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CINEMÁTICA

DO TRAUMA
OBJETIVOS
• Compreender como a energia dissipada em um evento se
transforma e adquire potencial para causar lesões.
• Usar a física do trauma para prever as possíveis lesões a partir
da avaliação de um acidente.
• Entender como as lesões se relacionam com os danos internos
e externos de um veículo.
• Correlacionar os diversos mecanismos de trauma e as lesões a
eles relacionadas.
SITUAÇÃO HIPOTÉTICA
Fomos acionados para o atendimento de um atropelamento, a vítima, uma
criança de 8 anos foi atingida por um veículo do tipo SUV, que mesmo
reduzindo a sua velocidade não conseguiu evitar a colisão, atingindo pelo lado
direito a vítima que estava em cima da travessia elevada. Ao chegar no local
você percebe a marca de frenagem do veículo, uma deformidade entre a
grade frontal e o capô do automóvel, a vítima encontra-se inconsciente a cerca
de três metros do veículo.

• Qual potencial de lesão esse mecanismo pode ter sobre essa vítima em
particular?

• Quais as possíveis lesões e estado geral dessa vítima?


INTRODUÇÃO
Acidentes de trânsito, ferimentos por armas de fogo, ferimentos por armas brancas,
quedas, explosões, queimaduras e etc. Muitas são as causas de traumas que se
apresentam no dia a dia das atividades de pré-hospitalar para o Corpo de Bombeiros.
O correto direcionamento do atendimento de uma vítima depende da identificação
de lesões expostas e ocultas, o que exige boa percepção do socorrista com relação ao
mecanismo envolvido na causa de trauma.
Definir lesões com precisão no ambiente pré-hospitalar nem sempre é possível, mas
compreender o potencial de lesão das diversas situações é fundamental para a
abordagem da situação, o primeiro tratamento da vítima e o encaminhamento da
mesma para tratamento definitivo.
Deixar de perceber lesões potencialmente graves e não repassá-las a equipe
médica pode trazer resultados severos a recuperação da vítima. Saber examinar e
onde encontrar possíveis lesões é tão importante quanto saber tratá-las.
PRINCÍPIOS GERAIS
O evento traumático é composto por três fases:

• Pré-evento;
• Evento;
• Pós-evento;
PRÉ-EVENTO
• Nessa fase analisamos todos as condições que antecederam o
evento, seja ele uma colisão, queda ou etc. Dentre elas vale
ressaltar condições clínicas, uso de medicamentos ou drogas.
Por exemplo podemos encontrar uma vítima de queda de
mesmo nível, confusa e com histórico de hipertensão que
apresenta hemiparesia do lado direito, o que nos leva a pensar
que a queda foi consequência de um Acidente vascular
encefálico (AVE).
• Perceber condições pré-existentes com potencialidade de
agravamento do quadro da vítima é essencial em diversas
situações.
EVENTO
Evento é o momento de impacto entre os objetos, sejam eles anteparos,
automóveis ou pessoas, estacionários ou em movimento. Usando como
exemplo uma colisão, teremos esse evento dividido em três partes:

• Impacto dos objetos envolvidos;


• Impacto dos ocupantes contra o veículo;
• Impacto dos órgãos dentro do corpo dos ocupantes.

Para eventos de quedas ocorrem somente o segundo e o terceiro


impacto.
LEMBRE-SE...
• “Em todos os choques, a energia é trocada entre um objeto em
movimento e o tecido do corpo humano ou entre o corpo
humano em movimento e um objeto estacionário. A direção em
que a troca de energia acontece, a quantidade de energia
transferida e o efeito que essas forças têm no doente são todas
importantes considerações assim que a avaliação começa."
(PHTLS, 2019);
• Estar atento a cinemática do trauma permite ao socorrista
perceber as possíveis lesões relacionadas aos detalhes da
cena.
PÓS-EVENTO

• Nesta fase, após entender a cinemática do trauma e deduzir as


possíveis lesões, inicia-se o atendimento propriamente dito,
onde baseado no seu conhecimento e percepção da cena, o
socorrista realiza o socorro e fornece o melhor
encaminhamento a vítima.
ENERGIA E O MOVIMENTO

