto e estimulação da zona oral.
Uma segunda fase é conhecida como anal nela a zona
de erotização é no ânus, a relação com os objetos está
ligado ao controle dos esfíncteres, o controle se torna
uma nova fonte de prazer. A terceira fase é conhecida
como fálica nela o órgão sexual é a zona erógena. Nos
meninos esta fase se caracteriza por um interesse
Aula 5 | Freud e as fases psicossexuais do desenvolvimento 128

narcísico pelo próprio pênis e o medo da castração, em


contrapartida a menina descobre em si ausência deste
e o deseja. Neste período ocorre o complexo de Édipo,
cuja elaboração e declínio produz conseqüências
fundamentais para a estruturação do psiquismo. Em
seguida há um período de latência, onde ocorre uma
diminuição das atividades sexuais, que vai até a
puberdade. Na adolescência atingi-se a última fase, a
fase genital, nela o objeto sexual é o outro.
(Guimarães, Mariana e Galina, Paola Bagatim. Anais da
VI Semana de Psicologia da UEM: Subjetividade e Arte
Maringá-UEM 06/10/2004 à 08/10/2004).
FREUD

Gostou desse resumo? Então ótimo!

Sexualidade, Pulsão e Libido

Quer A sexualidade entrou em cena na teoria


saber mais?
psicanalítica desde os seus primórdios. Em Estudos

“Entenda-se bem o sobre a Histeria, de 1893-1895, Freud considerou o


que Freud quer dizer
com sexual. Em seu trauma do paciente neurótico como produto de uma
pensamento, sexual
não se confunde
sedução sexual real. Entretanto, começou logo a
com genital. A duvidar desta teoria. Ora, seria improvável que todas
sexualidade genital
refere-se as pacientes histéricas que chegavam ao seu
precisamente à
cópula com o consultório tivessem efetivamente sido seduzidas pelos
objetivo de procriar
ou de obter prazer pais ou parentes próximos. Além disso, o fracasso
orgástico. Mas a
sexualidade é mais terapêutico de muitos desses casos de neurose sugeria
ampla que a
sexualidade genital. que algo importante estava faltando para a
Inclui as
preliminares do ato compreensão da patologia (Garcia-Roza, 2002). Se a
sexual, as
perversões, as
sedução não era real, que seria então? Fantasia,
experiências responde Freud. Fantasia decorrente de impulsos
sensuais vividas em
relação ao seu sexuais infantis recalcados. Aqui entra em cena a
próprio corpo ou em
contato com o corpo sexualidade infantil, até então ignorada por Freud.
da mãe” (Kupfer,
2001, p. 39).

Na verdade, sexual, A partir dos Três Ensaios sobre a Teoria da


em psicanálise, é
toda experiência Sexualidade, de 1905, Freud desenvolve uma teoria da
humana que envolva
o prazer. sexualidade que se afasta das concepções vigentes.
Tais concepções se fundavam sobre o conceito de
Aula 5 | Freud e as fases psicossexuais do desenvolvimento 129

instinto sexual. O instinto é, sobretudo uma noção que


concerne à biologia. Isto é, o instinto sexual tem uma
função reprodutiva, de preservação da espécie. Freud,
porém, substitui-o pelo conceito de pulsão, um dos
principais da teoria psicanalítica. Conceito que se situa
“na fronteira entre o somático e o psíquico” (Freud,
1972, p.171). Trata-se de uma excitação de fonte
corporal que exige da mente um trabalho. O objetivo
da pulsão é a eliminação desse estímulo orgânico que,
quando ocorre, sente-se prazer. O fundamental na
sexualidade humana, entendida a partir dessa
conceituação, não é mais a reprodução, mas a
obtenção de prazer.

Diversamente do instinto que tem seu objeto


pré-determinado, o objeto de satisfação da pulsão é
variado, o que explicaria a multiplicidade condutas
sexuais humanas.

Freud deu o nome de libido à energia


responsável pelas transformações das pulsões sexuais.
Descreveu o desenvolvimento psicossexual de acordo
com as diferentes fases de organização libidinal numa
determinada parte ou órgão do corpo. As fases são:
oral, anal, fálica (seguida de um período de latência) e
genital.

A fase fálica, que ocorre entre os 3 e 6 anos de


idade, aproximadamente, corresponde à emergência
dos complexos de Édipo e de castração. O complexo de
Édipo se caracteriza, em poucas palavras, pela escolha
da criança de um dos pais (ou seu substituto) como
objeto de amor, de satisfação pulsional. O fim do Édipo
é marcado pela angústia da castração, no menino. Na
menina, a constatação de que foi “castrada”, faz
emergir a inveja do pênis. Só então é que se instaura o
complexo de Édipo.
Aula 5 | Freud e as fases psicossexuais do desenvolvimento 130

Dica de
De um ponto de vista simbólico, a castração
leitura significa a separação da fusão psíquica que há entre
mãe e criança (menino ou menina). O fim do Édipo, isto
LAJONQUIÈRE, L. De
Piaget a Freud: a é, a experiência da castração simbólica, significa o
(psico) pedagogia
entre o surgimento do sujeito enquanto ser desejante, porque
conhecimento e o
saber. Petrópolis: irremediavelmente “incompleto”.
Vozes, 1993.

Ainda uma outra diferença entre as pulsões e os


instintos. As pulsões podem ter seu objetivo,
inicialmente sexual, desviado para um alvo não sexual.
Freud deu a esse processo o nome de sublimação. De
acordo com a definição de J. Laplanche e J.-B. Pontalis
(1977, p.638), a sublimação é um:

processo postulado por Freud para


explicar atividades humanas sem
qualquer relação aparente com a
sexualidade, mas que encontrariam o
seu elemento propulsor na força da
pulsão sexual. Freud descreveu como
atividades de sublimação
principalmente a atividade artística e a
investigação intelectual.

Assim, uma das conseqüências do fim do


complexo de Édipo, seria exatamente a sublimação da
sexualidade voltada para os pais. O desejo que era
sexual torna-se, uma vez sublimado, impulso pelo
conhecimento, desejo de saber.

Objetivos Principais

O principal objetivo da teoria freudiana foi


estabelecer um estatuto de cientificidade para o
inconsciente. A palavra inconsciente para Freud não é
um substantivo simplesmente, mas um conceito que
deve ser adjetivado. O inconsciente define uma
instância, um lugar especial, um topos (lugar, em
grego). O Inconsciente não é uma coisa, ele é uma
forma estruturada por princípios próprios, mais que
isso, ele é uma lei de articulação. É na busca dessa lei
Aula 5 | Freud e as fases psicossexuais do desenvolvimento 131

do inconsciente que Freud criaria o que ficou conhecido


como a primeira tópica.

A doutrina freudiana sobre o psiquismo teria


como idéia a questão do conflito (o ponto de vista
dinâmico) e as suas possíveis soluções para o excesso
de energia localizado no aparelho psíquico (defesa).

Na tentativa de explicar o conflito do ponto de


vista inconsciente Freud formula o conceito de
recalque. O recalque seria visto, com o decorrer do
desenvolvimento e reconhecimento da teoria
psicanalítica, como a pedra angular em que assenta
todo o edifício da psicanálise, afirmação proferida pelo
próprio Sigmund Freud.

Outros conceitos importantes, e já tratados, são


os conceitos de pulsão, libido, instâncias psíquicas
(Inconsciente, Pré-consciente, Consciente, Isso, Eu e
Supereu), além das fases psicossexuais infantis.

Nós apresentamos para você, caro leitor, nas


páginas anteriores todo o arcabouço conceitual que
possibilitou Freud pensar uma teoria sobre o
funcionamento psíquico do ser humano (funcionamento
normal e patológico). É por isso que a sua teoria
continua sendo ainda estudada por muitos estudiosos
que se interessam pela subjetividade humana e é
também por isso que ela ainda é bastante útil dentro
do campo educacional.

CRÍTICAS AS MODELO PSICANALÍTICO

Podemos dizer que uma crítica bastante comum


ao modelo psicanalítico é atribuir-lhe uma grande
ênfase ao âmbito do desejo individual, ou seja, de que
o que interessa para a psicanálise é trabalhar os
aspectos individuais das queixas de ordem sexual do
sujeito em detrimento dos aspectos mais coletivos
Aula 5 | Freud e as fases psicossexuais do desenvolvimento 132

sobre o sofrimento e os conflitos humanos. Para alguns


autores a psicanálise estaria somente preocupada com
os dramas pessoais ou com “teatros privados” acerca
do sofrimento humano e com isso perdendo ou
limitando a compreensão dos fatores desencadeadores
desses acontecimentos, que são sempre históricos e
sociais (Guattari, 1996).

A ênfase na personalidade individual como


recurso para a descoberta das características que
constituem a individualidade humana parece ser outro
ponto fraco dessa teoria, segundo alguns autores, já
que não leva em conta que este indivíduo é um ser em
sociedade e que seus desejos (individuais) são
determinados por um contexto social.

Outra crítica que se pode atribuir à psicanálise é


a pouca reprodutibilidade em relação aos dados obtidos
através dos seus métodos, como a associação livre. É
impossível reproduzir o trabalho analítico e os seus
resultados de maneira fiel como é preconizado pelo
modelo científico clássico, pois cada sujeito é único e
singular.

