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adla betsaida martins teixeira


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Estudos sobre Gênero, Sexualidade e Sexo em
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Universidade Federal de Minas Gerais.
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e expressa autorização da editora.

Impresso no Brasil
Printed in Brazil
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... se antes de cada acto nosso,
nos puséssemos a prever todas as consequências dele,
a pensar nelas a sério, primeiro as imediatas, depois as prováveis,
depois as possíveis, depois as imagináveis,
não chegaríamos sequera mover-nos de onde o primeiro pensamento nos
tivesse feito parar.

José Saramago em Ensaio sobre a cegueira (1995)

Este livro é dedicado a Mauro e a meus filhos Daniel e


Ana Maria pelo tempo negociado.

Obrigada aos companheiros e amigos Adilson Dumont, Fernanda


Rocha e Flávia Alcântara por acreditar e pelo trabalho hercúleo.
Agradeço também aos colegas que tão generosamente ofertaram suas
ideias, seus sonhos e trabalho neste livro.
Adla Betsaida M. Teixeira
PREFÁCIO................................................................................. 7
DAGMARE.ESTERMANNMEYER

APRESENTAÇÃO.....................................................................9
ADLABETSAIDA MARTINSTEIXEIRA

I. INCLUSÃO DA PERSPECTIVA DE GÊNERO


NA EDUCAÇÃO E NA FORMAÇÃO DOCENTE............ 15
MARIA EULINAPESSOADE CARVALHO

II. OUTROS OLHARES SOBRE A CORPOREIDADE ... 47


ADILSONDUMONT

III. “LOBA É UMA BRINCADEIRA MUITO


PERIGOSA, MUITO VIOLENTA E BRUTA...”
– GÊNERO, SEXUALIDADE E
VIOLÊNCIA NO CONTEXTO ESCOLAR....................... 57
ANDERSONFERRARI

IV. OU ELE OU EU: VIOLÊNCIA E


RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA........................... 81
FERNANDOCÉZARBEZERRADEANDRADE
V. ORIENTAÇÃO SEXUAL:
HOMOSSEXUALIDADE E ESCOLA................................. 97
JAIDERFERNANDESREIS

VI. RELAÇÕES DE GÊNERO NA


EDUCAÇÃO INFANTIL: QUESTIONAMENTOS
ACERCA DA REDUZIDA PRESENÇA DE
HOMENS NA DOCÊNCIA.................................................111
JANAÍNA RODRIGUESARAÚJO

VII. O BILDUNGSROMAN E A FORMAÇÃO


DO HÁBITO DA LEITURA................................................ 133
CÍNTIASCHWANTES

VIII. APROPRIAÇÃO DE INOVAÇÕES


TECNOLÓGICAS NO TRABALHO DOCENTE............151
ADLABETSAIDAMARTINSTEIXEIRAECLARINDOISAÍASPEREIRADASILVAE PÁDUA

IX. A MULHER NA VOLTA À ESCOLA: A QUESTÃO


DE GÊNERO NA SALA DE AULA DE EJA.....................171
CARMEMLUCIAEITERERE
ISAMARAGRAZIELLEMARTINSCOURA
PREFÁCIO

Aprendizagens de gênero em espaços


educativos ou da importância das
“pontes” entre pós-graduação,
graduação e escola básica

DAGMAR EULINA ESTERMANN MEYER1

Temos, aqui, um livro que propõe sensibilizar


estudantes de cursos de formação de professores e professoras,
bem como docentes em exercício na escola básica para
apreender, problematizar e delinear possibilidades de
intervenção nas dinâmicas de gênero e de sexualidade que se
desenvolvem nos espaços escolares e nas salas de aula em que
trabalham. E essa continua sendo, a meu ver, uma proposta
desafiadora, sob muitos aspectos.
Por um lado, é possível dizer que vivemos, hoje,
em um contexto em que parece não ser mais muito necessário
destacar a visibilidade que as relações de gênero e de
sexualidade adquiriram nas teorizações e práticas sociais,
culturais e políticas contemporâneas. Nessa direção, se nos
dispuséssemos, por exemplo, a fazer uma revisão sistemática
de pesquisas, políticas e ações sociais que adotaram perspectivas
de gênero e de sexualidade como “lentes” teórico
metodológicas e políticas para problematizar e intervir em
processos que instituem e sustentam desigualdades sociais entre
homens e mulheres, entre homens e entre mulheres, desde a
segunda metade do século XX, poderíamos contabilizar, na
área da educação, vários indícios que sinalizam uma trajetória
de reconhecimento, incorporação e legitimação crescentes

7
DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

dessas teorizações nas últimas décadas. A extensa lista de


grupos de estudos e pesquisa, registrada na plataforma Lattes
do CNPq com esse foco de investigação, constitui um
sinalizador contundente disso. A ampla gama de organizações
da sociedade civil e de movimentos sociais que se envolvem
com essas questões é outro elemento que nos permite
reconhecer esse processo. E a proposição e implementação
de políticas públicas que pretendem intervir nessas relações
de desigualdade para transformá-las constitui mais um sinal
importante dessa “institucionalização” que estamos vivendo.
É claro que essas (e outras) evidências acadêmicas
e políticas atuais de institucionalização de perspectivas (plurais
e até conflitantes) de gênero e sexualidade não podem ser
atribuídas, linear e unicamente, a um governo e aos partidos
políticos que lhe dão sustentação e nem resultam de ações
isoladas de políticos, grupos, instituições e entidades
acadêmicas e sociais. Elas resultam de processos multifacetados,
disputados e negociados, desencadeados com e a partir dos
feminismos e dos movimentos de mulheres, de gays e de
lésbicas, dentre outros, em que se articulam movimentos sociais
e políticos com abordagens teórico-metodológicas de
diferentes matizes. Mais fortemente “localizáveis” nos países
ocidentais e na segunda metade do século XX, estes
movimentos e abordagens tiveram “o mérito de transformar
as até então esparsas referências às mulheres – as quais eram
usualmente apresentadas como a exceção, a nota de rodapé, o
desvio da regra masculina – em tema central” (LOURO, 2001,
p. 19).
Ao mesmo tempo, é necessário, também, dar-se
conta que essa “institucionalização em processo” ainda não se
afirmou com a mesma ênfase nos currículos formais do ensino
fundamental, médio e de formação de professores/as do País.
Ela ainda não aparece, com muito destaque, nem na pauta dos

8
DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

grandes eventos e nem na agenda de revistas importantes da


área da educação. E é por isso que continua sendo importante
e necessário investir na construção de “pontes” que liguem as
pesquisas desenvolvidas no âmbito dos programas de pós
graduação do País com os currículos dos cursos de graduação
e do ensino fundamental e médio.
Eu diria, então, que um dos méritos – e desafios –
deste livro é o de propor-se a construir “pontes” entre a
produção acadêmica de um Grupo de Pesquisa consolidado e
as práticas escolares que instigam os estudos que ali se
desenvolvem. E como tal, ele se inscreve tanto em um
movimento de consolidação acadêmica e política desse Grupo
quanto institui um espaço de encontro e discussão no qual se
visibiliza a pluralidade teórico-metodológica e temática que
acompanha a produção de conhecimento no âmbito dos
feminismos -, características essas que são visíveis nos capítulos
que o compõem. E essa proposta, a meu ver, é um atraente
convite para que nos envolvamos com sua leitura e com as
reflexões que ela pode desencadear.

Notas

1 Profa. Dra. da Faculdade de Educação Universidade Federal do


Rio Grande do Sul

Referência

LOURO, Guacira. Gênero, sexualidade e educação: uma


abordagem pós-estruturalista. Petrópolis: 4. ed. Vozes, 2001.
179 p.

9
APRESENTAÇÃO

ADLA BETSAIDA MARTINS TEIXEIRA1

Hoje no Brasil, as discussões sobre equidade de


gênero têm prioridade no Plano Nacional de Educação (PNE)
(BRASIL, 2001) e no Plano Nacional de Políticas para
Mulheres (PNPM) (BRASIL, 2004). Diante disso, evidencia
se, aqui, a necessidade da inclusão da questão de gênero nas
discussões dentro da escola. A análise crítica do gênero
possibilitará melhoria de qualidade da ação pedagógica,
propiciando às crianças (meninos e meninas) um ensino que
lhes permita acesso irrestrito a todas as áreas do conhecimento,
mas também que desenvolvam posturas conscientes e
preventivas diante de preconceitos.
Este livro foi elaborado por membros do grupo
GSS – Grupo de Estudos sobre Gênero, Sexualidade e Sexo
da Faculdade de Educação, Universidade Federal de Minas
Gerais. Nosso grupo conta com a participação de
pesquisadores de diferentes instituições, autoridades da rede
de ensino pública e privada, docentes e estudantes da área da
educação e áreas afins. Nossa proposta é a investigar e o
desenvolver abordagens teórico-metodológicas do gênero e
da sexualidade no campo da formação humana, incluindo a
formação docente e a elaboração de estratégias de inclusão e
de desconstrução de preconceitos nos âmbitos da educação
formal ou informal. O GSS entende a categoria de gênero
como resultante de construções sócio-culturais associadas à
diferença sexual.
Neste livro buscamos compreender suas
consequências nas vidas públicas e privadas dos indivíduos.
11
DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

Dentre os temas abordados, temos o assédio sexual na


adolescência, comportamento sexual e liberdade, aspectos da
violência escolar (ser macho, ser feminino), a homofobia na
escola, a construção de masculinidades e feminilidades nos
vários ambientes escolares e na relação docente-alunos (as).
Portanto, esse é um material didático criado para informar os
(as) profissionais de ensino sobre as questões de gênero no
processo de ensino e aprendizagem.
O livro orienta a discussão de temas sensíveis,
frequentemente evitados na escola, mas que tanto têm causado
sofrimento, humilhações e perdas para aqueles muitos e muitas
nos ambientes escolares. Os textos e estratégias de ensino
buscam sensibilizar formadores, docentes e futuros docentes
sobre as dificuldades que todos temos para viver nossas
sexualidades, nossas identidades, enfim nossas diferenças.
Acreditamos que a escola tem o dever e o poder
de intervir na formação de indivíduos que exerçam a
solidariedade e a justiça. Falar sobre questões de gênero no
processo de ensino ‘e falar sobre respeito aos direitos humanos.
O livro inova ao trazer discussão teórica sobre a
temática de gênero com sugestões e estratégias para tratar as
questões de gênero no espaço escolar.

Notas

1 Profa. Dra. GSS – Grupo de Estudos sobre Gênero, Sexualidade e


Sexo em Educação da Faculdade de Educação, Universidade Federal
de Minas Gerais.

12
DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

Referências

BRASIL. Plano Nacional de Educação - PNE. Ministério da


Educação. Brasília: Inep, 2001.

. Plano Nacional de Políticas para as Mulheres. Brasília:


Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, 2004.

13
I

INCLUSÃO DA PERSPECTIVA DE
GÊNERO NA EDUCAÇÃO E
NA FORMAÇÃO DOCENTE
MARIA EULINA PESSOA DE CARVALHO

Introdução

Gênero é uma estrutura de dominação simbólica


assim como classe e raça. Teóricas feministas e o sociólogo
Pierre Bourdieu (1999), entre outras estudiosas e estudiosos
das relações sociais, concordam que as distinções de gênero
(masculino/feminino) estruturam todos os aspectos da vida
social e fazem parte de um complexo sistema de dominação
masculina, fortemente institucionalizado e internalizado.

A Sociologia do Gênero explica que nas sociedades industriais as


mulheressão socializadas para assumirem uma personalidade feminina
e uma identidade de gênero específica; são relegadas ao âmbito privado
do lar e excluídas das atividades públicas; são alocadas a atividades
produtivas restritas, inferiores, mal-pagas e degradantes; e são submetidas
a ideologias estereotipadas que as definem como fracas e emocionalmente
dependentes dos homens (ABERCROMBIE; HILL;TURNER,
1994).
O sociólogo Manuel Castells (1999, p. 170-171) considera o
feminismo o mais importante movimento social do último quartil do
século XX, porque “remete às raízes da sociedade e ao âmago do

15
DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

nosso ser” ao desconstruir a estrutura familiar, as normas sexuais


patriarcais e as identidades de gênero, trazendo “consequências
fundamentais para toda a experiência humana, desde o poderpolítico
até a estrutura da personalidade”.
O que mudou e o que precisa ainda mudar na vida das mulheres e nas
relações sociais de sexo e gênero?

Nesse contexto, a discussão sobre as desigualdades


e a construção da equidade de gênero deve embasar a formação
humana e, especialmente, a formação e o desenvolvimento
profissional. Os cursos de Pedagogia e Licenciatura, em
particular, devem se comprometer com práticas pedagógicas
que contribuam para erradicar as estruturas de dominação e
promover a justiça, liberdade e felicidade na escola e na vida
em geral.

A efetiva garantia de igualdade de direitos, oportunidades e acesso aos


bens sociais, em todos os campos, não é possívelsem atenção às diferenças.
Portanto, o princípio da equidade refere-se à construção da igualdade
quanto ao usufruto de direitos e bens sociais apartir do reconhecimento
das diferenças.

A partir do conceito de gênero, dos desafios postos


pelas políticas de equidade de gênero presentes no Plano
Nacional de Educação/PNE (BRASIL, 2001) e no Plano
Nacional de Políticas para Mulheres/PNPM (BRASIL, 2004),
e do reconhecimento das carreiras do magistério (Pedagogia,
Licenciaturas), sobretudo na educação básica, como carreiras
feminizadas/gendradas, discute-se, neste texto, a inclusão da
perspectiva crítica de gênero na formação profissional.
Considerando que “todo conhecimento é
autoconhecimento” (SANTOS, 1999, p. 50) e que “é impossível

16
DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

separar o eu profissional do eu pessoal” (NÓVOA, 1992, p.


17), as/os formadoras/es e as/os professoras/es em geral
devem considerar que a mudança da prática curricular e
pedagógica, visando a construção da equidade, depende da
mudança pessoal e profissional. Assim, o conceito de gênero
nos desafia, pois remete à consideração das identidades de
gênero e experiências pessoais das/os educadoras/es: a
própria posição nas relações de gênero e a vivência íntima
dessas relações (CARVALHO, 2003).

Gênero como lente conceitual crítica

Gênero designa o conjunto de características e


comportamentos atribuídos a mulheres ou homens e, por
extensão, às práticas materiais e simbólicas, aos objetos, lugares,
atividades e representações sociais. A teoria feminista
contemporânea distinguiu sexo de gênero: o sexo é biológico
(cromossomos, genitália, hormônios), enquanto a identidade
de gênero é uma construção social/cultural (HUMM, 1989).
Diferença corporal não implica desigualdade, porém, a
desigualdade de gênero é ideologicamente e cognitivamente
construída e justificada com base na diferença sexual, ou seja,
qualidades e comportamentos humanos aprendidos são
atribuídos à natureza.

Por que rosa é considerada uma cor masculina e azul uma cor
masculina?
Porque atribuímos qualidades como meiguice às meninas e agressividade
aos meninos?
As culturas e sociedades são dinâmicas, mudam
normas e valores, e podemos constatar que as formas de
masculinidade e feminilidade são variáveis no tempo e no
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DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

espaço. A construção da identidade depende de dinâmicas


sócio-culturais complexas, portanto, as identidades são instáveis
no curso da vida individual; ademais são múltiplas, pois as
pessoas têm características diversas – sexo, idade, renda,
posição social, ocupação, religião – combinadas de modo
peculiar e circunstancial. Enfim, feminilidade ou masculinidade
não é uma essência (natural ou espiritual) fixa e os modos de
parecer masculino e feminino são plurais e mutantes, podendo
assumir uma configuração hegemônica num grupo ou contexto
social, a exemplo do machismo.

Os homens da aristocracia europeia usavam maquiagem, perucas de


cachinhos, roupas rendadas e sapatos enfeitados, um visual diferente
dos modelos de masculinidade de outros grupos de homens da mesma
época e de hoje.
Como têm mudado os modelos de masculinidade efeminilidade?
Como a imposição de modelos de masculinidade efeminilidade pode
causar danos ao desenvolvimento, à saúde e à qualidade de vida
individual e coletiva?

Embora os gêneros assumam uma pluralidade de


formas em diferentes sociedades, períodos históricos, classes/
grupos sociais, grupos étnicos e religiosos, gerações e até
mesmo no curso da vida individual, todas as sociedades
conhecidas possuem um sistema de sexo/gênero manifesto na
cultura, ideologia, ciência, violência, sexualidade, reprodução,
divisão do trabalho, organização do estado e da família, nas
práticas discursivas e cotidianas. Nesse contexto, o feminismo
tem assumido duas tarefas: uma teórica, entender esse sistema;
e outra política, erradicá-lo (FIRESTONE, 1970).

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DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

O sistema de sexo/gênero não é naturalou imutável, mas histórico e


continuamente reproduzido, com algumas variações e também
transgressões, mantendo-se a dicotomia e a hierarquia que inferioriza
as mulheres e desvaloriza os atributos femininos.
Quem diz que determinado jeito de ser é masculino ou feminino?
É importante destacar que a construção dos
gêneros é relacional e se baseia na polaridade e assimetria:
relações de gênero são relações de poder em que o princípio
masculino é tomado como parâmetro universal (BOURDIEU,
1999). Assim, o conceito de gênero representa a tentativa
teórica e política de desnaturalizar as desigualdades de sexo e
possibilita uma ampla crítica cultural. A teorização feminista
tem apontado os danos que o patriarcado, o androcentrismo,
o sexismo, o machismo e a misoginia causam ao
desenvolvimento humano, individual e social.

Patriarcado é o sistema social baseado na autoridade do homem nas


esferas pública e privada. É sustentado ideologicamente pela
heterossexualidade compulsória, violência masculina, socialização de
papéis de gênero e modos de organização da vida e do trabalho em que
os homens dominam as mulheres economicamente, sexualmente e
culturalmente, a partir do lar (ABERCROMBIE; HILL;
TURNER, 1994).
Androcentrismo refere-se ao sistema de valores baseado em normas
masculinas, que exclui as mulheres de posições de privilégio e poder.
Sexismo é discriminação de sexo. Na cultura androcêntrica e na
sociedade patriarcal, a discriminação de sexo atinge negativamente as
mulheres.
Machismo ou chauvinismo masculino é a crença de que os homens são
superiores às mulheres. (http://pt.wikipedia.org).

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DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

Misoginia denota aversão à mulher ou ao feminino.

Portanto, a teorização de gênero, desenvolvida no


campo dos estudos feministas e dos estudos culturais, interessa
a todas as disciplinas, da epistemologia à política.
Antropólogas, sociólogas e educadoras feministas estudam os
significados de gênero na organização da vida social e buscam
explicar os processos sociais, culturais e educacionais de
construção de sujeitos e práticas gendrados/as, isto é, práticas
de internalização de atributos de gênero via pressões e
condicionamentos sócio-culturais, bem como estratégias
pedagógicas com implicações para o desenvolvimento moral
de homens e mulheres e para as concepções de justiça, ética e
política.
Há várias vertentes na teorização sobre gênero: das
essencialistas às estruturalistas e pós-estruturalistas. Aqui se
adota a perspectiva construtivista ou construcionista, portanto,
exclui-se a perspectiva essencialista, segundo a qual a identidade
de gênero seria determinada pela biologia (genética/
cromossomos, anatomia/genitália, fisiologia/hormônios) ou
pela alma, supondo-se a correspondência entre corpo/sexo
(macho ou fêmea) e alma/gênero (identidade masculina ou
feminina).
O sistema sexo/gênero se baseia numa suposta
correspondência entre sexo e gênero, macho-masculino, fêmea
feminina, e numa suposta atração sexual natural/necessária
entre homem e mulher. Assim, há uma articulação entre
dominação de gênero, heterossexismo ou heteronormatividade
e homofobia, que é importante considerar.

Heterossexismo e heteronormatividade são conceitos que se referem a


estruturas sociais ou pessoais reguladas exclusivamente pelo princípio

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DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

da heterossexualidade compulsória, que naturaliza corpos, gêneros e


desejos como heterossexuais, consequentemente, silenciando e suprimindo
outras práticas.
A ordem heterossexista define a sexualidade com referência ao
desempenho sexual do macho. Vide mitos do orgasmo “normal”
vaginal.
Uma vez que a heterossexualidade produz as versões aceitáveis de
masculinidade e feminilidade, qualquer ameaça à identidade
heterossexual ameaça não apenas a sexualidade, mas também o gênero
do indivíduo, portanto, seu status como sujeito socialviável e aceitável.
Assim, a homofobia não é apenas ódio aos sujeitos homossexuais,
mas uma estratégia disciplinarempregada contra todos os sujeitos sociais
(CRANNY-FRANCIS et al., 2003).

Ora, nem todos os homens são masculinos de uma


mesma forma e nem todas as mulheres são femininas de uma
mesma forma. Há homens que não parecem masculinos e
mulheres que não parecem femininas do jeito convencional.
Ademais, nem todas as mulheres acham qualquer homem
atraente, pelo simples fato de se tratar de um macho humano,
e nem todos os homens acham qualquer mulher atraente pelo
fato de se tratar de uma fêmea humana. As explicações
biologicistas para as diferenças de gênero, novamente em voga,
são demasiado reducionistas e simplistas. E há pessoas que
têm atração por outras do mesmo sexo.
Como tem se perpetuado o sistema de sexo/
gênero? De acordo com Bourdieu (1999, p. 17), as diferenças
e oposições de sexo e gênero se inscrevem em estruturas
objetivas e subjetivas: apresentam-se “em estado objetivado
nas coisas, em todo o mundo social e, em estado incorporado,
nos corpos e nos habitus dos agentes”.
21
DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

Habitus é um sistema de esquemas depercepção, pensamento, apreciação


e ação, uma estrutura psicossomática adquirida no processo de
socialização primária, produto da internalização dos princípios de
um arbitrário cultural, termo que Bourdieu utiliza para acentuar o
caráter arbitrário, isto é, eventual, contingente (e não determinado por
leis da natureza ou da razão) da construção cultural.

Esse conceito de habitus explica a (re)produção


dos gêneros e a persistência das relações de dominação de
gênero: numa relação circular, de mútuo condicionamento, a
subjetividade (corporificada) é continuamente confirmada e
reforçada pela objetividade da organização social e de relações
sociais baseadas em divisões de sexo e gênero. Assim, a
experiência do mundo social, ou seja, a percepção da
concordância entre as estruturas sociais e as estruturas
cognitivas, legitima a apreensão das divisões arbitrárias como
naturais (BOURDIEU, 1999, p. 20).
Conforme Bourdieu (1999), os habitus de gênero são
fruto da educação e da aprendizagem informal desde a
socialização infantil; resultam do trabalho pedagógico
psicossomático de nominação, inculcação e incorporação
através de variadas e constantes estratégias de diferenciação,
implícitas e explícitas nas práticas de vários agentes e
instituições, como a família, a igreja, a escola, os meios de
comunicação, o estado. A somatização das relações sociais de
dominação é obtida “à custa, e ao final, de um extraordinário
trabalho coletivo de socialização difusa e contínua”, um
trabalho incessante de reprodução em que “as identidades
distintivas que a arbitrariedade cultural institui se encarnam
em habitus claramente diferenciados segundo o princípio de
divisão dominante e capazes de perceber o mundo segundo
este princípio” (p. 33-34). Este processo de constituição do
22
DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

habitus de gênero constrói simultaneamente o indivíduo e o


mundo, reproduzindo articuladamente estruturas subjetivas
(princípios de visão) e objetivas (princípios de divisão).

Frequentemente ouvimos: isso não é coisa ou lugar de menino ou de


menina!
Primeiro, o enxovalrosa ou azule os brincos nas orelhas das meninas
recém-nascidas. Depois, brinquedos e brincadeiras distintos para
meninos e meninas.
Até meados do século XX, as mulheres não usavam calças compridas.
Roupas unissex são uma moda recente, mas estão ausentes da moda
infantil.
Quais as nossas lembranças de estratégias de diferenciação de gênero
que nos foram impostas na infância?
E que tipos de estratégias pedagógicas de diferenciação de gênero
encontramos hoje nos vários espaços sociais e na escola, em particular?
Há escolas mistas que separam meninas e meninos: nafila da merenda,
nas mesas do refeitório ou da sala de aula.
Para que servem essas estratégias de diferenciação de gênero, afinal?
Como vêm acarretar desigualdades?

O conceito de gênero como estrutura de


dominação simbólica, materializada na organização social e
nos corpos dos sujeitos, explica sua realidade e persistência;
as estruturas sociais e psicossomáticas tendem a permanecer,
ou seja, resistem à mudança. O habitus é durável, todavia não é
imutável. Em contraposição, teóricas/os pós-estruturalistas
concebem o gênero como fluido, discursivo e desincorporado.
Com efeito, se o corte epistemológico entre sexo e
gênero é plausível, podemos conceber gêneros plurais e
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DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

mutantes, expressões femininas de homens, expressões


masculinas de mulheres, uma menina masculina, um menino
feminino, até o desaparecimento dos gêneros ou a androginia,
isto é, a conjunção de características masculinas e femininas,
ou a falta delas, o equilíbrio da anima e do animus, segundo a
teoria psicanalítica de Jung, ou a ausência de identificação de
gênero1. De fato, hoje, o próprio sexo e as características
corporais já deixaram de ser atributos naturais, fixos e imutáveis,
pois podem ser alterados através de intervenções cirúrgicas e
tratamentos hormonais. Pessoas transexuais e transgêneros têm
ganhado visibilidade.

O Programa Brasil Sem Homofobia — Programa de Combate à


Violência e à Discriminação contra Gays, Lésbicas, Transgêneros e
Bissexuais e de Promoção da Cidadania Homossexual — foi
instituído pelo governo brasileiro em 2003, visando garantiro direito
à educação desses grupos e promover valores de respeito e não
discriminação por orientação sexual.
Conhecemos as problemáticas e apoiamos as reivindicações desses
grupos?
Como pessoas transexuais, transgêneros, gays e lésbicas são tratadas
nas escolas?

Se é verdade que feminilidade e masculinidade não


têm significado fixo ou estável, pois são representações
continuamente reconstruídas e ressignificadas, também é
verdade que as relações de dominação de gênero persistem,
apesar das conquistas do movimento feminista ao longo do
século XX. Para Bourdieu (1999), a ordem masculina tem sido
reproduzida, “por vezes à custa de mudanças reais ou
aparentes”, através de “mecanismos estruturais (como os que
24
DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

asseguram a reprodução da divisão sexual do trabalho)” e de


estratégias educativas de diferenciação: masculinização ou
feminilização (p. 101-102). Reconhecendo a constância e a
permanência das relações de dominação de gênero em meio a
mudanças na condição das mulheres e nas relações entre os
sexos, ele ressalta a importância de:

descrever e analisar a (re)construção social,


sempre recomeçada, dos princípios de visão e
divisão geradores dos gêneros e, mais
amplamente, das diferentes categorias de práticas
sexuais” no contexto das “transformações dos
mecanismos e das instituições encarregadas de
garantir a perpetuação da ordem dos gêneros.
(BOURDIEU, 1999, p. 102-103)

Entre essas instituições, destaca-se a escola,


responsável por significativas mudanças na condição e posição
das mulheres ao longo do século XX, a partir do acesso à
educação; mas também por algumas permanências, como os
conhecimentos, carreiras e níveis de ensino/docência
gendrados, como a Pedagogia e a Educação Infantil.

No Brasil, a inclusão educacional das mulheres ao longo do século


XX resultou no sucesso escolar das meninas, que ultrapassaram os
meninos em número de matrículas e conclusões em todos os níveis, na
última década. Porém, elas concentram-se em carreiras femininas
desvalorizadas, não têm presença significativa nas Ciências Naturais,
Engenharias e Tecnologias; têm rendimentos inferiores aos dos homens
no trabalho, e não ocupam os postos de liderança, prestígio e poderno
setor público ou no privado.
As análises dos resultados do SAEB, em 2003, apontaram diferenças

25
DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

de rendimento entre meninos e meninas, conforme o gênero da matéria


escolar: Português é território das meninas e Matemática dos meninos.
No ENEM 2003 as meninas se saíram melhor em redação e os
meninos na parte objetiva (apud GODINHO et al., 2005), o que
indica que conhecimentos e habilidades continuam sendo gendrados.

Políticas de equidade de gênero

A luta histórica por cidadania e igualdade de


direitos busca superar as desigualdades sociais e políticas
baseadas nas diferenças de várias ordens entre as pessoas. As
mulheres lutaram por direito à educação, ao voto, à
independência econômica, igualdade salarial e acesso às
profissões e cargos valorizados; por direitos sexuais e
reprodutivos; pela partilha do trabalho doméstico; e pela
paridade na representação política entre homens e mulheres.
Algumas dessas lutas continuam (CARVALHO, 2007).

No ocidente, as mulheres obtiveram gradativamente acesso à educação


a partir do século XIX e ao longo do século XX.
No Brasil, elas conquistaram o direito ao voto em 1932.
Ainda hoje, as mulheres brasileiras ganham menos do que os homens,
embora sejam mais escolarizadas. Em janeiro de 2008, segundo dados
do IBGE, o rendimento médio das mulheres equivalia a 71,3% do
recebido pelos homens; e as mulheres com nívelsuperior recebiam 60%
do rendimento dos homens. (IBGE, 2008)2
Explore as histórias de suas antepassadas familiares: sua mãe, avó,
bisavó usufruíram de direitos e oportunidades de estudo, trabalho
remunerado e participação política?

26
DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

Nossa Constituição afirma o objetivo de


“promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça,
sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”
(BRASIL, 1988). Hoje, as políticas e estratégias para garantir
a igualdade focalizam não apenas igualdade de acesso e de
tratamento, mas de resultados. Meninos e meninas têm acesso
à escolarização, porém, suas trajetórias escolares e,
consequentemente, os resultados de sua escolarização são, em
grande parte, qualitativamente desiguais; elas ingressam em
cursos e ocupações ‘femininas’ desvalorizadas e mal pagas.

Dados do IBGE de 2003 indicam que, embora mais escolarizadas,


as mulheres brasileiras continuam ganhando menos do que os homens
tanto na faixa de renda superiorquanto inferior: entre os que tinham
mais de 11 anos de escolaridade, as mulheres ganhavam R$ 695 e os
homens R$ 1.362; entre os que tinham menos de um ano ou nenhuma
escolaridade, as mulheres ganhavam R$ 173 e os homens R$ 265
(IBGE apud GODINHO et al., 2005).
Compare as ocupações e rendimentos de homens e mulheres no seu
círculo social. Observe quem ocupa posições de maior remuneração,
prestígio e poder.

Os Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL,


1998, p. 322) reconhecem que a equidade é tanto um princípio
quanto uma condição para construção da cidadania e da
democracia. Por conseguinte, para promover a igualdade entre
os diferentes, isto é, a equidade, seja a diferença de classe, etnia,
gênero, aptidão física ou cognitiva, é preciso dar-lhes
tratamento distinto, oportunidades especiais e incentivos para
compensar desvantagens, empoderá-los para reduzir sua
vulnerabilidade. Em suma, a equidade representa a perspectiva
de construção da igualdade na diversidade através de políticas
27
DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

de discriminação positiva ou ação afirmativa.

Que políticas/práticas de discriminação positiva as professoras e


professores podem adotar, por exemplo, para incentivar meninas nos
esportes, na matemática, nas ciências naturais, e meninos, na leitura,
na redação, nas artes, no cuidado ambiental?
E para estimulara gentileza dos meninos e a assertividade das meninas?

No movimento e na teorização feministas, a


bandeira da equidade de gênero veio substituir a da igualdade
de sexo. Direitos iguais para homens e mulheres são uma coisa,
outra é o equilíbrio de atributos e valores ditos masculinos ou
femininos na vida coletiva e individual. Na nossa cultura
androcêntrica, a violência é um valor caro em vários sentidos,
pois os investimentos na indústria bélica são vultosos; já o valor
da compaixão não alcança prioridade política e a fome e as
doenças da pobreza ainda não foram superadas; investimentos
na indústria espacial são mais importantes do que na
preservação ambiental. No imaginário androcêntrico, céu e
guerra são um espaço e uma atividade masculina; terra e
cuidado são femininos; mulheres não adentram os espaços
masculinos de poder e homens não podem ser femininos, não
podem cuidar da terra nem chorar as misérias e sofrimentos
do mundo (CARVALHO, 2007).

Iniquidade de gênero é mais do que discriminação de sexo ou exclusão


das mulheres deposições deprivilégio e poder: refere-se à assimetria de
gênero, ou seja, à valorização de um gênero (seus atributos) e
desvalorização do outro; na cultura androcêntrica, corresponde à
desvalorização das expressões femininas.
Que qualidades masculinas ou femininas são valorizadas ou

28
DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

desvalorizadas em diferentes contextos? E no ensino-aprendizagem


das matéri7as escolares?

Na vida individual, desenvolver e praticar sem


restrições as qualidades e ações denominadas masculinas ou
femininas é um direito de todos. Quando a LDB (BRASIL,
1996) estabelece o pleno desenvolvimento humano, o preparo
para o exercício da cidadania e a qualificação para o trabalho
como finalidades da educação não se refere a duas classes
distintas de indivíduos, marcados por habitus de gênero:
masculino ou feminino, dominante ou dominado.
Contudo, no Tema Transversal Orientação Sexual
dos PCNs, se reconhece que “a construção do que é pertencer
a um ou outro sexo se dá pelo tratamento diferenciado para
meninos e meninas, inclusive nas expressões diretamente ligadas
à sexualidade, e pelos padrões socialmente estabelecidos de
feminino e masculino” (BRASIL, 1998, p. 296). Os PCNs
propõem, então, a desconstrução dos preconceitos e
estereótipos de gênero nas disciplinas, áreas de estudo e
material didático, bem como no convívio escolar, ou seja, nas
relações entre professor/professora e alunos/alunas na sala
de aula, e entre alunos e alunas nos grupos de estudo e no
recreio.
De fato, os estereótipos de sexo e gênero (fortex
frágil, ativo x passiva, agressivo x delicada, racional x
emocional) negam as diferenças individuais e culturais. A
diversidade individual não cabe em dois gêneros dicotômicos.
Homens ou mulheres, até mesmo de um mesmo grupo social,
não são iguais entre si, ou seja, há inúmeras diferenças entre
indivíduos do mesmo sexo, de modo que as supostas diferenças
de gênero são irrelevantes.
Não é possível transformar a desigualdade e
construir a equidade de gênero sem um esforço educacional.
29
DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

Por sua vez, o Plano Nacional de Educação determina: nos


objetivos e metas do ensino fundamental, a eliminação de
textos discriminatórios no tocante a gênero e etnia nos livros
didáticos (BRASIL, 2001, p. 25); nos objetivos e metas da
educação superior e na formação dos professores, a inclusão
da abordagem de gênero “nas diretrizes curriculares dos cursos
de formação de docentes” e “nos programas de formação”
(p. 44, p. 78); nos levantamentos estatísticos e no censo escolar,
a inclusão de indicadores de gênero com vistas à formulação
de políticas de gênero (p. 46,97).

