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HIPÓTESES PRÁTICAS DE PROCESSO PENAL FDUCP

AULAS PRÁTICAS DE PROCESSO PENAL – PROF. JOSÉ LOBO


MOUTINHO

2012/2013
PARTE I
I
Questionário
1. Como se explica a distinção entre fases preliminares e julgamento em
processo penal?

As FASES PRELIMINARES (inquérito e instrução) visam aferir se existem


indicios suficientes para a submissão do arguido a julgamento.

Havendo indicios da prática do crime por aquele agente (entretanto constituído


arguido) haverá lugar à FASE DO JULGAMENTO. O arguido só será condenado se for
feita prova suficiente para o condenar.

2. O que é o inquérito?
Nos termos do art. 262º/1 consagra-se o âmbito e a finalidade do inquérito:
 ÂMBITO DO INQUÉRITO: o inquérito é constituido por actos de investigação
para esclarecer a notícia do crime de recolha de prova dos factos apurados
pela investigação. Perante uma notícia da eventual prática de um crime,
cumpre averiguar se se confirmará e em que termos, quem foi o seu agente e
a sua responsabilidade e ainda recolher as provas que hão-de permitir
reconstruir os factos e fundamentar a decisão sobre a acusação ou o
arquivamento.

 FINALIDADE DO INQUÉRITO: o fim expresso do inquérito é a decisão sobre a


acusação, sendo que se esta não tiver lugar o arquivamento.

Em suma: o inquérito visa averiguar se existiu ou não a prática de um crime, sendo que
a recolha e/ou a produção de prova deverá ser realizada pelo MP, devendo este
descobrir quem foi o agente do crime.

Poder-se-á afirmar que o inquérito visa solucionar três questões:

i. Saber se houve ou não crime?


ii. Saber se o agente praticou o crime ou não?
iii. Saber se há prova suficiente ou não?

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3. A quem compete?

O inquérito é da competência do MP a quem cabe exclusivamente a sua direcção,


mas as diligências que nele têm lugar podem ser realizadas pelo MP, pelo juíz de
instrução ou por órgãos de polícia criminal. O CPP estipula que certos actos do
inquérito só podem ser praticados ou autorizados pelo juiz de instrução e outros
apenas pelo MP (art. 268º a 270º). Note-se que ressalvados estes casos expressamente
reservados por lei, todas as diligências de investigação relativas ao inquérito podem
ser delegadas nos órgãos de polícia criminal – art. 270º/1.

Nos termos do art. 270º/1, com a ressalva das disposições expressas na lei, parece que
o MP pode delegar tudo o que entender nos órgãos de polícia criminal para a prática
de diligências e investigações relativas ao inquérito. Contudo, tal pode colidir com os
seus poderes (leia-se do MP) reservados de dirigir o inquérito e donde pode resultar, na
prática, a policização integral da investigação pré acusatória. Mas assim o é: sem
prejuízo da direcção que lhe é reservada, o MP pode incumbir os órgãos de policia
criminal de praticarem todos os actos de inquérito, ou seja, o inquérito, enquanto
conjunto de diligências de investigação e recolha de provas, que por lei não sejam
reservados ao juíz ou ao MP.

Na opinião do PROF. GERMANO MARQUES DA SILVA quando o art. 53º/2 se refere a


certas matérias que competem em especial ao MP, as três primeiras alineas (al. a), b)
e c)) tais actos não são delegáveis, constituindo o cerne da acção penal que pela
CRP é atribuida ao MP.

Deste modo, considera-se que compete exclusivamente ao MP apreciar se a notícia é


ou não uma notícia de crime e em caso afirmativo tal conduzirá à abertura do
inquérito (art. 262º/2), dirigir o inquérito, deduzir acusação e sustentá-la nas fases
posteriores do procedimento.

Competindo a direcção do inquérito ao MP, não é adequado que o juiz possa


intrometer-se na actividade de investigação e de recolha de provas, salvo se se tratar
de actos necessários à salvaguarda de direitos fundamentais.

A direcção do inquérito cabe ao MP e só a ele compete decidir quais os actos que


entende dever levar a cabo para realizar as finalidades do inquérito: para a prática
de algum desses actos pode necessitar da intervenção do juiz, quer para os consentir
quer mesmo para os praticar, mas só por sua promoção podem ter lugar, a menos
que se trate de actos necessários à salvaguarda de direitos fundamentais dos
requerentes.

Não obstante, os actos de inquérito, em sentido estrito, que a lei reserva à


competência do juiz de instrução, não lhe cabe apenas apreciar a admissibilidade
desses actos, mas também da sua oportunidade e conveniência. É reservada à
competência do juiz de instrução a prática dos actos de investigação, ainda que na
fase processual do inquérito, que se prendam com os direitos fundamentais.

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A lei não indica quais os actos de inquérito que devem ser praticados na primeira fase
do processo, o que, aliás, seria impossivel, deixando ao MP a escolha de tais actos
necessários à realização da finalidade do inquérito. Contudo, é obrigatório o
interrogatório do arguido nos termos do art. 272º.

Tendo em consideração que a lei confia ao MP a direcção da investigação,


permitindo-lhe dispor quais os actos que entenda necessários à realização da
finalidade do inquérito, não seria compreensivel que depois submetesse a actividade
desenvolvida a fiscalização judicial: o que fica sujeito a fiscalização judicial é a
decisão do MP no termo do inquérito.

4. O Juiz de instrução intervém no inquérito?


O CPP estipula que certos actos do inquérito só podem ser praticados ou autorizados
pelo juiz de instrução e outros apenas pelo MP (art. 268º a 270º).

ACTOS QUE DURANTE O INQUÉRITO SÃO RESERVADOS AO JUÍZ DE INSTRUÇÃO –


DISTINÇÃO:

 Diligências de investigação e recolha de provas: apenas poderão ser


praticados ou autorizados pelo juiz de instrução quando requeridos pelo MP ou
pela autoridade de polícia criminal em caso de urgência, ou requeridos pelo
arguido ou assistente e se trate de actos necessários à salvaguarda dos seus
direitos fundamentais – art. 268º/2.

 Actos da competência do juiz a praticar no decurso do inquérito, mas não são


actos do inquérito: estes actos poderão ser promovidos ou requeridos pelo MP,
pelo arguido ou pelo assistente.

Em suma, quanto ao juiz de instrução é necessário atender a duas normas essenciais:


art. 268º (actos a praticar obrigatoriamente pelo juiz de instrução) e art. 269º (actos
que têm de ser ordenados ou autorizados.
Ao juiz de instrução cabe a prática de actos que afectam direitos fundamentais do
arguido por imposição da norma constitucional consagrada no art. 32º/4 CRP.

5. Qual é o conteúdo do inquérito?


Da conjugação do art. 267º com o art. 262º resulta que o MP poderá adoptar as
diligências que considerar necessárias para a realização da finalidade do inquérito
(acusação ou arquivamento). O único acto obrigatório da fase do inquérito é o
primeiro interrogatório nos termos do art. 272º, sob pena de se não o realizar estarmos
face a uma nulidade dependente de arguição nos termos do art. 120º/2 al. d) primeira
parte. Quando se realiza este interrogatório é ‘’obrigatório interrogá-la como
arguido’’. O interrogatório visa que o arguido possa exercer o seu direito de defesa.

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6. Como termina?
FORMAS DE TERMINAR O INQUÉRITO

i. DECISÃO DE ARQUIVAMENTO – ART. 277º Nº1 (não houve crime) e Nº2 (não há
provas suficientes): a decisão de arquivamento ocorre porque ou não há
crime, ou porque não é aquele o agente do crime, ou por causas processuais
ou, ainda, nos casos em que há crime mas não foi recolhida prova suficiente.

ii. DEDUÇÃO DE ACUSAÇÃO – ART. 283º



Existem alternativas à acusação..

a. REQUERIMENTO PARA JULGAMENTO DO ARGUIDO EM PROCESSO


SUMARÍSSIMO: tal sucede em casos pouco graves – art. 292º - nomeadamente
em casos de multa. É o MP que apresenta este requerimento (verdadeira
aquisição): pretende-se que a pena seja acordada entre o MP, o juiz e o
arguido, mas não existe negociação – quem faz a proposta é o MP. Se o juiz
não aceitar, o processo é remtido para a forma comum – o arguido não pode
voltar a fazer outra oferta. O MP tem de propor a sanção concreta. O arguido,
para aceitar, tem de saber o que está a aceitar.

b. SUSPENSÃO PROVISÓRIA DO PROCESSO – ART. 281º: pretende-se que


dentro do prazo o arguido cumpra as injunções e regras de conduta que lhe
forem aplicadas. Se cumpre, o processo é arquivado. É necessário um acordo:
o MP toma a iniciativa e o juiz e o arguido tem de concordar.

c. ARQUIVAMENTO EM CASO DE DISPENSA DE PENA – ART. 280º: o processo


é logo arquivado. Nem se exige o consentimento do arguido. Isto é discutivel
nos casos em que o arguido seja inocente e não se contente com a falta de
indicios. O arguido não cumpre nada. Há acordo entre o juiz e o MP.


Nestes três casos existem indicios suficientes da prática do crime, mas há que fazer um
juízo de prognose: estes meios são suficientes, como meio de prevenção preventiva?

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7. Quando o Ministério Público arquiva um inquérito, este fica sempre logo por ali?
O assistente poderá requerer a abertura da instrução nos termos do art. 287º,
nomeadamente no prazo consagrado no nº1 (20 dias a contar da notificação da
acusação ou do arquivamento), sendo que tal consubstancia uma fase de natureza
impugnatória e não uma fase de natureza oficiosa.

Nos termos do art. 278º, o assistente poderá ainda solicitar a intervenção do seu
superior hierarquico.

Contudo, a médio prazo podem surgir novos factos que invalidem o arquivamento do
processo: nesse caso poder-se-á requerer a reabertura nos termos do art. 279º, sendo
de salientar que tal só vale para os casos em que oa rquivamento tenha sido proferido
nos termos do art. 277º.

8. O que é a instrução?
Nos termos do art. 286º, a instrução visa impugnar a decisão proferida no fim do
inquérito, ou seja visa-se uma decisão diversa daquela que fora decidida pelo MP.

9. Tem sempre lugar?


Nos termos do art. 286º/2, a instrução tem caracter facultativo e apenas poderá ser
utilizada em casos de processo comum (art. 286º/3).
Se a instrução não for requerida, se o MP no fim do inquérito tiver deduzido acusação
passa-se para a fase de julgamento; se o MP tiver arquivado o processo este assim
permanece a não ser que seja pedida a sua reabertura nos termos do art. 279º ou
exista suspensão provisória do processo.

10. A quem compete?


A fase da instrução cabe ao juiz de instrução: nem fazia sentido que fosse o MP a
impugnar a sua própria decisão, tomada de acordo de critérios de objectividade.

11. Qual é o seu conteúdo?


O conteúdo da instrução encontra-se consagrado no art. 289º, havendo que distinguir:

i. ACTOS INTRUTÓRIOS: não são obrigatórios; depende do pedido do requerente


e, ainda, assim, o juiz pode deferir ou não. Se não pedir pode querer apenas a
reapreciação da prova (ex: testemunhas; prova pericial; requerimento de
junção de documentos, etc.) ou pode levantar só questões de Direito (ex:
prescrição; natureza semipública e não houve apresentação de queixa, etc.)

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ii. DEBATE INSTRUTÓRIO: é obrigatório; é como se fossem as alegações finais; diz-se


ao juiz se já ou não indicios suficientes da pratica do crime a fim de levar a
causa a julgamento.

12. Como termina?


Nos termos do art. 308º/1 termina com um despacho de pronúncia (o processo vai a
julgamento) ou de não pronuncia (o processo é arquivado). Note-se que quando se
profere um despacho de pronúncia o facto de se ir a julgamento apenas indica se há
indicios suficientes: esta decisão nunca diz se o arguido é culpado ou inocente.

13. A fase de julgamento corresponde à fase de discussão e julgamento?


Não: corresponde às fases preliminares de audiência e julgamento. Na fase de
julgamento (engloba quase tudo) existe o saneamento do processo – art. 311º -, existe
contestação. Toda a prova tem de ser feita na audiência do julgamento.

14. Como decorre uma audiência de julgamento?


Atendendo ao art. 339º..

i. EXPOSIÇÕES INTRODUTÓRIAS: para que os sujeitos processuais digam o que se


propoem provar (normalmente prescindem)

ii. PRODUÇÃO DE PROVA: primeiro inicia-se pelas declarações do arguido, que


tem de ser identificado: é obrigado a responder com verdade a isto. Quanto
aos factos o arguido não é obrigado a responder, tendo direito ao silêncio,
sendo que se mentir tal não consubstancia um direito, mas quase que uma
clausula de exclusão de culpa não sendo a sua mentira punida. Já quanto às
testemunhas não é assim: têm de responder com verdade, sob pena de serem
punidas. A confissão do arguido tem valor probatório – art- 344º - sendo que se
for livre, o processo termina logo com as alegações finais.

II

Faça um comentário crítico ao Acórdão doTC nº 84/2010, tendo em contaoDecreto-Lei


nº 194/2012, de 23 de Agosto.

Houve um primeiro diplima que aprovou a figura da ASAE, diploma esse onde se
regulou as competências e atribuições desta autoridade. A questão colocou-se
aquando de um segundo diploma que veio expandir as competências da ASAE e
atribuir à mesma competência de polícia criminal. Será constitucional ou não

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conforme tenha havido ou não autorização da AR para o Governo legislador, visto


que o regime das forças de segurança está submetido a reserva relativa de lei. A
questão que se colocava era a de saber se esta entidade era ou não uma força de
segurança e se exercia funções de segurança interna ou se, pelo contrário, não era
uma entidade que s epudesse reocnduzir à utilização de forças de segurança para o
qual era necessário autorização legislativa. O Tribunal da Relação de Lisboa proferiu
uma sentença no sentido da inconstitucionalide orgânica do diploma que tambem
atribuia estes poderes à ASAE.

Contudo, o Tribunal Constitucional decidiu pela sua constitucionalidade. Isto era


importante, porque era preciso saber se a ASAE, assim criada tinha poderes para
prender uma senhora o que consubstancia uma restrição da liberdade. Além d
eterem autorização para usarem armas sem necessidade de licença (algo que o
Tribunal Constitucional não aceita como argumento porque há outras entidades (ex:
magistrados) que também têm. A ASAE não constava de lei aprovada pela AR acerca
das forças de segurança: pressupõe que a lista é taxativa. Argumento: o que deve
estar no 164 é o regime geral e não a expecificação das competências ou como se
trata de qualificação não se coloca esta questão? O Tribunal Constitucional afirma
que como a ASAE não tem como funções prosseguir a segurança pública, logo, não é
polícia. Mas o que interessa como qualificação de forças criminais são os actos e não
a qualificação orgânica.

III
Notificado do despacho que designa dia para a audiência, o arguido Etelvino não
apresenta qualquer contestação (cfr. art. 315º do CPP). No início da audiência de
julgamento, o advogado do assistente (que também deduzira pedido de
indemnização) alega que, por aplicação do artigo 490º do Código de Processo Civil,
tanto para efeitos civis como para efeitos penais, se devem considerar os factos como
admitidos por acordo. Terá razão?
TEMA: INTEGRAÇÃO

1. ENQUADRAMENTO TEÓRICO

INTEGRAÇÃO: nos termos do art. 4º do CPP dispõem-se que (1) nos casos omissos (2)
quando as disposições do CPP não puderem aplicar-se por analogia (3) observam-
se as normas de Processo Civil que se harmonizam com o Processo Penal (é necessário
que exista analogia entre os casos (o caso omisso no processo penal e o caso previsto
no processo civil) e que as normas do processo civil se harmnizem com o processo
penal)  (4) na falta destas, aplicam-se os princípios gerais do processo penal (~ art.
10º cc)

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

DUPLA FUNÇÃO DOS PRÍNCIPIOS GERAIS DO PROCESSO PENAL

i. Função negativa ou de controlo do recurso ao processo civil;


ii. Função positiva e directamente integradora

É preciso ter muito cuidado em matéria de integração analógica: só há lugar a


integração quando exista lacuna e esta só exista quando haja uma situação que é
necessário regular e o não é, isto é, para a qual a lei não dê directamente solução.

PREENCHIMENTO DE LACUNAS NO PROCESSO PENAL – art. 4º

i. ANALOGIA

 No direito penal substantivo (art. 1º/3) não há analogia para qualificar o


facto como crime – PRINCÍPIO DA TIPICIDADE. O Direito Penal é a
Magna Carta do criminoso, não podendo existir crimes desconhecidos.

 Admite-se a analogia no processo penal, porque este não tem


permissão para definir quais os factos que são crimes. Este serve para
regulamentar a forma como o Direito Penal vai ser aplicado ao caso
concreto. A notícia do crime é uma dúvida. Há que perguntar se
realmente houve crime e, se houve, quem o praticou. Tem-se em vista a
descoberta da verdade material, mas sempre com respeito pelos
direitos do arguido.

Apesar das diferenças entre o Direito Penal e o Processo Penal existe


uma grande identidade entre elas que assenta no facto se só ser
aplicado através das sentenças proferidas pelo tribunal. O contrário
sucede na relação entre o Processo Civil e o Direito Civil: na grande
maioria dos casos o Direito Civil aplica-se sem recorrer ao tribunal,
apenas atraves da vontade das partes.

ii. NORMAS DE PROCESSO CIVIL: sempre que estejam em harmonia com o


Processo Penal

iii. PRINCÍPIOS GERAIS DO PROCESSO PENAL

Antes o CPP era um conjunto de regras especiais que afastavam as regras do


processo civil. Actualmente, não se pode dizer que o CPP é um código imperfeito: os
princípios fundamentais do processo penal podem não se adequar com as soluções
consagras no processo civil, ao contrário do que sucede por exemplo no Contencioso
Administrativo em que o CPTA remete directamente para o CPC.

2. RESOLUÇÃO DO CASO

No Processo Penal não existe qualquer ónus de impugnação especificada, sendo que
para proteger o arguido o facto não se dá por confessado. Mesmo que o arguido
tivesse confessado todos os factos na contestação, tal não teria valor, pois todos os
factos têm de ser provados em audiência de julgamento.

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No caso não existe qualuqer lacuna: o arguido não tem de tomar posição sobre todos
os factos, tendo direito ao silêncio e não existindo auto incriminação.Não se poderiam
considerar provados os factos para o pedido de indemnização: é por isso que as
indemnizações civis são conhecidas no processo criminal, ou seja visa-se que não
existam contradições – PRINCÍPIO DA ADESÃO (art. 71º): existem duas acções, uma
penal e uma civil, sendo ambas julgadas no mesmo processo (o pedido de
indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal
respectivo, só podendo ser deduzido em separado, perante o tribunal civil, nos casos
previstos na lei)

Por exemplo, no famoso caso americano O.J. Simpson, o arguido não foi condenado
por matar uma vez que tal se deu como não provado. Ele foi condenado a pagar
uma indemnização, porque se deu como provado que tinha morto a ex mulher.

IV

Duarte é condenado a 5 anos de prisão pela prática de um crime de burla qualificada.


Inconformado com a sentença, invocando que a prova testemunhal produzida no
julgamento demonstra claramente a sua inocência, ao contrário do decidido pelo
tribunal. Sucede que, nos termos do Código de Processo Civil, quando o recurso tem
por objecto a prova gravada acrescem dez dias ao prazo respectivo, mas no Código
de Processo Penal nada se diz a este respeito. Poderá Duarte beneficiar do acréscimo
do prazo, por aplicação subsidiária do preceito respectivo do Código de Processo
Civil?

(Acórdão do S.T.J. n.º 9/2005)

A situação no caso assenta em Duarte exigir que lhe seja aplicado um prazo extrea de
10 dias, como é feito no Processo Civil, quando se trata de recurso tendo como
objecto prova gravada. Este prazo de + 10 dias no Processo Civil justifica-se pelo
tempo que será gasto a transcrever-se a gravação. No CPP nada nos é dito quando a
esta situação.Quando exista uma lacuna, o que é diferente de uma situação de
silêncio da lei, só se poderá recorrer às normas de Processo Civil havendo uma
verdadeira lacuna. Não se pode aplicar subsidiariamente o Processo Civil.

Antes da Reforma de 98 não existia recurso tendo como objecto a reapreciação da


prova gravada. O STJ recusou a pretensão de Duarte e o recurso não foi apreciado.

Em 2007, no art. 411º/4 o prazo regra era de 30 dias (igual ao que sucedia em Processo
Civil) e retirou-se o acréscimo de 10 dias. Esta norma, actualmente, encontra-se
revogada.

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O Processo Penal é autónomo e completo: já não faz sentido falar na aplicação


subsidiária do Processo Civil.

Suponha que entra hoje em vigor a Lei nº 345-A/2012, de 12 de Dezembro, que


estabelece, além do mais, que:

1) O art. 92º, nº 1 do CPP passa a ter a seguinte redacção: «Nos actos processuais,
tanto escritos como orais, utiliza-se a língua portuguesa, sob pena de nulidade,
salvo se se tratar de processo contra cidadão britânico, caso em que se utiliza,
também sob pena de nulidade, a língua inglesa». Suponha que corre neste
momento um processo por crime de corrupção activa contra o cidadão
britânico, no qual David Brown foi acusado de corrupção activa. Que
consequências tem a nova lei nesse processo?

TEMA: VALIDADE TEMPORAL DA LEI PROCESSUAL PENAL

1. ENQUADRAMENTO TEÓRICO
PRINCÍPIOS GERAIS

 REGRA GERAL: art. 12º do CC – a lei só dispõe para o futuro, ou seja para
depois da sua entrada em vigor, sendo que só ela que dispõe pelo que é de
aplicação imediata. A regra é a que a lei processual se aplica imediatamente
aos processos a instaurar e aos actos a praticar nos processos pendentes: não
se aplica nunca aos actos já praticados anteriormente, cuja valkidade deve
ser julgada de harmonia com a lei revogada.

 EXCEPÇÃO: art. 5º/2 CPP (nº1 – corresponde à regra geral do art. 12º/1 CC).

NOTA: excepção da al. a) pode justificar-se por (1) aplicação do princípio jurídico
constitucional da legalidade em matéria penal – art. 29º/1 CRP; (2) aplicação do art.
32º/1 CRP quando da aplicação imediata da nova lei resultar, no caso concreto,
diminuição do direito de defesa do arguido, frustando as expectativas da defesa
relativamente à admissibilidade de certos actos de defesa que ficariam prejudicados
pela aplicação imediata da nova lei.

No Direito Penal Substantivo vigora o Princípio da Irretroactividade. No Direito


Processual Penal, nos termos do art. 5º/1, o Princípio é o da Aplicação Imediata da
nova lei, ocorrendo neste caso a aplicação retroactiva da lei a processos pendentes.
Tal deve-se ao facto que se a nova lei piorar a situação do arguido tal não se irá
aplicar devido à excepção constante no art. 5º/2 al. a). O Princípio da Segurança
Jurídica faz sentido no Direito Penal Substantivo, mas como o Processo Penal não tem
como missão qualificar um facto como crime já não se entende que este princípio
aqui vigore. Em ambos os casos entende-se que as novas leis são mais perfeitas, mas
no caso do Direito Penal Substantivo o Princípio da Segurança Jurídica sobrepõe-se-

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lhe. Em Processo Penal como se entende que as novas leis são mais perfeitas, devem-
se aplicar o mais rapidamente possível.

2. RESOLUÇÃO DO CASO

i. ACTOS JÁ PRATICADOS EM PROCESSO PENDENTE: aplica-se a lei anterior, não


sendo necessário ir às ressalvas constantes no art. 5º/2, uma vez que tal resulta
do art. 5º/1 in fine.

ii. NOVOS ACTOS: aos actos praticados desde a entrada da nova lei irá-se aplicar
a nova lei.

2) Diminuiu para metade os prazos estabelecidos no artigo 215º do CPP. Que


consequências tem esse facto na situação de Diogo Vaz, que, de acordo com
a antiga lei só teria de ser libertado dentro de 6 meses, muito embora, de
acordo com a nova lei, devesse ser libertado hoje?

O art. 215º respeita a uma norma processual material? Tendo em consideração que as
normas de direito material têm d einterferir na qualificação de um facto como crime,
assim sendo o art. 215º não o é, sendo portanto uma norma processual, mas que
afecta direitos fundamentais. O critério entre normas processuais e normas materiais
assenta em saber se interferem na qualificação de um facto como crime.
No caso seria aplicável o art. 5º/1, ou seja aplica-se imediatamente a nova lei pelo
que Diogo Vaz deveria ser libertado hoje.

VI

A revisão do Código de Processo Penal, introduzida pela Lei nº 48/2007, de 29 de


Agosto, introduziu, entre outras, as seguintes alterações … A que processos se aplicam
estas alterações?

