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Tipos de intervenção verbal do terapeuta

Uma teoria das técnicas de psicoterapia requer uma conceituação de seus


instrumentos, que está intimamente ligada a uma concepção do processo terapêutico. As
intervenções dos terapeutas são instrumentos essenciais desse processo. Assim sendo, é
importante deter-se na discussão teórica dos fundamentos e alcances de cada um destes
recursos técnicos. É importante, sobretudo, clarificar o sentido do emprego de cada urna
destas intervenções e seu valor como agente de modificação. Para esta compreensão concorre
valiosamente toda a vasta experiência clínica acumulada no campo das psicoterapias, certas
contribuições teóricas e técnicas da psicanálise, a teoria e as técnicas centralizadas na
comunicação, teorias da aprendizagem e conceitos provenientes da psiquiatria social e da
teoria.

Um inventário de intervenções verbais do terapeuta que são ferramentas nas


psicoterapias inclui necessariamente as seguinte1s:

1. Interrogar o paciente pedir-lhe dados precisos, ampliações e aclarações do relato.


Explorar em detalhe suas respostas.

2. Proporcionar informação.

3. Confirmar ou retificar os conceitos do paciente sobre sua situação.

4. Clarificar, reformular o relato do paciente, de modo a que certos conteúdos e relações


do mesmo adquiram maior relevo.

5. Recapitular, resumir pontos essenciais surgidos no processo exploratório de cada


sessão e do conjunto do tratamento.

6. Assinalar relações entre dados, seqüências, constelações significativas, capacidades


manifestas e latentes do paciente.
7. Interpretar o significado dos comportamentos, motivações e finalidades latentes, em
particular os conflituosos.

8. Sugerir atitudes determinadas, mudanças a título de experiência.

9. Indicar especificamente a realização de certos comportamentos com caráter de


prescrição (intervenções diretivas).
10. Dar enquadramento à tarefa.

11. Metas-intervenção: comentar ou aclarar o significado de haver recorrido a qualquer


das intervenções anteriores.

12. Outras intervenções (cumprimentar, anunciar interrupções, variações ocasionais nos


horários etc.)
Pelo fato de muitas destas intervenções se acharem historicamente ligadas ao
desenvolvimento da técnica psicanalítica e de que esta aparece como a técnica
psicoterapêutica com maior respaldo teórico de base, torna-se importante para uma teoria
geral das técnicas de psicoterapia deslindar as condições de uma utilização. Técnica diferente
destas intervenções, isto é, compará-las com o sentido de sua utilização tradicional na
psicanálise. Acho que isto pode contribuir para que se evitem extrapolações ·indevidas de uma
técnica para as outras, permitindo- se a estas últimas que construam suas próprias leis.
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Interrogar

É um dos recursos essenciais ao longo de todo o processo terapêutico, não apenas em


seu início. Em psicoterapia, perguntar é continuamente consultar a consciência do paciente, é
também sondar as limitações e distorções dessa consciência, é, ainda, transmitir um "estilo
interrogativo", um modo de colocar frente aos fenômenos humanos com atitude
investigadora. Revela também um terapeuta não onipotente; isto é básico: na formulação de
perguntas ao paciente e no emprego dos dados por ele fornecidos, está contido um vínculo
com papéis cujo desnível é atenuado, embora se tratem de papéis diferentes.

Ao pedir detalhes precisos sobre cada situação pode-se transmitir, além do mais, um
respeito do terapeuta pelo caráter estritamente singular da experiência do paciente, isto é,
uma atitude não esquemática, que não sofre a tentação das generalizações fáceis. É também
uma maneira de indagar sobre a perspectiva em que o paciente coloca sua situação: cada
resposta às perguntas do terapeuta 'contém elementos (de conteúdo e forma) reveladores de
uma mundo visão pessoal, completamente singular, da situação.

Estas influências do perguntar nas psicoterapias merecem ser destacadas, numa


cultura profissional como a nossa, influenciada marcadamente pela prática técnica da
psicanálise, já que nesta última nem sempre é tão decisivo pedir detalhes sobre as situações
reais a que se alude em sessão, visto que freqüentemente se procura construir um modelo de
fantasia inconsciente vincular latente a partir dos conteúdos manifestos do relato. Neste caso,
para abstrair o vínculo objetal contido no relato, muitos detalhes podem ser tomados como
acréscimos irrelevantes do manifesto. Nas psico terapias, pelo contrário, é necessário
trabalhar muito mais sobre as situações de realidade do paciente, indagar a complexidade
psicológica das mesmas, enredada precisamente em muitos detalhes e matizes reais da
situação. Um exemplo: se na psicanálise um paciente começa a falar, em sessão, das brigas
que tem com o pai por causa do negócio em que ambos são sócios, negócio que o pai tende a
conduzir autoritariamente, é provável que estes elementos bastem para que se comece a
pensar na problemática da dependência na transferência. Na psicoterapia dinâmica, por
exemplo, importará averiguar muitos dados de realidade. Como foi que os dois se associaram
de quem foi a iniciativa, se houve acordos prévios sobre a direção da empresa em comum, que
perspectivas tem o paciente sobre seu futuro econômico, a atividade se ajusta a seus
interesses vocacionais, como encara sua esposa esta sociedade etc.? Cada um destes detalhes
fornecerá elementos para enriquecer hipóteses que aspirem a dar conta de uma situação
(mundo interno-mundo interpessoal em suas ações recíprocas) com seus complexos e variados
matizes.

FRAGMENTO DE UMA SESSÃO DE PSICOTERAPIA


T: "Que valor teve para o senhor o fato de ela lhe telefonar antes da viagem?"

P: "Um valor duvidoso, porque ela lhe telefonou quando já não nos podíamos
encontrar. De qualquer modo, gostei, não é?"

T: "Como foi que o senhor lhe transmitiu seu interesse por ela?"
P: "Eu lhe disse: 'Que azar você não me ter encontrado ontem! Poderíamos ter
marcado um encontro'."

T: "Para o senhor, isso dela, já que foi dito assim tão em cima da hora de partir, não
expressava um compromisso profundo?"

P: "Claro, acho que para um compromisso maior não se espera dois meses para o
momento de se despedir. Essas coisas me dão raiva."

T: "Segundo o senhor havia comentado, ela em geral não é de expressar seu interesse
pelos demais; espera que se interessem por ela. Sendo assim, o fato de ela lhe
telefonar não tinha um valor especial?"
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P: "Sim, encarado do ponto de vista de como ela é em geral, pode-se dizer que me
estava dando uma bola bárbara, mas acontece que para o meu gosto o modo de agir
tem que ser diferente, nada de rodeios."

T: "Que lhe disse o senhor ao se despedir? Como deixou colocada a coisa?"