Podemos também sinalizar que a psicanálise


nunca se prestou a ser uma proposta pedagógica, ao
contrário, ela se propõe a ser uma proposta
antipedagógica, pelo menos no sentido negativo que o
termo pode assumir, já que esse modelo tenta apontar
para o funcionamento de fatores repressores que
existem em nossa sociedade e como eles podem ser
desencadeadores de processos patológicos. A
psicanálise em sua origem é uma proposta clínica de
auxílio para o sofrimento humano, nesse sentido se
distanciando de qualquer proposta educativa ou
conformativa, o que não quer dizer que determinadas
idéias e propostas educacionais não possam vir a ser
derivadas dela.
Aula 5 | Freud e as fases psicossexuais do desenvolvimento 133

RESUMO

Vimos até agora:

 No início do século XX Freud começou a fazer


enorme sucesso;

 Para Freud o inconsciente é um sistema


independente, mesmo que mantenha relações
necessárias com outros sistemas, como
veremos mais adiante;

 A construção do modelo teórico psicanalítico


se deveu ao trabalho e análise de uma
psicopatologia bastante comum e de difícil
solução do século XIX: a histeria;

 A descoberta clínica da importância do


conflito psíquico para a produção de respostas
defensivas inconscientes levou Freud a
abandonar a hipnose e a analisar um outro
aspecto evidenciado durante o tratamento:
elucidação da resistência. Para Freud esse
fenômeno é um mecanismo de defesa;

 O recalque ou recalcamento, por sua vez, é


um dos mecanismos de defesa do eu, não
devendo, por conseguinte, ser confundido
com a noção genérica de defesa;

 Outra grande contribuição da teoria freudiana


foi a formulação das fases de
desenvolvimento psicossexual infantil. Elas
foram descritas em decorrência do
investimento libidinal de uma região ou lugar
subjetivo do corpo humano. As fases são as
seguintes: oral, anal, fálica e genital;
Aula 5 | Freud e as fases psicossexuais do desenvolvimento 134

 A psicanálise é uma trama de conceitos. Para


explicar um de seus conceitos precisamos de
outros para torná-lo inteligível.
135
6

AULA
O Desenvolvimento
da Infância à Velhice
Maria Poppe

Depois de abordarmos as teorias do desenvolvimento e suas


contribuições para o entendimento do desenvolvimento humano,
cabe-nos apresentar as fases do ciclo vital em seus aspectos
Apresentação

principais, trazendo para vocês as questões que forem relevantes


para um desenvolvimento saudável. Abordaremos primeiro a
infância como uma fase determinante na estruturação da
personalidade. Destacaremos o papel fundamental da linguagem e
da experiência lúdica para o desenvolvimento global infantil, bem
como para a interação social. Abordaremos a adolescência e suas
“crises”, discutindo a importância dos limites e regras sociais para
sustentação dos referenciais. Na vida adulta discutiremos sobre o
peso e a importância das mudanças e escolhas, preparo e inserção
no mercado de trabalho, impasses e possibilidades do processo de
aprendizagem nessa etapa da vida. Para concluir discutiremos
aspectos importantes relacionados a vida adulta, apontado o
aprender como um processo contínuo e ininterrupto.

Esperamos que, após o estudo do conteúdo desta aula, você seja


capaz de:

 A importância da primeira fase do desenvolvimento humano


Objetivos

destacando seu aspecto de dependência em relação ao adulto


na promoção de estímulos favoráveis ao seu desenvolvimento;
 O destaque do papel da linguagem para a comunicação e para
elaboração do pensamento;
 A evidência da relevância do brincar no processo de
socialização infantil, assim como garantir que a escola também
deve propiciar o espaço lúdico de integração e aprendizagem.
 O desenvolvimento do adolescente como sendo fruto do que
ele vivenciou em sua infância e é também um degrau a mais
para a vida adulta tanto em sua estrutura física, cognitiva
quanto psíquica;
 As regras e definições da vida adulta jovem, da vida adulta
madura e da velhice.
 Por fim, as diferenças teóricas na abordagem da vida adulta.
Aula 6 | O desenvolvimento da infância à velhice 137

Introdução

Partindo do ponto de vista que concebe a


criança como um ser integrado, onde o biológico e o
social atuam de forma articulada e se influenciam
mutuamente, formando uma unidade integrada, que é
fruto da interação do homem com seu meio ambiente
(posição defendida por Piaget e Vygotsky) vamos nos
aprofundar nos aspectos que favorecem o
aperfeiçoamento das competências e a aquisição de
novas habilidades, por parte da criança, ao longo do
seu desenvolvimento.

E qual é o nosso objetivo? Por que achamos


importante abordar as fases do desenvolvimento,
sobretudo a infância?

Porque acreditamos que dessa forma, isto é,


abordando o desenvolvimento em seus diversos
aspectos, explorando os fatores que estimulam
positivamente esse processo, oferecemos a vocês um
conhecimento das possibilidades e alcance de cada
fase. Isso favorece o planejamento de estratégias de
atuação, de transmissão de conteúdo, de estimulação e
reforço, ou seja, o conhecimento das especificidades de
cada fase do desenvolvimento dota o profissional
(você) de recursos que facilitam sua prática e alcance
dos objetivos traçados no seu planejamento.

Para iniciar nosso percurso precisamos levar em


conta que o desenvolvimento infantil é um processo
que ocorre em meio a uma rede de relações sociais que
se dão dentro de um contexto sociocultural específico.

É por estar inserida numa rede de relações


sociais que a criança vai sendo apresentada ao mundo,
seus valores e referenciais. Isso propicia a
internalização de hábitos e costumes, a aquisição da
Aula 6 | O desenvolvimento da infância à velhice 138

linguagem, a construção de vínculos afetivos, assim


como, estimula a sociabilidade e a estruturação da
identidade.

Nesse sentido, devemos considerar a escola um


lugar, por excelência, de crescimento, interação e
adaptação.

O ambiente externo, a casa, a escola deve


exercitar e desenvolver as habilidades que cada um
traz ao nascer. As interações sociais promovidas no
ambiente escolar devem possibilitar que cada criança
desenvolva a seu tempo suas capacidades motoras,
cognitivas e sociais. Daí a importância dada ao brincar,
a ludicidade no processo de aprendizagem.

Podemos agora mesmo destacar o papel da


linguagem e do pensamento a ela associado que
contribuem sobremaneira no desenvolvimento infantil:

O desenvolvimento linguístico

Tanto nas crianças quanto nos adultos, a função


da fala é o contato social e a comunicação, isto quer
dizer que o desenvolvimento da linguagem é
impulsionado pela necessidade de comunicação. Assim,
mesmo a fala mais primitiva da criança é social. Nos
primeiros meses de vida, o balbucio, o riso, o choro, as
expressões faciais ou as primeiras palavras da criança
cumprem não somente a função de alívio emocional
como também são meios de contato com os membros
de seu grupo.

O desenvolvimento da linguagem dará a criança


possibilidade de além de se utilizar da inteligência
prática decorrente dos esquemas sensorial-motores
formados anteriormente, iniciar a capacidade de
representar uma coisa por outra, ou seja, formar
Aula 6 | O desenvolvimento da infância à velhice 139

esquemas simbólicos. Isso será conseguido tanto a


partir do uso de um objeto como se fosse outro, de
uma situação por outra ou ainda de um objeto, pessoa
ou situação por uma palavra.

É possível notar a presença concomitante da


linguagem socializada (um diálogo verdadeiro, com
intenção de comunicação) e de linguagem egocêntrica
(aquela que não necessita de um interlocutor, não tem
função de comunicação). À medida que a criança vai
crescendo a evolução da linguagem se dá no sentido de
uma maior socialização, mostrando que toda a
tendência do desenvolvimento em seus vários aspectos
se dá no sentido de interiorização e da socialização.

Na medida em que a criança interage e dialoga


com os membros mais maduros de sua cultura aprende
a usar a linguagem como instrumento do pensamento
e como meio de comunicação. É a linguagem que irá
marcar, ao longo da história humana, a transformação
do homem de ser biológico em ser histórico-cultural.

Assim, é possível verificar que o domínio da


linguagem promove mudanças radicais na criança,
principalmente no seu modo de se relacionar com o
meio, pois possibilita novas formas de comunicação
com os indivíduos e de organização de seu modo de
agir e pensar.

A construção do pensamento infantil

O desenvolvimento cognitivo da criança constitui


um processo de reconstrução a nível pessoal do que já
integra do âmbito social, ou seja, as funções psíquicas,
as habilidades técnicas e o saber acumulado. Mais do
que se inserir no meio cultural é este quem penetra na
criança em graus e formas variadas através de sua
internalização. O desenvolvimento é, portanto, uma
Aula 6 | O desenvolvimento da infância à velhice 140

obra social e não simplesmente individual. Mas, o


universo cultural só é acessível a criança se mostrado a
ela pelo outro, e a condição para que isso aconteça é
partilhar do mesmo mundo simbólico dos outros e dos
mesmos sistemas de significação. Ao internalizar
instruções, as crianças modificam suas funções
psicológicas: percepção, atenção, memória, capacidade
para solucionar problemas. É dessa maneira que formas
historicamente determinadas e socialmente organizadas
de operar informação influenciam o conhecimento
individual, a consciência de si e do mundo.

A importância da atuação de outras pessoas no


desenvolvimento individual é particularmente evidente
em situações em que o desenvolvimento cognitivo é um
resultado das interações sociais. Na escola, portanto,
onde o aprendizado é o próprio objetivo de um
processo que pretende conduzir a um determinado tipo
de desenvolvimento, a intervenção deliberada é um
processo pedagógico privilegiado. Os procedimentos
regulares que ocorrem na escola são fundamentais para
um ensino capaz de promover o desenvolvimento.

Durante toda a etapa da construção de seu


pensamento, a criança constrói e reelabora os
significados que lhe são transmitidos por seu grupo
cultural. A constante recriação da cultura por parte de
cada um dos membros é a base do processo histórico,
sempre em transformação, das sociedades humanas.