1) O princípio da publicidade foi estendido à fase de inquérito (arts. 86º ss.);

Na redacção inicial do Código do Processo Penal, o segredo de justiça era


obrigatório, sem excepções, durante a fase do inquérito. O segredo de justiça visava
garantir a eficácia da própria investigação e recolha de prova.

Tal significou que os arguidos passaram a poder consultar o processo – art. 89º/1- ,
porque se aplicava a nova lei? Tendo em consideração a regra geral do art. 5º/1 –
Aplicação Imediata da Nova Lei – na situação em quase seria necessário atender à
excepção constante no art. 5º/2 al. b) e a nova lei não seria aplicada.

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O problema não foi grande, porque como é exigido requerimento, nos termos do art.
89º/1, o MP pode deferir se o processo estará ou não sujeito a segredo de justiça.

O art. 7º/1 I parte consubstancia uma norma de Direito Penal Transitório, podendo o
MP escolher quando a norma entra em vigor. Tal difere do que sucede no Direito Penal
em que quando as novas leis são mais favoráveis ao arguido têm mesmo de se
aplicar.

2) A prisão preventiva, salvo em caso de criminalidade violenta ou altamente


organizada, passou a só poder ser decretada em caso de existirem fortes
indícios da prática de crime doloso a que corresponda pena de prisão de
máximo superior a 5 anos, e não 3 anos como era antes (art. 202º);

Neste caso ocorre a aplicação da regra geral constante do art. 5º/1 e a nova lei é
aplicada imediatamente.

VII

Na sequência de uma denúncia apresentada por António, por crime de furto


qualificado, é instaurado o competente inquérito, no dia 5 de Setembro de 1998.
Iniciadas as investigações surgem indícios de que o agente do crime será Bento.

1. Será obrigatório o interrogatório de Bento durante o inquérito, sabendo-se que


na redacção do C.P.P. anterior à Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, não existia
qualquer preceito com o mesmo conteúdo do art. 272.º do mesmo diploma, na
redacção introduzida pela mesma Lei?

TEMA: VALIDADE PROCESSUAL DA LEI PROCESSUAL PENAL


Em primeiro lugar será necessário atender ao momento em que a Lei nº59/98 entrou
em vigor, sendo para tal necessário recorrer ao seu art. 10º.

Artigo 10.º

1 - O presente diploma entra em vigor em 1 de Janeiro de 1999.


2 - Exceptuam-se do disposto no número anterior os artigos 57.º, 58.º, 59.º, 61.º, 62.º,
64.º, 66.º, 75.º, 76.º, 77.º, 82.º-A, 196.º, 254.º, 272.º, 312.º, 332.º, 333.º, 334.º, 335.º, 336.º,
337.º, 380.º-A, 381.º, 382.º, 386.º, 387.º, 389.º e 390.º do Código de Processo Penal, na
redacção introduzida pelo presente diploma, bem como o artigo 6.º, n.º 3, do
presente diploma, os quais entram em vigor no dia 15 de Setembro de 1998.

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HIPÓTESES PRÁTICAS DE PROCESSO PENAL FDUCP

Note-se que nos termos do art. 6º/1 da Lei 59/98, de 25 de Agosto consagra-se que ‘’As
alterações ao Código de Processo Penal introduzidas pelo presente diploma são
aplicáveis aos processos pendentes na data da sua entrada em vigor.’’

No caso é nos dito que o inquérito foi instaurado a 5 de Setembro de 1998, sendo que
o interrogatório do arguido passa a ser obrigatório a partir de 15 de Setembro de 1998
nos termos da disposição transitória consagrada no art. 10º/2 (excepção ao nº1) da Lei
59/98, de 25 de Agosto.
Antes da entrada em vigor desta lei não era obrigatório proceder ao interrogatório do
arguido, possuindo o MP a faculdade de indicar se o considerava necessário ou não.
Com a entrada em vigor da nova lei, o interrogatório passa a ser obrigatório, quando
haja suspeita fundada, sob pena de nulidade nos termos do art. 120º/2 al. d).
Coloca-se a questão de saber se a nova lei é de aplicação imediata (princípio
constante do art. 5º/1) ou se se insere nalguma das excepções constantes no art. 5º/2.
Poder-se-ia equacionar a inserção desta questão na al. a) do art. 5º/2, ou seja o facto
de o interrogatório passar a ser obrigatório consubstancia ‘’um agravamento sensível
e ainda evitável da situação processual do arguido, nomeadamente uma limitação
do seu direito à defesa’’? Embora exista sempre o perigo de o arguido ‘’dizer mais do
que aquilo que deve’’ tal não é um risco jurídico. Quando exista uma suspeita
fundada chama-se o arguido a interrogatório com vista a assegurar uma ocasião de
defesa daquele, o que também se relaciona com a presunção de inocência de que
goza. Além disso, o arguido tem sempre o direito ao silêncio (art. 61º/1 al. d). Em termos
jurícos o interrogatório não consubstancia um agravamento, embora em termos
facticos possa acontecer o oposto. Deste modo, não se inserindo a obrigação de
interrogatório em nenhuma das excepções previstas no art. 5º/2 conclui-se pela
aplicação imediata da nova lei.

2. Suponha agora que o processo foi instaurado em 1996 e que Bento é


condenado. Inconformado, o defensor de Bento interpõe recurso da sentença
no dia 15 de Dezembro de 1998. São aplicáveis ao julgamento do recurso as
alterações introduzidas ao C.P.P. pela Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto?

No caso estamos perante a temática dos actos novos em processos pendentes. Ao


contrário do que sucede em Direito Penal, em que as normas de direito transitório ou
são nulas ou se limitam a repetir a solução consagrada pela CRP, no Direito Processual
Penal é necessário, em primeiro lugar, analisar se existem disposições de direito
transitório.

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HIPÓTESES PRÁTICAS DE PROCESSO PENAL FDUCP

ARTIGO 6º (Lei 59/98, de 25 de Agosto)

1 - As alterações ao Código de Processo Penal introduzidas pelo presente diploma são


aplicáveis aos processos pendentes na data da sua entrada em vigor.

2 - Exceptuam-se do disposto no número anterior os processos em que tenha sido interposto


recurso da sentença, nos termos do artigo 411.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, os quais
continuarão a reger-se pelas disposições anteriormente vigentes.

Atendendo ao art. 6º/2 da Lei 59/98, de 25 de Agosto tal consubstância uma norma
de direito transitório e determina que os processos em que tenha sido interposto
recurso continuam-se a reger pelas disposições anteriores à entrada em vigor desta
nova lei, pelo que não são aplicáveis ao julgamento de recuso as alterações
introduzidas por esta lei. A opção por esta solução relaciona-se com a harmonia e
unidade do sistema processual e, mesmo que não existisse esta norma de direito
transitório, estas alterações não seriam na mesma de aplicação imediata, uma vez
que tal situação enquadra-se na al. b) do art. 5º/2, excepção à regra geral de
aplicação imediata constante no art. 5º/1.

VIII

Na sequência da apresentação de denúncia contra Carlos, em que lhe é imputada a


prática de um crime de furto qualificado (art. 204.º, n.º 1, do C.P.), o M.P. instaura o
competente inquérito no dia 2 de Julho de 2012. Obtida fundada suspeita da prática
deste crime, Carlos é interrogado na qualidade de arguido pelo M.P. no dia 4 de
Março de 2013 e confessa todos os factos que lhe foram imputados. Responda às
seguintes questões:

1. Se Carlos não comparecer na audiência de julgamento as suas declarações


podem ser lidas, nos termos do art. 357.º, n.º 1, al. b), do CPP?

Lei nº 20/2013, de 21 de Fevereiro: entra em vigor a 21 de Março de 2013 – art. 4º

A questão sobre que incide o caso assenta em saber se as declarações proferidas


pelo arguido tem valor de prova em audiência de julgamento.

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HIPÓTESES PRÁTICAS DE PROCESSO PENAL FDUCP

Ou seja, prestando o arguido as suas declarações no dia 4 de arço de 2013 estas, o


que disser perante o MP pode ser usado contra ele no julgamento? A nova redacção
do art. 357º/1 al. b) é aplicável ao processo em que o interrogatório do arguido tenha
ocorrido a 4 de Março, sendo que a nova lei/redacção só entra em vigor a 21 de
Março?

Antas da entrada em vigor da nova redacção/lei, nomeadamente do art. 357º/1 al.


b), o arguido não é advertido de que tais declarações poderão ser usadas em
julgamento, sendo que tem sempre o direito ao silêncio. As declarações do arguido só
podem ser reproduzidas ou lidas em julgamento se ele assim concordar ou se tiver sido
prestadas perante o juiz e existirem contradições ou discrepâncias entre elas e as feitas
em audiência. Ou seja, se o arguido confessou na fase de inquérito e no julgamento
nada diz, tais declarações não podem ser lidas. Tais declarações podem ser lidas, mas
a sua leitura não serve como meio de prova, podendo apenas o juiz utilizá-las para
fazer a critica das declarações, ou seja com base no que o arguido afirmou na fase
de inquérito desvalorizar o que ele disse no julgamento. Ou seja, o juiz não pode usar a
confissão (feita no inquérito) como meio de prova, apenas servindo para fazer a
crítica na audiência (art. 355º/1).

A nova lei de 20/2013, de 21 de Fevereiro procede à alteração do art. 357º,


nomeadamente, no que interessa ao caso, o nº1 al. b), passou a consagrar que as
declarações do arguido face a autoridade judiciária (juíz, juíz de instrução e MP – art. 1
al. b)), com assistência de defensor, desde que o arguido seja advertido, poderão ser
usadas e livremente apreciadas, podendo tais declarações ser utilizadas como meio
de prova nos termos do art. 141º/4 al. b).

No caso não se poderia aplicar a regra geral da aplicação imediata da nova lei,
constante no art. 5º/1, uma vez que tal se insere na excepção prevista na al. b) do art.
5º/2: existe uma quebra da harmonia dos actos processuais, sendo que o arguido não
foi advertido no momento em que prestou as declarações que tais podiam ser usadas
como meio de prova no julgamento o que consubstancia igualmente um
agravamento (excepção da al. a) do art. 5º/2), na medida em que se deixa no
momento do julgamento as hipoteses de defesa condicionadas pela lei anterior.

Importa ainda referir que nos termos do art. 4º/2 da Lei 20/2013, de 21 de Fevereiro
consagra-se que ‘’Aos processos pendentes à data da entrada em vigor da presente
lei em que o arguido já tenha sido interrogado continua a aplicar-se o disposto no art.
357º do CPP’’.

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HIPÓTESES PRÁTICAS DE PROCESSO PENAL FDUCP

2. Suponha agora que o interrogatório de Carlos só tem lugar no dia 1 de Abril de


2013. A sua resposta é a mesma?

O art. 4º/2 da Lei 20/2013, de 21 de Fevereiro consagra que se aplica a redacção


anterior do art. 357º apenas se o arguido já tiver sido interrogado, algo que não
sucece nesta hipotese.

Nos termos do art. 272º consagram-se os termos em que decorre o primeiro


interrogatório do arguido, sendo que nestes casos existe uma fundada suspeita da
prática do crime por uma dada pessoa, sendo que é neste momento, em princípio,
que tal pessoa é constituida como arguida (art. 58º/1 al. a)), oferecendo-lhe a
hipotese de defesa através do interrogatório.

O novo regime traduz um agravamento sensível e ainda evitável da situação


processual do arguido? Ou seja o novo regime, aplicando ao caso, é susceptível de se
enquadrar na excepção prevista no art. 5º/2 al. b)? O que o arguido declarar na fase
de inquérito, naquele interrogatório, fica adquirido no processo diminuindo as opções
que ele teria de outra forma na audência de julgamento.

O problema assenta no facto de que Carlos ainda não fora interrogado pelo que
ainda não foi constituido arguido e o art. 5º/2 al. a) refere-se expressamente a arguido.
Neste caso existe uma questão duvidosa no sentido de que o art. 5º parece
consubstanciar uma prioria do estatuto que ele já possui (arguido). Deste modo,
aplica-se mesmo assim a norma transitória constante no art. 4º e aplica-se a nova lei.
Note-se que o PROF. JOSÉ LOBO MOUTINHO admite que neste caso faz sentido aplicar
a norma transitório, uma vez que ele ainda não foi constituído arguido pelo que não se
poderia enquadrar na excepção constante no art. 5º/2 al. a).

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HIPÓTESES PRÁTICAS DE PROCESSO PENAL FDUCP

3. Supondo que Carlos vem a ser absolvido pela 1.ª instância e condenado pela
Relação, na sequência de recurso interposto pelo M.P., a uma pena de 2 anos
de prisão, será este acórdão susceptível de recurso para o S.T.J., sabendo-se
que este recurso deixou de ser admissível em virtude das alterações
introduzidas ao art. 400.º do C.P.P. pela Lei n.º 20/2013, de 21 de Fevereiro?
(Acórdão do STJ nº 4/2009,D.R., I.ªSérie-A, de 19/03/2009)

O acórdão do STJ é um acórdão de fixação de jurisprudência, dado que tinham


existido dois acórdãos com soluções contraditórias. A antiga lei permitia o recurso da
Relação para o Supremo, algo que a nova lei restringe.

Houve uma divergência entre a decisão do acórdão e a dos votos vencidos: para os
primeiros, as garantias de defesa do arguido fazem sentido quando a sentença é
proferida (é nesse momento que o arguido vai decidir se vai recorrer ou não); para os
segundos as garantias de defesa do arguido fazem sentido logo.

No caso, para a maioria, a lei nova não se aplicava porque já tinha proferida a
decisão final, já se teria constituído o direito ao recurso. Se o arguido está a ser julgado
hoje e já tendo a nova lei saído quando é proferida a sentença, para o STJ aplicar-se-
ia a nova lei porque não não se constitui na esfera do arguido o direito ao recurso. O
que conta é o momento em que a decisão de 1º instância é proferida. É verdade que
tal limita as garantias de defesa, mas não para o STJ. As garantias de defesa só surgem
com a sentença proferida em 1º Instância. É necessário interpretar o art. 5º/2.

PROF. JOSÉ LOBO MOUTINHO: o direito de recorrer só existe quando a decisão é


proferida, mas o estatuto do arguido faz parte esta expectativa/direito à possibilidade
de recorrer em dois graus quando adquire o estatuto de arguido (art. 61º/1 al. i)).
Desde que adquiriu o estatuto de arguido, tudo o que seja no sentido de lhe retirar o
possível estatuto é um agravamento sensível dos seus direitos de defesa/estatuto
pessoal. O que o STJ faz é que a posição processual do arguido não seha lida no
global, mas sim em cada momento do processo.

PROF. HENRIQUE SALINAS: concorda com a posição minoritária, isto é, o que está em
causa é a situação processual do arguido. Tal deve ser apurado no seu todo. Há que
comparar qual oferece mais garantias, se de acordo com a nova lei, se de acordo
com a lei antiga. Portanto, de acordo com esta posição, aplicar-se-ia a lei antiga.

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HIPÓTESES PRÁTICAS DE PROCESSO PENAL FDUCP

IX

O Ministério Público deduziu acusação contra José Leal, imputando-lhe a prática de


um crime de falsificação de documentos, em concurso efectivo com um crime de
burla qualificada, por factos praticados em 1998. Quando os autos são remetidos para
julgamento está já em vigor a nova redacção do C.P.P., introduzida pelo Decreto-Lei
n.º 320-C/2000, de 15 de Dezembro. O arguido presta termo de identidade e
residência nos termos da redacção do art. 196.º do C.P.P. introduzida por este diploma
e é notificado do despacho que designa o dia para a audiência de julgamento.

Na primeira data designada para a audiência de julgamento o arguido não


comparece, e o tribunal considera que a sua presença no início da audiência não é
indispensável para a descoberta da verdade.

Pode a audiência de julgamento ter lugar na ausência do arguido, nos termos do


disposto no art. 333.º da redacção em vigor do C.P.P., à data da audiência, sendo
certo que, de acordo com a redacção vigente na data da prática dos factos, nesta
situação a audiência era obrigatoriamente adiada?

(Acórdão do S.T.J. de 24/03/2004, C.J., 2004, t. I, pp. 232 e segs.)

Se o tribunal considerar que a presença do arguido não é indispensável para a


descoberta da verdade material, pode decidir logo na primeira instância, sem prejuizo
de o arguido vir a prestar a declarações (isto de acordo com a nova lei).

De acordo com a lei antiga, aquele julgamento nunca se teria realizado sem a
presença do arguido: isto permitir-lhe-ia confessar e assim ter uma atenuação da
pena.

Não existia norma de direito transitório, esquecendo-se o legislador do art. 5º/2,


pensando apenas na regra geral do art. 5º/1. Os tribunais tentaram a seguinte
solução: a lei nova aplica-se aos processos pendentes se os arguidos prestarem novo
termo de identidade e residência (quando isto faz é-lhes dito quais as situações em
que se popde realizar a audiência de julgamento sem o arguido).

Deste modo, deveria ter sido aplicada a lei antiga. Tal consubstância uma nulidade
insável nos termos do art. 119º al. c).

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page 18


HIPÓTESES PRÁTICAS DE PROCESSO PENAL FDUCP

Em determinado processo, que corre termos contra Fernando Oliveira, pela eventual
prática de um crime de emissão de cheque sem provisão, e se encontra em fase de
julgamento, o juiz profere o seguinte despacho:

«Quando os presentes autos tiveram início, o crime de emissão de cheque sem


provisão era um crime público, nos termos do Decreto-Lei n.º 454/91. Hoje, em virtude
do disposto no art. 11.º-A do mesmo diploma, na redacção que lhe foi dada pelo
Decreto-Lei n.º 316/97, o procedimento criminal por este crime depende de queixa.
Acontece que, analisados os autos, conclui-se que não foi apresentada queixa. Ora, o
art. 2.º, n.º 4, do Código Penal, determina que, em casos de sucessão de leis, deve
aplicar-se ao agente o regime que, concretamente, se mostrar mais favorável. Assim,
sendo claramente mais favorável o actual regime (que subordinou o exercício da
acção penal à existência de queixa) e concluindo-se que não foi exercido tal direito
de queixa nos seis meses posteriores à entrada em vigor da nova lei, impõe-se julgar
extinto o procedimento criminal contra o arguido, relativamente a estes factos, por
falta de legitimidade do Ministério Público em prosseguir a acção penal (arts. 29.º, n.º 4
da Constituição da República Portuguesa)».

O juiz decidiu bem?

(«Assento» n.º 4/99, D.R., I.ªSérie-A, de 30/03/99 e Acórdão do S.T.J. de 05/04/2001, C.J.,
2001, t. II, pp. 176 e segs.)

1. ENQUADRAMENTO TEÓRICO

LEIS PROCESSUAIS PENAIS MATERIAIS

Segundo o PROF. GERMANO MARQUES DA SILVA tendo a lei efeitos sobre a


penalidade concreta aplicável ao arguido, ela deve ser considerada de natureza
material, ainda que o seja também de natureza processual, ou seja, de natureza mista
penal- processual.

Quanto às normas sobre prescrição do procedimento criminal entende-se, hoje


pacificamente, tais têm natureza material e por isso são de aplicação retroactiva
quando mais favoráveis ao arguido. As normas sobre prescrição afectam a
delimitação da infracção, necessariamente afectada pela extinção do direito de
acção penal, constituem causa de afastamento da punição, condicionam a
efectivação da responsabilidade penal.

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page 19


HIPÓTESES PRÁTICAS DE PROCESSO PENAL FDUCP

Quanto às normas sobre condições de procedibilidade existem divergências na


doutrina e na jurisprudência. Que a norma que transforma o crime particular ou
semipúblico em crime público ou o crime público em crime particular ou semipúblico e
aquelas que respeitam à disciplina da queixa ou da acusação particular condicionam
a responsabilidade penal e têm por isso tambem natureza substantiva não parece ser
controverso. As duvidas assentam na sua aplicaçao pratica. Em termos gerais é de
aplicar a lei que concretamente se mostre mais favoravel ao arguido e recusar a
aplicaçao retroactiva da lei mais gravosa.

Qual o momento a partir do qual se há-de contar o prazo para apresentação de


queixa quando a lei nova exige queixa e a anterior não o exigia?

PROF. TAIPA DE CARVALHO E JURISPRUDÊNCIA – solução que parece impor-se pelo


direito constitucional de acesso aos tribunais e de protecção contra a vitimização
secundária (art. 20º/1 e 32º/9 CRP)

i. LEI NOVA CONVERTE O CRIME PÚBLICO EM SEMIPÚBLICO: no caso de o titular do


direito já conhecer o facto e os seus autores, o prazo conta-se a partir do
momento em que entrou em vigor a nova lei;

ii. LEI NOVA ENCURTA O PRAZO: aplicar-se-á a lei nova, se o tempo que ainda
faltar decorrer para preencher o prazo da lei antiga for superior ao prazo da lei
nova; caso contrário continuará a aplicar-se a lei antiga.

CASO EM QUE NOVA LEI CONVERTE O CRIME PÚBLICO EM SEMIPÚBLICO OU PARTICULAR


(O PROCEDIMENTO PASSA A FICAR DEPENDENTE DE QUEIXA) ESTANDO O PROCESSO JÁ
INSTAURADO - JURISPRUDÊNCIA: tendo a queixa natureza processual as respectivas
normas são de aplicação imediata, mas não retroactiva, ou seja, o processo mantém-
se válido. Nenhuma nova lei processual pode afectar a validade dos actos
processuais validamente praticados segundo a lei da época em que o foram.



PROF. GERMANO MARQUES DA SILVA: esta situação não se resolve pela simples
qualificação da queixa como condição de procedibilidade e natureza processual,
pois quando as leis processuais tenham efeitos substantivos é o regime destas leis que
se deve aplicar, no que favorece ao arguido. É necessário distinguir a fase em que o
processo se encontra:

i. FASE DO INQUÉRITO: o MP não poderá deduzir acusação sem prévia queixa,


uma vez que a legitimidade não é imutável, havendo de se aferir a cada
momento do processo, em relação a cada acto que se vá praticando, em
função das disposições legais aplicáveis.

ii. FASE DA INSTRUÇÃO OU DO JULGAMENTO: passando o crime público a ser


semipúblico ou particular, tal alteração não tem efeitos no que respeita à
validade da acusação, mas a nova natureza do crime tem implicações,
nomeadamente no que respeita ao direito de extinção do procedimento pela
via da desistência da queixa (melhor, de renúncia ao procedimento)

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HIPÓTESES PRÁTICAS DE PROCESSO PENAL FDUCP

2. RESOLUÇÃO DO CASO

No caso existe num processo que corre contra Fernando pela prática de um crime
que, de acordo com a lei antiga, era um crime público. Quando entrou em vigor a
nova lei, o procedimento criminal já tinha tido inicio, pelo que para continuar o
procedimento criminal não seria necessário uma queixa: era uma questão de
procedibilidade.

PROF. TAIPA DE CARVALHO: não se trata de uma questão de legitimidade, uma vez
que no momento em que o inquérito é instaurado o MP tinha legitimidade; trata-se,
sim, de uma questão de procedibilidade.

No entanto, por efeito da nova lei, o arguido passaria a beneficiar, no caso de o


ofendido querer desistir da queixa: aplicar-se-ia a lei nova por ser a mais favorável ao
arguido.

A ideia das normas processuais materiais (como a queixa) é a de as subtrair à


aplicação do art. 5º aplicando deste modo o art. 2º/4. Nestas normas processuais
materiais, em que rege sempre o que art. 2º/4 - neste caso não é grave, mas nos casos
de prazos de prescrição já o é – esta não se pode aplicar retroactivamente.

PROF. JOSÉ LOBO MOUTINHO: defende que se deve aplicar o art. 5º/1. Aplica-se
imediatamente a nova lei, mas os actos já praticados mantém-se (exemplo: lei
descriminalizadora: se já cumpriu pena tal não produz qualquer vantagem).

 SOBRE A POSIÇÃO DO PROF. GERMANO MARQUES DA SILVA E DO PROF. TAIPA


DE CARVALHO: dizem que aplicam o art. 2º/4 quando na verdade estão a
aplicar o art. 5º/1. O processo começa sem queixa do ofendido, pelo que o MP
tem legitimidade para iniciar o processo. Não fazia sentido neste caso aplicar a
lei retroactivamente: o que está bem praticado assim permance, sendo que a
partir deste momento é que o crime passa a ser tratado como semi público.
Uma aplicação retroactiva da lei faria e faz com que o ofendido pudesse
desistir da queixa.

 Na SOLUÇÃO o PROF. JOSÉ LOBO MOUTINHO encontra-se de acordo com a


posição do PROF. GERMANO MARQUES DA SILVA E DO PROF. TAIPA DE
CARVALHO; a divergência assenta no FUNDAMENTO: para o PROF. JOSÉ LOBO
MOUTINHO não existe qualquer retractividade, sendo que os actos praticados
na vigência da lei anterior são válidos, não existindo qualquer anulação;
aplicação imediatamente a nova lei aos processos pendentes.

