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ORDENAÇÕES MANUELINAS
Por
ISABEL GRAES
Professora da Faculdade de Direito
Universidade de Lisboa
isabelgraes@campus.ul.pt
“O principal e precípuo acto do poder régio é julgar. Por isso, se diz no 3º Livro dos Reis,
X, a respeito de Salomão: constitui-te Rei, para governares com equidade e justiça”
1
(Álvaro Pais )
“E os que têm mando, jurisdição, se olham pelo povo e proveito comum, como devem de
fazer, ou se lhe dão a pressões e os primem muito e se servem deles ou se lhe tomam o
seu. E os de justiça, se aí fazem verdadeiramente como devem ou se a deixam de fazer
por amor ou ódio ou temor ou cobiça ou piedade ou se com ira ou rigor dão mais ásperas
sentenças do que o caso requer, e se a fazem por igual assim aos grandes como aos
pequenos. E assim oficiais do rei que tem mando em sua casa ou fazenda, e quaisquer
outros oficiais do reino, se fazem o que são obrigados a seus ofícios” (Garcia de
2
Resende )
“Não há animal mais peçonhento que o juiz injusto, e o rei tirano, cujos ouvidos andam
desamparados da verdade, e cujo coração está sempre acompanhado de sobressaltos,
dos quais nunca vive isenta a consciência daqueles que não fazem o que devem.
Guarde-nos Deus de vermos embanlançada a balança da justiça por ódio, por amor, por
ira, vingança, e cobiça, e de sermos governados por príncipes dados ao sono, e
entregues ao descuido, cuja vontade manda mais, que a justiça e a verdade” (Frei
Amador Arrais, Diálogos, diálogo Sexto, cap. II, pág. 148).
1
In Espelho dos Reis, Tradução de Miguel Pinto de Menezes, I, Lisboa, 1955, p. 93.
2
In Breve memorial dos pecados e cousas que pertençam há confissom, Lixboa, Germão
Galharde, 1545.
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ISSN: 1699-5317, núm. 22, Enero (2016) Iustel
ABSTRACT: Based on several rules created in the early centuries of the portuguese monarchy,
the legal compilation ordered by the king Manuel I maintain the procedure of periodical control to
the judicial practice concerning both judges and functionaries (the so called “residências”), in order
to suit the law. The analysis made by the modern legislator not only foresaw the main problems and
vices that could be committed but also presented the solutions and the punishments that remained
as an option till nowadays.
SUMMARY: Presentation I. The justice according to the Ordenações Manuelinas II. The judge:
main characteristics IV. The investigation act 3.1 The legal procedures 3.2 The investigating judges
IV. The investigating acts carried by the corregedor 4.1 The judicial investigation officers VJ udicial
misconduct 5.1 “Office vices VI. Crimes committed by judges and other judicial office holders VII.
The legal solution and the adopted punishments VIII. Conclusion.
Sección monográfica: Justicia y Comunidades en Portugal (Edad Media y Moderna)
3
I. APRESENTAÇÃO DO TEMA
3
O presente texto serviu de base à apresentação efectuada no Colóquio Comemorativo dos 500
anos das Ordenações Manuelinas, realizado, no dia 21 de Março de 2012. na Biblioteca Nacional
de Lisboa.
4
Importa recordar que, em 29 de Setembro do mesmo ano, D. João II, então em Alcáçovas,
havia feito constar D. Manuel como seu legítimo herdeiro na sucessão do trono, quando faz redigir
o seu testamento. Cfr. Damião de Góis, Chronica d’el Rei D. Manuel, cap. I.
5
Vd a este respeito, entre outras, D. António Pinheiro, Summario da pregaçam Funebre e
Trasladaçam dos ossos d’El Rey Dom Manuel, Casa Germão Gallarde, 1551, Lisboa, ed.
Facsimilada, Biblioteca Nacional, 1985, Lisboa.
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Cfr. cap. XXV dos povos e os capítulos XVIII e XXI do estado da nobreza apresentados nas
Cortes de Tomar de 1581, in Joaquim José Lopes Praça, Colecção de leis e subsídios para o
estudo do Direito Constitucional Portuguez, Imprensa da Universidade, 1893, Coimbra, vol. I,
respectivamente pp. 223-224; 238 e 239.
7
Cfr. Isabel Graes, Para uma reflexão sobre o estatuto dos corregedores no ordenamento
jurídico português, in Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Martim de Albuquerque,
Coimbra Editora, Lisboa, 2010, pp. 745-812.
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Manuelinas ainda que este se apresente de modo inovador se comparado com o livro
primeiro da compilação anterior. Assim para que possamos ter uma ideia real sobre os
procedimentos utilizados, necessitamos cotejar os três primeiros livros do texto
quinhentista onde é apresentada a figura do juiz ideal e o estabelecimento da sua
competência com o livro V da mesma compilação onde encontramos a enumeração das
diversas infracções que podem ser praticadas pelos detentores do officium judiciário e o
8
tipo de penas que lhes poderão ser aplicadas . Não despicienda se torna a consulta de
alguma legislação avulsa datada sobretudo do período de D. João III que seria recolhida
no trabalho de Duarte Nunes de Leão.
Face ao exposto, a presente exposição não pode limitar-se a indicar ou identificar os
actos ou más práticas que classificamos como patológicos, os quais viciam a aplicação
da justiça por parte dos juízes já que estes não agem sozinhos. Assim chamaremos à
colação a conduta de procuradores, escrivães, tabeliães, distribuidores, tal como as
Ordenações Manuelinas o fazem ao regular estes aspectos. Aliás, não basta a invocação
da suspeição da prática conduzida por um determinado magistrado ou escrivão, antes há
que desencadear mecanismos de apuramento de infracções e de responsabilização,
sendo ao final aplicada a pena. O objectivo final será sempre um só: o respeito por uma
conduta justa, e porque a justiça é uma função régia, justa será também a governação,
não permitindo erros nem arbitrariedades. Não bastava nomear os magistrados, havia
que controlá-los e, por este motivo, a realização de sindicâncias foi uma medida política,
por excelência.
D. Manuel ao herdar uma situação política delicada, cedo se transforma numa síntese
entre a ferocidade joanina e a complacência e alguma negligência afonsina que o
haviam precedido. O seu reinado e a sua corte, ainda que sejam reveladores de
ostentação e total opulência, tornar-se-iam um “paraíso de delícias fáceis”, como refere
9
Oliveira Martins , representando a subida ao trono do Duque de Beja, senhor de Viseu,
Covilhã e Vila Viçosa um grande reforço do aparelho de Estado, sendo o esforço
legislativo por demais evidente.
Em 1505, o monarca entrega a dois dos seus juristas, Rui da Grã e João Cotrim a
tarefa de reformar as Ordenações vigentes, devendo alterar e suprimir o que
8
Para uma melhor compreensão desta temática, impõe-se a consulta dos fundos da Torre do
Tombo, em especial o Corpo Cronológico a respeito das cartas régias que determinaram a
realização de residências, bem como dos livros de chancelaria (de nomes comuns e de nomes
próprios relativamente ao provimento de cargos).
9
In História de Portugal, II tomo, pág. 19.