No campo da educação, em que apresença de educadoras é majoritária,


elas deveriam ser, pelo menos paritariamente, diretoras de escolas,
secretárias de educação dos municípios e estados, ministras da educação...
Porque não ocupam com frequência esses cargos?

Na mesma direção, a partir do reconhecimento das


discriminações, desigualdades e violências a que estão
submetidas as mulheres brasileiras (ligadas a diferenças de
origem social, raça/etnia, orientação sexual, geração e condição
física e mental) e da afirmação do princípio orientador da
equidade (entendida como “tratar desigualmente os desiguais,
buscando-se a justiça social... através de ações específicas e
afirmativas voltadas aos grupos historicamente
discriminados”), o Plano Nacional de Políticas para Mulheres
amplia o escopo das ações educativas para a equidade de gênero
ao abranger a educação formal, informal e profissional/
continuada (BRASIL, 2004, p. 32-33). Entre outras diretrizes,
estabelece: “garantir a inclusão das questões de gênero, raça e
etnia nos currículos, reconhecer e buscar formas de alterar as
práticas educativas, a produção de conhecimento, a educação
formal, a cultura e a comunicação discriminatórias” (BRASIL,
2004, p. 34).
30
DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

No Capítulo 2, sobre educação inclusiva e não


sexista, entre os objetivos do PNPM, destacam-se: “incorporar
a perspectiva de gênero, raça, etnia e orientação sexual no
processo educacional formal e informal”; e “combater os
estereótipos de gênero, raça e etnia na cultura e comunicação”,
bem como no sistema educacional. Entre as prioridades
elencadas, encontram-se: “promover ações no processo
educacional para a equidade de gênero, raça, etnia e orientação
sexual”, destacando-se a inclusão destas temáticas no ensino
superior e na formação inicial e continuada de educadoras/es,
inclusive no tocante à prevenção da violência de gênero, como
estabelecido no Capítulo 4; a atenção ao livro didático e
demais materiais pedagógicos; e o acompanhamento e
avaliação dos programas educacionais com vistas à garantia
da equidade (BRASIL, 2004, p.56).

A crítica feminista apontou o androcentrismo da ciência moderna e da


produção do conhecimento.
Que conhecimentos são mais ou menos valorizados, legitimados ou
ignorados nos currículos da formação profissionale no currículo escolar?
Que exemplos se tem de práticas culturais cotidianas que reproduzem
assimetrias de gênero?
Que exemplos se pode dar de comunicação e publicidade discriminatória
no tocante a gênero?
Quanto e como vêm mudando as práticas escolares na direção da
equidade de gênero?
Os livros didáticos ainda apresentam preconceitos e estereótipos de sexo
e gênero?
Lembrando que a violência assume várias formas, inclusive a simbólica
(grosseria e ofensas verbais, mais ou menos disfarçadas, até a falta de

31
DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

reconhecimento, indiferença, rejeição e exclusão), o que a escola pode


fazer em prol da prevenção da violência de gênero?

Ainda vivemos relações de dominação masculina,


isto é, de subordinação, desvantagem, vulnerabilidade,
exploração, opressão e exclusão das mulheres (o que não
significa desconhecer que há relações de dominação também
entre indivíduos do sexo masculino). A violência é um
fenômeno masculino: a população carcerária é
majoritariamente constituída de homens. Outros fenômenos,
como violência doméstica, abuso sexual, prostituição infantil,
gravidez na adolescência, fuga da paternidade e sobrecarga
materna decorrem da assimetria de gênero, mais
especificamente da naturalização e da aceitação passiva de
noções corriqueiras acerca da agressividade e sexualidade
exacerbadas e incontroláveis dos homens ou de crenças no
imperativo da maternidade e no espírito de sacrifício materno.
Assim, a compreensão da problemática de gênero
— divisão, separação, polarização, assimetria, desequilíbrio,
dominação, referente a lugares, práticas, discursos, significados,
valores e modos de ser/parecer masculinos e femininos —
articulada a outras estruturas de desigualdade e dominação,
como raça e classe social, interessa a todos os cidadãos e
cidadãs, sobretudo às educadoras e educadores. Ensinar e
aprender sobre direitos versus desigualdades de gênero, sobre
equidade versus dominação de gênero é fundamental para se
construir a democracia, a justiça e a felicidade humana e esse
aprendizado deve ter lugar privilegiado na escola
(CARVALHO, 2007).
Todavia o conceito de gênero ainda não é bem
conhecido, nem bem empregado. No campo da pesquisa social
e educacional, as variáveis sexo e gênero nem sempre
informam ou problematizam os estudos. No campo do ensino,
32
DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

o conceito ainda não foi transversalizado em qualquer nível,


nem inserido com a devida ênfase na formação docente, sob a
bandeira da educação inclusiva e não-sexista, seja como
conteúdo transversal apropriado a qualquer disciplina, seja
como foco específico de uma disciplina (CARVALHO, 2007).

Quanto avançou a inclusão das questões de gênero na educação formal,


isto é, nos vários níveis escolares?
E na formação docente inicial e continuada?

Portanto, precisamos de uma ampla capacitação


crítica acerca da problemática das relações de gênero, via
educação formal, informal e continuada, a fim de “alterar as
práticas educativas, a produção de conhecimento, a educação
formal, a cultura e a comunicação discriminatórias”, bem
como garantir a implementação de políticas públicas de
equidade, como propõe o PNPM (BRASIL, 2004, p. 34, 35).

Introduzindo a perspectiva crítica de gênero na formação


profissional docente

A formação docente e as práticas pedagógicas


sensíveis à problemática de gênero atentam para a construção
e desconstrução de representações (significados e valores
denominados masculinos ou femininos) e sujeitos/identidades
de gênero (como ser menino ou menina, homem ou mulher)
em diferentes contextos educativos. Admite-se que a educação,
os processos escolares e as ações docentes influenciam a
equidade ou iniquidade de gênero e, inversamente, que o gênero
impacta as experiências e os resultados educacionais. A ordem
dicotômica de gênero se expressa nos discursos e nas práticas
pedagógicas, na organização dos espaços, rituais e objetos
33
DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

escolares, que podem separar e hierarquizar pessoas, objetos e


atividades (coisas de menino x coisas de menina), constituir,
normatizar, aprovar, constranger, censurar, repudiar, reforçar
e normalizar identidades/sujeitos de sexo, gênero, raça e classe.

Como se mantém a ordem de sexo e gênero, ou ao contrário, como se


evidenciam ressignificações, burlas, contestações, desterritorializações,
rupturas nas ações de professores/as e alunos/as, na escola e na
universidade?
Por exemplo, como se organizam as brincadeiras no recreio escolar?
Quem ocupa a quadra ou o pátio? Como se faz a divisão de trabalho
nos grupos de estudo? Quem apresenta o trabalho ou fala pelo grupo?
Como certas configurações identitárias de gênero (calma, aplicada,
agitado, bagunceiro)favorecem ou desfavorecem @s estudantes em suas
trajetórias escolares?
Como se dá a chamada à participação dos “pais” na escola? Em que
horários se marcam as reuniões de “pais” e quem mais comparece a
essas reuniões: pais ou mães?

É importante lembrar que a reprodução da ordem


dicotômica de gênero, do sexismo, do racismo e a discriminação
se dão de modo não-intencional, geralmente sutil, através das
reações espontâneas e automáticas que permeiam a ação
docente, nas dinâmicas do currículo oculto e do currículo em
ação (CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO, 2001).
Significados, valores e símbolos ligados às noções de
masculinidade e feminilidade informam as concepções de
profissão, bom professor, boa professora, tia, bom aluno, boa
aluna, disciplina e aprendizagem, articuladas a outras
hierarquias como classe social e raça/etnia, influenciando a
avaliação escolar (CARVALHO, 2001). Outras possibilidades
34
DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

de reprodução das hierarquias e violência simbólica de gênero


se exercem nas relações entre estudantes que escapam à
interferência dos/as educadores/as. Todavia, pesquisadores/
as formadores/as, gestores/as e educadores/as ainda
minimizam essas questões e, por vezes, parecem considerar as
desigualdades de gênero como simples diferenças a serem
respeitadas ou toleradas, e não desconstruídas (CARVALHO,
2007).

Como as professoras e professores percebem alunos e alunas, sobretudo


quanto à capacidade de aprender? Suas expectativas de bom
comportamento, ou seja, de comportamentos favoráveis à aprendizagem
são idênticas para meninos e meninas? Em outras palavras, suas
definições de bom aluno e boa aluna são análogas ou diferentes?
Como interagem com as expressões de masculinidade efeminilidade
das crianças ejovens?
Como interferem naquelas manifestações espontâneas d@s estudantes
que reproduzem separações, oposições e hierarquias de sexo de gênero?
Ora, a reflexão sobre as representações e
identidades sociais e de gênero tanto historicamente quanto
ao longo da vida individual é um processo educativo e de
autoconhecimento, que interessa especialmente às educadoras
e educadores, formadores de novos sujeitos e gerações. Sabe
se que a reprodução escolar de conhecimentos, habilidades e
carreiras gendradas (que resulta na desvalorização de certas
ocupações e profissões femininas) baseia-se nos habitus de
gênero, desenvolvidos através de aprendizagens informais e
legitimados pela avaliação escolar. Um exemplo é a docência
infantil e das primeiras séries do ensino fundamental, apesar
da LDB incluir o princípio da “valorização do profissional da
educação escolar”3. A questão da valorização profissional (e
35
DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

salarial) da docência é uma questão de gênero, pois a


feminização consolidou a desprofissionalização nos níveis
“inferiores” da escolarização, onde persistem as educadoras
leigas e os contratos de trabalho precários; e ainda faltam
investimentos sérios no desenvolvimento profissional dessas
docentes polivalentes/não-especializadas.

As mulheressão 83% dos professores brasileiros: 92,6% nas primeiras


séries do ensino fundamental, 85% na educação básica e 40,8% no
ensino superior (BRASIL, 2004, p. 54), portanto, estão sub
representadas no segmento de maior prestígio e remuneração da carreira
do magistério.

A Pedagogia é um curso e uma carreira gendrada.


Por exemplo, dados da Coordenação do Curso de Pedagogia
do Centro de Educação da UFPB, referentes ao primeiro
semestre de 2005, informam que de um total de 1.159
matrículas apenas 135 são do sexo masculino, ou seja, 12,5%.
Observa-se também que os casos de trancamento e abandono
de curso são maiores entre os alunos. Assim, cabe indagar:
quem somos nós pedagogas e como nos formamos? Como
vem se reproduzindo esse campo feminino nas práticas,
discursos, textos e materiais pedagógicos no cotidiano da
formação inicial?

Até que ponto o currículo do curso de Pedagogia se baseia na tradicional


socialização feminina, valendo-se das habilidades relacionais femininas
– o jeitinho para lidar com crianças? Seria por isso que nosso curso
tem baixo prestígio e fama de fraco ou fácil?
Há uma política de valorização da formação d@ pedagogo@, de
inclusão de enfoques científicos rigorosos tanto na teoria quanto na
prática pedagógica?

36
DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

E se propuséssemos uma política de ação afirmativa para incluir homens


na educação infantil e séries iniciais do ensino fundamental?

Uma questão que vem sendo pesquisada é se a


presença massiva de mulheres-educadoras na pré-escola e séries
iniciais representa de fato (e em que aspectos) uma feminização
da escola, expressando-se na primazia do cuidado e das
relações afetivas na cultura escolar e na prática docente,
reduzindo-a à maternagem. Nesses níveis escolares, em que
aspectos o ambiente escolar é feminilizado, caracterizando-se,
por exemplo, por práticas pedagógicas e de manejo de classe
específicas? Como a própria concepção de gênero (atributo
natural ou cultural) da docente influencia sua prática
pedagógica e impacta, favorável ou desfavoravelmente,
meninos e meninas? Enfim, o que as professoras e professores
entendem por equidade de gênero? Como compreendem as
questões de equidade de gênero no ensino e na aprendizagem
e também nas relações profissionais e interpessoais?
(CARVALHO, 2007).

Como professoras e professores traduzem políticas de equidade de gênero


em práticas pedagógicas não-discriminatórias efetivas?

Deve-se, ainda, repetir: as relações de gênero são


desiguais, a dominação de gênero é histórica, por isso constitui
uma problemática de direitos humanos e justiça social, com
consequências negativas para as mulheres e para os homens
também. O PNE e o PNPM determinam a inclusão da
perspectiva de gênero na educação superior e na formação
inicial e continuada de professores/as. Assim, a formação
docente deve promover a conscientização sobre a dominação
37
DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

de gênero na vida social e escolar, e sobre as múltiplas formas,


explícitas ou sutis, através das quais a ação docente pode
contribuir, frequentemente por omissão, para a reprodução
da iniquidade de gênero na escola. Para isso, são essenciais:

(1) a reflexão sobre a própria prática e a subjetividade dos


agentes educativos na universidade e na escola;
(2) o estímulo à experimentação contínua de estratégias de ação
transformadora (CARVALHO, 2006).

Exercícios de investigação sobre práticas culturais


e educativas, histórias de vida, narrativas de experiências,
autobiografias e escrita reflexiva sobre as discriminações de
sexo e gênero (e outras), na vida cotidiana e na escola, são
estratégias produtivas de construção de conhecimento e de
conscientização acerca dos preconceitos. Inclusive, e não menos
importante, ajudam a examinar e transformar os próprios
preconceitos e o papel profissional/pessoal na direção da
erradicação da discriminação institucional e da promoção da
diversidade na escola (SLEETER; TORRES; LAUGHLIN,
2004).

Como vem se dando a inclusão da perspectiva de gênero nos Cursos de


Pedagogia e Licenciaturas?
E na formação continuada?
Há resistências? Quais os avanços?

Pierre Bourdieu (1999) enfatiza que a violência e


dominação simbólicas de gênero persistem porque se
inscrevem em habitus masculinos e femininos – disposições
corporais, emocionais e mentais produzidas na vivência das
estruturas e relações de dominação e reproduzidas no mais
38
DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

das vezes inconscientemente. Portanto, o desafio de erradicar


habitus e hierarquias de gênero requer um modelo de
aprendizagem holístico, que convide, acolha e integre corpo,
emoção e cognição, simultaneamente para a auto-formação, a
formação docente inicial e continuada, e a educação das
crianças, jovens e adultos.
A epistemologia e pedagogia feministas, bem como
a teoria e pedagogia queer, ainda pouco conhecidas entre nós,
podem contribuir para o avanço da teorização e da prática
educacional comprometidas com a erradicação do sexismo,
racismo, heterossexismo e homofobia e com a promoção da
equidade, diversidade e felicidade humana.
O paradigma epistemológico feminista parte da
crítica aos dualismos, à articulação entre masculinidade,
objetividade e razão, e à localização social masculina do
conhecimento; focaliza as experiências vividas, a
intersubjetividade, o lugar da emoção, subjetividade e corpo
no conhecimento, a conscientização e o empoderamento
individual e coletivo, a solidariedade eliberação/emancipação
das mulheres e de todos os seres humanos (HUMM, 1989;
OLESEN, 2006).

A pedagogia feminista tem afinidades com a pedagogia de Paulo Freire:


visa à conscientização, ao empoderamento, à mobilização e organização
coletivas para a transformação das relações de dominação de gênero e a
liberação dos indivíduos e grupos daquilo que limita sua participação
social, intelectual e política (LEON, 1997).
Para isso, estimula o diálogo, a diversidade de perspectivas e a crítica
sobre a cultura do poder, particularmente sobre os processos e estruturas
que reproduzem a subordinação de gênero na sala de aula, na academia
e nas práticas sociais em geral.

39
DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

A teoria queer, a partir da teorização de Judith Butler


e Michel Foulcault, entre outros, e a pedagogia queer, a partir
de aportes da pedagogia crítica, utilizam estratégias discursivas
e performativas para visibilizar, desconstruir e ressignificar
regimes de verdade/normalização, relações, posições de
sujeito e identidades normativas/hegemônicas e outros (os
estranhos) marginalizados (LOURO, 2004).

Desafios e compromissos:
Ler o mundo com lentes conceituais críticas (gênero, feminismo,
patriarcado, androcentrismo, sexismo, heterossexismo, machismo,
misoginia, racismo, homofobia) a fim de evidenciar injustiças, danos,
desvantagens, preconceitos e sofrimentos que afetam certos indivíduos e
grupos sociais.
Refletir continuamente sobre a desigualdade de gênero, articulada a
outras desigualdades, na vida cotidiana, na história pessoale social, e
nas práticas pedagógicas culturais e escolares.
Eliminara linguagem sexista, racista e homofóbica na fala e na escrita.
É interessante notar que a linguagem racista ou homofóbica aparece
menos na escrita do que a linguagem sexista. No dia a dia, o uso do
masculinogenérico (aluno, professor, pedagogo) invisibiliza as mulheres
e as desigualdades de gênero. Do ponto de vista sociológico, eliminara
variávelsexo empobrece qualquer estudo e, consequentemente, impede
a problematização de gênero.

40
DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

Sugestão para oficina

IGUAIS OU DIFERENTES?

1º MOMENTO – INDIVIDUAL
Responda rápido

1. A melhor coisa de ser homem é ________________________


2. Os meninos não podem ______________________________
3. Os pais esperam que os meninos _______________________
4. Os homens ficam envergonhados quando ________________
5. As mulheres realmente querem os homens para ____________
6. Os homens não gostam de ____________________________
7. As professoras elogiam seus alunos quando _______________
8. Os meninos são melhores alunos em ____________________
1. A melhor coisa de ser mulher é ________________________
2. As meninas não podem ______________________________
3. Os pais esperam que as meninas _______________________
4. As mulheres ficam envergonhadas quando ________________
5. Os homens realmente querem as mulheres para ____________
6. As mulheres não gostam de ___________________________
7. As professoras elogiam suas alunas quando _______________
8. As meninas são melhores alunas em _____________________

2º MOMENTO – DISCUSSÃO EM DUPLAS


Compare suas respostas com as de um/a colega.
Discuta as diferenças de expectativas de comportamento entre
meninas e meninos, homens e mulheres.
O que acham que mudou no curso das gerações? E o que não
mudou? Por que?
O acham que deveria mudar? E o que não deveria mudar? Por
que?

41
DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

3º MOMENTO – DEBATE NO GRUPO MAIOR


As/os participantes relatam as respostas e as discussões nas duplas.
A animadora da oficina faz uma síntese das mudanças e
permanências relatadas, bem como das justificativas e argumentos
apresentados.
Aponta aspectos críticos e faz um convite à reflexão acerca desses
aspectos.
Que vantagens e desvantagens há nas experiências dos homens?
Que vantagens e desvantagens há nas experiências das mulheres?
Robert Connell fala do dividendo patriarcal
(http://pt.wikipedia.org), expresso em privilégios gozados por
todos os homens, independentemente de explorarem ou
oprimirem, individualmente ou diretamente, as mulheres.
Pierre Bourdieu (1999) diz que os homens também são
prisioneiros e, sem se aperceberem, vítimas, do arbitrário cultural
androcêntrico.
Finalmente, a animadora destaca as implicações
pedagógicas/escolares emergentes na respostas dos/as
participantes.

4º MOMENTO – ELABORAÇÃO DE ESTRATÉGIAS DE


INTERVENÇÃO PEDAGÓGICA EM PEQUENOS
GRUPOS, SEGUIDADE APRESENTAÇÃO E
DISCUSSÃO NO GRUPO MAIOR
A animadora propõe a elaboração de estratégias de intervenção
pedagógica em grupos de 4 a 6 participantes.
Ao final, as estratégias são apresentadas pelos grupos e discutidas
no grupo maior, considerando-se o quanto são viáveis (critério
prático) e desejáveis (critério ético).

Notas
1
Wikipédia, on-line. Acesso em: 9 jun. 2007.
2 Para maiores informações: <http://www.ibge.gov.br/home/
presidencia/noticias/noticia_visualiza.php? id_noticia=
1099&id_pagina=1>. Acesso em: 07 mar. 2008.

42
DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

3 LDB, Título II, Dos Princípios e Fins da Educação Nacional, art.


3º, VII. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br>. Acesso em
07 mar. 2009.

Referências

ABERCROMBIE, Nicholas; HILL, Stephen; TURNER,


Bryan, S. Dictionary of Sociology. 3. ed. London: Penguin Books,
1994.

BOURDIEU, Pierre. A dominação masculina. Rio de Janeiro:


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BRASIL. Plano Nacional de Políticas para as Mulheres. Brasília:


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45
II

OUTROS OLHARES
SOBRE A CORPOREIDADE
ADILSON DUMONT

Introdução

Para melhor compreensão optamos por abordar


a visão histórica do corpo dentro da grande influência platônica
(idealismo/materialismo) lançando luz para perspectivas atuais.
Não é nossa intenção aprofundar sobre uma “metafísica do
corpo”, nem uma fenomenologia do corpo. Pretendemos
lançar alguns elementos, lances históricos na percepção do
corpo humano como base para a civilização ocidental.
Chamaremos por testemunhas, filósofos gregos, medievais,
renascentistas e modernos, sempre relacionados com o
processo educacional.

Abordagem Idealista

Inaugurada pelos gregos, temos a concepção do


“microcosmos” emancipando-se para o “macrocosmos” (a
natureza condicionando e influenciando a visão do corpo)1.
Platão (428 – 347 a.C.) reflete o mundo das ideias
do qual a alma veio e se encarcerou num corpo que é o mundo
real, apresentando o corpo como uma dimensão inferior,
limitado contraposto à alma (perfeita, eterna e imutável),
lançando os pressupostos para a teologia cristã. Assim sendo,
as atividades relacionadas ao intelecto eram consideradas
47
DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

nobres, reservadas à aristocracia, o que fomentou o chamado


“ócio prestigioso”, relegando às classes inferiores os trabalhos
braçais.
Já Aristóteles (384-322 a.C.) afirma que a alma tem
a forma do corpo (hilemorfismo)2, acaba influenciando o
empirismo ao admitir que o corpo (“physis”) interage
perfeitamente com este mundo a partir das suas percepções
sensoriais: os sentidos, a intuição e a consciência (“psiquê”)3.
Ambos influenciarão a visão de mundo e concepção de
“Homem Moderno” ainda que o mesmo seja moldado no
modismo cibernético.
Como testemunho cristão do pensamento
platônico temos a contribuição de Santo Agostinho (354 –
430 d.C), bispo de Hipona, que representará a teologia sobre
o pecado original (o corpo como instrumento pecaminoso,
caminho do mal): desenvolveu-se a noção de culpabilidade,
angústia, alicerçando a vida monacal: “Eu não existiria, meu
Deus, de modo algum existiria, se vós não estivésseis em mim;
ou melhor, eu não existiria se não estivesse em vós, de quem
por quem e em quem todas as coisas têm o ser” (SANTO
AGOSTINHO apud DUMONT, 2003, p. 107).

Abordagem Materialista

O advento da mentalidade Renascentista inaugurará


conflituosas percepções do corpo humano, uma vez que
durante a Idade Média, firmaram-se os pilares morais,
religiosos e filosóficos da concepção humana. O mundo
medieval foi direcionado pela teologia católica para qual o sexo
era pecado venial, com a finalidade de procriação dentro de
um contexto matrimonial. Estimulava-se “ascese” (ginástica
espiritual): jejum, penitência, mortificação, ou seja, a negação
do corpo4: “O corpo é também ocasião de corrupção e
48
DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

decadência moral, pois se a alma superior não souber


controlar as paixões e os desejos, o homem será incapaz de
um comportamento moral” (ARANHA, 1986, p. 342).
A modernidade traz no seu bojo um conjunto de
transformações: as grandes navegações, a concepção
heliocêntrica, a secularização do conhecimento, o
antropocentrismo, marcando uma nova visão de homem no
mundo e consequentemente, da sua corporeidade.
Contrapondo a negação do corpo da mentalidade medieval,
percebemos o hedonismo (culto ao prazer), emancipação do
“sujeito cosmológico”; há uma crescente dessacralização da
corporeidade. Em uma perspectiva holística, temos as
personalidades de um Leonardo Da Vinci (1452 – 1519),
Galileu Galilei (1564 – 1662), Miguelangelo (1475 – a 1564),
Giordano Bruno (1548–1600) e René Descartes (1596–1650);
expressando esta nova visão temos o famoso quadro “A lição
de anatomia” de Rembrandt, onde o médico Vesálio (1514 –
1564) disseca um cadáver:
O pensamento cartesiano instaura a fragmentação
da percepção corpórea: “Penso, logo existo”. Esta
modernidade perceberá duas “instâncias do corpo humano:
“res extensa” (corpo e matéria) e “res cogitans” (coisa
pensante), o que hoje entendemos como dualismo psico-físico
norteará abordagens distanciadas da proposta Holística dos
gregos. Há uma crescente fragmentação do ser,
“dicotomizado” pelo racionalismo científico.
O darwinismo vem contribuir com a secularização
do corpo, demonstrando que o mesmo é produto de uma
evolução biológica, marcado pelo contexto geográfico e
histórico. O capitalismo através da Revolução Industrial
renegou o corpo à condição de máquina, diante disto, surge a
filosofia marxista contrapondo à “reificação” do ser humano.
Seus estudos abriram as portas para a compreensão do ser
49
DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

humano nos vários campos do saber, tais como: A perspectiva


sociológica da historicidade humana da produção intelectual
de Karl Marx (1818 – 1883); Albert Einstein (1879 – 1955) “o
ser no tempo-espaço”, Edmund Husserl (1859–1938) “o ser
de consciência” e a remanescente contribuição da Psicanálise
de Sigmund Freud (1856 – 1938), que, em congresso de l927,
profere uma conferência com o sugestivo tema: “Eu lhes trago
a peste”:

Nós, seres humanos somo infelizes. Nossos corpos


adoecem e decaem, a natureza exterior nos
ameaça com a destruição, nossas relações com
os outros são fonte de infelicidade. Mas todos
nós fazemos os mais desesperados esforços para
escapar da tal infelicidade. O poder sobre a
natureza não é o único pré-requisito para a
felicidade humana, assim como não é o único
objetivo dos esforços culturais. Não nos sentimos
à vontade em nossa civilização atual (FREUD,
1927 apud SCHULTZ, 1995).

Novas Perspectivas

A sociedade atual, principalmente a ocidental, vem


através de uma lógica mercadológica impor um padrão de
corpo perfeito, desenvolvendo nas pessoas hábitos,
comportamento que as levem a perseguirem uma “beleza
física”. Como relata Frei Betto:

[...] a publicidade invade o universo psíquico que


chega inverter a relação pessoa-mercadoria. Esta,
revestida de grife, passa a imprimir valor a seu
consumidor/portador. [...] O produto passa a

50
DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

merecer mais valor que a pessoa, e esta se sente


socialmente valorizada na medida em que ostenta
a posse do produto. O consumo consome o
consumidor. (BETTO, 2006, p. 103)

A mídia hollyodiana “formadora de opinião”


também traz sua visão de corporeidade, através de seus marcos
cinematográficos: Blade Runner5 (seres humanos como meras
cópias perversas e amorais), O Homem Bicentenário6 (o ser
insensível), Inteligência Artificial (seres humanos como sucatas
recicláveis), Matrix7 (mundo virtual versus mundo real - outra
vez reminiscências platôniicas) e Simone8 (cujo enredo mescla
fenômeno midiático, cultura de massa e padrão de beleza
eurocêntrica). São metáforas que denunciam a banalização do
ser e perda da identidade do “humano”, despojado de seu
estatuto maior: uma corporeidade subjetiva.

Considerações Finais

Como percebemos, durante séculos, o mundo


esteve preso a uma visão idealista primeiramente e depois
materialista, chegando atualmente ao mundo globalizado,
fortemente influenciado pela mídia, onde o valor dado ao corpo
está relacionado à lógica de mercado. A produção acadêmica,
o espaço escolar com suas relações interpessoais devem
contribuir na sua análise dos “miasmas” do mundo moderno:
supervalorização do corpo, padronização do “belo”, a perda
de uma identidade e subjetividade. Qual a contribuição que o
processo educacional pode apresentar diante desta
“desumanização do corpo”?
É preciso contextualizar a Educação Física,
sobretudo a brasileira, trazendo para a sala de aula uma
abordagem mais ampla do ser humano, procurando realizar
51
DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

um diálogo com os alunos sobre a influência midiática em


nossas vidas. A Educação Física, ao tratar da cultura corporal
do movimento, deve procurar desenvolver, nos educandos o
senso-crítico, a socialização e a cidadania. Dentro das diretrizes
trazidas pela LDB (BRASIL, 1996), em particular os
“Parâmetros Curriculares Nacionais” (BRASIL, 1998), os
educadores devem buscar formas e encaminhamentos
integrando as várias áreas de conhecimentos no
aperfeiçoamento da visão e desenvolvimento do corpo, tendo
como desafio a integração do educando portador de
necessidades especiais. Tais respostas caberão ao coletivo
(educadores, legisladores, a comunidade escolar) repensar a
prática pedagógica numa perspectiva mais humanizante. Esta
nova mentalidade serve para outras disciplinas dentro da
interdisciplinaridade.
O objetivo do presente ensaio foi lançar novos
perspectivas para a corporeidade do ser humano moderno,
apontar pistas instigar educadores atuais a assumirem uma
postura mais crítica frente aos caminhos a serem percorridos;
instrumentalizar os acadêmicos para uma ampla e profunda
reflexão sobre o “ser no mundo” e a própria identidade pessoal.

Sugestão para oficina

Professor facilitador: Sugere-se a leitura


comentada do texto-base acima.

1. Em grupo (de até 5 pessoas, mesclando por sexo), tentem


resumir como os programas televisivos direcionados aos
jovens, apresentam a questão do corpo, participação da
mulher no lar, sociedade.
2. Separando os jovens por estilo/gosto musical (rock, funk,
axé, etc), preparem uma dramatização de músicas, sempre
52
DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

observando como a visão do corpo é colocada, a figura


da mulher, o sexo, etc.

Papel do/a docente: Fazer as intervenções,


deixando que os jovens manifestem a mensagem captada das
canções.

3. Incentivar os jovens, agora reunidos, mesclando por critério


religioso (se possível, 1 de cada igreja, denominação e ateus,
sendo que o total do grupo não ultrapassando 8
componentes) confeccionar cartazes, desenhos, frases...
reproduzindo a visão de:

a. Corpo
b. Sexualidade
c. Mulher

Papel do/a docente: Se possível, além de


cartolinas, papel crafti, pincéis etc, providenciar Novo
Testamento, Antigo Testamento, trechos do Alcorão,
Catecismo Católico, outros textos de livros

4. Concluindo a oficina, deixar que os jovens expressem (por


música, pequena dramatização, jogral, dança,
performances) o que foi captado sobre corporeidade/
gênero.

Notas

1 Ver HIPÓCRATES, Ouevres Medicales, Lyon: Du Fleuve, 1954.


2 Ver DUHEM, Pierre. Le Systeme du Monde, Paris: Hermann, 1988.
3 Para melhor aprofundamento ver hedonismo e estoicismo.

53
DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

4 Ver AQUINO, Tomás. Suma Teológica. In: Os Pensadores, São


Paulo: Abril Cultural, 1983.
5 Blade Runner: O Caçador de Androides (EUA 1982). Direção: Ridley
Scott.
6
O Homem Bicentenário. Columbia Pictures e Touchstone Pictures.
Baseado no conto de Isaac Asimov. (EUA 1999). Direção: Chris
Columbus.
7 Matrix (EUA 1999). Warner Bros. Escrito e Dirigido por The
Wachowski Brothers.
8 S1MONE (EUA 2002). New Line Cinema. Escrito, Produzido e
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55
III

“LOBA É UMA BRINCADEIRA MUITO


PERIGOSA, MUITO VIOLENTA E BRUTA...”
- GÊNERO, SEXUALIDADE E VIOLÊNCIA
NO CONTEXTO ESCOLAR
Anderson Ferrari

“Bolinho de arroz”, “Pimentinha”, “Corredor


Polonês”, “Me chute”. Essas são algumas “brincadeiras” que
povoam o cotidiano escolar e que trazem em comum a
composição de uma rede de participantes que está servindo
para as construções de inúmeras subjetividades, dentre elas,
aquelas ligadas às identidades sexuais e de gênero. Na escola,
o controle e a vigilância em torno da sexualidade de crianças e
adolescentes ocorre através dos mais variados mecanismos,
pelos diferentes sujeitos, em múltiplos locais e momentos e de
modo relacional entre meninos e meninas. Os jogos de meninos
envolvem força e agressividade, enquanto aqueles organizados
por meninas tratam de sedução e namoro. Essa constatação
nos serve para problematizar como as feminilidades e as
masculinidades vão se constituindo de modos distintos dentro
– e fora – da escola (ALTMANN, 1998). Essas questões
adquirem certa naturalidade em nossa sociedade e não nos
chamam mais atenção. Ninguém mais se assusta com o fato
das brincadeiras dos meninos estarem relacionadas à violência,
com cenas de forte agressividade – tornou-se “coisas de
meninos”. No entanto, é necessário recuperar o “susto” com
essas práticas para poder pensá-las como construções sociais
e históricas, que podem ser problematizadas, repensadas,
57
DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

desconstruídas e reconstruídas.
São essas discussões que estão na base desse artigo,
que pretende, sobretudo, contribuir com os estudos de gênero,
das sexualidades e dos gays e lésbicas, além de servir como
possibilidade de estabelecer novas relações sociais, afetivas e
sexuais. As décadas de sessenta e setentainauguraram os estudos
das masculinidades e o conceito de gênero que passaram a
despertar interesse e visibilidade no meio acadêmico, nos
grupos de pesquisas, nos movimentos sociais, sendo
responsáveis pela organização de seminários, livros, políticas
públicas, artigos e trabalhos que somados visam promover a
igualdade de gênero e sexual (ARILHA, 1998; FELIPE, 2007).
Na medida em que ganharam força, esses estudos e pesquisas
contribuíram para o diálogo com outras questões que estão
articuladas aos discursos e práticas de construção dos gêneros
e das sexualidades como, por exemplo, a violência. Segundo
Sposito (2001), o tema da violência e das pesquisas que
buscavam relacioná-la com a escola são parceiras do processo
de redemocratização no Brasil, ou seja, a década de 80 marca
o momento em que essa questão eclode com força no debate
público.
Unindo tudo isso, este texto busca problematizar
os discursos e as práticas de construção dos gêneros e das
sexualidades a partir das masculinidades, mantendo um diálogo
com as feminilidades, as homossexualidades, as identidades e
as sexualidades. Assumindo a escola como local privilegiado
de organização desses mecanismos, quero aproveitar para
pensá-la como um dos campos de poder e conflito que marcam
as relações humanas, visto que é um dos locais de negociação
das identidades. Identidades de gênero e sexuais que servem,
tanto como “ferramenta analítica quanto política” (LOURO,
1997), que significa pensar ou mesmo explicar essas categorias
como efeitos de poder. Como ressalta Foucault (1988), não se
58
DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

trata de procurar quem tem o poder, nem tampouco quem


está privado dele, mas buscar os esquemas e os mecanismos
de modificações que as correlações de força envolvem e fazem
supor no seu próprio jogo.
Neste sentido, é a perspectiva pós-estruturalista
que está no centro das abordagens aqui trabalhadas. Essa
abordagem de extrema fertilidade é aquela em que o discurso,
a linguagem, as formas de atribuir significado, a investigação e
a análise de constituição dos sujeitos adquirem centralidade.
Além disso, essa ótica de pesquisa ressalta o caráter construído
e incompleto das identidades, dos gêneros e das sexualidades,
vistas como algo em constante processo e, portanto,
provisórias e instáveis (LOURO, 1997). Problematizando a
existência de uma “verdade” absoluta e das grandes
generalizações, o interesse é discutir as relações em torno da
construção dos gêneros e das sexualidades num contexto
específico: o contexto escolar. Para isso, foi recuperada uma
“brincadeira” – a loba – organizada entre alunos do Ensino
Fundamental de uma escola pública federal1.