Em qualquer dos casos passa a existir a possibilidade de desistência de queiza (passa


a ser relevante), pelo que a solução era idêntica quer aplicassemos um ou outro
preceito. O processo mantém-se.

O tribunal de 1º Instância foi mais longe e afirmou que seria necessária queixa, apesar
de o procedimento já ter sido iniciado. A solução não é compatível com o art. 5º
porque os efeitos da nova lei só se produzem para o futuro. Do ponto de vista formal,a
instância tem alguma razão, porque se é aplicável retroactivamente, então, tem de
ser necessária a apresentação de queixa.

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page 21


HIPÓTESES PRÁTICAS DE PROCESSO PENAL FDUCP

O que aconteceria se ainda estivessemos no inquerito e se transformasse o crime


publico em crime particular?

Ocorrendo a transformação do crime público em particular seria necessário a


acusação particular, o que por sua vez seria mais favorável ao arguido, condicionado
o exercício da acção penal. Os actos praticados enquanto o crime era público não
são anulados. Se ainda se estiver na fase do inquérito é necessário a dedução de
acusação particular. Caso já não se esteja na fase do inquérito não é necessário
acusação particular, mas poderá ocorrer a desistência da queixa.

Se o processo ainda não tivesse sido instaurado, o prazo de 6 meses para a


apresentação da queixa conta-se a partir do momento da prática do facto ou da
entrada em vigor da nova lei? Na opinião do PROF. GERMANO MARQUES DA SILVA
ocorria a aplicação imediata da nova lei, contando-se o prazo de 6 meses a partir do
momento da prática do facto; por sua vez tanto o PROF. TAIPA DE CARVALHO COMO
O PROF. JOSÉ LOBO MOUTINHO defendem que o prazo de 6 meses conta-se a partir
da entrada em vigor da nova lei.

PARTE II

XI

O Ministério Público deduz acusação contra António, imputando-lhe a prática de um


crime de furto simples. Recebidos os autos pelo tribunal de julgamento, o juiz profere
despacho pelo qual considera inconstitucional, por violação do art. 32.º, n.º 4, da
Constituição, o art. 263.º do Código de Processo Penal (CPP), na medida em que
atribui ao Ministério Público a direcção do inquérito. Em consequência, declara
juridicamente inexistentes todos os actos praticados no processo. Em recurso, o
Tribunal da Relação revoga a decisão baseado em que a instrução, a que se refere
aquela disposição constitucional, de acordo com o CPP compete a um juiz. Quid Iuris?

(Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 7/87)

O Acórdão do TC 7/87 procedeu à fiscalização preventiva do art. 32º/4 da CRP.


Segundo esta norma constitucional toda a instrução é da competência do juíz. As
diligências processuais que cabem no art- 263º são materialmente instrutórias e, no
entanto, o TC decidiu pela constitucionalidade da norma.

PROF. FIGUEIREDO DIAS: actualmente, onde se diz instrução preparatória chama-se


inquérito. Mudou-se o nome, mas o resto manteve-se. Este professor considera que é
constitucional, porque essa fase deve caber ao MP, por isso não existe violação do art.
32º/4.

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page 22


HIPÓTESES PRÁTICAS DE PROCESSO PENAL FDUCP

PROF. VITAL MOREIRA: considera que toda a instrução é da competência do juiz e o


que se está a fazer é dividir a instrução em duas fases, chamando-se inquérito à
primeira, sendo ela materialmente instrução.

A instrução prepatória não existe actualmente no nosso código, mas anteriormente


existia e ao actual inquéria correspondia a instrução preparatória e a actual instrução
corresponde à antiga instrução contraditória. Assim, o legislador constitucional ao
elaborar o art. 32º/4 tinha como intenção que toda a instrução fosse da competência
do juiz e pretendeu-se jurisdicionalizar integralmente a instrução, sem prejuizo de esta
ser a unica e a melhor solução.

Pretendeu-se, com isso, retirar ao MP esses poderes, porque no regime anterior o MO


era controlado pelo Estado (Novo). Pretendia-se blindar todo o processo criminal ao
Governo.

Quanto entrou em vigor a CRP, o MP já era completamente independente, pelo que


já se poderia entregar o inquérito aquele, mas ainda assim essa não foi a opção do
legislador. Até, porque, na prática, quem investiga são os órgãos de polícia criminal.
Assim sendo, isto nunca vigorou. Mesmo na altura, foi criado um inquérito preliminar
atribuido ao MP visando esvaziar a instrução preparatória. Era completamente
impraticável atribuir a direcção de todos os processos a um juiz. O juiz nao se deve
imiscuir na investigação para salvaguardar a sua independencia. Alem de que não
salvaguardava a estrutura acusatória do processo.

Em vez de ter alterado a CRP, deu-se outro nome ao inquerito para se furtar à
declaração de inconstitucionalidade. A solução correcta é a que hoje temos, mas
dever-se-ia ter alterado a CRP segundo o PROF. GERMANO MARQUES DA SILVA.

O que mais nos interessa é aferir qual o conteúdo útil que podemos retirar do art. 32º/4.
Este artigo tambem tem influencia nao apenas na fase de instruçao, mas tambem na
fase de inquerito, pois ha determinados actos que mesmo no inquerito tem
necessariamente de ser praticados pelo juiz, nomeadamente os actos que colocam
em causa direitos fundamentais. Se mesmo na fase de instruçao, os actos que possam
afectar os direitos fundamentais tem de ser praticados pelo juiz, então, por maioria de
razão, numa fase que não é dirigida ao juiz esses actos instrutorios tambem terão de
ser praticados por ele. O art. 32º/4 pretendia abranger tanto a instrução como o
inquérito.

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HIPÓTESES PRÁTICAS DE PROCESSO PENAL FDUCP

XII

Faça um comentário crítico à seguinte notícia:

«Reclamados mais juízes para o Tribunal Central

Carlos Alexandre tem os processos mais mediáticos porque é o único titular

2010-01-19

CLARA VASCONCELOS

O juiz Carlos Alexandre é o homem do momento. O superjuiz. Aquele que tem


em mãos os processos judiciais mais mediáticos. Mas porquê ele e só ele?
Porque é o único juiz do Tribunal Central de Instrução Criminal. Um
exclusividade com que a maioria discorda.

Criado em 1999, o Tribunal Central de Instrução Criminal (TCIC) prevê, no seu


quadro, a existência de um único juiz. Uma situação com que a juíza Fátima
Mata-Mouros, a primeira a ocupar o cargo, sempre discordou. Mas de que
também discordam o presidente do Sindicato dos Juízes Portugueses, António
Martins, e o próprio Conselho Superior da Magistratura (CSM).

No "ticão", como é conhecido o TCIC, são apreciados todos os casos de


criminalidade grave e complexa e que, simultaneamente, abranjam vários
distritos judiciais. São processos necessariamente complexos. Algumas das
questões ali apreciadas nunca foram pensadas ou julgadas. É um tribunal de
dimensão nacional, tal como o Supremo, mas de competência específica.

Tudo isto é demasiado sério para ficar nas mãos de um único juiz. António
Martins, da ASJP, defende que "os tribunais não devem ter como característica
a perspectiva de órgão unipessoal". No seu entender, o que os cidadãos
procuram nos tribunais "é que haja aliatoriedade na distribuição do serviço"
("escolhe-se o médico, não se escolhe o juiz"). Não é positivo que saiba, à
partida, "que é este, com esta maneira de ser e esta maneira de interpretar a
jurisprudência". Para além da "manipulação" que este conhecimento prévio
possa estimular, como diz Mata-Mouros (ver entrevista), é a própria
jurisprudência que, existindo uma única perspectiva, "sai empobrecida", diz
Martins.

O próprio CSM, embora sublinhando não existirem pendências naquele


tribunal, "reconhece que só um juiz é insuficiente face à complexidade dos
casos e à sua urgência".

Fátima Mata-Mouros, que ocupou o cargo desde o seu início até 2004, sempre
defendeu, em relatórios enviados ao CSM, o alargamento do quadro. Tal nunca
sucedeu. Porque o legislador, a quem compete a elaboração da Lei da
Organização dos Tribunais, não o quis. Ao CSM, resta nomear juízes auxiliares,
mas só a pedido do juiz titular.

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page 24


HIPÓTESES PRÁTICAS DE PROCESSO PENAL FDUCP

Mata-Mouros requereu-o, no final do "mandato", quando também se


encontrava no final de uma gravidez. Foi destacado Carlos Alexandre. Em
2005, Ivo Rosa ganhou o lugar de juiz titular e Ana Peres foi nomeada juíza
auxiliar, mas nunca ocupou o cargo, uma vez que se encontrava, em
exclusivo, no processo Casa Pia. Carlos Alexandre assumiu o Tribunal em 2006,
mas nunca solicitou ao CSM um auxiliar.

"É demasiado poder para um só juiz"

[Fátima Mata-Mouros, Juíza desembargadora]

Sempre defendeu a existência de mais juízes no Tribunal Central de Instrução


Criminal (TCIC), porquê?

O TCIC é um tribunal com características muito especiais, com dimensão


nacional, com competência para os crimes mais graves do país e que
atravessam as fronteiras geográficas. Um tribunal onde necessariamente
recaem todas as atenções. Só isto já chegaria para justificar um quadro mais
alargado. Nenhum tribunal deve ficar dependente da jurisprudência de um só
juiz. As questões que caem no Tribunal Central são muito específicas, muitas
delas nunca foram pensadas. É muita responsabilidade para uma só pessoa e,
acima de tudo, é muito poder.

Sentiu solidão quando esteve à frente do TCIC?

Claro. Senti essa solidão e essa responsabilidade, que corresponde a um


tremendo poder e que é demasiado para uma cabeça só.

É um juiz que se torna muito conhecido da opinião pública...

E não só. Também se torna muito conhecido das polícias e dos arguidos. E isso
pode dar azo a manipulações. É fácil defender que um crime ocorreu em dois
distritos para que seja decidido no TCIC. Ou o contrário. É fácil perceber qual o
estilo do juiz, como decidiu em casos semelhantes,etc, e agir em
conformidade. Se não se soubesse à partida a que juiz calharia o processo,
essa manipulação seria mais dificultada. Essa é mais uma razão a justificar um
quadro de mais juízes.

O facto de ser um único juiz torna-o um alvo mais fácil?

Torna-se alvo das atenções e isso nunca é bom nem para a segurança, nem
para a tranquilidade decisória.

O juiz do TCIC devia ter segurança?

É lamentável ser necessário existir uma ameaça para que um juiz tenha direito
a segurança.»

(http://jn.sapo.pt/PaginaInicial/Nacional/Interior.aspx?content_id=1473146 )

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page 25


HIPÓTESES PRÁTICAS DE PROCESSO PENAL FDUCP

TEMA: PRINCÍPIO DO JUÍZ NATURAL

1. ENQUADRAMENTO TEÓRICO

Nos termos do art art. 32º/9 CRP nenhuma causa pode ser subtraída ao tribunal cuja
competência esteja fixada em lei anterior: PRINCÍPIO DO JUÍZ NATURAL OU LEGAL. Visa-
se evitar a designação arbitrária de um juiz ou tribunal para resolver um caso
determinado.

Não é admissível que a norma autorize a determinação discricionária do tribunal ou


tribunais que hão-de intervir no processo: as normas, tanto orgânicas como
processuais, têm de conter regras que permitam determinar o tribunal que há-de
intervir em cada caso em atenção a critérios objectivos.

É necessário conjugar o art. 32º/9 com o art. 209º/4 que proíbe a existência de tribunais
com competência exclusiva para julgar certas categorias de crimes, com excepção
feita para os tribunais militares durante a vigência do estado de guerra – art. 213º.

A orgem histórica do princípio do juiz natural parece ser a lei francesa de Agosto de
1790 sobre a organização judiciária, que teve como finalidade impedir a ingerência
do rei nos assusntos judicias, garantindo aos cidadãos tribunais imparciais, e na sua
formulação mais morderna a Constituição italiana de 1947 e a alemã de 1949. O
princípio foi também acolhido na Carta Constitucional de 1826 e em textos
internacionais sobre direitos fundamentais (DUDH, Convenção Europeia dos Direitos do
Homem e Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos – necessidade de tribunal
independente, imparcial e competente, estabelecido por lei).

É necessário atender à doutrina italiana quanto à interpretação que esta faz sobre juíz
pré constituído por lei: a doutrina e jurisprudência italianas começaram por interpretar
a norma da sua constituição como querendo garantir, para além da proibição de
tribunais extraordinários, a determinação do tribunal competente com relação ao
facto abstracto realizável no futuro e não a posteriori, ou seja, uma competência
fixada imediatemnte e exclusivamente por lei, excluindo a possibilidade de uma
alternativa entre um juiz e outro, prevista pela lei, mas resolúvel a posteriori mediante
um procedimento singular. Esta orientação consagrava uma reserva absoluta da lei
em matéria de competência jurisdicional.

Numa corrente doutrinal mais recente, o princípio do juíz natural pré constituido por lei
vem a ser interpretado como sendo aquele que é racionalmente idóneo para garantir
a objectividade e imaparcialidade do julgamento a ratio do art. 25º/1 da Constituição
italiana seria então a de garantir a imparcialidade do juiz.

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page 26


HIPÓTESES PRÁTICAS DE PROCESSO PENAL FDUCP

A competencia do juiz deverá ser fixada na base de criterios gerais fixados


previamente e não depois da prática do crime e em vista ao seu julgamento de modo
a assegurar a sua efectiva imparcialidade.

Garantida a exclusividade da jurisdição em matéria criminal dos tribunais judiciais (art.


211º) e a sua independência (art. 203º) é necessário assegurar a imparcialidade dos
juizes o que se alcança pela previa fixação por lei de criterios objectivos gerais de
repartição da competência, concretizando-se tal:

i. Em só a lei poder instituir o juiz e fixar-lhe a competência


ii. Em a fixação do juiz e a sua competência ter de ser feita por lei anterior à
prática do facto que será objecto do processo.

PROF. GERMANO MARQUES DA SILA: em ordem a assegurar a imaprcialidade


dos juízes e tribunais, o que importa essencialmente não é a competência
individualizada de um determinado tribunal para o caso concreto, proibindo-se que a
causa venha a ser submetida a tribunais diferentes dos que para ela eram
competentes ao tempo da prática do facto que constitui o objecto do processo, mas
apenas em razão daquela causa ou de categorias de causas a que ela pertence
sejam criados post factum tribunais de excepção, ou a definição individual da
competência, ou do desaforamento descricionário de uma certa causa, ou por
qualquer outra forma descricionária que ponha em perigo o direito dos cidadãos a
uma justiça penal independente e imparcial.

2. RESOLUÇÃO DO CASO

Quanto ao Tribunal Central de Instrução Criminal o critério é de que o crime tenha


ocorrido em vários distritos, sendo competente, nesse caso, aquele único juiz. A lei
estabece critérios gerais para a competência deste tribunal. O problema é que como
só existe um juiz, isto aumenta as tentativas de manipulação.

Uma solução a esta situação poderia passar pela criar de um tribunal para crimes
económicos e financeiros, mas o art. 209º/4 não permite tal: existe a proibição de
criação de tribunais especificos, a fim de evitar que se criem tribunais para crimes
políticos, como no Estado Novo.

No Processo Casa Pia provou-se que houve manipulação quanto à escolha do juiz de
instrução. A importância de um juíz de instrução assenta no facto de ele proceder ao
primeiro interrogatório do arguido e de poder aplicar medidas cautelares,
nomeadamente a prisão colectiva.

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HIPÓTESES PRÁTICAS DE PROCESSO PENAL FDUCP

XIII

Eduardo é acusado pelo Ministério Público pela prática de um crime de homicídio a


pedido da vítima (art. 134.º do C.P.). Inconformado, requer a abertura da instrução.
Terminada a instrução, o juiz entende que a matéria da acusação está, mais do que
indiciada, verdadeiramente provada pelo que profere, desde logo, sentença
condenatória, invocando razões de celeridade e economia processuais.

ENQUADRAMENTO TEÓRICO SOBRE A COMPETÊNCIA FUNCIONAL E MATERIAL

O CPP trata da competência material e funcional nos arts. 10º a 18º e da


competência territorial nos arts. 19º a 23º. Não autonomiza a disciplina da
competência material relativamente à funcional, assimilando-as, quer nos efeitos, quer
na oportunidade para conhecer da incompetência correlativa.

COMPETÊNCIA MATERIAL: delimita a jurisdição penal dos diversos tribunais em razão da


natureza dos processos ou da qualidade dos arguidos. Todos os tribunais com
jurisdição penal que podem intervir num dado processo têm competência
relativamente à matéria objecto do processo.

 Relativamente a um processo por crime punível com pena de prisão até 5


anos, têm, em regra, competência material o juiz de instrução criminal, o
tribunal singular da comarca, o tribunal da Relação, o tribunal de execução de
penas, mas são materialmente incompetentes o tribunal colectivo e o tribunal
de júri.

 Quanto a crimes em que seja arguido um juiz de direito são competentes o


tribunal da relação, o STJ e o tribunal de execução de penas, mas são
materialmente incompetentes os juízes de instrução e os tribunais de comarca.

Tradicionalmente, a competência material é analisada em função da repartição dos


feitos penais pelas diferentes espécies de tribunais penais de 1ª instância e a
competência funcional em atenção ao desenvolvimento do processo nas suas
diferentes fases ou à competência de diferentes órgãos judiciais dentro da mesma
fase.

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page 28


HIPÓTESES PRÁTICAS DE PROCESSO PENAL FDUCP

Não distinguindo a lei, parece dever entender-se que os diferentes nºs e alíneas dos
arts. 11º a 17º delimitam simultaneamente a competência material e funcional dos
respectivos tribunais.

COMPETÊNCIA FUNCIONAL: delimita a jurisdição dos diferentes tribunais materialmente


competentes dentro do mesmo processo e segundo as suas fases ou graus e para a
prática de determinados actos dentro de cada fase ou grau de jurisdição.

 Relativamente ao exemplo indicado, o juiz de instrução criminal tem


competência funcional para proceder à instrução, decidir quanto à pronúncia
e exercer as funções jurisdicionais relativas ao inquérito (art. 17º); o tribunal
singular tem competência funcional para julgar o processo em 1ª instância (art.
16º/1, c)) e as secções do tribunal da Relação têm competência para os
recursos.

 Quanto ao segundo exemplo, as secções criminais das relações são


funcionalmente competentes para os actos jurisdicionais relativos ao inquérito,
para a instrução e julgamento (art. 12º/2, a) e b)) e as secções criminais do STJ
competentes para os recursos (art. 11º/3, b)).

A competência funcional abarca a competência em função da hierarquia (art. 23º


LOFTJ) e a distribuição da competência entre tribunais do mesmo grau nas diferentes
fas CRITÉRIOS PARA DETERMINAÇÃO DO TRIBUNAL COMPETENTE EM 1º INSTÂNCIA –
COMPETÊNCIA MATERIAL

A competência material, sobretudo para o julgamento em 1ª instância, determina-se


geralmente em função da natureza ou da gravidade do crime.

 Critério quantitativo: atende à gravidade da pena aplicável ao crime;


 Critério qualitativo:atende à espécie do crime ou à natureza de algum dos seus
elementos
Arts. 14º e 16º CPP: aplicam os 2 critérios.

Arts.14º/1 e 2, a) + 16º/2, a): critério qualitativo.

Arts. 14º/2, b) + 16º/2, b): critério quantitativo.

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page 29


HIPÓTESES PRÁTICAS DE PROCESSO PENAL FDUCP

GRAVIDADE DA PENA APLICÁVEL PARA EFEITO DE DETERMINAÇÃO DA COMPETÊNCIA

O critério quantitativo para delimitação da competência material dos tribunais atende


à gravidade da pena aplicável ao crime. Nos termos do art. 15ºpara efeito da
delimitação da competência material em razão da gravidade da pena aplicável são
levadas em conta todas as circunstâncias que possam elevar o máximo legal da pena
a aplicar no processo. Deste modo, só se deve atender às circunstâncias que possam
elevar o máximo da pena a aplicar no processo, às circunstâncias modificativas
agravantes (art. 78º CP: concurso; ART. 83º CP: delinquência por tendência; alcoólicos
e equiparados: art. 86º CP).

Na delimitação da competência entre o tribunal singular, o tribunal colectivo e o


tribunal de júri, a lei atende à gravidade da pena aplicável (arts. 13º/2, 14º/2, b); 16º/2,
b)). O tribunal do júri é competente para o julgamento de crimes cuja pena máxima
aplicável for superior a 8 anos de prisão, o tribunal colectivo para o julgamento dos
crimes cuja pena máxima aplicável for superior a 5 anos de prisão e o tribunal singular
para os crimes cuja pena máxima aplicável for igual ou superior a 5 anos de prisão. Em
função do critério quantitativo da pena a aplicar, o tribunal singular não pode aplicar
penas quantitativamente superior a 5 anos de prisão e os tribunais colectivos e do júri
só deverão intervir nos processos em que seja aplicável uma pena superior a 5 e 8
anos de prisão, respectivamente. É, portanto, a pena máxima abstractamente
aplicável que serve de critério para delimitar quantitativamente a competência
material dos diferentes tribunais.

O tribunal pode vir a julgar que a circunstância invocada não se verificou e que então
deveria ser julgado incompetente por excesso de competência. Porém, há a regra de
que quem pode o mais pode o menos e por isso, se o tribunal colectivo podia aplicar
pena de prisão superior a 5 anos pode também aplicar pena inferior. Presume-se que
quanto mais solene é o tribunal maiores são as garantias de defesa, donde que não
haveria dano para o arguido por ser julgado por tribunal mais solene.

Há circunstâncias que fazem parte do tipo de crime (art. 72º/2 CP) e essas, sejam
agravantes ou atenuantes, são já consideradas na fixação legal da penalidade. O
que importa considerar para efeito de interpretação do art.15º, são as circunstâncias
que não fazendo parte do tipo do crime alteram a pena aplicável.

Nos termos do art. 15º só devem ser consideradas para efeitos de determinação da
pena aplicável as circunstâncias modificativas agravantes comuns.

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page 30


HIPÓTESES PRÁTICAS DE PROCESSO PENAL FDUCP

A lei não prevê circunstâncias que tenham por efeito a agravação judicial da pena
para além dos limites da pena aplicável ao tipo de crime, mas prevê circunstâncias
atenuantes que têm por efeito a atenuação judicial especial da pena e estas ficam
excluídas porque dependem da apreciação concreta do tribunal (o MP pode sempre
ter em conta as circunstâncias atenuantes, usando da faculdade que lhe é
concedida pelo art.16º/3).

O art.15º manda atender ao máximo legal da pena a aplicar no processo. Não há


que atender apenas ao máximo legal da pena a aplicar ao crime, mas ao máximo
legal da pena que pode ser aplicada ao arguido no processo. O mesmo processo
pode ter por objecto vários crimes e do concurso resultar que a pena a aplicar ao
arguido seja superior à aplicável por cada um dos crimes em concurso. Nestes casos,
a pena a aplicar há-de ter como limite máximo a soma das penas concretamente
aplicadas a cada um dos crimes em concurso, nos termos do art. 78º/2 CP – solução
consagrada no art. 14º/2, b).

COMPETÊNCIA MATERIAL E FUNCIONAL DOS DIFERENTES TRIBUNAIS

 COMPETÊNCIA FUNCIONAL DO TRIBUNAL E COMPETÊNCIA DOS JUÍZES QUE


COMPÕEM O TRIBUNAL
Os arts. 10º e 18º CPP disciplinam apenas a competência material e funcional dos
tribunais, mas não tratam da competência funcional de cada um dos juízes que
integram o órgão jurisdicional quando de composição plural – tribunal colectivo ou do
júri.

Assim, as normas dos arts. 301º, 312º, 322º, 345º, 372º/1, 372º/2 respeitam à
competência funcional dos juízes e jurados que compõem o tribunal. A competência
é primariamente do tribunal, mas tratando-se de órgão de composição plural importa
também a competência de cada um dos membros do tribunal.

A LOFTJ dispõe sobre a competência do Presidente, dos Vice-Presidentes e Presidentes


das secções do STJ (arts. 52º e 55º) e das relações (arts. 69º, 70º e 71º) e o art. 139º
sobre a competência do presidente do tribunal colectivo.

 COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DE INSTRUÇÃO CRIMINAL/JUÍZ DE INTRUÇÃO


Os tribunais de instrução criminal são tribunais de 1ª instância de competência
especializada e singulares. Porque singulares é indiferente que se refiram a tribunais ou
a juízes: a LOFTJ refere-se aos juízos de instrução criminal (art. 111º a 113º) e o CPP a juiz
de instrução (art. 17º).