P: "Disse para ela: 'Olhe, gostei de me ter telefonado, mas espero que quando voltar
não esteja tão ocupada, ouviu? Tchau'." Como se pode ver, estas respostas revelam
um estilo, o funcionamento egóico do paciente para avaliar a situação interpessoal,
suas exigências dentro de uma ótica narcisista, a contribuição do paciente com suas
mensagens para uma situação evitativa, embora arriscando algumas demonstrações
de interesse pessoal pela outra pessoa. Perguntar aqui, e em detalhe, permite então
que se obtenha grande quantidade de informação, de níveis mais amplos que os de
uma mera ampliação "de detalhe" do conteúdo manifesto de um relato. As
experiências sobre a utilidade de uma indagação minuciosa são abundantes. Assim
sendo, é possível que "perguntar muito" seja uma das primeiras regras de uma técnica
psicoterapêutica eficiente.

Uma variedade particular de exploração, sumamente rica, é a que se apóia em


intervenções dramatizadoras do terapeuta:

- "Imagine por um momento esse dialogo: ao contrario de que a senhora acreditava, ele se
decide se casar chega e lhe diz de surpresa, decidi: vamos casar no fim do ano!' Que resposta
lhe da?”

- "Vejamos: vem seu pai e lhe diz: “não vou lhe dar agora o dinheiro que te cabe, porque
preciso dele para um negocio urgente. Como o senhor lhe responderia para que ele confirme
uma vez mais que não tem por que pedir-lhe permissão para usar seu dinheiro?”

Simplesmente perguntando, dramatizando ou não, o terapeuta põe em ação vários


estímulos de mudança: um, primordial, é que exercita com o paciente uma constante
ampliação do campo perceptivo (reforçamento de uma das funções egóicas básicas); e mais:
toda explicitação verbal recupera fatos, relações, que se achavam no mundo do implícito
emocional. Líberman (1) destacou, além disso, o papel reforçador do ego que está contido na
experiência de ouvir-se falar. Todo estimulo para a explicitação visa a romper as limitações e o
encobrimento presentes no uso cotidiano da linguagem convencional. Por exemplo: Que quer
dizer: "fui apresentado a ele, e ele 'se mostrou frio no trato"? Em que consiste a "frieza" dos
outros para cada um? Supõe-se uma observação não participante neste discurso, porque qual
foi o "calor" com que, em compensação, contribuiu o sujeito? Na psicoterapia, é essencial
passar dos dados iniciais da experiência subjetiva à análise minuciosa das situações. Toda
situação levanta numerosas questões. Talvez algo importante para o terapeuta seja
compreender que não se trata de indagar para só depois operar terapeuticamente, mas sim
que a própria indagação já contém estímulos terapêuticos de particular importância.

Informar
O terapeuta é não apenas um investigador do comportamento, mas também o veículo
de uma cultura humanista e psicológica.Sob este aspecto, o terapeuta cumpre uma função
cultural: é docente, dentro de uma perspectiva mais profunda e abrangente de certos fatos
humanos. Esta perspectiva é também alimentada com informação, já que o déficit de
informação .é um componente às vezes tão importante para a obscuridade e a falsa
consciência de uma situação corno os escotomas criados pelos mecanismos repressivos
individuais.

Nas psicoterapias é altamente pertinente aclarar para os pacientes elementos de


'higiene sexual, perspectivas da cultura adolescente atual, ou a problemática social da mulher.
Também, explicar-lhe (pode ser útil, inclusive, servir-se de esquemas) certos aspectos da
dinâmica dos conflitos. Esta informação pode ampliar-se pela recomendação de leituras. A
experiência mostra que a mensagem que o paciente retira dessas leituras, sua experiência
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global frente à "bibliografia", é sumamente rica para esclarecer conflitos de toda índole
(conflitos com o tema, com o saber, com o autor, com o terapeuta). Proporcionar ou facilitar
esta informação geral que enquadra a problemática do paciente desempenha um papel
terapêutico específico: cria uma perspectiva dentro da qual os problemas do paciente, com
toda a sua singularidade, deixam de ser vistos corno algo estritamente individual que "só a ele"
acontece. A falta deste quadro de referência cultural favorece, inversamente, a sensação de
ser o único com tais problemas, isto é,' uma perspectiva ditada pelo superego (acusador, às
vezes, também, a partir de seu complementar ideal do ego narcisista onipotente). Ao
entrevistar famílias, por exemplo, verifiquei que é importante incluir referências sobre as
dificuldades gerais que a família, enquanto instituição enfrenta socialmente. Encaradas dentro
desse quadro de referência, todas as dificuldades particulares do grupo tornam-se logo
passíveis de abordagem, sem o clima persecutório que é criado forçosamente pelo fato de
alguém ficar meramente ocupado vendo "o que acontece com este grupo que vai mal" (com a
suposição tácita de que todas as demais famílias funcionam bem, donde se conclui que os
problemas desta decorrerão exclusivamente dos defeitos de seus indivíduos).

Naturalmente, esta informação vem a ser sumamente relevante se a entendermos,


também, corno portadora de um questionamento social das dificuldades criadas para
indivíduos e grupos inseridos no conjunto do sistema. Ou seja, não simplesmente saber "que
outros também têm dificuldades", mas esboçar uma interpretação de que contradições
existentes entre exigências e possibilidades dos grupos humanos são mobilizadas pelas
contradições da estrutura social vigente. Tratar a problemática psicológica sem esta
perspectiva crítica é criar a ilusão de que a enfermidade é assunte estritamente pessoal do
paciente, de seus dinamismos intrapsíquicos e, no máximo de seus pais. Não informar, em tais
circunstancia (omissão técnica), constitui de fato um falseamento da ótica psicossocial
necessária para compreender os dinamismos psicológicos Individuais e grupais (distorção
ideológica).

Confirmar ou retificar enunciados do paciente


Este tipo de intervenções é inerente ao exercício de um papel ativo do terapeuta nas
psicoterapias. A retificação permite ressaltar os escotomas do discurso, as limitações do
campo da consciência e o papel das defesas desse estreitamento. Estas intervenções
contribuem para enriquecer esse campo. e sumamente proveitoso observar em detalhe como
o paciente manipula a contribuição retificadora do terapeuta (assumindo-a e usando-a,
aceitando-a formalmente, ou negando-a e retornando a ·sua perspectiva anterior). A
confirmação pelo terapeuta de uma determinada maneira de compreender-se do paciente não
é, certamente, um acontecimento de pouca importância. Contribui para consolidar nele uma
confiança em seus próprios recursos eg6icos; 'isto significa que toda ocasião em que o
terapeuta possa estar de acordo com a interpretação do paciente é oportuna para estimular
seu potencial de crescimento. Em pedagogia, estas intervenções se destacam como essenciais
para um princípio geral da aprendizagem: o reforço de desempenhos positivos.