A “loba”

No início de 2006, pais, alunos (na sua maioria


meninas), os responsáveis pela disciplina e mesmo a direção e
professores da escola mostraram-se preocupados com uma
“brincadeira” intitulada loba. A princípio, não sabíamos do
que se tratava e decidimos ficar nas quadras de esportes,
durante o recreio, para tomar conhecimento da situação.
O centro das duas quadras (separadas por um
alambrado) era dominado por meninos, enquanto as meninas
e alguns poucos meninos ficavam sentados nas arquibancadas,
conversando em grupos, lanchando, ouvindo seus ipods ou
mesmo caminhando entre as quadras. Um das quadras tinha o
59
DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

maior número de meninos de quinta e sexta séries num certo


tumulto, embolado num grupo compacto. De repente, surge
uma lata de refrigerante amassada, utilizada como bola, que
era chutada pelos meninos sem um rumo definido. Conforme
a direção que a latinha tomava, havia uma certa preocupação
em correr. De forma que deu para perceber que a “brincadeira”
consistia em tentar acertá-la em alguém, ao mesmo tempo em
que cada um, individualmente, tentava fugir e não ser atingido
por tal objeto. Quando isso ocorria, todos os outros corriam
para cima daquele que foi atingido dando-lhe chutes, socos,
pancadas com o braço, tapas, pontapés, enfim, todo tipo de
agressão. O menino que apanhava tinha a preocupação de
escapar de todos, tentando evitar o máximo do contato e
correndo em direção a uma das traves (do gol) mais próxima,
numa extremidade ou outra da quadra. O grupo só encerrava
a ação no momento em que aquele que estava sendo perseguido
encontrava uma das traves. A violência é o que aparece de mais
forte, visto que se tratava de mais de trinta alunos perseguindo
um único, que, desesperado, buscava seu refúgio.
A disposição e o entusiasmo dos alunos pela
brincadeira era algo que chamava atenção. Logo após o sinal
do recreio, os alunos das séries que participavam do evento
saíam correndo pelos corredores e escadas numa grande euforia
em direção à quadra. Nela, também se colocavam como
estimuladores alunos mais velhos do Ensino Fundamental e
Médio que incentivavam a brincadeira, com gritos e torcidas.
Com o tempo, a brincadeira foi tomando outra dimensão. Se
no começo a condição para participar era o envolvimento
“espontâneo”, logo depois, ela tomou proporções diferentes.
Muitas vezes, a latinha escapava em direção às meninas e
meninos que estavam sentados nas arquibancadas assistindo.
Nessas ocasiões, o grupo que estava participando passou a
não respeitar mais esse não envolvimento, partindo para cima
60
DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

de meninas e meninos na mesma reação que tinha com aqueles


que tinham consentido participar e também apanhar.
Resolvemos, então, discutir e ouvir dos alunos de
quinta série suas opiniões a respeito da loba. Propusemos que
cada um respondesse em uma folha de papelo que era a loba?
Muitos, além de responder, representaram a brincadeira com
desenhos. São essas produções que serão analisadas neste texto,
sobretudo os desenhos2. A partir delas que iremos
problematizar os discursos e práticas que organizam a
construção desses meninos e meninas como homens e
mulheres, buscando entender esses mecanismos como
relacionais e em diálogo com as identidades e sexualidades.

Gênero e sexualidade no contexto escolar

Trazer a “brincadeira” da loba para discussão


significa problematizar situações concretas ocorridas na escola
e reveladoras no que se refere à construção de gênero e suas
relações com a sexualidade. As brincadeiras, de forma geral,
são bons exemplos de como se exerce a vigilância sobre a
sexualidade de meninos e meninas. A rede de participantes
que se articula em torno delas demonstra que as questões de
gênero e de sexualidade se organizam de variadas formas, em
diferentes momentos e espaços e por diversos sujeitos que
assim vão se constituindo uns aos outros como homens e
mulheres.
Dessa forma, surgem significados diferentes do que
representa a brincadeira para meninos e meninas. Dizem os
meninos:

“Loba é um jogo sinistro, só para quem for homem, a


loba é pura adrenalina para você jogar tem que saber
bater e também é claro apanhar”;

61
DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

“É um jogo bom para apanhar, é uma garafa que se


bate na pessoa ela apanha até cansa”;
“Eu acho que loba é uma brincadeira de carroceiro porque
o objetivo é quem toma uma bolada apanha até encosta
a mão em um local estabelecido”.

As análises surgidas dos meninos classificam a loba


como uma “brincadeira”, demonstrando certa naturalidade
com o fato, já que se trata de uma negociação entre “homens”.
A reprodução, assim como as outras definições dos meninos,
parecem revelar um certo “orgulho” de fazer parte do grupo
como se servisse para “comprovar” que são “homens de
verdade”.
É importante destacar que o conceito de gênero
indica o caráter construído de homens e mulheres, servindo
para suspeitar do aspecto natural atribuído ao que é masculino
e feminino. Como ferramenta teórica e política, ele serve para
evidenciar que esses sujeitos construídos historicamente são
resultado de um contexto de luta discursiva (LOURO, 2002).
Mais do que isso, a produtividade do conceito de gênero está
servindo para “reflexão a respeito das subalternidades, abalando
certezas tão firmemente alicerçadas em torno das diferenças
biológicas, que serviram durante muito tempo para justificar
as desigualdades entre homens e mulheres” (FELIPE, 2007,
p. 78). Problematizar a organização das brincadeiras no
contexto escolar demonstra como a escola está envolvida nesse
processo de construção dos sujeitos.
Demonstrando que não há nada de natural na
construção desses meninos e meninas como homens e mulheres
e, principalmente, que essas construções fazem parte de um
processo contínuo e ininterrupto de investimento para “criar”
esses sujeitos de gênero, as meninas trazem uma outra visão,

62
DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

num caminho inverso do que apareceu quando se trata de


meninos.

“Eu acho que a ‘loba’ é uma brincadeira muito sem


noção, porque bater em pessoas é uma coisa errada e
ainda mais do jeito que eles brincam, essas pessoas que
brincam não tem criatividade e nem coisas que prestam
para fazer”;
“Loba é um ato de vandalismo, pois além de machucar,
destrói o ambiente, é uma brincadeira desumana. Esse
jogo foi criado para agredir uns aos outros”.

Esses discursos vão construindo uma relação


binária e mesmo de inversão entre um sujeito e um Outro,
entre o que é ser “homem” e o “outro”, seja a mulher ou aquele
que não se enquadra na brincadeira. Os meninos, de forma
geral, parecem não se sentir autorizados a falar mal da
brincadeira já que se trata de algo praticado e direcionado para
homens. Dessa forma, falar mal do que ocorre pode significar
se afastar desse grupo, aproximando-se de um outro gênero.
Esse afastamento do seu gênero “natural” e se aproximando
do “outro” traz uma outra ameaça e mistura relações de gênero
com identidade e sexualidade, inaugurando o discurso da
homossexualidade como desvio, como anti-natural, como erro.
Como ressalta Butler (2003), parece ser o poder
que opera nessa divisão binária em que se pensa o conceito de
gênero. Que relações de poder estão sendo colocadas em vigor
na escola e estão servindo para construir o “sujeito” e o
“outro”, essa relação binária entre “homens” e “mulheres”?
Mais ainda, como elas estão servindo para construir uma certa
coerência interna desses gêneros? Essa coerência interna parece
operar sem problemas na medida em que se associa a
heterossexualidade com gênero e desejo como se essa relação
63
DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

fosse natural, servindo para sustentar essa divisão e


hierarquização entre os gêneros e atribuindo a
heterossexualidade um caráter compulsório (BUTLER, 2003).
Neste sentido, é interessante questionar o que acontece com
aqueles que rompem com essas relações, que abalam a
estabilidade entre as categorias de gênero e a
heterossexualidade. Situações como essa, que aparece na loba,
possibilita-nos uma boa oportunidade para problematizar a
construção dos gêneros, a hierarquização estabelecida entre
eles e como isso está na própria constituição dessas categorias
e a heterossexualidade compulsória.

É necessário demonstrar que não são


propriamente as características sexuais, mas é a
forma como essas características são
representadas ou valorizadas, aquilo que se diz
ou se pensa sobre elas que vai constituir,
efetivamente, o que é feminino ou masculino em
uma dada sociedade e em dado momento histórico.
Para que se compreenda o lugar e as relações de
homens e mulheres numa sociedade importa
observar não exatamente seus sexos, mas sim tudo
o que socialmente se construiu sobre os sexos. O
debate via se constituir, então, através de uma
nova linguagem, na qual gênero será um conceito
fundamental. (LOURO, 1997, p. 21)
A brincadeira da loba tem como foco o gênero,
entendido numa perspectiva de poder e como uma construção
relacional em que não somente está se forjando a ideia de
“homem” como também de “mulher” (LOURO, 1997;
BUTLER, 2003). O poder é praticado por todos, uma vez
que ele tem efeitos sobre suas ações. Dessa forma, podemos
interrogar como o exercício do poder, organizado por

64
DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

manobras, práticas e discursos da loba resulta em ações


absorvidas, aceitas, contestadas, resistentes, criando, assim, as
categorias de gênero - meninos e meninas.
Segundo Louro (1997), a linguagem é o “campo
mais eficaz e persistente” na instituição das distinções, “a
linguagem não apenas expressa relações, poderes, lugares, ela
os institui; ela não apenas veicula, mas produz e pretende fixar
diferenças” (LOURO, 1997, p. 65). Dessa forma, a autora
ressalta a importância de se escutar não apenas o que é dito,
mas, sobretudo, o não-dito, o que é silenciado – “os sujeitos que
não são, seja porque não podem ser associados aos atributos
desejados, seja porque não podem existir por não poderem
ser nomeados. Provavelmente nada é mais exemplar disso do
que o ocultamento ou a negação dos/as homossexuais – e da
homossexualidade – pela escola” (LOURO, 1997, p. 67).
A loba está servindo para colocar em prática uma
certa cobrança não revelada de participação. A própria
estrutura da brincadeira exige a constituição de um grupo e
fazer parte dele é ficar preso a essa rede estabelecida entre
meninos, criando uma distinção das meninas e desse “outro”
que não se constitui como menino, uma vez que não faz parte
desse grupo. Dessa forma, estão presos a essa rede de jogadores
e dependentes desse “companheiro” para sair. Há todo um
mecanismo de coação para a participação, permanência e
manutenção da brincadeira e do grupo. Alguns meninos
apanhavam bastante, sentavam um pouco na arquibancada
chorando e, mesmo machucados, eram incapazes de procurar
as autoridades da escola para denunciar a brincadeira,
demonstrando um certo pacto que sustentava a dinâmica da
brincadeira e mantinha a coerência da identidade de gênero.
Outros chegavam a revelar para a Coordenação,
acompanhados de um pedido de sigilo, que embora não
quisessem participar desde o início, só entraram na brincadeira
65
DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

depois de serem cooptados, “convencidos” por meio do


discurso da ameaça da homossexualidade.
Não participar e também falar mal parece ser um
ônus muito caro de ser sustentado. Um aspecto interessante
da origem da brincadeira foi revelado nessas produções. A
loba parece que foi organizada para amenizar a ameaça da
homossexualidade. Um mito muito presente na organização
dos discursos da homossexualidade masculina no contexto
escolar é a prática de esportes, em que futebol passou a ser
atributo de meninos e, por consequência, aqueles que não
jogam, recorrentemente, são classificados como homossexuais.
Muitas das vezes, isso cria uma certa tensão entre aqueles que
não têm habilidade para o esporte, sentindo-se forçados a jogar
para afastar a classificação de algo “desvalorizado”, como a
homossexualidade. Neste sentido, um aluno revela a origem
do nome e da brincadeira loba: “A loba é um jogo de futemou, que
não joga bola direito eles falam que é loba e assim surgiu a loba com uma
bola ou uma garrafinha e se asertar a bola ou a garafa eles começam a
bater”.
Loba (que na definição do aluno seria o resultado
da inversão dos fonemas de bo-la) pode ser percebida como
um mecanismo de fuga e resistência à construção da
masculinidade hegemônica e de poder na organização, numa
nova possibilidade de visibilidade de constituição das diversas
masculinidades. Pode ser lida, portanto, como uma ruptura,
uma resistência, demonstrando que não existe o homem, mas
diversas formas de ser homem, obrigando-nos a utilizar o
termo sempre no plural, assim como diversas e diferentes
formas de ser mulher. Diferente do que ocorre no jogo de
futebol, na loba, não há necessidade de habilidade, bastando
sair chutando o objeto, de forma que não haveria “desculpas”
para não participar, além de livrar aqueles que não sabem e
não gostam de futebol da “acusação” da homossexualidade.
66
DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

Essa pluralidade do masculino e do feminino


demonstra que é por meio das relações sociais que os gêneros
são construídos, revelando a ação das práticas sociais na direção
dos corpos, na constituição dos seres. Neste sentido, trazer
para discussão as relações que se estabelecem e que servem
para organizar a loba é pensar em algo mais amplo na medida
em que a brincadeira serve para pensar a discussão de gêneros
no contexto escolar, buscando problematizar as maneiras e os
mecanismos de compreensão e representação das
características sexuais. “Pretende-se, dessa forma, recolocar o
debate no campo do social, pois é nele que se constroem e se
reproduzem as relações (desiguais) entre os sujeitos” (LOURO,
1997, p. 22). Afirmar esse caráter social da construção dos
gêneros nos obriga a considerar as distintas sociedades e
tempos de sua organização, o que impede as generalizações e
os essencialismos reforçando o aspecto de construção e de
processo. “Observa-se que as concepções de gênero diferem
não apenas entre as sociedades ou os momentos históricos,
mas no interior de uma dada sociedade, ao se considerar os
diversos grupos (étnicos, religiosos, raciais, de classe) que a
constituem”(LOURO, 1997, p. 22-23).

“Loba é uma brincadeira bruta que as veses machuca e


feio”: gênero e violência

Propor uma reflexão que relacione gênero e


violência significa trabalhar a partir da possibilidade de criar
uma história do cotidiano escolar tendo como base as práticas
e os discursos de alunos e alunas sobre as “brincadeiras”. Essas
brincadeiras que vamos recuperando vão se organizando a
partir das diversas imagens e discursos que os participantes
vão construindo, o que nos auxiliam na função de compreender
e problematizar a complexidade e a dinâmica das relações de
67
DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

gênero e da sexualidade no contexto escolar. Quando


propomos aos alunos o trabalho de reflexão a respeito da loba,
um fato nos chamou atenção – a pergunta se podiam também
desenhar e não somente escrever sobre ela. Diante disso, foi
possível perceber que a brincadeira se organizava de tal forma
que era impossível apreendê-la, capturá-la e entendê-la apenas
com a produção discursiva e que as imagens da loba eram tão
fortes que ficaram na memória dos alunos e colocavam a
necessidade de articular imagem com discurso.
Nem todos os alunos desenharam. No entanto, os
que fizeram acabaram retratando a brincadeira de uma mesma
forma – ressaltando o aspecto da violência. Segundo Alves e
Oliveira (2004), quando trabalhamos com a articulação entre
imagem, memória e narrativa, lidamos com os nossos limites,
uma vez que tudo que somos capazes de ver, oferece ou sugere,
ou mesmo apresenta apenas uma leitura limitada das nossas
ações. Dessa forma, é possível pensar como os discursos e os
desenhos dos alunos se entrelaçam em suas percepções, em
suas constituições como meninos e meninas e como tudo isso
diz respeito sempre ao que sabemos antes, aos nossos
significados de gênero e de sexualidade, que também se
constituem a partir da relação entre imagens e discursos
anteriores.
A proposta de articular os desenhos com os
discursos exige rever e recuperar a memória; trazer as imagens
para sala numa reflexão pessoal a partir das experiências
individuais e coletivas de relações com o Outro, com a escola,
com as regras da brincadeira, com os resultados na constituição
de si e do Outro. É a partir desses desenhos que partimos.
Não somente deles, mas de nós mesmos, daquilo que possuímos
e que nos possibilita fazer aproximações dessas imagens
construídas pelos alunos. Toda imagem – tanto a produzida
pelos alunos quanto a que estamos produzindo nesse artigo –
68
DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

supõe que se veja, associando-a à experiência por meio dos


significados que somos capazes de produzir quando é
compartilhada.
Como nos lembra Larrosa (2002), experiência é o
que nos passa, o que nos acontece, toca-nos, de forma que ela
é algo pessoal, além de nos servir para produzir sentidos ao
que está por-vir. Assim, a definição de um aluno a respeito da
loba - “Loba é uma brincadeira bruta que as veses
machuca e feio”– se inscreve nessa relação entre experiência
e sentido, além de nos possibilitar construir imagens de
violência a partir de sua narrativa, já que ela se organiza pelos
significados de algo que é “bruto”, “machuca” e é “feio”. Essas
palavras carregadas de juízo de valor e de significados são
perfeitamente traduzidas em alguns desenhos, como pode ser
percebido abaixo.

Os desenhos parecem representar a dinâmica do


grupo que é fundamental para a organização da brincadeira.
Aparece um grupo maior em torno de um indivíduo isolado e
que sofre a agressão, seguido de dois conjuntos de palavras.
Um primeiro que serve para organizar a agressão, tais como
“mata”, “quebra”, “pega”, “acaba”, e um outro conjunto que pode
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DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

ser lido como pedido de socorro e que serve para evidenciar,


fortalecer e mesmo denunciar o aspecto violento e “bruto” da
brincadeira: “não”, “socorro”, “Ah!”, “S.O.S”. Dos dez alunos
que assumiram a sugestão de desenharem e representarem a
brincadeira, apenas três eram meninas. E foram em apenas
nessas três produções que aparecem palavras que sugerem um
pedido de socorro, como que utilizando o momento para
denunciar, uma vez que sabiam que era uma atividade sugerida
pela Coordenação.
Como demonstra Louro (2002), o acesso e o
controle de espaços culturais, tais como mídia, cinema, escola,
livros, sempre foram importantes para os grupos de gênero,
uma vez que representavam um lugar de luta política e cultural
importante. Historicamente, sempre foram controlados por
grupos dominantes constituídos por homens brancos
heterossexuais de classe média urbana das sociedades
ocidentais cristãs e que falavam sobre os demais e que assim
vão construindo regimes de verdade sobre os gêneros. Assim,
apropriar-se desses espaços e produzirem sua própria
representação, “mostrar sua estética e ética tornam-se uma meta
urgente para aqueles grupos antes submetidos” (LOURO,
2002, p. 232). Daí todo aspecto de denúncia que os desenhos
de meninas apresentaram.
A luta no terreno cultural é, fundamentalmente,
uma luta em torno da atribuição de significados. Significados
que são produzidos em meio a relações de poder – não apenas
porque eles expressam posições de poder, mas também porque
têm efeitos de poder. Portanto, o que esses novos grupos sociais
estão disputando é a possibilidade de impor seus próprios
significados a respeito do mundo, das práticas e dos sujeitos
(LOURO, 2002, p. 232).
A violência nos possibilita compreender e
problematizar os processos educativos de constituição dos
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DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

sujeitos que estão ocorrendo em diferentes espaços sociais e


que muitas vezes “invade” a escola. A complexidade da
violência, no contexto escolar, decorre da sua relação com o
tema no âmbito social, sobretudo, nas cidades. (SPOSITO,
2001). Dessa forma, professores e escola são chamados a
ampliar seu campo de ação e exercer seu ofício na esfera mais
ampla da cultura.
Em um outro conjunto de desenhos, aparecem duas
questões importantes de serem analisadas. Os desenhos
parecem retratar apenas meninos como integrantes da
brincadeira. Além disso, a violência é representada em algo
que se aproxima com o que seriam as brigas, com cenas de
sangue, agarrões, socos, olhos roxos, enfim, cenas que se
assemelham a confrontos que, mais comumente, organizam
se nas ruas.

Esses desenhos, assim como esses diferentes


espaços de interação (escola e rua) nos levam a pensá-los não
apenas como transmissores de conhecimento, de valores e de
verdades, como também produtores de identidades. Discursos,
sons, imagens e desenhos vêm se constituindo como modos
de produção, distribuição e recepção de conhecimento, de
71
DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

representações sociais, de educação e de constituição de sujeitos


de gênero.
Como ressalta Woodward (2000), atualmente, não
é mais possível pensar e trabalhar com a ideia de uma identidade
coerente, una e estável que sirva para “explicar” e
“compreender” o sujeito e sua história. Cada sujeito é um
conjunto de identidades. Isso pode ser percebido pela ação
das meninas diante da loba. Ao mesmo tempo em que
contribuíam com sua organização, na medida em que torciam,
atribuíam valores aos meninos como os bons ou os fracos,
exerciam seu poder de sedução que incentivava a participação
dos meninos, elas também denunciavam, seja verbalmente ou
utilizando-se dos desenhos, assumindo o lugar social e cultural
e o que se espera das meninas, como sujeitos dóceis, avessos a
brigas e pacíficas. Uma e outra ação convivem e vão
constituindo o que chamamos de meninas e meninos como
gêneros que se relacionam, interagem, fortalecem e se opõem.
Ou seja, acionados por diferentes grupos ou instâncias cada
um pode se reconhecer (ou não) em diversos lugares e posições.
(LOURO, 2002).
Transitórias e contigentes, inacabadas e históricas,
as identidades são vividas frequentemente, com tensões e
conflitos. Sob essa perspectiva, torna-se cada vez mais
problemático operar dentro da ótica dicotômica que supõe
um pólo masculino dominante e um pólo feminino dominado.
“[...] Sujeitos de identidades plurais, homens e mulheres
exercitam o poder de distintas formas, em relação que
combinam operações de convencimento, resistência,
cumplicidade, submetimento” (LOURO, 2002, p. 232-233).
A citação acima parece apontar para a necessidade
de atenção em torno das complexas relações de poder em que
são produzidas as identidades e os significados que são
socialmente atribuídos a elas. Nos desenhos, aqueles que estão
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DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

na ação de bater são representados como fortes, de forma que


são valorizados; enquanto os que estão apanhando aparecem
como fracos. A violência, dessa forma, está servindo para
produzir as identidades de homens e mulheres, assim como
homens fortes e fracos, constituindo não somente as identidades
mas, sobretudo, a relação delas com as diferenças. Neste
sentido, as diferenças adquirem certa importância e um aspecto
a ser problematizado na escola. Woodward (2000, p. 40) afirma
que “a identidade não é o oposto da diferença: a identidade
depende da diferença”.

Sugestão para oficina

Seguindo o caminho apontado pelas análises e,


principalmente, mantendo a coerência com a perspectiva pós
estruturalista assumida na escrita do texto, quero pensar numa
proposta de oficina que dialogue com quem lê. E isso significa
dizer que essa proposta (oficina) está aberta à possibilidade
de discordar ou concordar não somente com o que foi escrito,
mas também com a sugestão de trabalho. Dessa forma, elaborei
73
DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

uma “proposta” que pode ser modificada, adaptada, alterada,


mas que trabalha com duas questões fundamentais para serem
exercidas na escola. Uma diz respeito à ação de exercitar nos
alunos e junto com eles o hábito da dúvida, das
problematizações. Como professor, mais do que afirmar
minhas verdades, gosto de fazer perguntas. Questionar é, de
certa forma, fazer as pessoas pensarem de maneira diferente,
inaugurando uma outra relação entre as partes; uma vez que
me parece que, em geral, ninguém está disposto a abandonar
seu próprio discurso para responder a questões que, elaboradas
por outra pessoa, por um outro discurso, levariam a pensar,
repensar e problematizar as mesmas coisas de outra forma.
Abandonar a segurança das verdades para se arriscar e explorar
o desconhecido.
A segunda questão se refere a trabalhar a partir
daquilo que os alunos trazem, compreendendo que a linguagem
não revela, simplesmente, o modo que esses alunos
representam e conhecem a realidade a sua volta, a sua cultura,
mas que os discursos produzidos fazem mais do que isso, eles
instituem um jeito de conhecer. Assim sendo, essas duas
questões se aproximam e se complementam na organização
da proposta de oficina.
O que proponho como trabalho pode ser feito com
os alunos do segundo segmento do Ensino Fundamental ou
então com qualquer ano do Ensino Médio. A oficina inicia com
a distribuição de uma tira feita de cartolina ou qualquer outro
papel mais acessível, seguida de uma conversa com os alunos,
explicando que será escrito no quadro negro uma palavra e
que eles devem, primeiro, ler epensar na imagem ou nas imagens
que surgirão para cada um a partir da leitura dessa palavra e
entrar em “contato” com elas. Depois, passe a próxima
informação, ou seja, diga a eles o que deverá ser feito: cada
aluno, individualmente e sem comunicação, deverá traduzir em
74
DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

apenas uma palavra o que significa, para ele, a palavra que está
escrita no quadro, ressaltando que, para isso, deverá utilizar a
tira que foi distribuída. Escreva a palavra HOMEM3. É
importante dar um tempo de 30 segundos a 1 minuto para
que todos possam estabelecer relações entre o que está lendo
e o que vem a mente; e mais cinco minutos, no máximo, para
escolher a palavra que, na avaliação de cada um, melhor
represente aquela palavra/imagem. A ideia é trabalhar com o
que defende Alves e Oliveira (2004): como narrativas e imagens
se entrelaçam em nossas vidas. “É assim, em processos nos
quais são articuladas imagens e narrativas, as quais exigem,
permanentemente, reflexão pessoal, elaboração de ideias e
imaginação, a partir de experiências individuais e coletivas de
reflexão com o Outro, com a natureza, com objetos
tecnológicos que vamos tecendo nossas reflexões” (ALVES;
OLIVEIRA, 2004, p. 3).
É importante observar e ficar atento para as
reações dos alunos: as dificuldades, as expressões faciais, as
palavras que saem espontaneamente para que, depois, possam
ser refletidas coletivamente, visto que elas também nos servem
para revelar como lidamos com a palavra, com o significado e
com aquilo que ela nos mobiliza.
O passo seguinte é pedir que os alunos levantem
se e circulam pela sala, mostrando o que escreveram para os
outros colegas com a intenção de também conhecerem o que
todos pensam e escreveram sobre a palavra HOMEM e que
encontrem entre a turma uma definição que mais se aproxima
ou complementa aquilo que escreveu, de forma que formem
duplas. Formadas as duplas a partir desse critério, peçam que
cada um explique para o outro os motivos que o levaram a
escrever o que escreveram, trocando informações a respeito
do que veio a mente quando leram a palavra no quadro, como
fizeram a escolha do que escreveram; quais as maiores

75
DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

dificuldades para fazer a escolha; e o que achou sobre a palavra


do outro; e que determinou a aproximação e a formação da
dupla. O tempo suficiente para essa atividade é de 5 a 10
minutos, dependendo da disposição da turma.
Logo depois peça que cada dupla levante-se
novamente e repita o processo de forma que encontre outra
dupla e formem grupos de quatro alunos. Formados os grupos,
que realizem o procedimento anterior, ou seja, que discutam
os caminhos individuais até aquele momento. Pode ser dado
aqui o mesmo tempo do momento anterior. O professor,
percebendo que todos os grupos esgotaram as discussões passe,
o próximo comando, pedindo que, cada grupo, a partir do
que discutiram, escrevam numa folha de papel uma definição
para a palavra HOMEM, de forma que apareça todas as quatro
palavras presentes no grupo. Mesmo que tenham palavras
repetidas elas devem compor a definição, na quantidade que
apareceram. Por exemplo, se apareceu três vezes a palavra
“violência”, ela tem que está escrita três vezes na definição do
grupo. Circule entre os grupos e perceba o que estão
discutindo; as dificuldades para a elaboração da definição; as
informações que estão trazendo; as histórias; os comentários
e conclusões. Esse momento exige uma atenção maior para
que o trabalho não se perca nas trocas de informação. Por
isso, é importante que o professor estabeleça um tempo, que
pode variar entre 20 a 30 minutos, podendo ser reduzido ou
ampliado dependendo da dedicação dos grupos.
Após todos os grupos terminarem, o professor
pode iniciar o segundo momento, a discussão em plenário do
que foi feito. Assim, é importante definir para todos o que
será feito nessa segunda etapa. Cada grupo apresentará as
palavras que apareceram, entregando-as ao professor que
deverá apresentá-las a todos em voz alta; e, em seguida, colá
las com fita adesiva no quadro negro, pedindo posteriormente
76
DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

que leiam a definição, escrevendo-as ao lado das palavras


coladas. Isso também pode ser feito de forma que os alunos
vão à frente e que eles próprios apresentem ao resto da turma
o que apareceu e escrevam as definições. Cada grupo deverá
repetir a ação, de forma que, ao final, o quadro estará completo
com as palavras que apareceram, assim como as definições. É
importante que o professor problematize com os alunos o que
vai aparecendo como também as definições. No final,
proponha que todos leiam e observem o quadro e que juntos
percebam o que se repetiu; o que insiste em aparecer quando
discutimos HOMEM; o que nunca aparece; o que apareceu e
que não deveria aparecer e o que não apareceu e que deveria
aparecer. Para fechar, traga à tona as observações quanto às
dificuldades e problematize-as, ou seja, porque é difícil definir
com uma única palavra o que significa ser homem para cada
um? Porque é raro aparecer algumas palavras para definir
homem? Porque essas palavras não aparecem? Porque são
recorrentes algumas palavras quando definimos homem?

Notas
1
Trata-se de uma escola pública federal localizada na cidade de Juiz
de Fora, com 400 alunos entre a quinta e oitava séries do Ensino
Fundamental.
2 As produções dos alunos e alunas aparecerão sempre em itálico,
entre aspas e mantendo as formas de escrita com os erros de
ortografia e concordância, preservando a originalidade dos
informantes.
3 Várias outras palavras podem ser utilizadas nessa proposta de oficina
como, por exemplo, sexualidade, mulher, homossexual, trabalho,
escola, enfim, depende do que o professor pretende trabalhar com
os seus alunos.

77
DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

Referências

ALTMANN, Helena. Rompendo fronteiras de gênero: Marias (e)


homens na Educação Física. Dissertação (Mestrado em
Educação) – Faculdade de Educação, Universidade Federal
de Minas Gerais, Belo Horizonte, 1998.

ALVES, Nilda; OLIVEIRA, Inês Barbosa de. Imagens de


escolas: espaçostempos de diferenças no cotidiano. Educação e
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ARILHA, Margareth et al. Homens e Masculinidades: outras


palavras. São Paulo: ECOS/ED 34, 1998.

BUTLER, Judith P. Problemas de gênero: feminismo e subversão


da identidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.

FELIPE,Jane. Gênero, sexualidade e a produção de pesquisas


no campo da educação: possibilidades, limites e a formulação
de políticas públicas. Pro-Posições, Campinas, v.18, n. 2(53), p.
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FOUCAULT, Michel. História da Sexualidade I: a vontade de


saber. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1998.

LARROSA BONDÍA, Jorge. Notas sobre a experiência e o


saber da experiência. Revista Brasileira de Educação, Rio de
Janeiro, n. 19, 2002.

LOURO, Guacira Lopes. Gênero, sexualidade e educação: uma


perspectiva pós estruturalista. Petrópolis: Vozes, 1997.

78
DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

LOURO, Guacira Lopes. Gênero: questões para a Educação.


In: BRUSCHINI, Cristina; UNBEHAUM, Sandra G. (Org.).
Gênero, democracia e sociedade brasileira. São Paulo: FCC: ED 34,
2002. p. 225-242.

SPOSITO, Marilia Pontes. Um breve balanço da pesquisa sobre


violência escolar no Brasil. Educação e Pesquisa. São Paulo, v.
27, n. 1, p. 1-16, 2001.

WOODWARD, Kathryn. Identidade e diferença. In: SILVA,


Tomaz Tadeu da (Org.). Identidade e diferença. Petrópolis: Vozes,
2000.