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entendessem por necessário . Uma das matérias que receberia a atenção do legislador
régio dizia respeito à legislação processual e ao respectivo controlo da aplicação da
justiça e ainda que a temática das residências (sindicatu iudicium) não fosse um aspecto
inovador, acabaria por ser alvo de um desenvolvimento significativo por parte da
legislação manuelina.
Tomando a lição de Mello Freire, verificamos que Portugal vivera e vivia ainda ante a
pluralidade de jurisdições sem esquecer os inúmeros privilégios de foro e uma orgânica
judicial que tinha estado ausente pelo menos até à segunda metade de Trezentos. Por
este motivo, desde cedo (1211), o monarca, influenciado pelos ensinamentos dos seus
conselheiros mestres na arte do ius commune; revela um particular interesse em
organizar o aparelho judiciário que lhe permitiria senão um controlo rigoroso, pelo menos
11
atento no plano judicial . De especial relevo nesta matéria se havia revelado o reinado
de D. Afonso IV, monarca que “ logo como reinou, logo por suas obras pareceu claro que
de todo tirou de si e do seu corpo a alma e condição que tinha em sendo infante, e
tomou outros de bom e mui perfeito rei, porque logo amou muito seu povo e sempre o
12
regeu com inteira justiça” ; de modo a imprimir ao seu governo várias medidas como as
13
reformas processuais de que são exemplo as de 1330,1352 e 1355 ; e a imposição de
juízes de fora, ou seja, de magistrados nomeados pelo rei, que gradualmente vão
substituindo os juízes eleitos pelos moradores dos concelhos. O momento áureo seria
10
Luis da Cunha Gonçalves, A construção jurídica de Portugal 1140-1940, Coimbra, Coimbra
Editora, 1940 e Alexandre Herculano, História de Portugal desde o começo da monarquia até ao
fim do reinado de D. Afonso III, vols. I a VIII, Paris / Lisboa, 9ª edição, Livraria Bertrand, 1981, A.H.
de Oliveira Marques, História de Portugal, Palas Editores, Lisboa, 1980, J.P. de Oliveira Martins,
História de Portugal, edição crítica com introdução de Isabel de Faria e Albuquerque e prefácio por
Martim de Albuquerque, Imprensa Nacional Casa da Moeda, Lisboa, 1985-8, José Mattoso,
História de Portugal, vols. 4,5 e 6, Lisboa, Estampa, 1998 e Identificação de um País( ensaio sobre
as origens de Portugal, 1096-1325), 2 vols. Lisboa, 1985; José Artur Anes Duarte Nogueira,
Sociedade e Direito em Portugal na Idade Média, Coimbra, 1994; João de Sande Magalhães Mexia
Salema, Princípios de Direito Político applicados à Constituição política da monarchia portugueza,
Imprensa de Trovão e Companhia, Coimbra, 1841; José Homem Correia Telles, Manual do
Processo Civil, supplemento do Digesto Portuguez, Imprensa da Universidade, Coimbra, 1849.
11
Paralelamente deverão ser citadas as inúmeras inquirições e confirmações que datam desde
D. Afonso II e que permitiam ao monarca conhecer detalhadamente dos direitos de propriedade e
das rendas devidas, bem como estabelecer com firmeza a sua autoridade impedindo abusos e
interferindo a bem de uma justiça centralizada e de um sistema financeiro planificado.
Vide António Brandão, Crónicas de D. Sancho I e D. Afonso II, Porto, Livraria Civilização, 1945 e
Frei António Brandão, e outros, Monarchia Lusitana, Impressa em Lisboa em o Mosteiro de S.
Bernardo, por Pedro Craesbeck, 1632.
12
In Carlos da Silva Tarouca, Crónica dos sete primeiros reis de Portugal, Academia Portuguesa
de História, Lisboa, 1952-1953.
13
Cfr. LLP e OA, livro V, título 59. É de salientar que datará somente de 1790 a abolição, pelo
menos teórica, da justiça senhorial, ou seja, nos velhos coutos e honras, bem como as donatárias
subsistentes, os senhores possuíam ainda certos “direitos feudais” relativos à jurisdição e à
entrada de funcionários da coroa. Será com esta reforma que serão suprimidos os vestígios de um
passado que teimava em perdurar.
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Será seguida a edição facsimile da Real Imprensa da Universidade de Coimbra, do ano de
1797, reproduzida pela Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1984.
15
Vide Henrique da Gama Barros, História da Administração Pública em Portugal nos séculos XII
a XV, 2ª ed., Tomo 3 ,Livraria Sá da Costa, Lisboa, 1946.
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Vd. Armando Luís de Carvalho Homem, O Desembargo Régio, Instituto Nacional de
Investigação Científica, Centro de História da Universidade do Porto, Porto, 1990; José
Domingues, Os primórdios do jus corrigendi em Portugal: Os meirinhos -mores de D. Afonso III, in
Lusíada, Direito, Porto, n.º 3- 1º semestre, 2011, pp. 173-207; A reforma das Ordenações do reino
de Portugal, in e-SLegal History Review, Iustel, 16, 2013, pp. 1-132; O regimento dos oficiais de D.
Manuel I, in e-SLegal History Review 18, 2014, pp. 1-47.
17
Recorde-se ainda o modelo osoriano que determinava que o rei exercia um ofício, enquanto
vigário e administrador de Deus, não para governar contra a vontade de todos, mas de acordo com
a vontade destes (In De Regis institutione et disciplina). Também Frei António de Beja com o
intuito de transmitir ao monarca a imagem do “fiel e bom rei” começa por enumerar aquelas que
deverão ser as suas principais virtudes: a ciência ou sabedoria, a justiça e a prudência (In Breve
Doutrina e Ensinança de Príncipes). Esta última característica, em consonância com a sabedoria,
deveria revestir uma dimensão essencialmente política, pois ao contribuir para a manutenção e
estabilidade dos reinos permitia que o príncipe não só se tornasse um modelo de conduta para os
súbditos; mas também fosse ele próprio a antítese do tirano. Cfr. ainda S. Tomás, Regimento de
Príncipes, II, 3; Álvaro Pais, Espelho dos Reis, p. 153 e D. Duarte, Leal Conselheiro, p. 225 ss.
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O exercício de funções judiciais ao ser desempenhado em nome do monarca , é
marcado por uma delicadeza e importância que sobressaem entre as demais, deixando
18
In Etimologias, IX, 3 - “De regnis militiaeque vocabulis”.
19
Recorde-se que a Casa de Justiça da Corte que acompanha o monarca, segundo a disposição
constante das Ordenações Afonsinas, é presidida por um regedor e governador, apresentando-se
composta por duas mesas. Na primeira estão o regedor, os desembargadores do Paço e o juiz dos
feitos de el-Rei e, na segunda, o corregedor da corte, um “doutor que com eles esteja por seu
presidente” e os ouvidores ou desembargadores (livro III, tit.90). Seria da primeira Mesa que seria
desentranhado o Tribunal do Desembargo do Paço. Caberia também à primeira Mesa rever as
sentenças definitivas de outros juízes, mesmo da própria corte: por via da suplicação, quando o
condenado alegasse e se dispusesse a provar que a sentença fora proferida sobre falsas provas
ou por juiz peitado para a dar.
