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Introdução aos 1

Alimentos Seguros

Este capítulo apresenta uma visão geral do livro a fim de que o leitor entenda
a abordagem que está sendo tomada. Os tópicos mais importantes serão tratados
em profundidade nos capítulos específicos. A definição dos termos poderá ser
encontrada no Glossário no final do livro, onde também estarão listados os links
mais importantes.

1.1 O QUE SÃO ALIMENTOS SEGUROS?

O número crescente e a gravidade de doenças transmitidas por alimentos,


em todo o mundo, têm aumentado consideravelmente o interesse do público em
relação à segurança alimentar, o que se pôde verificar quando dos incidentes am-
plamente divulgados da encefalite espongiforme bovina (BSE), E. coli O157:H7
e alimentos geneticamente modificados.
O que são alimentos seguros? é uma pergunta que invoca diferentes respos-
tas, dependendo de quem responde. Essencialmente, as diferentes definições são
dadas a partir do que constitui um risco significativo. O público em geral pode
considerar que alimentos seguros significam risco igual a zero, enquanto um pro-
dutor de alimentos deve considerar o que é um risco aceitável. A opinião expressa
neste livro é a de que risco igual a zero é impraticável dada a quantidade de
produtos alimentícios disponíveis, a complexidade da cadeia de distribuição e a
natureza humana. Não obstante, os riscos de ocorrência de doenças transmitidas
por alimentos devem ser reduzidos ao máximo durante a sua produção para um
risco aceitável. Infelizmente, não há um consenso público do que constitui exata-
12 Stephen J. Forsythe

mente um risco aceitável. Além disso, como se pode diferenciar o risco de voar
em um planador e o de comer um bife mal passado? Voar em um planador tam-
bém possui riscos conhecidos, os quais podem ser avaliados, e a decisão de voar
ou não pode ser tomada. Em contraste a isso, a população em geral (certa ou
errada) se sente mal-informada em relação aos riscos relevantes. A Tabela 1.1
mostra as possíveis causas de morte nos próximos 12 meses. Muitos desses riscos
são aceitáveis à população; as pessoas continuam a dirigir carros e a atravessar as
ruas. Essa tabela pode ser comparada com as Tabelas 3.2 e 3.3, no Capítulo 3, que
mostram os dados recentes das probabilidades de toxinfecções nos Estados Uni-
dos e no Reino Unido.

Tabela 1.1 Risco de mortes durante os próximos 12 meses

Evento Uma chance em


Fumar 10 cigarros por dia 200
Causas naturais – meia-idade 850
Mortes devido a gripe 5.000
Mortes em acidentes de trânsito 8.000
Mortes em acidentes domésticos 26.000
Ser assassinado 100.000
Mortes em acidentes ferroviários 500.000
Ser atingido por um relâmpago 10.000.000

Os dados dos Estados Unidos indicam que, a cada ano, 0,1% da população
será hospitalizada devido a doenças transmitidas por alimentos. O medo em rela-
ção aos alimentos causa protestos públicos e pode gerar uma injusta má-reputa-
ção. De fato, a maioria das indústrias alimentícias possui bons registros de segu-
rança e está no mercado para nele continuar e não para sair dele devido a publicidade
adversa. Analisando a Tabela 1.2, pode-se encontrar algumas filosofias empresa-
riais em relação à confiança do consumidor.

Tabela 1.2 Perda de confiança dos consumidores em seus produtos*

• No meio empresarial, para cada cliente que reclama outros 26 se mantêm em silêncio.
• O consumidor contrariado contará para 8 até 16 pessoas o seu problema, e mais de 10%
contarão a mais 20 pessoas.
• Dos consumidores insatisfeitos, 91% nunca mais irão comprar os produtos ou serviços que os
desagradaram.
• Se 26 pessoas contam para outras 8 pessoas = 208 consumidores perdidos.
• Se 26 pessoas contam para outras 16 pessoas = 416 consumidores perdidos.
• O custo para atrair um novo consumidor é cinco vezes maior que para manter um consumidor.

*Adaptada com permissão de Corlett, 1998 HACCP User’s Manual, Aspen Publishers Inc.
Microbiologia da segurança alimentar 13

A dificuldade em produzir um alimento seguro baseia-se no fato de que a


população de consumidores é bastante diversificada, com vários graus de sensibili-
dade e estilos de vida. Além disso, alimentos com altos níveis de conservantes, para
reduzir a população microbiana, são indesejáveis pelo consumidor e percebidos
como processados demais ou com aditivos químicos! A pressão dos consumidores
se volta para uma maior quantidade de alimentos frescos e minimamente processa-
dos que possuam conservantes naturais com uma garantia de segurança absoluta.
A produção de alimentos seguros é responsabilidade de todos em uma ca-
deia alimentar e nas indústrias, desde os operários do transporte até os mais altos
executivos. Não é responsabilidade apenas do microbiologista de alimentos. Contu-
do, esse microbiologista, em uma indústria, necessitará não só conhecer quais os
patógenos mais prováveis que poderão ocorrer nos ingredientes, como também
quais os efeitos no alimento e nas etapas do processamento da sobrevivência das
células, para então poder aconselhar quais são as medidas mais apropriadas de
produção. Os melhores métodos de análises microbiológicas ainda estão sendo
desenvolvidos. É claro que diferentes métodos de análises, adotados por diferen-
tes países, tornam impossível a comparação entre estatísticas referentes a doenças
transmitidas por alimentos.