79
IV

OU ELE OU EU: VIOLÊNCIA E


RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA
FERNANDO CÉZAR BEZERRA DE ANDRADE

Entre o velado e o explícito: homofobia na escola

Segundo o Conselho Nacional de Combate à


Discriminação (2004), a homofobia é discriminação por
orientação sexual que atinge homossexuais (homens e
mulheres), bissexuais e transgêneros (travestis e transexuais).
O termo fala, portanto, da aversão, irracional e generalizada,
à homossexualidade e a homossexuais.
Quando considerado por uma abordagem à
primeira vista ingênua e errônea, o termo, composto por dois
radicais gregos (homo e phobos) articulados, poderia significar,
literalmente, “horror ao igual”. Mas o que esse exercício de
“tradução” revela não é inútil: há, sim, na repulsa aos (às)
homossexuais, embutidos, o preconceito e a discriminação ao
que há, paradoxalmente, de diferente no igual! Pois, a
homofobia relaciona-se diretamente com outros dois
fenômenos que caracterizam, há séculos, as relações de gênero:
o androcentrismo e a misoginia.
O androcentrismo diz de uma valorização desigual
do mundo masculino, pela qual os homens atribuem-se o
controle das relações sociais e exercem o poder nelas inerente,
de modo a submeter as mulheres às suas vontades, em situações
claramente desiguais. Daí a misoginia: mulheres são
desprezadas e inferiorizadas, muitas vezes, reduzidas a meros
81
DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

objetos sexuais masculinos, numa hierarquia que converge para


a pretensa superioridade do homem.
Ora, a homofobia aponta justamente para os
preconceitos androcêntricos e misóginos, porque a concepção
da homossexualidade corrente no senso comum afirma que
homossexuais (masculinos, no caso) são homens que abdicam
da posição “naturalmente” superior dos homens (fortes, ativos,
dominantes) para adotarem a posição feminina, supostamente
inferior. Nessa lógica, não só a heterossexualidade masculina é
central, como está situada no patamar mais alto das relações
de poder.
Lacerda, Torres e Garcia (2004) chamam a atenção
para o fato de que grande parte dos crimes de natureza
homofóbica vitima homossexuais masculinos, por serem eles
os indivíduos que aumentam a distância entre papéis sociais e
identidade: constituída, entre outros aspectos, em meio a
relações de gênero, a identidade aparecerá tanto mais coerente
quanto mais confirmar papéis de gênero pela sexualidade. Os
homossexuais fazem esses dois fatores divergirem, pois,
homens, “desejam como mulheres”, seu desejo os aproxima
de outros homens. Em princípio iguais, eles diferem num desejo
que, por suas características, opõe-se ao paradigma de
superioridade inerente ao masculino. Sua existência atesta a
falácia desse modelo (não logicamente possível que um
naturalmente dominante deseje como uma dominada) e, por
isso, representa uma ameaça a papéis e identidades machistas:

[...] podemos então afirmar que a identidade


sexual do homossexual masculino estaria em grau
de igualdade social com a identidade do gênero
feminino, uma vez que o preconceito contra gays
e a lógica da violência contra estes estariam no
“rebaixamento” ao feminino, enquanto papel

82
DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

social dominado. (LACERDA; TORRES;


GARCIA, 2004, p. 3-4)1

Por seu caráter psicossocial, a construção da


identidade e dos papéis de gênero dá-se em várias instituições,
inclusive a escola. Nela, “os professores não apenas tendem a
se silenciar frente à homofobia, mas, muitas vezes, colaboram
ativamente na reprodução de tal violência” (CONSELHO
NACIONAL DE COMBATE À DISCRIMINAÇÃO, 2004,
p. 18). Castro e Abramovay (2003) já indicaram haver, além
da violência física, manifestações simbólicas e morais de
violência por discriminação de minorias na escola,
precisamente onde se deve ensinar a conviver com diferenças,
para além das igualdades. Parte disso está associada nas
violências de gênero que são mais ignoradas e mesmo
reforçadas pelo professorado que as agressões físicas — estas,
visíveis e consensualmente condenadas. Verifica-se, inclusive,
uma cumplicidade entre o preconceito manifesto entre alunos
e alunas e o preconceito velado nas práticas pedagógicas, já
que o professorado compartilha das representações de
violência do alunado (ANDRADE, 2004).
Por um lado, tem-se a homofobia explícita do
alunado: destratar colegas homossexuais, “dar um gelo” em
quem fuja aos papéis e estereótipos de gênero ou mesmo
agredir fisicamente com menor ou maior gravidade (empurrar,
estapear, chutar ou esmurrar) são práticas recorrentes que, por
mais condenáveis, não são suficientemente combatidas por
colegas não participantes da violência. A homofobia do
alunado é, por conseguinte, uma das formas da violência de
gênero mais recorrentes (as provocações e humilhações morais
dirigidas a meninos e rapazes frequentemente estão associadas
à sexualidade e, nesta, à homossexualidade como uma
característica negativa e ofensiva).
83
DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

Os dados que Castro, Abramovay e Silva (2004)


coletaram em escolas dão conta da homofobia entre jovens
estudantes brasileiros: dois terços dos rapazes consideraram
“bater em homossexuais” menos grave que “andar armado”
ou “usar drogas”, levando as autoras a afirmarem, na
convergência do que se afirma aqui, que

De fato, a discriminação contra homossexuais [...]


é não somente mais abertamente assumida, em
particular por jovens alunos, mas também
valorizada entre eles, o que sugere um padrão de
masculinidade por estereótipos e medo ao
estranho próximo, o outro, que não deve ser
confundido consigo. (CASTRO; ABRAMOVAY;
SILVA, 2004, p. 279-280)

Por sua vez, se os educadores e educadoras


também podem adotar condutas como essas, é mais frequente
verificar-se entre eles e elas uma homofobia velada, acrítica,
decorrente de processos psicossociais relativos aos
preconceitos. Como explicam Lacerda, Pereira e Camino
(2002), quando mudanças culturais tornam indesejável um
preconceito2, isso eventualmente provoca não sua extinção,
mas uma transformação que o torna mais sutil. Ao contrário
da rejeição manifesta de um grupo minoritário pelo
majoritário, o grupo dominante sobrevaloriza suas qualidades
e, sem depreciar o grupo alvo do preconceito, não reconhece
neste último suas qualidades positivas. No caso da escola, hoje
mais atravessada por discursos liberalizantes, a homofobia
explícita não seria adequada para o grupo formado por
docentes de escola pública: logo, ela se converte em homofobia
implícita — igualmente grave porque, arraigada na mentalidade
de muitos educadores e educadoras, orienta suas condutas,
84
DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

inclusive as pedagógicas, que se tornam acríticas a esse respeito.


Dado que são esses profissionais encarregados da
criação e manutenção das condições necessárias ao processo
de ensino-aprendizagem, sua homofobia na escola ganha,
assim, o caráter de violência institucional. Ao tomar-se a
classificação de Charlot (2002) para os tipos de violência
associados à escola3, a discriminação e o preconceito contra
homossexuais tornam-se violência da escola, perpetrados por
seus profissionais no exercício das funções pedagógicas, com
apoio dos dispositivos inerentes a seus encargos. Vale lembrar,
com Vianna e Ridenti (1998, p. 102), que, se “em certos
momentos os procedimentos pedagógicos rompem com os
preconceitos de gênero, em outros são veículos que reforçam
o estigma” no cotidiano escolar, complementando a
homofobia manifesta de alunos e alunas, como se verá a seguir.

“Ou ele ou eu”: conflito homofóbico em uma escola


pública

Numa pesquisa-ação desenvolvida durante estágio


doutoral por Moita e Andrade (2004) em uma escola pública
pessoense, realizaram-se levantamentos que abrangeram as
temáticas das relações de gênero, dos jogos eletrônicos e da
violência na escola. Além da pesquisa, foram desenvolvidas
oficinas pedagógicas para gerar conhecimentos teóricos e
práticos que pudessem ser adotados no currículo e nas
experiências de ensino-aprendizagem da escola (ANDRADE;
MOITA, 2005; MOITA; ANDRADE, 2006).
A análise dos dados sobre a violência naquela
escola (ANDRADE, 2004) revelou a inexistência de uma
preocupação em educar para a equidade nas relações de gênero
e a reprodução, na cultura escolar, de “estereótipos
androcêntricos, machistas, longamente construídos para os
85
DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

homens e as mulheres na cultura nacional” (ANDRADE, 2004,


p. 13). Em uma das oficinas pedagógicas, por ocasião de um
debate sobre esses resultados, surgiu o relato de um conflito
homofóbico ocorrido na escola, para o qual a solução
encontrada por aqueles profissionais lhes pareceu a mais justa:

Houve um conflito entre um aluno “valentão” e


outro, tido como homossexual pelos colegas e pelo
professorado por conta de suas roupas e trejeitos.
O homossexual, além de ser objeto de chacota e
humilhações (diziam palavrões, jogavam bolas de
papel nele, excluíam-no dos grupos), tornou-se
objeto da intolerância do valentão: este último
chegou a protestar junto à administração da escola,
afirmando que na escola em que ele estudava
“gays não podiam estudar”.
A solução encontrada pelos educadores e
educadoras foi apresentar para o homofóbico uma
comparação do desempenho escolar de ambos e
determinar que o menos bem sucedido dos dois
receberia a transferência, caso o conflito
permanecesse. O valentão, cujo desempenho
escolar era inferior ao do colega homossexual,
pediu sua saída da escola, sendo atendido.
(ANDRADE, 2004, p. 10-11).

O que denunciam o relato e o contexto em que se


deu? Isoladamente, o relato aponta para os elementos
considerados neste texto: a homofobia explícita do alunado,
cujo acirramento encontra seu representante no bully
transferido; a homofobia velada do professorado — seu
raciocínio, latente na solução apresentada para o conflito, faz
entrever que os fundamentos da homofobia (o androcentrismo
86
DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

heterosexista e a misoginia) não foram sequer tocados, muito


menos abalados; e a articulação entre essas duas dimensões
do preconceito e da discriminação, já que aqueles educadores
e educadoras só intervieram quando foram provocados... pelo
valentão, que se sentia no direito a protestar!
Considerando-se o contexto em que foi
comunicado, o episódio só foi referido porque os participantes
e as participantes da oficina entenderam tratar-se de exemplo
para um conflito positivamente resolvido na escola, pela via
da proteção à vítima — o aluno homossexual. Porém, ficou
patente para os coordenadores da oficina pedagógica em
andamento que os educadores e educadoras foram os
principais responsáveis pela conservação das relações de gênero
desiguais naquela escola e que não se davam conta disso.
Deu-se, então, uma violência institucional, desta
feita não só com o aluno vitimado, mas também com o
agressor, já que este último foi privado de uma excelente
oportunidade de começar a aprender tolerância e respeito nas
relações de gênero; além de, na realidade, ter sido expulso da
escola: a transferência foi, nesse caso, o instituto que disfarçou
a intenção de resolver o conflito pela retirada definitiva da
parte que se considerava ser responsável por ele. Como esperar
de um aluno, agressor e autor da condição excludente (“ou ele
ou eu”), a capacidade de rever sozinho suas posições, ancoradas
na mais profunda convicção sobre a inquebrantável associação
entre masculinidade, heterossexualidade e superioridade?4
Cabia a uma mediação pedagógica orientada pelo dever de
educar para a convivência segundo os princípios democráticos,
igualitários e republicanos a tarefa de promover as condições
para a necessária revisão. Contudo, a homofobia implícita da
intervenção pedagógica ajudou a consolidar a homofobia
flagrante do aluno, e sua expulsão reforçou estatísticas que
apontam para a associação entre fracasso escolar e violência
87
DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

juvenil (FARRINGTON, 2002).


É claro que essa intervenção pedagógica adotada
não tinha má-fé. Aqueles profissionais careciam, sim, da
autocrítica própria a quem se deixa guiar, inconscientemente,
pelos preconceitos — homofóbicos, no caso. Eles e elas não
foram capazes de se reconhecerem também reprodutores da
homofobia na escola: ao se referirem aos protagonistas da
história, ao tempo em que apresentavam um tom de censura
ao valentão, indicavam condescendência (e também certo
constrangimento) em relação ao homossexual. Isso se
confirmou pela fala de uma professora que, entrevistada alguns
meses depois, assim comentava o caso:

Ele tá se assumindo como homossexual [...] Por conta


disso, ele ficou muito rejeitado pela escola, pelos colegas e
nós enfrentamos esse problema pra dar apoio a ele [...]
Porque ele era diferente, ele era discriminado, entende?
Ele era aquela pessoa que, a gente via que... se a escola
não desse uma ajuda a ele, com certeza na sociedade ele
não vai ter, então por isso que eu quis puxar ele pra
atividades que aumentassem a autoestima [...] O objetivo
meu não era fazer com que ele mudasse a opção dele,
sexual, mas sim ele mudasse o comportamento dele
enquanto ser humano [...] Aí agora é como se eu fosse a
culpada entende? Ele não tá levando a escola a sério e
bate de frente comigo [...] (Maria, entrevistada em 14
de julho de 2005, em João Pessoa - PB).
Em relação a esse aluno, o argumento arranjado
para sua proteção e a frustração que ele provoca após ser
“ajudado” (visível no depoimento da professora Maria) trazem
esclarecimentos importantes sobre a sutileza do preconceito
de educadores e educadoras daquela escola. Ele só é protegido
porque tem um desempenho escolar melhor que o do seu
88
DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

agressor, numa mensagem implícita assim traduzível: “nós só


vimos possibilidade em protegê-lo pelo fato de você ser bom
aluno”. Nessa lógica, não há, por exemplo, nada que reconheça
os direitos constitucionais daquele aluno à igualdade e à
educação.
Não parece ser à toa que a estratégia de resolução
do conflito tenha coincidido com aquela identificada por
Vianna e Ridenti (1998) para o tratamento dado às garotas na
escola: por serem representadas como intelectualmente
inferiores, merecem a escola apenas por sua conduta “bem
comportada”. Homossexuais não são, pela ótica do
preconceito, homens que se rebaixaram à condição das
mulheres? Nesse sentido, a homofobia é extensão do sexismo
e derivada do androcentrismo!
Na mesma direção, o fato de ser homossexual gera
esforços, na professora, para adaptar o aluno. “Você precisa
adequar-se” soa como outra mensagem (“que ele mudasse o
comportamento dele”). E se é óbvio que todos precisam
adaptar-se, por que a razão do ajustamento daquele seria sua
homossexualidade? O conteúdo do depoimento da professora
também leva a crer que ela associa a homossexualidade a uma
baixa autoestima, quando a diminuição desse elemento afetivo
decorre não da condição homossexual, mas da discriminação
contra homossexuais. Ademais, por que se decepcionar com
o fato de que ele também pudesse, casualmente, criar ou ter
problemas de aprendizagem e convivência? Se as regras de
convivência na escola valem para todos, independentemente
de diferentes orientações sexuais, então, a identidade de gênero
não serve para sustentar uma avaliação do comportamento
ou do desempenho escolar do alunado. Como aponta Dal’Igna
(2007), o lugar-comum que leva a esperar que os bem
comportados (geralmente as meninas) sejam sempre bem
sucedidos na escola (e, por sua vez, que os malcomportados

89
DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

sejam malsucedidos) não se sustenta. Essa autora entende que,


na verdade, “a norma de comportamento (que faz equivaler
bom comportamento e bom desempenho) [...] precisa ser
constantemente atualizada, ampliada, contestada e
ressignificada” (DAL’IGNA, 2007, p. 13).
A escola deveria estar aberta a todos e todas,
inclusive alunos e alunas com dificuldades de aprendizagem
de conteúdos curriculares e também de conteúdos transversais
— como o valentão, que talvez estivesse tão mal no currículo
quanto na convivência. Todavia, o preconceito contra o
homossexual certamente se manteve: o valentão apenas foi a
voz mais forte de uma prática coletiva que, na escola e na vida,
não aceita a orientação homossexual uma sexualidade legítima.
Superar a homofobia na escola: uma sugestão de trabalho
O programa “Brasil Sem Homofobia”
(CONSELHO NACIONAL DE COMBATE À
DISCRIMINAÇÃO, 2004) prevê, entre as ações necessárias à
consecução de seus objetivos, a formação de professores na
área da sexualidade e, para tanto, a produção de materiais
educativos que contribuam para a superação da homofobia.
Considerando que muito da homofobia ampara
se no preconceito contra homossexuais, uma das formas de
corresponder a essas propostas nas escolas é a realização de
oficinas pedagógicas voltadas para a quebra de representações
falsas e superficiais em torno da homossexualidade.
No caso da escola cuja experiência gerou esta
reflexão, à época, infelizmente, não foi possível lá retornar para
promover oficina pedagógica dirigida especificamente à
superação da homofobia. O roteiro a seguir apresentado vem,
consequentemente, como uma sugestão que pode ser adotada
e que pode ser desdobrada em mais de uma oficina, mas que
sempre admitirá (e exigirá, muitas vezes) adaptações. Espera
se que ela seja, sobretudo, inspiradora de outros roteiros.

90
DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

Sugestão para Oficina


TÍTULO: “Iguais porque Diferentes”
OBJETIVOS: 1. Identificar e analisar estereótipos, preconceitos e
violências de gênero contra homossexuais;
2. Avaliar as repercussões da homofobia na escola;
3. Desenvolver dispositivos que motivem à superação
da homofobia na escola sobre sexualidades, educação
e convivência.
CONTEÚDO 1. Orientação sexual na escola;
1.1. Conceitos: identidade, sexo, sexualidade, orientação
sexual, identidade de gênero;
1.2. O gênero como categoria psicossocial: constituição e
regulação social das sexualidades como dispositivos
de poder;
2. A escola como agente de transformação ou
reprodução dos dispositivos de poder relativos às
sexualidades: preconceito e discriminação de
homossexuais (homofobia);
2.1. O que mostram as pesquisas sobre o assunto;
2.2. O papel de educadores e educadoras na escola;
3. Revisão dos próprios conceitos e valores – tomada
de consciência, análise e transformação;
4. Construção de estratégias de abordagem da temática
junto ao alunado.
METODOLOGIA As formas de condução da oficina poderão ser as
mais variadas. Apresentam-se algumas orientações:
1. É importante alternar momentos de estudo e leitura
teórica com atividades práticas e dinâmicas de grupo
que promovam a assimilação dos conceitos e ideias
estudados, além da livre expressão do pensamento;
2. Grupos menores favorecem a reflexão, por disporem
mais tempo para a fala e a escuta de seus
participantes. Grupos maiores favorecem a
integração, o debate, a troca de experiências. O
tamanho dos grupos poderá variar durante a(s)
oficina(s), de modo a garantir diferentes
oportunidades de interação;
3. É valioso considerar a experiência profissional de
cada participante da(s) oficina(s), de modo a analisar
os tipos de conflito por eles e elas enfrentados e as
soluções que apresentaram. Isso pode dar-se, por
exemplo, por meio de:
3.1. Estudos de casos de conflitos já passados (fictícios
ou reais, fornecidos pela literatura ou pela própria
escola);

91
DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

3.2 Acompanhamento de conflitos em andamento;


3.3 Rolle plays, dramatizações de situações de conflito,
para exercitar o descentramento cognitivo e afetivo;
4. É fundamental para quem coordena atentar para os
estados emocionais de cada participante, o clima
afetivo e a dinâmica do grupo de trabalho. Esses
elementos servem como pistas para avaliar-se o
andamento das atividades e a possibilidade de que
cheguem a bom termo;
5. Avaliar ao final é indispensável: a auto-avaliação e a
avaliação das atividades podem ser feitas por meio de
questionário, texto escrito, técnicas de associação
livre ou mesmo pela fala de cada participante.
LOCAL
RECURSOS,
HORÁRIA
E CARGA 1. Os recursos audiovisuais podem ser os mais
diversos, conforme a disponibilidade da escola.
Filmes, revistas, textos, desenhos, músicas,
reportagens, relatos pessoais, jogos etc. A quantidade
de recursos será equivalente à quantidade de
atividades programadas para professores e
professoras;
2. O lugar deve contribuir para o trabalho e a reflexão,
com a disposição dos móveis favorecendo o
encontro, a comunicação e a troca de informações e
experiências. Lugares muito abertos ou muito
fechados podem tornar-se um obstáculo (pela
dispersão ou pelo constrangimento dos
participantes);
3. O ideal é que haja uma sequência de três oficinas
pedagógicas, pelo menos, ao longo do ano letivo,
seguidas de um encontro exclusivamente para a
avaliação das repercussões do trabalho.

Notas
1
Os mesmos autores observam não ser o amor lésbico igualmente
ameaçador, pois não implica em abdicação do poder por nenhum
membro do grupo dominante (LACERDA; TORRES; GARCIA,
2004). Ao contrário, algumas fantasias heterossexuais masculinas
chegam a incluir o sexo lésbico. O que perturba na homossexualidade
feminina está na adoção, pela mulher, de um perfil masculino: ela é
também desprezada por abandonar sua posição feminina. Querendo
ser iguais, elas só reforçariam a diferença e a superioridade masculinas.
Mas se quiserem “ascender ao masculino”, recusando-o como objeto

92
DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

de desejo e buscando (na interpretação do senso comum) “tomar


seu lugar”, tornam-se incômodas.
2
Essa mudança ocorre, muitas vezes, por força da influência social
exercida por minorias consistentes, como é o caso dos movimentos
GLTB no Brasil, responsáveis pelo reconhecimento da homofobia
pelo Governo Federal, que promove uma política pública prevendo
ações no plano escolar (CONSELHO NACIONAL DE
COMBATE À DISCRIMINAÇÃO, 2004, p. 22-23).
3
Charlot (2002) distingue três tipos de violência ligados à escola: a
violência na escola (que se produz dentro do espaço escolar sem
estar ligada à natureza e às atividades da instituição escolar, como é
o caso da violência doméstica, abuso físico e/ou sexual etc.); a
violência contra a escola (que está ligada à natureza e às atividades
da instituição escolar (depredação, negligência, roubos etc.); e a
violência da escola (produzida pelos agentes institucionais, que é
simbólica e fere particularmente os alunos).
4
A presunção desse aluno é explicável pela valorização da violência
contra homossexuais, a que se referiram Castro, Abramovay e Silva
(2004), citadas na página 3 deste trabalho.

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93
DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

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2. ed. São Paulo: Summus, 1998. p. 93-105.

95
V

ORIENTAÇÃO SEXUAL:
HOMOSSEXUALIDADE E ESCOLA
JAIDER FERNANDES REIS

É inegável que a iniciativa dos Parâmetros


Curriculares Nacionais (PCNs) em inserir a Orientação Sexual
como tema transversal, trata-se de um grande avanço na
discussão das questões de gênero e da sexualidade na escola.
Pensando nisso, a perspectiva desse estudo é de discutir a
abordagem que os PCNs (BRASIL, 1997) dão a questão da
sexualidade, em especial, a homossexualidade.
Se o conceito de homossexualidade jamais existiu na
Antiguidade; se ele foi produzido nos discursos da sociedade
apenas no século XIX; e se ele desde então foi associado a
uma doença; e, somente em 1970, a Organização Mundial de
Saúde retirou do termo esse status de desvio mental e/ou
comportamental. Podemos dizer, então, que a sociedade vem
avançando progressivamente no sentido da integração dos
homossexuais. Mas, e a escola como está nesse processo?
Historicamente, a discussão sobre a inclusão da
temática da sexualidade no currículo das escolas se intensificou
também na década de 70, mas, somente na década de 80, foram
ampliados os trabalhos na área da sexualidade nas escolas de
ensino fundamental e médio. Tal fato ocorreu devido ao
crescimento da incidência de gravidez indesejada entre as
adolescentes e da propagação da infecção pelo HIV (vírus da
Aids) entre os jovens.
A partir de uma pesquisa realizada pelo Instituto
97
DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

Datafolha, divulgada em junho de 1993, constatou-se que 86%


das pessoas ouvidas em dez capitais brasileiras eram favoráveis
à inclusão do tema Orientação Sexuais nos currículos escolares1.
Da necessidade de se discutir a questão da sexualidade na
escola surgiu a criação do tema transversal Orientação Sexual
nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs). Dessa
perspectiva, coube a escola, e não mais apenas à família,
desenvolver uma ação crítica, reflexiva e educativa no que diz
respeito à sexualidade.
É importante ressaltar que, de acordo com os
PCNs, o trabalho a ser realizado na escola é de Orientação
Sexual e não de Educação Sexual, pois, apesar de semelhantes,
os termos possuem significados distintos.
Podemos compreender com base em Oliveira e
Morgado (2006) que Educação Sexual é um conjunto de
informações sobre sexualidade desenvolvidas de forma
assistemática, não intencional e que tende a reproduzir padrões
de moralidade de uma dada sociedade.
Ainda segundo as autoras, a Orientação Sexual é
um processo sistematizado, planejado e intencional, com o
intuito de promover o espaço de acolhimento e reflexão das
dúvidas, valores, atitudes, posturas, informações de forma a
contribuir para a vivência de uma sexualidade prazerosa,
responsável e intencional. E que pode contar com a
contribuição de diversas áreas como: Educação, Psicologia,
Antropologia, História, Sociologia, Biologia, Medicina e outras.
Em 1997, preocupados com os jovens e com a
sexualidade, a Organização das Nações Unidas para a
Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) iniciou uma série
de pesquisas e estudos com objetivo de mapear a juventude
brasileira. Ao longo da pesquisa, um dos principais
compromissos era definir os agentes que geram desigualdade,
e a categoria de gênero encontrava-se entre esses fatores. As
98
DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

pesquisas e estudos realizados analisavam as diversas visões e


percepções dos alunos do ensino fundamental e médio em
relação à sexualidade.
Essa “atenção” dada à sexualidade que observamos
é explicitada na citação abaixo:

Nos dois últimos séculos, a sexualidade tornou


se objeto privilegiado do olhar de cientistas,
religiosos, psiquiatras, antropólogos, educadores,
passando a se constituir, efetivamente, numa
“questão”. Com base nas mais diversas
perspectivas, desde então, ela vem sendo descrita,
compreendida, explicada, regulada, saneada,
educada, normatizada. Se, nos dias de hoje, ela
continua alvo de vigilância e do controle, agora
se ampliaram e diversificaram suas formas de
regulação, multiplicaram-se as instâncias e as
instituições que se autorizam a ditar-lhe as
normas, a definir-lhe os padrões de pureza,
sanidade ou insanidade, a delimitar-lhe os saberes
e as práticas pertinentes, adequados ou infames.
(LOURO, 2004, p. 27)
Confirmando o que diz a autora, os PCNs
normatizam que somente da quinta série em diante temas
considerados polêmicos, referentes à sexualidade, sejam
tratados. Claro que entre esses temas polêmicos encontra-se a
homossexualidade. Observa-se que temas que deveriam ser
tratados com naturalidade são classificados como polêmicos
já que apresentam opiniões e “pontos de vista” divergentes.
Em sua apresentação, os PCNs consideram a
sexualidade como algo inerente à vida e à saúde do ser humano
ao enfatizar que engloba as relações de gênero, a respeito de si
mesmo, ao outro e à diversidade. Também afirma que pretende
99
DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

contribuir para a superação de tabus e preconceitos arraigados


no contexto sociocultural brasileiro e que seu objetivo é
promover a reflexão e a discussão com a finalidade de
sistematizar a ação pedagógica da escola no trato de questões
da sexualidade.
O trabalho da Orientação Sexual nas escolas
contribui para a discussão de questões polêmicas e delicadas2,
como abuso sexual, gravidez indesejada, masturbação,
iniciação sexual, aborto, disfunções sexuais, prostituição,
pornografia, homossexualidade e outros.
Os PCNs atribuem como dever da escola à função
de informar, problematizar e debater os diferentes tabus,
preconceitos, crenças e atitudes existentes na sociedade,
buscando um distanciamento das opiniões, de forma a primar
pela imparcialidade, mesmo reconhecendo que talação é quase
impossível.
Dados notificados no site do CMI – Centro de
Mídia Independente– são no mínimo espantosos (REDIVO,
2007). Segundo o site, a UNESCO publicou, em 2000, o estudo
Juventudes e Sexualidade, fruto de uma pesquisa mencionada
anteriormente nesse texto. Os dados da pesquisa foram
coligidos em 14 capitais brasileiras, onde foram entrevistados
16.422 estudantes de escolas públicas e privadas, 4.532 mães e
pais dos estudantes e 3.099 professores (as). Ao final, o
levantamento indicou que:

• Aproximadamente 27% dos (as) estudantes não gostariam,


por exemplo, de ter um (a) colega de classe homossexual.
• 35% dos pais e mães não apóiam que seus filhos (as)
estudem no mesmo local que gays e lésbicas.
• 60% dos (as) professores(as) não sabem como abordar a
questão em sala de aula.

100
DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

Os resultados são preocupantes, já que a escola é


um lugar plural, popularmente denominada como o nosso
“segundo lar”. Mas, como narra Sérgio, um dos personagens do
escritor Raul Pompéia em uma de suas obras, O Ateneu, um
dos clássicos da literatura brasileira: “Vais encontrar o mundo,
disse-me meu pai, à porta do Ateneu. Coragem para a luta”.
Pompéia estava correto ao escrever isso, não pelo fato de o
Ateneu ser um colégio interno, mas pela sabedoria e sagacidade
em identificar que é no espaço escolar que as relações sociais
são exercitadas.
O que o estudo da UNESCO comprova é a falta
de informação por parte dos estudantes e dos pais com relação
à homossexualidade. Apesar de que, em tempos globalizados,
onde a internet, os jornais, a televisão, a mídia e os demais
veículos de comunicação de massa nos bombardeiam com
informações a todo o momento, não parece que falta de
informação seria a melhor desculpa ou o termo mais adequado,
talvez ignorância, no sentido de falta de conhecimento. Mesmo
que busquemos explicações ou eufemismos, não será possível
atenuar o comportamento desses alunos e desses pais, já que o
que está explícito é a homofobia, ou seja, a prática
discriminatória do indivíduo homossexual.
Quanto aos 60% dos professores que alegam não
saberem abordar o tema homossexualidade em sala de aula,
esses sim, poderiam justificar seus atos com base nos próprios
PCNs, que, por sua vez, exemplificam como trabalhar alguns
desses temas como aborto, virgindade, mas não chegam nem
ao menos mencionar uma possívelabordagem3 de como trabalhar
a homossexualidade na escola. O máximo que se sugere é que
na disciplina de Artes, a única menciona “indiretamente”, seja
trabalhada a discriminação, pois segundo os PCNs, os
atributos relacionados à sensibilidade artística costumam ser
associados ao feminino o que contribui para a discriminação,
101
DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

por exemplo, dos meninos que praticam balé. Ao omitir que


tais meninos são enquadrados nos estereótipos relacionados à
homossexualidade, os PCNs parecem contribuir, mesmo que
sem intenção, para a não abordagem direta da
homossexualidade na escola. Mas de contra partida, vale
lembrar que, na teoria, a função dos PCNs é de estabelecer
parâmetros curriculares para o ensino e não o de dar a fórmula
pronta para os educadores.
O termo homossexualidade é citado pelos PCNs,
dentro da parte de Orientação Sexual, por no máximo quatro
vezes. Em todas as menções, é tratado como tema polêmico e
reduzido a uma reles citação. Parece que a “palavra de ordem”
para o tratamento da questão da homossexualidade é polêmica,
o que – sem exageros – corrobora de alguma forma para uma
atitude discriminatória ou, no mínimo, displicente por parte
da escola e dos educadores.
Cabe ao professor conduzir o debate assumindo
uma postura de mediador. Com relação à homossexualidade,
ele deve explicitar os preconceitos e trabalhar pela não
discriminação, contribuindo para o respeito à diversidade dos
valores atribuídos à sexualidade na sociedade atual. Seu papel
é de problematizar e orientar, não emitindo opiniões pessoais,
pois, na relação professor-aluno, o educador ocupa lugar de
maior poder, constituindo-se como referencial para seus alunos.
Nesse processo de Orientação Sexual realizado na
escola, regulamentado pelos PCNs, cabe ao aluno tirar suas
próprias conclusões sobre o tema, não sendo necessário
explicitá-las para os demais estudantes. O professor deve
instruir seus alunos a respeitarem as opiniões dos demais
colegas, caso algum deles resolva expor suas ideias, mesmo
que um aluno discorde do outro. E, se preciso, o educador
deverá intervir para que todos os alunos tenham a sua opinião
respeitada.
102
DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

Outro momento em que se faz necessária a sua


intervenção, do educador, são situações que implicam
discriminação entre os alunos com o uso de apelidos jocosos
ou quando houver questionamento de forma abusiva sobre a
sexualidade de um determinado aluno. O educador tem que
ser cauteloso, pois, ao silenciar-se diante desses atos
discriminatórios, ele contribui para intolerância à
homossexualidade.
É fundamental que o educador entre em contato
com suas próprias dificuldades ao abordar a homossexualidade.
Para isso, aconselham-se leituras e discussões referentes ao tema
e suas diferentes formas de abordagem. Caso não se sinta
preparado para tratar do assunto, ele pode e deve buscar
auxílio de um profissional especializado. Isso facilitará o seu
trabalho.
O estudo citado da UNESCO aborda diversos
temas, como iniciação sexual, formas de afetividade, valores
sobre sexualidade, métodos de contracepção, prevenção das
DSTs, gravidez na adolescência, abuso/violência sexual,
discriminações e homofobia. Além de mapear as diferenças,
especificidades e vulnerabilidades, a pesquisa enfatiza o
positivo e a potencialidade da sexualidade para o bem-estar
dos indivíduos (em especial das crianças e dos jovens) e a
importância de uma postura preventiva e contrária às
discriminações.
Nesse aspecto, os objetivos gerais propostos pelos
PCNs, no que tange a questão da Orientação Sexual, são
adequados. Reafirmam que a finalidade do trabalho de
Orientação Sexual é de contribuir para que os alunos possam
desenvolver e exercer sua sexualidade com prazer e
responsabilidade. Além de indicar que as escolas se organizem
para que seus alunos sejam capazes de atingir os objetivos
propostos.
103
DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

Entre os objetivos propostos convém destacar dois


tópicos que contribuem para a discussão da
homossexualidade:

• Respeitar a diversidade de valores, crenças e


comportamentos relativos à sexualidade, reconhecendo e
respeitando as diferentes formas de atração sexual e o seu
direito a expressão, garantida a dignidade do ser humano.
• Identificar e repensar tabus e preconceitos referentes à
sexualidade, evitando comportamentos discriminatórios e
intolerantes e analisando criticamente os estereótipos.