• Sabemos pelas leis da física, que um corpo em movimento


tende a permanecer em movimento, assim como um corpo em
repouso tende a permanecer em repouso até que uma força
contrária modifique essa condição.
• É também de nosso conhecimento que a energia não se cria e
não se perde, ela apenas se transforma.
• Portanto, como a transferência de energia age sobre o corpo
da vítima? E quais os agentes determinantes dessa relação?
ENERGIA CINÉTICA
• O calculo da energia do movimento é baseado na massa e na
velocidade do corpo pela equação:
APLICANDO A EQUAÇÃO
Para entender essa relação entre massa, velocidade e os efeitos dela sobre a
vítima vamos ver dois exemplos:

• Ex 1: Uma vítima de 68kg (150 lb) viajando a 48 km/h (30 mph) teria 67.500 unidades de energia
para dissipar.
• Ex 2: Uma vítima de 59kg ( 130 lb) viajando a 60 Km/h (37 mph) teria 88.985 unidades de energia
para dissipar.

• Podemos concluir que a energia que deverá ser dissipada aumenta mais significativamente com o
aumento da velocidade, mesmo que a massa seja menor. A partir desse conceito sabemos que
eventos que envolvem grande massa ou alta velocidade tem maior potencial de causar lesões.
TROCA DE ENERGIA ENTRE UM
SÓLIDO E O CORPO HUMANO
• Podemos também determinar a energia transferida numa colisão pela
quantidade de partículas do corpo humano atingidas por outro
objeto.

• Podemos afirmar que a quantidade de partículas atingidas depende


da densidade do corpo e do tamanho da área afetada.

TROCA DE ENERGIA ENTRE UM
SÓLIDO E O CORPO HUMANO

“Quanto mais denso for um tecido mais


partículas serão atingidas por área, por
exemplo: dar um soco num travesseiro
tem um efeito bem diferente de dar um
soco numa parede; o punho absorve
mais energia colidindo com o mais
denso, sempre.” (EaD CBMPR)
TROCA DE ENERGIA ENTRE UM
SÓLIDO E O CORPO HUMANO
• "A quantidade de energia trocada que causaria danos ao
paciente depende da energia do objeto e da densidade do
tecido no caminho de troca de energia." (PHTLS, 2019)

• Os traumas variam conforme a área de contato entro o objeto e


o corpo, comparando a parte frontal de um veículo e um taco
de beisebol a um projétil por exemplo, se toda a energia está
numa área pequena o objeto pode penetrar o tecido causando
um trauma penetrante ou perfurante, já se estiver numa área
maior a pele não é penetrada causando um trauma contuso.
CAVITAÇÃO
• Devido aos princípios de transferência de energia, sabemos
que quando um objeto sólido atinge o corpo humano, suas
partículas são deslocadas de sua posição natural, formando
uma cavidade. Isto se chama cavitação.

As cavidades podem ser temporárias ou


permanentes, dependendo da elasticidade
do tecido envolvido.
CAVITAÇÃO
• A cavidade permanente se forma após a cavidade temporária,
após o retorno dos tecidos próximos a sua posição natural.
COLISÕES
• A observação na cena das circunstâncias prováveis que levaram a um
choque resultando em trauma, fornecem pistas sobre a gravidade das
lesões e potenciais órgãos envolvidos. Os fatores a serem avaliados são:

 Direção de impacto;
 Dano externo ao veículo (tipo e gravidade);
 Dano interno (por exemplo, intrusão no compartimento do ocupante,
dobra do volante, pára-brisa quebrado, impactos do joelho no painel);
 Localização do ocupante dentro do veículo e;
 Dispositivos de segurança acionados no momento do acidente.
COLISÃO FRONTAL (PARA FRENTE E
PARA CIMA)
• Coluna de direção x tórax;
• Para-brisa x cabeça;
• Teto x cabeça;
• Corpo continua em movimento e dissipa
energia sobre a coluna;
• Lesões cardíacas, pulmonares e de vasos
calibrosos;
• Compressão do diafragma, ruptura e
cisalhamento de vísceras (rins, baço e
fígado)
TIPOS DE COLISÃO
• As colisões seguem cinco padrões de impacto:

 Frontal;
 Traseiro;
 Lateral;
 Rotacional e;
 Capotamento;

Detalharemos cada um deles e as lesões esperadas.