1.2 A PRODUÇÃO DE ALIMENTOS HIGIÊNICOS

Existe alguma maneira de produção que resulte em alimentos nutritivos e


apetitosos e que ainda vão ao encontro das expectativas do consumidor preocupa-
do com os riscos? Este livro almeja abordar os aspectos microbiológicos da pre-
paração segura e higiênica de alimentos. Isso é apenas um dos aspectos de um
conjunto de peças, mas deve direcionar o leitor às fontes de informações suple-
mentares quando necessário. Este livro também visa a abranger áreas de grande
expansão, tais como os alimentos funcionais.
A produção de alimentos seguros requer*:

• Controle na fonte;
• Controle do desenvolvimento e do processo dos produtos;
• Boas práticas higiênicas durante a produção, o processamento, a manipu-
lação, a distribuição, a estocagem, a venda, a preparação e a utilização;
• Abordagem preventiva, uma vez que a efetividade dos testes microbio-
lógicos de produtos finais é limitada.

O controle de patógenos de origem alimentar na fonte nem sempre é fácil.


Muitos patógenos sobrevivem no ambiente por longos períodos de tempo (Tabela
1.3) e podem ser transmitidos aos humanos de várias maneiras (Figura 1.1).

*Fonte: CAC Alinorm 97/13 (Codex Alimentarius Commission, 1995).


14 Stephen J. Forsythe

Os processos de produção podem ser muito complicados. Um diagrama ge-


ral de fluxo do processamento de aves é demonstrado na Figura 1.2. Esse é um
diagrama de fluxo relativamente simples com apenas uma ramificação. Não são
indicados nem a temperatura nem o tempo em cada etapa, os quais afetam o cres-
cimento microbiano. A produção de alimentos seguros requer uma abordagem
que envolva desde a loja de vendas até a administração. Conseqüentemente, um
grande número de sistemas de gerenciamento da segurança, como as Boas Práti-
cas Higiênicas (BPHs), as Boas Práticas de Fabricação (BPFs), a Administração
da Qualidade Total (TQM) e a Análise de Perigos e Pontos Críticos de Controle
(APPCC), necessita ser implantado. Apenas um esboço de alguns desses sistemas
será mostrado neste livro.

Tabela 1.3 Sobrevivência de microrganismos patógenos no solo e em vegetais

Organismos Condições Sobrevivência

Coliformes Solo 30 dias


Mycobacterium tuberculosis Solo Mais de 2 anos
Solo 5-15 meses
Rabanete 3 meses
Salmonella spp. Solo 72 semanas
Batatas na superfície do solo 40 dias
Vegetais 7-40 dias
Folhas de beterraba 21 dias
Cenouras 10 dias
Repolho/groselha espinhosa 5 dias
Suco de maçã com pH 3,68 > 30 dias e múltiplos
Suco de maçã com pH < 3,4 2 dias
S. typhi Solo 30 dias
Vegetais/frutas 1-69 dias
Água 7-30 dias
Shigella spp. Tomates 2-7 dias
Vibrio cholerae Espinafre, alface e vegetais não-ácidos 2 dias
Grupo de enterovírus Solo 150-170 dias
(pólio, echo, coxsackie) Pepino, tomate, alface a 6-10°C > 15 dias
Rabanete > 2 meses

Em relação à legislação, o leitor deve sempre procurar a autoridade regional.


Para informações sobre produção de alimentos higiênicos com ênfase nas ins-
talações da fábrica, no design dos equipamentos e no treinamento de operadores,
recomenda-se Forsythe & Hayes (1998) Food Hygiene, Microbiology and HACCP,
além de Shapton & Shapton (1991) Principles and Practices for the Safe Processing
of Foods. Informações detalhadas sobre microrganismos específicos podem ser en-
contradas na série de livros da International Commission on Microbiological
Specifications for Foods (ICMSF), especialmente Microorganisms in Foods 5:
Characteristics of Microbial Pathogens (1996) e Microorganisms in Foods 6:
Microbiologia da segurança alimentar 15

Microbial Ecology of Food Commodities (1998), os quais devem ser considerados


como essenciais na biblioteca de qualquer microbiologista de alimentos.
O tema completo sobre preparação de alimentos seguros está dentro da gran-
de área do controle de qualidade e da garantia de qualidade. Isso se deve ao fato
de que tanto o design dos equipamentos quanto o das fábricas devem ser conside-
rados para que se alcance segurança e qualidade.