Os objetivos expostos vêm ao encontro de nossos


anseios, no sentido de mostrar que a escola, por ser um
ambiente coletivo, demonstra sua fragilidade na reprodução
de preconceitos, mas, se bem orientada, pode atuar como
instrumento de superação dos mesmos, ou seja, capaz de
desvendar e explicitar as discriminações e preconceitos
associados à homossexualidade; no sentido de garantir a
igualdade de diretos, oportunidades e acesso aos bens sociais
em todos os âmbitos. Para isso, será necessária uma ação
conjunta e consciente entre a escola, os professores e os alunos.
Este estudo sobre a abordagem que os Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCNs) por meio do tema Transversal
– Orientação Sexual – faz sobre a sexualidade comprova que
nós, educadores, ainda temos muito a aprender sobre a
discussão da homossexualidade na escola. Um bom exemplo
disso é a seguinte afirmação:

Os preconceitos e as discriminações estão


fortemente radicados nas nossas mentalidades e
no imaginário coletivo da nossa sociedade.
Impregnam nosso dia-a-dia, nossos

104
DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

comportamentos, nossas atitudes e práticas


sociais. Desintegrá-los exige um processo
consciente, cuidadoso e sistemático de
desnaturalização, sensibilização, reflexão e ação
no plano pessoal e coletivo, que trabalhe os
âmbitos cognitivo, afetivo, simbólico, cultural e
político-social. (CANDAU, 2003, p. 100)

Como podemos observar, a tarefa não é fácil e o


caminho a ser percorrido por nós, educadores, é árduo e longo.
Apesar de esse texto ser apenas uma entretantas outras leituras
que já foram e ainda podem ser realizadas sobre o tema, fica a
proposta de investimento por parte do governo e das
instituições de ensino em pesquisas, estudos e capacitação dos
educadores para que eles saibam como abordar a
homossexualidade na escola, evitando assim a propagação do
preconceito, da discriminação, da intolerância, da homofobia.
A escola é um dos principais lugares da formação
do cidadão; e instruir o aluno a respeitar a diversidade implica
no processo de educação de um cidadão ético, o que
consequentemente culminará em uma educação de qualidade,
em uma sociedade mais digna, baseada no respeito às
diferenças.

Sugestão de Oficina

Dados da UNESCO (2000) apontam para a falta


de esclarecimento dos jovens brasileiros e de seus pais com
relação à homossexualidade. O mesmo se dá junto aos
docentes, sessenta por cento (60%) afirmam não saber como
tratar a questão da homossexualidade em suas classes ou
disciplinas. Pensando nisso, sugerimos uma oficina para se
abordar tal temática.
105
DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

Tema: Sexualidade e homossexualidade: respeitar é combater


a intolerância.

Duração da oficina: Aproximadamente entre 4-5 horas. O


tempo deverá ser dividido em dois momentos, podendo ser
também realizada em dois dias diferentes.

Objetivos: 1. sensibilizar e desenvolver sentimentos de respeito


e solidariedade quanto às diferentes formas de expressar o
desejo sexual. 2. combater posturas homofóbicas no ambiente
escolar.

Etapas da oficina

Convide uma psicólogo/a ou outro/a profissional


que tenha experiência com a temática para acompanhar as
discussões junto à turma. Este/a profissional deverá fazer uma
breve introdução sobre o assunto.

1. Selecione e discuta com a turma uma reportagem que trate


de algum crime homofóbico. Oriente a turma para que
socialize suas opiniões sobre a reportagem, sempre de
maneira respeitosa. Tal reportagem servirá para guiar a
conversa, sensibilizando a turma sobre o respeito à
diversidade sexual.
2. A seguir, sugerimos a exibição de um dos filmes abaixo.
Leia a sinopse do filme escolhido como forma de orientar
a turma, alertando para que tenham uma atitude de respeito
para com o tema homossexualidade.

Filme 1. O Segredo de Brokeback Moutain4 - Jack Twist


(Jake Gyllenhaal) e Ennie Del Mar (Heath Ledger) são dois
jovens que se conhecem no verão de 1963, após serem
106
DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

contratados para cuidar das ovelhas de Joe Aguirre (Randy


Quaid) em Brokeback Mountain. Jack deseja ser cowboy e está
trabalhando no local pelo 2º ano seguido, enquanto Ennie
pretende se casar com Alma (Michelle Williams) tão logo o
verão acabe. Vivendo isolados por semanas, eles se tornam
cada vez mais amigos e iniciam um relacionamento amoroso.
Ao término do verão cada um segue sua vida, mas o período
vivido naquele verão irá marcar suas vidas para sempre.

Filme 2. Shelter5 - A trama gira em torno do jovem Zach


(Trevor Wright), sua irmã e seu sobrinho de cinco anos,
moradores do balneário de San Pedro. Estudante de artes
plásticas, o rapaz sofre com as necessidades emocionais e
financeiras de sua família. Sua rotina de skate e surf é
interrompida com a chegada do escritor Shaun (Brad Rowe),
irmão mais velho do seu melhor amigo de escola Gabe (Ross
Thomas). Logo eles desenvolvem uma relação que irá avançar
muito mais do que uma simples amizade e terão de encarar as
consequências desta paixão. Apesar do clima dramático, o filme
é considerado “leve” e “positivo”, com lindas locações nas
praias de Orange County.

É importante lembrar que estes filmes ou quaisquer


outros escolhidos não corroborem com a ideia de preconceito,
mas que apresentem (livre de juízo) os conflitos vividos pelos/
as personagens por consequência de sua condição sexual, ou
seja, a sua homossexualidade.

3. Após a exibição do filme organize a turma em círculo e a


oriente para que permaneça em silêncio por 15 minutos
para que reflitam individualmente sobre o filme.

Em seguida, (aproximadamente 30 minutos) os/


107
DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

as alunos/as deverão socializar suas percepções sobre o filme,


analisando sobre a forma como a temática homossexualidade
foi abordada e sobre as dificuldades enfrentadas pelas
personagens. Oriente para as opiniões e reflexões não
expressem valor de juízo ou quaisquer outros tipos de
discriminação ou desrespeito. Estes devem ser os cuidados
por todo o processo.
Após esta etapa, em pequenos grupos (máximo
de 4 integrantes), peça que respondam às seguintes questões:
Como eu me sentiria no lugar dos personagens principais do
filme, ou seja, como um homossexual? Existe homofobia na
escola? Como ela ocorre? A homofobia pode afetar a vida
escolar dos indivíduos? O que pode ser feito para combater
este tipo de discriminação na escola? As respostas devem ser
registradas (resumidamente) em cartazes que serão afixados
no quadro para a socialização junto a turma (tempo estimado:
aproximadamente 40 minutos).
Busque relacionar a intolerância e a violência contra
os homossexuais a algo que fere os direitos humanos, gerando
sofrimento desnecessário, suicídio, evasão escolar, dentre
outras tragédias pessoais. A oficina é o primeiro passo de um
longo processo de aprendizagem de respeito para com o
próximo.

Notas

1 Informações extraídas dos Parâmetros Curriculares Nacionais.


2 Termos utilizados nos PCNs.
3
Entende-se aqui por abordagem o ato de explicitar, fazer uso do
termo homossexualidade relacionado diretamente a um exemplo.
4 O Segredo de Brokeback Moutain (2005). Disponível em: <http://
www.brokebackmountain.com/home.html>. Acesso em: 22 out. 2007.

108
DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

5
Shelter (2007). Disponível em: <http://www.heretv.com/
sheltermovie> Acesso em: 13 fev. 2008.

Referências

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UNESCO, 2004.

ALTMANN, Helena. Orientação sexual nos parâmetros


curriculares nacionais. Revista Estudos Femininos, Florianópolis,
v. 9, n. 2, p. 575-585, 2001. ISSN 0104-026X.

BRASIL. Secretaria do ensino fundamental. Parâmetros


Curriculares Nacionais. Brasília: MEC/SEF, 1997.

CANDAU, Vera M. (Coord.). Somos tod@s iguais? Escola,


discriminação e educação em direitos humanos. Rio de Janeiro:DP&A
, 2003.

LOURO, Guacira L. Um corpo estranho – ensaios sobre


sexualidade e teoria queer. Belo Horizonte: Autêntica, 2004.

LOURO, Guacira L. O corpo educado: pedagogias da


sexualidade. Belo Horizonte: Autêntica, 1999.

OLIVEIRA, Meire R. A.; MORGADO, Maria A. Jovens,


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POMPÉIA, Raul. O Ateneu. 16. ed. São Paulo: Ática, 1996.


109
DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

REDIVO, Mateus L. Como discutir a homossexualidade na escola.


Disponível em: <http://www.midiaindependente.org/pt/
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RIBEIRO, Darcy. Juventude e escola. Disponível em: <http://


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TEIXEIRA, Adla B. M. Identidades docentes e relações de


gênero. Escritos sobre Educação, Ibirite - Minas Gerais, v. 1, n. 1,
p. 7-16, 2002.

110
VI

RELAÇÕES DE GÊNERO NA EDUCAÇÃO


INFANTIL: QUESTIONAMENTOS ACERCA
DA REDUZIDA PRESENÇA DE HOMENS
NA DOCÊNCIA
JANAÍNA RODRIGUES ARAÚJO

Sete homens. Este foi todo o universo abarcado


por uma pesquisa que pretendia localizar os homens que
estivessem na docência em educação infantil, lotados na Rede
Municipal de ensino da cidade de Belo Horizonte, Minas
Gerais. Quando pensamos que em Belo Horizonte, à época
da pesquisa1, tínhamos 13.042 crianças atendidas na Rede
Municipal de Educação em 80 escolas e unidades de educação
infantil2, este número pode soar desanimador. No entanto,
quando consideramos que o magistério passou por um
processo histórico de associação à mulhere ao feminino, estes
sete homens podem ser representativos de um movimento que
pende para a superação das desigualdades de gênero.
O conceito de gênero, que no Brasil começa a ser
utilizado no final dos anos 80, trouxe para a pesquisa
educacional a possibilidade de repensarmos, por exemplo, a
relação magistério-mulher. Esta relação originou trabalhos
diversos que, no entanto, convergem ao destacarem que a crença
na existência de uma “natureza” feminina tem servido para
desqualificar a profissão docente no Brasil e em outros países
(BRUSCHINI; AMADO, 1988; APPLE, 1988; LOURO,
1989). Isto porque atributos socialmente aceitos como
femininos – o amor, a abnegação, a delicadeza – têm sido
111
DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

colocados como essenciais para o trabalho com as crianças


em idade pré-escolar. Tais crianças demandam uma atenção
maior em termos de cuidado que crianças em períodos mais
avançados. Para Guacira Louro (1989), embora o encargo da
mulher com a socialização infantil seja fruto da divisão sexual
do trabalho, diferenças biológicas são invocadas para justificar
o fato como “natural”. Ao privilegiar o relato de homens que
estivessem desenvolvendo atividades junto a crianças na
educação infantil buscava saber se, de fato, estavam inseridos
em um “lugar” que, social e historicamente, não lhes fora
“destinado”. Como “destino”, vocação, o magistério é para
aqueles, ou melhor, para aquelas que, mais do que retorno
financeiro, buscam prestar um serviço aos seus semelhantes.
Para algumas estudiosas (BRUSCHINI; AMADO, 1988;
LOURO, 1989) este caráter vocacional, atribuído à docência
nas séries iniciais tem servido para promover a desqualificação
e desvalorização deste trabalho.

Gênero

O texto de Joan Scott (1995) [1988] é um marco e


referência importante para estudiosos(as) que utilizam o gênero
como categoria analítica. Segundo a autora, na sua utilização
mais recente, o termo “gênero” parece terfeito sua aparição inicialentre as
feministas americanas, que queriam enfatizar o caráter fundamentalmente
social das distinções baseadas no sexo (p. 2). Scott divide a sua
definição de gênero em duas partes que, embora diferenciadas
analiticamente, estão interrelacionadas. A compreensão do
gênero como elemento constitutivo de relações sociais baseadas
nas diferenças percebidas entre os sexos exige que
consideremos: os símbolos disponíveis na cultura que, com
frequência, evocam representações dicotômicas, feio/bonito,
por exemplo; os conceitos normativos – educacionais,

112
DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

científicos – que restringem a interpretação desses símbolos a


uma única possível; a dimensão política; e, finalmente, a
identidade subjetiva, considerando a investigação histórica do
seu processo de “generificação” (apud ARAÚJO, 2006, p.21).
Para Scott (1995), é em sua segunda proposição
que se dá a teorização do gênero: dizer que o gênero é uma
forma primária de dar significado às relações de poder é dizer
que o gênero é um campo primário no interior do qual, ou
por meio do qual, o poder é articulado.
Segundo Foucault (1988), não existe algo chamado
o Poder, ou o poder, que existiria universalmente, em forma
massiva ou difusa, concentrado ou distribuído. Só existe o
poder que exercem “uns” sobre os “outros”.

O que define uma relação de poder é que é um


modo de ação que não atua de maneira direta e
imediata sobre os outros, senão que atua sobre
suas ações: uma ação sobre as ações, sobre ações
eventuais ou atuais, presentes ou futuras. [...] uma
relação de poder se articula sobre dois elementos,
ambos indispensáveis para ser justamente uma
relação de poder: que o “outro” (aquele sobre o
qual esta se exerce) seja totalmente reconhecido
e que se mantenha até o final como um sujeito de
ação e que se abra, frente à relação de poder, todo
um campo de respostas, reações, efeitos e
possíveis invenções. (FOUCAULT, 1988, p. 14)3
O exercício do poder consiste em “conduzir
condutas”, é uma questão de governo. Para Foucault (1988), o
“Governo” não se refere unicamente às estruturas políticas
ou à gestão dos Estados; é entendido também como o modo
de dirigir a conduta de indivíduos ou grupos. Nesta
perspectiva, a noção de liberdade é fundamental, uma vez que
113
DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

“o poder se exerce unicamente sobre “sujeitos livres” e só à


medida que são livres” (FOUCAULT, 1988, p. 15).
Segundo Chauí (1985, p. 42), no chamado
pensamento “ocidental” existe, ainda que de forma difusa e
diluída, a ideia e a imagem de uma “natureza feminina”. Sua
permanência “resulta do fato de o corpo feminino ter sido o
elemento fundamental para as ideologias da feminilidade” 4.
Sobre o corpo, esse “objeto externo visível” (Chauí, 1985), é
proferido nos dois discursos. No discurso do conhecimento,
o corpo pode ser analisado em seus elementos, suas funções
ou em sua linguagem. Este corpo – como algo dado e um
modelo a ser seguido – é recoberto pelo discurso filosófico,
que elabora o corpo-ideia, que fará sentido para o intelecto.

Percebida fundamentalmente como corpo, a


mulher passa pelo crivo desse duplo discurso, que
tem a peculiaridade de ser um discurso masculino.
Entendemos por discurso masculino sobre o corpo
feminino um discurso que não é simplesmente
produzido e proferido por homens e ao qual seria
necessário contrapor um discurso proferido por
mulheres, visto que este último poderia (como
tem ocorrido) ser apenas uma versão dos mesmos
discursos anteriores sob a ótica feminina. Ao
considerá-los como discursos masculinos, o que
queremos simplesmente notar é que se trata de
um discurso que não só fala de “fora” sobre as
mulheres, mas sobretudo que se trata de uma fala
cuja condição de possibilidade é o silêncio das
mulheres. (CHAUÍ, 1985, p. 43)

A crença na existência de uma “natureza feminina”


possibilita que a experiência da maternidade seja associada a
um “instinto materno”. Segundo Chauí (1985), tal “instinto”
114
DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

contribui não só para que as mulheres sejam mantidas em um


suposto mundo natural, mas também as transforma em
produtoras, assim como todos os demais, da ideologia do
“amor materno” e da “sensibilidade”.
Segundo Elizabeth Grosz (2000), tanto para a
filosofia ocidental quanto para a teoria feminista
contemporânea o corpo continua a ser um “ponto cego
conceitual”, situado em um dos pólos do par binário mente/
corpo. Dentro da hierarquização e classificação promovidas
pelo pensamento dicotômico, o corpo é o termo subordinado,
desprivilegiado: “é o que não é a mente, aquilo que é distinto
do termo privilegiado e é outro. É o que a mente deve expulsar
para manter sua ‘integridade’ “ (GROSZ, 2000, p. 48). Ao
correlacionarmos e associarmos a oposição mente/corpo com
a oposição entre macho e fêmea, homem aparece, nas
representações, alinhado à mente, e mulher aparece alinhada
ao corpo. Nesta associação e correlação podemos encontrar
uma justificativa para a posição social secundária das mulheres,
contidas no interior de corpos representados e construídos
como frágeis, imperfeitos e sujeitos a intrusões não controladas
conscientemente. As diferenças corporais das mulheres são
tidas como uma “desigualdade natural” e utilizadas “para
explicar e justificar as posições sociais e as capacidades
cognitivas diferentes (leia-se: desiguais) dos dois sexos”
(GROSZ apud ARAÚJO, 2006, p. 23).
O olhar e o discurso masculinos sexualizam o
corpo das mulheres. O instinto e o amor maternos tornam-se
mecanismos de controle da sexualidade feminina. Segundo
Chauí (1985, p.45), “o discurso sobre as mulheres é masculino
não porque falado por homens, mas porque determinado por
um inconsciente que precisa fantasiar a diferença para torná-la
suportável, diferença que a consciência repõe como
desigualdade [...].”
115
DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

Para Linda Nicholson (2000), a distinção sexo/


gênero serviu inicialmente aos propósitos feministas de
combate ao determinismo biológico. No entanto, tal distinção
acabou por gerar uma visão binária que geralmente cria uma
relação excludente e não complementar. No caso, gênero viria
para “preencher” o sexo com uma carga histórico-cultural.
Scott (1998) argumenta que o gênero ainda apresenta
problemas de definição, sendo muitas vezes utilizado
estereotipadamente como sinônimo de mulheres. Para que este
“mau uso” seja eliminado, a autora propõe que historicizemos
o conceito. A proposta inclui pensarmos as relações homens/
mulheres, a sexualidade e a noção de corpo de maneira mais
fluida, considerando o momento histórico, o jogo político,
cultural e social onde tais relações estão inseridas (apud
ARAÚJO, 2006).
Também no trabalho de Judith Butler (1999)
podemos observar um questionamento acerca da premissa na
qual se origina a distinção sexo/gênero: sexo é natural e gênero
construído. Segundo a autora, tal distinção tem sido alvo de
críticas por degradar o natural como aquilo que existe “antes”
da inteligibilidade, como aquilo que precisa da marca do social
para ser significado. Neste sentido, para que se opere a
construção social do natural necessariamente terá que haver o
cancelamento do natural pelo social.

[...] se o gênero é a significação social que o sexo


assume no interior de uma dada cultura – só para
argumentar, deixaremos que “social” e “cultural”
permaneçam em uma desconfortável
intercambialidade – então, o que sobra do “sexo”,
se é que sobra alguma coisa, uma vez que ele
tenha assumido o seu caráter social como gênero?
O que está em questão aqui é o significado de

116
DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

“assunção”, onde ser “assumido” significa ser


levado para uma esfera mais elevada como em “a
Assunção da Virgem”. Se o gênero consiste dos
significados sociais que o sexo assume, então o
sexo não adquire significados sociais como
propriedades aditivas, mas, ao invés disso, é
substituído pelos significados sociais que adota;
o sexo é abandonado no curso dessa assunção e
o gênero emerge não como um termo em uma
permanente relação de oposição ao sexo, mas
como um termo que absorve e desloca o “sexo”,
a marca de sua substanciação plena no gênero ou
aquilo que, do ponto de vista materialista, pode
constituir uma plena dessubstanciação.
(BUTLER, 1999, p. 158)
Butler (1999) define o sexo como um ideal
regulatório – expressão utilizada por Foucault – cuja
materialização é imposta. Tal materialização ocorre ou deixa
de ocorrer através de práticas altamente reguladas. Construto
ideal materializado através do tempo, o “sexo” não pode ser
encarado como um simples fato ou condição estática de um
corpo. Normas regulatórias utilizadas reiteradamente
materializam o “sexo”. Tal materialização historicamente tem
estado a serviço da consolidação do imperativo heterossexual.
No entanto, para a autora, se a reiteração de tais normas é
necessária, isto já é um sinal de que tal materialização “não é
nunca totalmente completa, que os corpos não se conformam
nunca, completamente, às normas pelas quais sua
materialização é imposta” (p. 154). A reiteração das normas
regulatórias é uma prática discursiva. Deste modo, a
materialidade do corpo precisa ser pensada não apenas em
termos de contorno e movimentos corporais, mas
principalmente como o “efeito do poder”(BUTLER, 1999). Tanto
117
DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

quanto o gênero, o sexo é discursivo e cultural (apud ARAÚJO,


2006, p. 29).

“Sexo” é, pois, não simplesmente aquilo que


alguém tem ou uma descrição estática daquilo que
alguém é: ele é uma das normas pelas quais
“alguém” simplesmente se torna viável, é aquilo
que qualifica um corpo para a vida no interior do
domínio da inteligibilidade cultural. (BUTLER,
1999, p. 154)

Relações de Gênero no magistério e a “ausência na


reduzida presença”

Ao entrevistar sete homens e quatro mulheres –


colegas destes homens – que atuavam junto às crianças em idade
pré-escolar, pude perceber o quanto à posição de homens e
mulheres na estrutura das relações de gênero ainda serve para
limitar seus espaços de ação. Foi curioso perceber que, destes
sete homens, apenas um permanecia em sala de aula, em contato
diário e direto com os (as) alunos (as). Ao serem convidados,
dois professores assumiram a coordenação de creche. Outro
entrevistado, a pedido da coordenação da creche em que
trabalhava, saiu da sala do berçário (sala em que, segundo ele,
ficou por pouquíssimo tempo), tornando-se professor de
apoio. E ainda, outro professor optou por ministrar oficinas
de futebol e musicalização sem “assumir”, segundo ele, uma
sala de aula. Ao que parece, à primeira oportunidade de saírem
da sala de aula estes homens respondem buscando ocupar
outros espaços dentro da escola.
Dois fatores interrelacionados e claramente ligados
às questões de gênero contribuem para que, mesmo que estes
118
DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

homens estejam na escola, não estejam, de fato,


desempenhando a atividade para a qual se disseram aptos e se
dispuseram a realizar: a docência em educação infantil. O
primeiro deles diz respeito à estreita relação entre o magistério
na educação infantil e a prática do cuidado. Segundo Thereza
Montenegro (2001), esta prática, muito comumente exigida
dos profissionais que trabalham com as crianças de zero a seis
anos de idade, faz que com muitos (as) trabalhadores (as) da
educação infantil ainda tenham que se deparar com a
necessidade de marcar o caráter profissional de seu trabalho.
Todos os homens entrevistados, mesmo aquele que
estava diariamente em sala de aula, disseram que não davam
banho, ou levavam ao banheiro, ou mesmo alimentavam os
(as) alunos (as). O cuidado ficava a cargo das mulheres - as
colegas professoras - e os professores se encarregavam do
ensino, ordenação e disciplina dentro e fora da sala de aula.
Ao que parece, na prática escolar, persiste um discurso
masculino que desqualifica a mulher e o feminino e
supervaloriza atividades ligadas ao homem/masculino. Este
se instala nas salas de aulas, estabelecendo uma separação entre
as ações de cuidado e ensino. Em uma cultura que atribui
características “inerentes” à mulher e características “próprias”
de homem, a mulher é vista como aquela que tem mais “tato”
para lidar com as crianças. Afinal, não são ainda as mulheres
que permanecem a maior parte do tempo com os (as) filhos
(as)? Não são elas as responsáveis pelo ordenamento do lar e
da família? Não obstante, é interessante perceber que, no caso
das mulheres, a posição de comando no plano privado (do
lar) não é valorizada. Nos espaços públicos, como no caso da
escola, historicamente associada a figura feminina, os homens
buscam desempenhar ações/funções que marquem a sua
superioridade, usualmente envolvidos no controle da disciplina,
na segurança (porteiros, vigias) ou noutros papéis

119
DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

tradicionalmente associados ao poder (diretor) e força (aula


de Educação Física, liderança em festas).
Assim, num tom de ressentimento que um
coordenador pedagógico relatou em entrevista, que fora
proibido de “cuidar” de uma de suas alunas. A proibição, vinda
da mãe de uma das alunas, traz para nossa discussão o segundo
fator que aponto como responsável pela presença ainda
“silenciosa” de homens no magistério em educação infantil: o
receio do abuso sexual.
Eliana Saparolli (apud MEDRADO, 1998, p. 155)
salienta que a presença de homens na educação infantil–mesmo
que em pequeno número – tem gerado preocupações ligadas
à conduta dos homens cuidadores: “estudos estrangeiros [...]
mostraram que a presença desses profissionais no interior das
creches e pré-escolas gera preocupações e ansiedades quanto
à hipótese de abuso contra a criança (onde as políticas de
atendimento à criança são regidas por visões que podem
associar homens e violência contra a criança)”.
No Brasil, instituições de ensino que atendem a
crianças de regiões periféricas precisam considerar a situação
de vulnerabilidade social a que muitas dessas crianças podem
estar expostas. Precisam considerar que tais alunos, alunas e
seus familiares “convivem” diariamente com a violência em
suas diversas manifestações. Assim, o receio de uma mãe quanto
a um professor-homem “cuidar” de sua filha pode ser
entendido como uma reação que tem origem na posição que a
família desta aluna ocupa na estrutura social. Viver em um
ambiente, que de certo modo propicia a prática do abuso
sexual, pode ter tornado esta mãe mais “cautelosa” em relação
ao contato homem – criança. No entanto, é necessário ressaltar
que essa problemática associada ao gênero não atinge somente
a classe mais baixa, embora não tenhamos ouvido relatos
semelhantes em escolas privadas, uma vez que este não foi o
120
DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

campo da pesquisa realizada.


Quando pensado de modo mais amplo, o receio
do abuso sexual parece estar ligado à ideia de que somente os
homens são abusadores em potencial. A figura da professora
dificilmente é associada a uma abusadora. Já no caso do
professor, além desta associação, percebe-se o temor de que
as crianças estejam em contato com um “afeminado”,
seguramente uma má influência para meninos e meninas. Assim,
ainda que estejam na escola em uma ocupação ligada à mulher
e ao feminino, efetivamente não desenvolvem atividades
“femininas”.

A superação das desigualdades de gênero começa na


escola?

Tereza de Lauretis (1994) propõe que o gênero seja


compreendido como uma representação que produz efeitos
reais ou concretos, tanto sociais quanto subjetivos, na vida das
pessoas. Enfatiza que, caso consideremos o gênero como uma
derivação direta da diferença sexual ou como um efeito de
linguagem incluído nesta diferença, deixaremos de pensar o
seu caráter relacional. Pensado em termos relacionais, o gênero
- enquanto representação e auto-representação - é produto de
diferentes tecnologias sociais. Para Lauretis (1994, p. 228) o
cinema e os discursos institucionais – como a teoria – “têm o
poder de controlar o campo do significado social e assim
produzir, promover e `implantar´ representações de gênero”.
Uma construção diferente de gênero é possível, ainda que à
margem dos discursos hegemônicos. Os termos desta
construção e os seus efeitos ocorreriam “ao nível `local´ de
resistências, na subjetividade e na auto-representação” (p. 228).
Assim, as práticas micropolíticas da vida diária e as resistências
cotidianas produzem o agenciamento dos sujeitos e são fontes
121
DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

ou investimentos de poder.
Diferentes construções do gênero podem ser
pensadas quando compreendemos que não há, por exemplo, a
Mulher, enquanto representação de uma essência inerente a
todas as mulheres. As “mulheres” também são seres reais,
históricos e sociais, definidos pelas tecnologias de gênero e
“engendrados” nas relações sociais (LAURETIS, 1994).
A escola exerce papel importante desde nossos
primeiros anos de socialização. Para que ela seja um ambiente
propício a diferentes construções de gênero, é necessário que
meninas e meninos presenciem e vivenciem situações de
respeito à diversidade, seja ela cultural, de gênero, racial ou
étnica. Neste ambiente, professores não teriam apenas a função
de discipliná-los (as) ou funções de chefia. E a capacidade e
disposição para o “cuidado” não seriam compreendidas
apenas como algo inerente à mulher e ao feminino.
Quando falamos em superação das desigualdades
de gênero a começar pela e na escola, devemos mirar o nosso
olhar para a formação de nossos (as) futuros (as) docentes.
Mais que fornecer a meninos e meninas o conteúdo
programático, estes futuros (as) professores(as) precisam
pensar a prática escolar como formadora e transformadora
de cidadãos. Sob este aspecto, é necessário que nossos (as)
professores(as) não sirvam à reprodução de algumas práticas
existentes em nossa sociedade – tais como a divisão dicotômica
que vem sustentando, por exemplo, a divisão entre o que deve
ser atribuição masculina e o que deve se constituir em atributos
e atribuições femininas.

Abordar o gênero através de oficinas: um caminho


possível

Diante das questões discutidas ao longo deste


122
DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

trabalho, saliento a necessidade de que futuros (as) professores


(as) tenham, em algum momento de sua formação, a
“oportunidade” de discutir as questões que dizem respeito ao
gênero. Tal discussão, não se restringiria a uma reflexão
meramente racional, mas sim, deveria envolver o sujeito
professor (a) de maneira integral, levando em consideração
suas formas de sentir, pensar e agir. Deste modo, partindo da
definição de “Oficina” proposta por Lúcia Afonso (2002),
proponho a realização de oficinas como uma via para que tal
proposta se cumpra.
Para Afonso (2002, p. 11), “oficina”“é um trabalho
estruturado com grupos, independentemente do número de
encontros, sendo focalizado em torno de uma questão central
que o grupo se propõe a elaborar, em um contexto social.” A
“oficina” pode ser usada na área da educação e, embora utilize
informação e reflexão, distingue-se de um projeto pedagógico.
Isto porque, na “oficina” serão trabalhados também os
significados afetivos e as vivências relacionadas com o tema a
ser discutido. A autora também marca uma distinção
importante entre “oficina” e grupo terapêutico, uma vez que a
“oficina” “se limita a um foco e não pretende a análise psíquica
profunda de seus participantes” (p. 11).
A seguir é proposta uma oficina que poderá ser
utilizada tanto pelo(a) professor(a) universitário(a) em suas
turmas de licenciatura e pedagogia quanto pelo(a) professor(a)
que deseja inserir a discussão de gênero em suas turmas de
ensino fundamental e médio. A oficina, devido ao seu formato
com um maior número de encontros, demandará do(a)
professor(a) planejamento para que o conteúdo seja
administrado respeitando ao calendário escolar. Enquanto uma
“proposta”, caberá ao(à) coordenador(a) adequar o material
utilizado à faixa etária ou grau de escolaridade do público que
se quer atingir.
123
DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

Para que a oficina cumpra os objetivos propostos,


será necessário planejá-la dentro de um número mínimo e
máximo de encontros. Sugiro que estes números variem entre
quatro e oito encontros. No entanto, dentro de um planejamento
flexívelo(a) coordenador(a) precisa estar aberto(a) às mudanças
no planejamento inicial, que poderão ocorrer durante o
trabalho.

Sugestão para Oficina

Tema: Estudos de Gênero e sua contribuição para uma prática


escolar não-sexista.

Objetivo: Introduzir o estudo da categoria gênero, destacando


a sua importância para o entendimento de determinadas
práticas escolares perpetuadoras das desigualdades entre
homens e mulheres.

Primeiro Encontro

Momento Inicial: Trata-se do momento da apresentação da


proposta de trabalho e dos(as) participantes. Visando criar um
clima de descontração para que os(as) participantes troquem
algumas informações pessoais em um primeiro contato,
sugerimos a dinâmica “apresentando o vizinho”.

Momento Intermediário: Através da dinâmica “caixinha de


surpresas” será possível à coordenação levantar as questões de
interesse dos(as) participantes acerca do tema proposto.

Momento de Sistematização: Momento em que a coordenação


interage com os(as) participantes oferecendo informações
sobre as questões levantadas pelo grupo.
124
DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

Segundo Encontro

Introdução ao conceito de gênero: Através da dinâmica “desenho


de um boneco e de uma boneca nus”, os(as) participantes, divididos
em subgrupos mistos, irão preencher estes bonecos com
adereços e vestimentas que, supostamente, compõem um
homem e uma mulher.

No momento intermediário os subgrupos apresentam e


explicam aos demais o seu cartaz. Após este momento, a
coordenação introduz a conceituação de gênero e propõe as
leituras que serão discutidas no próximo encontro.

Terceiro Encontro

Neste encontro, a utilização dos textos propostos


terá que ser feita segundo a característica do grupo formado.
Para um grupo de graduandos(as), é possível que o
coordenador peça a leitura anterior para discussão aposteriori.
No entanto, em grupos compostos por alunos(as) do ensino
fundamental e médio, o coordenador terá os textos como
embasamento teórico para uma palestra interativa.5

Leituras sugeridas

1) SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria útil de análise


histórica. Educação e Realidade, Faculdade de Educação da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre,
v. 20(2), p. 71-99, jul.dez, 1995.
2) Entrevista com Joan Wallach Scott. Revista Estudos Feministas,
Florianópolis, v. 6, n. 1, 114-124, 1998.

Neste encontro será necessária maior atenção


125
DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

dos(as) participantes. Assim, sugerimos a realização de uma


dinâmica de encerramento: “Mexendo o corpo”. Esta dinâmica
consiste simplesmente em fazer com que os(as) participantes
movimentem o próprio corpo, mas sempre imitando alguma
atividade.

Quarto Encontro

Para este encontro, que terá como foco a articulação


dos conceitos Gênero, Sexo e Corpo, é sugerida uma dinâmica
em que os (as) participantes, em subgrupos, construam cartazes
com a colagem de recortes de revistas e jornais. Estes cartazes
deverão representar as concepções do grupo sobre o tema
“Sexo” e “Corpo”.
A seguir faz-se à discussão teórica. Abaixo estão
sugeridas algumas leituras que devem ser trabalhadas seguindo
as orientações (forma de uso) do terceiro encontro.

Leituras sugeridas

1) BUTLER, Judith. Corpos que pesam: sobre os limites


discursivos do “sexo”. In: Louro, Guacira (Org.). O Corpo
Educado: Pedagogias da Sexualidade. Tradução de Tomaz
Tadeu da Silva. Belo Horizonte: Autêntica, 1999. p. 152
172.
2) Como os corpos se tornam matéria: entrevista com Judith
Butler. Estudos Feministas, Florianópolis, v. 10, n. 1, p. 155
167, 2002.