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page 31


HIPÓTESES PRÁTICAS DE PROCESSO PENAL FDUCP

Compete ao tribunal de instrução criminal (ou ao juiz de instrução): proceder à


instrução, decidir quanto à pronúncia e exercer as funções jurisdicionais relativas ao
inquérito (art. 17º CPP e art. 111º LOFTJ).

 COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL SINGULAR


O tribunal singular tanto pode ser tribunal de competência genérica (tribunal de
comarca) como tribunal de competência especializada (juízos de media e pequena
instância) - arts. 132º e 133º LOFTJ.

Os tribunais singulares de competência genérica e os juízos de média e pequena


instância têm a mesma competência em matéria criminal, competindo-lhes nos
termos do art.16º CPP, julgar os processos que respeitem a crimes:

a) Que não couberem na competência de tribunais de outra espécie (critério


meramente residual; cabem na competência do tribunal singular todos os
crimes que não caibam na competência de tribunais de outras espécies);

b) Previstos no capítulo II do título V, do livro II do CP (adopta-se o critério


qualitativo, em atenção a que apreensão da prova não oferece grande
dificuldade, é um critério perigoso, pois não é possível estabelecer a priori quais
os crimes relativamente aos quais a apreensão de prova não oferece grande
dificuldade; os crimes contra a autoridade pública que podem ser puníveis
isoladamente com penas de máximo superior a 5 anos e em concurso com
penas até 25 anos)

c) Cuja pena máxima, abstractamente aplicável, for igual ou inferior a 5 anos de


prisão;

d) Que devam ser julgados em processo sumário


e) Os crimes de competência normal do tribunal colectivo ou do júri, em razão da
pena aplicável, quando o MP entender que não deve ser aplicada, em
concreto, mesmo em caso de concurso, pena de prisão superior a 5 anos.

 COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL COLECTIVO


O tribunal colectivo de 1ª instância tanto pode ser tribunal de competência genérica
(tribunal de comarca) como tribunal de competência especializada (tribunal criminal)
e de competência específica (varas criminais). Competem-lhe julgar os processos que
(art. 14º):

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HIPÓTESES PRÁTICAS DE PROCESSO PENAL FDUCP

1. Não devendo ser julgados pelo tribunal do júri, respeitarem a crimes contra a
paz e a humanidade (arts. 239º a 246º CP) e contra a segurança do Estado
(arts. 308º a 346º CP)

2. Não devendo ser julgados pelo tribunal singular, respeitarem a crimes:


a) Dolosos ou agravados pelo resultado, quando for elemento do tipo a morte
de uma pessoa e não devam ser julgados em processo sumário;

b) Cuja pena máxima, abstractamente aplicável, for superior a 5 anos de


prisão, mesmo quando, no caso de concurso de infracções, seja inferior o
limite máximo correspondente a cada crime e não devam ser julgados em
processo sumário.

 COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DO JÚRI


O tribunal do júri só intervém quando a sua intervenção for requerida pelo MP, pelo
assistente ou pelo arguido (art. 13º).

O requerimento para intervenção do tribunal do júri é irretratável (art. 13º/5) e deve ter
lugar no prazo para a dedução da acusação, quando for do MP ou do assistente, e
no prazo para requerimento da instrução, quando for do arguido. Havendo instrução,
o requerimento do assistente que não tenha deduzido acusação e do arguido devem
ter lugar no prazo de 8 dias a contar da notificação da pronúncia (art. 13º/3).

Compete ao tribunal do júri julgar os processos que respeitem a crimes:

a) Contra a paz e a humanidade, contra a segurança do Estado e previstos na Lei


Penal Relativa à Violação do Direito Internacional Humanitário (art. 13º/1);

b) Cuja pena máxima, abstractamente aplicável, for superior a 8 anos de prisão,


desde que não devam ser julgados pelo tribunal singular (art. 13º/2).

Exceptuam-se da competência do tribunal de júri os crimes de terrorismo e os que se


refiram a criminalidade altamente organizada – art. 111º LOFTJ

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page 33


HIPÓTESES PRÁTICAS DE PROCESSO PENAL FDUCP

A ressalva do art. 13º/2 – não devendo ser julgados pelo tribunal singular – respeita à
possibilidade que o art. 16º/3 confere ao MP de atribuir competência ao tribunal
singular relativamente a alguns crimes que, atendendo à pena aplicável em
abstracto, seriam da competência do tribunal colectivo e aos crimes previstos na
alínea a) do nº 2 do art. 16º, mesmo que puníveis com pena máxima superior a 5 anos
(art. 141º LOFTJ e art. 207º/1 CRP).

 COMPETÊNCIA DOS JUÍZOS DE PEQUENA INSTÂNCIA CRIMINAL


Os juízos de pequena instância criminal são tribunais de competência especializada
que têm por competência preparar e julgar as causas a que corresponda a forma de
processo sumário, abreviado e sumaríssimo.

 COMPETÊNCIA DAS RELAÇÕES


O plenário das Relações (art. 12º/1) tem a competência que lhe é atribuída por lei (art.
55º LOFTJ). É necessário analisar cuidadosamente o art. 12º.

 COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


O plenário do STJ (art. 11º/1) tem a competência que lhe é atribuída por lei (art. 41º
LOFTJ): julgar os recursos de decisões proferidas pelo pleno das secções e exercer as
demais competências conferidas por lei. É ncessário analisar cuidadosamente o art.
11º.

FIXAÇÃO DA COMPETÊNCIA PELO MÉTODO DA DETERMINAÇÃO CONCRETA – ART. 16º/3

Nos termos do art. 16º/3 o MP pode sujeitar a julgamento em tribunal singular os


arguidos em processo a que corresponderia, em abstracto, pena máxima superior a 5
anos de prisão, mesmo em caso de concurso de infracções (art. 14º/2, b)), se entender
que não deve ser aplicada em concreto pena de prisão superior a 5 anos.

No projecto, o número correspondente ao actual nº4 do art. 16 º previa que se o


tribunal obtivesse, em qualquer momento, a convicção fundada de que, no caso,
devia ser aplicada pena superior à prevista no nº3 (3anos), assim o declararia em
despacho fundamento, ordenando a remessa dos autos ao tribunal colectivo
competente para o julgamento. A lei nº43/86 estabeleceu a possibilidade de fazr
julgar pelo tribunal singular os crimes que não fossem, na óptima do MP, passíveis em
concreto de pena de prisão ou medida de segurança de duracção superior à
estabelecida no art. 16º/3 e o Governo interpretou esta autorização no sentido de
conceder ao MP a possibilidade de fixar definitivamente a competência do tribunal
singular quando na sua óptica não deva ser aplicada, em concreto, pena de prisão
superior a 5 anos.

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page 34


HIPÓTESES PRÁTICAS DE PROCESSO PENAL FDUCP

Parece, porém, que uma norma que foi inicialmente pensada como simples regra de
fixação da competência pelo método da determinação concreta ditada por razões
de mera simplificação processual, acaba naquela interpretação, por ter um conteúdo
que ultrapassa em muito a mera fixação precária da competência, para além disso e
por via indirecta, limitar os poderes do tribunal de determinação da medida da pena
no caso.

Parece resultar do art. 16º que o MP pode fixar definitivamente a competência do


tribunal, pois o art. 16º atribui efectivamente ao tribunal singular a competência
naquela hipotese e se a norma do art. 16º/4 do projecto alerava o sentido do nº2,
mostrando que o que se pretendia era uma mera fixação precária da competencia
do tribunal singular, a sua omissão no CPP não deixa de alterar o sentido que então
claramente era pretendido.

O art. 16º/3 tem sido objecto de larga polémica, quer no que respeita à sua
interpretação, quer quanto à sua constitucionalidade, mas a jurisprudência constante
do TC tem sido no sentido da sua conformidade com a CRP. No entanto, tem-se
argumentado que esta norma viola os princípios do juiz natural, da jurisdição, da
legalidade e da igualdade.

De simples critério de fixação de competência pelo método da determinação


concreta, o art. 16º/3 e 4, acaba por ser uma importante manifestação do princípio
da oportunidade, ao permitir ao MP decidir, sem possibilidade de controlo judicial, que
a pena a aplicar num caso concreto há-de ser inferior à que é abstractamente
prevista na lei. O MP só pode recorrer a esta faculdade no caso de crimes previstos no
art. 14º/2, b). se não respeitar o pressuposto para o uso da faculdade o tribunal há-de
declarar-se incompetente.

1) O juiz de instrução agiu bem ao condenar Eduardo? O que pode ou deve fazer
o arguido para impugnar a decisão proferida?

TEMA: COMPETÊNCIA FUNCIONAL

COMPETÊNCIA: compete aos tribunais o exercício do poder jurisdicional (um dos


poderes soberanos do Estado).

Havendo vários tribunais, a lei atribui a cada um uma parcela de jurisdição.

A instrução, sendo uma fase facultativa, tem apenas lugar se for requerida pelo
arguido ou pelo assistente.

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page 35


HIPÓTESES PRÁTICAS DE PROCESSO PENAL FDUCP

A competência é distribuida tendo em consideração três critérios: matéria, natureza e


função. De seguida procede-se à distribuição da competência em função da
matéria:

 Natureza (critério quantitativo; critério qualitativo) e Gravidade do Crime


Objecto do Processo

 Qualidade do Arguido

A competência territorial respeita à àrea de jurisdição.

No processo civil não se coloca qualquer problema de competência funcional,


porque até à sentença, é sempre o mesmo juiz que decide, mas no processo penal
não é assim: como há várias fases, pode haver diferentes tribunais competentes para
cada uma das fases, nos termos do art. 17º (ex: o juiz que profere o despacho de
pronúncia não pode julgar o resto do processo – visa-se a imparcialidade).

Imaginando que está em causa um crime praticado pelo Presidente da República,


directamente relacionado com as suas funções, o tribunal competente para julgar é o
STJ, nos termos do art. 11º/3 al. a), mas o tribunal competente na fase da instrução e o
seu funcionamento encontra-se consagrado no art. 11º/7. A competência funcional
varia em função do crime.

No caso em análise, o juiz de instrução, quando condena, viola as regras de


competência funcional, porque está a exercer uma função que não lhe compete.
Neste caso, estamos face a uma nulidade insanável (nulidade que não depende de
arguição – art. 119º al. c). Os efeitos da declação de incompetência encontram-se
consagrados no art. 33º/1. A competência do juiz de instrução encontra-se
consagrada no art. 17º, não podendo ele proferir decisões condenatórias.

Note-se que a expressão ‘’nulidades insanáveis’’ não é correcta, uma vez que elas
sanam-se com o trânsito em julgado da sentença. No caso, o processo irá seguir para
julgamento.

NOTA: Quando se fala em tribunais competentes para recursos tal refere-se à


competência funcional (é recurso), mas se se trata de saber se o recurso é para o
Tribunal da Relação ou para o STJ já estamos face a competência em razão da
matéria.

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page 36


HIPÓTESES PRÁTICAS DE PROCESSO PENAL FDUCP

2) Suponha agora que Eduardo não requer a abertura da instrução. Qual o


tribunal materialmente competente para o julgamento?

TEMA: COMPETÊNCIA MATERIAL

O que está em causa no caso é a distribuição da competência material, ou seja, se é


competente o tribunal de júri, tribunal colectivo ou o tribunal singular.

Para distribuir a competência material, o legislador atende à gravidade do crime e,


para aferir dessa gravidade, utilizou dois critérios:

i. Critério Quantitativo – no caso, pelo art. 16º/2 al. b) será competente o tribunal
singular;

ii. Critério Qualitativo – no caso, pelo art. 14º/2 al. a) será competente o tribunal
colectivo

Qual dos critérios deve prevalecer o quantitativo ou o qualitativo? O único campo de


aplicação do art. 14º/2 al. a) é para os homicidios dolosos com pena inferior a 5 anos,
porque para os outros casos já temos o art. 14º/2 al. b); portanto a al. b) trata de
penas iguais ou superiores a 5 anos. Caso contrário a al. a) não teria qualquer
utilidade.

Note-se que a ressalva do art. 16º/2 respeita às situações em que há conflito de


competências, apenas por aplicação do critério qualitativo, nesse caso, devendo
prevalecer o tribunal singular.

Sendo a vida o bem supremo seria competente o tribunal colectivo.

Em suma: a instrução, nos termos do art. 286º e 287º/1 al. a) e b), tem de ser requerida;
se não o for vai-se directamente a julgamento. Na prática a instrução carece de
utilidade prática: a taxa de pronúncia é gigante face ao despacho de não
pronúncia. Há certos tipos de arguidos que, independentemente das escolhas
estratégicas, preferem sempre requer a instrução.

No caso estamos face a um crime que se encontra previsto no art. 134º CP em que do
seu elemento objectivo faz parte a morte e do elemento subjectivo é doloso ou
agravado pelo resultado.

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page 37


HIPÓTESES PRÁTICAS DE PROCESSO PENAL FDUCP

Nos termos do art. 134º o crime é punido até três anos, pelo que de acordo com o
critério quantitativo a competência seria do tribunal singular (art. 16º/2 al. b)) e pelo
critério qualitativo a competência seria do tribunal colectivo (art. 14º/2 al. a)).

No caso irá-se aplicar o critério quantitativo, atendendo-se à medida da pena, pelo


que será competente o tribunal colectivo.

3) E se o agente tiver sido detido em flagrante?

PASSOS A REALIZAR

1. Competêntica Qualitativa: cabe no art. 13º/1 ou no art. 14º/1?


2. Processo Sumário?
3. Competência Quantitativa?

No caso, a detenção em flagrante delito não cabia no art. 14º/1 nem no art. 13º/1, tal
como também não cabia nas excepções do art. 381º/2. Deste modo aplica-se o
processo sumário e o caso é julgado em tribunal singular.

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HIPÓTESES PRÁTICAS DE PROCESSO PENAL FDUCP

XIV

Encerrado o inquérito que correu termos contra António, pela prática de um crime de
furto qualificado (art. 204.º, n.º 2, al. a), do Código Penal, o Ministério Público deduziu
acusação. Porém, considerando a modesta condição social e económica do arguido,
a juventude do mesmo, a confissão, ainda que parcial, dos factos, logo propôs,
naquela acusação, que a pena a aplicar, em concreto, não fosse superior a cinco
anos de prisão, e, do mesmo passo, e invocando o disposto no art. 16.º, n.º 3, do
Código de Processo Penal, requereu ainda que o mesmo fosse julgado em tribunal
singular. Recebidos os autos no tribunal de julgamento, o juiz proferiu despacho pelo
qual julgou inconstitucionais as normas do art. 16.º, n.º 3 e n.º 4, do Código de Processo
Penal, por violação dos princípios constitucionais da independência do tribunal, da
reserva da junção jurisdicional, do juiz natural e da igualdade. Em consequência,
considerou-se incompetente para o conhecimento do processo, ordenando a remessa
dos autos ao tribunal colectivo. Quid Iuris?

(Acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 455/89 e 281/91)

ACÓRDÃO TC nº 455/89: considera o art. 16º/3 constitucional.

Quanto ao método de determinação concreta da competência: no caso concreto


fica logo definido qual o tribunal competente. Ele só pode dizer que não é
competente se a lei o previr. Só o pode nos casos do art. 14º/2 al. b).

Ou seja, na altura questionava-se se existia inconstitucionalidade orgânica, uma vez


que não se encontrava previsto na lei da organização legislativa o que o tribunal
podia fazer quando recebesse os autos e não considerasse as soluções correctas.

Procede-se a uma análise do art. 16º/3 numa perspestiva material devido ao Princípio
do Juiz Natural, da Reserva de Jurisdição, de Independência e Obediência à Lei. Não
é inconstitucional porque se encontrava em jogo a determinação concreta da pena
e tal está regulado no CP.

Inconstitucionalidade orgânica na altura <- não estava prevista na lei da organizaçao


legislativa o q o tribunal podia fazer quando recebesse os autos e não consideressa
aquilo correcto

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HIPÓTESES PRÁTICAS DE PROCESSO PENAL FDUCP

XV

Surge a notícia de que Idalécio, homem de larga experiência, em Junho de 2011,


furtou do interior de um automóvel estacionado em Lisboa um computador portátil e
em Agosto do mesmo ano, furtou do interior de um automóvel estacionado em
Portimão uma câmara digital.

ENQUADRAMENTO TEÓRICO SOBRE A COMPETÊNCIA TERRITORIAL E A COMPETÊNCIA


POR CONEXÃO

COMPETÊNCIA TERRITORIAL

A competência territorial delimita a jurisdição dos tribunais da mesma espécie


segundo a sua localização no território. O critério geral para a determinação da
competência territorial é o elemento de ligação do objecto do processo com o
território em que cada tribunal exerce a jurisdição.

CRITÉRIOS LEGAIS PARA DETERMINAÇÃO DA COMPETÊNCIA

i. REGRAS GERAIS

 LUGAR DA CONSUMAÇÃO DO FACTO

A regra geral para a determinação da competência do tribunal territorialmente


competente para conhecer de um crime é o da área onde se tiver verificado a
consumação - art. 19º/1.

A razão tradicionalmente apresentada é a da mais fácil recolha de prova e da


exemplaridade que se consegue pela reafirmação do direito no próprio lugar em que
se verificou a lesão do bem jurídico tutelado. Sucede, porém, que frequentemente a
consumação do crime ocorre em lugar muito diverso e distante do local em que os
actos de execução foram praticados (ex: num crime de homicidio a vitima vem a
morrer no hospital situado em lugar distante daquele onde os actos de execução
foram praticados)

Se o conceito de consumação implica a realização do facto incriminado, nem


sempre esse momento corresponde ao da realização do resultado da acção do
agente, donde a distinção clássica entre crimes formais e crimes materiais: a
competência será definida, para os crimes materiais, no lugar em que ocorreu o
comportamento típico, e para os segundos no lugar em que ocorreu o evento.

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HIPÓTESES PRÁTICAS DE PROCESSO PENAL FDUCP

Nos termos do art. 19º/2 tratando-se de crime que compreende como elemento do
tipo a morte de uma pessoa, é competente o tribunal em cuja área o agente actuou
ou, em caso de omissão, deveria ter actuado.

Se o crime se consuma por um só acto que se prolonga no tempo é competente o


tribunal onde tiver cessado a consumação – art. 19º/3. Trata-se dos denominados
crimes permanentes em que a execução e consumação perduram enquanto não for
posto termo à violação permanente do interesse penalmente tutelado. A execução
de tais crimes é composta por acção e omissão, e a execução como consumação só
cessam mediante a acção devida que ponha termo à omissão do agente do crime.
Ex: crime que se consuma por um só acto e que se prolonga no tempo é o crime de
sequestro.

Se o crime se consuma por actos sucessivos ou reiterados é competente o tribunal em


cuja área se tiver praticado o ultimo acto, art. 19º/3. Exemplos: crimes de
favorecimento pessoal e lenocínio – arts. 368º e 170º CP.

Tratando-se de crime continuado, o lugar determinante da competência territorial é o


do último crime que integra a continuação. Para efeitos processuais deve considerar-
se o crime continuado como um crime que se consuma por actos sucessivos, sendo,
por isso, aplicável directamente o art. 19º/3.

 LUGAR DO ÚLTIMO ACTO DE EXECUÇÃO PREPARATÓRIO

Se o crime não tiver chegado a consumar-se, é competente para dele conhecer o


tribunal em cuja área se tiver praticado o ultimo acto de execução, ou, em caso de
punibilidade dos actos preparatórios, o ultimo acto de preparação - art. 19º/4

Não chega a consumar-se o crime quando, sendo punível a forma de tentativa, foram
praticados actos de execução do crime; neste caso, para a determinação da
competência territorial atende-se ao último acto de execução.

Se nem foram praticados actos de execução, mas actos preparatórios puníveis (art.
21º CP), o tribunal territorialmente competente é o da área onde o último preparatório
foi praticado.

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HIPÓTESES PRÁTICAS DE PROCESSO PENAL FDUCP

ii. REGRAS SUBSIDIÁRIAS

 Crime cometido a bordo de aeronave ou navio – art.4º b) CP e 20º CPP

 Crime de localização duvidosa ou desconhecida: no caso de


desconhecimento da área em que se localiza o elemento relevante, a
lei prevê 2 hipóteses para determinação do tribunal territorialmente
competente (art. 21º):

 Se pode determinar-se que o elemento relevante se localize em


2 ou mais circunscrições territoriais, mas não se sabe em qual
delas, é competente o tribunal de qualquer dessas
circunscrições onde primeiro tiver havido notícia do crime

 Se é totalmente desconhecida a localização do elemento


relevante, é competente o tribunal onde primeiro tiver havido
notícia do crime

 Crime cometido no estrangeiro – art. 5º CP e art. 22º CPP, sendo que


deste resulta que:

 Em regra, é competente o tribunal da área onde o agente tiver sido


encontrado em Portugal;

 Se o agente não tiver sido encontrado em Portugal, é competente o


tribunal da área do seu domicílio;

 Se ainda assim não for possível determinar a competência, é


competente o tribunal da área onde primeiro tiver havido notícia do
crime (deve ser conjugado com o art. 21º).

 Crime cometido parte em Portugal e parte no estrangeiro: é


competente para dele conhecer o tribunal português da área onde tiver sido
praticado o ultimo acto relevante, art. 23º/2. Do art. 7º CP, resulta que um facto
cuja execução se tenha verificado totalmente no estrangeiro, mas que se
tenha consumado em Portugal, se deve considerar praticado em Portugal
para efeitos da lei penal portuguesa, art.4º, b) CP. O tribunal territorialmente

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HIPÓTESES PRÁTICAS DE PROCESSO PENAL FDUCP

competente é, nos termos do art.19º/1 o da área onde se tiver verificado a


consumação. Se, porém, o crime não se consumou em Portugal, mas é mesmo
assim punível pela lei portuguesa, então valem as regras as regras dos arts.
19º/3 e 4 e 19º/2. Note-se que nos termos do art. 7º o crime em que só actos
preparatórios tenham sido praticados em Portugal não deve ser considerado
como praticado em Portugal, já assim não será se os actos preparatórios
praticados em Portugal forem puníveis como tais; neste caso é aplicável art.
19º/4
Processo respeitante a magistrados: Os juízes de direito, procuradores da República e
procuradores-adjuntos são julgados pelas relações (art. 12º/3), sendo aplicáveis, para
a determinação do tribunal da Relação competente as regras sobre competência
territorial constantes dos arts. 19º a 22º. Os magistrados que exerçam funções nos
tribunais da Relação e do STJ ou equiparados são julgados pelo STJ (art. 11º/4). Note-se
que o art. 23º estabelece um desvio às regras normais para determinação da
competência territorial se no processo for odendido, pessoa com a faculdade de se
constituir assistente ou parte civil um magistrado e para o processo devesse ter
competência, por força das normas gerais, o tribunal onde o magistrado exerce
funções. Neste caso, há um desvio de competência territorial, sendo competente o
tribunal da mesma hierarquia ou espécie com sede mais próxima, salvo tratando-se do
STJ.

COMPETÊNCIA POR CONEXÃO

O Princípio Geral assenta a que a cada crime corresponde um processo para o qual é
competente o tribunal definido em função das regras da competência material,
funcional e territorial.

A lei permite, porém, que se organize um só processo para uma pluralidade de crimes,
desde que entre eles existe uma ligação que torne conveniente para a melhor
realização da justiça que todos sejam apreciados conjuntamente. A esta ligação
entre os crimes, que determina excepções à regra de que a cada crime corresponde
um processo e às regras da competência material funcional e territorial, a lei chama
conexão.

A conexão de processos é determinada por conveniência de Justiça. Ou porque há


entre os crimes uma tal ligação que se presume que o esclarecimento de todos será
mais fácil ou mais completo quando processados conjuntamente, evitando-se
possíveis confusões de julgados e realizando-se melhor justiça ou porque o mesmo
agente responde por vários crimes e é conveniente julgá-los a todos no mesmo

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HIPÓTESES PRÁTICAS DE PROCESSO PENAL FDUCP

processo até para mais fácil e melhor aplicação da punição do concurso de crimes
(art. 77º CP).

CASOS DE CONEXÃO

Nos termos do art. 24º e 25º existem três formas de conexão:

i. Vários crimes perpetrados pelo mesmo agente – conexão subjectiva;


ii. Vários agentes terem participado no mesmo crime;
iii. Vários crimes que mantenham entre si uma especial conexão – conexão
objectiva.
I - CONEXÃO SUBJECTIVA – art. 24º/1 al. a) e b) e art. 25º

Art. 24º/1, a) e b) – casos em que o mesmo agente tenha cometido vários crimes e se
verifique alguma das seguintes condições:

a) Forem todos cometidos através da mesma acção ou omissão – alínea


a);
b) Forem todos cometidos na mesma ocasião ou lugar – alínea b);
c) Sendo uns causa ou efeito de outros – alínea b);
d) Destinarem-se uns a continuar ou ocultar outros – alínea b).
Nas hipóteses de conexão previstas nas alíneas a) e b) do art. 24º não basta que os
vários crimes sejam cometidos pelo mesmo agente; é necessário que entre eles exista
uma conexão estreita de molde a que o processamento facilite a apreciação de
todos. A justificação da conexão é a possibilidade de melhor apreensão da prova e
uma motivação de economia processual, já que é de admitir que existindo entre os
crimes uma tal ligação, a prova de um deles é relevante também para os demais

Também quando os crimes estão numa relação de causa e efeito ou se destinem uns
a ocultar os outros a especial ligação entre eles justifica que todos sejam conhecidos
conjuntamente. Para além da melhor apreensão da prova, podem verificar-se
situações de mero concurso de normas que a apreciação conjunta de todos os factos
melhor permite esclarecer.