COLISÃO FRONTAL (PARA FRENTE E
PARA BAIXO)
• Fratura na articulação do
tornozelo;
• Luxação de joelho;
• Fratura de fêmur;
• Luxação posterior da
articulação do acetábulo;
• Cisalhamento da artéria
Poplítea.
COLISÃO TRASEIRA
• Hiperextensão de coluna cervical, pela ausência do encosto de
cabeça;
• Efeito chicote.
COLISÕES LATERAIS
• Trauma de crânio;
• Fratura de costelas;
• Fratura de clavículas;
• Fraturas de MMSS e MMII;
• Contusão pulmonar;
• Cisalhamento da aorta;
• Fratura de pelve;
• Lesões de fígado e baço;
• Fratura de coluna cervical e etc.
Painéis laterais atingem
os passageiros
COLISÕES ROTACIONAIS
• Nesse tipo de colisão encontramos um misto de lesões
causadas por impactos frontais e laterais.

O ocupante avança e colide frontal e lateralmente enquanto o veículo gira


CAPOTAMENTO
• No capotamento, as diversas forças
em direções diferentes, podem
causar lesões encontradas em
todos os outros tipos de colisão;
• Uma vítima que usava cinto de
segurança pode apresentar lesões
como cisalhamento, devido a
intensa distribuição de energia;
• Comumente vítimas sem cinto de
segurança são ejetadas do veículo,
o que causa lesões imprevisíveis.
USO CORRETO DO CINTO DE
SEGURANÇA
•O cinto de segurança
corretamente ajustado deve
estar abaixo da crista ilíaca
ântero-superior em cada lado,
acima do fêmur, e estar firme o
suficiente para permanecer
nessa posição;
• O cinto mal ajustado oferece
risco de lesões em caso de
colisão.
COLISÕES COM MOTOCICLETAS
Acidentes de motocicleta representam um grande número de mortes a cada
ano. Embora as leis da física para acidentes com motocicleta sejam as mesmas,
o mecanismo de lesão varia de acidentes de carro e caminhão. São eles:

• Frontal;
• Angular;
• Ejeção.

Um fator adicional que leva ao aumento das mortes, incapacidades físicas e


lesões é a falta de proteção em torno do motociclista.
COLISÃO FRONTAL
• Cabeça;
• Tórax;
• Abdômen ou pelve;
• Se os pés do motociclista
permanecerem nos pedais
podem haver fraturas bilaterais
de fêmur;
• Demais lesões em MMSS e
MMII.
COLISÃO ANGULAR
• Lesões em MMSS e MMII;
• Cintura pélvica;
• Cintura escapular;
• Lesões de tecidos moles.
EJEÇÃO
• A ejeção pode causar todo
tipo de lesões devido a
grande dissipação de
energia e ao elevado
número de partes do corpo
que iram receber essa
energia;
• Enfatiza-se aqui a
necessidade do uso de
EPIs e o conhecimento de
técnicas de pilotagem.
ATROPELAMENTOS

Atropelamentos apresentam três


fases distintas:

• Impacto das pernas ou quadril com


o veículo;
• Tronco da vítima rola sobre o capô
do veículo;
• Impacto da vítima com o chão.
ATROPELAMENTO
• As lesões causadas estarão relacionadas aos locais de
impacto entre o veículo e a vítima;
• Crianças e adultos tem alturas diferentes, o que causa
lesões diferentes para cada caso.
QUEDAS
Podem apresentar lesões por múltiplos impactos;
• Verificar altura da queda e superfície atingida;
• Avaliar a parte do corpo que atingiu o solo primeiro e
analisar o deslocamento de energia para determinar a
lesão;
• Quedas de mais de 6 metros em adultos e de 3,0 m em
crianças (duas a três vezes a altura da criança) são
muitas vezes severas.
QUEDAS (POSSÍVEIS LESÕES)
• Fraturas bilaterais de calcâneo (Fratura de Don Juan);
• Compressão ou fraturas de cisalhamento dos tornozelos, e
fraturas distais tibiais são frequentemente associadas ao pouso
nos pés;
• Fraturas do disco tibial do joelho, fraturas de fêmur e fraturas de
quadril;
• Fraturas de compressão da coluna nas áreas torácica e lombar;
• Fraturas nos punhos;
• Demais fraturas e entorses relacionadas a parte do corpo que
primeiro tocar o solo.
TRAUMA PENETRANTE
Baseados nos princípios físicos temos:

• Quanto maior a área frontal do projétil, maior o número de


partículas atingidas, portanto, maior a transferência de energia
e maior a cavidade criada. Assim como, quanto maior a
velocidade, maior a energia a ser transferida.
• Para se estimar a lesão penetrante os objetos são classificados
em três categorias de acordo com sua capacidade de energia:
armas de baixa, média ou alta energia.
ARMAS DE BAIXA ENERGIA
• São as armas brancas, como facas, e objetos que causam danos com sua lâmina ou
pontas afiadas;
• Tem menor potencial de lesão e consequentemente causam menos cavitação;
• A lesão pode ser deduzida pelo trajeto do objeto;
• Se o agressor rotacionar o objeto dentro do corpo da vítima, pode causar uma lesão
interna maior que a esperada em vista do ferimento de entrada.
• Sempre que possível o socorrista deve identificar a arma utilizada.
• O sexo do agressor pode ajudar na determinação da trajetória de uma faca. Os
homens tendem a esfaquear de baixo para cima ou para dentro, enquanto as
mulheres tendem a segurar a lâmina no lado do dedo mindinho e esfaquear de cima
para baixo.
ARMAS DE ALTA E MÉDIA ENERGIA
• Pistolas geram uma cavidade até 5 vezes
maior que o calibre do projétil;
• Armas de alta energia geram uma cavidade
ate 25 vezes o calibre do projétil;
• Observar orifícios de entrada e saída para
prever a cavitação gerada e as estruturas
atingidas.
• O vácuo criado na cavidade formado por um
projétil de alta velocidade pode transportar
roupas, bactérias e outros detritos da
superfície até a ferida.
EXPLOSÕES
• Explosivos tem potencial lesivo altamente considerável, devido a
enorme quantidade de energia dissipada e as mais variadas causas
de traumas e complicações geradas a vítima.

• “Explosões são reações físicas, químicas ou nucleares que resultam


na liberação quase instantânea de grandes quantidades de energia
na forma de calor e gás extremamente comprimido que se expande
rapidamente, capaz de projetar fragmentos em altas velocidades. A
energia associada a uma explosão pode tomar múltiplas formas:
energias cinéticas e térmicas na onda de choque, energia cinética de
fragmentos formados pela ruptura do invólucro da arma e detritos
circundantes, e energia eletromagnética.” (PHTLS, 2019).
EXPLOSÕES
As lesões por explosão são comumente classificadas como:

• Primárias: Ruptura do tímpano, lesões pulmonares, lesões oculares e


cisalhamento.
• Secundárias: Lesões causadas por fragmentos, feridas penetrantes,
lacerações e amputações.
• Terciárias: Lesões causadas pelo lançamento do indivíduo contra estruturas,
queda de estruturas, síndrome compartimental e esmagamento.

• Quaternárias: Queimaduras, doenças causadas por gases tóxicos.

• Quinárias: Lesões resultantes da contaminação por bactérias ou radiação.


REFERÊNCIAS
• Primeira Resposta no Trauma, PHTLS 9ª Edição.

• Manual de Atendimento Pré Hospitalar SIATE CBPR – Curitiba, 2006.

• EAD Corpo de Bombeiros do Paraná, Módulo 1 Mecanismos de Lesão


e Cinemática do Trauma - Conteudista Cap. QOBM Dimas C.
Menegatti.

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