Quinto Encontro

Para este encontro, a sugestão é que seja exibido o


filme KillBill, de Quentin Tarantino. O objetivo é introduzir,
126
DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

partindo de elementos trazidos pelo filme, o tema “Violência


de Gênero”. Para esta discussão, que será aprofundada no sexto
encontro, sugere-se o texto descrito a seguir:
CHAUÍ, Marilena. Participando do debate sobre
Mulher e Violência. In: Franchetto et al. (Org.). Perspectivas
Antropológicas da Mulher/Sobre Mulher e Violência. Rio: Paz e
Terra, 1985. p. 23-61.

Sexto Encontro

O último encontro é destinado à avaliação e


conclusão da oficina. Inicialmente, o coordenador fará, junto
aos(às) participantes, um levantamento das ações do/no
cotidiano escolar que, segundo eles, contribuiriam para a
promoção da maior igualdade entre homens e mulheres, alunos
e alunas, professores e professoras. Por fim, é proposto um
momento de avaliação dos encontros por meio do depoimento
ou escrita dos(as) participantes.

Dinâmicas utilizadas na oficina

1) Apresentando o vizinho
Com as cadeiras dispostas em círculo os
participantes são convidados a sentar. Quando todos estiverem
se acomodado, inicia-se a dinâmica, composta de dois
momentos. Em um primeiro momento, são compostos pares
de participantes de um modo muito simples: pares de vizinhos
de cadeiras. Se o número de participantes for ímpar, o
coordenador forma o par com quem ficou só; se o número de
participantes for par, o coordenador fica de fora. Os pares
terão cinco minutos para se conhecerem mutuamente.
Terminado o momento de apresentação mútua, passa-se para
o segundo momento. Neste segundo momento, cada qual
127
DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

deverá apresentar ao grupo o seu par, dizendo as informações


que colheu (sem esquecer de dizer o nome!).

2) Caixinha de surpresas
Cada participante escreve um tipo de questão que
gostaria de ver discutida no grupo, sem dizer o nome. “Os
bilhetinhos” são colocados em uma caixa e misturados. 2) Cada
participante retira aleatoriamente um dos bilhetes e lê para os
demais a questão “sorteada”.

3) Mexendo o corpo
Cada participante é convidado a dizer uma frase,
com algo que algum parente trouxe de viagem. Deverá, porém,
imitar o gesto do objeto trazido pelo parente. O coordenador
deve indicar a ordem de fala das pessoas. Assim, por exemplo,
quem inicia pode dizer: “Meu avô, que veio da roça, trouxe
um machado” (faz o gesto, como se estivesse utilizando o
machado). O seguinte continua, inventando alguma outra coisa
como “Minha tia, quando veio da África, trouxe um chocalho”
(e imita o gesto, como se estivesse tocando um chocalho). A
dinâmica também pode ser iniciada com todos os participantes
sentados e, à medida em que forem falando, devem se levantar.
Todos os participantes devem dizer alguma coisa, sem repetir
nenhum objeto. Cada qual deverá, porém, continuar fazendo
o gesto até que todos estejam se mexendo. Quando todos já
tiverem dito alguma coisa, a dinâmica terá alcançado o objetivo
de fazer com que todos despertem e movimentem o corpo.

Notas

1 Anos de 2005 e 2006.

128
DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

2 Secretaria Municipal de Educação. Fonte: GERED – CEI, setembro


de 2005.
3 Tradução da autora
4 Grifo da autora
5
Segundo Afonso (2002), a palestra interativa é a articulação que a
coordenação faz das opiniões trazidas pelo grupo, a partir de suas
experiências, com conteúdos informativos/esclarecimentos sobre
o tema em discussão.

Referências

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método de intervenção psicossocial. Belo Horizonte: Edições
do Campo Social, 2002.

APPLE, Michael. Ensino e trabalho feminino: uma análise


comparativa da história e da ideologia. Cadernos de Pesquisa,
São Paulo, v. 64, p. 423, 1998.

ARAÚJO,Janaína R. Relações de Gênero na Educação Infantil: um


estudo sobre a reduzida presença de homens na docência.
Dissertação (Mestrado em Psicologia). Programa de Pós
Graduação em psicologia, Universidade Federal de Minas
Gerais, 2006.

BERKENBROCK, Volney J. Dinâmicas para encontros de grupo.


Petrópolis: Vozes, 2003.

BRUSCHINI, Cristina; AMADO, Tina. Estudos sobre a


mulher e educação: algumas questões sobre o magistério.
Cadernos de Pesquisa, São Paulo, v. 64, p. 4-13, 1998.
129
DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

BUTLER, Judith. Corpos que pesam: sobre os limites


discursivos do “sexo”. In: LOURO, Guacira (Org.). O corpo
educado: pedagogias da sexualidade. Belo Horizonte: Autêntica,
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CHAUÍ, Marilena. Participando do Debate sobre Mulher e


Violência. Perspectivas Antropológicas da Mulher: Sobre Mulher e
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130
DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria útil de análise histórica.


Educação e Realidade, Porto Alegre, v. 20, n. 2, p. 71-99, jul.
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SCOTT, Joan. Entrevista com Joana Wallach Scott. Revista


Estudos Feministas, Florianópolis, v. 6, n. 1, p. 114-124, 1998.

131
VII

O BILDUNGSROMAN E A
FORMAÇÃO DO HÁBITO DA LEITURA
CÍNTIA CARLA MOREIRA SCHWANTES

Uma das estratégias para angariar a simpatia do


leitor e induzi-lo a continuar lendo um texto, é promover sua
identificação com o protagonista. As grandes editoras
brasileiras, como aponta a pesquisa conduzida pela professora
Regina Dalcastagné, apostam nisso. Não é por acaso que, na
sua maioria, os protagonistas de romances publicados nos
últimos anos são homens brancos, de classe média. Esses são
os leitores mais prováveis, aqueles que comprarão livros e eles
supostamente não estarão interessados em ler sobre, digamos,
mulheres negras de classe proletária.
Há, entretanto, um outro filão de publicações que
aumentou consideravelmente nos últimos vinte anos: o dos
livros paradidáticos. Há uma variedade de gêneros
contemplada nos livros paradidáticos, uma vez que eles devem
criar o hábito da leitura dentro do âmbito escolar. Dessa
forma, o leitor potencial deve se habituar a ler, grosso modo,
poemas, narrativas longas e narrativas curtas. Coletâneas de
contos e de crônicas são especialmente procuradas, e algumas
coletâneas de poemas também são editadas. É mais fácil utilizar
um livro de poemas, posto que não se espera que o leitor o
leia de capa a capa, e assim, autores nesse gênero tem suas
obras publicadas na íntegra, visando a leitura escolar. Mas o
carro chefe, indubitavelmente, são as narrativas mais ou menos
longas, escritas especialmente para o público infanto-juvenil.
133
DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

Essas publicações tomaram conta do mercado


quando algumas editoras, notadamente a Ática, começaram a
publicar os clássicos da literatura brasileira em edições baratas.
O intuito era disponibilizar para uma fatia mais larga da
população obras fundamentais da literatura brasileira, uma
lacuna da qual os professores reclamavam. No entanto, uma
vez que esses clássicos foram disponibilizados, também foi fácil
para os professores concluírem que a leitura de, digamos, A
moreninha, não era exatamente o sonho de consumo de
adolescentes da segunda metade do século XX. Essa
constatação deslanchou a produção (escritura e publicação)
de títulos especialmente voltados para a leitura como parte
das atividades escolares. A intenção didática tanto nos clássicos
republicados quanto nos livros escritos especificamente para
consumo escolar fica explícita nas famosas fichas de leitura,
que costumam vir encartadas no exemplar e contém algumas
questões sobre o enredo (encontrar um enredo resumido na
internet costuma bastar para o preenchimento dessas fichas).
O propósito dessas publicações é, portanto,
envolver o leitor e criar nele o hábito da leitura. Para isso,
estratégias de identificação são utilizadas, e o protagonista,
como um dos elementos narrativos mais importantes, tem
papel preponderante nelas. É fácil concluir que a enorme
campanha publicitária promovida nas vésperas do lançamento
do filme Guerra nas estrelas (1999) foi decisiva para angariar o
público que acorreu aos cinemas; e significativamente ela
aconteceu, entre outros lugares, em produtos de grande
consumo de crianças e adolescentes (salgadinhos, refrigerantes).
O fato de que o protagonista é o jovem Anakin, ainda criança,
direciona o filme, de certa forma, para essa fatia do público
(tanto que meu filho e seus amigos, crianças na época,
rejeitaram decididamente a hipótese de que Anakin viria a se
tornar o arquivilão da história). E não estamos falando de um
134
DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

filme infantil no sentido estrito.


Da mesma forma, nem todas as narrativas com um
protagonista criança são voltados para o público infantil. Basta
pensarmos em Menino do engenho, de José Lins do Rego, ou em
To Kill a Mockingbird, de Harper Lee, para percebermos que
não há relação direta entre faixa etária do protagonista e público
leitor visado. Ambos os romances são, não obstante,
Bildungsromane. Nem todos os romances com protagonistas
crianças são romances de formação, e existem casos em que o
protagonista de um romance de formação já não é mais uma
criança, como na Novelofawakening. Entretanto, há uma relação,
embora não exclusiva, entre faixa etária do protagonista e
romance de formação, uma vez que é mais usual começar a
narrativa da formação do protagonista nos primeiros anos de
sua vida.
Contribuir com a Bildung (formação) do leitor é
um dos traços do romance de formação. Embora o gênero
esteja presente em sistemas literários desde a Antiguidade
Clássica, como aponta Bakhtin, houve um significativo
ressurgimento do romance de formação durante o
Romantismo. Nesse momento, os romances que
narrativizavam a formação de uma criança, ou um jovem,
tinham uma função dupla. Tanto eles permitiam uma reflexão
sobre o que era especificamente nacional, em um período
histórico em que vários estados nacionais se formaram, quanto
sobre os caminhos do estabelecimento da burguesia enquanto
classe dominante, através da trajetória de um indivíduo
paradigmático. Se pensarmos que esse momento histórico é
fundamental para a ascensão da burguesia à posição de classe
dominante, poderemos concluir que os romances de formação
participavam de um esforço intelectual duplo: o do
estabelecimento dos Estados Nacionais, bem como da
burguesia como classe dominante. Exatamente por isso, o
135
DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

gênero foi tão procurado por escritores e público leitor da


época: ele ajudava a pensar as questões colocadas pela nova
ordem política e social.
Dessa forma, a discussão sobre os valores de uma
determinada sociedade e um determinado grupo está no cerne
do romance de formação. Essa discussão se dá através de vários
passos da formação: o protagonista deve passar por pelo
menos dois casos de amor, um deles malfadado e outro bem
sucedido, para aprender a enfrentar igualmente sucessos e
fracassos. Ele deve escolher uma profissão e passar pelo
aprendizado acadêmico necessário para exercê-la. Nesse
processo, frequentemente, o protagonista entrará em conflito
com o pai, ou o pai e a mãe, que tentam impora ele uma carreira
que não é de sua escolha. Usualmente, ele mora em uma cidade
pequena e precisa se deslocar para um centro maior, a fim de
estudar, e a viagem inclui um aprendizado informal, o dos
caminhos do mundo. Para tanto, ele precisará de um mentor,
alguém experiente no grande mundo, que poderá explicar ao
jovem aprendiz quais comportamentos sociais são adequados
e quais não, quais princípios éticos precisam ser guardados e
quais podem ser relativizados. É através dessa negociação com
o meio que o protagonista estabelecerá sua visão de mundo e
ela deve ser fiel o suficiente a ele mesmo, de modos que ele
não se sinta violentado, e concorde o suficiente com o grupo
social, de modos que ele não acabe excluído.
Os primeiros estudos a se debruçarem sobre o
romance de formação insistiram muito no cumprimento de
alguns passos que seriam indispensáveis para que um romance
fosse considerado um Bildungsroman. Bakhtin, ao discutir o
gênero, levou em conta o fato de que romances de formação
estão, necessariamente, ligados ao grupo social onde
acontecem e, portanto, não são passos estritos que determinam
o gênero, mas a existência de uma Bildung, uma formação.
136
DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

Assim, os elementos constituintes de um romance de formação


serão aqueles considerados necessários para a formação dos
jovens em um determinado grupo social. Em Don Segundo
Sombra, de Ricardo Guiraldes, um romance de formação
ambientado no pampa, por exemplo, o tipo de aprendizado
para o exercício profissional é significativamente diferente.
Fábio Cáceres, o protagonista, não precisa de um treinamento
acadêmico, ele precisa aprender a realizar com destreza e
rapidez as lides do campo: laçar e tratar gado e cavalos,
amansar potros, conduzir o gado através de longos trajetos.
Exatamente por ter como elemento central uma
discussão dos valores vigentes em uma determinada sociedade,
os romances de formação, ao longo do século XX, foram
largamente utilizados por grupos minoritários (mulheres,
negros, judeus) como meio de discussão do seu lugar social,
novamente através da discussão da trajetória de um indivíduo
paradigmático. Mas para isso, fez-se necessária uma intervenção
no modelo romântico de romance de formação. Os passos da
formação de um Bildungsroman estavam, até pouco tempo atrás,
majoritariamente, interditados para meninas de boa família,
por exemplo. Tanto que Esther Labovitz, uma das
pesquisadoras do romance de formação feminino, afirma que
não se pode falar de Bildungsroman feminino antes do século
XX, quando as mulheres passaram a ter acesso ao mundo do
trabalho e, portanto, a uma formação acadêmica. No entanto,
à medida que as pesquisas em torno do gênero se
aprofundavam, estudiosas de questões de gênero, como Eve
Tavor Bennet e Kornfeld e Jackson, apontaram a existência do
que as últimas chamam de “romance de formação doméstica”,
a narrativa da formação de uma jovem para se tornar um
membro bem sucedido e produtivo de seu grupo social. A
diferença é que a protagonista feminina não o fará através da
escolha de uma profissão, e sim, da escolha do homem com
137
DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

quem se casará. Se pensarmos que até recentemente a decisão


quanto ao casamento era assunto de família e a jovem
frequentemente não era sequer consultada, esse modelo de
romance de formação também encerra uma medida de
mudança e transgressão – ainda mais se levarmos em conta o
fato de que o protagonista masculino também se rebela em
seguir o ditame dos pais quanto ao que faria dele um membro
bem-sucedido e produtivo de seu grupo social.
Os romances de formação doméstica são a
narrativização do processo de formação de uma jovem que,
ao contrário de sua contraparte masculina, não terá
experiências amorosas nem formação acadêmica; não viajará
para uma cidade maior, não poderá encontrar um mentor para
ensinar-lhe os caminhos do mundo e não escolherá uma
profissão. Em que consiste, então, seu aprendizado? Em
primeiro lugar, ela deve aprender a reconhecer o amor
verdadeiro; e, em segundo lugar, a se tornar merecedora dele.
Por isso, com certa frequência, o mentor da protagonista de
um romance de formação feminina será o homem que a educa
para ser sua esposa. Seu aprendizado difere enormemente do
de um protagonista masculino, mas ambos estão se preparando
para cumprir as tarefas de gênero exigidas por uma nova ordem
social, a burguesa.
Isso se torna ainda mais evidente quando as autoras
– e esse é um expediente muito mais utilizado por autoras
mulheres, compreensivelmente – utilizam mais de um
protagonista em seus romances de formação. O primeiro
romance a utilizar dois protagonistas é The Millon the Floss, de
George Eliot (que significativamente utilizava um pseudônimo
masculino), em que os dois irmãos, Maggie e Tom Tulliver,
dividem a função de protagonistas. Outro romance famoso
que divide a função de protagonista entre vários personagens
é Little Women, de Louise May Alcott, que já publica sob seu
138
DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

nome verdadeiro, e utiliza as quatro irmãs March como


protagonistas. Quase como regra, quando a função de
protagonista é dividida, teremos personagens masculinos e
femininos performando-a, de modos que a narrativa possa
cobrir diferentes percursos de formação.
Em um país como o Brasil, questões de etnia
também serão relevantes na formação de um protagonista de
Bildungsroman. Bem claramente, a mudança de gênero do
protagonista implica uma mudança no processo de formação
e, portanto, na própria estrutura do romance de formação.
De forma análoga, diferentes classes sociais e etnias também
terão seu impacto no processo de formação do protagonista.
Isso porque a formação acontece em um processo de mão
dupla: a sociedade na qual o/a jovem está inserido/a coloca
lhe algumas questões e exige alguns aprendizados, que ele/a
responderá ou não e aceitará ou rejeitará. Dessa forma, o
processo de formação parte das exigências do grupo social e
passa pela resposta do protagonista a elas, voltando para o
grupo social, que receberá o/a aprendiz de forma diferente
conforme seu sucesso na absorção dos ideais e valores
pregados por ele. Igualmente, à ação da sociedade sobre ele/
a e às próprias ações do protagonista, irá se contrapor, como
parte importante do processo de formação, a reflexão que ele/
a irá elaborar a partir delas. Assim, a ação é parte da formação
do protagonista tanto a que ele/a sofre quanto a que ele/a
perpetra, e o que a completa enquanto experiência formadora
é a reflexão.
Protagonistas de Bildungsromane podem ser mais ou
menos conformistas; quando muito transgressores, eles terão
duas possibilidades. Ou fracassam, total ou parcialmente, ou
encontram um meio social mais tolerante, capaz de aceitar e
absorver a diferença que eles/as colocam. Significativamente,
o primeiro final é mais comum em romances protagonizados
139
DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

por personagens femininas, e o segundo, por protagonistas


masculinos. Em um mesmo romance de formação, poderemos
encontrar protagonistas de gêneros diferentes que percorrerão,
cada um deles, uma das alternativas possíveis.
Um romance que foi muito utilizado nas escolas
de segundo grau, e ainda encontra leitores hoje em dia, é Quando
florescem os ipês, de Ganymedes José. Parte de seu sucesso se
deve ao fato de que ele fala mais de perto às experiências de
jovens do final do séc. XX. Em 1986, trabalhei com esse
romance, que foi lido logo após O tronco do ipê, de José de
Alencar. Os alunos, como seria de se esperar, tiveram
dificuldades na leitura desse romance.
Aqui cabe um parênteses. A leitura das obras
clássicas da literatura brasileira deve fazer parte da formação
dos leitores brasileiros, porque elas lhe darão uma
compreensão diferente daquela obtida nas de história, por
exemplo, dos percursos do país. Igualmente, através da leitura
de um corpus estabelecido, formam-se comunidades de leitores,
que são importantes na construção de uma identidade tanto
nacional quanto individual, na medida em que identidades
individuais se constroem em interação com o grupo. No
entanto, para que essa leitura seja produtiva para os alunos, o
professor deve fazer uma atividade prévia de sensibilização. É
interessante também trabalhar as obras literárias de um
determinado período em consonância com o que está sendo
trabalhado em história naquele momento.
De volta aos meus alunos, quando iniciamos as
leituras e discussões sobre Quando Florescem os ipês, eles me
disseram: “esse livro, sim, tem base, professora. Esse é o tipo
da coisa que a gente sabe que pode ter acontecido!”.
O comentário dos meus alunos, ingênuo como
possa parecer, indica um dos elementos que o leitor procura
em um texto literário: verossimilhança. “Ter base” é ser
140
DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

verossímil, não necessariamente verdadeiro, mas coerente o


suficiente para que o leitor possa acreditar em sua possível
veracidade. E para isso, é preciso falar de coisas que o leitor
identifica como reais, embora não necessariamente pertençam
à vivência dele. Ao contrário, uma das virtudes da literatura é
exatamente nos possibilitar experiências, embora vicárias, que
não teríamos de outra maneira, e assim aumentar nosso leque
de possibilidades de leitura de mundo.
Embora falar sobre as vivências do leitor não seja
condição sine qua non para engajá-lo no texto, quando isso
ocorre, o engajamento é mais fácil. Assim, Quando florescem os
ipês ganha pontos novamente. O romance conta a história de
quatro amigos, adolescentes vivendo em uma cidadezinha de
interior não especificada no texto. A única indicação que temos
é que o clima é de monções, com uma estação seca e uma
estação de chuvas, e a grande cidade que atrai mais a imaginação
dos jovens é São Paulo. Essas informações podem colocar a
cidade em que se passa o romance no norte de Minas, no Goiás
ou parte do Mato Grosso. Os ipês do título também são
indícios do espaço físico do romance, mas não são mais
precisos que as outras indicações. O florescimento é uma
metáfora clara da juventude, desse momento da vida em que
as possibilidades se abrem diante dos jovens, em que eles
florescem, encontram suas potencialidades e as desenvolvem.
Exatamente como deve acontecer em um romance de
formação.
O romance abre na manhã em que eles entram em
férias. Os quatro amigos sobem a colina fora da cidade para
gravar seus nomes no tronco de um ipê florido. A ideia fora
de Toninho, o protagonista que mais angariará simpatias dos
leitores ao longo do romance. São eles: Toninho, um rapaz
filho de uma família quase proletária; Neide, a única cuja cor
de pele é explicitamente colocada, que é negra e proletária,
141
DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

órfã de pai, e vive com a mãe, que é alcoólatra, em um casebre;


Ovídio, filho de uma família de classe média confortável, e
Cláudia, que compartilha a classe social do último, e cujos olhos
são azuis. Eles estão terminando o segundo grau, a cidade não
oferece mais oportunidades de estudo para eles, e cada um
deverá definir os rumos de sua vida de então em diante. O
futuro parece incerto, mas também promissor.
Cada um tomará as decisões que deseja, mas
limitadas pelo que seu meio pode sustentar. Previsivelmente, a
protagonista a quem sobram menos oportunidades de decisão
é Neide. Ovídio recusa-se a continuar os estudos, para
desespero de seus pais, e começa a trabalhar em um banco. Ao
final do romance, desgostoso da mentalidade tacanha de seus
concidadãos, ele acaba partindo para São Paulo. As decisões
de Ovídio se devem muito mais a seu estado de espírito do
que a constrições colocadas por problemas de dinheiro ou de
impossibilidade: ele é um protagonista masculino, de classe
média, e não sofre as restrições que Toninho e Cláudia sofrem.
O primeiro não pode ir para São Paulo porque a família não
teria condições de mantê-lo na cidade e começa a trabalhar
onde encontra emprego: como auxiliar de pedreiro. Ela não
poderia ir porque é uma mocinha de boa família que não
poderia morar sozinha em uma grande cidade. Neide continua
trabalhando no mesmo lugar onde já trabalhava enquanto
estudante: como auxiliar de costureira, lavando e passando as
roupas já costuradas. Assim, a gama de opções profissionais
de cada um deles é circunscrita pelo que a classe social e o
gênero a que eles pertencem podem oferecer.
Um ponto importante da formação de um
protagonista é o aprendizado amoroso. Aqui há uma divisão
clara: Neide está apaixonada por Toninho, mas crê que seu
amor é impossível por causa da questão da cor, acrescida do
fato de haver uma diferença de classe social entre eles. A mãe
142
DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

dela, dona Benedita, é alcoólatra, trabalha passando roupa para


algumas clientes e se prostitui. Filha de uma família
monoparental (um fenômeno que se aprofundou,
especialmente nas famílias proletárias, e no Brasil, negras),
Neide enfrenta mais problemas que os outros personagens:
sua saúde é frágil; subnutrida, ela contrai tuberculose e
tampouco tem dinheiro para pagar o tratamento, além de
trabalhar em condições insalubres. Após uma experiência de
sexo por dinheiro, que a deprime muito, ela resolve aceitar o
pedido de casamento de seu vizinho Dino, que é apaixonado
por ela. Neide, no entanto, morre antes que o casamento
aconteça. Cumprindo o desejo que ela expressara na primeira
cena do romance, Toninho enche o caixão da amiga de flores
de ipê.
Cláudia, por outro lado, apaixona-se por Cid, o
filho de uma família alemã que se mudara para o interior em
virtude da saúde do pai. O rapaz é um playboy, pouco
interessado em uma menina de interior, a não ser como uma
conquista fácil. A mãe percebe isso e tenta advertir a filha, em
vão. Assim, o conflito de gerações, que com Ovídio se
desenvolve ao redor da opção profissional, com Cláudia é
centrado na escolha sentimental da protagonista. Aqui, a
questão do gênero da personagem é crucial para indicar onde
está a prioridade de cada um: Ovídio tem conflitos com a
família naquilo que deve ser mais importante para um jovem
do sexo masculino, a profissão; Cláudia também, no entanto,
o que é mais importante para uma jovem do sexo feminino é
sua escolha amorosa, que pode ser desastrosa e de forma muito
mais irremediável: Ovídio, quando decide ir a São Paulo, o faz
sem nenhum problema; Cláudia, quando decide perder a
virgindade com um homem que não tem a mesma noção de
valores (leia-se, que não pretende casar com ela), dá um “mau
passo” muito mais difícil de remediar.
143
DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

Forçado pelos pais, o rapaz por fim se casa com


ela. Cláudia insiste em que agiu por amor e só casará por amor
e se for amada: ela luta por suas convicções mesmo que isso a
deixe em uma situação muito difícil. Ele afirma estar
apaixonado por ela, casa-se, retorna a São Paulo e morre em
um acidente de automóvel quando voltava para a cidade
dirigindo de forma irresponsável. Viúva, Cláudia começa a
ser cortejada por Raul, que sempre fora apaixonado por ela.
Ao contrário de Neide, ela ao menos teve a oportunidade de
viver de acordo com seus ideais, mesmo que para descobrir
se errada. E quando isso acontece, ela tem uma chance de
refazer sua vida. Aqui, a diferença é determinada pela classe
social e pela etnia.
Drama e tragédia estão contemplados na trajetória
de Cláudia e Neide. A comédia fica por conta de Ovídio, o
adolescente gorduchoeingênuo. É na narrativa de sua trajetória
que encontramos a inquietação sexual própria da idade, mas
ele confunde a atração que sente pela Dorcas, a empregada da
casa, com amor. Ele deseja casar com ela porque quer beijá-la
e fica espantado quando os amigos lhe dizem que ele pode
fazer uma coisa sem necessariamente fazer a outra. Embora
ingênuo, ele percebe a impossibilidade de seu “amor” por
Dorcas, uma vez que a mãe delejamais concordaria em receber
uma empregada doméstica na família. Mandado a convencer
um misantropo rico da cidade, conhecido por sua opção sexual
não convencional, a fazer um investimento no banco, ele é visto
entrando na casa por um dos fofoqueiros da cidade e sua fama
como homossexual se espalha. Ele não percebe o que está
acontecendo e, quando percebe, resolve ir para São Paulo,
indignado.
Por fim, temos a trajetória de Toninho. Ele resolve
trabalhar no único emprego possível em sua cidade, pois fez
um concurso em São Paulo, mas não foi aprovado. Decidido a
144
DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

fazer-se profissionalmente, ele luta contra as dificuldades


financeiras da família e encontra a única saída honrosa: trabalhar
como auxiliar de pedreiro. Toninho é alvo do amor de Neide,
mas não percebe o fato. Ele observa de longe Darlene, a
beldade da cidade. Orgulhoso demais para arriscar-se a se
aproximar dela e ser rechaçado, ele prefere não se expor. Ela
desperta nele um anseio que étambém físico, mas que a narrativa
apresenta como principalmente espiritual: ele está apaixonado.
Assim, como em uma peça de Shakespeare, os baixos instintos,
a atração sexual, são alocados no personagem que fornece a
nota cômica do romance; ao protagonista principal destinam
se o amor, as atividades do espírito.
No final do romance, chamado por um vizinho
que mora em São Paulo porque havia aberto uma vaga (não é
especificado que tipo de emprego: em um escritório,
provavelmente), ele embarca para a grande cidade, esperando
ter mais perspectivas de vida: um salário melhor, a possibilidade
de continuar estudando. São Paulo, de certa forma, coloca-se
como uma miríade de oportunidades. Mas essa miríade está
fora do alcance das personagens femininas. Nem Cláudia, viúva
e provavelmente casada novamente em breve, nem Neide, que
pretendia ir para São Paulo para ficar rica, tem essa
possibilidade a seu alcance. Dessa forma, o gênero é um
obstáculo mais intransponível que a classe social: Toninho,
apesar de tudo, embarca para a cidade grande e deixa para
trás as limitações e a estagnação da cidade natal.

Orientação para o professor

Se desejar fazer uma leitura desse romance como


um romance de formação, o professor deve ficar atento às
questões de classe, gênero e etnia presentes nele e, durante as
145
DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

atividades com os alunos, pontuá-las. Debater o livro é uma


forma de, ao mesmo tempo, dar voz à leitura dos alunos e
apontar algumas particularidades da obra em destaque. Além
do debate, é possível fazer oficinas em que a leitura do aluno
seja mobilizada.
Como o preenchimento de fichas de leitura já foi
colocado como insuficiente para cobrir a complexidade de
uma obra literária, é hora de apresentarmos outra alternativa.
Oficinas costumam ser uma atividade produtiva, porque
exigem o engajamento do leitor na produção de um texto que
se filia ao texto lido, parte dele e procura estabelecer as pontes
entre a obra literária e a vida do leitor. É sempre interessante
que a leitura de uma obra literária redunde na produção de um
texto, individual ou coletivo, pois isso possibilita ao leitor
compreender de forma mais clara aquilo que o texto pode
acrescentar a sua visão de mundo.
Assim, ao trabalhar com Quando florescem os ipês, o
professor pode solicitar que os alunos relatem oralmente uma
experiência pessoal formadora. Essa atividade pode ser
circunscrita pela solicitação de uma experiência determinada,
como formação escolar, por exemplo, ou pode ser menos
direcionada. No caso de optar por uma narrativa mais
direcionada, o professor pode solicitar que os alunos falem
sobre um professor ou uma aula que tenha sido marcante para
cada um dos alunos. Pode ser solicitado também que eles
narrem um momento particular em que sentiram que haviam
mudado de estatuto, como o momento em que o adolescente
ganha a chave da casa ou quando é incumbido pela família de
tarefas de maior atenção e responsabilidade, como pagar
contas ou cuidar de irmãos menores. Depois que todos se
manifestem oralmente, o professor solicitará que eles formem
grupos.

146
DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

Sugestão para oficina

Em grupo, os alunos deverão relatar uma


experiência formadora, relacionada com aquela que narraram
oralmente, agora por escrito. Essa atividade também pode ser
mais estruturada, com a escolha, ou indicação pelo professor,
de um relator para o grupo, responsável por escrever o texto
e depois lê-lo em voz alta, ou o professor pode deixar que os
grupos se organizem espontaneamente. Essa escolha
dependerá do grau de maturidade do grupo. Via de regra, a
narrativa resultante conterá elementos das narrativas orais dos
componentes do grupo. É importante que os alunos saibam,
em linhas gerais, o que é um romance de formação, pois eles
deverão escrever uma narrativa de formação.
Após a escritura das narrativas pelos grupos, o
relator deve ler em voz alta, de modos que todos os alunos
tenham acesso a todas as narrativas produzidas em classe. Essa
oficina pode ser aplicada a qualquer narrativa de formação
que o professor deseje ler com seus alunos.
A finalidade dessa oficina é fazer com que os alunos
percebam que a narração de um evento formador, parte do
romance a ser trabalhado, é algo que também acontece ou
aconteceu na vida deles. Idealmente, os alunos perceberão que
a literatura é relacionada com a vivência dos grupos em que
foi escrita e é lida e não uma coisa distante que só se faz acessível
aos acadêmicos e está fora do alcance do comum dos mortais.
Da mesma forma, eles irão se apropriar do texto que leram,
ao intervir nele e utilizar suas estruturas para falar de suas
próprias vidas, o que também cumprirá o papel de aproximar
a literatura do leitor. Oficinas literárias não formam
necessariamente escritores, mas seguramente, formam leitores
melhores, uma vez que o leitor, através da oficina, torna-se

147
DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

consciente das estratégias utilizadas pelo texto e, assim, capaz


de apreciar mais completamente o texto lido.

Referências

ALCOTT, Louise M. Little Women. Chicago: Dramatic Pub


Co, 1970.

ALENCAR, José de. O tronco do ipê. São Paulo: Ática, 1998.

BAKTHIN, M. M. Estética da criação verbal. 3. ed. São Paulo:


Martins Fontes, 2000.

COSSON, Rildo. Letramento literário: teoria e prática. São Paulo:


Contexto, 2006.

ELIOT, George. The Mill on the Floss. Oxford: Oxford


University Press, 1980.

FRAIMAN, Susan. Unbecoming Women. British Women Writers


and the Novel of

Development. New York: Columbia University Press, 1993.

GUERRA nas estrelas. Episódio I: a ameaça fantasma. Direção


de George Lucas, 1999.

GUIRALDES, Ricardo. Don Segundo Sombra. Porto Alegre:


LP&M, 1998.

HARDIN, James (ed). Reflection and Action. Essays on the


Bildungsroman. Columbia: University of South Carolina Press,
1991.
148
DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

JOSÈ, Ganymedes. Quando florescem os ipês. São Paulo,


Brasiliense, 1986.

KORNFELD, Eve; JACKSON, Susan. The Female


Bildungsroman in Nineteenth

Century America: Parameters of a Vision. Journalof American


Culture, v. 10, Iss 4,

1987.

LABOVITZ, Esther K. The Myth of the Heroine: the Female


Bildungsroman in the

Twentieth Century. New York: PeterLang, 1986.

LEE, Harper. To Kill a Mockingbird. London: Arrow Books,


1989.

MACEDO,Joaquim Manoel de. Amoreninha. São Paulo: Ática,


1977.

REGO, José Lins do. Menino do engenho. Rio de Janeiro, José


Olympio, 2003.

RODARI, Gianni. Gramática da fantasia. São Paulo: Summus,


1974.