Bem, retornando ao ponto anterior que


destacamos o papel do brincar na infância lembramos
então que, Vygotsky nos mostrou que o brinquedo não
é o aspecto predominante da infância, mas é, sem
dúvida, um fator muito importante do desenvolvimento.
Dedicado a conhecer o papel do brinquedo e do brincar
no desenvolvimento infantil, Vygotsky propõe duas
questões:
Aula 6 | O desenvolvimento da infância à velhice 141

De que forma o brinquedo está


relacionado ao desenvolvimento?
 Como muda o brinquedo? Dentro do processo
do desenvolvimento ocorrem mudanças na
função do brinquedo?

Respondendo a primeira questão, Vygotsky diz


que o brinquedo é mais do que uma atividade que dá
prazer à criança, ele ressalta a importância de se
perceber que toda criança tem necessidades e que o
brinquedo preenche essas necessidades,
principalmente, no sentido mais amplo que
corresponde à necessidade de tudo o que é motivo
para ação, tudo que lhe incentiva, estimula e possibilita
a ação.

...Porém, se ignoramos as
necessidades da criança e os
incentivos que são eficazes para
colocá-la em ação, nunca seremos
capazes de entender seu avanço de
um estágio do desenvolvimento para
outro, porque todo avanço está
conectado com uma mudança
acentuada nas motivações, tendências
e incentivos. Aquilo que é de grande
interesse para um bebê deixa de
interessar uma criança um pouco
maior. A maturação das necessidades
é um tópico predominante nessa
discussão, pois é impossível ignorar
que a criança satisfaz certas
necessidades no brinquedo. Se não
entendemos o caráter especial dessas
necessidades, não podemos entender
a singularidade do brinquedo como
uma forma de atividade.
(Vygotsky, 2003, p. 121-122)

Sabemos que toda criança pequena solicita


imediata satisfação dos seus desejos, ela não pode
esperar e nem faz planos para um futuro próximo. É na
idade pré-escolar que a criança começa a se deparar
com uma enorme quantidade de desejos que não são
passíveis de satisfação imediata. E o que podemos
fazer para que essa criança possa relativizar essa
Aula 6 | O desenvolvimento da infância à velhice 142

espera ou até mesmo, em algumas situações, a


impossibilidade da satisfação?

É simples, usamos o brinquedo, criamos um


mundo imaginário onde desejos irrealizáveis podem se
realizar. No brinquedo a criança cria uma situação
imaginária.

A imaginação é um processo
psicológico novo para a criança;
representa uma forma especificamente
humana de atividade consciente, não
está presente na consciência de
crianças muito pequenas e está
totalmente ausente em animais. Como
todas as funções da consciência, ela
surge originalmente da ação. O velho
adágio de que o brincar da criança é
imaginação em ação deve ser
invertido; podemos dizer que a
imaginação, nos adolescentes e nas
crianças em idade pré-escolar, é o
brinquedo sem ação.
(Vygotsky, 2003, p.122-123)

Enfim, o brinquedo não pode ser considerado


uma atividade sem propósito, pois ele fornece ampla
estrutura básica para mudança das necessidades e da
consciência.

Respondendo a segunda questão (Como muda o


brinquedo?) Vygotsky sinaliza que a criança utiliza o
brinquedo, inicialmente, como uma reprodução da
situação real, ou seja, cria uma situação imaginária
muito próxima de uma situação vivida.

EXEMPLO: Uma criança quando brinca de mãe


ou professora, repete gestos e palavras quase
exatamente como sua mãe ou professora faz com ela.

Há pouco imaginário. Aqui o brinquedo funciona


mais como uma recordação do que já aconteceu do que
imaginação.
Aula 6 | O desenvolvimento da infância à velhice 143

Ao longo do desenvolvimento infantil,


observamos, também, o desenvolvimento do
brinquedo. Notamos algumas mudanças na atividade
do brinquedo, passamos a perceber a busca da
realização consciente do seu propósito. Nesse
momento, o propósito justifica a atividade, decide o
jogo e determina a atitude da criança diante do
brinquedo.

EXEMPLO: Nos esportes o objetivo é vencer e


isso é conhecido e compartilhado por todos. Joga-se
futebol e cada equipe o faz com o objetivo de vencer.

O brinquedo nessa fase facilita a internalização


das regras, mostra a importância do coletivo e
promove a mediação do prazer e da satisfação.

EXEMPLO: Ainda que eu queira jogar do meu


jeito, fazendo valer o que eu penso, para satisfazer-me
imediatamente, preciso acatar as regras para não levar
um cartão vermelho e acabar fora do jogo e do time.

A BRINCADEIRA

Ao brincar a criança está interligando várias funções


cognitivas que são a motricidade, a linguagem, a
percepção, a memória, entre outros que como
sabemos são de grande importância no
desenvolvimento da criança. A brincadeira auxilia a
criança a conquista do equilíbrio infantil e fortalece a
apropriação de signos sociais.

Ao brincar a criança começa a entender cada objeto,


o funcionamento dos elementos da natureza e os
acontecimentos sociais. A brincadeira permite a
construção de novas possibilidades de ação e de
formas de buscar elementos do seu convívio. Esses
objetos que são usados nas brincadeiras são
especialmente utilizados de maneira simbólica, como
substitutos para outros, por via de gestos e
expressões. A ação criativa precisa da imaginação
que, por sua vez depende de rica e variada
experiência prévia e se desenvolve por meio da
atividade simbólica que é representada pelas
crianças.

Brincar é uma atividade fundamental para as


crianças, para a construção da sua identidade
cultural e de sua personalidade.
Aula 6 | O desenvolvimento da infância à velhice 144

Tendo em vista a compreensão e o conhecimento do


desenvolvimento das crianças, o educador deve
pensar que tipo de atividade lúdica propor,
aplicando-as de forma clara e objetiva para que as
crianças possam entendê-las e, assim, desenvolvê-
las. É importante que a ação do educador amplie o
conhecimento da criança, contribuindo assim, tanto
no aspecto lingüístico quanto no aspecto cultural.
Cabe ao educador alimentar o imaginário infantil de
forma enriquecedora, através de atividades e
brincadeiras.

Com isso constatamos que o brincar possibilita a


criação de situações imaginárias que favorecem o
desenvolvimento do pensamento abstrato, da
capacidade de compreensão e interpretação e do
potencial criativo. Além disso, introduz as regras e as
leis que organizam não só a brincadeira, mas também
as ações. A partir da internalização das regras é
possível trabalhar valores importantíssimos para
construção da personalidade e da cidadania, tais como:
solidariedade, respeito, espírito de equipe,
companheirismo, responsabilidade, competição
saudável e etc..

Vygotsky aponta de forma clara o papel do


brinquedo e as mudanças que se dão na função do
brinquedo nas diferentes fases do desenvolvimento.

Tal como disse, em sentido figurado,


um pesquisador, para uma criança
com menos de três anos de idade o
brinquedo é um jogo sério, assim
como o é para um adolescente,
embora , é claro, num sentido
diferente da palavra ; para uma
criança muito pequena, brinquedo
sério significa que ela brinca sem
separar a situação imaginária da
situação real. Para uma criança em
idade escolar, o brinquedo torna-se
uma forma de atividade mais limitada,
predominantemente do tipo atlético,
que preenche um papel específico em
seu desenvolvimento, e que não tem o
mesmo significado do brinquedo para
uma criança em idade pré-escolar. Na
Aula 6 | O desenvolvimento da infância à velhice 145

idade escolar o brinquedo não


desaparece, mas permeia a atitude em
relação à realidade. Ele tem sua
própria continuação na instrução
escolar e no trabalho (atividade
compulsória baseada em regras). A
essência do brinquedo é a criação de
uma nova relação entre o campo do
significado o campo da percepção
visual- ou seja, entre situações no
pensamento e situações reais.
(Vygotsky, 2003, p.136).

Sendo assim, é possível perceber que através


do brincar a criança aprende a agir numa esfera
cognitiva. Sabem por que?

Porque o brinquedo promove uma mudança na


estrutura da percepção. O exercício da ação imaginária
ensina a criança a dirigir sua conduta não somente pela
sua percepção imediata, mas também pelo significado
da situação. O brinquedo viabiliza a abstração e produz
mudanças na percepção.

Explicando melhor, poderíamos dizer: Crianças


pequenas têm suas ações determinadas pela esfera
visual externa. Motivação e percepção estão totalmente
associadas. Sua ação é determinada por sua
percepção.

EXEMPLO: Se o professor pede a uma criança


pequena para repetir: “Paulo adora pipas”, se Paulo
estiver com uma bola, ela dirá: “Paulo adora bola”.

O objeto tem força determinante. O mundo é o


que ela vê. Há uma ligação entre percepção e
significado. A percepção determina a existência das
coisas.

É na idade pré-escolar que começa a aparecer


uma divergência entre o que é visto e seu significado.
O brinquedo, então, tem uma função determinante no
processo de transição que fará com que ela possa
operar com significados.
Aula 6 | O desenvolvimento da infância à velhice 146

No brinquedo, o pensamento está


separado dos objetos e a ação surge
das idéias e não das coisas: um
pedaço de madeira torna-se um
boneco e um cabo de vassoura torna-
se um cavalo. A ação regida por regras
começa a ser determinada pelas idéias
e não pelos objetos. Isso representa
uma tamanha inversão da relação da
criança com a situação concreta, real e
imediata, que é difícil subestimar seu
pleno significado. A criança não realiza
toda essa transformação de uma só
vez porque é extremamente difícil para
ela separar o pensamento (significado
de uma palavra) dos objetos.
(Vygotsky, 2003, p.128)

Quem não lembra das salinhas da pré-escola,


onde cada objeto tem a plaquinha que o define. Ex:
porta, janela, cadeira, etc. Será que não é com base
nessa constatação teórica (associação da percepção
com o significado) que fazemos também o mural com o
nome de cada coleguinha?