Art.25º – hipótese de o mesmo agente ter cometido vários crimes cujo conhecimento
seja da competência de tribunais com sede na mesma comarca.O art. 25º prevê a
hipótese de concurso de crimes perpetrados pelo mesmo agente e se todos os crimes
forem da competência de tribunais com sede na mesma comarca. Neste caso
devem ser todos conhecidos pelo mesmo processo. A razão é a economia processual
e a vantagem de o agente ser julgado conjuntamente pelos vários crimespara efeitos
de aplicação de pena única em razão do concurso de crimes (art. 77º CP).

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HIPÓTESES PRÁTICAS DE PROCESSO PENAL FDUCP

II - CONCURSO DE CRIMES

Nos termos do art. 77º CP manda-se condenar numa única pena o agente que tiver
praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer
deles (ver art. 78º CP). A lei penal não impõe que todos os crimes sejam julgados no
mesmo processo, nem considera tratar-se de caso de conexão de processos, mas
impõe que a final seja proferida numa única sentença condenatória.

PROF. CAVALEIRO FERREIRA: o art. 78º CP deve interpretar-se no sentido, não de que é
anulada a sentença transitada em julgado, para proferir uma nova sentença, mas de
que, no julgamento de novo crime, o tribunal, tomando em conta a pena aplicada na
sentença transitada em julgado, procederá à formação da pena total nos termos do
art. 77º CP.

O tribunal competente para o ultimo julgamento dos crimes em concurso deve


proceder ao cúmulo (art. 77º CP). Pode ser que o concurso seja conhecido apenas
depois de terem sido julgados todos os crimes com sentenças transitadas em julgado.
Deve ser proferida nova sentença para aplicar a pena única – art. 78º.

O tribunal territorialmente competente para proferir a sentença é o territorialmente


competente para o último julgamento, podendo ser materialmente o mesmo ou não.

O mero concurso de crimes não determina a conexão e, por isso, as regras sobre
competência não se alteram em função do concurso. É necessário é que a final seja
proferida uma única sentença, que poderá ser uma nova. O tribunal a julgar o último
crime, se tiver competência material para fazer o cúmulo, fá-lo-á, se não tiver proferirá
a sentença pelo crime que julgou e remeterá o processo ao tribunal materialmente
competente da mesma comarca.

III – CONEXÃO OBJECTIVA – art. 24º al. c), d) e e)

ANÁLISE DO ART. 24º

c) o mesmo crime tiver sido praticado por vários agentes em


comparticipação – abrange a autoria e a cumplicidade no mesmo
crime.

d) vários agentes tiverem cometido diversos crimes em comparticipação,


na mesma ocasião ou lugar, sendo uns causa ou efeito de outros, ou
destinando-se uns a ocultar outros. Não basta a prática de vários
crimes, cada um praticado em comparticipação. É ainda necessário

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HIPÓTESES PRÁTICAS DE PROCESSO PENAL FDUCP

que relativamente a algum dos comparticipantes nos vários crimes


exista conexão subjectiva relativamente aos diversos crimes em causa
(conexão mista). Isso inclui crimes cometidos por diversos agentes na
mesma ocasião ou lugar; crimes cometidos por diversos agentes causa
ou efeito uns dos outros; crimes destinarem-se uns a continuar ou ocultar
os outros.

e) vários agentes tiverem cometido diversos crimes reciprocamente na


mesma ocasião ou lugar – são aqueles em que o ofendido de um crime
é por sua vez o agente do crime em que o agente do primeiro toma
nele a posição de ofendido. Não basta a reciprocidade: é necessário
ainda para haver conexão que os crimes cometidos reciprocamente o
sejam na mesma ocasião ou lugar.

LIMITES À CONEXÃO E SEPARAÇÃO DE PROCESSOS

i. LIMITES À CONEXÃO

Mesmo que preenchidos os pressupostos dos arts. 24º/1 e 25º, a conexão não opera
entre processos que sejam e processos que não sejam da competência de tribunais
menores (art. 26º). Existem também na legislação extravagante outros casos em que a
conexão não opera. A conexão também só opera relativamente aos processos que se
encontrem simultaneamente na fase de inquérito, de instrução ou de julgamento, art.
24º/2, por razões de celeridade processual.

ii. SEPARAÇÃO DE PODERES

Para todos os crimes determinantes de conexão processual, se já tiverem sido


instaurados processos distintos, procede-se à apensação de todos àquele que respeite
ao crime determinante de competência por conexão – art. 29º

Não obstante a existência de conexão e ainda que tenha sido organizado já um só


processo, o tribunal faz cessar a conexão dos processos e ordena a separação de
algum ou alguns, sempre que - art. 30º/1:

a) Houver na separação um interesse ponderoso e atendível de qualquer


arguido, nomeadamente no não prolongamento da prisão preventiva

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HIPÓTESES PRÁTICAS DE PROCESSO PENAL FDUCP

b) Conexão puder representar um grave risco para a pretensão punitiva do


Estado, para o interesse do ofendido ou do lesado

c) A conexão puder retardar excessivamente o julgamento de qualquer dos


arguidos

d) Houver declaração de contumácia, ou o julgamento decorrer na ausência de


um ou alguns arguidos e o tribunal tiver como mais conveniente a separação
de processos.

Compreendem-se as razões para a separação de processos: se cada crime mantém a


autonomia, se da junção resultar maior dano que beneficio, cada processo deve
seguir em separado.

Determinada a competência do tribunal em razão da conexão, a separação de


processos não faz cessar a competência do tribunal competente em razão da
conexão (art. 31º, b)). Afasta-se o risco da discricionariedade da escolha do tribunal e
a eventual violação do juiz natural.

Pode ainda ter lugar a separação dos processos conexos quando algum ou alguns
dos arguidos tiverem requerido a intervenção do tribunal de júri, desde que a
separação seja requerida por outro ou outros arguidos nos 8 dias posteriores à
notificação do despacho que tiver admitido a intervenção do tribunal de júri (art.
30º/2 e 3).

A razão de ser da possibilidade de separação reside em a intervenção do tribunal do


júri só ter lugar a requerimento do MP, do assistente e do arguido (art. 13º) pelo que
quando essa intervenção é requerida apenas por algum ou alguns dos co-arguidos,
seria algum ou alguns dos co-arguidos a impor aos demais a intervenção daquele
tribunal.

Seria de colocar a questão de saber se isto também acontece quando é o assistente


a requerer a intervenção do tribunal de júri, relativamente apenas a um dos processos
em conexão, aquele relativamente ao crime para o qual o assistente tem legitimidade
para se constituir assistente. No entanto, parece-nos que os casos em que é admitida
a separação de processos é taxativa.

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HIPÓTESES PRÁTICAS DE PROCESSO PENAL FDUCP

COMPETÊNCIA DETERMINADA PELA CONEXÃO

i. COMPETÊNCIA MATERIAL E FUNCIONAL DETERMINADA PELA CONEXÃO

Nos termos do art. 27º dispõe-se que se os processos conexos devessem ser da
competência de tribunais de diferente hierarquia ou espécie, é competente para
todos, o tribunal de hierarquia ou espécie mais elevada.

A mais elevada espécie de tribunal define-se em função da sua estrutura e que em


regra se reflecte na competência em razão da pena aplicável ao crime. Assim, deve
entender-se que o tribunal colectivo e o tribunal de júri são de espécie mais elevada
do que o tribunal singular, mas já entre o tribunal colectivo e o tribunal de júri, embora
de espécie diferente, são paritários, não há entre eles qualquer grau de elevação.
Assim, se os processos conexos devessem ser da competência uns do tribunal
colectivo e uns do tribunal de júri, é competente o tribunal de júri, não por força do
disposto no art. 27º mas do art. 30º/2.

ii. COMPETÊNCIA TERRITORIAL E REGRAS SUBSIDIÁRIAS

Se as regras sobre competência por conexão estabelecidas no art. 27º não forem
suficientes para determinar a competência de tribunais com jurisdição em diferentes
áreas ou com sede na mesma comarca, é competente para conhecer de todos os
processos:

a) O tribunal competente para conhecer do crime a que couber pena mais


grave;

b) Em caso de crimes de igual gravidade, o tribunal a cuja ordem o arguido


estiver preso ou, havendo vários arguidos presos, àquele à ordem do qual
estiver preso o maior número;

c) Se não houver arguidos presos ou se o número for igual, o tribunal da área


onde primeiro tiver havido noticia de qualquer dos crimes.

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HIPÓTESES PRÁTICAS DE PROCESSO PENAL FDUCP

PRORROGAÇÃO DA COMPETÊNCIA

Nos termos do art. 31º a competência determinada pela conexão mantém-se

a) Mesmo que, relativamente ao crime ou crimes determinantes da competência


por conexão, o tribunal profira uma absolvição ou a responsabilidade criminal
se extinga antes do julgamento;

b) Para conhecer dos processos separados, art. 30º/1.

Definido o tribunal competente em razão da conexão, ainda que a responsabilidade


por algum dos crimes em conexão venha a ser resolvida independentemente e antes
dos demais, a competência definida anteriormente mantém-se. Do mesmo modo
quando o tribunal procede à separação de processos, nos termos do art. 30º/1.

Tratando-se de separação de processos por força do art. 30º/2, o tribunal competente


não pode ser o mesmo, pois a razão de ser da separação é precisamente a atribuição
de algum ou alguns processos inicialmente conexos ao tribunal de júri. Parece-nos que
o tribunal competente será agora o tribunal colectivo que integra o júri.

A conexão determina a competência de um determinado tribunal, que será o


material, funcional e territorialmente competente. Como no processo podem intervir
diversos tribunais, a regra do art. 31º refere-se apenas a cada um dos tribunais
determinados competentes em razão da conexão. A regra do art. 31º aplica-se a
cada fase do processo, na qual o tribunal seria competente, ainda que se verifica
alguma das situações previstas naquele artigo.

Assim, se por efeito da conexão for fixada a competência de um determinado tribunal


de instrução criminal será este o competente para todos os crimes até ao fim da fase
de instrução, mas a competência do tribunal de instrução não determina por si a
competência do tribunal do julgamento.

1) Qual o tribunal ou tribunais competentes para o conhecimento destes crimes?

Está em causa mais do que um crime. No processo penal a regra é a de que em cada
processo deve ser conhecido apenas um crime. Contudo, sucede que, por razões de
economia e conveniência processual, muitas vezes, é justificavel o conhecimento de
vários crimes no mesmo processo.

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page 49


HIPÓTESES PRÁTICAS DE PROCESSO PENAL FDUCP

Tal não é uma matéria que o legislador deixe ao livre arbitrio do interprete. A lei tenta
limitar as conexões que levam ao agrupamento de vários crimes no mesmo processo,
com medo que se formem processos monstruosos que levam muito tempo a serem
julgados. Quais as ligações relevantes que podem determinar o conhecimento de
vários crimes no processo? É necessário atender ao art. 24º e 25º.

CONEXÃO SUBJECTIVA: existem três normas diferentes que permitem o conhecimento


de vários crimes no mesmo processo (art. 24º al a) – concurso efectivo ideal de crimes,
ou seja o agente pratica uma conduta para praticar varios crimes (ex: o agente, com
uma única acção, pratica vários crimes - e b) – concurso efectivo real de crimes, ou
seja o agente +pratica varias condutas para praticar varios crimes - e art. 25º).

São casos em que o processo tem um objecto complexo e isso implica especificidades
quanto à competência, porque tem de haver regras que determinem o tribunal
competente para ambos os crimes: competência por conexão.

Os tribunais materialmente competentes para o julgamento são o tribunal colectivo,


singular ou de juri. Temos de fazer intervir, tambem, a competencia territorial. Em
primeiro lugar, temos de ver qual é o tribunal competente para conhecer dos dois
crimes simultaneamente. Nos termos do art. 24º e 27º havendo varios tribunais
competentes, o tribunal competente será o de especie mais elevado.
Note-se que o tribunal de juri tem de ser requerido e é composto por um colectivo de
tres juizes e por um juri composto por quatro juradados efectivos e 4 jurados suplentes.
A ideia que esta subjacente ao tribunal de juri é a de que é o povo que julga o povo.
Este tribunal apenas julga materia de facto, ou seka, só se diz se determinado facto se
considera provado ou nao. Este tipo de tribunal é muitas vezes requerido apenas por
estrategia processual.

No caso em análise temos um caso de conexão subjectiva. Nos os casos de concurso


efectivo real só haverá conexão nos casos abrangidos pelo art. 24º al. b) ou nos casos
do art. 25º: quem toma a decisão sobre a conveniência ou não da apreciação
conjunta dos processos é a lei.

Como na hipotese nada nos era dito quanto à existencia de qualquer uma destas
conexões, não podemos julgar todos os crimes no mesmo processo. Sendo dois furtos
simples, os tribunais competentes seriam os juizes criminais (de média instancia) de
Portimão e Lisboa. Cada crime terá de ser conhecido no seu processo.

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page 50


HIPÓTESES PRÁTICAS DE PROCESSO PENAL FDUCP

NOTA:

 JUÍZES DE PEQUENA INSTÂNCIA CRIMINAL: competência para processos


especiais

 JUÍZES DE MÉDIA INSTÂNCIA OU JUIZES CRIMINAIS: competência para processos


que caibam a tribunais singulares

 VARAS OU JUÍZOS DE GRANDE INSTÂNCIA: tem competencia para processos


que caibam a tribunais colectivos ou tribunais de juri.

2) Suponha agora que os dois automóveis se encontravam estacionados em


Lisboa. A sua resposta é a mesma?

Neste caso haveria tambem conexão subjectiva, mas aplicava-se antes o art. 25º,
pelo que os crimes poderiam ser julgados pelo mesmo tribunal no mesmo processo,
sendo o tribunal competente o juizo criminal de Lisboa. São conhecidos em conjunto.

Existindo dois crimes de furto qualificado – art. 204º CP – a soma do limite máximo da
pena em abstracto é de 10 anos e, nesse caso, de acordo com o art. 14º/2 al. b) será
competente o tribunal colectivo. Assim sendo, para efeitos de determinação
abstracta da competência temos em conta o limite máximo das penas aplicáveis,
mas nestes casos o MP pode utilizar da faculdade do art. 16º/3.

Existindo dois crimes de furto simples – tendo em atenção cada crime em separado –
a competência é do tribunal singular (pena inferior a 3anos).

Na pior das hipoteses (art. 77º CP) ser-lhe-á aplicada uma pena de 6 anos: a pena é
unica e o limite minimo é de 3 anos e o maximo é de 6anos. Mas a competencia do
tribunal singular é até 5anos. Contudo, considerando a pena em abstracto e, mesmo
já agora em concreto, ultrapassa-se esse limite (art. 14º/2 al. b)): soma-se o limite
máximo das penas aplicadas para determinar a competência. seria competente o
tribunal colectivo de lisboa (LOFTJ – varas criminais de Lisboa): usa-se o metodo de
calculo da pena concreta.

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HIPÓTESES PRÁTICAS DE PROCESSO PENAL FDUCP

XVI

João envolve-se numa discussão com Luís, em Sintra, acabando por atingi-lo com dois
tiros, que lhe provocam morte imediata. Durante o inquérito João, que se encontra em
prisão preventiva, pede a Manuel, segurança de uma empresa contratada, a prestar
serviço nas instalações da Polícia Judiciária em Lisboa, que destrua as provas do
crime, o que este faz, dentro das referidas instalações (art. 367.º do Código Penal).

1) Qual o tribunal ou tribunais competentes para o conhecimento destes crimes?

TEMA: CONEXÃO OBJECTIVA

No presente caso temos dois crimes: crime de homicidio cometido por João e o crime
de favorecimento pessoal cometido por Manuel. Poderiamos levantar a questão de
saber se este segundo crime tambem poderia ser imputado a João, na medida em
que este pede ao Manuel para destruir as provas e, nesse sentido, o João tambem
seria instigador, mas a lei afasta a punibilidade da conduta de João, nos termos do
art. 367º/5 al. a), uma vez que ninguém pode ser obrigado a contribuir para a sua
propria incriminação.

Tudo isto é relevante para dizer que existem dois crimes praticados por duas pessoas
diferentes, pelo que já não temos um caso de conexão subjectiva, mas sim um caso
de conexão objectiva, uma vez que há uma ligação entre os objectos do processo.
A conexão objectiva tem relevancia por motivos de economia processual, mas
tambem para se evitarem decisões contraditorias. Os casos de conexão objectiva
(que levam a que dois crimes sejam conhecidos no mesmo processo) encontram-se
previstos no art. 24º na al. d) e e). Quando à al. d) deverá ser interpretada no sentido
em que já conexão objectiva quando os diversos crimes tiverem sido cometidos por
vários agentes (comparticipação; na mesma ocasião ou lugar; sendo uns causa e
efeitos dos outros; destinando-se uns a continuar ou ocutar os outros  alternativas).

O caso em análise enquadrasse no art. 24º al. d) na parte em que se refere ao facto
de os crimes, cometidos por vários agentes, ser um destinado a continuar por outro.
Assim sendo, nos termos do art. 29º/2 irá ocorrer apensação dos processos, salvo se os
crimes estiverem em fases processuais diferentes – art. 24º/2. Como no caso nada é
quanto à fase processual em que cada processo se encontra vamos presumir que
estão na mesma fase e que, poprtanto, pode operar a conexão objectiva e a
consequente apensação dos processos. Temos de ver qual o tribunal competente

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page 52


HIPÓTESES PRÁTICAS DE PROCESSO PENAL FDUCP

(competência material) para cada um dos crimes. Para o crime de homicidio


praticado por João será competente, de acordo com o critério qualitativo que
prevalece sobre o critério quantitativo o tribunal colectivo nos termos do art. 14º/2 al.
a); quanto à competência territorial nos termos do art. 19º/1 será competente o
tribunal colectivo de Sintra de juizo de grande instância criminal (LOFTJ). Quanto ao
crime de favorecimento, sendo a pena inferior a 5 anos, nos termos do art. 16º e do
art. 19º/1 será competente o tribunal singular, juizo criminal/media instancia criminal,
de Lisboa.

Para conhecer dos dois crimes no mesmo processo nos termos do art. 27º
(competência material) e do art. 28º (competência territorial) será da competência
do tribunal colectivo de sintra – juizo de grande instancia criminal.

2) Suponha que, recebidos os autos para julgamento, o juiz constata não é


possível notificar o arguido do despacho que designa o dia para a audiência
de julgamento e que este se encontra ausente em parte incerta, vindo a ser
declarado contumaz. O que deve decidir o juiz?

CONTUMÁCIA: instituto jurídico que visa obrigar o arguido a apresentar-se em juizo.


Tem como consequencia a sepração dos processos. Efeito: suspende-se o prazo de
prescrição.

Ñeste caso pode haver separação de processos, nos termos do art. 30º/1 al. d). O
processo regra ao tribunal normalmente competente ou permanece no mesmo?
Imaginando que o arguido contumaz é o Manuel. É julgado o João. Se Manuel volta
cessa a declaração de contumácia. Em que tribunal será julgado? Em principio seria
competente para julgar o tirbunal singular de Lisboa. Com a conexão passou a ser
competente o tribunal colectivo de sintra. A soluçao prevista no art. 31º al b) é a de
que é competente o tribunal colectivo de sintra, apesar da sepração de processo –
há uma prorrogação da competência.

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page 53


HIPÓTESES PRÁTICAS DE PROCESSO PENAL FDUCP

PARTE III

XVII

António, funcionário de um estabelecimento comercial, denuncia Bento, seu colega


de trabalho, junto de Carlos, agente da G.N.R., pelo furto de vários equipamentos, no
valor de € 7.500.

a) Pode o Ministério Público dar início ao inquérito?

TEMA: LEGITIMIDADE DO MP

No presente caso estamos face a um caso de furto de vários equipamentos no valor


de 7.500 euros. O art. 203º CP respeita ao furto simples e o art. 204º/2 al. a) CP ao furto
qualificado (furto de valor elevado – art. 202 al. a) refere-se a 5.100 euros, pelo que o
valor elevado no caso respeita a 2.400 euros). No presente caso, tendo em
consideração que a unidade de conta é 102 euros actualmente (valor definido por
portaria), o furto seria qualificado sem portanto um crime público (ao contrário do que
sucedia se fosse um furto simples – crime semi público art. 203º/3).

Deste modo, nos termos do art. 48º o MP tem legitimidade para promover o processo
penal, uma vez que não se trata de um procedimento dependente de queixa ou de
acusação particular (art. 49º a 52º).

Quando no tipo legal de crime nada se diz cai-se na regra geral do art. 48º, sendo o
crime público. Não se pode aplicar analogicamente o art. 203º/3, uma vez que a
dependência de queixa é uma excepção ao princípio geral constante no art. 48º.

Note-se que o dono da loja pode sempre constituir-se como assistente.

b) Suponha agora que o valor da coisa furtada é de € 2.500. A sua resposta é a


mesma?

Neste caso já estamos face a um caso de furto simples, pelo que nos termos do art.
203º/3 é um crime semi público e depende de queixa! Nos termos do art. 49º o MP não
tem legitimidade para dar inicio ao processo sem ter uma queixa (declaração de
ciência e declaração de vontade). Nos termos do art. 113º/5 CP é ao ofendido a
quem cabe a legitimidade para apresentar queixa, sendo no crime de furto, o
ofendido o proprietário.

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page 54


HIPÓTESES PRÁTICAS DE PROCESSO PENAL FDUCP

XVIII

Tendo chegado ao conhecimento do Ministério Público várias “denúncias” de


professores e funcionários da escola que imputam a António, de 17 anos, a prática
reiterada de crimes de ofensa à integridade física pouco graves contra a sua colega
Beatriz de 15 anos (art. 143.º, n.º 1, do Código Penal), o Ministério Público pergunta-se
se poderá dar, sem mais, início ao processo penal.

Nos termos do art. 143º/1 CP consagra-se o crime de ofensa à integridade física


simples, sendo que o nº2 consagra que o procedimento de tal é dependente de
queixa – art. 49º/1 e 3. O MP não pode dar, sem mais, inicio ao procedimento criminal.
Só a Beatriz, a ofendida, através de queixa, pode. Contudo, a vítima tem 15 anos de
idade: sendo a queixa uma declaração de vontade (vontade livre e esclarecida),
tanto no Direito Civil como no Processo Penal só se pode apresentar queixa a partir
dos 16 anos. Até lá só os representantes legais, normalmente os pais, podem – art.
113º/4 CP.

Nos termos do art. 113º/5 consagra-se ainda a possibilidade de o MP poder dar inicio
ao procedimento, apesar de o crime ter natureza semi pública, desde que o faça no
prazo de 6 meses a contar da data em que tiver tido conhecimento do facto e dos
seus autores, exista interesse do ofendido e o ofendido seja menor.

Coloca-se a questão de saber se a aplicação do art. 113º/5 está dependente da não


aplicação do art. 113º/4? No nº5 a lei não diz que não pode existir uma desistência de
queixa posterior, pelo que parece que o MP poderá sempre dar inicio ao processo. A
norma do art. 113º/5 fica a meio caminho entre o crime público e o crime semi
público: para vencer a inércia dos pais ou para passar por cima deles?

PROF. JOSÉ LOBO MOUTINHO: deve-se fazer uma interpretação literal do art. 113º/5; o
MP pode iniciar o processo, mas o crime não se transforma em público. Os familiares
tem possibilidade de desistência da queixa. Não há forma de saber que o juizo do MP
é melhor que os pais, familiares próximos. Trata-se do melhro juizo sobre o interesse do
menor. Note-se que Beatriz quando fizesse 16 anos podia desistir da queixa: art. 116º/3.
Devido ao disposto no art. 116º/4 coloca-se a questão de saber se esta disposição não
serve para demonstrar que não é aos pais que cabe desistir da queixa, ‘’andando’’ o
processo até que o menor faça 16 anos. O facto de existir o art. 116º parece
demonstrar que não cabe aos pais o direito de desistir da queixa.