149
VIII

APROPRIAÇÃO DE INOVAÇÕES
TECNOLÓGICAS NO TRABALHO
DOCENTE
ADLA BETSAIDA MARTINS TEIXEIRA
CLARINDO ISAÍAS PEREIRA DA SILVA E PADUA

Introdução

Este artigo baseia-se em resultados obtidos da


pesquisa sobre o processo de apropriação de novas tecnologias
pelos docentes. Investigar o processo de apropriação dos
recursos computacionais pelos/as docentes, bem como as
circunstâncias que os levariam a diferentes formas de incorporá
los, é o objetivo deste artigo. Para tal, contou-se com o apoio
de pesquisadores das áreas de micropolítica escolar – FaE
(Faculdade de Educação) e da Engenharia de Usabilidade-ICEx
(Instituto de Ciências Exatas), ambos da Universidade Federal
de Minas Gerais. A área de Engenharia de Usabilidade
possibilitou respostas quanto às questões de interação do
usuário propiciada pela interface do software, buscando-se a
eficácia e a eficiência desta interação. A área da micropolítica
escolar buscou compreender as relações de poder (do uso
formal ou informal) que se estabelecem entre os sujeitos na
comunidade escolar para atingir seus interesses (BLASE;
ANDERSON, 1995). Dessas relações, procurou-se
compreender as várias representações sobre a docência e sobre
o papel da escola, configurando-se, também, em resistências
às mudanças. Sabe-se que as organizações escolares são

151
DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

atmosferas ricas em subjetividades e personalismos


desenhando, significativamente, os sujeitos, suas identidades
individuais e coletivas (BALL, 1987). Portanto, dessas áreas
de investigação científica, foi possível melhor elucidação das
questões aqui propostas.
Nas organizações escolares, as resistências
individuais ou de grupos são responsáveis pelos mal-estares,
conflitos ou crises. Identificar e refletir sobre esses aspectos
possibilita identificar formas de superar situações que empeçam
a função efetiva da escola. A análise de qualquer instituição
deve considerar não apenas a história institucional, mas a
história produzida pelas relações humanas “que confrontam
sua essência, na trama simbólica e imaginária em que alimentam
seus significados” (TEIXEIRA, 1998).
Ainda, mesmo hoje tendo acesso ao Ensino
Superior, a participação de mulheres na produção de
conhecimento e no ensino das áreas tecnológicas está aquém
da presença de mulheres no ensino superior (INEP, 2007).
A população feminina brasileira, em média, com
escolaridade superior a dos homens, apresenta desempenho
superior em atividades de leitura e escrita, ao passo que os
homens se destacam nas habilidades matemáticas1. Nesta
mesma tendência, vemos as preferências por áreas nos registros
das matrículas no ensino superior: alto número de mulheres
matriculadas nas áreas de humanas e de homens nas áreas exatas.
Ademais, apesar de crescente o número de mulheres na
educação superior, elas ainda são minoria nesta carreira.
O mesmo ocorre em outros níveis de ensino.
Segundo pesquisa do INAF (2008), há acentuada segregação
das meninas e dos meninos com relação às preferências por
conteúdos escolares2. Uma análise apressada atestaria a natural
habilidade das meninas para áreas de Ciências Humanas e dos
meninos para áreas de Ciências Exatas. No entanto, uma análise
152
DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

mais aprofundada coloca em dúvida tal interpretação.


Atentando-se aos processos de socialização pelos quais passam
as crianças, da mais tenra idade até os anos escolares, verifica
se que a segregação dos sexos segundo áreas específicas não é
tão naturalassim. Na verdade, a escola estabelece não apenas
lugares para meninos e meninas, mas também reforça a
distinção de padrões físicos e mentais de acordo com o sexo
da criança. Desse modo, logo as crianças (meninos e meninas)
são levadas a desenvolver gostos por certas áreas e desgostos por
outras. Estimuladas, nestes ambientes escolares, a ocupar
lugares, funções, enfim papéis gendrados no processo de ensino
e aprendizagem. Estudos (THORNE, 1993), por exemplo,
mostram o alto desempenho de meninos nas áreas de Ciências
Exatas influenciados pela interação estabelecida com o
professor-aluno, ou mesmo, a ineficiência de certas
metodologias de ensino adotadas à aprendizagem de meninos
ou de meninas (SADKER; SADKER, 1986; TEIXEIRA et
al, 2008).
Neste sentido, este artigo busca sensibilizar os
profissionais do ensino sob quais circunstancias a desigualdade
de gênero se configura nos vários ambientes escolares.

Metodologia

Para este estudo, foram selecionadas duas escolas


da Rede Municipal de Belo Horizonte onde a experiência de
uso de computadores já se fazia presente há pelo menos um
ano. Uma delas faz parte do projeto-piloto de informatização
das escolas municipais (Escola A) e a outra iniciou a experiência
a partir do interesse de seus professores desta escola (Escola B).
Definidas as amostras, todo o processo de
investigação das escolas (entrevistas, preenchimento de
questionários e observação das aulas) foi previamente discutido
153
DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

pelos pesquisadores com os respectivos diretores.


Quanto às entrevistas, foram desenvolvidas
entrevistas semi-estruturadas com docentes cuja prática se dava
com o auxílio dos laboratórios de informática. Também foram
realizadas entrevistas com os/as “professores/as
multiplicadores/as” (coordenadores de laboratórios) e com
diretores/as das escolas. Adotou-se o recurso de questionários
semi-abertos nos casos de indisponibilidade dos/as docentes
para entrevistas. Contou-se, ainda, com outras fontes de
informação como observações de aulas; uso livre dos
laboratórios de informática; atendimento aos encontros/curso
promovidos pela na Secretaria Municipal de Educação de Belo
Horizonte; além de reuniões com os responsáveis técnico
pedagógico pelo funcionamento dos laboratórios de
informática nas escolas em estudo.

Resultados e discussões

Embora este estudo retrate a experiência de


informatização do ensino em apenas duas escolas da Rede
Municipal, muito contribui para melhor entendimento do
processo de apropriação de novas tecnologias no trabalho
docente. As análises mostram que o uso da informática nas
escolas necessita de ações não só em termos de organização
da própria escola como também políticas. No nível político,
vê-se a necessidade de criação de políticas mais bem definidas
sobre formação docente, uma vez que o novo contexto exige
uma re-significação do papel do docente cuja formação se dê,
especificamente, no local de trabalho. As ações existentes hoje
são pulverizadas e não atingem todos os profissionais da rede.
Adiciona-se a isso a descontinuidade de propostas de formação
e fomentos para sustentar tais inovações no sistema educacional.
Esquecem que a aquisição de tal conhecimento não dá em
154
DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

apenas um curso; por outro lado, demanda também processo


de descoberta autônoma, fruto da curiosidade e das
necessidades que vão se configurando para à medida que o/a
usuário/a faz uso dos recursos tecnológicos. Enfim, a formação
técnica é facilmente esquecida quando o/a profissional, no caso
o/a professor/a, não tem acesso aos recursos computacionais.
No âmbito da escola e, especialmente, da sala de
aula, tornam-se necessárias mudanças na organização do
trabalho escolar (hora/aula, espaço sala de aula, currículo,
redimensionamento da relação professor-aluno). Tais
dimensões, já apontadas em estudos anteriores, revelam que o
ensino, na era tecnológica, carece de infra-estrutura mínima,
ou seja, não meramente acesso aos recursos tecnológicos por
docentes e discentes, mas também preparação do universo
escolar para enfrentar os desafios do novo contexto.
Ainda no nível das Políticas Educacionais, pouca
atenção tem sido dada a micro-política da organização escolar,
elemento que se mostra decisivo no pleno desenvolvimento
da informatização do ensino. Por micro-política entenda-se a
relação de poder entre indivíduos e grupos que buscam
maximizar seus valores e interesses nesta arena de trabalho.
Tais disputas por territórios têm impedido, de maneira
irresponsável, quaisquer mudanças nas escolas.
Nas realidades escolares investigadas, apesar de se
destacarem das outras da Rede Municipal de Belo Horizonte,
em termos de uso das novas tecnologias de ensino, o uso dos
recursos computacionais ainda é precário. Seria injusto apontar
apenas a má formação técnica dos/as docentes ou desinteresse
como elementos responsáveis pelo mau uso da informática
como recurso didático (apesar de muitos/as docentes
relatarem não saber o que fazer com as várias possibilidades
dos recursos de informática) como responsáveis pela inserção
da computação na escola. Afinal, foram destacados, nas escolas,
155
DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

problemas de ordem técnica, escassez de recursos e,


especialmente, dificuldade de diálogo profissional da escola
com gestores técnicos. Tais elementos foram identificados
como causadores principais da desmotivação dos/das
docentes.
Com referência aos problemas de ordem técnica,
verificou-se que não resultaram apenas da inevitável curiosidade
humana, quando, então, o usuário altera a máquina devido ao
desejo de dominá-la. Por outro lado, os problemas técnicos
derivavam da indefinição do funcionamento (alteração na
programação, alteração constante de login, inexistência de
senha pessoal/identidade do usuário) ou de máquinas
obsoletas (computadores, impressoras). Tais problemas
frequentemente modificavam e atrasavam o trabalho planejado
pelos/as docentes, causando grande decepção nos alunos e
nos próprios docentes. Esses transtornos afastavam ainda mais
os/as docentes dos laboratórios.
Quanto à escassez de recursos, verificou-se que o
funcionamento dos laboratórios de informática, com
frequência, dependia da boa vontade e sacrifícios pessoais de
docentes e mesmo de alunos (monitores). Isso inclui horas
extras de trabalho não-remunerado, compra de material de
consumo com dinheiro próprio e doação de material
permanente. A tradição de doação e vocação para o
magistério, características fortemente adscritas à condição
feminina, persistem. Tais características que remetem às
questões de gênero têm dado certa especificidade à experiência
de informatização do ensino.
Outro aspecto limitante à proposta de
informatização na escola refere-se ao comportamento dos/as
docentes e de outros profissionais. Vê-se a necessidade de
modificar a ideia de obrigatoriedade pela ideia de convencimento
dos/as docentes, realçando as vantagens da adoção dos novos
156
DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

recursos tecnológicos no processo de ensino. Usualmente, as/


os docentes são identificados como resistentes, como
tradicionais, e, portanto, necessitam serem levados a aceitar esta
nova realidade. A resistência é entendida como mera resistência
ou má vontade. Entretanto, resistir pode ser o resultado de
uma avaliação profissional negativa de uma inovação, que claro,
poder ser resultado da ignorância, da inexistência de
informação suficiente que o/a convença a mudar.
Vale lembrar, nesse ponto, que a cultura profissional
frequentemente é desconsiderada. Os profissionais da escola
geralmente reclamam de não ter direito de opinar sobre
mudanças. Como em qualquer outra profissão ou ocupação,
as/os docentes possuem um corpo de conhecimento e
experiências que os orientam em suas decisões. Por mais
tradicionais que sejam, essa bagagem deve ser levada em conta.
Desprezar a avaliação profissional de cada um gera a crença
de que certas práticas pedagógicas são mais efetivas que outras
e, consequentemente, essa atitude gera resistências a outras
propostas. Quando a resistência não pode ser declarada,
ocorrendo silenciosamente, ocasiona a falsa impressão de que
tudo funciona como planejado.
Todavia, nas entrevistas, as/os docentes revelaram
capacidade de avaliação profissional ao descreverem seus
sentimentos de angústia ante soluções sempre irresponsáveis,
propostas a cada governo para a educação, propostas que não
se concluem devido aos problemas de sempre: falta de
recursos, de formação e de informação, de continuidade e de
compromisso.
Interessante ressaltar que, apesar das críticas ao uso
de informatização das escolas, o sentimento de desânimo era
menos intenso naquelas/es docentes que desenvolviam projetos
nos laboratórios. Embora nas duas escolas houvesse docentes
utilizando o laboratório de informática, nem todos estavam
157
DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

satisfeitos. Aparentemente, a diferença estava na maneira pela


qual o laboratório era utilizado. Assim, na Escola A, onde se
detectou maior índice de satisfação, os projetos eram
desenvolvidos pelos docentes em concordância com os
coordenadores do laboratório. Na escola B, a insatisfação era
significantemente maior e foi observada falta de clareza quanto
ao uso do laboratório. Além disso, as/os docentes gozavam
de pouca autonomia para usá-lo. Por outro lado, ele ficava
frequentemente interditado por problemas técnicos.
Mas, certamente há outros motivos para a
resistência docente às mudanças. Pode decorrer, também, da
presença, nas escolas, de indivíduos e grupos que buscam
maximizar seus interesses e valores e acabando por impedir,
de maneira irresponsável, as mudanças necessárias às novas
demandas nas escolas. Assim, muitos confrontos resultam da
falta de diálogo entre escola e proponentes de serviços: de um
lado, o mundo do magistério, do humano, do feminino e, do
outro, o do técnico, do racional, do masculino. A
estereotipagem se traduz em comentários dos técnicos que
associavam as dificuldades dos/as docentes e suas resistências
à condição de ser professora. O estereótipo da professora vista
como tia ainda preenche o estreito imaginário dos técnicos e
acabam por limitar as possibilidades de diálogo. Desse modo,
comunicação, informação e formação deficientes
comprometem o uso dos novos recursos tecnológicos nas
escolas. A situação torna-se ainda mais precária ao se constatar
que os laboratórios de informática padecem de recursos e
passam a depender da boa vontade e sacrifícios pessoais de
docentes e mesmo dos alunos (monitores). Esse chamado para
a doação e vocação na escola corresponde às expectativas
tradicionalmente dirigidas às mulheres professoras, o que tem
dado certa especificidade à experiência de informatização do
ensino.
158
DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

Com efeito, o estudo aponta diferenças nas formas


de apropriação de novas tecnologias por professores e
professoras. Assim, o número de professoras que faziam uso
dos recursos de informática foi significativamente menor que
o de professores. Também diferenças de apropriação dos
recursos tecnológicos foram percebidas ao observar o
desempenho dos/as docentes ao usar o computador. Os
professores eram mais ousados em seus projetos, mostravam
maior desenvoltura e conhecimento sobre os novos recursos
de informática. As professoras sempre se desculpavam por
desconhecerem o vocabulário computacional.
A propósito, relatos das professoras mostram o
ambiente doméstico (privado) como o local onde aprendem
a utilizar recursos computacionais: em casa, com o auxílio de
filhos e maridos. Entretanto, aquelas professoras que venciam
a barreira da ignorância quanto aos conhecimentos
computacionais, em geral, mostraram-se tão seguras quanto
os professores. Diferentemente, os professores diziam-se
autodidatas, formavam sozinhos, movidos pela curiosidade,
aprendendo em feiras de informática ou em trocas de
informações com amigos. Os professores mostraram-se mais
interessados e com maior intimidade com o vocabulário
computacional. Talvez, tal familiarização se deva à socialização
dos homens aproximá-los das máquinas (de carrinhos a
computadores). Assim, a maior adesão ao uso de
computadores por homens pode ser entendida também como
continuação desta natureza para operarmáquinas.
No caso das professoras, talvez o aprendizado no
ambiente doméstico ocorra em virtude de fatores como tempo
(impossibilidade de deixar o lar para cursos) e mesmo das
prioridades de gastos com suas famílias. Com frequência, as
professoras relatavam que seus cônjuges e filhos atenderam a
cursos de informática pagos e, posteriormente, ensinaram a
159
DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

elas. Assim, no âmbito doméstico, com filhos e maridos, é que


as mulheres têm acesso à linguagem computacional já
interpretada, familiarizada. Esse estranhamento parece afastar as
professoras do aprendizado e uso dos novos recursos
tecnológicos em suas vidas. A socialização da mulher ainda as
afasta do mundo das máquinas (assim como das respectivas
tarefas, ADLER; LANEY; PACKER, 1995). Em resumo: a
especificidade da socialização feminina conjugada à forma de
aprendizagem dos recursos tecnológicos reservada à mulher
são aspectos importantes que devem ser levados em conta na
análise da informática no magistério constituído, basicamente,
por mulheres.
Da mesma forma, os/as docentes reproduzem suas
condições de aprendizagem nos/as discentes, perpetuando
uma lógica segregacionista de funções entre os sexos. Nos
laboratórios de informática, o tratamento dos/as docentes
dispensado para meninos e meninas é diferenciado. Exige-se
menos das meninas, tratam-nas com maior paciência quando
cometem erros. Contrariamente, os meninos são tratados com
impaciência e incentivados a adquirir atitudes mais autônomas.
O vocabulário dos/as docentes apresenta elementos do
universo masculino (nos exemplos, nas brincadeiras). Assim,
“macho” e “fêmea”indicam complementaridade. Há também
piadas e comentários profanos sobre mau uso de teclas, nas
mensagens de e-mail. Na verdade, esses comentários em nada
influem, efetivamente, no uso dos computadores, mas
revitalizam padrões de comportamentos para meninos e
meninas; criam imagens sobre usos para meninos e meninas;
sugerem mensagens de adequação. Os espaços dos laboratórios,
assim como os escolares, também segregam os sexos de acordo
com as tarefas. Um exemplo é a presença dominante de meninos
como monitores de informática. Como a seleção desses
monitores não foi observada, infere-se, apenas, que a

160
DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

inexistência de meninas-monitoras e, talvez, a baixa


participação de professoras não se devam ao mero acaso.
Assim, meninos e meninas são expostos a diferentes modelos
de aprendizagem: meninas, o de dependência, e meninos de
autonomia. Isso talvez esclareça o porquê de professores e
professoras responderem diferentemente às inovações e
conhecimentos trazidos para as escolas.
Com referência à adoção de recursos
computacionais na escola, as opiniões dos entrevistados não
divergiram. Segundo os entrevistados, os recursos
computacionais não eram a única solução para a melhoria do
processo de ensino, mas apenas “mais um recurso didático”.
Se por um lado esse discurso soe animador, por outro deve
desconfiar-se de tal uniformidade, pois indica repetição de
jargões e revela superficialidade nas análises quanto ao uso ou
impactos dos recursos computacionais no trabalho docente.
Seu uso, às vezes, associa-se à fuga não somente de alunos da
apavorante rotina da sala de aula. Assim, professores apostam
na mudança sem entendê-la.
Além da superficialidade dos discursos nas
entrevistas, os docentes apontaram alguns aspectos que
impossibilitam o uso da informatização nas escolas que
merecem consideração: as precárias condições de trabalho
das/os docentes, as limitações de tempo escolar, a organização
escolar com pouca ou nenhuma flexibilidade real e a
inadequada formação docente.
De fato essas dificuldades foram encontradas nas
escolas e acabaram por limitar a própria pesquisa. Assim, a
Escola A contava com o apoio da Microsoft que enviava,
gratuitamente, alguns softwares para uso da escola. De certa
forma, a escola se tornava um “berçário” para os produtos da
Microsoft. Entretanto, as dificuldades ainda eram muitas,
principalmente, com relação à falta de material de consumo e
161
DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

apoio técnico. A Escola B participava do Projeto LabFust/


Computador Popular, com gestão de professores do
Departamento de Computação/ICEX-UFMG.
Como se vê, as condições de apropriação de novas
tecnologias divergiam enormemente entre as duas realidades
escolares visitadas. Na Escola A, a experiência era mais
dinâmica e apresentou resultados positivos. Apesar de nem
todos os/as docentes desenvolverem projetos no laboratório,
notou-se um maior comprometimento e interesse em fazer do
laboratório de informática um recurso didático útil para o
processo de ensino. Muito do sucesso desse laboratório
dependia da empolgação de uma professora que o mantinha.
Ela fora eleita diretora sua durante o período de coleta de
dados para a presente pesquisa. Essa escola desfrutava de maior
liberdade nas decisões, dinamizada pela diretora e um pequeno
grupo de docentes.
Na Escola B, a situação era desanimadora para as/
os docentes. Apesar da realização de reuniões entre
profissionais da escola e coordenadores externos do projeto a
escola (técnicos), pouco avançavam os diálogos. Os/as
docentes sentiam-se incompreendidos, negligenciados. Havia
um clima de tensão entre gestores técnicos, professores
multiplicadores e demais docentes. Frequentemente o
laboratório não podia ser utilizado em virtude de problemas
técnicos. Diferente dos/as docentes da Escola A onde se
trabalhava com projetos previamente discutidos com o colega
coordenador do laboratório; na Escola B, o trabalho não
desenvolvia plenamente. Várias críticas eram apontadas
dificultando a autonomia docente para uso do laboratório.
Enfim, o que se viu na Escola B foi um abismo entre gestores
técnicos e profissionais: cada qual em seus mundos, sem alterar
rotinas. Eis uma situação presenciada nessa escola que
exemplifica a falta de comunicação no uso do laboratório:
162
DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

quando um aluno deficientemental optou por sua senha (maçã).


O teclado não dispunha da tecla “ç”. O docente, sem opção,
orientou que ele usasse a palavra “maca”, mas pensasse na
palavra “maçã”. Segundo o docente, esse tipo de problema já
havia sido relatado aos gestores técnicos, mas nada havia sido
modificado.
Esse exemplo evidencia as dificuldades de se
estabelecer diálogo entre técnicos (no caso da área tecnológica)
e escola e de entendimento e atendimento das especificidades
do ambiente escolar. Fato é que no caso supracitado, o usuário
teve que se adaptar à máquina e não o contrário.
Outros problemas do mesmo porte ocorriam,
constantemente, como: perdas acidentais de trabalhos dos
alunos (pois não tinham como proteger suas produções),
mudança constante de “login” e senha. Em contrapartida, os
gestores técnicos mostravam-se bastante irritados com as
reclamações, principalmente quando os alunos modificavam,
por acidente ou não, as configurações das máquinas. Critica
se, aqui, a atitude dos gestores que priorizavam aspectos
técnicos e ignoravam as necessidades das escolas e de seus
usuários.
Tais atitudes geravam grande insegurança e
insatisfação entre as/os docentes que recebiam, com
desconfiança a mais, a nova mudança na escola advinda do
uso da informática. Tanto os/as docentes que rejeitavam como
os que aceitavam as inovações tecnológicas possuíam um
discurso pouco reflexivo. Tudo parece ser uma questão de fé.
Apesar da inovação, os dois grupos mostraram-se, em termos
processo de formação do ser humano e aquisição de
conhecimento, bem tradicionais a ponto de barganharem
desenvolvimento das disciplinas por idas aos laboratórios de
informática. Seus ideais tradicionais é que ainda orientam a
formação intelectual, sustentando hábitos profissionais

163
DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

antiquados. Daí impedem mudanças necessárias e limitam a


avaliação profissional criteriosa.
Em suma, a inovação tecnológica, especificamente
o uso de computador e suas ferramentas, tem desnorteado o/
a docente. O desconforto se traduz em críticas ao “excessivo”
interesse dos alunos pelos laboratórios de informática,
causando desinteresse e indisciplina pelas atividades
desenvolvidas fora do laboratório. De fato, os laboratórios
eram os ambientes da escola menos depredados. O interesse e
cuidado dos/as alunos/as que se enfileiravam para as aulas no
laboratório, destoavam de outras aulas. Esses fatos alteram as
crenças dos/as docentes e fomentam inquietação e
questionamento. O autoritarismo mostrou-se ineficiente para
enfrentar hábitos peculiares. O diálogo precisa ser iniciado!

Conclusão

Apesar de todas as conquistas sobre a adoção de


novas tecnologias no processo de ensino, ainda são grandes os
desafios para sua efetiva apropriação pelos docentes. As
especificidades culturais das organizações escolares, bem como
as políticas adotadas para a escola, mostraram-se como
importantes elementos que precisam ser considerados para que
a escola assuma, de fato, a informática. A organização escolar
é um espaço de resistências, de lutas por poderes entre
indivíduos e grupos, com hábitos peculiares e corpo de
conhecimento profissional que precisam ser convencidos com
argumentos bem justificados para aderirem às exigidas pelo
novo contexto.
A resistência é uma das expressões mais comuns
desta “microordem” escolar, em especial, a resistência aos
gestores técnicos (externos). Ficou claro que os profissionais
da área técnica necessitam compreender melhor as demandas
164
DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

e especificidades escolares, desenvolvendo posturas em


concordância com os profissionais do ensino. Acima de tudo,
é preciso reconhecer que os/as docentes também farão seus
julgamentos profissionais e, com base nesse julgamento,
poderão rejeitar mudanças.
Por outro lado, informatizar o ensino significa
também pensar nos professores responsáveis pelo ensino/
aprendizagem de seus alunos. Sabe-se que professoras e
professores ainda gozam de diferente status no ambiente de
trabalho, diferem-se em comportamento, em socialização e são
ativos na produção e reprodução de valores. Sabe-se, também,
que as questões de gênero definem fortemente as formas como
os/as docentes vêem e realizam seu trabalho (TEIXEIRA,
1998). A apropriação de novos recursos tecnológicos na escola
é também influenciada por essas questões. Nesse sentido, o
“desinteresse” das professoras pelos recursos computacionais
parece reproduzir uma socialização que, consequentemente,
as distancia do mundo das máquinas, tendendo a atitudes de
medo e de maior estranhamento se comparada a seus colegas
(professores). Desse modo, as professoras parecem responder,
com maior timidez e insegurança, a adoção de recursos
computacionais em suas rotinas. Por outro lado, uma vez que
dominem tais ferramentas, elas romperão significativamente
com suas posturas.
Diante do exposto, conclui-se que, sendo o
magistério ainda composto majoritariamente por mulheres,
parece importante resolver o estranhamento entre mulheres e
máquinas. Uma forma de amenizar tal situação seria
disponibilizar o uso desses equipamentos de informática para
uso doméstico. Aceitação e apropriação de novas tecnologias
poderiam ocorrer de maneira mais completa para as
professoras, visto que a aprendizagem delas tem ocorrido,
prioritariamente, no âmbito doméstico. Respeitada essa
165
DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

característica, os cursos externos teriam caráter complementar,


vencendo as primeiras resistências.
Com relação ao aspecto infra-estrutural, não se
pode alimentar a expectativa de que os projetos educacionais,
neste caso de informatização das escolas, aconteçam à custa
de sacrifícios e recursos pessoais de docentes e demais
profissionais nas escolas.
A presença de mulheres nesses postos parece
“naturalizar” essa expectativa, recuperando uma tradição de
missão e do “cuidado” do magistério.
Outro aspecto que deve ser ressaltado, aqui, refere
se a ideia de “obrigatoriedade”, ou seja, do/a docente ter que
adotar inovações no seu trabalho. Essa ideia deve ser re
significada, principalmente, com relação aos gestores. Em seu
lugar, deve ser trabalhada a ideia de “convencimento”.
Convencer significa respeitar o direito dos/as docentes a
exercerem seu julgamento profissional e de valer-se de suas
experiências para discutir mudanças no seu trabalho. Hoje, não
é possível imaginar que se queira modificar a escola com atitudes
autoritárias, mesmo que justificadas como sendo para o bem
maior. A geração atual de docente, apesar de ainda explorada
e consciente de sua vocação “vocacionada”, não aceita mais
ser tratada como trabalhador de fábrica, programável.
Entender o trabalho docente como uma atividade intelectual
faria dos gestores mais solidários e, provavelmente, mais
simpáticos às resistências das/os docentes. Obrigaro/a docente
a mudar suas práticas significa intensificar resistências
(explícitas ou implícitas). A resistência silenciosa, uma tradição
feminina, é também característica desta profissão. Tais
resistências veladas podem criar a ilusão de progressos e
sucessos, dificultando a identificação de problemas e insucessos.
Por fim, a dimensão emocional, vivida nas
organizações escolares com seus conflitos, lutas, divisões de
166
DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

grupos e diferenças ideológicas, apresenta elementos que


influenciam grandemente o comportamento docente e, mesmo
qualquer proposta de inovação do ensino (TEIXEIRA, 2001).
Da mesma forma, a apropriação de novas tecnologias por
docente demanda melhor compreensão dos múltiplos fatores
da organização escolar, de seus mitos, concepções, histórias,
símbolos, crenças divididas, partilhadas, além de acordos
estabelecidos em prol da realidade escolar. Não se pode admitir
uma escola que segregue conhecimentos e aprendizagem
segundo os sexos.

Sugestão para oficina

Caro/a professor/a, oriente seus/suas estudantes


para que respondam individualmente as questões 1 e 2
O artigo acima devera ser lido somente após
responder as questoes 1, 2 e 3.

1. Procure se recordar de situações (familiares e escolares)


em que você foi presenteado/a e ensinado/a (estimulado/
a) a utilizar máquinas (o carro da família, aparelhos elétricos,
filmadoras, computadores, DVD, outros equipamentos)?
Liste, num papel, 5 delas.
2. Atualmente, quais as máquinas ou aparelhos eletrônicos que
você comprou e domina o uso (plenamente)? Liste, num
papel, 5 deles.
3. As respostas das questões 1 e 2 deverão ser registradas no
quadro da seguinte maneira: divida o quadro em duas
partes, registrando, num dos lados, as respostas dos meninos
(homens) e, noutro, as respostas das meninas (mulheres).
Após o registro, conduza a turma (deixe que os/as
estudantes observem, direcione com questões: O que vocês
percebem aqui? Há algo de estranho nesta divisão?) à
167
DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

reflexão sobre a relação entre objetos e posses e a


segregação destes por sexo. Os/as estudantes não precisam
ter uma resposta única. Deixe que se expressem, que
realmente digam o que pensam. Registre as respostas no
quadro.
4. Neste momento faça a leitura do artigo acima. O texto
permitirá a realização de reflexões e críticas sobre as várias
formas de segregação de papéis, lugares, posses para
estudantes, mas também para professores e professoras na
escola. O texto ajuda a realizar a crítica sobre a construção
social daquilo que vemos como ‘coisa de homem ou coisa de
mulher’. Lembre-se de que a escola contribui
significativamente na consolidação destas percepções, à
começar pelas atitudes dos/as docentes.
5. Em um grande círculo, leia novamente as respostas
registradas no quadro. Discuta com seus alunos e alunas
sobre os aspectos negativos da discriminação e segregação
sexual para suas vidas (pessoal, acadêmica, profissional).

Notas

1 Dados do Ìndice de Alfabetismo (INAF) – período entre 2001


2005.
2 Segundo análise do INAF - Índice Nacional de Alfabetismo/Brasil/
por gênero, 2001-2005 - esses resultados podem ser explicados pelo
fato das mulheres se dedicarem mais a leitura. Já os homens se
destacam em numeramento por se incubirem, em geral, das
atividades de controle do orçamento e consumo doméstico e, por
consequência, dos postos que exercem no mercado de trabalho.

168
DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

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169
DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

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THORNE, Barrie. Gender Play: Girls and Boys in School.


Rutgers University Press. Buckingham, 1993.