Bem, o que observamos é que a partir das


situações imaginárias criadas através do brinquedo,
paulatinamente, as crianças vão lidando com as
situações de forma mais abstrata e isso expande a
capacidade de compreensão, interpretação, análise,
síntese e sabemos o quanto esses aspectos influenciam
o processo de aprendizagem. Por isso, gostaríamos de
ressaltar a importância do brinquedo e do brincar como
recursos indispensáveis ao desenvolvimento infantil e a
aprendizagem.

A ludicidade é uma via de acesso que deve ser


utilizada pelo professor para estimular a
psicomotricidade, as funções perceptocognitivas visuais
e auditivas, a sociabilidade, autonomia, a curiosidade
de saber e, sobretudo o interesse pelo mundo e pelas
pessoas, aproveitando essa fase de iniciação na escola
para semear valores (respeito, responsabilidade,
solidariedade) que serão determinantes para formação
do caráter e da sociedade em que vivemos.
Aula 6 | O desenvolvimento da infância à velhice 147

Aqui vai uma dica: É muito importante que os


pais tenham consciência desse trabalho. Falem dos
objetivos da pré-escola, do lugar das atividades lúdicas
no aprimoramento da coordenação motora, da
sociabilidade, da estruturação do pensamento e da
personalidade.

E com que objetivo?

Quantas vezes escutamos das mães: Eu pago


escola para ele brincar? É só isso que ele faz aqui?

Se os pais souberem a importância do brincar,


do experimentar e do vivenciar o mundo poderão
valorizar e participar do trabalho proposto. Vocês se
lembram o que Piaget considerava importante para a
construção da inteligência?

Um meio que ofereça estímulos capazes de


desenvolver os sentidos, a curiosidade, as trocas
afetivas e a maturação. Como não considerar o lúdico?
O que pode ser mais estimulante do que aprender
brincando?

Não seria o lúdico a via de acesso para criação


da zona de desenvolvimento proximal na criança?

Tanto pela criação da situação


imaginária, como pela definição de
regras específicas, o brinquedo cria
uma zona de desenvolvimento
proximal na criança. No brinquedo a
criança comporta-se de forma mais
avançada do que nas atividades da
vida real e também aprende a separar
objeto e significado (...)
Sendo assim, a promoção de
atividades que favoreçam o envol-
vimento da criança em brincadeiras,
principalmente aquelas que promovem
a criação de situações imaginárias,
tem nítida função pedagógica. A escola
e, particularmente, a pré-escola
poderiam se utilizar deliberadamente
Aula 6 | O desenvolvimento da infância à velhice 148

desse tipo de situações para atuar no


processo de desenvolvimento das
crianças. (Oliveira, 2003, pág 67).

Não podemos deixar de considerar aqui a


importância da mediação feita pelo professor no
momento da brincadeira, para que o brincar sirva de
base para transmissão de valores culturais, regras e
limites sociais e, sobretudo fonte de estímulo para
autonomia e iniciativa.

Uma questão se impõe: Será que aprender


brincando é mais gostoso porque nesse momento o
conteúdo formal ainda respeita o conteúdo
experimentado, vivido do dia-a-dia?

Depois do exposto podemos mos perguntar:

 Qual a relação entre o desenvolvimento e a


aprendizagem na criança?
 Desenvolvimento e aprendizagem fazem
parte de um mesmo processo?

Sabemos que as teorias mais importantes a


respeito da relação entre desenvolvimento e
aprendizagem agrupam-se em três categorias. São
elas:

1ª CATEGORIA:

A aprendizagem é um processo exterior e


paralelo ao processo de desenvolvimento da criança e
não participa ativamente deste, assim como não
possibilita também, modificações no desenvolvimento.
Nesta concepção, os processos de desenvolvimento e
aprendizagem são independentes.

EXEMPLO: o desenvolvimento deve atingir uma


etapa, que está associada a maturação de
Aula 6 | O desenvolvimento da infância à velhice 149

determinadas funções, para que a escola possa


transmitir determinados hábitos e/ou conhecimentos.

Aqui a aprendizagem é posterior ao


desenvolvimento, ou seja, o desenvolvimento e a
maturação das funções são pressupostos e não um
resultado da aprendizagem. Como exemplo podemos
citar o posicionamento de Piaget.

2ª CATEGORIA:

A segunda concepção considera que cada etapa


da aprendizagem corresponde a uma etapa do
desenvolvimento. Aqui, postula-se o desenvolvimento
paralelo dos dois processos. Ressalta-se a
simultaneidade, a sincronização entre aprendizagem e
desenvolvimento.

3ª CATEGORIA:

A terceira categoria implica uma teoria dualista


porque entende que o desenvolvimento mental é
caracterizado por dois processos que embora tenham
conexão são de natureza diferente e condicionam-se
mutuamente. Nessa perspectiva, o desenvolvimento é
produto da interação de dois processos fundamentais
(o processo de maturação e o processo da
aprendizagem), ou seja, o processo de maturação
possibilita a aquisição de uma determinada
aprendizagem, ao passo que, a aprendizagem estimula
o processo de maturação.

Temos aqui a aprendizagem vista como um


meio para o desenvolvimento da criança e justo por
isso, o desenvolvimento é abordado num âmbito mais
amplo do que a aprendizagem.

E nós? Como podemos pensar a aprendizagem?


Aula 6 | O desenvolvimento da infância à velhice 150

Ela só tem início no ambiente escolar?

Não, sabemos que não. Existe uma


aprendizagem que antecede a aprendizagem que se dá
na escola. A aprendizagem escolar não parte do zero, a
criança chega à escola com uma gama de
aprendizagens alcançadas a partir das vivências no seu
meio, das trocas afetivas e das interações com outras
crianças.

Como exemplo podemos citar o fato de que


crianças aprendem a falar antes de ingressarem na
escola. Com isso demonstramos que, aprendizagem e
desenvolvimento estão ligados desde o nascimento.

Conscientes da importância de abordarmos as


características específicas da inter-relação entre
aprendizagem e desenvolvimento NA IDADE ESCOLAR
(porque já demonstramos essa relação antes do
ingresso na escola), perguntamos: O cotidiano da sala
de aula não serve para nos mostrar, na prática, que
aprendizagem deve ser coerente com o nível de
desenvolvimento da criança?

PERGUNTO: Podemos ensinar álgebra a uma


criança de sete anos?

Isso serve para nos mostrar a relação


incontestável entre o nível de desenvolvimento e a
capacidade potencial da aprendizagem. Porém, não
podemos nos limitar a um único nível de
desenvolvimento. Precisamos considerar pelo menos dois
níveis de desenvolvimento de uma criança. São eles:

 NÍVEL DO DESENVOLVIMENTO EFETIVO – é o


nível de desenvolvimento das funções
psicointelectuais que se conseguiu como
resultado de um processo de
desenvolvimento já alcançado;
Aula 6 | O desenvolvimento da infância à velhice 151

 ÁREA DO DESENVOLVIMENTO POTENCIAL –


determina os futuros passos da criança.
Engloba o que a criança pode fazer hoje com
o auxílio dos adultos e poderá fazer amanhã
por si só.

...A diferença entre o nível das tarefas


realizáveis com o auxílio dos adultos e
o nível das tarefas que podem
desenvolver-se com uma atividade
independente define a área de
desenvolvimento potencial da criança.
(Vygotsky, Luria, Leontiev, 2001, p.
112)

Resumindo, então, o desenvolvimento mental


de uma criança só pode ser determinado se referido,
pelo menos, a dois níveis (nível de desenvolvimento
efetivo e área do desenvolvimento potencial).

EXEMPLO: Dois alunos com idade mental de 6


anos conseguem realizar atividades independentes de
forma equivalente (os dois colocam a blusa do
uniforme sozinhos). Porém, um deles com auxílio de
um adulto consegue dar laço no tênis, o outro mesmo
com a mediação não consegue realizar.

Podemos, então, dizer que ambos têm o mesmo


nível de desenvolvimento efetivo, mas com relação ao
desenvolvimento potencial são diferentes, ou seja, a
idade mental é a mesma, mas a dinâmica do
desenvolvimento de cada uma é diferente.

Como postula Vygotsky:

Esta hipótese pressupõe


necessariamente que o processo de
desenvolvimento não coincide com o
da aprendizagem, o processo de
desenvolvimento segue o da
aprendizagem, que cria a área de
desenvolvimento potencial.
O segundo momento essencial desta
hipótese é a afirmação de que a
Aula 6 | O desenvolvimento da infância à velhice 152

aprendizagem e desenvolvimento da
criança, ainda que diretamente
ligados, nunca se produzem de modo
simétrico e paralelo.
(Vygotsky, Luria e Leontiev, 2001, p.
116)

A partir disso, podemos pensar a infância como


um momento privilegiado para o estabelecimento dos
vínculos afetivos, para construção da auto-estima,
internalização dos valores e conceitos culturais
baseados no uso da mediação por parte dos
educadores, de forma a propiciar um desenvolvimento
que reconheça as singularidades e potencialidades de
cada um.

Cabe ao professor lembrar, diariamente, que


aqueles que ali estão esperam dele (professor) uma
aposta e um incentivo que os leve a experimentar e ler
o mundo de forma a construir ações transformadoras.