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page 55


HIPÓTESES PRÁTICAS DE PROCESSO PENAL FDUCP

XIX

António profere várias frases insultuosas dirigidas a Bento, na sua presença (art. 180.º
do Código Penal).

a) O que deve fazer Bento para que António venha a ser julgado pelos factos que
praticou?
(Acórdãos do S.T.J. n.º 1/2011)

No presente caso não estamos face a um crime de difamação (art. 180º), mas sim de
injúria nos termos do art. 181º, sendo este um crime particular. Nos termos do art. 188º
CP o procedimento criminal depende de acusação particular: a legitimidade do MP
está condicionada pela apresentenção de acusação particular do ofendido, neste
caso, por parte de Bento – art. 50º/1: pressupostos de admissibilidade do processo que
constituem limitações ao princípio da promoção oficiosa do processo penal:

 Queixa por parte de Bento – art. 50º e 246º/4


 Bento tem de se constituir assistente – art. 68º/1 al. b) (realiza-se no fim do
inquérito)
 Bento terá de deduzir acusação particular – art. 285º (deduzida no fim do
inquérito)

A exigência de queixa e de acusação particular nos crimes particulares deve-se


fundamentalmente a duas razões:

 Diminuta gravidade da infracção (certas infracções atenta a sua pequena


gravidade não violam bens juridicos fundamentais da comunidade de modo
directo e imediato de forma a merecer por parte deste uma reacção
automática)

 Atenta a especial natureza dos valores em causa, uma vez que certos crimes
atingem valores em relação aos quais se impoe especial discrição (crimes
sexuais), a promoção processual, sem ou contra a vontade do ofendido
poderia ser inconveniente para interesses seus, dignos de protecção legal.

Chegado ao fim do inquérito, se o MP achar que não há indicios suficientes da pratica


do crime é necessário atender ao art. 285º/2. Em qualquer dos casos, deve fazer a
notificação. Nestes crimes, a posição do MP é subalterna. O MP não pode arquivar,
tem de dar a palavra ao assistente.

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page 56


HIPÓTESES PRÁTICAS DE PROCESSO PENAL FDUCP

Note-se que nos crimes semi públicos, ao contrário do que sucede nos crimes
particulares, segue-se o regime dos crimes públicos, portanto o MP ou arquiva ou
acusa. Tem total liberdade, sem contar com a possibilidade de desistência da queixa
(o que retiraria legitimidade ao MP: pode haver desistência até à primeira sentença
da 1º instância)

Note-se que os crimes de furto nos supermercados de valor inferior a 102 euros são
agora crimes particulares e já não semi públicos: nestes é preciso que o assistente
esteja no processo e isto acarreta certos custos (a taxa de justiça é superior a 102
euros) o que consubstancia um obstaculo para que o processo não chegue a tribunal.

Se o queixoso não requeresse a constituição de assistente no prazo de 10 dias referido


pelo art. 246º/4 tal consubstância um prazo peremptório ou meramente ordenador? O
STJ fixou jurisprudência adoptando a posição de ser um prazo peremptório.

O queixoso pode ter atenção de ao fazer passar o prazo de 10 dias apresentar nova
queixa, contudo segundo o STJ tal não é possível. Se o queixoso não se constitui
assistente e o MP arquivou então terminou.

b) Suponha agora que António agrediu Bento, dominado por compreensível


emoção violenta (arts. 146.º do Código Penal). Carlos, que assistiu a tudo,
dirige-se à esquadra mais próxima e relata o sucedido. Pode o Ministério
Público instaurar o competente inquérito?

Nos termos do art. 146º nada se diz sobre a natureza do crime. Contudo é necessário
atender às suas alineas e ver a remissão das suas normas. O art. 146º al. a) remete para
o art. 143º que nos termos do nº2 é um crime dependente de queixa; o art. 146º al. b)
remete para o art. 144º sendo que este nada diz pelo que o crime é público.

Deste modo se estivermos face a uma situação em que o art. 146º al. b) em que se
remete para o art. 144º nos termos do art. 48º CPP o MP tinha legitimidade para
instaurar o inquérito; se se tratar do caso do art. 146º al. a) que remete para o art. 143º
sendo o crime semi público nos termos do art. 49º a legitimidade do MP encontrava-se
condicionada pela apresentação de queixa por parte de Bento. Note-se que neste
último caso e nos termos do art. 113º CP a queixa teria de ser apresentada por Bento
que é o ofendido, não o podendo ser por Carlos.

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HIPÓTESES PRÁTICAS DE PROCESSO PENAL FDUCP

XX

Maria apresenta queixa contra Marta, imputando-lhe a prática de um crime de dano


no veículo de matrícula 01-VA-02 (art. 212º, n.º 1, do Código Penal). Em requerimento
junto aos autos após o seu interrogatório como arguida, Marta junta aos autos
documentação que demonstra que a proprietária do automóvel é a CARLEASING, SA,
e não a queixosa.Quid juris?

(Acórdão do S.T.J. n.º 7/2011)

Atendendo ao art. 113º CP quem tem legitimidade para apresentar a queixa é o


ofendido – o titular do interesse que a lei quis proteger.

Por exemplo, numa sociedade quem é que pode apresentar queixa? Quem tem o
interesse mediato, reflexo e indirecto? A propria sociedade atraves dos seus orgaos de
gestao e administração.

Quando se aluga um carro em regime de leasing ou ALD, havendo um crime de dano


contra o veículo quem é que pode apresentar queixa? O locatário ou a sociedade
que é a proprietária? O STJ no acórdão nº7/2011 afirmou que quem tem o direito de
gozo da coisa tambem pode apresentar queixa. No acórdão confronta-se a
legitimidade de prejuizos (que pode justificar a participação no processo como parte
civil) e a legitimidade para apresentar queixa. Neste acórdão defende-se que o
locatário sofre danos, mas parece, e no seguimento do que se tinha vindo a decidir,
não chegar para ter legitimidade para apresentar queixa. O que pode determinar
este entendimento pode ser o facto de se entender que o locatário vinha, muitas
vezes, apresentar queixa sem falar com a sociedade.

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page 58


HIPÓTESES PRÁTICAS DE PROCESSO PENAL FDUCP

PARTE IV

XXI

António apresenta queixa contra Bento, imputando-lhe a prática de um crime de


injúria. Reunidas as condições para o efeito, o Ministério Público determina a abertura
do competente inquérito. Ainda antes de serem realizadas quaisquer diligência de
provas Bento é convocado para prestar declarações na P.S.P. No início do
interrogatório é sugerido a Bento que conte a sua versão dos factos, para que se apure
se a mesma coincide ou não com a do queixoso. Bento responde que não sabe
porque está ali, uma vez que nunca insultou António e solicita que lhe sejam
comunicados os factos que lhe são imputados. O agente da P.S.P. que realiza a
diligência responde que não tem nada a comunicar, porque Bento sabe muito bem o
que está em causa. Bento decide então não responder, mas o agente da P.S.P. insiste,
alegando que ainda não foi constituído arguido.

1. Deveria Bento ter sido constituído arguido? Em que momento?

Atendendo ao art. 58º/1 al. a) exige-se que exista fundada suspeita para que o
individuo possa ser constituido como arguido. Ora no caso não foram realizadas
quaisuqe diligências de prova, pelo que não existe fundada suspeita da prática do
crime, não podendo Bento ser constituido arguido.

2. Pode Bento recusar responder às perguntas que lhe foram feitas?

Se Bento fosse testemunha encontrava-se adstrito à verdade, tendo de responder. Se


fosse arguido nos termos do art. 61º/1 al. d) tinha o direito ao silêncio. Contudo, Bento
ainda não foi constituido arguido pelo que seria um mero suspeito (art. 1º al. e)).

Na redacção anterior do CPP o denunciado (aquele que ainda não foi constituido
arguido), com ou sem suspeita, devia ser logo constituido como arguido. Nao havia a
exigencia de fundada suspeita: para ser ouvido tinha logo que ser constituido arguido
com termo de identidade e residência, podendo mesmo não existir provas contra si no
processo. Bastava ser denunciado.

O legislador, em 2007, foi sensivel a esta situaçao passando agora a ser necessário que
haja fundada suspeita para se ser constituido como arguido. É preciso fazer uma
distinção entre denunciados, com ou sem suspeita, para se saber como se vai ser
ouvido.

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page 59


HIPÓTESES PRÁTICAS DE PROCESSO PENAL FDUCP

Contudo, o legislador não estabeleceu qual o regime do denunciado que não é


suspeito. Neste caso deve-se aplicar o regime das testemunhas, encontrando-se
obrigado a responder às perguntas que lhe são feitas com verdade. Ou seja o suspeito
é ouvido como testemunha e tem os direitos e deveres destas. Na opinião do PROF.
GERMANO MARQUES DA SILVA deve-se fazer uma aplicação analógica aos suspeitos
dos dereitos e deveres do arguido. Ainda para este professor, ao interrogatório das
testemunhas assistidas deverão ser aplicadas analogicamente as regras do
interrogatório do arguido.

3. O agente da P.S.P. devia ter comunicado a Bento os factos que lhe são
imputados na queixa? Com que grau de concretização?
(Acórdão do TC n.º 416/2003)

Acórdão nº 416/2003: julgou inconstitucional a norma do art. 141º quando o


interpretado na forma de perguntas gerais e abstractas no interrogatório do arguido.
Daqui resulta a exigência de se formular as perguntas num determinado âmbito
espácio temporal. O grau de concretização das perguntas deve ser concretizado de
modo a que o arguido possa, em cada momento, defender-se ou optar pelo direito
ao silêncio.

4. A P.S.P. é competente para proceder ao primeiro interrogatório de Bento?


Atendendo ao art. 144º (primeiro interrogatório do arguido em liberdade),
nomeadamente ao nº2, tal terá de ser realizado pelo MP, sendo que o PROF. JOSÉ
LOBO MOUTINHO equaciona que mesmo neste caso também deveria poder ser
realizado pelo juíz de instrução na medida em que se encontram em casusa direitos
fundamentais (direito de defesa). O interrogatório do arguido é um único acto
obrigatórico do inquérito e consta do art. 272º.

Atendendo ao art. 144º/2, a PSP poderá proceder ao primeiro interrogatório do


arguido, mas as suas declarações não poderão ser usadas nos termos do art. 141º/4 al.
b)

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page 60


HIPÓTESES PRÁTICAS DE PROCESSO PENAL FDUCP

XXII

Duarte apresenta denúncia contra Eduardo, imputando-lhe a prática de um crime de


falsificação de documentos (art. 256.º, n.º 1, do Código Penal), que lhe causou um
prejuízo no valor de € 10.000. Terminado o inquérito o Ministério Publico profere
despacho de arquivamento, por considerar não existirem indícios suficientes da
responsabilidade criminal de Eduardo. Inconformado, Duarte requer a sua constituição
como assistente, deduzindo ainda requerimento de abertura de instrução. O juiz de
instrução rejeita a pretensão de Duarte, por considerar que o bem jurídico tutelado
pelo crime de falsificação de documentos gira em torno da fé pública, da verdade da
prova, da segurança, da credibilidade do tráfego jurídico probatório, ou seja, à volta
do interesse público e nunca do prejuízo sofrido pelos particulares. Acrescenta ainda
que a qualidade de ofendido depende da titularidade dos interesses que a lei penal
quis especialmente proteger com a incriminação, não bastando, para o efeito, a
invocação da existência de prejuízos decorrentes da prática do crime.Concorda com
a decisão do juiz?

(Acórdãos do S.T.J. n.º 1/2003, n.º 8/2006 e 10/2010)

A constituição de asistente encontra-se consagrada no art. 68º e tem de ser realizada


pelo ofendido na medida em que é a ele que cabe a titularidade do direito de
queixa, ou seja é o titular dos direitos que a lei visa proteger. Tem de existir um interesse
de que seja titular um particular; se for um interesse colectivo não pode. O estado, por
exemplo, nunca se pode constituir como assistente (é representado pelo MP). Num
crime de traição à pátria ninguem se pode constituir como assistente.

No crime de falsificação de documentos pretende-se proteger a fé pública, não


existindo qualquer interesse susceptivel de ser concretizado no portador. Contudo é
necessário atender ao art. 256º da CP que se refere à intenção de causar prejuizo: se
for a uma pessoa particular este poder-se-á constituir como assistente. O interesse do
particular é protegido ao mesmo nível.

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page 61


HIPÓTESES PRÁTICAS DE PROCESSO PENAL FDUCP

XXIII

A Câmara Municipal de Vila Nova das Beiras apresenta denúncia contra Eduardo pela
prática de um crime de desobediência, em virtude de não ter acatado um embargo
municipal de uma obra que estava em construção. Concluído o inquérito o Ministério
Público profere despacho de arquivamento. Pode o Município constituir-se assistente
no processo, para posteriormente requerer a abertura da instrução?

(Ac. da Rel. de Évora, de 25/01/05, C.J., t. 1, pp. 263 e segs. Acórdão do S.T.J. n.º
2/2005)

Acórdão de 2003: este acórdão refere-se à legitimidade para se ser constituido como
assistente em particular nos crimes em que o interesse a ser tutelado é supra estadual.
Em regra, um particular não se pode constituir como assistente. Contudo é necessário
atender ao critério que este acórdão prevé tendo sido posteriormente reproduzido nos
acórdãos 8/2006 e no 10/2010: saber se a norma, ao memso nivel que preve a tutela
de bens colectivos tambem visa a tutela de bens jurdicos particulares.

Acórdão 8/2006: estava em causa o art. 365º CP, sendo o crime contra a justiça. Tal
refere-se a interesses colectivos e ao interesse particular que assenta no bom nome da
pessoa caluniada (interesse ao mesmo nível). A pessa caluniada pode-se constituir
como assistente.

Acórdão 10/2010: estava em causa o crime de desobediência e visava proteger o


bem jurídico supra estadual. No caso tratava-se de uma providência cautelar pedida
por uma pessoa. O STJ admitiu a constituição desta pessoa como assistente, porque os
seus interesses estavam a ser protegidos ao mesmo nivel.

No caso coloca-se a questão de saber se o MP poder-se-ia constituir como assistente


nos termos do art. 68º. Qual o bem jurídico que se pretendia tutelar no crime de
desobediência? Note-se que o lesado pode não ser necessariamente o ofendido
(exemplo: A empresa o carro a B que atropela um peão e este estraga o vidro do
carro).

No caso a Camara não é concreta titular de um interesse juridico tutelado ao mesmo


nivel? O estado já é representado no processo pelo MP. Trata-se-se aqui de uma
pessoa colectiva. Não há vários órgãos do estado a serem titulares de determinados
interesses: o titular é o estado (por exemplo, o ministro das finanças não se poderia
constituir como assistente num crime de fraude).

Cabe ao MP representar o Estado num processo criminal, sendo que as pessoas


públicas não podem constituir-se como assistentes. A opinião do presidente da
camara é irrelevante.

Em suma: se é verdade que a Camara Municipal tem a tutela de tais interesses,


verdade é também que ela não é titular dos interesses que visa proteger. Contudo,
quando é património da camara ela já e poderá constituir como assistente.

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page 62


HIPÓTESES PRÁTICAS DE PROCESSO PENAL FDUCP

XXIV

Luís apresenta queixa crime conta Manuel, imputando-lhe a prática de um crime de


emissão de cheque sem provisão. Notificado durante o inquérito nos termos e para os
efeitos previstos no art. 75.º do C.P.P., Luís manifesta o desejo de deduzir pedido cível
contra Manuel, pois pretende ser ressarcido do valor do constante do mesmo cheque,
€ 20.000,00, que Manuel lhe deve e ainda não pagou.

1. Em que prazo deverá Luís deduzir pedido cível contra Manuel?

O caso respeita ao crime de emissão de cheques sem provisão. Antes, quando não
havia outros meios de pagamento era obrigatório aceitar cheques. Hoje já não é
assim.

No caso Luís é o ofendido, pelo que estando em causa o crime de cheques sem
provisão tal consubstancia um crime semi público, peloq ue ele poderá apresentar
queixa e declarar que se quer constituir como assistente. Neste caso não seria
necessário a constituição de Luís como assistente uma vez que o MP defenderá os seus
interesses e se ele se constituisse ainda teria de pagar as custas e constituir-se como
mandatário. Nos crimes particulares, ao contrário do que sucede nos crimes semi
públicos, é obrigatória a constituição do ofendido como assistente. No caso, tratando-
se de um crime semi público só lhe convem constituir-se como assistente se o MP optar
por arquivar o processo.

Para se saber qual é o prazo para Luís pedir a indemnização civil é necessário atender
ao art. 77º/2, sendo desde já salientar que no nº1 da referida norma deve-se atender
ao prazo em que a acusação deverá ser formulada, ou seja 10 dias nos termos do art.
284º, no nº2 respeita a situações em que o lesado não se constituiu como assistente,
sendo o prazo de 20 dias a contar do despacho de acusação para requerer
indemnizaçãoe constituir-se como assistente.

No caso iremos aplicar o art. 77º/2 uma vez que Luis nao se constituiu como assistente
e, porque, ao longo do processo foi informado de acordo com o art. 75º e pediu
indemnização civil.

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page 63


HIPÓTESES PRÁTICAS DE PROCESSO PENAL FDUCP

Se Luís não pedisse indemnização civil caducava o direito? Aqui o prazo passa a ser de
20 dias da notificação do despacho de acusação ao arguido. Ao abrigo do art. 75º,
quando se é notificado, deve-se dizer logo que se pretende pedir indemnização, para
não deixar passar o prazo. Tal deve-se ao facto de se não o fizer a lei presume que não
se tem interesse em faze-lo.

Não havendo notificação porque não se sabe quem é o dono do pc furtado como se
resolve a questão? Nos EUA decorre em separado, ou seja existe autonomia. Em
Portugal trata-se numa só acção: evitam-se contradiçções de julgamento e economia
processual. No caso em que não se sabe quem é o dono do pc não se perde o direito
podendo ser deduzido em separado o que consubstancia uma excepção ao princípio
da adesão – art. 7º/1 I parte.

Sendo notificado e já sendo assistente nos termos do art. 284º e 285º o prazo é de 10
dias.

2. Suponha que Manuel, notificado do pedido cível deduzido por Luís, não
apresenta contestação. Qual a consequência?

Nos termos do art. 78º/3 só se dão como provados os factos provados em audiência
de julgamento, não fazendo sentido que se tenham como provados factos para uma
coisa e não para outra.

3. No início da audiência de julgamento o juiz decide declarar extinto o


procedimento criminal, por prescrição. Deve o processo continuar para
conhecimento do pedido cível?
(Acórdão do S.T.J. n.º 3/2002, D.R., I.ª Série-A, de 5 de Março)

Antigamento no CPP consagrava-se que o tribunal podia condenar na indemnização


civil apenas se o arguido fosse condenado. Com uma reforma de 29 isto foi alterado:
art. 377º. Já em 89 chegou-se a conclusão que mesmo que se absolvesse o arguido
poderia haver mesmo assim direito a indemnização. Por vezes vezes há
responsabilidade civil e não há responsabilidade criminal.

Este problema levanta-se quando o procedimento criminal se encontrava prescrito.


Do art. 72º/1 al. b) resulta que se o procedimento se extinguri antes do julgamento a
indemnização é pedida fora; depois do julgamento o processo pode continuar para
conhecimento da questão meramente civil.

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page 64


HIPÓTESES PRÁTICAS DE PROCESSO PENAL FDUCP

No acórdão afirmava-se que extinto o procedimento criminal, por prescrição, depois


de proferido o despacho a que se refere o art. 311º mas antes de realizado o
julgamento, o processo em que tiver sido deduzido pedido de indemnização civil
prossegue para a fase de conhecimento deste. Tal visa a protecção da vítima.

4. Neste último caso, pode o tribunal remeter as partes para os tribunais civis, nos
termos do art. 82.º, n.º 3, do C.P.P.?
(Ac. Rel. Porto de 27/1/2004, C.J., t. 1, pp. 203 e segs.)

O acórdão obriga a que o procedimento criminal prossiga, em casos de extinção por


prescrição, para que se conhecesse da questão de indemnização civil. Portanto, o
processo teria de prosseguir só para que esta fosse conhecida. Os tribunais criminais
não podem remeter para os tribunais civis ao abrigo do art. 82º/3, apenas o podendo
fazer em situações em que o conhecimento da indemnização civil venha atrasar
intoleravelmente o procedimento criminal.

5. Suponha agora que o juiz não declarou extinto o procedimento criminal.


Realizado o julgamento, o juiz decide absolver Manuel da prática do crime, por
considerar que não actuou dolosamente. Porém, no que respeita ao valor do
cheque, não há dúvidas de que Manuel o deve a Luís. Pode Manuel ser
condenado no pagamento da quantia respectiva?
(Assento do S.T.J. n.º 7/99, D.R., I.ª Série-A, de 3 de Agosto)

No Assento consagra-se que se em processo penal for deduzido pedido civil, tendo o
mesmo por fundamento um facto ilicito criminal, verificando-se o caso previsto no art.
377º/1, ou seja a absolvição do arguido, este só poderá ser condenado em
indemnização civil se o pedido se fundar em responsabilidade extra contratual ou
aquiliana, com exlusão da responsabilidade contratual.

Os casos de responsabilidade aquiliana são casos em que existe responsabilidade civil


e não existe responsabilidade penal, uma vez que o direito penal é um ramo de direito
subsidiário. Na responsabilidade contratual também não poderá tal sucede porque é
preciso que essa responsabilidade se deva a um ilicito criminal e isso, seria,
ncessariamente, responsabilidade extra contratual.

Contudo, é dificil separar entre responsabilidade contratual e responsabilidade extra


contratual. O STJ deveria ter afirmado que tal dependia da natureza dos crimes.
Quando se redige um pedido de indemnização civil deve-se faze-lo do ponto de vista
da responsabilidad extra contratual.

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page 65


HIPÓTESES PRÁTICAS DE PROCESSO PENAL FDUCP

6. Se Luís não deduzir pedido cível pode o tribunal, em qualquer caso, condenar
Manuel a reparar os prejuízos que lhe causou?

Nos termos do art. 82º-A só se pode nos casos em que haja particulares exigências de
protecção da vítima. No CPP anterior – arbitramento oficioso da indemnização –
apercebendo-se o tribunal de que a vitima tinha sofrido prejuizos decorrentes do
crime, condenava logo ao pagamento desta a indemnização civil.

O novo CPP veio prever uma situação diferente. Pretende-se aproximar a


indemnização civil do princípio do dispositivo. Ou seja, o tribunal não condena no
pagamento da indemnização sem que haja pedido: Princípio do Pedido. Pretendia-se
aproximar dos princípios civilisticos. Cotudo, como havia muitas pessoas que
ignoravam esta nova solução, em 89 veio-se prever o arbitramento oficioso da
indemnização, ou seja o tribunal conhece oficiosamente quando a vitima já se
encontrava ou passou a encontrar-se em condições financeiras dificeis.

PARTE V

XXV

Na sequência da instauração de um processo por suspeitas de que António poderá ter


praticado os crimes de fraude fiscal e de branqueamento de capitais este é notificado
para prestar declarações na qualidade de arguido. O seu defensor pretende consultar
o processo para melhor preparar a sua inquirição.

1 – Pode fazê-lo? O que deve fazer para o efeito?Pode o M.P. evitar que o defensor de
António consulte o processo? De que modo e com que fundamentos?

Em termos gerais, o arguido pode consultar o processo se este for público. Em princípio
é publico. Mas se houver perigo para a protecçao do bem nome do arguido ou para
a produçao de prova pode existir segredo de justiça. Quem decide se existe ou não
segredo de justiça é o MP: é ele que dirige o inquérito e é ele que conhece as
investigações. Mas esta decisão não é só dele, mas tambem do juiz de instrução o que
pode levantar certas questões: por um lado, estamos na fase de inquerito (a direcção
é do MP) e por outro pode estar em causa um direito fundamental.

Para consultar o processo é necessário elaborar um requerimento dirigido ao


magistrado do MP que dirige o processo, sendo que ele vai ponderar todos os factos
para determinar se se deve sujeitar o processo ao segredo de justiça. Se ninguem
quiser consultar o processo, se ninguem o requerer, o problema nem se coloca.

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page 66


HIPÓTESES PRÁTICAS DE PROCESSO PENAL FDUCP

Por exemplo, em caso de busca que possa ser posta em causa pelo arguido não há
qualquer problema que o assistente consulte o processo, mas o magistrado do MP tem
de fazer uma apreciação global: não pode permitir a consulta ao assistente e logo a
seguir proibir a mesma ao arguido.

Nos termos do art. 86º/4, se não houver mais justificação para se manter o segredo de
justiça ele deverá ser levantado.

2 – Suponha agora que, ultrapassados os prazos máximos de vigência do segredo de


justiça, o M.P. requer a prorrogação do prazo por mais 3 meses, pretensão que o J.I.C.
defere. Terminado este último prazo o M.P. conclui que é necessário requerer nova
prorrogação do prazo. Pode fazê-lo? Qual o limite máximo de tempo pelo qual o
acesso aos autos pode ser impedido?