A capacidade de o terapeuta atuar flexivelmente com retificações e confirmações dos


enunciados do paciente é fundamentai para criar um clima de equanimidade, próprio de uma
relação "madura'". A falta desse clima de equanimidade parece refletir-se na queixa de muitos
pacientes de que a sessão só serve para apontar seus defeitos e erros. Nestes casos,
sumamente freqüentes, creio que se assiste a uma ligação transferencial - contratransferencial
muito particular: o paciente, acossado por suas auto-agressões súperegôícas, encontra no
terapeuta intervenções predominantemente retificadoras, acentuadoras do seu lado
"enfermo", que encarnam o superego projetado, materializam-no. Com este papel
contratransferência assumido, fecha-se uma estrutura de vínculo infantil de dependência,
tendente à inércia e não ao crescimento.
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Retificações

- "A senhora destaca como seu marido estava mal-humorado, que se mostrou pouco receptivo
para o que a senhora lhe queria transmitir; mas não menciona como a senhora se encontrava
nesses momentos, como se aproximou dele, transmitindo o quê, e bem como se encontrava
antes, no momento de sair."

- "Veja, não creio que somente tivesse sentido medo de se aproximar e medo de que a relação
amorosa não fosse sair tão perfeita como da vez anterior: porque havia dados demonstrativos
de que os dois continuavam bastante ligados. Acho que sentia medo também de Ir tão rápido,
em três dias, de tanta entrega' de um para com o outro."
- "O senhor parte da idéia básica de que uma conquista, como foi esta promoção, tem que
deixá-lo muito contente, porque era o que o senhor desejava; não resta dúvida, mas, por outro
lado, essa conquista significa mudanças, deixar o que já tinha como pr6prio; indica também
que o tempo passa e que o senhor já não 6 mais uma criança,"

Confirmações

- "A senhora pensou que algo no seu comportamento desse dia havia Influído para que ele se
fechasse; e 6 muito provável, porque quase sempre as situações de incomunicação no casal se
criam, sutílmente, pela ação recíproca de ambos. Parece-me importante que a senhora tenha
podido detectar também o seu lado do problema, porque alertada para esta possibilidade,
,talvez' consiga ir observando com maior sutileza como é que os dois procedem para criar
estes poços de incomunicação."

- "Acho que a senhora também percebeu que lhe dava medo continuar a 'envolver-se' quando
disse a ele que também tinha muita vontade de vê-lo logo, depois desligou o telefone, sentiu
uma aflição no estômago e reparou que estava tensa. Acho que vai se conhecendo melhor
Desse medo que não julgava ter quanto às relações do casal."

- "Sim, certamente, além de deixá-lo feliz, esta mudança contribuiu para os sentimentos de
pesar que o invadiram na mesma hora em que recebeu a notícia. Estou de acordo com o
senhor: até o fato de ganhar uma fortuna pode obrigar à perda de certas coisas, e trazer com
isso, paradoxalmente, uma certa tristeza."

A resposta do paciente a estas confirmações é também rica em sugestões: é um índice do nível


em que se registra o acordo, ou mais maduro (aceitação do próprio potencial de avaliação
realista de suas circunstâncias) ou mais. Infantil (confirmação de sentimentos de onipotência,
ou, inversamente, negação da evidência de suas capacidades e refúgio nas do terapeuta). O
trabalho em cima de tais respostas é, por Isso, ocasião de elaborações imediatas sumamente
produtivas.
Clarificações

Estas intervenções visam a conseguir desembaraçar o relato emaranhado do paciente


a fim de recortar os elementos; significativos do mesmo. Freqüentemente essa clarificação
vem por meio de uma reformulação sintética do relato. Depois de ouvir por vários minutos, o
terapeuta diz: _ "Então o senhor trabalhava confiante em que tudo ia bem, até que esta
pessoa lhe fez uma crítica, c daí pra frente o senhor começou a duvidar de tudo o que fez, e
esta dúvida serviu de fato para alterar o seu rendimento subseqüente."

_ "Nestes dias todos, durante a viagem, havia um clima de paz; de repente. sem que o senhor
saiba como, todo esse clima se desfez e voltaram a surgir desconfianças e censuras."
_ "O senhor fala agora não apenas de um problema afetivo dentro da relação de casal, mas de
uma dúvida sua, mais geral, sobre o que o senhor pode dar de si também em outros planos,
com seus amigos, no trabalho."
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Estas intervenções vão preparando o campo para uma penetração nos aspectos
psicologicamente mais ricos e compreensíveis, o que se fará por meio de assinalamentos e
interpretações. Ao mesmo tempo, "ensinam" um 1Dodo de perceber a própria experiência: o
paciente aprende com elas a observar seletivamente, a percorrer a massa dos acontecimentos
e de suas vivências e a fixar pontos marcantes, incorporando, assim, um método que faz
chegar à autocompreensão pela discriminação. Em pacientes com funções egóicas
enfraquecidas, concomitantemente afetadas por uma delimitação precária do ego (ou seja,
tendências ao sincretismo e à confusão), as clarificações desempenham, durante grande parte
do processo terapêutico, o papel de instrumentos primordiais, na medida em que assentam as
premissas para que em algum momento outras intervenções, de tipo interpretativo, por
exemplo, possam ser ativamente elaboradas.

Recapitulações

A certa altura da sessão, o terapeuta diz:

- "Hoje, então, surge em primeiro lugar a circunstância de como o senhor sempre sofreu,
passivamente, o domínio de sua mãe, não se animou a explodir nunca, e isso deixou também
no senhor um ressentimento enorme consigo mesmo. Depois aparece esse seu modo de estar
alerta frente a qualquer propósito de dominação por parte de sua esposa, algo que o torna
muito suscetível. E agora isto de o senhor não se dedicar a si próprio, não se cuidar, não se
interessar por sua roupa, nem reclamar o cargo que lhe cabe, como se odiasse. Preste atenção
nestes três elementos que aparecem hoje porque deve haver entre eles muitas ligações que
abarcam sua família, seu casamento e seu trabalho."

A certa altura do tratamento, o terapeuta diz:

- "Nos últimos três meses o senhor se havia concentrado no problema que vinha tendo com os
estudos. Enquanto isso, a situação sentimental ficava relegada a um segundo plano, como para
não remoer tanta coisa ao mesmo tempo."
- "Agora, aclarado o problema vocacional, 'está na vez' dos sentimentos e o senhor nestes
últimos dias não faz outra coisa senão pensar na sua situação sentimental - " o faz com ênfase
excessiva, provocada pela espera."

E em outro tratamento:

- "Até agora, a maior parte do esforço que a senhora fez no tratamento foi para começar a
diferenciar quem era a senhora e quem era a sua família (mamãe, papai, irmão) e dar-se conta
de que não eram uma só pessoa, nem um corpo único. Só agora entra no trabalho de começar
a ver, a descobrir o que a senhora pode fazer consigo mesma, o que pode sair da senhora que
não venha deles, e sente-se confusa porque está muito no início desta etapa."

Tal como as clarificações, estas intervenções estimulam o desenvolvimento de uma


capacidade de síntese. Em nosso meio, por uma questão de simples hipertrofia do trabalho
"analítico", muitos terapeutas são levados a descuidar do momento sintético, tão essencial
como aquele e complementar do mesmo. Sempre que não sofra distorções, como quando a
tomam por indutora de fechamentos estáticos, esta atividade de síntese é fundamental no
processo terapêutico para produzir recortes e "fechamentos" provisórios (como os degraus de
uma escada rolante). Sem se firmar continuas sínteses provisórias, o processo de pensamento
não avança. Permanece estancado, sem trampolins, em uma zona difusa e ilimitada de
fragmentação "analítica", em segmentos cada vez menores. Sartre mostrou que a dialética do
conhecimento opera por meio de um movimento contínuo de totalização-destotaIização-
retotalizações, movimentos através do qual se visa a uma "autodefinição sintética
progressiva". As recapitulações, como as interpretações panorâmicas (diferenciadas das
microscópicas), são instrumentos essenciais desse processo.