Vale ressaltar que as interações sociais, as


trocas afetivas, as experiências lúdicas e um ambiente
estimulante e propiciador de descobertas traçará o
caminho, a via de acesso a um processo de
aprendizagem que possibilite a plena expressão do
viver.

Cuidemos da infância para que possamos estar


prontos para lidar com os desafios que a adolescência
trará.

A adolescência, seus conflitos e a vida


adulta

Entre 10 e 20 anos de idade, as crianças sofrem


rápidas alterações do tamanho, forma, fisiologia e
funcionamento psicológico e social do corpo. Os
hormônios estabelecem a agenda do desenvolvimento
em conjunto com estruturas
Aula 6 | O desenvolvimento da infância à velhice 153

sociais projetadas para promover a transição da


infância para a idade adulta.

Na teoria piagetiana, a adolescência marca a


transição do raciocínio operacional concreto
característico de crianças escolares para operações
lógicas formais. As operações formais incluem a
capacidade de manipular abstrações como expressões
algébricas, raciocinar a partir de princípios conhecidos,
ponderar múltiplos pontos de vista de acordo com
vários critérios e pensar sobre o próprio processo de
raciocínio. O raciocínio operacional formal, que significa
capacidade de tratar possibilidades como condições
reais, pode estar relacionado a decisões críticas, como
manter ou não relações sexuais protegidas ou
participar de outro comportamento de risco.

A grande evolução cognitiva, então, que ocorre


nessa fase é o aparecimento do pensamento abstrato,
que permite ao adolescente compreender o mundo de
maneira teórica, hipotética, abstraindo de suas
percepções que não dependem mais, necessariamente,
de seu pensamento concreto, ou de vivência prática.
Alguns adolescentes inicialmente demonstram raciocínio
formal, outros adquirem a capacidade mais tarde e
outros nunca adquirem. Muitos adolescentes menores
podem ser capazes de aplicar operações formais nas
tarefas escolares, mas não nos problemas pessoais.
Quando se trata de riscos emocionais elevados, o
raciocínio mágico, como a convicção de ser invulnerável,
pode interferir na cognição de ordem superior.

O desenvolvimento do raciocínio moral


acompanha o desenvolvimento cognitivo geral. Em sua
grande maioria, o pré-adolescente percebe o certo e o
errado como absolutos e sem questionamento. Neste
caso, tendem a incluir os padrões de comportamento
do grupo de colegas para questionar a moralidade
recebida em família. A união em grupos pode permitir
Aula 6 | O desenvolvimento da infância à velhice 154

que desloquem sentimentos de culpa por infrações


morais percebidas em si próprios para o grupo.

Todas essas mudanças a nível cognitivo e


intelectual afetam também sua consciência que
acompanha o conjunto das transformações somáticas
da puberdade. É na puberdade que a consciência tende
mais para os aspectos externos do que propriamente os
aspectos internos, ou melhor, a introspecção da
adolescência. A consciência atinge também sua própria
imagem corporal e o sentido de como as pessoas o
vêem, inclusive é criada uma certa distorção de como
acredita que é e como pensa que os outros o
percebem. Pode também ter sérias distorções de sua
auto-imagem que levam a uma anorexia nervosa, por
exemplo. Evidentemente, que essa imagem é afetada
por fatores culturais e ambientais que estabelecem
padrões cujos adolescentes tendem a seguir.

O conjunto de mudanças acima descrito tende


para uma acelerada transformação na relação do
adolescente com sua família também, causando uma
separação da mesma e uma aproximação cada vez
maior com o grupo de amigos de sua escolha. Mas, é
preciso deixar claro que nem todos os adolescentes se
separam da família através de conflitos, se rebelando,
tampouco todos os pais rejeitam e resistem às
necessidades de separação ou interpretam como sinal
de revolta.

Foi Erickson que identificou a necessidade de o


adolescente cumprir as seguintes tarefas: ter um senso
de identidade equilibrado, com a separação da família
de origem e planejar de maneira realista a
independência e a autonomia. Mas, para isto, não basta
o adolescente se transformar e amadurecer é
necessário que os pais também evoluam e se
transformem tanto quanto a escola e os professores
Aula 6 | O desenvolvimento da infância à velhice 155

devem acompanhar a compreensão das mudanças e


trabalhar de acordo com as novas necessidades do
adolescente.

Espera-se que o adolescente desenvolva um


senso coerente sobre si próprio e obtenha a capacidade
de tomar decisões, de exercer julgamentos e de
regular seu próprio comportamento de maneira
autônoma.

Todos sabem que a fase da adolescência é um


período conturbado do desenvolvimento, isso porque
nessa fase ocorrem diversas transformações, tanto
físicas quanto subjetivas, que têm impacto direto sobre
o comportamento dos jovens. Nós educadores,
passamos então, a nos depararmos com oscilações de
humor, explosões de irritabilidade, inseguranças,
dúvidas, questionamentos, repúdio as normas, regras e
limites, ansiedade, desinteresse, oposição, problemas
disciplinares e precisamos estar preparados para lidar
com essas situações.

É justo nessa época, onde toda autoridade é


questionada, repudiada e ignorada que esses rapazes e
moças mais precisam da compreensão dos adultos para
alertá-los, orientá-los e apoiá-los, inclusive porque, na
maioria dos casos, é na adolescência que ocorre o
aumento dos conflitos familiares, maior desgaste das
relações parentais e intensa necessidade de
contestação dos valores culturais.

A adolescência, apesar de sua indefinição


cronológica, será estudada, aqui, como a fase do
desenvolvimento que compreende o período dos 12 aos
18 anos e que tem como característica o alcance da
maturidade física, o conflito interno e o acesso ao
complexo pensamento lógico. Levando em conta a
contribuição de Derek Miller no livro “As Sete Idades do
Homem”:
Aula 6 | O desenvolvimento da infância à velhice 156

Apesar da indefinição cronológica do


período de adolescência, trata-se, não
obstante, de um período específico do
desenvolvimento humano, na maioria
das culturas. Caracteriza-se pelo
recrudescimento de conflito com o eu
e o mundo exterior, e por um elevado
potencial de crescimento físico,
intelectual e emocional.
(Sears e Feldman,1981, p.62)

Começaremos, então, apresentando a vocês as


principais transformações físicas vividas no período da
adolescência, ressaltando que essas transformações se
dão de forma diferenciada em meninos e meninas.

Em geral, ao nascerem, os meninos tendem a


ser maiores do que as meninas, na maioria das
dimensões, embora a diferença seja apenas da ordem
de 1 a 3 % na estatura e no comprimento dos
membros. Porém, a puberdade mais precoce das
meninas torna-as maiores e mais fortes que os
meninos entre os 10 e 13 anos, muito embora, o surto
de crescimento acelerado dos meninos termine por
deixá-los, em geral, 10% maiores que as meninas.
Ainda que seja comum as meninas entrarem na
puberdade antes dos meninos, há uma grande variação
no ritmo em que diferentes meninas chegam a
maturidade. É comum percebermos numa mesma
classe, meninas que concluíram sua puberdade e
começaram a menstruar antes que outras da mesma
idade mostrassem quaisquer sinais de
desenvolvimento.

Na terminologia comum, a puberdade


é distinta da adolescência. A
puberdade refere-se ao período em
que amadurece o sistema reprodutor.
A adolescência é psicossocialmente
definida como o período situado entre
a puberdade e o começo da autonomia
emocional e comportamental da idade.
(Sears e Feldman, 1981, p.35)
Aula 6 | O desenvolvimento da infância à velhice 157

É importante ressaltar, contudo, que hoje em


dia, existem estudos que mostram que as meninas
estão amadurecendo numa idade cada vez mais
precoce do que costumava ser. Esse é um fator
importante a ser considerado, pois significa que elas se
confrontam com todo o problema da adolescência
numa idade em que a educação, muitas vezes, por não
levar isso em conta, não lhe dá informações que lhes
permitam conhecer e entender as mudanças que estão
em curso.

Vemos no dia-a-dia um encurtamento da


infância, meninas de 4/5 anos que saem maquiadas,
com unhas pintadas e cada vez mais cedo começam a
despertar para os assuntos da sexualidade (primeiro
beijo, namoro, ciúmes, etc.). Não podemos negar que
um dos fatores que contribuem para essa tendência é a
maior estimulação sexual oferecida na sociedade
moderna (programas de televisão, novelas, erotização
da música e da dança, internet, etc.), embora este não
seja o único fator envolvido na produção dessa
mudança de comportamento.

Cabe então, perguntar: Mas isso tem acontecido


somente no universo das meninas? Não. Temos
observado que os meninos, também, estão
despertando para as questões da sexualidade, do
prazer, cada vez mais cedo.

Sabemos que no dia-a-dia os pais e os próprios


adolescentes percebem a olho nu as mudanças e
transformações que estão ocorrendo no seu corpo
(surto do crescimento, desenvolvimento dos quadris e
seios, pelos pubianos, etc.) Mas todas as mudanças
que acontecem no corpo durante a adolescência são
perceptíveis? Não. Existem alterações hormonais que
influenciam o humor, o comportamento, a vigília e
essas não são tão conhecidas.
Aula 6 | O desenvolvimento da infância à velhice 158

Embora estejam ocorrendo mudanças


nas dimensões e no formato que são
característicos da puberdade, também
há, no interior do corpo,
transformações menos óbvias, mas
igualmente importantes. Essas
mudanças fisiológicas têm lugar ao
mesmo tempo que as externas, de
modo que ocorrem mais cedo nos
jovens que tem uma puberdade
precoce e mais tarde nos que têm uma
puberdade tardia. O efeito global de
tais mudanças consiste em aumentar
consideravelmente o vigor do indivíduo
e a sua capacidade de esforço físico.
(W.A.Marshall, in Sears & Feldman,
1981, p.58)

Ao final da adolescência, por volta dos 18 anos,


a maioria das meninas completou o seu crescimento e
os meninos, por seu lado, estão progredindo em todos
os seus atributos físicos até essa idade, e novos
progressos estão ainda por vir.