20
A respeito da nomeação e aprovação de magistrados para os vários concelhos, cfr. as cartas
régias de 7 de Março de 1513, 14 de Maio de 1514, 23 de Março de 1515, datadas
respectivamente em Évora e Lisboa, bem como a carta régia de 3 de Abril de 1514 que nomeia
Lourenço de Paiva, na qualidade de juiz do cível de Lisboa em lugar de Gabriel Lopes Bulhão; o
alvará de nomeação de Pero Ruiz, juiz do Cível, também de Lisboa, datado de Lisboa, em 30 de
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Abril de 1514 (in Documentos do Arquivo Histórico da Câmara Municipal de Lisboa, Livros dos
Reis, V, docs. 11, 29, 32, 33, 44). E ainda as cartas régias dadas em Lisboa em 24 de Março de
1501 e de 2 de Maio de 1510 (respectivamente, in Documentos do Arquivo Histórico da Câmara
Municipal de Lisboa, Livro dos Reis, vol. IV. Docs. n.ºs 55 e 58), de 18 de Junho de 1527 (in
Documentos do Arquivo Histórico da Câmara Municipal de Lisboa, Livro dos Reis, vol. VIII. Doc. n.º
4, 12 e 83) as cartas régias de 30 de Julho de 1559, 9 de Março de 1562 e 30 de Janeiro de 1572
(in Documentos do Arquivo Histórico da Câmara Municipal de Lisboa, Livro dos Reis, vol. VI, Doc.
n.º 28), o alvará de 16 de Janeiro de 1523 (in Documentos do Arquivo Histórico da Câmara
Municipal de Lisboa, Livro dos Reis, vol. VII, Doc. n.º 9); a carta régia de 6 de Junho de 1528 (in
Documentos do Arquivo Histórico da Câmara Municipal de Lisboa, Livro dos Reis, vol. VII, Doc. n.º
49).
21
Acerca da obtenção do grau fora de Portugal, cfr. o alvará de 18 de Julho de 1537, que
determina que não deverão gozar dos privilégios de bacharéis, licenciados e doutores aqueles que
tomaram estes graus fora do reino (Cartório da Secretaria da Universidade, Livro dos Estatutos do
Senhor D. Manuel, apud Additamentos e Retoques á Synopse Chronologica pelo Conselheiro João
Pedro Ribeiro, Lisboa, Typografia da Academia Real das Sciencias de Lisboa, 1829, p. 221.
22
Ainda assim, importa não esquecer que a situação mais comum, ao longo da história da justiça
em Portugal, até ao período do constitucionalismo liberal, seria a de encontrar junto de juízes
locais iletrados a figura do escrivão com preparação técnica que ora tinha abandonado o curso da
Faculdade de Leis ou Cânones ou não se havia proposto a ler no Desembargo do Paço.
23
Correição é a “expedição em que vai o corregedor com seus oficiais pela comarca tomar conta
de todos os malefícios, que nela se comettem, assi por devassa, como por vistas e revistas de
papeis e livros, e tudo o mais deixando capítulos, do modo com que se há-de proceder dali em
diante em algumas matérias”. Correição é ainda o “distrito da jurisdição do corregedor e menos
propriamente o da jurisdição do ouvidor, provedor e juiz de fora, e assim se divide o reino de
Portugal em (…) províncias e estas em (…) correições ou comarcas” (in Raphael BLUTEAU,
Vocabulario portuguez e latino, aulico, anatomico, architectonico, bellico, botanico, brasilico,
comico, critico, chimico, dogmatico, dialectico, dendrologico, ecclesiastico, etymologico,
economico, florifero, forense, fructifero... autorizado com exemplos dos melhores escritores
portugueses, e latinos..., Coimbra, Collegio das Artes da Companhia de Jesus,1712-1728, Tomo I,
p.563).
24
Cfr. sobre as qualidades de um corregedor, em 1515, IANTT, gaveta XX, maço 6, doc.2.
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e cinco anos, poderia ser um obstáculo no exercício de funções judiciais, ainda que o rei
25
pudesse criar excepções .
Outro requisito impunha o dever de casar dentro de um ano a contar da data em que
fosse concedido o ofício, caso não fosse este o seu estado civil à época (OM.I.74.4). Se
durante a judicatura enviuvasse, deveria casar novamente dentro, também, do período
de um ano, sob pena de perda do cargo, salvo se tivesse mais de quarenta anos.
Obviamente que todas estas imposições poderiam ser excepcionadas pelo monarca.
Para além das qualidades físicas e morais já enunciadas, a mesma compilação
indicava como outros requisitos o ser natural do Reino, “bom, e leal Nos deseje seruir, e
ame perfeitamente Nossa Pessoa, estado, e Seruiço; porque porque com a graça de
Deos por ella Reynamos, e a ella sobre todalas cousas deste mundo Tenhamos por isso
maior obriguaçam, pera com equidade sempre a Guardarmos a todos, assi a razam, e
ella mesma Justiça Nos aconselha, que o Regedor que por Nós na dita casa ouuer de
reger seja tal, de que Nosso Senhor seja seruido, e em que Nosso cuidado descanse, e
Nossa conciencia quanto a isso ande sempre descarreguada.” (ibidem).
Entendendo o governante que estavam preenchidos os requisitos físicos e morais
para o desempenho das funções judiciais, era mandada lavrar a respectiva carta de
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mercê , devendo ser pagos os valores determinados, sendo o magistrado provido no
cargo.
III. A RESIDÊNCIA
26
A título exemplificativo, vd. as cartas de mercê concedidas aos escrivães dos juízes dos
órfãos, em 24 de Setembro de 1509 (in Documentos do Arquivo Histórico da Câmara Municipal de
Lisboa, Livro dos Reis, vol. V. Doc. n.º 22 e Livro 1º de Provimento de Ofícios, fls. 120-120v); a
Fernão Rodrigues de Almeida e Antão Martins, juízes dos órfãos, datadas de Lisboa, em 16 de
Junho de 1516 (in Documentos do Arquivo Histórico da Câmara Municipal de Lisboa, Livro dos
Reis, vol. V, Doc. n.º 70); o alvará concedido a Brás Afonso Correia na qualidade de juiz do Marco,
datado de Lisboa, em 24 de Março de 1501 (in Documentos do Arquivo Histórico da Câmara
Municipal de Lisboa, Livro dos Reis, vol. IV. Doc. n.º 56 e fl. 64 do Códice) e a carta régia sobre o
provimento de um lugar de juiz dos órfãos concedido a Nuno Martins, dada em 7 de Março de
1523 (in Documentos do Arquivo Histórico da Câmara Municipal de Lisboa, Livro dos Reis, vol. VII,
Doc. n.º 8 e Livro 2º de provimento de Ofícios, fl. 3v.).
27
Cfr. OM, I, 2-4. As fórmulas adoptadas para o juramento do desembargador, dos corregedores,
ouvidores e juízes de fora seguiam mutatis mutandis uma linha em tudo idêntica.
28
Sobre residências tomadas a magistrados de primeira instância no período em apreço, vd.