Em um paciente com difusão da identidade (limites imprecisos do ego) e


enfraquecimento egóico numa etapa de crise, o método de recapitulações continuas (ao final
de cada sessão e em períodos de três ou quatro sessões) foi considerado altamente
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proveitoso. Surgiu por proposta do paciente, depois de haver notado que s6 conseguia pensar
a partir dessas recapitulações. No meu entender, estas intervenções ofereciam um suporte
provisório no qual se apoiavam, para exercitar-se, seus recursos egóicos (percepção, reflexão,
descobrimento de relações).

Assinalamentos

Estas intervenções, de uso constante nas psicoterapias, atuam estimulando no


paciente o desenvolvimento de uma nova maneira de perceber a própria experiência.
Recortam os elos de uma seqüência ("primeiramente a senhora recebeu essa notícia e, em
seguida, sem saber por que, começou a se sentir deprimida"), chamam a atenção sobre
componentes significativos dessa experiência habitualmente passados por alto ("observe em
que momento o senhor decidiu telefonar para ela: justamente quando já não tinham tempo
para se encontrar"), mostram relações peculiares ("já aconteceu várias vezes surgir aqui o
tema de suas relações sexuais e o senhor me diz que se faz um branco em sua mente e que já
não é capaz de recordar mais nada"). Estes assinalamentos convidam a um acordo básico
sobre os dados a interpretar, criam oportunidades de modificar esses dados, é o trabalho
preliminar que assenta as bases para interpretar o sentido desses comportamentos. Nas
psicoterapias, talvez se constitua em uma regra técnica geral a conveniência de assinalar
sempre, antes de interpretar. O fundamento desta regra está em que o assinalamento
estimula o paciente a se interpretar a si próprio com base nos elementos recortados, é um
apelo à sua capacidade de autocompreensão. É sumamente útil que esta capacidade seja
ensaiada insistentemente (treinamento reforçador do ego) e em particular com o terapeuta,
que pode então ir guiando o desenvolvimento destas capacidades no ato mesmo de seu
exercício. Dado o caráter docente da relação de aprendizagem que é a psicoterapia, é melhor
que a tarefa possa ser desenvolvida pelo "aluno" sozinho, com poucas indicações; também
porque muitas vezes o docente aprende com seu aluno.

- "O senhor chega, encontra-a distante, de mau humor, o senhor se mostra carinhoso, quer o
carinho dela. Daí a pouco o mau humor passa, ela se aproxima e então o senhor a ataca. Que
lhe parece este vaivém, como o senhor o interpretaria?"

- "Começou falando de seu fracasso de ontem na assembléia. De repente, cortou o que estava
dizendo para lembrar-se de que obteve a nota mais alta de sua comissão. Como encara esta
mudança de tema?"

Nas respostas do paciente a cada um destes assinalamentos revelam-se com grande


nitidez sua capacidade de insight (aproximação ou distanciamento de seus dinamismos
psicológicos), seus recursos intelectuais (aptidão para abstrair e estabelecer relações versus
adesão a um pensamento concreto), o papel dos mecanismos defensivos (inibições, negações,
racionalizações) e a situação transferencial (cooperação, perseguição' etc.). Cada
assinalamento se transforma em um verdadeiro teste global do momento que o paciente está
atravessando no processo terapêutico.
Interpretações

Especialmente nas psico terapias de esclarecimento, a interpretação é um instrumento


primordial como agente de modificação: introduz uma racionalidade possível onde até havia
dados soltos, desconexos, ilógicos ou contraditórios para a lógica habitual. Propõe um modelo
para a compreensão de seqüências de fatos na intervenção humana. É freqüente induzir
também a passagem do nível dos fatos para o das significações e para a manipulação singular
que o sujeito faz dessas significações. Procura descobrir com o paciente o mundo de suas
motivações e seus sistemas internos de transformação das mesmas ("mecanismos internos"
do indivíduo), assim como suas modalidades de expressão e os sistemas de interação que se
estabelecem, dadas certas peculiaridades de suas mensagens ("mecanismos grupais") e
importante recordar que toda interpretação é, do ponto de vista metodológico, uma hipótese.
Sua verificação se cumpre, por conseguinte, como um processo sempre aberto e jamais
terminável, com base no acúmulo de dados que sejam compatíveis com o modelo teórico
contido na hipótese e, fundamentalmente, pela ausência, com o correr do processo
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investigador instaurado na terapia, de dados que possam refutar aquela hipótese. Em


princípio, nenhuma hipótese (até as interpretações mais básicas sobre a problemática
individual de um paciente) é suscetível de verificação definitiva que a dê como assentada na
condição de saber acabado. Como empreendimento que visa ao conhecimento, nenhuma
psicoterapia possui maiores garantias de "saber" que as que estabelecem as limitações
inerentes ao processo geral do conhecimento humano. Esta consciência das limitações
cognitivas da interpretação pode expressar-se de muitas maneiras na atitude do terapeuta, na
construção da interpretação, no seu modo de emiti-la, maneiras que terão em comum o sinal
de certa humildade.

O tom de voz, a ênfase dada, as atitudes gestuais e posturais, se prestam para


transmitir essa humildade que resulta da consciência de suas limitações, ou então o oposto: o
desempenho de um papel de autoridade que emite "verdades" sem jaça. Neste último caso, o
que se estará propondo e utilizando é toda uma concepção estática do conhecimento,
estimulando- se uma relação terapêutica de dependência infantil (adulto que sabe-criança que
ignora), com o que a distorção do processo terapêutico é total. Em uma psicoterapia, é
essencial que o conhecimento seja vivido como uma práxis, isto é, como a tarefa a ser
realizada entre duas ou mais pessoas que chegaram a um acordo numa relação de trabalho.

O caráter hipotético da interpretação sobressai também na construção de seu


discurso. Formulações que destaquem seu caráter condicional (“É provável que...”, "Temos
que ver, como uma possibilidade, se...", "Uma idéia, para nos munirmos de mais dados e
verificar se é assim, seria que”, "Uma visão possível do problema consiste em pensar que ")
Sublinham nitidamente aquele caráter. Sua ausência tende visivelmente a obscurecê-lo.
As interpretações em psicoterapia devem cobrir um amplo espectro:

A. Proporcionar hipóteses sobre conflitos atuais na vida do paciente, isto é, sobre


motivações e defesas.

"Neste momento sua paralisia em relação ao estudo expressa possivelmente um duplo


problema: não pode abandoná-lo porque o título é importante para o senhor e para a sua
família; ao mesmo tempo, evita dar qualquer novo passo porque isto significaria efetivamente
diplomar·se e mudar de vida, ter que ir para frente sozinho."