Sendo assim, fica claro que durante a


adolescência meninos e meninas passam por diversas
mudanças fisiológicas e físicas, e se isso, por um lado
traz amadurecimento, maturidade e evolução, por
outro, traz incerteza, desconforto, estranhamento e
insegurança.

(...)Por causa da rápida aceleração de


crescimento, especialmente dos braços
e das pernas, tamanho e formato das
mãos, pés e rostos, os indivíduos
acham seus corpos desarmoniosos e
deixam de sentir-se à vontade consigo
próprios. São propensos a tornar-se
negativistas, inquisitivos e
contestadores.
(Miller.D. in Sears & Feldman,
1981, p.62)

A adolescência traz para cada jovem a


preocupação em saber o que eles aparentam aos olhos
dos outros e o quanto isso está próximo ou distante do
que eles sentem que são, como já foi comentado
anteriormente.
Aula 6 | O desenvolvimento da infância à velhice 159

(...) Mira Y Lopes (1954, p.204), há


muitos anos denominou isto de
“reajustamento entre o ser e o
parecer”, significando a necessidade
dos adolescentes de descobrirem as
mudanças que se operam a cada dia
no seu corpo. Eles se olham muito no
espelho para observar estas
transformações, e sentem uma
angústia, por falta de “uma base
referencial que constitui o autojuízo de
sua própria aparência”.
(Ferreira e Ries, 2004, p.108)

Nesse período, entre os 12 e 18 anos, o jovem


irá, paulatinamente, incorporar essas mudanças,
reconhecer seu corpo, suas novas habilidades, sua
força e vigor, mas isso não acontecerá sem
estranhamento e dúvidas, por isso é de extrema
importância a participação dos pais e educadores nesse
processo de descobertas e crescimento.

Mas, as mudanças só ocorrem no corpo? Ou


essas mudanças físicas são somadas a mudanças
subjetivas? É nesse campo que entraremos agora.
Começaremos a abordar os conflitos e as mudanças de
comportamento inerentes a essa fase do
desenvolvimento. Para isso, apresentaremos a
contribuição da teoria da personalidade de Erickson
(1968) no que se refere à adolescência:

Considera ele que a principal tarefa da


adolescência é o estabelecimento de
identidade. Nas várias manifestações
da busca de identidade incluem-se: a
procura de autonomia comportamental
e emocional; o afastamento dos
adultos e, em especial, dos pais; o
forte envolvimento com grupo de
colegas; a preocupação com diferentes
filosofias de vida e sua defesa;
envolvimento na política, uso de
drogas, etc. A escolha vocacional é
uma influência mais forte sobre a
identidade para os meninos do que
para as meninas.
(Sears e Feldman, 1981, p.62-63)
Aula 6 | O desenvolvimento da infância à velhice 160

Na teoria de Erikson a adolescência é um


período marcado pelo amadurecimento sexual e
cognitivo, e ao mesmo tempo, é um período de
adiamento do compromisso definitivo. Os jovens se
permitem experimentar diferentes papéis sociais e
sexuais, sem assumi-los com responsabilidade.

Sabemos que a adolescência é um período de


intensas contradições, o adolescente alterna momentos
de amor e ódio, admiração e repúdio, extroversão e
introspecção, submissão e rebeldia, egoísmo e
intensificação dos laços afetivos no grupo, assim como,
oscila entre momentos de plena energia e outros de
profunda apatia, preguiça e desinteresse.

Trabalhar com adolescentes é isto, é ter que


contar com o imprevisto, com a inconstância, com a
contestação e, também, com o afeto e com a emoção à
flor da pele. Não podemos esquecer que grande parte
dessa alternância pode ser considerada uma tentativa
de estabelecimento de uma identidade segura. Esse
comportamento negativista, inquisitivo e contestador,
muitas vezes, representa um teste necessário dos
limites de controle e liberdade, mas também representa
uma exigência de ambas as coisas.

O adolescente, em geral, é aquele que renega os


valores que lhe foi transmitido, contesta os referenciais
familiares, as regras e normas sociais, os limites, cria
suas próprias verdades, mas toda essa “independência”
encobre o difícil luto pelo fim da infância, a carência
afetiva, a necessidade de orientação e parceria e,
sobretudo, a necessidade da sustentação dos valores
culturais e dos limites por parte dos adultos e
familiares, para que a diferenciação eu X eles possa ser
alcançada de forma segura e fortalecida. Com isso,
percebemos que nessa fase, em que eles parecem nos
dizer que não temos nada a ensinar, nada a
Aula 6 | O desenvolvimento da infância à velhice 161

acrescentar, é o momento que nossa presença, nossa


parceria, nosso investimento é mais necessário e
transformador. Cabe-nos achar a via de comunicação, o
caminho que torne acessível a aproximação, o laço com
esses jovens, ainda que a princípio, eles se mostrem
arredios e desconfiados.

É a idade em que se mantêm segredos


longe dos ouvidos adultos, sobretudo
os pais, uma parte da técnica de
separação emocional que permite o
aumento da independência. Para os
adultos, os primeiros anos da
adolescência podem parecer um
período ora de egoísmo, vaidade,
orgulho e agressividade, ora de
impotência e dependência. Por um
lado, o adolescente parece capaz de
lealdade, abnegação e dedicação; por
outro lado, de profundo egoísmo.
Também é uma idade de movimento, e
a atividade física é usada como um
recurso para aliviar a tensão e
também como um modo de
comunicação com os outros.
(Miller.D. in Sears & Feldman, 1981,
p.63)

Em suma, o estabelecimento da
identidade do Ego é uma conquista
complexa, para qual contribuem os
adultos como modelos de
identificação; os amigos e o grupo de
companheiros, para definir o seu modo
de ser; o conjunto de idéias, a sua
visão do mundo para formar a
identidade ideológica; a carreira, os
interesses profissionais para formar a
identidade ocupacional; e o amor para
ver sua identidade projetada na
pessoa amada.
(Ferreira e Ries, 2004, p.111)

Com isso, percebemos que a conquista da


identidade é uma tarefa que não se esgota na
adolescência, perdura por toda a vida. Porém, é na
adolescência que o jovem se depara com as
uniformidades e continuidades que marcarão sua
personalidade.
Aula 6 | O desenvolvimento da infância à velhice 162

É por volta dos onze – doze anos que ocorre,


então, a passagem do pensamento concreto para o
formal, entendendo, como nos propõe Piaget, o
pensamento concreto como a representação de uma
ação possível, e o formal, como a representação de
ações possíveis.

Só depois que este pensamento formal


começa, por volta dos 11 a 12 anos, é
que se torna possível a construção dos
sistemas que caracterizam a
adolescência. As operações formais
fornecem ao pensamento um novo
poder, que consiste em destacá-lo e
libertá-lo do real, permitindo-lhe,
assim, construir a seu modo as
reflexões e teorias. A inteligência
formal marca, então, a liberação do
pensamento e não é de admirar que
este use e abuse, no começo, do poder
imprevisto que lhe é conferido. Esta é
uma das novidades essenciais que
opõe a adolescência à infância: a livre
atividade da reflexão espontânea.
(Piaget, 2003)

A livre atividade da reflexão espontânea está


articulada na adolescência, inclusive, ao interesse por
temas sem relação direta com as situações do dia-a-
dia, temas inatuais ou preocupações com situações
futuras. Associa-se a esta tendência a facilidade dos
jovens para criar teorias abstratas, assim como, para
apaixonarem-se por ideologias, sejam elas, religiosas,
políticas, sociais e etc...

Aliada a crescente paixão pelas ideologias


encontramos a necessidade de contestação dos valores
instituídos, o desafio aos limites, as regras e normas
sociais estabelecidas e o forte desejo de mudar o
mundo e de fazer parte desse movimento de
transformação. Mas de que forma? Sozinho? Não. Os
adolescentes querem estar em grupo, precisam estar.
Nesse momento de turbulência, onde ainda não se sabe
quem se é, nesse momento de construção de
identidade e, sobretudo, de ruptura da dependência
Aula 6 | O desenvolvimento da infância à velhice 163

familiar, o grupo ganha uma importância vital. E Por


que? Será que não podemos supor que o adolescente
transfere para o grupo parte da dependência que
mantinha com seu núcleo familiar? E mais, na luta pela
independência dos pais, a inserção num grupo não
indicaria a busca por um líder que possa exercer o
poder paterno, que possa dar uniformidade e
segurança? Lembremos que a entrada na adolescência
é marcada pela necessidade de romper com os
atributos infantis e assumir obrigações e
responsabilidades que o próprio sujeito, ainda, não se
sente preparado, e nesse sentido, o adolescente busca
o grupo como um reforço para sua identidade.

Em cada fase evolutiva, o indivíduo


precisa desenvolver sua autocognição
que implica o conhecimento da
individualidade biológica, psicológica e
social, isto é, do todo biopsicossocial.