IANTT, Corpo Cronológico, Parte I, maços 13 (doc. n.º 34), 24 (doc. n.º 61), 35 (doc. n.º 89), 78
(doc. n.º 9), 39 (doc. n.º 59), 60 (doc. n.º 132), 62 (doc. n.º 111), 69 (doc. n.1), 73 (doc. n.º 36), 74
(doc. n.º 34), 76 (doc. n.º 62), 83 (doc. n.º 20), 88 (doc. n.º 19), 93 (doc. n.º 69), 95 (doc. n.º 85),
103 (doc. n.º 89), 111 (doc. n.º 103); Parte II, maço 2 (doc. n.º 118).
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encontram-se os corregedores, ouvidores, provedores e juízes de fora . Por sua vez, os
magistrados das instâncias superiores como a Casa da Suplicação, Mesa do
Desembargo do Paço, Mesa da Consciência e Ordens e Conselho da Fazenda estavam
30
isentos desta prática , ainda que o controlo disciplinar não se encontrasse totalmente
afastado, como veremos. No que diz respeito aos juízes ordinários, as inspecções eram
feitas segundo o método das inquirições devassas, as quais seriam realizadas por
aqueles que lhes sucederiam no cargo, seguindo um procedimento muito semelhante ao
das residências, dado que se punha termos às devassas gerais (OM.I.44). Uma vez
tiradas as referidas inquirições, as mesmas eram comunicadas aos corregedores das
comarcas. Os oficiais de justiça seriam alvo de devassas gerais nos termos do §36 do
mesmo título.
Aos exames ou inspecções periódicas realizados no final do período do exercício dos
31
cargos régios era dada a classificação de residências , explicando Bluteau que se
tratava de uma investigação oficial a magistrados e oficiais judiciais, a qual pretendia
conhecer da prática de irregularidades e crimes cometidos durante o período da
32
judicatura , sem contudo excluir a possível conivência dos respectivos escrivães e
33
demais funcionários judiciais . Tratavam-se, em resumo, de avaliações de mérito que
tiveram a sua génese no direito divino e no direito romano e que ao atenderem ao
34
período de cada judicatura , punham em prática um conjunto de medidas disciplinares
que viabilizava a progressão na carreira. Assim sendo, o bom juiz não deveria receber
29
Vd a este respeito as disposições consagradas nas cortes d Santarém de 1431 in IANTT,
Colecção de Cortes, II, fol. 35. No mesmo sentido, vide cortes de 1472, cap. 39; de 1481 (Évora),
in colecção e cortes, III, fol.53-55, caps. 27 e 28; carta régia de 23 de Março de 1473, cartas de lei
de 11 de Junho de 1482, 16 de Agosto de 1482, 12 de Abril de 1487 e de 5 de Setembro de 1491;
bem como OF, I, 60.
30
Sobre esta matéria e para o período do ancien règime na vigência das Ordenações Filipinas,
vd. António Pedro Barbas Homem, Iudex Perfectus, Almedina, Coimbra, 2003, pp. 674-675.
31
Vd. termo residência, in Vocabulario …, tomo II , p. 332.
32
O proémio do título VIII do Livro III das Ordenações Manuelinas previa ainda a possibilidade de
os juízes serem investigados nas residências e responderem pelos crimes praticados fora do
exercício de funções, aqui devendo ser incluídos todos os crimes praticados antes do início de
funções.
33
Fora desta classificação estavam v.g. os oficiais das sisas, os oficiais que acompanhavam os
juízes dos órfãos e o tabelião das notas.
34
OF, I, tit, 60. A este respeito, vide cartas régias de 31 de Abril de 1606, 17 de Maio de 1616, 6
de Junho de 1717, 24 de Setembro de 1623, 30 de Janeiro de 1630, 13 de Junho de 1633,
decretos de 30 de Janeiro de 1649, 8 de Março de 1651, 28 de Agosto de 1658, 13 de Abril de
1663, 30 de Janeiro de 1664, 24 de Setembro de 1668, 1 de Abril de 1667, 8 de Junho de 1669, 14
de Novembro de 1673, 20 de Novembro de 1677, 22 de Janeiro de 1678, 18 de Março de 1712, 11
de Março de 1716, 17 de Outubro de 1720, 6 de Fevereiro de 1723, 7 e 10 de Janeiro de 1724, 11
de Março de 1732, 29 de Março de 1733, 16 de Janeiro de 1738, 7 de Maio de 1739, 23 de
Outubro de 1742, 7 de Fevereiro de 1743, 17 de Setembro de 1750, portaria de 22 de Setembro de
1770, alvará de 8 de Fevereiro de 1775, lei de 21 de Outubro de 1793, §1.
13
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peitas , falsear documentos, solicitar valores excessivos e indevidos às partes, ser
negligente e moroso no desembargo das causas, abandonar a comarca à qual estava
afecto nem ser substituído sem prévia autorização régia. De igual modo estava também
vedada a celebração de contratos com as partes dos quais resultassem benefícios para
ambos, excepto se diziam respeito a actos triviais da economia diária; a ligação
comprometedora aos senhores da terra e as relações com mulheres que fossem parte
em juízo.
Muito embora os citados comportamentos não fossem nem tão esporádicos nem tão
isolados, não podemos concluir que todos os factos e queixas formuladas chegassem à
instância régia. O conhecimento que o monarca poderia ter das irregularidades e crimes
praticados adviria das deambulações que fazia por algumas regiões do reino, ou ainda
36
da exposição dos agravos que lhe eram dirigidos em cortes e que compunham os mais
variados róis de capítulos quer especiais quer gerais. Vários são então os meios
utilizados para fazer chegar ao conhecimento régio que a aplicação da legislação estava
a ser preterida e a função judicial desvirtuada, levando em seguida a despoletar o
mecanismo de fiscalização. Assim, falamos de queixas ou denúncias apresentadas por
37
particulares , ao mesmo tempo que poderia decorrer da correição de um magistrado
face aos actos do seu antecessor numa determinada comarca. De enorme importância
eram as correições ou inquirições anuais do modo como os magistrados e funcionários
locais exerciam os seus cargos, julgando-os com faculdade de recurso, as quais
38
decorriam da competência inspectiva do corregedor , ainda que o âmbito de
abrangência destas medidas não fosse extensível a todas as comarcas do reino por
35
Por peita, diz Bluteau que reside no conceito romano de largitio (qui aliquis molitur corruptelam
judicii) ou pecunia ad subornadum judicem, devendo entender-se como “qualquer coisa que se dá
para subornar o juiz e corromper a justiça (in Vocabulario…, tomo II, p.369). Cfr. ainda OM, livro V,
56.
36
Nesta circunstância podemos citar exemplificativamente o capítulo 11º, entre os capítulos
gerais apresentados pelos procuradores dos concelhos, dados nas Cortes de 1498 onde o
monarca é informado que as Relações, corregedores e juízes de fora não respeitam certos direitos
dos concelhos. Nas mesmas Cortes, o capítulo 33 solicitava que se intimassem os
desembargadores, corregedores da corte e comarcas e demais juízes, a respeitarem as
ordenações, privilégios e capítulos de cortes. A ambos os pedidos o rei dá resposta favorável
conformando-se com o solicitado (in Carta testemunhável datada de Lisboa, em 16 de Maio de
1498, in Documentos do Arquivo Histórico da Câmara Municipal de Lisboa, Livros de Reis, I, doc.
n.º 34).