(Acórdão do S.T.J. n.º 5/2010)

O acórdão procede à analise do art. 89º/6, sendo que o tribunal considera que se
deve adoptar um prazo objectivo, ou seja tem de ser um prazo concreto e
determinável. Assumindo que o primeiro prazo indicado na norma em análise é um
adiamento e o segundo uma prorrogação ter-se-ia de analisar qual o tempo
objectivamente necessário.

PROF. GERMANO MARQUES DA SILVA E PROF. JOSÉ LOBO MOUTINHO: o segredo dever-
se-ia limitar à fase de inquérito, não devendo existir prazos alargados sendo
fundamental para as garantias de defesa do arguido.

XXVI

Durante uma audiência de julgamento o defensor do arguido requer a inquirição de


uma testemunha não arrolada nem pela defesa, nem pela acusação, ao abrigo do
disposto no art. 340.º, do C.P.P., invocando que o seu depoimento é fundamental para
a descoberta da verdade, uma vez que assistiu a todos os factos objecto do processo.
O juiz profere o seguinte despacho: «Indeferido».

1 - Este despacho sofre de algum vício? Como deve ser invocado? Qual a
consequência?

O despacho não é fundamentado quando o deveria ser nos termos do art. 97º/3. A
fundamentação visa conferir uma maior confiança na justiça, para auto fiscalização
da justiça e para efeitos de recurso (o requerente precisa desta fundamentação para
fundamentar o seu recurso).

O art. 97º/3 não estabelece as consequencias da sua violação, pelo que não
havendo nenhuma regra geral é necessário recorrer ao regime geral das invalidades.

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page 67


HIPÓTESES PRÁTICAS DE PROCESSO PENAL FDUCP

Uma vez que não se encontra previsto a consequência da nulidade para esta
situação a regra geral nos termos do art. 118º é a irregularidade, sendo necessário
ainda atender ao art. 123º. Note-se que o regime da irregularidade é o regime regra
das invalidades uma vez que é o regime mais restritivo quanto à sua invocação (art.
123º/1) e permite o aproveitamento dos actos.

2 - Suponha agora que o julgamento chega ao fim e que o arguido é condenado. O


seu defensor constata, porém, que da sentença não consta a enumeração dos factos
provados. Esta sentença sofre de algum vício? Como deve ser invocado? Qual a
consequência?

Neste caso é necessário atender ao art. 374º/2: não se encontra verificado o requisito
do exame crítico das provas, pelo que nos termos do art. 379º/2 tal consubstância uma
nulidade que deverá ser arguida ou então conhecida em recurso (normalmente são
invocadas face a um juíz de primeira instância).

Note-se que o regime da sentença é um regime especial, uma vez que esta
consubstancia um momento muito importante na fase declarativa do processo, pelo
que a lei acha de maior gravida a falta de fundamentação da sentença do que
outros actos considerados irregulares.

XXVII

Maria, finalista de Direito, ficou deveras surpreendida ao ter ido assistir a uma
audiência de julgamento e ter verificado que, depois dos cumprimentos entre
magistrados e advogados, a Juiz iniciou directamente a audiência pelas declarações
do Arguido...

Regressa a casa perguntando aos Pais, ambos advogados, como é possível que o que
está claramente estabelecido na lei seja sobranceiramente ignorado e se esta
omissão pode ter por consequência a anulação do julgamento.

No caso faltaram as disposições introdutórias, isto é, deveria ter ocorrido a exposição


sumária dos factos em julgamento. Nos termos do art. 118º/1 e 2 uma vez que a lei não
consagra para esta situação o acto ilegal seria irregular, pelo que nos termos do art.
123º/1 a irregularidade deveria ter sido invocada no próprio acto.

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page 68


HIPÓTESES PRÁTICAS DE PROCESSO PENAL FDUCP

XXVIII

António apresenta queixa contra Bento, imputando-lhe a prática de um crime de furto


simples. Como já passaram 2 anos sem que tenha sido proferida decisão de
encerramento do inquérito pelo Ministério Público, António constitui-se assistente e
deduz acusação, ao abrigo do art. 284.º do C.P.P. Aproveitando a iniciativa de
António, o Ministério Público adere à acusação do assistente. Bento pretende saber:

1 – Se a circunstância de não ter sido ouvido no inquérito tem alguma consequência.

(Acórdão do S.T.J. n.º 1/2006)

Antigamente a redacção do art. 120º/2 al. d) consagrava que constituia nulidade


dependete de arguição a insuficiência do inquérito e da instrução e a omissão
posterior de diligências que puessem reputar-se essenciais para a descoberta da
verdade. Ou seja, na primeira parte da norma, quanto ao inquérito e à instrução, não
falava em qualquer actos legalmente obrigatórios.

Posteriormente sugiu o art. 272º/1 que consagra como (único) acto obrigatório do
inquérito o primeiro interrogatório do arguido. A doutrina divergia neste ponto:

 Uma parte da doutrina entendia que quando se omitia o interrogatório previsto


no art. 272º tal consubstanciava uma insuficiência do inquérito. O interrogatório
era importtante para a defesa do arguido. Quando o arguido não vai ao
processo a prova não é suficiente uma vez que existe a falha do exercicio do
seu direito de defesa. Estavamos face a uma nulidade insanável nos termos do
art. 119º al. c) (ausência do arguido)

 Outra parte da doutrina defendia que quando o art. 120º/2 al. d) se referia à
insuficiência do inquérito e da instrução, não fazendo qualquer referência aos
actos legalmente obrigatórios, só tais actos poderia, gerar a sua insuficiência –
o PROF. GERMANO MARQUES DA SILVA já considerava que só os actos
legalmente obrigatórios é que poderiam gerar a insuficiência de tais. Em
princípio nos termos do art. 267º cabia ao MP indicar quais os actos que eram
obrigatórios. O STJ acabou por dar razão ao professor e consagrou que só
existiria a insuficiência na falta de realização dos actos legalmente obrigatórios.

Acórdão do STJ: ‘’a falta de interrogatório como arguido no inquérito (…) constitui a
nulidade prevista no art. 120º/2 al. d)’’

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page 69


HIPÓTESES PRÁTICAS DE PROCESSO PENAL FDUCP

2 – Se o assistente poderia ter acusado previamente ao M.P e qual a consequência daí


resultante. (Assento n.º 1/2000)

Segundo o Assento não era possível a acusação prévia à do MP, consubstanciando


tal uma nulidade insanável (e não uma irregularidade), uma vez que existe uma
ordem legal imperativa consagrada no art. 284º/1. Por sua vez, havia quem
defendesse que efectivamente era possível nos crimes particulares ser realizada uma
acusação prévia à do MP.

No caso estamos face a uma situação em que existe um furto simples o que
consubstância um crime semi público. O assistente deduziu acusação e
posteriormente o MP aderiu. Tal é possível? Não: a acusação teria de ser deduzida
pelo MP nos termos do art. 283º, sendo que somente depois desta é que o assistente
poderia deduzir acusação nos termos do art. 284º ou então requerer a abertura da
instrução nos termos do art. 287º.

A situação estaria correcta se em vez de um crime semi público estivessemos face a


um crime particular, pois nestes casos, nos termos do art. 285º, é o MP que tem de
notificar o particular para deduzir acusação.

NOTA: o que é uma adesão? – art. 284º

 Requisitos da Acusação: a acusação do assistente deve conter os requisitos


constantes no art. 283º/3 e 7, mas com certas modificações:

a) Quando a acusação do assistente se limite à mera adesão à acusação


do MP será algo como ‘’venho por este meio aderir à acusação
deduzida pelo MP’’

b) Não se indica novamente o rol de testemunhas anteriormente indicado


pelo MP

No caso, o MP adere à acusação do assistente, sendo que caindo esta por falta de
legitimidade (crime semi público) a adesão do MP também iria cair. Se em vez do MP
ter consagrado que aderia tivesse deduzido uma acusação cópia do assistente
aplicar-se-ia a teoria do acórdão (aplica-se a casos de adesão).

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HIPÓTESES PRÁTICAS DE PROCESSO PENAL FDUCP

HIPÓTESE PRÁTICA EXTRA COLECTANEA I

Suponha que, notificado da acusação, o arguido Carmim Soares, requer instrução


alegando antes de mais que ‘’Não tendo havido qualquer intervenção do MP nos
autos, nem mesmo relativamente à sua constituição como arguido, ao seu
interrogatório ou à perícia financeira que se mostra ter sido realizada, todo o inquérito
é nulo por força do art. 119º al. d) CPP’’

Antigamente, era muito frequente chegar-se aos autos e a primeira intervenção do


MP ser a acusação. A partir de 98’ começou a acontecer menos. Mas pode haver um
inquérito em que a primeira intervenção do MP é a acusação? Não. O MP pode
delegar, uma vez que à partida a competência é dele.

Competência do MP no Inquérito: uma vez que o inquérito visa averiguar se existem


indícios da pratica do crime ou seja para arquivar ou para acusar a competência
para o inquérito (competência/decisão dele), regra geral, compete ao MP. Contudo,
há actos que são da competência do juiz de instrução (aqueles que se prendem com
direitos fundamentais – 268º) podendo ainda alguns serem delegados (art. 270º).

Mas há actos que não podem ser delegados, nomeadamente os que constam do art.
270º/2.

ANÁLISE DE CADA ACTO

 Perícia financeira: art. 270º/2 al. b) e art. 154º este acto não podia pelo MP
ser delegado, pelo que tinha de ser por ele realizado. Se o caso desse indícios
nesse sentido poder-se-ia pensar na aplicabilidade do art. 270º/3

 Constituição de arguido: art. 58º/3. Nota: o art. 270º/2 al. e) (não é uma
enumeração taxativa, sendo que a lei fala em quaisquer outros actos
cuidado que da lei pode resultar que a competência é do MP ou da
autoridade judiciaria e nesse caso também não pode ser delegável, porque é
a lei que diz a quem compete tal acto. Autoridade judiciaria: art. 1º al. b). A
validação da constituição de arguido é um acto indelegável.

 Interrogatório do Arguido: art. 272º (regra equivoca que da a entender que o


MP é o órgão competente para interrogar); art. 141º (primeiro interrogatório de
arguido detido); art. 143º (primeiro interrogatório não judicial de arguido
detido) e art. 144º. Tendo em consideração o nº1 do art. 144º, se não existisse o
nº2, a competência quando ao interrogatório seria do MP sendo tal
indelegável por força do art. 270º/2 al. e). O art. 141º foi alterado para que as
declarações do arguido pudessem ser utilizadas como meio de prova (art.
141º/4 al. b) neste caso não se admite a delegação tendo de ser feitas por
autoridade judiciária (por remissão do art 144º/2). O MP pode delegar mas
sendo praticados pelos órgãos de policia criminal não pode ser usado como
meio de prova na audiência de prova.

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HIPÓTESES PRÁTICAS DE PROCESSO PENAL FDUCP

Nos termos do art. 53º/2 al. b) compete ao MP dirigir o inquérito, não sendo tal uma
competência delegável pois tal poderia colocar em causa o disposto no art. 219º CRP.
Formalmente, nos termos do art. 270º/2 al. e) fala-se em actos indelegáveis, sendo-o
por constituírem os momentos fundamentais de prática de actos que competem
constitucionalmente ao MP. O que é que o art. 53º e o art. 219º impõe como mínimo à
intervenção do MP? Direcção do inquérito, nomeadamente a abertura do inquérito e
a decisão final. Da competência para a acção penal na própria CRP derivada como
primeiro momento o facto de ter de ser o MP a decidir a abertura do inquérito.

Quando a lei fala em direcção do inquérito basicamente assenta em o MP é ser


dominador/servidor do inquérito: o MP tem de manter a direcção efectiva, a
orientação do inquérito. Muitas vezes, em casos como o nosso, o MP não teve
qualquer intervenção no inquérito. Mas na prática dos processos nem sempre é fácil
demonstrar que o MP não dirigiu. Ao MP compete abrir o processo, e mesmo que
delegue algumas tarefas, deve manter o conhecimento, fiscalização e poderes de
orientação que lhe permitam ser ele a terminar as linhas com que se cozem a
investigação. A investigação criminal no processo penal no inquérito tem como fim
tomar uma decisão jurídica: arquivar ou acusar (o fim não é tanto o da verdade
material!).

HIPÓTESE PRÁTICA EXTRA COLECTANEA II

Suponha que apesar de o arguido ter invocado que actuou em legítima defesa, o juiz,
na sentença, não se pronuncia sobre os factos respectivos invocados na contestação.
Por outro lado, limita-se a fundamentar a decisão sobre matéria de facto afirmando
que: ‘’os factos acima indicados resultaram respectivamente provados e não
provados com base no depoimento das três testemunhas ouvidas em audiência’’

1. Estará correcta tal decisão?

Existe uma cláusula geral de obrigação de pronúncia que nos termos gerais leva a
que caso não se verifique à nulidade da sentença nos termos do art. 379º/1 al. a) que
remete para o art. 374º/2: o juiz omitiu os factos de que resultaram a legítima defesa e
o exame crítico da prova.

O juiz deveria ter elencado quais os factos provados e não provados e num deles
incluir a legítima defesa (o facto pode estar provado ou não, mas em qualquer das
situações tem de constar da sentença). De seguida, o juiz deveria ter sinteticamente
indicado o que foi afirmado pelas testemunhas e fundamentado a sua decisão.

2. Como se pode reagir contra ela?

Aplicação do art. 379º/2: as nulidades da sentença devem ser arguidas ou conhecidas


em recurso.

3. E se em tal situação ocorresse na instrução quanto ao despacho de (não)


pronúncia?

Todas as decisões do processo penal têm de ser fundamentadas: art. 97º. Só será uma
nulidade se tal estiver previsto na lei. Uma vez que a lei nada diz quanto a esta
situação seria uma irregularidade.

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HIPÓTESES PRÁTICAS DE PROCESSO PENAL FDUCP

4. Suponha agora que se pode ler na sentença ‘’Ao alegar estes factos na sua
contestação invocou o arguido uma factualidade que a provar-se poderia
constituir legítima defesa ou pelo menos uma circunstância de determinação
de atenuação especial da pena’’. No entanto, não logrou trazer ao processo
qualquer meio de prova que pudesse demonstrar tal circunstancialismo, pelo
que não pode o mesmo dar-se como demonstrado. Assim, pese embora o
alegado pelo arguido consideramos que se lhe terá de imputar a
responsabilidade pela prática dos factos ilicitos em causa na acusação.

Em principio o juiz não se podia colocar nesta situação passiva, mas pode suceder
que no caso concreto não existissem mais meios de prova. Note-se que do facto do
juiz ir contra o princípio da investigação e não ordenar a produção dos meios de
prova pode fazer daqui derivar o vício da nulidade nos termos do art. 120º/2 al. d) II
parte. Só há uma violação deste poder dever se existissem outros meios de prova.
Neste caso, existe uma postura erronea (ele não pode adoptar uma posição passiva),
mas tal só consubstancia uma nulidade se existissem mais meios de prova. Do caso
quase que resulta um ónus de prova subjectivo ‘’ele não logrou trazer ao processo’’.

Na opinião do PROF. JOSÉ LOBO MOUTINHO, a presunção de inocência não precisa


de casos destes para se aplicar, podendo ser aplicada em casos em que de facto
exista dúvida. Não é necessário dar como positivamente provada que não existiu
nenhuma causa de exclusão da ilicitude. O juiz não pode fazer a sua sentença com
base numa duvida que não é razoavel. Olhando para os meios de prova nada
apontou naquele sentido, ou seja de que existiu legitima defesa. A dúvida que está
aqui não é criada pela mera posição na contestação, tem de ser uma duvida
razoavel para a qual existam razoes probatórias, isto é, tem de existir meios de prova
não bastado a simples alegação na contestação sem qualquer meio de prova  isto
não é uma duvida (razoavel), mas apenas uma possibilidade teorico abstracta. Para
haver uma duvida tem que haver uma base razoavel.

XXIX

Eduardo, arguido em determinado processo, comparece na audiência de julgamento


e decide prestar declarações, confessando a prática de todos os factos que lhe são
imputados na acusação.

1 - Pode o tribunal não considerar os factos confessados como provados, por suspeitar
da veracidade da confissão e, em consequência, ordenar a produção de toda a
restante prova?
(Acórdão do S.T.J., de 9/10/91, B.M.J., n.º 410, p. 591 e segs. )

A confissão encontra-se consagrada no art. 344º, sendo necessário atender ao nº3 al.
b) e ao nº4. Ou seja, o tribunal nunca está inteiramente vinculado, podendo sempre,
em sua livre convicção, duvidar da veracidade dos factos e não os dar como
provado. Esta disposição não tras consigo uma excepção à livre apreciação da
prova, não estando o juiz vinculado à confissão, podendo dispensar ou não a ulterior

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page 73


HIPÓTESES PRÁTICAS DE PROCESSO PENAL FDUCP

produção de prova. O art. 344º tem como função util permitir que em caso de
confissão do arguido o juiz possa decidir conforme se encontra consagrado no seu nº4,
ou seja se e em que medida vai ser necessária a produção de prova.

2 - Suponha agora que Eduardo não está presente na audiência de julgamento e que
o juiz decide que a sua presença não é essencial para a descoberta da verdade
material, pelo que determina que o julgamento se inicie na sua ausência (art. 333.º, n.º
1, do C.P.P.). O M.P. requer que se proceda à leitura das declarações prestadas pelo
arguido em inquérito perante o J.I.C. Como deve decidir o juiz? Se for possível a leitura,
qual o valor probatório destas declarações?

É necessário atender ao art. 357º/1 al. b) que determinaa que a reprodução ou leitura
de declarações anteriormente feitas pelo arguido só é permitida quando realizada
perante autoridade judiciária com assistência de defensor e o arguido tenha sido
informado nos termos do art. 141º/4 al. b).

Nos termos do art. 141º/4 al. b) quando se proceder ao interrogatório do arguido, o juiz
irá informá-lo de que não exercendo o direito ao silêncio as declarações que prestar
poderão ser utilizadas no processo, mesmo que seja julgado na ausência (…), estando
sujeitas à livre apreciação da prova.

Deste modo, não estando Eduardo presente na audiência de julgamento mas tendo
prestado as suas declarações perante o JIC, tais poderão ser reproduzidas e
encontram-se sujeitas à livre apreciação de prova por parte do juíz.

XXX

Luís, assistente num processo que corre contra Manuel, pela eventual prática de um
crime de abuso de confiança, pretende juntar aos autos uma escritura pública de
compra e venda, da qual consta que Manuel declarou perante o notário ter recebido
o preço que lhe foi entregue pelo comprador, na qualidade de procurador de Luís,
para que fique provado no processo crime que Manuel recebeu efectivamente a
quantia respectiva. Tem razão?

No presente caso estamos no âmbito da prova documental que se encontra


consagrada no art. 164º e ss.

Conjugando o art. 165º/1 com o art. 169º, Luís tem razão: prova-se a autentecidade do
documento e a sua veracidade.

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page 74


HIPÓTESES PRÁTICAS DE PROCESSO PENAL FDUCP

CONJUGAÇÃO DO ART. 169º COM O ART. 127º QUE CONSAGRA A LIVRE APRECIAÇÃO
DA PROVA: não se trata de dispensar outros meios de prova, mas enquanto o juíz não
tiver fundamentos que contrariem tal os factos são dados como provados. Basta que
a veracidade do conteúdo seja fundadamente colocada em causa para os factos
não sejam ou deixem de ser dados como provados.

Note-se que quando se diz que ‘’Manuel recebeu efectiviamente a quantia


respectiva’’ o que fica provado é que ele declarou que recebeu a quantia e não que
ele efectivamente recebeu a quantia. Ou seja, só fica provado que ele declarou que
recebeu a quantia, sendo que o valor probatório funda-se na fé que merece o
notário. A Base material da força probatoria do documento funda-se na pessoa que o
exara. Acredita-se à partida no que ele testou: mas o notáro não pode provar que ele
pagou, apenas pode declarar que ele declarou.

XXXI

António e Bento são revistados, quando chegam ao aeroporto das Lajes, em


cumprimento de mandado judicial, nada tendo sido encontrado na sua posse directa
que pudesse indiciar a prática de um crime. Contudo, como certos objectos que
detinham eram susceptíveis de indiciar que António e Bento tinham enviado
estupefacientes pelo correio, os agentes da G.N.R. que procederam à revista
dirigiram-se à estação dos correios onde encontraram duas encomendas expedidas
por António e Bento para pessoa residente na Ilha Terceira. Os agentes da G.N.R.
decidem então retirar da estação dos correios as mesmas encomendas, que levaram
ao aeroporto para serem passadas no RX das bagagens, tendo-se então constatado
que, com quase toda a certeza, continham cada uma um sabonete de haxixe. Esta
convicção ficou reforçada quando as embalagens foram dadas a cheirar a cães
treinados para identificar estupefacientes pelo olfacto, tendo tal teste resultado
positivo. Os agentes da G.N.R. regressaram então aos correios e devolveram as
mesmas encomendas postais. No dia seguinte, quando as encomendas foram
entregues ao seu destinatário, foram apreendidas pelos agentes da G.N.R., levadas ao
juiz de instrução e abertas na sua presença. O juiz determinou então a sua apreensão.

Já durante a audiência de julgamento o defensor dos arguidos vem invocar que


aquela prova foi obtida por modo proibido, pelo que não pode ser valorada pelo
tribunal, como também não podem ser valoradas todas as provas obtidas que
dependam materialmente daquela apreensão. O Ministério Público responde,
invocando que não ocorreu qualquer violação das regras sobre a obtenção da prova
e ainda que, mesmo que tal tivesse ocorrido, qualquer invalidade estaria sanada, não

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HIPÓTESES PRÁTICAS DE PROCESSO PENAL FDUCP

só porque não foi arguida em tempo, mas também porque foi sanada com a
apreensão posterior, ordenada pelo juiz. Quem tem razão?

(Ac. da Rel. de Lisboa, de 23/06/04, C.J., t. 3, pp. 149 e segs.)

No caso o meio de prova são estupefaciente, mas o meio de obtenção de prova


assenta na apreensão de correspondência que encontra-se consagrada no art. 179º.
Nos termos desta disposição legal a realização de apreensões de correspondência
realiza-se através de um despacho que terá de ser autorizado ou ordenado por um
juíz, sob pena de nulidade.

O primeiro problema que o caso suscita é que primeiro foi realizada a apreensão e só
depois é que o juíz ordenou tal, o que nos termos do art. 179º/1 consubstância uma
nulidade.

O segundo problema assenta em saber se o conteúdo da correspondência podia ser


visualizado como se encontra descrito no caso. Ora, atendendo ao art. 179º/3 a
primeira pessoa a tomar conteúdo da corresponência apreendida terá de ser o juiz
que tiver autorizado ou ordenado a diligência. Deste modo, como não foi o caso
estamos face a uma violação de correspondência que consubstância um crime nos
termos do art. 194º/1 CP.

No caso não estamos face a uma medida cautelar, uma vez que a questão não se
insere no âmbito do art. 252º: a actuação descrita no caso não seria lícita nem pelas
regras normas quanto à corresponência nem pelas medidas cautelares que exigissem
urgência.

ARGUMENTOS INVOCADOS PELO MP QUANTO À SANAÇÃO:

 QUANTO AO TEMPO (‘’NÃO FOI ARGUIDA A TEMPO’’): invalido porque não se


pode considerar como nulidade. O art. 118º/3 diz que tal se encontra fora do
regime normal das nulidades. É uma nulidade de prova que se comporta
basicamente como uma nulidade insanavel. É necessario procurar nas normas
que consagram as provas o que eles dizem. Nos termos do art. 126º consagra-
se que são nulas e que não podem ser utilizadas as provas obtidas nos termos
descritos na referida disposição legal, ou seja nem sequer se fala em qualquer
elemento temporal. Depois do transito em julgado estas nulidade ainda são
invocaveis nos termos do art. 449º al e) (nulidade mais grave que as gerais).
Discute-se se o art. 449º/1 al. e) aplica-se a todas as provas ou apenas as
constantes no art. 126º/1 e 3.

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page 76


HIPÓTESES PRÁTICAS DE PROCESSO PENAL FDUCP

 ‘’APREENSÃO POSTERIOR ORDENADA PELO JUÍZ: se é proibida a utilizaçao da


prova é porque é proibida a utilizaçao da prova; não é nulidade insanavel ate
que venha o juiz a validar. O problema no fundo não é bem o da
convalidaçao, mas sim da contamiçao ou seja dos efeitos envenenados/à
distancia. Eles chegaram a estaçao do correios e apreenderam sem a
autorizaçao; depois colocaram la novamente e fizeram um requerimento ao
juiz que depois apreendeu.