170
IX

A MULHER NA VOLTA À ESCOLA:


A QUESTÃO DE GÊNERO NA
SALA DE AULA DE EJA.
CARMEM LUCIA EITERER
ISAMARA GRAZIELLE MARTINS COURA

Introdução

Apresentaremos algumas reflexões ancoradas em


depoimentos e dados de pesquisa que integram a Dissertação
de Mestrado de Isamara G. Coura (2007 - Faculdade de
Educação - UFMG). A investigação realizou-se junto a alunas
acima de 60 anos, matriculadas na EJA, no Programa de
Educação Básica de Jovens e Adultos da UFMG, junto ao Proef
2 e Pemja, ou seja, etapas de conclusão do Ensino Fundamental
e Ensino Médio1.
Esse artigo visa iluminar a ação pedagógica a partir
de suas expectativas e projetos dessas mulheres em relação à
escola. Cremos que o educador/educadora de EJA,
conhecendo a importância que essas mulheres atribuem ao
retorno à escola e, mais ainda, tomando contato com os modos
segundo os quais construíram suas trajetórias de vida, possa
auxiliá-las a redimensionar o saber escolar a partir de seus
próprios saberes.
Os dados das Organizações das Nações Unidas
indicam que dos 867 milhões de adultos analfabetos no mundo,
550 milhões são mulheres. No caso brasileiro, especificamente,
as mulheres na chamada terceira idade tem suas trajetórias
171
DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

escolares (ou a falta dela) marcadas por histórias de pobreza,


discriminação e exclusões sociais, principalmente de gênero.
Muitas estão limitadas à condição de apenas escrever o próprio
nome, poucas concluíram até a quarta série do primário.
Apesar da falta de conhecimentos escolares, estas mulheres
sobreviveram, mesmo que precariamente, no mercado de
trabalho, constituíram e sustentaram famílias, cuidaram dos
outros e de si. E ainda que cumprindo com todos estes papéis
sociais esperados das mulheres, em seus relatos, percebe-se o
quanto o saber escolar lhes faltou, causando constrangimentos,
dependências, limitando suas atuações sociais, enfim, levando
a que se auto avaliem como cidadãs incompletas (TEIXEIRA,
2009).
A escolarização parece ter grande impacto na vida
destas mulheres. É recorrente no discurso delas a falta que faz
a escola: para auxiliarem nos estudos de seus filhos, para a
realização de tarefas do cotidiano como preencher cheques,
para alcançar melhores postos de trabalho, em atividades em
prol de suas comunidades, ou mesmo para compreender
melhor o mundo em que vivem.
A visão que a Elvira2 tem de sua vida antes de
escolarizar-se é algo que nos chama a atenção, uma vez que até
chegar ao Proef, ela nunca tinha frequentado a escola. Sabia
assinar o seu nome, o que aprendeu ainda na fazenda quando
criança. Relata sua história de luta para criar os filhos com
dignidade e oferecer uma boa escolarização. Demonstra que
até mais que no mundo do trabalho, a escolarização lhe faltou
no seu dia-a-dia, na realização de tarefas básicas, como a escrita
de cheques, ou mesmo em atividades sociais, como receber os
amigos de seus filhos em sua casa. Causava-lhe um enorme
constrangimento, levando-a a esconder-se na cozinha para não
conversar com as visitas.
Os filhos são um tema que prevalece na fala dessas
172
DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

senhoras, figurando também como elemento importante na


busca por uma maior escolarização. Claudina3 apresenta a
angústia vivida por não se sentir apta a contribuir pessoalmente
nos estudos deles, e sim, através de pagamento de aulas
particulares. Mais ainda, amedrontava-se ao assumir uma
substituição em um cargo de chefia na prefeitura de sua cidade
diante de suas limitações. Sofrendo frente à hipótese do
surgimento de alguma eventualidade que não soubesse resolver,
sem ter o que ela chamou de “cultura”. Sentia-se insegura,
aterrorizada frente à possibilidade das dificuldades no trabalho,
de modo que, o domínio dos conhecimentos técnicos
necessários para a realização da função não eram suficiente
para convencê-la de sua competência.
As senhoras em questão compartilham uma
percepção construída sócio-culturalmente de que a
escolarização valida saberes tornando possível um sentimento
de autoconfiança. Não obstante, a escolarização mostra-se
como elemento importante para “transformar”
comportamentos femininos, inclusive para a sua sobrevivência
no mercado de trabalho. Este sentimento de autoconfiança
torna-se importante na mudança da condição feminina nos
ambientes privados ou públicos (TEIXEIRA, 2009).
Parece comum que as pessoas reconheçam a
educação escolar como requisito básico para responder às
exigências do mercado de trabalho e, sobretudo, como
possibilidade de romper com as condições de pobreza familiar
(ZAGO, 2000, p. 24). Neste sentido, a falta de escolarização
para mulheres coíbe suas já precárias oportunidades no
mercado de trabalho. Para muitas mulheres, como no caso de
Claudina, permanece a crença em que o saber escolar lhe teria
garantido uma carreira mais promissora na política em sua
cidade.
Para além da conquista de melhores postos de
173
DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

trabalho, a ausência de oportunidades de escolarização


interferiu profundamente nas vidas das mulheres entrevistadas,
inibindo nelas uma participação social plena como indivíduos
de direito. Neste sentido, “a não escolarização (quantidade e
qualidade) torna-se uma infração aos direitos humanos na
medida em foi negado as estas pessoas o acesso a informações,
aos conhecimentos que as habilitasse para tomar decisões,
enfim, restringindo seus direitos de decidir” (TEIXEIRA,
2009). O caso de Perpétua mostra esses muitos momentos -
comum nos outros relatos - em que viu suas ações limitadas
pela falta de conhecimento escolar (especificamente habilidade
básicas de leitura e escrita). Esses exemplos vão desde a sua
atuação como catequista até uma viagem internacional, que
ganhara de presente do marido:

Eu fiz uma viagem e essa viagem me deixou uma alegria


muito grande e ao mesmo tempo frustrada. [...] Fui pra
Grécia, lá em... na Espanha, tive três dias na Espanha...
Então nessa época eu falei assim: “Oh meu Deus, porque
eu não sei um pouco mais”, principalmente o inglês, né?
Então, essas coisas todas deixam a gente muito frustrada,
né? Então eu falei assim: “Eu não vou morrer sem estudar
não” (risos). Foi assim, vinte e dois dias lá na Europa
maravilhoso pelo fato de eu estar passeando [...] mas
assim, por tudo que o guia explicava eu prestava muita
atenção, mas eu acho que o meu proveito seria muito
maior se eu tivesse assim, mais um pouco de instrução,
entendeu?
Para Perpétua, a sua baixa escolaridade lhe privou
de aproveitar melhor aquele presente. Novamente aparecem
os sentimentos de frustração, constrangimento e impotência,
de não se sentir devidamente preparada para estar naquele lugar. A
viagem, com isso, tornou-se para ela o elemento que a

174
DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

impulsionou na volta para a escola. Sobre isto Llosa afirma:

Se puede sostener como hipótesis que la


necesidad educativa subjetiva en tanto
percepciones de una “trayectoria educativa
truncada” está “latente” o es ‘insipiente’ en la
mayoría de los casos, pero se torna “acuciante” o
“emergente” cuando se reconoce a las carencias
educativas como factor de riesgo de exclusión de
alguna área de la vida cotidiana que el individuo
a partir de su história y su contexto personal y
social señalan como significativa (sea lo laboral,
lo participativo, etc.). (LLOSA, 2000, p. 16-17)
Na época da entrevista, em seu segundo ano do
PROEF II, ela crë que aproveitaria melhor a sua viagem, pois
seus conhecimentos já se ampliaram. Há, portanto, a nosso ver, a
necessidade dos educadores/as se preocuparem com as razões
e motivos que levam os indivíduos a retornar à escola,
valorizando o sentido de estar ali, enfim, conhecendo suas
necessidades, como aconteceu para ela.
As histórias dessas mulheres mostram,
reiteradamente, o ingresso precoce no mercado de trabalho
competindo com a vida escolar, aliado às demandas da vida
doméstica e familiar. Sem dúvida, estes foram elementos
determinantes nas suas trajetórias. Nas várias atividades de
esposa, mãe, filha, ou seja, priorizando o cuidado de terceiros,
estas mulheres tiveram suas vidas adiadas e, consequentemente,
seus direitos negados.
Contando com sessenta e seis anos de vida no
momento da entrevista, Elvira orgulha-se de ser mãe de quatro
filhos adultos e independentes. Criada em uma fazenda onde não
havia escola, cursara, assim como seus irmãos, o curso primário.
Atribui ao pai o desinteresse em trazer uma escola para a
175
DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

fazenda. Até a sua inserção como aluna do PROEF, nunca havia


frequentado uma escola, pois, após a morte do pai, ela e os
irmãos foram obrigados a trabalhar. Avalia que seu papel como
provedora da família a impediu de estudar. Casada e residindo
em Belo Horizonte, iniciou carreira como faxineira em um
hospital na capital mineira, passando a auxiliar de enfermagem.
Para desempenhar essa tarefa, fez um curso prático no próprio
hospital. A aposentadoria chegou pós vinte anos de trabalho
em Centros de Tratamento Intensivo (CTI) em dois grandes
hospitais de Belo Horizonte. E, segundo Perpetua, sem nunca
terfrequentado qualquerescola.
As trajetórias escolares dessas mulheres resultam
não apenas das dificuldades materiais de acesso à escola formal,
mas são também marcadas pela violência, pela discriminação
desde cedo, nas próprias famílias, que vêem a educação de
meninas como desnecessária, por vezes, como uma perda de
tempo. Esta exclusão ou mesmo a segregação de mulheres a
determinada área conhecimento persiste mesmo na fase adulta
(TEIXEIRA, 2009). Assim, muitas destas histórias de
frustração e privação são “resolvidas” mais tarde com esforços
hercúleos para dar aos filhos as oportunidades de estudo que
não obtiveram. Elvira, como outras entrevistadas, orgulha-se
por - o marido trabalhando como cozinheiro e ela em dois
hospitais - terem propiciado aos filhos o acesso ao ensino
superior. Hoje, tem uma filha médica, uma engenheira e um
filho analista de sistemas.
Elvira considera que a escolarização lhe fez muita
falta: “Nossa, era sofrido demais para mim saber que eu não sabia”.
No trabalho, frequentemente, buscava ajuda de outras pessoas
para “dar um medicamento a um paciente”. Aposentada, deseja
estudar. Seu retorno para a escola deveu-se a uma das filhas
que trabalha na UFMG e incentivou a mãe se inscrever no
PROEF. Segundo ela, o início de sua escolarização aconteceu
176
DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

quando já havia criado os filhos e quando os netos já não


precisavam tanto dela. Na época, como aluna do PEMJA
(Ensino Médio – Educação Adultos UFMG), Elvira não vê o
curso superior como difícil de alcançar, mesmo em sua idade,
mas gostaria de realizar o curso técnico de enfermagem após
concluir a escola básica.
É interessante perceber aqui uma inversão nas
visões de si mesmas. A escolarização parece abrir novos
espaços sociais para essas mulheres, impactando sobre suas
percepções de si, geram empoderamento e independência
pessoal. Assim, Elvira descreveu que agora realiza com
destreza tarefas práticas do cotidiano como ir ao banco. Antes
escondida na cozinha, preparando lanches para filhos e amigos,
agora participa de todas as conversas com quem quer que seja
e em qualquer lugar. Para além do domínio da escrita ou da
leitura, a escolarização funciona como um elemento de
empoderamento, substituindo o medo, a timidez, por uma
postura mais autoconfiante, gerando desejos de prosseguir em
novas conquistas (TEIXEIRA, 2009).

As mulheres na EJA

Nascida e criada no interior de Minas Gerais,


Claudina era a única menina numa família composta por seis
filhos. Estudou até a quarta série em sua cidade, não sendo
possível continuar os estudos a partir daí. Certa vez, um médico,
amigo da família, funcionário de um colégio de freiras numa
cidade vizinha de Itabira, prometeu-lhe uma bolsa de estudos
no colégio. Entretanto, ao procurar a escola, Claudina foi
avisada de que a bolsa havia sido doada a outra menina. Nos
trinta anos seguintes, trabalhou na prefeitura de sua cidade.
No cargo de recepcionista e posteriormente na tesouraria.
Era frequentemente alocada em outras funções,
177
DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

como de oficial administrativo, coletora e mesmo substituindo


o seu chefe. Além dessas atribuições, dava aulas no MOBRAL,
ensinando outros a escrever, tarefa que realizava com grande
satisfação. Em seu trabalho na prefeitura, chegou até mesmo a
substituir o prefeito em casos excepcionais, quando este, seu
vice e o presidente da câmara dos vereadores não se
encontravam na cidade. Nestes momentos, a sua baixa
escolaridade era motivo de grande preocupação, temendo
errar, desejava que as ausências dos chefes fossem breves.
Claudina descreve uma vontade de estudar
permanentemente atravessada por dificuldades outras. Ainda
quando jovem, ao ser pedida em casamento, a mãe lhe impôs
uma condição: “poderia se casar se ela e o marido morassem com ela,
pois sendo a única filha era quem cuidava da mãe”. Assim, casou-se,
teve seis filhos e manteve o cuidado com sua mãe. Com o passar
dos anos, a mãe e o marido apresentaram graves problemas
de saúde, falecendo seis anos mais tarde. Durante esse tempo,
foi, portanto, adiando seus sonhos. Os filhos cresceram,
tornaram-se independentes e, após a aposentadoria, ela
continuou a viver na cidade do interior até que uma de suas
filhas lhe propôs vir morar em Belo Horizonte. Já participava
de atividades físicas destinadas à terceira idade realizadas por
um projeto de extensão da Faculdade de Educação Física da
UFMG quando resolveu conhecer o PROEF II. Segundo seu
relato:

Então fui para o projeto porque eu ia ficar em casa


fazendo o quê? Ficar, por exemplo, em uma cadeira de
balanço? Fazendo crochê? Fazendo um tricô? Cochilando,
lendo um livro?... Então menina, foi a melhor coisa do
mundo que me aconteceu foi isso: voltar a estudar!

No alto de seus oitenta e dois anos, Claudina


178
DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

orgulha-se enormemente de ser identificada como um exemplo


em sua família, na escola e na comunidade. Ela sente-se muito
feliz quando as pessoas dizem que sua presença na sala de aula
incentiva os outros a persistirem na vida escolar. No momento
da entrevista, cursando o primeiro ano do PEMJA, afirma ser
procurada por mães que pedem conselhos para seus filhos que
não querem estudar. Orgulha-se ter sido entrevistada inclusive
por jornais da cidade.
Além de se sentir útil, como exemplo e incentivo a
outras pessoas, voltar à escola trouxe a essa mulher vários
benefícios, inclusive em relação a sua saúde. Segundo ela, voltar
a estudar reativou a sua memória, proporcionou conhecer
outros lugares, como a cidade de São Paulo onde apresentou
o resultado de um trabalho elaborado por sua turma no
PROEF II. Acrescenta a isto a maior sociabilidade e o
estabelecimento de novos laços de relacionamento. Claudina
referiu-se a possibilidade de aprender conteúdos como os de
português, algo que considera muito importante – “saberescrever
bem”. Descreve com prazer os trabalhos desenvolvidos na
escola e seu aprendizado. Faz referência a quando aprendeu a
colocar folhas de mamonas em um balde com água por algum
tempo, transformando-as em uma espécie de inseticida para
formigas que usou em sua casa. Experiências como essas
proporcionam uma forma diferente de se ver, estar e viver a
escola, transformando o conhecimento escolar em algo
significativo e prazeroso.
Na medida em que se torna significativa, a escola
também transforma os indivíduos. Neste sentido, sobre seu
futuro, Claudina declarou que vai até onde sua saúde permitir, ainda
que seja de bengala, desejando ainda se aprimorar em informática.
Segundo ela, deseja prescindir do auxilio dos netos para fazer
pesquisas na internet e utilizar o computador, quer autonomia
também neste aspecto: “Estou dependendo ainda dos outros, eu não
179
DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

quero ficardependente muito tempo não”.


Nascida também interior de Minas, Isabel4 veio
morar em Belo Horizonte ainda com um ano de idade. Estudou
até a quarta série em uma escola anexa ao colégio Santa Maria.
Segundo ela, o colégio Santa Maria recebia pessoas de toda
Minas Gerais, mas quem o frequentava eram os filhos de
famílias mais abastadas. Para os mais pobres havia um anexo,
gratuito, chamado escola Santa Catarina de Sena. Foi neste
anexo que, segundo ela, não existe mais, que Isabel cursou o
primário.
Sua vida escolar interrompeu-se, não por falta de
vontade de estudar, mas pela falta de oportunidade. Os pais
adoeceram, levando ela e os irmãos muito cedo ao trabalho.
Casou-se mais tarde, mas a condição financeira da família ainda
era difícil. Anos depois, após a morte de seu marido resolveu
não mais trabalhar, e sim, viver com “o dinheiro que tivesse”.
A partir daí, partiu em busca de uma escola que lhe parece
mais adequada a suas especificidades como alguém da terceira
idade que esteve fora da escola por vários anos. Conta que
estava difícil de encontrar algo que lhe parecesse ideal até que
sua filha teve a ideia de ligar para o disque idoso e lá falaram
sobre o projeto existente na UFMG. Apesar de ter encontrado
uma escola que lhe parecia adequada, a distância foi uma questão
que lhe fez parar para pensar. Isabel atravessa boa parte da
cidade para chegar à escola.
O apoio familiar é muito destacado como um
elemento facilitador para alcançar a escolarização. Tal apoio
manifesta-se de variadas formas, desde questões operacionais
como levar ou buscar no ponto de ônibus, auxílio nas atividades
escolares de pesquisa e o uso de computador. Veja relato
abaixo:

Meus netos têm um orgulho! Eles falam para todo

180
DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

mundo. Eles arranjam uma namorada e a primeira coisa


que eles vem é trazer para me conhecer, sabe? E vai
chegando e fala assim: “Fala com ela vó aonde a senhora
estuda. Ela não acredita que a senhora estuda na
UFMG.

Em relação às demais atividades de sua vida, Isabel


destaca que a família é a única coisa que está acima de sua educação.
Após a morte de sua filha por meningite, no ano de 2005, ela
deseja estar mais próxima de sua família. Não obstante, a
mesma não deseja interromper seus estudos após o ensino
fundamental no PROEF II. Considera que a escola trouxe
aprendizado, mas também uma mudança de comportamento
facilitando o seu convívio com os seus. Relembra que antes
dos estudos, intimidava-se ao conversar com outros, mesmo
na família. A escola deu-lhe confiança para participar ativamente
de encontros familiares, conversando com colegas de trabalho
de sua filha que também é professora universitária. Para ela, o
retorno à escola melhorou sua relação dentro e fora da família:
“Foi meu sonho ver minha família toda estudando, sabe? E eu estou
realizando esse sonho comigo e eu ainda fazendo parte dele, né?”.
Perpétua, sessenta anos quando da entrevista,
nascida e criada no interior, concluiu apenas o primário na
escola por falta de recursos por parte de sua família para
permanecer nos estudos. Relembra que chegou a fazer a
admissão, necessária para continuar a estudar além do primário,
mas que seus pais não tinham como mantê-la na escola que
exigia um investimento além das posses da família. Assim,
começou a trabalhar aos quatorze anos em uma fábrica de
tecidos até os dezoito anos. Com esta idade casou-se e
sustentou a sua família como bordadeira, função que podia
realizar em casa. Hoje, é mãe de quatro filhos casados. O
marido trabalhava em um escritório de uma empresa de asfalto,
181
DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

sempre mudava de cidade. Após algumas mudanças, vieram


morar em Belo Horizonte, no ano de 1980.
A escolha por Belo Horizonte deveu-se ao fato das
crianças estarem na escola, pois entendia que as mudanças
constantes atrapalhavam o rendimento dos filhos. Perpétua
acreditou que era hora de se fixar em uma cidade e Belo
Horizonte era mais adequada devido à localização geográfica.
Relata que durante todo este tempo a vontade de estudar
persistia, mas a oportunidade ainda lhe faltava: “tinha loucura
por aprendero português corretamente”e que se sentia frustrada por
não saber ler e escrever de forma correta.
Chegou a retomar os estudos por meio de um curso
por correspondência, do Instituto Universal Brasileiro.
Entretanto, não se adaptou ao modelo do curso: “Eu queria ir
para sala de aula, para fazer parte daquela turma, e aquele dia a dia de
sairpara ir para a escola, fazer trabalho, eu queria isso!”. E convidada
a fazer um supletivo no colégio José Bonifácio, decidiu não
frequentar, pois não era o que queria: “Eu achava que o supletivo
era muito só um apanhadozinho, sabe? Então eu não fiquei muito
entusiasmada”.
O anseio pelo retorno à escola intensificou-se pela
ocasião de uma viagem a Europa. Sentia-se frustrada, por ter
uma oportunidade destas e aproveitar pouco – por ter “pouca
cultura” – segundo ela. As dificuldades enfrentadas na viagem
foram muitas, desde o momento que entrou no avião, ao
preencher uma ficha de embarque, necessitou da ajuda de um
conhecido que faria a mesma viagem com ela. As dificuldades
continuaram no decorrer da viagem, e ela sempresentindo-se
mal por não saber mais sobre o que estava conhecendo.
Resultou desse episódio para Perpétua a clareza de que seria
importante voltar a estudar: “Então assim, mais do que nunca eu
senti assim, muita vontade de estudar”. E falava: “Gente, se todo mundo
pensaro quantofaz falta, ninguém deixava (de estudar), né?. Aproveitava
182
DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

todo o tempo”.
Entretanto, o retorno à escola não se deu
imediatamente após sua volta ao Brasil. Contava os cinquenta
e quatro anos na data da viagem e aos cinquenta e oito voltou
a estudar. Ficou sabendo do PROEF através de sua manicure,
que retornaria a estudar neste projeto. Perpétua se mostrou
interessada, mas a primeira preocupação foi a idade. Pensava
que estava velha demais para ir a uma escola e chegou a falar
com a manicure que provavelmente eles não a aceitariam lá. A
colega a incentivou, pois no projeto havia pessoas com idade
superior a ela. Disse ter gostado muito da proposta pelo que
ouviu e logo se inscreveu.
Perpétua afirma que não falta as aulas. É sua
prioridade. Para ela, a volta a escola melhora sua vida em todos
os sentidos, especialmente sua memória, e até em relação ao
nervosismo para dirigir. Agora, vai e volta todos os dias para
a escola de carro, passando inclusive por avenidas de trânsito
intenso em Belo Horizonte.
Acredita ainda que, além da saúde, essa inserção
na vida escolar fez com que se sentisse como uma pessoa que
pode frequentar vários outros lugares sem se sentir
inferiorizada. Conta sobre uma festa na Reitoria da
Universidade. Considera que não estava vestida devidamente,
uma vez que tinha se vestido apenas para ir à aula, mas que
ainda assim, foi à festa e participou sem nenhum
constrangimento seja por suas roupas seja por sua posição de
aluna de um projeto de ensino fundamental da universidade.
Perpetua afirma adorar todos os momentos da
escola sejam as aulas, festas, os trabalhos de campo, o espaço
da biblioteca, no qual realiza suas leituras e empresta livros; e
a pesquisa do NEPSO5 que realiza pela segunda vez. É
interessante destacar que ela percebe a escola e todo o espaço
dela como um lugar seu por direito e, por isso, orienta seus
183
DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

colegas a cuidarem dos ambientes da escola.


Como vemos, nesses vários depoimentos,
desvelam-se os impactos positivos do acesso à escolarização,
principalmente para a população feminina em classes sociais
desfavorecidas. Essas mulheres passam atuar com
protagonismo destacado num lugar que é seu de direito, como
cidadãs.
Além disso, após a volta à escola, as entrevistadas
relatam uma melhoria na relação com a família, tornando-se
motivo de inspiração e incentivo para que filhos e filhas: “Está
terminando o curso dela. Foi só eu entrar!”. “Eu falei: Se eu soubesse
desse PROEF eu já estava nele há muitos anos que eu tinha certeza que
Margarida já tava formada”. Este processo de influência e
convencimento acaba envolvendo inclusive vizinhos. Muitas
dessas mulheres afirmam receber apoio de toda família:
maridos, filhos e netos que querem saber como vão os estudos
e como podem auxiliá-la. Para os netos, tornam-se motivo de
orgulho, que relatam aos amigos que suas avós estudam na
UFMG.
O retorno de Perpetua à escola resulta na
administração de um tempo mais escasso. Abrir mão de
algumas atividades que realizava antes na sua comunidade,
como de catequese e os estudos bíblicos. Entretanto, ao falar
de sua experiência na Igreja como catequista e orientadora da
turma das crianças, aponta que havia dificuldades para
desempenhar este papel por não saber escrever. Ressalta que
contou sempre com o apoio dos amigos da igreja, mas tendo
a noção da falta que o saberescolarlhe fazia naqueles momentos. Hoje,
a volta à escola proporciona a Perpétua mais facilidade na
realização dessas funções na Igreja. Coordena reuniões de casais
e de noivos com maior segurança, realiza com mais facilidade
as leituras e fala em público:

184
DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

Estou me sentindo uma pessoa mais tranquila para falar,


inclusive eu ficava assim meio tensa lendo, sabe? Na
hora de ler a ficha às vezes eu ficava com medo de ter
alguma palavra que eu não soubesse, eu ficava meio
encabulada. Depois não, hoje eu estou tranquila.

Perpétua aspira formar-se em pedagogia, mesmo


que não seja para atuar no mercado de trabalho. Deseja fazer
pedagogia para concretizar um sonho, que por muito tempo
foi impossível e que hoje, apesar da sua condição financeira,
não lhe parece tão impossível. Vê a conclusão do ensino médio
como condição para realizar outros cursos.
As mulheres do EJA, na UFMG, em geral, são
advindas de famílias numerosas e de classes populares, sua
inserção no mercado de trabalho é essencial ao sustento do
núcleo familiar. A necessidade econômica é um importante
fator responsável pela sua baixa escolarização, bem como pela
frequente interrupção nos estudos. Ou seja, essa condição social
e econômica gera a urgência da entrada no trabalho e leva
homens e mulheres a se manterem distantes da escola
(SANTOS, 2001).
O embate entre escolarização e trabalho perpassa
pelas várias épocas e gerações no Brasil. O mesmo se verifica
em outras realidades da América Latina. Na Argentina, por
exemplo, Llosa (2000, p. 15) em estudos com jovens e adultos
mostra que:

El primer momento significtivo es el trayeto que


abarca el paso por la educación inicial hasta su
interrupción. Si bien aparecen signos que señalan
la valoración de la educación formal en las
familias de origen, son también las trayectorias
familiares las que se relacionam con la no

185
DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

continuidad de la escolaridad; esto puede ser


interpretado como una “estrategia familiar de
supervivencia” en la cual la decisión de la
interrupción se conjuga cons distintas situaciones
conflictivas familaires (separaciones, fallecimento
de parientes significativos et.) en un contexto de
pobreza.

A história dessas mulheres destaca a negação da


oportunidade de acesso à escolarização. Negação dupla, numa
associação entre condições materiais (pobreza, a falta de escolas
públicas acessíveis, o ingresso precoce no mercado de trabalho,
casamentos e vidas familiares) e condições simbólicas (capital
escolar familiar que não reconhece o saber escolar, a própria
condição e papel da mulher na família) impedindo ou
restringindo o acesso à educação. Muitas famílias não
incentivam a escolarização de suas filhas. Estudar era
considerado por muitos pais, ou responsáveis, como uma
“perda de tempo”, além do que o trabalho como prioridade,
pois dele dependia a sobrevivência de todo um grupo familiar.
Elvira aponta que aprendeu a escrever somente
observando o mundo a sua volta. Não tendo sido possível
frequentar uma escola, a curiosidade e o interesse foram
responsáveis por ter um saber escolar. Ela afirma que desejava
saber e que teve na educação dos filhos uma maneira de ampliar
seus conhecimentos.
O trabalho de educar aparece como um destino
para muitas mulheres, mesmo que não dominem os
instrumentos da escrita ou da leitura. Assim, como outras,
Claudina, apenas com a quarta série escolar completa, tornou
se professora em cursos do MOBRAL:

[...] eles (a prefeitura) me convidaram para dar aulas

186
DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

para o Mobral. Eu andei dando umas aulinhas lá,


sabe?A prefeitura tinha esse encargo, né?. E eu trabalhei
lá um pouquinho. Foi pouco tempo. Adorei! Gostei
demais!Aquelas pessoas que não sabiam nem assinar o
nome. A gente tinha que as vezes até pegar na mão, né?.
E acredita que as pessoas aprenderam? Algumas pessoas
me agradecem até hoje por isso.

A relação com o saber escolar esteve sempre


presente na vida dessas mulheres, ainda que não estivessem
necessariamente dentro de um estabelecimento de ensino
formal. Não obstante, o saber escolar é frequentemente
valorizado pelas entrevistadas. Algo que desejavam ter para si
e que tiveram que adiar, mas que hoje possível com a
escolarização de membros da família:

porque aqui todo mundo sai para estudar. Todo mundo!


[...] mas o Iago é o caçula, mais novo, o neto mais novo,
então ele houve falar: “Estou indo para a escola.”, né?.
Não importa se é para dar aula ou se é para estudar.
“Estou indo para escola”. A minha mais velha, a
Rosana, é jornalista, mas ela vive estudando... A minha
nora estuda, os meus netos todos estudam, então aqui é
muito comum: “estou indo para aula”, “fui para aula”,
“cheguei da aula”, então é aquele ambiente assim que
realmente é... que foi meu sonho de ver minha família
toda estudando, sabe? E eu “to” realizando esse sonho
comigo e eu ainda fazendo parte deles, né?. (Isabel)
Segundo Zago (2000, p. 33): “Em geral, os pais
esperam ver através de seus descendentes a superação de sua
condição social, e a desescolarização precoce representa a
frustração desse desejo”. Assim, é comum que pessoas que
não tiveram condições de se escolarizar, buscarem na

187
DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

escolarização dos filhos uma forma de extrapolar a condição


social a que foram submetidos, além deverem a escolarização
dos filhos como um dever. De fato, este desejo foi constatado
na fala de Perpétua:

o meu mais velho estudou em Ouro Preto, e ele quis ir


pra lá fazer mineralogia. Ele foi para lá. Teve a
oportunidade e foi pra lá. Mas eu sentia assim se eu
pudesse dar a eles mais estudo eu daria e se eles quisessem
também, porque a gente deixa muito à vontade, né?.
Nada forçado. (Perpétua)

Elvira conta como se esforçou para garantir a


educação dos filhos. Seu marido era cozinheiro de um grande
hotel de Belo Horizonte, ela também trabalhava para garantir
a educação dos filhos. Ela vê como cumprida a sua meta e tem
grande orgulho disto: “Eu estudei meus filhos! Eu tenho uma filha
médica, tenho essa engenheira e tenho um filho analista de sistemas”.

Pela vida afora

As entrevistas mostram como essas mulheres


valorizaram e desejaram o saber escolar durante toda sua vida.
Nestes tempos, foram se agarrando a oportunidade possível,
até que pudessem ter pleno acesso ao mundo da escola e seus
saberes. Para todas elas, a busca por uma escolarização aparece
como um desejo latente, como solução para o fim de
constrangimento frequente e por uma atuação social mais
independente.
A idade avançou, mas as obrigações familiares e
no trabalho não deixavam espaço ou tempo para a
concretização do sonho de estudar. Além do que, estudar
representaria mais uma jornada dentre as várias jornadas em
188
DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

que se desdobravam essas mulheres.


A pesquisa realizada por Nogueira (2005) com
mulheres estudantes de classe popular em Belo Horizonte vai
ao encontro da situação descrita pelas mulheres na pesquisa
aqui apresentada. Nogueira identifica uma diferença verificada
na justificativa das faltas às aulas entre homens e mulheres que
frequentavam uma escola de periferia da capital mineira. Para
os homens, os motivos principais das falta se relacionavam ao
mundo do trabalho como horas-extras, mudança no local de
trabalho ou horários; já para as mulheres, na maioria das vezes,
as faltas existiam, além destes fatores, também devido a
problemas familiares, como: falta de quem cuidasse dos filhos,
doença sua ou de algum familiar, resistência de alguém na
família aos seus estudos, especialmente dos cônjuges ou por
próprio cansaço.

Conclusão

As entrevistas mostram que se as famílias


(primeiras: pais) emergem num primeiro momento como
elemento inibidor da escolarização das mulheres da EJA,
adiando seus desejos de frequentar a escola. Entretanto, a
segunda família (marido, filhos e netos) aparece – apesar de
tardiamente na vida destas mulheres - como um fator decisivo,
para o retorno à escola. O desejo antigo por uma escolaridade
é algo comum a essas mulheres da EJA, sempre após o dever
familiar e doméstico, sempre num segundo plano, somente
quando filhos e netos “não mais precisam tanto delas”.
Neste sentido, parece-nos extremamente
importante para a permanência dessas mulheres na EJA, ou
mesmo o ingresso de outras, que se priorize o diálogo entre
escola e família. Ainda, como uma ação diagnóstica, sugerimos
ao educador e educadora da EJA que realize um levantamento
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DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

sobre quem são suas alunas de EJA, o que esperam da escola,


como construíram suas trajetórias e saberes na vida e como a
família lida com o retorno desta mulher para a escola. Portanto,
dada a centralidade da família nas trajetórias escolares dessas
mulheres, torna-se importante que o educador e a educadora
de EJA busquem a participação concreta destas famílias
contribuindo para o processo educativo.

Sugestão para oficina

Título: Quem são as mulheres na EJA

A atividade abaixo poderá ser realizada com


quaisquer dos alunos da EJA. O mês de março talvez seja o
mais apropriado devido às comemorações do dia internacional
da Mulher.
Para tanto, convide as mulheres a socializarem as
suas histórias de vida. Isto poderá ser feito com objetos trazidos
de casa: fotos, algo importante para estas alunas (como um
sapatinho, uma roupinha de um filho) ou que fazem em casa
(costura, artesanato, bordado, um bolo, etc).
O objetivo é que reflitam sobre suas trajetórias de
vida, sobre seus saberes, buscando fazer relação com suas
condições de mulher. Os homens, por outro lado, também
deverão trazer algo que fale de suas mães/irmãs/filhas, etc.,
enfim das mulheres que participam em suas vidas.
Esses objetos possibilitam que o grupo pense sobre
os papéis, condições e importância das mulheres em seus meios
sociais.
Nesta mesma oficina, pode-se discutir sobre o ‘ser
homem’ numa sociedade como a nossa. Serão duas etapas: 1.
uma que aborda a história individual e 2. outra que buscarinserir

190
DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

esses sujeitos históricos na história coletiva das mulheres/


homens no Brasil. Confira abaixo:

1a. Etapa - Apresentar os objetos numa exposição em


círculo.

1) Em um grande círculo deixe que os objetos sejam vistos e


apreciados.
2) A seguir, cada objeto trazido será apresentado por seus
donos/as que deverão explicar sobre o significado daquele
objeto para ela/ele/em suas vidas ou trajetórias pessoais?
3) Após a socialização das histórias ao grupo, os relatos
deverão ser sistematizados (registro em quadro) buscando
identificar o que há de comum entre as histórias. Algumas
questões podem guiar este momento: Como é ser mulher
para essas alunas? O que suas trajetórias têm em comum?

2ª. Etapa - Pesquisa coletiva (em sites, revistas, jornais, livros,


etc) direcionada pelas questões a seguir. Objetiva-se aqui que a
turma faça reflexões sobre as condições das mulheres nos dias
atuais.

– Como foi construído sócio-historicamente o papel da


mulher em nossa sociedade?
– Nos últimos anos, houve mudanças em termos de direitos
da mulher? Na educação? No mercado de trabalho, etc.?
– A mulher tem conseguido fazer valer seus direitos como
cidadã?

5. Concluindo a oficina - As informações registradas no


quadro (em tópicos) deverão ser divulgadas num jornal mural.
Após, estas serão apresentadas para toda a escola. Desta
maneira, busca-se a reflexão coletiva sobre a condição da
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DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

mulher na sociedade, especificamente gerando o sentimento


de respeito à condição feminina nos cursos de EJA.

Notas
1
O programa tem as seguintes etapas: Projeto de Ensino Fundamental
– 1º e 2º segmento, Proef 1 e 2 e Projeto de Ensino Médio de
Jovens e Adultos – Pemja. As aulas do Proef são ministradas no
Centro Pedagógico e as do Pemja no Coltec, escolas de educação
básica da UFMG.
2
Elvira – 63 anos (ex-aluna do PROEF 2 e estava no 1º ano do
PEMJA) na época da entrevista – entrevistada em 2006.
3
Claudina – 81 anos (ex-aluna do PROEF 2 e estava no 1ºano do
PEMJA) na época da entrevista – entrevistada em 2006.
4 Isabel – 74 anos (3º ano do PROEF 2) na época da entrevista –
entrevistada em 2006.
5
Nepso é um projeto de parceria do PROEF II com o Instituto
Paulo Montenegro, através do qual os alunos desenvolvem pesquisas
de opinião com temas diversificados para cada uma das turmas e
assim desenvolve outros conhecimentos e habilidades.

Referências

LLOSA, Sandra et al. La situación de la Educación de Jóvenes


y Adultos en la Argentina. In: 23ª REUNIÃO ANUAL DA
ANPED, 2000, Caxambu, 2000. CD-ROM.

NOGUEIRA, Vera L. Educação de Jovens e Adultos e gênero:


um diálogo imprescindível à elaboração de políticas
educacionais destinadas às mulheres das camadas populares.
In: SOARES, Leôncio J. G. (Org.). Aprendendo com a diferença.
Belo Horizonte: Autêntica, 2005.
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DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E PROPOSTAS PARA A AÇÃO DOCENTE

SANTOS, Giovania L. dos. Educação ainda que tardia: a exclusão


da escola e a reinserção em um programa de educação de
jovens e adultos entre adultos das camadas populares.
Dissertação (Mestrado em Educação) - Faculdade de
Educação, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo
Horizonte, 2001.

TEIXEIRA, Adla B. M. Gender and Schooling – Women in


Science and Technological Areas. Lecture in Teachers’Training
Course. University of Lyon, France, 23 jan. 2009.

ZAGO. Nadir. Processos de escolarização nos meios


populares: As contradições da obrigatoriedade escolar. In:
NOGUEIRA, Maria A.; ROMANELLI, Geraldo; ZAGO,
Nadir. Família e escola: trajetórias de escolarização em camadas
médias e populares. Petrópolis: Vozes, 2000.

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