Água

Esgoto
Safras

Solo

Animais

Silagem, alimentação
Fezes

Carne

Humanos

Figura 1.1 Rotas de transmissão de patógenos enterais aos humanos.

Isso pode ser observado na Figura 1.3. O objetivo atual, em relação à segu-
rança alimentar, é a avaliação de riscos microbiológicos (MRA) e o desenvolvi-
mento de objetivos da segurança alimentar. Essas são atividades governamentais
que podem decidir o nível permissível de patógenos em alimentos (Figura 1.4), o
que será abordado no Capítulo 9.
Surtos de salmonelose e de E.coli O157:H7, associados com brotos crus, já
ocorreram em muitos países; foram, portanto, advertidos os idosos, as crianças e as
pessoas com o sistema imunológico comprometido a não ingerirem esses produtos
crus (tais como alfafa) até que as medidas efetivas para prevenção de doenças fos-
sem identificadas (Taormina & Beuchat, 1999).
16 Stephen J. Forsythe

1.3 ALIMENTOS FUNCIONAIS

Em contraste com a preocupação geral a respeito da presença de bactérias


em alimentos, existe um grande número de alimentos que contêm deliberadamente
bactérias e fungos.

Recebimento

Abate, sangria

Escaldagem e retirada de
penas

Lavagem

Evisceração

Processamento
Resfriamento
dos miúdos

Pesagem e embalagem

Distribuição

Figura 1.2 Diagrama do processamento de aves.


Gerenciamento da segurança
Controle de qualidade Estratégias de controle a longo prazo
alimentar
( p. ex., ISO 9000) (p. ex., Gerenciamento da Qualidade Total)

Boas Práticas de Fabricação (BPFs)


Plano de garantia de segurança
+ alimentar (APPCC) Sistema de Qualidade

Boas Práticas Higiênicas (BPHs)


Microbiologia da segurança alimentar

Figura 1.3 Ferramentas de controle de segurança alimentar. (Adaptada de Jouve et al., 1998.)
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Atividades governamentais Atividades das indústrias de alimentação

Planejamento

Produtos/Processos Organizacional
Coação Preparação de um programa
Oportunidades Estruturas incluindo
Avaliação de Gerenciamento de
responsabilidades
riscos riscos Outros fatores
Stephen J. Forsythe

Recursos
Requerimentos de
segurança alimentar Comunicação (motivação/trei-
da empresa namento)
Comunicação de
Avaliação da performance
riscos
Provisões para melhoramentos

IMPLEMENTAÇÃO
Nível de proteção aos consumidores Referências para BPF/BPH
manutenção e abastecimento APPCC
= Objetivo da Segurança Alimentar
Sistemas de
Qualidade
TQM

Realização da avaliação – Auditoria

Ajustes – Melhoramentos – Revisão

Figura 1.4 Interação entre atividades governamentais e industriais sobre segurança alimentar. (Adaptada de Jouve et al., 1998.)
Microbiologia da segurança alimentar 19

Há alguns tipos de alimentos que dificilmente transmitem toxinfecções: são


os “alimentos fermentados” (Seção 4.4), produzidos desde o início da civilização.
O gosto, a textura, o aroma e o sabor desses alimentos se devem ao metabolismo
microbiano, sendo eles considerados como microbiologicamente seguros. Esses
alimentos formam a base do desenvolvimento dos “alimentos funcionais”, nos
últimos 10 a 12 anos.
No Japão, e, em menor escala, nos Estados Unidos, as pesquisas envolvendo
alimentos funcionais têm aumentado recentemente. É esperado que os alimentos
funcionais apresentem efeitos benéficos relacionados à saúde ou fisiologia, além
de reduzirem os riscos de doenças. A maioria dos alimentos funcionais atualmen-
te aprovados contém tanto oligossacarídeos quanto bactérias lácticas para promo-
ver a saúde intestinal. Em 1998, a FDA (Food and Drug Administration)
reconheceu 11 alimentos ou componentes alimentares que demonstraram correlação
entre a sua ingestão e benefícios à saúde (Diplock et al., 1999). Uma porção
significativa dos alimentos funcionais proporciona a ingestão de bactérias lácticas
(probióticos). Assim, este livro abordará os probióticos (Seção 4.5) como uma
extensão de alimentos fermentados. A legislação que rege os alimentos genetica-
mente modificados não será abordada, uma vez que existem livros mais apropriados
disponíveis (IFBC, 1990; WHO, 1991; OECD, 1993; Jonas et al., 1996; FAO,
1996; SCF, 1997; Tomlinson, 1998; Mosely, 1999).

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