O problema é que existe aqui uma apreensao e uma interferencia na


correspondecia que depois tiveram na base um acto que não há razao para
dizer que é ilegal. O problema é de contaminaçao: ate que ponto aquela
inicial proibiçao/nulidade da prova se contamina a actos que considerados
sozinhos eram legais. Segundo o acórdão 198/2004 segundo a teoria da arvore
venenosa, a inicial nulidade da prova evenena a arvore e todos os frutos estao
envenenados. A nulidade expande-se aos actos subsequentes. Segundo o
acordao tal assume-se isto como principio de solução enquadrando no art.
122º/1  esta disposiçao tem um pensamento que pode ser transposto para as
nulidades de prova e que vai dar o mesmo. A nulidade inicial abrange os actos
subsequentes. Mas admitem-se excepções e limitaçoes, nomeadamente o da
fonte independente: se o meio de prova em causa, ainda que tivesse existido
uma violação no inicio, viesse a ser praticado por um acto legal independente
tal seria possível. O tribunal alude a esta excepção, dizendo que tal não
consubstanciava um fruto envenenado. Deve-se colocar na situação em que
se estaria se não tivesse ocorrido a invalidade do meio de prova.

XXXII

António e Bento, agentes da P.S.P., que actuavam à paisana, perguntam a Carlos se


este tem disponível algum haxixe para venda. Carlos responde negativamente, mas
António e Bento insistem, dizendo que também pode ser heroína. Carlos afirma então
que conhece alguém que lhes pode arranjar a droga. Dirigem-se então os três a casa
de Eduardo, que confirma que lhes pode vender a heroína. Para a obter, Eduardo
dirige-se a casa de Francisco, onde a adquire. Encontram-se todos em casa de Carlos,
onde Eduardo entrega a droga a António e Bento. António e Bento detêm, de
imediato, Eduardo.

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page 77


HIPÓTESES PRÁTICAS DE PROCESSO PENAL FDUCP

António e Bento actuaram correctamente? Pode o seu depoimento ser utilizado no


processo entretanto instaurado a Eduardo, pela prática de um crime de tráfico de
estupefacientes?

(Acórdão do T.E.D.H, caso Teixeira de Castro v. Portugal)

Atendendo ao art. 32º/1 CRP o princípio do processo equitativo consubstância uma


cláusula aberta. O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem utilizando a Convenção
Europeia afirmou que no caso Teixeira de Castro v. Portugal existia uma violação do
processo equitativo.

CRITÉRIO DOMINANTE E SEGUIDO NO ACÓRDÃO: a decisao ou a opçao que se impos


foi entre pessoas que tem uma funçao puramete informativa e aquelas que tem uma
funçao formativa da vontade de delinquir. Dai que normalemnte os agentes
provocadores são tambem tratados na doutrina da tentativa (praticam actos
preparatorios e de execuçao mas não com a vontade de consumir o crime). Pelo
menos ele esta a instigar ao crime o que levanta o problema da punibilidade dele e
levanta um problema processual. A doutrina indica que se ele esteve na origem da
vontade de praticar o acto criminoso a prova não pode ser utilizada. O acordao, o
caso, deu suficiente base para se dizer que a decisao criminosa não estava formada,
não havia mesmos razoes para acreditar que ela tinha sido pensado naqueles
contornos sem agentes da policia. Se foram agentes provocadores não pode ser
produzida prova. Hoje em dia tal esta previsto na lei portuguesa – existe uma lei sobre
acçoes encobertas (lei 101/2001, de 25 de agosto). Nos termos do art. 6º/1 da lei em
questão eles não podem ter uma intervenção decisiva. Isto é um meio de obtençao
de prova enganoso, existe uma quebra de igualdade – o PROF. GERMANO MARQUES
DA SILVA discorda com isto e escreveu um artigo sobre os ‘’bufos’’!! Segundo o PROF.
GERMANO MARQUES DA SILVA está se face a uma concepçao anti democratica de
processo: existem alvos faceis, sendo este genero de investigaçao feita relativamente
pessoas que tem um determinado problema que as torna susceptiveis a este tipo de
problemas. O PROF. JOSÉ LOBO MOUTINHO CONCORDA COM O PROF. GERMANO
MARQUES DA SILVA, A ideia a reter é que o agente encoberto envolve sempre a
utilizaçao de um modo enganoso de proceder, pelo que a lei incluiu isto num meio
muito parecido com os meios de obtençao de prova, tendo em consideraçao os
direitos fundamentais que se encontram em causa. Esta complemante excluida a
provocaçao do crime sob pena de nulidade. Mas é nula porque? A violaçao da lei
101/2001 conduz a que e com base em que? É qualificada nos termos do art. 126º/2
al. a) (‘’enganosos’’), sendo de salientar que a clausula de ofensa a integridade fisica
é aberta e não se esgota nas alienas.

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HIPÓTESES PRÁTICAS DE PROCESSO PENAL FDUCP

XXXIII

Gonçalo e Hugo, agentes da P.J., detêm João, pela prática, em flagrante delito, de um
crime de furto qualificado. João mostra-se colaborante com aqueles agentes da P.J.,
dizendo-lhes que tinha combinado, para o mesmo dia, uma aquisição de notas falsas
a Luís, nas bombas de gasolina junto ao estádio do S.C.P. Combinaram então que
todos se dirigiam, como acordado entre João e Luís, para aquele local. Aí chegados, o
Luís dirige-se ao João e, quando se encontrava a poucos metros de distância deste, é
detido pelos agentes da P.S.P. Realizada uma revista a Luís, foram encontradas na sua
posse 500 notas falsas de € 50.

1 - A revista de Luís é legal?

Atendendo ao art. 174º/5 al. c) a revista era legal. Além desta norma, poder-se-ia
ainda atender ao art. 251º al. a) que nem exigia que a detenção fosse realizada em
flagrante delito.

2 - Gonçalo e Hugo actuaram correctamente? Pode o seu depoimento ser utilizado no


processo entretanto instaurado a Luís, pela prática de um crime de passagem de
moeda falsa, na forma tentada?

(Ac. do S.T.J., de 06/05/04, C.J., t. 2, pp. 188 e segs.)

A questao esta em saber se esta diferença face ao caso anterior é ou não relevante?
No caso os agentes não tiveram qualquer influência na decisão, pelo que a prova
poderá ser utilizada.

No acordao havia uma nuance: ele mostrava-se colaborante e disse ‘’nos temos
combinado uma entrega mas ainda não fixamos o dia e a hora’’ e o policia é que
disse para marcar. Mesmo assim o STJ disse que já estava decidida a entrega, pelo
que o negocio estava mais do que decidido. Tal interferencia não se tornou uma
provocaçao. De facto na pratica as vezes não é facil.

NOTA: não se encontra consagrada no art. 133º a possibilidade de os órgãos de


polícia criminal poderem depor como testemunhas. Entende-se por testemunha quem
tem um conhecimento directo sobre um determinado facto, ou seja, viu os factos.

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HIPÓTESES PRÁTICAS DE PROCESSO PENAL FDUCP

XXXIV

Durante um inquérito que tem por objecto a investigação do homicídio de António,


são descobertas provas que indiciam que o mesmo terá sido cometido por Bento. O
Ministério Público emite um mandado de detenção de Bento, para que este seja
presente ao juiz de instrução, a fim de lhe ser aplicada uma medida de coacção. No
interrogatório o juiz apenas formula ao arguido perguntas gerais e abstractas, sem
concretização das circunstâncias de tempo, modo e lugar em que ocorreram os
factos que integram a prática do crime objecto do inquérito. Por outro lado, não dá a
conhecer ao arguido os elementos de prova que sustentam aquela imputação, sem
proceder a uma apreciação, em concreto, da existência de inconveniente grave
naquela concretização e na comunicação dos específicos elementos probatórios em
causa. Terminado o interrogatório, o juiz profere o seguinte despacho: «Tendo em
conta a gravidade do crime imputado ao arguido, deve presumir-se a existência, em
concreto, de perigo de fuga, pelo que determino que o arguido aguarde os termos
subsequentes do processo em prisão preventiva».

1 - Foram cumpridas neste interrogatório as formalidades previstas na lei? O que deve


fazer o arguido e quais as consequências de a sua alegação vir a ser considerada
procedente?

(Acórdãos do T.C. n.º 121/97 e 416/03, Ac. Tribunal Relação Porto, de 24/01/2001)

As perguntas tem de ser feitas de forma clara e inequivoca. O art. 194º remete para o
art. 141º/4. Quanto a factos a lei estabeleceu um dever de informação geral (factos
concretos para que um arguido inocente possa defender-se), mas quanto ao direito à
informação em relação a elementos de prova só se tal não colocar em causa meios
de prova. Uma solução paralela é dada em matéria de consulta dos autos
relativamente à aplicação de medidas de coacção. Nos termos do art. 194º/6 e ss
existe a limitação quanto à conveniência: o tribunal pode não mostrar ao arguido,
não o deixar consultar, os elementos de prova desde que haja perigo para a
investigação.

O PROF. JOSÉ LOBO MOUTINHO acha isto inconstitucional: nos acórdãos o argumento
é preservar o direito de recurso ao arguido; enquanto vigorou um certo entendimento
marxilista do segredo de justiça (até 97’) o tribunal constitucional disse que se não se
deixar o arguido ir aos autos ver os meios de prova qual é a sua base de recurso?

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HIPÓTESES PRÁTICAS DE PROCESSO PENAL FDUCP

Por exemplo, para prisão preventiva além dos requisitos constantes no art. 204º e 202º é
ainda necessários fortes indicios da prática de crime doloso: se não se tiver acesso aos
autos o que se discute no recurso? Deste modo, no caso para existir esta restrição de
acesso tal teria de ser devidamente fundamentado. Quando ao acórdão da Relação
consagra-se neste que tem de existir um acesso ainda que limitado aos autos. Caso
contrário, impedindo-se o completo acesso aos autos esta-se a esvaziar o direito ao
recurso.

2 - Concorda com este despacho? O que pode fazer o arguido para o impugnar?

Não, uma vez que não se pode presumir a existencia de perigo de fuga: é necessário
averiguar/demonstrar em concreto os factos e os elementos que apontam para estes
factos o perigo de fuga. Tal está sujeito à presunção de inocência.

Ele poderá recorrer nos termos do art. 219º/1. A partir do momento em que lhe foi
aplicada uma medida coactiva ele já não está detido, mas sim preso. Quando ao
harbeas corpus inicialmente tinha uma configuração diferente da que tem
actualmente: só se podia recorrer ao harbeas corpus quando não podia existir recurso.
Na interpretação sucessiva da jurisprudencia, o harbeas corpus transformou-se numa
providencia rapida para casos escandalosos. Desde que se verifiquem os pressupostos
do harbeas corpus, mesmo que haja possibilidade de recurso, pode-se usar o harbeas
corpus.

Tal é um caminho um quanto perigoso, segundo o PROF. JOSÉ LOBO MOUTINHO.


Deixou de ser uma providência que dava uma tutela a casos não apanhados pelo
recurso, mas também um ‘’112’’ para situações escandalosos, casos especialmente
graves e evidentes de limitação da liberdade. Tal reflecte-se na propria
regulamentação do harbeas corpus em casos de prisão ilegal.

3 – Se o M.P. requerer que o arguido preste uma caução, pode o J.I.C. determinar que
fique em prisão preventiva?

Neste caso é necessário atender ao art. 194º/2 e 3: no caso estava em causa a


hipotese de fuga o que se insere na al. a) do art. 204º. Naquilo que o legislador achou
que estava relacionado com o desenvolvimento da investigação (art. 204º al. b)) não
se pode nos termos do art. 194º/3; mas quanto à al. a) e c) já se pode nos termos do
art. 194º/2.

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HIPÓTESES PRÁTICAS DE PROCESSO PENAL FDUCP

4 - Suponha agora que o crime imputado ao arguido é um crime de homicídio


negligente (art. 137º do Código Penal). As suas respostas são as mesmas?

Não pode haver prisão preventiva, nem proibição nem imposição de condutas, nem
obrigação de permanência na habituação. A lei exige, além dos perigos da
liberdade, que haja fortes indicios da pratica de crime doloso nos termos do art. 201º e
202º.

PARTE VI

XXXV

António foi acusado por um crime de furto simples (art. 203º do Código Penal) pelo
Ministério Público. O assistente, Bento, não se conforma com esta acusação, por da
mesma não constar que o valor do objecto furtado é superior a € 8.000,00, pelo que
requer a abertura da instrução, concluindo que o arguido deve ser pronunciado pelo
crime p.p. no art. 204º, nº 1, al. a), do Código Penal.

Responda às seguintes questões:

1 – Pode o juiz de instrução pronunciar o arguido pelo furto qualificado?

Se o assistente quiser alterar substancialmente a acusação do Ministério Público tem


de requerer a abertura da instrução, nos termos do art. 287º CPP. Nos termos do art.
309º CPP, o objecto do processo na fase de acusação é delimitado não apenas pela
acusação do Ministério Púlico, mas também pelo requerimento de abertura de
instrução do assistente. O juiz não pode ultrapassar estas duas fronteiras, nos termos do
art. 303º/3 e 309º CPP. A nossa lei dá ao assistente a possibilidade de confirmar o
objecto do processo. Não o faz sozinho, tem de pedir ao juiz. Porquê? Porque o
assistente não actua de acordo com critérios de objectividade e imparcialidade. O
juiz nao pode conhecer de factos que alterem o objecto do processo. Neste caso o
juiz podia conhecer pelo crime de roubo? Não, se nem o Ministério Público nem o
assistente assim o tivessem entendido.

2 – Nesse caso, pode o arguido impugnar o despacho de pronúncia? Com que


fundamento?

O princípio geral é o da recorribilidade, nos termos do art 399º CPP. O art. 310/1º CPP é
uma norma excepcional que afasta a aplicação do art. 399º CPP. Só se aplica nos
casos expressamente previstos neste art. Distinguem-se decisões instrutórias que são
irrecorríveis e decisões que são recorríveis - a questão só se coloca quanto a
despachos de pronúncia! Os despachos de não pronúncia são sempre susceptíveis de
recurso. Quando é que os despachos de pronúncia são susceptíveis de recurso?

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HIPÓTESES PRÁTICAS DE PROCESSO PENAL FDUCP

Quando se trata de acusação particular, a não ser que o Ministério Público tenha
aderido à acusação do assistente. Nestas situações, o assistente e o Ministério Público
estão de acordo quanto aos mesmos factos. Nestes casos não se justifica recurso para
a Relação. Isto só se justifica quanto aos factos constantes da acusação do assistente
– Princípio da economia processual. Isto não viola os direitos de garantia do arguido?
O TC já se pronunciou quanto a isto: há uma razão objectiva para que seja assim, pois
o juiz e o Ministério Público são dois órgãos imparciais e estão de acordo quanto à
indiciação do arguido. (Tc 610/96).

No caso, não há acordo com o Ministério Público: a concordância tem de ser pelos
mesmos factos. Ex: tem de ser furto simples/furto simples. O recuso não é obrigatório,
mas o arguido tem a possibilidade de recorrer ou não.

3 – Suponha agora que António também requereu a instrução, invocando a prescrição


do procedimento criminal, a utilização de um meio de obtenção de prova ilícito e
ainda a nulidade do inquérito, por não ter sido ouvido. O juiz, no despacho de
pronúncia, julga improcedentes todas estas questões. Pode António recorrer deste
despacho?

(Ac. do STJ n.º 6/2000 e do TC n.º 216/99)

Art.310º/1/parte final CPP. Art.308º CPP Atendendo ao art. 310º/1 in fine e ao art. 308º -
indiciação dos factos diferente das questões prévias -nº3.

Ac.6/2000: o art.310º CPP quando estabelecia a irrecorribilidade do despacho de


pronúncia apenas estabelecia a irrecorribilidade dos factos previstos no art. 308º/1CPP
-indiciação dos factos. Quanto às questões prévias aplicava-se o regime geral do art.
299º CPP. Hoje tudo mudou, afastou-se este acórdão. No nosso caso, podia haver
recurso, portanto, podia abranger qualquer questão abrangendo estas matérias. Não
podendo haver recurso também não podia haver de nenhuma destas questões.

O PROF. HENRIQUE SALINAS defende que se devia poder resolver estas questões antes
do julgamento, porque se depois há algum problema, o processo tem de ser anulado
e volta para a fase de instrução. Assim não se garante a economia processual!

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HIPÓTESES PRÁTICAS DE PROCESSO PENAL FDUCP

XXXVI

António foi acusado por um crime de furto simples (art. 203º do Código Penal), tendo o
assistente, Bento, deduzido também acusação, mas acrescentado que o arguido fazia
do furto modo de vida (art. 204º, nº 1, al. e), do Código Penal). Não tendo havido
instrução, o presidente, depois de compulsados os autos, pretende:

1 - Rejeitar ambas as acusações, em virtude de entender que não resultam dos autos
indícios suficientes da prática de qualquer crime pelo arguido. Pode fazê-lo?

(“Assento” nº 4/93 e Acórdão do TC n.º 101/01)

Se houver despacho de não pronúncia pode voltar a ser acusado pelos mesmos
factos?

 PROF. GERMANO MARQUES DA SILVA:tem força de caso julgado formal- com


os mesmos factos e mesma prova não. Se descobrir novos, sim. Aplica-se por
analogia o art. 279º CPP.

 PROF. PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE: não, porque o despacho de não


pronúncia tem força de caso julgado material.

Nos termos do art. 311º/2 al. a) não havendo instrução, pois esta é a fase própria para
recolha de indícios (se o juiz de instrução diz que há indícios não pode ser o juiz a dizer
que não. O despacho de pronúncia tem força de caso julgado.), o juiz pode rejeitar
por considerar que não há indícios suficientes.

Assento 4/93 - foi afastado porque violava o princípio do acusatório. A nova redacção
da lei já está conforme este.

Critério do juiz de julgamento – art. 311ºCPP (saneamento): acusação manifesta ou


infundada.

Critério do juiz de instrução – art. 307º CPP (despacho de pronúncia): indícios


insuficientes.

O art. 311º/3 CPP densifica o conceito de “acusação infundada”, mas daqui não
consta a falta de indícios – a acusação sem prova seria impossível, pois o arguido seria
sempre absolvido. Neste número encontram-se os requisitos formais de acusação. É
afastada a jurisprudência fixada no assento nº 4/93. É necessário atender ao art.
283º/3.

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HIPÓTESES PRÁTICAS DE PROCESSO PENAL FDUCP

2 - Rejeitar a acusação do assistente. Pode fazê-lo?

O assistente acusa por furto qualificado e o Ministério Público por furto simples. A
acusar por furto qualificado o que estaria o assistente a fazer da acusação do
Ministério Público? A introduzir alteração substancial. Pode? Tem de ter a confirmação
do juiz de instrução, nos termos do art. 284º/1CPP. Neste caso, havendo duas
acusações, este processo será enviado para julgamento e no saneamento (art.311º) o
juiz detectará isto e terá de rejeitar!

XXXVII

António foi acusado por um crime de furto simples (art. 203º do Código Penal).
Realizada a audiência de julgamento suscitam-se as seguintes questões:

1 - Poderá António ser condenado, com base nos mesmos factos, por um crime de
burla (art. 217º). Em que termos?

(Assento do STJ n.º 2/93, Acórdão do TC n.º 445/97, e Assento do STJ n.º 3/2000)

Trata-se de alteração da qualificação jurídica, porque se diz “com base nos mesmos
factos”. Nos termos do art. 303º e 358º e 359º CPP o objecto do processo é o mesmo.

Art. 303º e 309º CPP - se for alteração do objecto na instrução. Se for no julgamento –
art. 358º e 359º CPP.

Art. 358º/3 CPP- manda aplicar o seu nº 1- alteração não substancial dos factos. O
tribunal pode alterar a qualificação desde que comunique ao arguido e lhe dê tempo
para preparar a sua defesa.

Assento 2/93- já não se aplica.

No início não estava estabelecido nenhum regime. Discutia-se se devia ficar sujeito ao
regime da alteração dos factos.

O PROF. GERMANO MARQUES DA SILVA defendia que devia ficar sujeita ao mesmo
regime da alteração dos factos, que pode ser substancial ou não, se não for alteração
da pena ou imputação de crime diferente.

O TC vem dizer que são duas coisas diferentes e por isso têm de seguir regimes
diferentes. O STJ dizia que o arguido se defende de factos e não de qualificações.
Hoje não se pode dizer que a qualificação seja inferente para a defesa.

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page 85


HIPÓTESES PRÁTICAS DE PROCESSO PENAL FDUCP

O assento foi declarado inconstitucional, mas apenas na medida em o tribunal não


concedesse oportunidade de defesa ao arguido. Assim, concedeu-se direito de
defesa ao arguido, com este regime previsto no CPP. O PROF. GERMANO MARQUES
DA SILVA não concorda com esta solução, pois defende que o direito de defesa não
se encontra, também assim, assegurado.

2 - Todas as testemunhas afirmam que o objecto furtado tem valor elevado. Pode o
tribunal dar como provado este facto e, em consequência, condenar António por furto
qualificado (art. 204.º, n.º 1, al. a))? Em qualquer caso, o que deve fazer o juiz?

Alteração dos factos ou da qualificação jurídica? Os factos são diferentes! O objecto


tem valor elevado e este facto não constava da acusação do Ministério Público. É
alteração dos factos, mas substancial ou não substancial (358º/1)? Trata-se de uma
alteração substancial – art. 359º - os factos novos não podem ser conhecidos pelo
tribunal a não ser que o arguido e os outros sujeitos processuais estejam de acordo
quanto a isso.

Antes desta redacção a posição majoritária defendia que o tribunal não pode
conhecer dos novos factos, mas que valem como denúncia para o Ministério Público
proceder como factos novos de que toma conhecimento. Na fase de julgamento - o
processo era remetido para a fase de inquérito para que o Ministério Público voltasse a
investigar e deduzisse nova acusação. Descobria-se a verdade material, mas tinha
muitos inconvenientes.

Nova posição: a lei só permite isto se estes factos forem autonomizáveis quanto ao
processo, ou seja, o processo não regressa ao passado, os novos factos é que serão
alvo de inquérito por parte do Ministério Público. Foi esta a solução que se quis
consagrar na redacção actual do CPP. O processo continua. A comunicação dos
factos novos só é feita se estes forem autonomizáveis.

Se não houver acordo do arguido e outros sujeitos processuais o que poderá fazer o
juiz na sentença final?

O tribunal apenas poderá condenar por furto simples se os factos forem dados como
provados. Não pode colocar o valor da coisa na sentença, senão é nula, nos termos
do 279º CPP.

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HIPÓTESES PRÁTICAS DE PROCESSO PENAL FDUCP

Os factos são autonomizáveis? Não, porque o valor não é crime. Não pode ser
investigado no âmbito do processo penal. Nem em abstracto nem concretamente
são subsumíveis a um determinado tipo de crime.

3 - Todas as testemunhas afirmam que o objecto furtado estava no interior da


residência do ofendido, de onde António o retirou, tendo arrombado a porta para se
introduzir no seu interior. Pode o tribunal dar como provado este facto e, em
consequência, condenar António por furto qualificado (art. 204.º, n.º 2, al. e))? Em
qualquer caso, o que deve fazer o juiz?

Alteração de factos ou da qualificação jurídica? Alteração de factos! Substancial, o


que tem por efeito o aumento do limite máximo da pena. O processo, se não houver
acordo, continuará pelo furto simples. Os factos são autonomizáveis porque são
subsumíveis a um crime. Pode, em separado, vir a ser julgado pelo crime de dano?
Não, porque o crime que cometeu é um crime único. Trata-se do que se chama
sacrifício parcial da verdade material. Mas o arguido não tem nada a ver com isto, isto
ficou a dever-se a uma má investigação do Ministério Público.

O PROF. HENRIQUE SALINAS defende que este dever de comunicação do juiz ao


Ministério Público não faz sentido. O Ministério Público tem sempre de agir quando
tenha conhecimento de um crime. Esta distinção de factos autonomizáveis ou não,
não tem relevância pratica, pois a decisão de agir ou não, cabe ao Ministério Público.

4 - Algumas testemunhas, vizinhos de António, afirmam que este, para além do furto do
objecto que lhe foi imputado na acusação, duas horas depois, quando estava a
chegar a casa e depois de ter ido almoçar com uns amigos, se apropriou de um
telemóvel de Duarte, que estava no interior da sua viatura. Pode o tribunal dar como
provado este facto e, em consequência, condenar António por furto qualificado (art.
204.º, n.º 1, al. b)), para além do furto simples? Em qualquer caso, o que deve fazer o
juiz?

(Acórdão do TC n.º 226/2008 e Ac. do STJ de 5.03.2008, Proc. 07P3259)

Alteração do objecto do processo, porque é um crime completamente diferente. O


processo não pode prosseguir, nem havendo acordo. Trata-se de novos factos que
correspondem a um novo objecto. Porque é que a lei não permite? Princípio do
acusatório. Competência por conexão subjectiva territorial se fosse na mesma
comarca. Assim, o juiz podia determinar a apensação

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