B. Reconstruir determinadas constelações históricas significativas (por exemplo,


momentos marcantes na evolução familiar).

"O que parece haver acontecido é que, naquele momento, quando seu pai se viu
diante da empresa arruinada e se sentiu deprimido, o senhor se achou na obrigação de adiar
todos os projetos pessoais e socorrê- lo; mas não registrou isso como uma decisão própria, e
sim como imposição dele."

C. Explicitar situações transferências que pesem no processo.


"O senhor tem sofrido pela perda desta amizade, que tanto o afetou. Teve então uma
experiência dolorosa do que significa depender muito de outra pessoa. Acho que esta
experiência está pesando no senhor, a ponto de torná-lo reticente aqui na sessão, e fazer com
que prefira não se entregar muito a mim. Está tomando também suas precauções para não vir
a sofrer por causa de nossa separação daqui a 2 meses, quando passar para o grupo."

D. Recuperar capacidades do paciente negadas ou não cultivadas.

"O senhor se viu, de repente, ante a obrigação de decidir o que fazer com esse
emprego. Seu pai estava ausente e não podia ser consultado, de modo que o senhor pôde, não
só decidir, mas dar sua opinião sobre em que condições essa tarefa deveria ser cumprida. Veja
só tudo o ..... o senhor não sabia (não queria crer) que podia fazer por iniciativa própria."

E. Tornar compreensível a conduta dos outros em função dos novos comportamentos


do paciente (ciclos de interação compreensíveis em termos comunicacionais).
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"Desta vez seu pai acedeu. Pensemos se não terá sido porque o senhor colocou seu
problema de outra maneira, com uma atitude mais firme, talvez mais adulta. que ele o
atendeu com um respeito diferente.Com sua atitude, o senhor lhe estava dizendo ‘não vou
aceitar que me trate como uma criança, porque já não me sinto uma criança’, e
evidentemente ele notou a mudança.”

F. Destacar as conseqüências que decorrerão de o paciente encontrar alternativas


capazes de substituir estereótipos pessoais ou grupais'.

"Como reagiria seu namorado se a senhora lhe mostrasse que é capaz de resolver um
assunto pessoal sem consultá-lo? Continuaria com a mesma atitude dominante? Só vendo...”
Em contraste com a técnica psicanalítica, onde um determinado tipo de interpretação
(transferencial) é privilegiado como agente de modificação (2).nas psico terapias, uma vez que
se trabalha simultânea ou alternativamente com vários níveis e mecanismos de modificação,
não existe uma hierarquia para os tipos de interpretação: todos eles são instrumentos
igualmente essenciais dentro do processo. Cada paciente e cada momento de seu processo
requererão particularmente certo tipo de interpretação; esse será o que melhor se ajuste
tecnicamente ao momento dado, mas toda distinção hierárquica que se atribua a algum tipo
de interpretação será transitória, conjuntural.

Sugestões

"Seria interessante ver o que acontece. como seu pai reagiria, se o senhor lhe
mostrasse em sua atitude que está realmente disposto a encarar a fundo com ele tudo o que
está pendente entre ambos."

"Talvez o mais necessário para o senhor seria que se organizasse mentalmente,


traçasse um quadro com suas prioridades."

- "Em vez de precipitar-se a tomar uma decisão que sinta como sua de fato, talvez lhe
convenha mais deter-se algum tempo em rever o que aconteceu verificar qual foi o seu papel
em tudo isto, e, inclusive, detectar melhor o que está sentindo intimamente."

Com estas intervenções, o terapeuta propõe ao paciente condutas alternativas,


orienta-o para ensaiar experiências originais. Mas o sentido de tais intervenções não é
meramente o de promover a ação em direções diferentes, e sim o de proporcionar insights a
partir de ângulos novos. Fundamentalmente, contêm um pensamento que antecipa a ação
(aspecto relevante dentro do conjunto de funções egóicas a exercitar em todo tratamento),
que facilita uma compreensão prévia à ação, A ação ulterior, caso chegue a ser experimentada,
poderá dar ocasião a confirmações, reajustamentos ou ampliações do insight prévio. Muito
freqüentemente fornecerá novos dados e com eles uma nova problemática a investigar. Com a
compreensão destas fases do processo que se inicia por uma sugestão, este tipo de
intervenção adquire uma eficácia particularmente interessante.
Um tipo de sugestões (quase-sugestõesj se apóia no uso de dramatizações imaginárias
de outras alternativas para o comportamento interpessoal:

- "Que teria acontecido se nessa hora a senhora o interrompesse e dissesse: 'Escute aqui, não
me venha com indiretas, o que é que você está querendo me dizer com tudo isto, afinal o que
é que você sente por mim?'"

Ou então:
- "E se a senhora telefonasse para ele e dissesse: 'Tudo o que você me falou ontem me pareceu
meio estudado e ficou meio no ar. Quero isto mais definido', como acha que ele reagiria?"

Este tipo de intervenções constitui um caminho diferente para o insight sobre as


próprias dificuldades, sobre as dificuldades do outro e sobre a dinâmica da comunicação entre
ambos. Opera fazendo ressaltar contrastes entre o vivo e o possível, e estes contrastes não são
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comentados em um discurso de "idéias", e' sim mostrados graças a uma linguagem de ação,
Contêm uma compreensão que fica muito próxima tanto do que foi vivido como do que pode
vir sê-lo. Um paciente experimentou assim essa proximidade:

- "Outro dia estava envolvido numa discussão com minha mulher e naquele momento me
lembrei de algo que o senhor me havia dito numa sessão passada: 'E o que aconteceria se,
quando ela ficasse violenta, o senhor a freasse?' Fiz isso na mesma hora... e não aconteceu
nada!"

As sugestões em psicoterapia geralmente (exceto em situações agudas de crise) vêm


inserir-se em desenvolvimentos do processo terapêutico com base nos demais tipos de
intervenção. São oportunas quando as condições do paciente para assumi-las (redução de
ansiedade a níveis toleráveis, fortalecimento eg6ico) e as do vínculo interpessoal em
funcionamento chegaram a um momento de sua evolução que as torne "fecundas", receptivas
para esse tipo de estímulo. O terapeuta deverá detectar, inclusive, um momento dessas
condições e do desenvolvimento do vínculo em que "faça falta" uma experiência diferente,
nova, para que muito do que foi esclarecido se cristalize em ato. A sugestão recorre,
indubitavelmente, com a dramatização, ao papel revelador do ato, à riqueza vivencial do fato,
de que muitas vezes carece o discurso reflexivo.
Intervenções diretivas

- "Suspenda toda decisão imediata sobre o problema de seu casamento. O senhor agora não se
encontra em condições de enfrentar mais uma mudança."

- "Se surgir uma oportunidade de o senhor falar a sós com seu pai, tente fazê-lo; ainda que não
consiga dizer tudo o que gostaria de colocar diante dele, veja até onde consegue chegar, de
que modo o consegue e qual a reação dele."