A identidade é a criação de um
sentimento interno de mesma idade e
continuidade , uma unidade de
personalidade sentida pelo indivíduo e
reconhecida por outro, que é o “saber
quem sou”.
(Campos, 1976,p.114-115)

Na busca de si mesmo e de sua identidade o


adolescente recorre ao grupo de forma defensiva e,
muitas vezes, demonstra forte intolerância com as
diferenças. Em geral, eles elegem uma ou mais marcas
de roupa, tipo de esporte, local freqüentado,
estabelecem um código lingüístico para o grupo
(gírias), formas de cumprimento e, com isso, criam
suas “tribos”.
Os companheiros, a roda de amigos, a
turma, ajudam o indivíduo a encontrar
a própria identidade em um contexto
social. Desta participação no grupo
resulta o sentimento de clã e de
intolerância com as diferenças,
sobretudo na roupa, linguagem e
gestos. Para o autor (1971), o
sentimento grupal, a intolerância, a
necessidade dos mesmos modos de
Aula 6 | O desenvolvimento da infância à velhice 164

vestir e agir, é uma defesa necessária


contra os perigos da confusão do
sentimento de identidade, buscando
com isto, ajudar-se uns aos outros e
vencer muitas dificuldades.
(Erickson apud Ferreira & Ries, 2004,
p.110)

Não podemos deixar de citar que, em muitos


casos, o adolescente está tão insatisfeito com sua
imagem (aparência física), capacidades, habilidades e
realizações que ele tende a introspecção, evitação do
contato com outros, justamente pelo medo de não ser
aceito.

... Neste caso, a solidão não é uma


opção, mas uma espécie de fuga
desenvolvida a partir do medo de não
ser aceito pelos outros. A segurança
adquirida nessa etapa é muito
importante para a expansão dos
objetivos de vida e das interações
sociais e para a manutenção da auto-
estima.
(Cória-Sabini, 2003,p.93)

Para finalizarmos, gostaríamos de abordar o


processo da escolha vocacional e suas fases,
entendendo aqui, a escolha vocacional como conceitua
Cória-Sabini (2003), uma resultante da interação entre
as aspirações e os conhecimentos que o indivíduo
possui e a condições atuais para sua realização. (p.94).

FASE DA FANTASIA – A partir dos 5 anos de idade.


Caracteriza-se pelo uso de modelos. Não refletem
interesses reais.
Ex: Quero ser veterinária como minha mãe.

PERÍODO DE TRANSIÇÃO - A partir da idade escolar.


A opção é provisória, mas já reflete o que a criança
gosta de fazer.
Ex: Adoro avião, quando eu crescer quero ser piloto.

PERÍODO DA ESCOLHA PROVISÓRIA – A partir dos


12 anos de idade. Já realiza uma análise detalhada
dos fatores que podem favorecer ou dificultar sua
escolha.

PERÍODO REALISTA – Inicia-se por volta dos 16/17


anos. O interesse por um campo de atividade já está
cristalizado, então, ele passa a explorar as
Aula 6 | O desenvolvimento da infância à velhice 165

Embora a primeira opção vocacional


ocorra na adolescência, o
desenvolvimento vocacional é um
processo que pode se estender até a
velhice. Ele é dinâmico e com a
evolução da sociedade ou do indivíduo
podem surgir novas oportunidades
profissionais.
(Cória-Sabini, 2003, p.95)

Mas, independente da possibilidade de


mudanças na escolha vocacional, esse é o momento de
transmitirmos informações, esclarecimentos, segurança
e confiança.

O desenvolvimento do adulto

Sabe-se que, embora, fossem desenvolvidas


pesquisas voltadas para o desenvolvimento adulto,
desde a década de 40 e de 50, é na década de 70 que
esses estudos começaram a ganhar mais atenção. Os
primeiros estudos se detiveram na velhice e
consideraram o envelhecimento um problema, a
velhice tornou-se sinônimo de solidão, abandono e
enfermidades. Alguns avanços ocorreram, mais
pesquisadores começaram a se interessar sobre o ciclo
de vida e a utilizar populações de diferentes faixas
etárias, classes sociais e cultura. Os resultados obtidos
nesses estudos levaram a uma mudança na análise do
desenvolvimento humano. Além disso, as pesquisas
mostraram que durante o ciclo de vida, as mudanças
psicológicas são contínuas, o que significa dizer que a
realidade psicológica do adulto não pode ser presumida
a partir de uma análise dos problemas e características
apresentadas na infância. Como aponta Cória-Sabini:

A teoria adotada, na maior parte dos


estudos sobre o desenvolvimento
adulto, foi a de Erikson (1902). Ele
enfatiza que o desenvolvimento
humano se processa por estágios –
três dos quais são na idade adulta.
Cada estágio é caracterizado por um
padrão de mudança do ego, que é
Aula 6 | O desenvolvimento da infância à velhice 166

resultante da interação entre valores


individuais e as forças sociais. Essa
dicotomia entre o individual e social
provoca uma crise, pois o ego deve
manter sua identidade ao mesmo
tempo que deve responder de maneira
satisfatória às exigências sociais.

A palavra CRISE designa um ponto


crítico do desenvolvimento, o núcleo em
torno do qual giram as mudanças que
devem ocorrer na personalidade.
Portanto, esta teoria está centrada no
presente, ou seja, nas mudanças que
ocorrem no interior do indivíduo em
função das tarefas sociais estabelecidas
para cada etapa do ciclo de vida.
(Erikson apud Cória-Sabini,2003, p.
107)

Bem, então, podemos afirmar que o


desenvolvimento do adulto também se dá em estágios?
Essa é a questão! Essa afirmação não é unânime entre
os pesquisadores. Na verdade, a reposta a essa
questão divide os estudiosos em dois grupos:

1. Teóricos que não aceitam estágios no


desenvolvimento do adulto,
2. Teóricos que aceitam os estágios.

Vejamos a seguir:

GRUPO I - TEÓRICOS QUE NÃO ACEITAM


ESTÁGIOS NO DESENVOLVIMENTO DO ADULTO

Esse grupo defende que o desenvolvimento


adulto não se dá por estágios e para isso, baseia sua
argumentação em três pontos:

 O ritmo dos acontecimentos da vida torna-se


menos regular a partir da adolescência.
 Os problemas, preocupações e tarefas sociais
que caracterizam os estágios não são
exclusivos de uma faixa etária. Podem
aparecer ao longo da vida.
Aula 6 | O desenvolvimento da infância à velhice 167

 As mudanças interiores ocorrem


vagarosamente, são contínuas e não-
discretas. Elas refletem a percepção que cada
um tem do mundo.

Dentro desse enfoque, a vida adulta percebida


como uma seqüência de períodos demarcados,
prejudica a idéia da vida, na medida em que a supõe
um conjunto de interações que obedecem a um certo
número de normas e padrões.

O adulto é o construtor de sua


dimensão de tempo e de espaço. Na
sua mente, presente e passado
constituem uma realidade psicológica,
que é organizada a partir de diferentes
sistemas de valores.

GRUPO II – TEÓRICOS QUE ACEITAM ESTÁGIOS


NO DESENVOLVIMENTO DO ADULTO

Esse grupo defende que o desenvolvimento


adulto se processa em estágios, apoiando esse ponto
de vista no fato de que o processo de socialização
continua ao longo da vida. O indivíduo passa por um
ciclo biológico, assim como, passa por uma regulagem
social, desde o seu nascimento até sua morte. Cada
sociedade oferece aos seus membros um sistema de
valores e padrões de comportamento.

As normas sociais transmitidas requerem


aprendizagem de novas respostas e esse processo de
aprendizagem é de fundamental importância no
desenvolvimento do ego.

Cória-Sabini (2003), aponta que esse processo


de aprendizagem se dá em três momentos:

 1º MOMENTO – Antes de o indivíduo atingir


um patamar etário qualquer, ele observa os
Aula 6 | O desenvolvimento da infância à velhice 168

outros elementos e se coloca a favor ou


contra as normas de conduta determinadas
para aquela faixa etária.

 2º MOMENTO – Já dentro da faixa etária, ele


sofre as pressões das forças sociais e, a partir
da experiência ativa, reestrutura seu ponto de
vista.

 3º MOMENTO – Tendo vivenciado as


experiências mais importantes para aquela
faixa etária, ele passa a refletir sobre as
normas sociais e se apropria de um conjunto
de valores que lhe servirá de guia para sua
auto-avaliação, assim como, para a avaliação
das condutas dos outros.

Nesse grupo, o ciclo de vida é percebido como


algo que se divide em um determinado número de
períodos e isso torna possível o desenvolvimento de um
conceito de normalidade em função da ocorrência de
certos eventos dentro de um determinado período de
tempo. A existência desses períodos, também, dá ao
sujeito a possibilidade de avaliar se os acontecimentos
de sua vida estão ocorrendo ou não dentro do período
adequado.

EXEMPLO: Antigamente, quando uma mulher


chegava ao trinta anos sem realizar seu matrimônio
dizia-se “Ficou para titia”. Isso indicava que ela não
casou no tempo previsto para que as mulheres daquela
sociedade realizassem tal evento.

Outros exemplos desses eventos (esperados


numa determinada faixa etária) na nossa sociedade
industrializada, são: Conclusão do ensino médio,
entrada no mercado de trabalho, filhos, aposentadoria,
etc.
Aula 6 | O desenvolvimento da infância à velhice 169

Vocês devem estar se perguntando: E quais são


os períodos do ciclo de vida na idade adulta? São três:
A idade adulta jovem, a maturidade e a velhice.

a) Idade Adulta Jovem

As principais conquistas desse período, são:


estabilidade profissional, afetiva e dos valores éticos.

A mais importante tarefa do ego, neste


período, é encontrar o equilíbrio entre
a estabilidade e o avançar para o
futuro, buscar novos caminhos,
esforçar-se para fazer novas
descobertas, investir em si mesmo e
na vida das pessoas que dependem
mais diretamente dele (familiares,
amigos, colegas, etc.)