37
Cfr. a carta do Doutor Villa Lobos, corregedor de Évora, em que remetia ao monarca os autos
que mandara processar contra Rui Gil Magro e Gaspar de Figueiredo, meirinhos da correição, por
palavras injuriosas proferidas contra ele (in IANTT, Corpo Cronológico, Parte I, maço 88, doc. n.º
19).
38
Vide nota 25.
Sección monográfica: Justicia y Comunidades en Portugal (Edad Media y Moderna)
39
Cfr. lei de 2 de Novembro de 1564, in Colecção de Leis extravagantes de Duarte Nunes de
Leão, Parte I, titulo IIII, lei I, §131, fl. 18. Vd. também a carta do Doutor Lopes de Vilarinho, juiz dos
órfãos da cidade de Tavira, dirigida a D. João III onde lhe pede que mande tirar a sua residência
por haver seis anos que exercia o cargo, inIANTT, Corpo Cronológico, Parte I, maço 86, n.º 112 e
maço 80, n.º 81.
40
Cfr. Isabel Graes, O Poder e a Justiça em Portugal no século XIX, AAFDL, Lisboa, 2014 e Em
torno de uma sindicância judicial extraordinária: o processo do juiz de Direito de Meda, in
Cuadernos de História del Derecho - Universidad Complutense de Madrid, vol. 21, Madrid,
2015,pp.113-165. Sobre a prática de ius corrigendi, vd. ainda Maria José Collantes de Téran de la
Hera, El juicio de residencia en Castilla a través de la doctrina jurídica de la edad moderna, in
Historia Instituciones Documentos, ISSN 0210-7716, Universidad de Sevilla, vol. 25, 1998, pp. 151-
184 e Benjamín Gonzalez Alonso, Los procedimientos de control y exigencia de responsabilidad de
los oficiales régios en el antíguo régimen (corona de Castilla, siglos XIII-XVIII), in Anuario de la
Facultad de Derecho de la Universidad Autónoma de Madrid, ISSN 1575-8427, 4, 2000, pp. 249-
271.
41
Vide exemplificativamente a carta régia de 23 de Julho de 1496, (in Documentos do Arquivo
Histórico da Câmara Municipal de Lisboa, Livro dos Reis, vol. IV. Doc. n.º 3), o alvará de 10 de
Setembro de 1535 (in Livro V da Casa da Suplicação, fol. 11 e a Compilação de Duarte Nunes de
Leão, Parte I, título 10 e Lei 5, fl. 32) e o assento de 12 de Fevereiro de 1596 (in Livro 3 da Esfera
da Casa e Relação do Porto, fol. 266).
Por devassa, deve ser entendido, o acto jurídico pelo qual são inquiridas testemunhas acerca de
algum crime (cfr. Bluteau, op. cit, tomo I, p. 432). A inquirição devassa corresponde ao
procedimento de investigação a que sucede a apreciação judicial. Cfr. ainda OA, I, 24. A título de
exemplo, vd. as inquirições-devassa realizadas, em Almeirim, nos dias 28/30 de Dezembro de
1499 e a 4 de Agosto, em Beja, respectivamente, in IANTT, Corpo Cronológico, Parte 2ª, maço 3,
doc.60 e maço 8, doc. 107. E ainda, do mesmo Fundo, e relativo ao ano de 1514, o maço 51,
doc.21. Igualmente, em carta de 23 de Abril de 1548, o corregedor da Guarda dava conta ao
monarca que tendo ido em correição ao concelho de Algodres, encontrara um tabelião culpado em
“grandes culpas e erros” necessitando lhe fosse lavrada uma provisão que o legitimasse a realizar
a devida devassa (in IANTT, Corpo Cronológico, Parte I, maço 80, doc. 81).
15
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1.
A fiscalização de funções e todo e qualquer acto de correição devia ser executado por
funcionários régios “…como cousa que esguarda a superioridade, e o maior e mais alto
Senhorio, a que todos sam fogeitos, a qual assi he unida e conjuncta ao principado do
rey, que a nom pode de todo de si tirar, Defendemos, que ninhuu Senhor de Terra ou
terras, de qualquer estado que seja, nom use por si, nem por seu Ouuidor, nem por
outrem, de Correiçam, nem de auto alguu della” (OM,V, 26.15).
Se os actos dos magistrados de primeira instância eram aferidos pelo corregedor, os
actos dos magistrados dos tribunais superiores e da chancelaria eram sindicados pelo
Regedor da Casa da Suplicação, o qual deveria com cuidado e vigilância “escodrinhar e
saber como os desembargadores e Officiaes que para administração da justiça são
deputados, vivem e usam de seus ofícios”, se são “negligentes, e remissos em seus
desembargos ou de escândalo das partes, ou se são vistos e achados nelles outros
defeectos taees” para que “apartadamente ante si o amoeste, e lhe diga que se
emende”. Não respeitando a admoestação, o magistrado deveria ser conduzido ao
43
monarca que lhe daria “aquelle castigo, que por sua culpa merecer” . Paralelamente, o
Regedor da Casa da Suplicação deveria ainda informar-se periodicamente acerca da
realização das audiências da corte e da comparência dos escrivães nas mesmas (OM,
42
Cfr. IANTT, Corpo Cronológico, Parte I, maço 86, doc. n.º 112.
43
Cfr. OM. I, 1,8.
Sección monográfica: Justicia y Comunidades en Portugal (Edad Media y Moderna)
I.21), assim como deveria aferir da presença dos meirinhos das cadeias naquelas
audiências, posto que a elas era obrigado (idem, ibidem).
O Regedor da Casa da Suplicação deveria ainda com grande cuidado e diligência
saber se o meirinho da corte, o das cadeias e os escrivães da Casa da Suplicação
“fazem fieldade em seus Officios, e sam assi deligentes no seruiço deles como deuem, e
fam obriguados por seus Regimentos, e se no despacho das partes sam escandalosos, e
de maas repostas, ou lhes leuam de suas escripturas mais do que lhes he ordenado,
tirando em cada huu anno inquiriçam deuessa sobre eles do que dito he. “ (OM. I, 1. 41,
42 e 45). Era ainda conferido poder ao Regedor da Casa da Suplicação para nos casos
em que alguma parte se queixasse de um escrivão, pudesse “tirar as testemunhas que
lhe bem parecer e aquello que achar que mal fazem emendalo-há. E fará correger como
seja razam, e eles satisfaçam com o que deuem: e achando alguus compreendidos em
erros taees, porque mereçam castiguo nas pessoas, ou nos Officios, mandará proceder
contra os taees como com dereito deua, cometendo suas culpas ao Chanceler Moor a
quem o conhecimento pertence.”(idem, ibidem). Poderia ainda o mesmo Regedor
suspender os ditos escrivães quando lhes encontrasse culpa na devassa ou inquirição,
44
medida que, posteriormente, deveria ser comunicada ao monarca .
Ao mesmo Regedor cabia executar as penas sobre os corregedores das comarcas
que passado um ano, desde a tomada de posse das suas correições, não tivessem
remetido a inquirição a que eram obrigados a tirar sobre os corregedores que os haviam
antecedido no cargo.