- "Até nossa próxima entrevista, procure observar atentamente, na relação com sua esposa,
quantas vezes e em que momentos o senhor tende a se mostrar violento e exigente."

- "Para que o senhor perceba melhor qual é a sua dificuldade no diálogo comigo, traga o
gravador; assim, depois o senhor ouvirá tudo sozinho em casa e examinaremos o fato juntos
nas sessões seguintes."

As diretivas que surgem em psicoterapia referem-se, como se vê nestes exemplos,


tanto a necessidades próprias do processo terapêutico como a atitudes-chave a serem
evitadas ou ensaiadas fora da relação terapeuta-paciente.
Uma cultura psicoterapêutica de forte influência psicanalítica (que atribui valor
preferencial à aquisição de atitudes novas posteriores a um insight, tende, com freqüência, a
questionar a validez e a utilidade das intervenções diretivas. Todos os que sofremos as
pressões dessa influência (o superego analítico) tivemos que passar por um longo processo de
luta para descobrir na prática clínica que tais intervenções, empregadas no momento certo e
com tato terapêutico, eram instrumentos valiosos e necessários em todo processo
psicoterapêutica. (Foi a consciência de sua necessidade e a experiência de sua utilidade que
nos levaram claramente a inverter tal ponto de vista: questionável é a não-utilização deste tipo
de intervenções em situações que claramente as requerem; já discutiremos como caracterizar
tais situações)

Antes, convém analisar de que maneira podem ser compreendidas as influências


exercidas pelas intervenções diretivas. Há um nível de ação no plano do ato em si mesmo, a
que se refere o conteúdo da intervenção. Se o ato pode ter as conseqüências de uma decisão
importante, a intervenção tem condições de desempenhar um papel preventivo, valorizável
não em termos de dinamismos (pensando muito seletivamente na transferência, pensa-se
facilmente em "não fazer o jogo das exigências regressivas", por exemplo), mas sim em termos
de existência. Justamente o vício das oposições "psicanalíticas" ao uso em psicoterapias de
intervenções diretivas consiste em dar mais valor a éticas parciais (dinamismos transferências,
riscos contratransferenciais) do que a uma ótica centralizada na existência. Esta ótica, no
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entanto, leva em conta e mesmo confere tratamento privilegiado ao plano das experiências
concretas e das conseqüências concretas que decorrem dessas experiências: considera-se
importante, por exemplo, que a decisão precipitada de consumar um divórcio, quando não há
condições para que ele seja tolerado satisfatoriamente, possa ser adiada.

Este plano de existência é importante, mas não é o único em jogo quando são emitidas
diretivas. Outro é o das aprendizagens. É possível pensar que o que se produz ou se evita nessa
oportunidade deixa "um saldo interno", incorpora- se como experiência transferível para
outros contextos. A experiência clínica repetidamente dá mostras disso.

Outro nível de atuação está no insight que se pode obter depois da ação. Fazer ou não
fazer algo que se resultava “natural" transforma-se em uma experiência original. Uma analise
do sentido de uma atitude anterior ou da nova (induzida), sua comparação 'minuciosa, servem
de ocasião para uma elaboração freqüentemente rica. A experiência clínica mostro fartamente
que, em psicoterapias, diretividade e insight não são em princípio antagônicos. Muitas vezes,
pelo contrário, funcionam como complementares. As dificuldades que o paciente teve para
trazer seu gravador e em seguida escutar sua sessão foram claramente ilustrativas. Tiveram o
valor do vivido, do ato, submetido às condições de uma observação particularmente atenta.

Jay Haley (3) forneceu ilustrações sobre o uso de um tipo particular de intervenções
diretivas cujo propósito consiste em produzir "manobras comunícacionais" (por exemplo:
prescrição do sintoma, destinada a criar situações paradoxais no uso interpessoal do sintoma e
na luta pelo controle da relação paciente-terapeuta).

Que situações tornam necessária uma intervenção diretiva do terapeuta? Em especial


todas aquelas em que o paciente (e/ou o grupo) se encontrem sem os indispensáveis recursos
ezõícos (isto é, sem os mecanismos adaptativos em força e diversidade suficientes) para
manejar uma situação traumática, sendo em geral vítimas de uma ansiedade excessiva, que
tende a ser em si mesma invalidante ou agravante das dificuldades próprias da situação
(situações de crises súbitas em pessoas ou grupos de moderado ajustamento prévio;
mudanças evolutivas "normais" em personalidades ou grupos que gozam de um equilíbrio
precário, com carência, ou tendência à perda, de autonomia; psicoses agudas;
deterioramentos de origem diversa). Em todos estes casos (situados nos momentos de
desorganização ou em fases regressivas de uma evolução), sem dúvida muito freqüentes na
prática terapêutica, determinadas intervenções diretivas são estritamente indicadas,
constituem a intervenção técnica cuja escolha se impõe. Até quando? Até o preciso instante
em que o paciente recupera ou adquire recursos egóicos necessários para obter autonomia e
capacidade de elaboração (momento de progressão), passando então as intervenções diretivas
a serem contraproducentes (em sua qualidade de estimulantes do vínculo regressivo com o
terapeuta) e requerendo comumente sua substituição por outras, orientadas no sentido de
esclarecer, as quais se tornam nesse momento especialmente recomendáveis. É importante
ter em conta que este movimento nos recursos egóicos do paciente (muitas vezes
inversamente proporcionais ao montante de ansiedade) possui ritmos variados, podendo
ocorrer de uma semana para a seguinte, de um mês para o seguinte, ou de um instante para
outro na mesma sessão. Frente a esta mobilidade, que requer do terapeuta uma combinação
ágil de intervenções, atenta às flutuações daquelas capacidades, qual poderia ser o sentido de
certos "estilos" psicoterapêuticos estereotipados, que dirigem sempre, ou não dirigem nunca,
o paciente? Que fundamentos teóricos e técnicos poderão encontrar semelhantes posições de
"escola" em psicoterapia? Não estou pensando, com isto, que faltem justificações à opção
técnica, na psicanálise, de o analista evitar emitir diretivas diretas (as únicas, de resto, que ele
pode evitar, porque indiretamente toda intervenção dirige o paciente). O que carece de
justificação é estender ao campo mais amplo das psicoterapias em geral o princípio de evitar-
dar-díretívas, como regra universal, e pretender respaldar essa posição' nos fundamentos
teórico-técnicos que apóiam o mesmo ponto de vista no contexto do processo psicanalítico.
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Operações de enquadramento