Nesta fase a pessoa deve conseguir


sua individuação, realização e
estabilidade profissional para encarar
sem medo o avanço da idade.
(Cória-Sabini, 2003, p.109)

Quando o indivíduo não consegue cumprir essas


tarefas tende a se sentir estagnado e não consegue
doar-se aos outros. Para que possamos estabelecer
uma intimidade verdadeira com o outro e fundir nossa
intimidade com a do companheiro é preciso definir a
identidade.

A intimidade sexual é apenas uma


parte..., pois é óbvio que as
intimidades sexuais precedem
freqüentemente a capacidade para
desenvolver uma autêntica e mútua
intimidade psicossocial com outra
pessoa, seja na amizade, em
encontros eróticos ou em inspiração
conjunta. O jovem que não está
seguro da sua identidade, furta-se à
intimidade ou lança-se em atos de
intimidade que são “promíscuos”, sem
uma verdadeira fusão ou real entrega
de si próprio.
(Erikson apud Ferreira e Reis,
2004,p.111)
Aula 6 | O desenvolvimento da infância à velhice 170

b) Idade Adulta (Maturidade)

Nesse período a preocupação do homem é com


o cuidado dos filhos e educação, visando à transmissão
do legado de sua cultura.

Erikson chama de generatividade a


“preocupação relativa a firmar e guiar
a nova geração, embora haja
indivíduos que, por falta de sorte, ou
porque tenham aptidões genuínas em
outras direções, não aplicam esta
orientação a seus próprios filhos”. O
conceito de generatividade abrange,
também, a idéia de produtividade e
criatividade. O homem adulto pode
não ter filhos e realizar a capacidade
de gerar através de sua criatividade na
produção artística, literária ou
científica.
(Erikson apud Ferreira e Reis,
2004,p.113).

Erikson postula a generatividade como a força


propulsora na organização humana, uma expressão do
ser humano e o seu oposto é o sentimento de
estagnação e tédio.

Criar os filhos, aceitar desafios profissionais,


realizar um trabalho uma obra, produzir novos
produtos, transformar, colocar projetos em prática,
tudo isso faz com que o sujeito se sinta útil, necessário.
A falta desses estímulos leva a um sentimento de
inutilidade, estagnação, que é fruto da infecundidade.

Ao entrar no período da meia-idade, observa-se


em muitos casos, uma mudança na perspectiva pessoal
do tempo. É comum observarmos questionamentos
como: Ainda está em tempo de viver o que não vivi?
Realizei tudo o que planejei e desejei? O que posso
fazer para alcançar meus objetivos? Não quero perder
tempo com bobagens e etc. Nesta etapa da vida, o
crescimento do ego está ligado à superação das perdas
vividas.
Aula 6 | O desenvolvimento da infância à velhice 171

Vivemos numa sociedade em que a competição


e rivalidade estão sempre presentes, e precisamos
provar nossa competência e perspicácia a cada
momento. O mercado, hoje, exige muito mais de cada
um de nós.

EXEMPLO: Há alguns anos atrás, bastava ter o


curso superior concluído e noções de inglês para
termos acesso a um bom cargo numa boa empresa.
Atualmente, solicita-se especialização, MBA, duas
línguas estrangeiras (pelo menos), participação em
cursos, congressos, palestras. Tudo isso gera o que?
STRESS.

O stress é um fator que precisa ser levado em


conta nessa etapa da vida. Vivemos sob forte tensão e
isso tem suas conseqüências.

Como vimos, ao adolescente precisamos


orientar, educar para o reconhecimento e respeito aos
limites e regras sociais, para a construção da
cidadania. E para o aluno adulto? Precisamos
incentivar, apoiar, estimular o investimento no
processo de aprendizagem e aprimoramento. “O
equilíbrio para uma qualidade de vida interior
adequada deve ser buscado tanto na perspectiva
profissional como na pessoal” (Cória-Sabini,
2003,p.112)

c) Velhice

O crescimento e independência dos filhos, a


perspectiva da aposentadoria, são alguns dos eventos
sociais que indicam o processo do envelhecimento.

O desafio para o ego nesta etapa da


vida está relacionado com a adaptação
à perda do trabalho, de amigos, do
companheiro, da posição, da
autoridade na família, e ao
Aula 6 | O desenvolvimento da infância à velhice 172

questionamento, feito pelos outros,


sobre a competência (física e mental)
do velho para executar algumas
tarefas.
(Cória-Sabini, 2003, p.112)

Sabemos quão difícil é envelhecer numa


sociedade que valoriza o novo, o versátil e descarta o
velho. Antigamente, o idoso representava o ícone da
sabedoria, da experiência e tinha muito a ensinar. Hoje
em dia, temos pressa para tudo. A informação recebida
há 5 minutos já é ultrapassada. Podemos conhecer o
mundo, repartir experiências, desvendar mistérios e
resgatar a história em alguns clicks. Na era da internet,
o hoje já é passado. E nossos idosos? Que lugar eles
possuem? A vovó, na maioria dos lares, não é mais
aquela que conta historinhas e faz bolo para o lanche.
Ela trabalha, leva netos ao shopping, faz ginástica na
praia e, em alguns casos, estuda. Temos muitos idosos
que voltaram para a escola ou para a universidade
depois da aposentadoria, da criação dos filhos e, muitas
vezes, esse movimento de retorno à escola é uma
aposta na esperança, na vida, para não se sentir inútil,
estagnado.

EXEMPLO: Um senhor de 63 anos, depois de se


aposentar em função de um problema de saúde,
declarou para a professora: Aqui é o que me mantém
vivo! Não posso trabalhar, não posso jogar bola, muitos
amigos já se foram... Eu venho aqui, aprendo, conheço
pessoas, faço amigos, preencho meu tempo e afasto da
minha cabeça os pensamentos ruins. Me sinto capaz,
útil.

Nessa etapa da vida precisamos considerar as


dificuldades de memória, o comprometimento motor
(tremor, lentificação da marcha, coordenação motora),
a necessidade de parceria e orientação para
compreensão e interpretação de temas não conhecidos.
E, principalmente, a necessidade de estímulo, de
Aula 6 | O desenvolvimento da infância à velhice 173

reforço positivo para que as dificuldades sejam


superadas e a insegurança e baixa auto-estima sejam
revertidas em ânimo e motivação.

Os velhos preferem não só aqueles


interesses e atividades que são menos
exigentes e requerem menos esforço,
mas também os que podem ser
desenvolvidos em pequenos grupos,
com outra pessoa solitariamente. É
evitada a competição, as realizações
atuais são aceitas e o passado é visto
com satisfação.
(Sears e Feldman, 1981, p. 144)

A preocupação com a passagem do tempo já


não é mais tão aguda e a integridade do ego, neste
período, está mais apoiada no passado do que no
presente: O que eu fui, as experiências que eu vivi, são
muito mais valorizadas do que o que eu sou. Erikson
acredita que na velhice há o estabelecimento da
integridade do Ego, faz-se um balanço da vida, uma
revisão de todas as experiências, e o que observamos é
que continua-se leal às coisas mais antigas e as
pessoas mais amadas.

a segurança acumulada do Ego relativa


à sua predisposição para a ordem e
para a expressão... É a aceitação do
próprio e único ciclo de vida como
alguma coisa que tinha que ser... seu
próprio estilo de vida.
(Erikson Apud Ferreira e Ries, 2004, p.
115).

Mas o que acontece se a pessoa não consegue


integrar todas as etapas anteriores no seu estilo de
vida?

Erikson responde que instala-se a desesperança,


o sentimento de desespero, em função do
arrependimento do modo como levou a existência,
como fez suas escolhas, os sonhos que não realizou.
Aula 6 | O desenvolvimento da infância à velhice 174

Conclusão

Apresentamos a visão dos principais teóricos do


desenvolvimento, visando com isso, possibilitar o
enriquecimento profissional de cada um de vocês.

Entendemos ser necessário o conhecimento das


particularidades e nuances de cada etapa do
desenvolvimento, para que possamos buscar meios
mais propícios para o trabalho com formas de
aproximação entre o conteúdo formal e a experiência
do dia-a-dia objetivando não só instruir, mas estimular,
preparar, orientar, partilhar, desenvolver e educar
essas crianças e jovens de forma a fazê-los desejar
aprender por toda a vida.

Se cada um promover experiências, vivências e


projetos que mantenham a chama da curiosidade de
saber acesa chegaremos a velhice utilizando o
conhecimento adquirido ao longo da vida para galgar
novas conquistas e aprendizagens. Viver é aprender, é
descobrir, é conhecer, é construir!

RESUMO

Vimos até agora:

 A infância e seu desenvolvimento global;

 O desenvolvimento da linguagem enquanto


um aparato de desenvolvimento,
comunicação e ferramenta do pensamento;

 A construção do pensamento infantil que


inicia de forma simples e atinge a
complexidade do mundo adulto;

 O brincar e a brincadeira como formas de


Aula 6 | O desenvolvimento da infância à velhice 175

experimentação do mundo adulto e do


processo mais geral de inserção social;

 A interação da criança com os outros que


produz significação afetiva e desenvolve
também o campo cognitivo;

 As etapas do ciclo vital que engloba a


adolescência e a vida adulta;

 As diferenças encontradas na vida adulta que


despertam para novas necessidades e
atitudes a serem tomadas diante destas;

 A necessidade de trabalhar com os conceitos


atuais de velhice e envelhecimento, para
vencer preconceitos e valorizar o retorno
destes ao universo social.
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