Mais tarde, D. Sebastião determina, por alvará de 29 de Janeiro de 1579, que os
corregedores, provedores, ouvidores e juízes ordinários e dos órfãos não devassem ou
inquiram sobre os actos dos contadores, distribuidores, alcaides, meirinhos e outros
oficiais de justiça, nem façam “com eles correição por haverem de dar residência,
quando a dessem aos ditos Corregedores, Provedores, ouvidores e Juizes”, disposição
que veio a ser revogada por uma lei de Filipe III de Espanha, datada de 26 de Julho de
1602, muito embora o mesmo diploma retomasse a prática já existente ao consagrar que
os provedores de comarcas deveriam efectuar residências a cada três anos aos juízes
dos órfãos que fossem perpétuos, bem como aos oficiais que com estes servissem e aos
tabeliães, escrivães, meirinhos, alcaides e demais oficiais de justiça como vinha
determinado no respectivo regimento, sem excluir as residências periódicas trienais que
era uso fazer-se.
44
Cfr. ainda a respeito dos erros dos escrivães, o assento de 27 de Abril de 1566 (OM.I.1.40 e
Livro IV da Casa da Suplicação, fl. 127).
Entre os demais ofícios de justiça, o carcereiro era também fiscalizado pelo Regedor da Casa da
Suplicação (OM. I.1.43).
17
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45
Vd. OM, V, 26.18-19 e 27. Cfr. ainda a Carta Régia de 30 de Março de 1575 sobre a regulação
da jurisdição dos ouvidores do conde de Odemira e do corregedor a quem é devido fazer a
residência.
46
“Que ninhua pessoa possa poer ouuidor, que nom seja da Nossa jurisdiçam, que nom seja da
Nossa Jurisdiçam”, sob pena de ser suspensa a jurisdição e ficarem sem efeito os actos praticados
(OM,II.49 e II..26.39-40. Vd ainda OM, II.26. 52-53).
Mais tarde, a lei de 19 de Julho de 1790, aboliria o poder e jurisdição dos donatários que Pombal
havia respeitado, o que traduziria, doravante, uma certa uniformização no plano da administração
judiciária. Seria deixado apenas aos altos donatários o direito de poder continuar a nomear os
corregedores e juízes de fora nos seus senhorios, ou poderem continuar a propor os nomes de
quem deveria desempenhar estas funções. Recorde-se que até esta data, as OF consagrariam
alguns privilégios, em matéria judiciária, aos donatários cujos ouvidores dispunham de atribuições
tão importantes como as dos corregedores. Muito embora estes últimos pudessem e devessem
fazer correição nas terras dos donatários, logo sobre os actos dos ouvidores, como expusemos
atrás, logo em 1614, é determinado que os corregedores só poderiam entrar naqueles territórios
mediante provisão passada pelo Desembargo do Paço, a qual só poderia ser utilizada uma vez
devendo ser previamente avisada aos senhores das terras. Desta situação às isenções de
correição a distância não se fez tardar, sendo inúmeros os casos em que a coroa a concedeu.
47
Vd. a Carta para o ouvidor do Bispo de Lamego nos lugares de Canelas e Várzeas, in IANTT,
Corpo Cronológico, Parte I, maço 69, n.º 1.
Sección monográfica: Justicia y Comunidades en Portugal (Edad Media y Moderna)
48
denúncia , tendo, mais tarde, em virtude da não resolução daquela, sido reconduzido ao
49
cargo por carta régia de 11 de Agosto de 1499 . Durante o momento da investigação, o
50
magistrado sindicado era substituído .
2.
48
In Documentos do Arquivo Histórico da Câmara Municipal de Lisboa, Livros dos Reis, vol. III,
doc. n.º 85.
49
Idem, ibidem, vol. IV. doc. n.º 42.
Acerca da substituição de um magistrado por incompatibilidade de funções, cfr. o caso de João
Fernandes, juiz de Zibreira, cfr. alvará datado de 29 de Maio de 1501, in Documentos do Arquivo
Histórico da Câmara Municipal de Lisboa, Livro dos Reis, vol. IV. Doc. n.º 59) e de Álvaro Botelho,
juiz do Cível de Lisboa, conforme alvará datado em Lisboa, a 2 de Abril de 1502 (in Documentos
do Arquivo Histórico da Câmara Municipal de Lisboa, Livro dos Reis, vol. IV. Doc. n.º 74). Cfr ainda
o caso de André Vaz a quem é conferida a escusa do cargo de juiz do crime da cidade de Évora,
cfe. carta régia datada de 27 de Abril de 1509, in Documentos do Arquivo Histórico da Câmara
Municipal de Lisboa, Livro dos Reis, vol. IV. Doc. n.º 21).
Também sobre a recondução de magistrados aos cargos desempenhados anteriormente, mas
sem que se tivesse verificado qualquer irregularidade no desempenho da jurisdição dos juízes do
cível e do crime da comarca de Évora, vd. carta régia de 18 de Fevereiro de 1524 (in Documentos
do Arquivo Histórico da Câmara Municipal de Lisboa, Livro dos Reis, vol. VII, Doc. n.º 14).
Cfr. ainda IANTT, Corpo Cronológico, Parte I, maço 74, n.º 34, acerca do auto que o Dr.
Fernando de Magalhães mandou fazer quando prendeu o licenciado Pedro Álvares, corregedor da
comarca da Torre de Moncorvo, por culpas de residência.
50
In IANTT, Colecção de Cortes, II, fol. 155v.
51
Idem, ibidem.
19
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52
I, 39, §30, livro II, 26, §15; e, OF I, 58, §53.
53
A respeito da nomeação de um desembargador para a função de correger e fundamentando-a
no facto deste ser da confiança do monarca, é designado o desembargador da Casa da
Sopricaçam, Brás Afonso Correia, o qual seria enviado para a comarca de Lisboa, conforme
documento datado em Alcochete, a 11 de Julho de 1496 (in Documentos do Arquivo Histórico da
Câmara Municipal de Lisboa, Livro dos Reis, vol. IV. Doc. n.º 2).
54
Cfr. a carta de Fernando de Magalhães remetida a D. João III, onde aquele informa que ficará
em Coimbra para aí terminar a sua residência, a qual logo que estiver terminada será remetida à
corte, in IANTT, Corpo Cronológico, Parte I, maço 13, n.º 34.
Sección monográfica: Justicia y Comunidades en Portugal (Edad Media y Moderna)
Para além das investigações oficiais que acabámos de descrever, o controlo feito à
actividade judiciária podia resultar das correições, isto é de um conjunto de actos
desencadeados pelo corregedor e pelos seus oficiais no território sob a sua alçada, quer
por meio de devassa quer da análise de documentação constante de cada juízo na área
que estava sob a sua jurisdição tendo por objectivo emendar, corrigir, pôr fim a erros,
abusos e incorrecções decorrentes de violência assim como de faltas na administração
56
da justiça , devendo o magistrado em causa, designado por corregedor, informar-se dos
feitos desembargados no tribunal, das inquirições e das devassas.