Estas intervenções abrangem todas as especificações relativas à modalidade espacial e


temporal que deverá assumir a relação terapêutica: local das sessões, posição em que ficam
colocados os participantes um em relação ao outro, duração e freqüência das sessões,
ausências, honorários. Uma distinção importante a ser feita é aquela entre as intervenções
que estabelecem um enquadramento e outras em que se propõe um enquadramento a ser
reajustado e elaborado conjuntamente com o paciente. Por esta diferença passa uma linha
divisória ideológica: a relação terapêutica concebida como autoritária ou como igualitária. O
autoritarismo do enquadramento imposto costuma apoiar-se em pressupostos de tipo técnico
pelos quais se pretendo que, para determinada situação de consulta, há tão somente uma
dada maneira eficaz de tratamento. Em primeiro lugar, a pluralidade de situações abertas
atualmente no campo das psicoterapias torna cada vez mais duvidosa a validez de semelhante
exclusivismo. Além do mais, a pressão exercida para se impor uma determinada nada técnica
parte de uma distorção na concepção do sujeito a que se destina a psicoterapia, já que se
dirige a um paciente-objeto, mero portador de uma enfermidade ou de uma estrutura de
personalidade que seriam o mais importante (de acordo com o modelo médico para o qual a
hepatite é muito mais realçada do que a pessoa que sofre da afecção hepática). De nenhum
modo, por este caminho, demonstrasse reconhecer no paciente uma pessoa. Finalmente, e
também em termos técnicos, o trabalho conjunto de elaboração do enquadramento a ser
adotado constitui, na experiência clínica, uma instância muito mais rica, do ponto de vista dos
dados que fornece sobre a problemática do paciente. Muitos desses dados ficam obscurecidos
quando ele é submetido a um enquadramento imposto. Se o que se pretende é cultivar as
tendências passivas e regressivas do paciente e a correlata onipotência do terapeuta, não há
dúvida de que a imposição do enquadramento será o método mais indicado. Em caso
contrário, terão que ser emitidas sugestões de enquadramento, explicitados os fundamentos
da proposta para essa. terapia em particular e submetê-los a reajustes.

Meta-intervenções
Designamos com este termo todas aquelas intervenções do terapeuta cujo objeto são
suas próprias intervenções. Podem visar a aclarar o significado de determinada intervenção ter
sido feita nesse momento da sessão ou nessa etapa do tratamento.

Exemplos:

a. Terapeuta: "De que maneira o senhor deu a entender a ela que desejava vê-la?"
Paciente: ... (gesto de desconcerto, fica em silêncio) ...
Terapeuta (meta-intervenção): "Sabe por que lhe pergunto isto?"

Paciente: "Não.," (silêncio)

Terapeuta: "Porque, tempos atrás, víramos que havia no senhor duas maneiras de
expressar interesse; às vezes com gestos de desejar o encontro, outras com certa
rejeição encoberta, um tanto distante,"

b. Terapeuta: "Inclino-me a pensar que o fator determinante ai era o seu medo de


aclarar mais a situação."

Paciente: (silêncio)."
Terapeuta: "Sabe por que penso assim? Acho que há indicações claras de que ele
parecia disposto a querer falar, não tinha vindo 'fechado', mas a senhora, mesmo
assim, disse a si pr6pria: 'certamente não vai querer me ouvir'," ,

Nestes casos, a segunda intervenção serve para precisar os fundamentos da primeira,


de um modo tal que seja, possível ao paciente acompanhar de perto o método de
compreensão utilizado pelo terapeuta na primeira. Esta aclaração sobre a própria intervenção
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é fundamental, já que a aprendizagem essencial está nos métodos e não meramente nos
produtos. Uma variante de meta-intervenção pode ser o questionamento pelo terapeuta de
sua própria intervenção, assinalando o caráter parcial de seus fundamentos, ou o caráter ainda
hipotético de alguma de suas premissas. E uma terceira variante consiste na explicitação pelo
terapeuta da ideologia subjacente a alguns pressupostos de sua própria intervenção.

- "Veja bem, até agora tomamos como problema sua dificuldade para chegar ao orgasmo na
relação sexual. Isto deve ser encarado, por sua vez, com precauções, porque há toda uma série
de reformulações sexológicas e ideológicas sobre o orgasmo feminino que poderia mostrar
alguma de nossas premissas como sendo em si mesma questionável. "

- "Há pouco eu lhe assinalava que a senhora agira nessa situação lançando-se nela sem ter
uma idéia precisa de para onde ela a iria conduzir. Por sua vez, não está livre de objeções 'o
pressuposto - que se poderia ver por trás deste modo de encarar sua reação – de que sempre,
antes de lançar-se à ação, é preciso ter in mente um plano, não é mesmo? (pois há situações
em que s6 há condições de se armar um plano depois de vivida uma experiência)."

- "Momentos atrás 'eu estava falando de quais os problemas seus e os de seu marido que
podem criar dificuldades para a convivência, Mas não devemos supor que estas dificuldades
contrastem com o modelo de um casal ideal possível. B preciso que fique bem claro que,
atualmente, além destes problemas de cada um, há que ver quais os problemas criados para
qualquer casal pelo tipo de relação que se considera como ideal de casal normal em nossa
cultura, e quais os problemas que ainda se acrescentam a esses pelas dificuldades que cada
um vive fora da situação de casal e que terminam sendo descarregadas dentro de tal
situação."

- "Quando assinalo para o senhor que pode haver uma atitude sua de autopunição no fato de
perder o capital que conseguiu juntar com tanto esforço, esta minha colocação parte de um
pressuposto que também precisa ser questionado: o de que perder um capital acumulado não
é um acontecimento benéfico, Mas, vendo-se a coisa por outro ângulo, considerando-se o que
o dinheiro representa, como ele amarra as pessoas, talvez se possa encarar a sua conservação
como algo pré judicial e não positivo."

Estas especificações tornam-se imprescindíveis, na medida em que abrem a busca


também a outro plano de determinações inconscientes, colocando em questão a ideologia de
ambos _ a do terapeuta também. O terapeuta põe-se em evidência em sua realidade
questionável, suscetível de exame crítico em suas premissas, com um ofício que também está
sujeito à revisão. É outro modo de colocar o vínculo terapêutico em relações de reciprocidade,
evitando o efeito subreptício de doutrinação que é próprio das relações autoritárias nas quais
o terapeuta apresenta suas opiniões como constituindo o "saber", sublinhando a presença da
ideologia na base de suas elaborações.
Uma visão de conjunto deste amplo espectro de intervenções

Se refletirmos sobre esta série de intervenções técnicas (que constituem boa parte da
"caixa de ferramentas" do terapeuta), um primeiro aspecto que ressalta é a amplitude de seu
espectro. Esta amplitude abarca a variada gama de possibilidades abertas, no trabalho de cada
sessão, onde o terapeuta vai encontrar muitas vezes pelo método de tentativa e erro, aquelas
que são as mais necessárias, as que abrem caminho para uma penetração maior. Suas
combinações são infinitas, como no xadrez, e cada sessão, como cada partida, configura o
perfil singular de uma constelação de intervenções próprias.

