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FichaAvaliacao1 U1
FichaAvaliacao1 U1
1 — Ficha de avaliação
GRUPO I
Apresente as suas respostas de forma bem estruturada.
A
Leia com atenção o poema «Sou um evadido», de Fernando Pessoa.
Sou um evadido.
Logo que nasci
Fecharam-me em mim,
Ah, mas eu fugi.
5 Se a gente se cansa
Do mesmo lugar,
Do mesmo ser
Por que não se cansar?
Ser um é cadeia,
Ser eu não é ser.
15 Viverei fugindo
Mas vivo a valer.
Fernando Pessoa,
Poesias inéditas (1930-1935),
Lisboa, Ática, 1955.
Esta existência [de Afonso da Maia] nem sempre assim correra com a
tranquilidade larga e clara dum belo rio de verão. O antepassado, cujos olhos se
enchiam agora duma luz de ternura diante das suas rosas, e que ao canto do lume
relia com gosto o seu Guisot, fora, na opinião de seu pai, algum tempo, o mais feroz
5 jacobino1 de Portugal! E todavia, o furor revolucionário do pobre moço consistira em
ler Rousseau, Volney, Helvetius2, e a Enciclopédia; em atirar foguetes de lágrimas à
Constituição; e ir, de chapéu à liberal e alta gravata azul, recitando pelas lojas
maçónicas odes abomináveis ao Supremo Arquiteto do Universo3. Isto, porém,
bastara para indignar o pai. Caetano da Maia era um português antigo e fiel que se
10 benzia ao nome de Robespierre, e que, na sua apatia de fidalgo beato e doente, tinha
só um sentimento vivo — o horror, o ódio ao jacobino, a quem atribuía todos os
males, os da pátria e os seus, desde a perda das colónias até às crises da sua gota.
Para extirpar da nação o jacobino, dera ele o seu amor ao senhor infante D. Miguel,
messias forte e restaurador providencial... E ter justamente por filho um jacobino
15 parecia-lhe uma provação comparável só às de Job!
Ao princípio, na esperança de que o menino se emendasse, contentou-se em lhe
mostrar um carão severo e chamar-lhe com sarcasmo — cidadão! Mas quando soube
que seu filho, o seu herdeiro, se misturara à turba que, numa noite de festa cívica e
de luminárias, tinha apedrejado as vidraças apagadas do senhor legado de Áustria,
20 enviado da Santa Aliança — considerou o rapaz um Marat e toda a sua cólera
rompeu. A gota cruel, cravando-o na poltrona, não lhe deixou espancar o mação, com
a sua bengala da Índia, à lei de bom pai português: mas decidiu expulsá-lo de sua
casa, sem mesada e sem bênção, renegado como um bastardo! Que aquele pedreiro
livre não podia ser do seu sangue!
25 As lágrimas da mamã amoleceram-no; sobretudo as razões de uma cunhada de
sua mulher, que vivia com eles em Benfica, senhora irlandesa de alta instrução,
Minerva respeitada e tutelar, que ensinara inglês ao menino e o adorava como um
bebé. Caetano da Maia limitou-se a desterrar o filho para a Quinta de Santa Olávia;
mas não cessou de chorar no seio dos padres, que vinham a Benfica, a desgraça da
30 sua casa. E esses santos lá o consolavam, afirmando-lhe que Deus, o velho Deus de
Ourique, não permitiria jamais que um Maia pactuasse com Belzebu e com a
Revolução! E, à falta de Deus-Padre, lá estava Nossa Senhora da Soledade, padroeira
da casa e madrinha do menino, para fazer o bom milagre.
E o milagre fez-se. Meses depois, o jacobino, o Marat, voltava de Santa Olávia um
35 pouco contrito, enfastiado sobretudo daquela solidão, onde os chás do brigadeiro
Sena eram ainda mais tristes que o terço das primas Cunhas. Vinha pedir ao pai a
bênção, e alguns mil cruzados, para ir a Inglaterra, esse país de vivos prados e de
cabelos de ouro de que lhe falara tanto a tia Fanny. O pai beijou-o, todo em lágrimas,
acedeu a tudo fervorosamente, vendo ali a evidente, a gloriosa intercessão de Nossa
40 Senhora da Soledade!
Eça de Queirós, Os Maias — Episódios da vida romântica,
Porto, Porto Editora, 2002.
GRUPO II
Nas respostas aos itens de escolha múltipla, selecione a opção correta.
Escreva, na folha de respostas, o número do item e a letra que identifica a opção
escolhida.
Leia o excerto que se segue, do Diário de Miguel Toga.
Vila Nova, 7 de novembro de 1934 — Acabou hoje tudo. Como sempre, fiquei
derrotado. Quando já não era possível ter ilusões, agarrava-me a uma ilusão ainda
maior e... esperava. É coisa que nunca pude destruir em mim: a ideia de que um ser,
desde que nasce, fica logo com direito (e obrigação) de viver os sessenta anos da
5 média. Pelo menos os sessenta anos da média. Muitas vezes me aconteceu ir a férias e
assistir a uma sementeira de meu Pai. Depois, ver o milhão ou o linho a despontar. E,
embora sabendo que aquelas vidas eram efémeras, voltar à leira nas férias seguintes e
ficar desolado ao ver lá, em vez de linho ou milhão, um batatal espesso. E dizer a meu
Pai: «— Então o linho que havia aqui? — Colheu-se em agosto, filho.» Em agosto,
10 realmente, o linho amadurece. Nos curtos meses que a natureza determina, tira ao sol
o mais calor que pode e enche-se dele. Depois dá sinais de cansaço, e morre.
Mas este pequenito ainda não tinha bebido nenhum sol. Ainda estava na
primeira semana. Nem o caule sobriamente fibroso, nem a flor azul e delicada, nem a
semente parda e madura. E foi por tudo isto que, ao chegar ao quarto, tive a sensação
15 mais dolorosa da minha vida. Ali estava, ainda não substituído por cevada ou centeio,
mas prestes. A mãe lavada em pranto. E ele, muito branco, muito discreto, voltado
para a parede, a renegar de costas os remédios inúteis espalhados pela mesa-de-
-cabeceira.
Um médico nem sequer pode chorar. Só pode pegar no bracito magro e morno,
20 apertar a artéria inerte e ficar uns segundos a trincar os dentes. Depois sair sem dizer
nada.
Quem saberá por aí uma palavra para estes momentos? Uma palavra para um
médico dizer a esta mãe, que entregou à vida um filho vivo e recebeu da vida um filho
morto.
Miguel Torga, Diário, vols. I-VIII (1941-1959),
Lisboa, Publicações Dom Quixote, 1995.
GRUPO III
«Viverei fugindo / Mas vivo a valer»
Fernando Pessoa
Observações:
1. Para efeitos de contagem, considera-se uma palavra qualquer sequência delimitada por espaços em
branco, mesmo quando esta integre elementos ligados por hífen (ex.: /opôs-se-lhe/). Qualquer número
conta como uma única palavra, independentemente dos algarismos que o constituam (ex.: /2016/).
2. Relativamente ao desvio dos limites de extensão indicados — entre duzentas e trezentas palavras —
há que atender ao seguinte:
— um desvio dos limites de extensão indicados implica uma desvalorização parcial (até 5 pontos) do
texto produzido;
— um texto com extensão inferior a oitenta palavras é classificado com zero pontos.