Para o exercício legítimo das funções enumeradas, era necessário que o magistrado
tivesse sido devidamente nomeado, sob pena de vir a ser punido conforme decorre da
carta de 21 de Maio de 1338 que D. Afonso IV remete ao corregedor da Beira que havia
57
incorrido no vício de abuso de autoridade . Assim, tendo sido legitimamente designado
para o acto de correger, antes mesmo de chegar à comarca onde iria exercer funções, o
corregedor deveria exigir dos tabeliães em exercício a apresentação dos estados de
modo a poder tomar conhecimento dos delitos aí praticados e da forma como a
localidade era governada. Para este efeito, aqueles deveriam escrever, sempre na
presença de testemunhas, todas as querelas que lhes fossem dadas assim como aos
juízes dos lugares onde servissem.
As regras relativas ao modo de proceder à correição decorrem de uma determinação
de D. João I, lavrada nas cortes de Santarém de 1406 segundo a qual o corregedor
devia visitar os lugares alvo de correição três vezes por ano, periodicidade que a
compilação manuelina alterará, como já mencionámos, não podendo permanecer mais
de oito dias em cada um daqueles lugares, a menos que alguma circunstância especial
55
Vide nota 8.
56
OA, I, XXIII,§4.
57
In Chancelaria de D. Afonso IV, livro 4, fol. 29v.
21
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58
assim o impusesse . Caso aí ficasse abusivamente, podia o procurador do concelho
solicitar que se retirasse, ao que o não fazendo devia ser dado conhecimento da
situação ao monarca por meio de carta testemunhável contendo a resposta do
corregedor, que a devia dar dentro de três dias. Caso se recusasse a responder,
qualquer tabelião tinha o dever de emprazar o corregedor para que se apresentasse ao
monarca dentro de nove dias se este se encontrasse em algum lugar da correição e
59
dentro de três dias a fim de receber o castigo que o monarca entendesse . Saliente-se
que tais medidas vêm na sequência de um conjunto de abusos a que importava pôr fim e
que haviam sido cometidos pelos corregedores que se demoravam nas localidades por
60
vezes mais de seis meses a expensas dos moradores locais .
As funções desempenhadas pelo corregedor da comarca são assaz abrangentes, não
se destinando apenas a realizar sindicâncias, dispondo a este respeito de modo
minucioso a compilação manuelina (OM.I.39). Assim, podem ser evidenciadas as
seguintes linhas de actuação: manutenção da ordem pública, tutela sobre aqueles que
desempenham funções na advocacia, tabelionato, magistratura e vedoria, foro militar,
fiscal, administrativo e jurisdicional. Posto que apenas nos propusemos à apresentação
dos actos de fiscalização da justiça, enunciaremos os casos que deveriam ser inquiridos
pelo corregedor novo sobre o corregedor da comarca anterior, consagrados no título 41
do Livro 1 das Ordenações Manuelinas a este respeito. Assim cabia ao corregedor aferir
se o seu antecessor procedera à correição anual nos lugares da sua comarca, se o
61
deixou de fazer e quais os motivos ou se o fez de modo abusivo ; se cumprira o
disposto na legislação vigente ou se permitia abusos por parte de terceiros, em prejuízo
62
do monarca ; se viu os forais de cada lugar; se recebia peitas ou dádivas de alguns dos
63
grandes ou fidalgos por lhes ser favorável em seus feitos ; se tinha cuidado de saber se
58
No caso do corregedor do crime da corte determinavam as Ordenações Manuelinas que
deveria este proceder à realização de duas audiências públicas por semana, às terças e sextas
(Livro I, tit.5, §20). Vide ainda a este respeito a Reforma da Justiça, lei de 27 de Julho de 1582, §9
e lei de 16 de Setembro de 1586, §1.
Frise-se ainda que também não podia o corregedor ausentar-se do local da correição sem
licença régia (OF, I, 58, §55; e Colecção de Leis Extravagantes de Duarte Nunes de Leão, parte
1ª, tit.17, lei 11; §11 e lei 2.
59
OM, I, 30, pr., e 39, §21; OF, I, 58, pr. e §§ 1 e 2.
60
Cfr. carta dirigida ao concelho de Santarém, de 26 de Setembro de1406, colecção de cortes, I,
fol. 300v; e carta ao concelho de Coimbra de 24.09.1406, colecção de cortes, VI, fol.205. Vide
ainda a este respeito (chancelaria de D. Afonso V, livro 15, fol. 134; chancelaria de D. Afonso V,
livro 36, fol. 146 ). O mesmo tipo de agravo é apresentado nas cortes da Guarda de 1465
(colecção de cortes, II, fol. 152) e nas cortes de Évora de 1481 (caps. 28 e 156).
61
OM, livro I, tit.41, §2; OF, I, 60, §5.
62
OM, livro I, tit. 41, §§ 3 e 4; OF, I, 60, §§6 e 7.
63
OM, livro I, tit. 41, §6; OF, I, 60, §8.
Sección monográfica: Justicia y Comunidades en Portugal (Edad Media y Moderna)
64
OM, livro I, tit. 41, §9; OF, I, 60, §10.
65
OM, livro I, títulos. 39, §§11 e 28 e 41, §10; OF, I, 58, §8 e 60, §11; bem como a Colecção de
Leis Extravagantes de Duarte Nunes de Leão, parte 1ª, tit.4, lei 2, §18; tit.3, lei 1, §2.
66
Alvará de 07.01.1588.
67
OM, livro I, tit. 41, §5; OF, I, 60, §17.
68
Cfr. Colecção de Leis extravagantes de Duarte Nunes de Leão, Parte I, titulo III, lei I, §3.
69
OM, livro I, tit. 41, § 13 e 14; OF, I, 60, §18.
23
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Ainda que a regra fosse a de que o corregedor não conheceria por acção nova, não
podendo avocar feito algum, fosse ele cível ou crime, visto que este conhecimento
pertencia aos juízes ordinários e de fora, quando o juiz local manifestava ter receio de
aplicar a lei em virtude de serem partes na causa sub judice juízes, alcaides,
procuradores, tabeliães, fidalgos, abades e priores ou quaisquer outros indivíduos com
privilégio de foro ou cuja importância na localidade; o corregedor podia conhecer do
processo. A excepção verificava-se ainda nos feitos e causas em que o juiz da terra
fosse suspeito, nas causas que tratassem em distância de duas léguas contadas do
lugar onde o corregedor estivesse, desde que não fosse fora do distrito da sua comarca,
70
nem em cidade ou vila, onde houvesse juiz de fora . Caso o corregedor encontrasse um
feito por julgar, e entendesse ter o juiz sido negligente procederia contra este último.
Inclusive se a culpa fosse de algum advogado, o corregedor também lhe poderia aplicar
as devidas penas, expulsando-o mesmo da terra ou proibindo-o de exercer a advocacia.
Uma vez examinados os feitos, o corregedor poderia mandar prender o infractor,
entregando-o depois aos juízes que não receassem aplicar a lei, como consta do
Regimento de 1340. Note-se que enquanto durava a correição, o corregedor poderia
acompanhar o trâmite do processo, fiscalizando-o. Assim, poderia determinar ao tabelião
que caso o juiz não agisse em conformidade com a lei, aquele deveria fazê-lo constar
dos livros para que, posteriormente, o corregedor dele tivesse conhecimento.