O segundo aspecto a destacar é que, dada esta variedade de intervenções, não há uma
hierarquia no conjunto que permita distinguir algumas como sendo mais importantes do que
outras para o processo psicoterapêutico. Nisto se assinala uma diferença básica em relação à
teoria da técnica psicanalítica, que confere valor supremo à interpretação como Intervenção
decisiva para produzir a modificação específica característica do processo analítico. Esta
diferença entre psicanálise e psicoterapias em geral foi claramente formulada por Bibring (2):
"a psicanálise está construída em torno da interpretação como agente supremo na hierarquia
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de princípios terapêuticos característicos do processo, no sentido de que todos os outros


princípios estão a ele subordinados, isto é, são utilizados com o propósito constante de tornar
a interpretação possível e eficaz. Ao passo que a psicoterapia dinâmica está construída em
torno de diferentes seleções e combinações de cinco princípios terapêuticos: sugestão, ab-
reação, manipulação, clarificação e interpretação. Eu acrescentaria que os princípios
enunciados por Bíbring em 1954 podem hoje ampliar-se, incluindo outros princípios
terapêuticos: objetivação e auto-afirmação pelo ato de verbalização não meramente catártico,
informação, experiência emocional corretiva não simplesmente sugestiva, entre outros. Não
obstante, aquela enumeração define uma peculiaridade teórico-técnica das psicoterapias: o
nivelamento hierárquico de seus diferentes recursos terapêuticos.

Por fim, a possibilidade de se distinguir com precisão os diferentes tipos de


intervenção terapêutica abre um caminho para a investigação microscópica das técnicas. Se é
possível classificar e quantificar os comportamentos do terapeuta, o mito das terapias como
"arte" intuitiva, inteiramente pessoal e dificilmente transmissível, pode começar a se
desvanecer. A descrição macroscópica, global, das experiências terapêuticas, forma tradicional
da transmissão neste campo, não contribuiu muito para desacreditar o mito. Os trabalhos de
Strupp (5), em compensação, destinados à análise microscopia das técnicas de psicoterapia,
iniciaram, já há 15 anos, com seriedade metodológica, uma tarefa promissora no sentido de
aclarar "o mistério" das técnicas.

Com um sistema de várias categorias, que permitem realizar uma análise


multidimensional das operações do terapeuta (tipo de intervenção, iniciativa do terapeuta,
nível inferencial, foco dinâmico e clima afetivo) aplicada ao estudo de uma psicoterapia breve
(realizada em oito sessões por L. Wolberg), Strupp (5) conseguiu oferecer um panorama
bastante ilustrativo da técnica empregada: o terapeuta dedicou grande parte de suas
intervenções à exploração, perguntando, pedindo ampliações e exemplos; foi bastante diretivo
em todas as sessões; foram utilizadas mais intervenções aclaradoras do que interpretações
(estas aumentaram, proporcionalmente, apenas nas 4ª e 7ª sessões, fato que Strupp
interpretou como produto dos aclaramentos preparatórios das sessões anteriores); foi
empático, benevolente, caloroso; as intervenções mantiveram-se mais freqüentemente em
um nível inferencial baixo ("próximo à superfície") e, secundariamente, moderado; houve
fartos comentários sobre o vínculo terapêutico estabelecido, mas escassas interpretações
transferências; predominou uma aceitação das formulações do paciente no tocante ao plano
em que localizava sua problemática; o terapeuta atuou sempre com iniciativa (e não com
passividade); realizou intervenções mínimas freqüentes, destinadas a manter aberto o canal
de comunicação e a dar mostras ao paciente de que o escutava com atenção, ou seja:
exatamente o oposto de um terapeuta distanciado.
Este trabalho constitui, a meu ver, um bom exemplo do caminho aberto pelo esforço
de definir operacionalmente o repertório de comportamentos do terapeuta.

Notas

1. Em todas as considerações deste capítulo, o "paciente" pode ser uma pessoa, um casal, um
grupo familiar ou outro tipo de grupos de amplitude variável.
2. Este estudo se concentra no conteúdo verbal das intervenções do terapeuta. Outros,
complementares deste enfoque, devem estender-se a suas intervenções corporais (gestos,
posturas, olhares) e para verbais (a mímica verbal; variações no tom de voz, na intensidade e
no ritmo da falta, estilo comunicacional) (I).

3. Um paciente de 33 anos, depois de quatro anos de tratamento, passou a outro terapeuta.


Decorrido pouco tempo, o terapeuta lhe disse em uma sessão: "Acho que sua interpretação é
mais acertada do que a minha. Eu não havia levado em conta isto que o senhor me lembrou
sobre o papel de sua irmã na relação entre o senhor e seu pai." "Senti então _ conta o paciente
- uma emoção única senti-me tratado como adulto e respeitado como pessoa."
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4. " O poder de sugestão de uma intervenção deste tipo pode variar conforme o tom de que se
sirva o terapeuta: uma determinada acentuação da frase sublinhará a utilidade da ação, ao
passo que outra fará ressaltar o interesse em compreender o que aconteceria, deixando o fato
em si num plano de menor importância.

5. A "cultura" assentada tradicionalmente na técnica psicanalítica conferiu situação


privilegiada à seqüência: insight que conduz a ações novas. A experiência clínica na utilização
de outras psicoterapias permite detectar também a possibilidade' de um caminho inverso: a
ação nova (ensaiada, imaginada. evitada) que conduz ao insight, O projeto de certos
comportamentos a realizar (realização depois conseguida ou frustrada, isto não é decisivo)
instala um campo quase "experimental" para a observação, pelo recortamento que produz
desse projeto e das respostas frente ao mesmo.

6. E isto, trabalhando com pacientes de suficiente força egõica, um dos critérios essenciais de
analisabilidade.

7. Por não fazerem claramente esta distinção, há por vezes psicoterapeutas de formação
psicanalítica insatisfeitos com aquelas sessões em que não conseguem "interpretar",
frustração que freqüenternente contrasta com a experiência vivida por seus pacientes, os
quais. Não afetados por preconceitos técnicos, sentem que realizaram nessas sessões uma
tarefa efetivamente produtiva.
Nota do revisor

A partir da Lógica, distinguem-se dois níveis de linguagem: a linguagem-objeto, que


fala de objetos, e a metalinguagem, que toma por objeto a anterior e da qual podemos
aproximar a categoria de metaintervenção, A função metalingiâstica que, segundo Jakobson
("Lingüística e poética", in linngüística e comunicação, São Paulo.. Cultrix, 1970), ocorre
"sempre que o remetente e/ou destinatário têm necessidade de verifica! se estão usando o
mesmo código", focalizando, por esta razão, o próprio código, também pode ser aproximada,
com maior precisão, da meta-intervenção de FiorIni.
Bibliografia

Liberman, David, Lingü[stica. interacciõn comunicativa y proceso psicoanalittco, vol. I, Galerna,


Buenos Air:s, 1970.

Wallerstein, Robert, "La relación entre el psicoanálisis y la psicoterapia. Problemas actuales",


Rev, de Psicoanâlisls, vol. XXVUI, 1971. pp. 25-49.
Batey, lay, Estrategias en psicoterapia, Toray, Barcelona: (4) Strupp, Hans, "A multidimensional
system for analyzing psychotherapeutic techniques", Psychiatry, XX, 4,1957, pp. 293·306.

Strupp, Hans, "A multidimensional analysis of technique ÍDbrief psychoterapy", Psychiatry,


XX,·1957, PP·387-391.

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