Sempre que o corregedor se ausentasse do lugar não podia levar consigo os feitos de
que havia tomado conhecimento por acção nova, ou tivesse avocado por alguma razão,
devendo deixá-los no lugar e no estado em que estivessem para que os juízes da terra
continuassem a marcha processual. Deste modo, só seria permitido que levasse consigo
os feitos, se entendesse que por se tratar de pessoas da localidade, os juízes locais não
71
cumpririam devidamente a lei . Em caso de suspeição, conhecia do feito um homem
bom do concelho.
Por sua vez, o corregedor dos agravos conhecia, como a designação indica (por
agravo) dos actos que viessem dos juízes ordinários e de fora, sujeitos à sua correição.
Compreendem-se aqui os agravos de sentenças interlocutórias e por consequência dos
de petição e de instrumento, de maneira que, dentro das 5 léguas, do lugar onde o
corregedor se encontre, e dentro do termo do mesmo lugar, ainda que exceda as 5
léguas, se agrave, para ele, por petição. De todos os outros lugares da comarca, se
agrava por instrumento. No que diz respeito aos agravos ordinários e porque estes se
interpunham das sentenças definitivas ou das interlocutórias, que tinham força de
70
Cfe. lei de 20.10.1592. Vide ainda Colecção de Leis Extravagantes de Duarte Nunes de Leão,
parte 1ª, tit.17, lei 3 e OF, I, 58, §23.
71
OM, I, 39, §6; OF, I, 58, §24.
Sección monográfica: Justicia y Comunidades en Portugal (Edad Media y Moderna)
72
definitivas ; não tinha o corregedor jurisdição para revogar semelhantes sentenças, nem
conhecer dos agravos que delas se interpusessem. Pela mesma razão se lhes proibia
73
conhecer por apelação .
Por fim, o corregedor poderia tirar devassa dos delitos cometidos na sua comarca, e
principalmente daqueles que por sua gravidade merecessem maior indagação, devendo
74
tirar devassa , bem como poderia proceder contra os culpados impondo-lhes, por si
mesmo, as penas, em que tivessem incorrido ou remetendo as culpas para o juízo
superior. Recorde-se que aos juízes ordinários e dos órfãos era mandada tirar devassa
anual. Os juízes de fora do cível, crime ou órfãos que não fossem perpétuos não
estavam compreendidos por esta medida, uma vez que os ministros e oficiais de justiça
75
sujeitos à residência, não estão submetidos às devassas gerais da ordenação .
Ante o exposto, podemos afirmar que a correição tinha um efeito preventivo,
correctivo e punitivo. Seria preventivo sempre que se acautelassem vícios, ao conferir
livros de registo, ao verificar a realização de audiências gerais e ao conhecer da aptidão
para o cargo dos oficiais menores e tabeliães. O efeito correctivo verificava-se sempre
que procedia à alteração e sanação de erros imprudentes e não dolosos. Por fim, o
efeito punitivo visava a suspensão e destituição de oficiais de justiça ímprobos e
peitados.
a) lavrar nos devidos termos as cartas e escrituras que fossem feitas perante o
corregedor;
72
OF, III, tit.84.
73
OF, I, tit. 6, §12 e tit. 37,pr.
74
OF, I, 6,§§31 a 35. Vide Colecção de Leis extravagantes de Duarte Nunes de Leão e
Princípios de direito divino, natural, público, etc, de Filippe José Nogueira, nas remissões ao título
58, §31 e ss.
75
A excepção diz respeito aos oficiais dos juízes de fora dos órfãos, os quais não estavam
isentos de devassas das correições, sem embargo de se lhes tomar residência de três em três
anos, cfe. alvará de 29 de Janeiro de 1579, confirmado pela lei de 26 de Julho de 1602 e pela lei
de 2 de Dezembro de 1750.
76
Vide João Pedro Ribeiro, Diss. Chron., p.34. Cfr.art. 62º das cortes de 1361, in IANTT,
Colecção de cortes, maço I, fol.151.
25
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Os escrivães das correições eram permanentes, ainda que nas cortes de Lisboa de
1427 os povos tenham agravado no sentido de serem mudados os escrivães, assim
como os corregedores. Nessas mesmas cortes resolveu o monarca que em cada
78
correição não poderia haver mais de quatro escrivães muito embora o número tenha
aumentado para seis; tendo atingido, em 1468, o número de dez.
Paralelamente encontramos ainda, o chanceler da correição que estava encarregado
de promover a cobrança das penas pecuniárias que pertenciam ao fisco e eram impostas
79
pelas justiças da comarca, assim juízes como almoxarifes e contadores .
77
Cfr. Chancelaria de D.Afonso IV, livro 4º, fol. 15.
78
In IANTT, Colecção de cortes, VI, fol. 225v.
79
Regimento de 3 de Março de 1443, in OA, I, 72, §§1, 14 e 15.
80
Vd OF, livro I, tit.74.
81
Cfr. art. erros de ofício, in Diccionario Contemporaneo da Lingua Portugueza, F.J. Caldas
Aulete e António Lopes dos Santos, com prefácio de Basilio de Castelbranco, Livraria de
A.M.Pereira, Lisboa, p. 648. Cfr. a carta de Lourenço Vaz Pereira, ouvidor do Mestrado de Avis
expondo ao monarca que tirando residência de João mendes, alcaide de Ávila de Fronteira, este
ausentara-se com receio dos erros de ofício que repreendera ao juiz de fora Gonçalo de Almeida
que por injustas suspeições de Luis Soeiro, movia na vila de Avis, bem como a carta de D. Manuel
I para António Correia para que proceda á devassa de um escrivão e tabelião dos órfãos de
Pampilhosa, sobre os erros de ofício, respectivamente in IANTT, Corpo Cronológico, Parte I, maço
103, n.º 89; maço 24, n.º 61 e maço 35, n.º 89.
82
Sobre a notificação e citação indevidas em tribunal incompetente, cfr., OM, III, 3-6 e o assento
de 31 de Agosto de 1584 (OM I.10.14 e Livro VIII da Casa da Suplicação, fol. 122).
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Em 1515, D. Manuel toma conhecimento de que motivos de saúde impedem o corregedor da
comarca de Entre Douro e Minho de manter o desempenho de funções, o qual “… tem cuidado de
despachar os presos e feitos quando não é doente porque amiúde o é e se acha mal” (in IANTT,
Gaveta XX, maço 6, doc.2).
84
Luis Miguel Duarte cita para o período manuelino alguns casos de renúncia fundados na
ausência de condições físicas que permitissem ao detentor do cargo aí permanecer, vd. Justiça e
criminalidade no Portugal Medievo, 1459-1481, FCG, 1999, p.179.
85
Recorde-se que, muitas vezes, os nomes indicados poderiam ser sugeridos ao monarca por
aqueles que estavam mais próximos dele, o que leva também a criar um certo núcleo oligárquico
viciado por algum nepotismo.
86
Note-se que paralelamente existem cargos concelhios e senhoriais, mas sobre estes não nos
deteremos.
87
Importa salientar que um estatuto de 30 de Novembro de 1478, publicado em Évora “pelo
doutor Diogo da Fonseca que tinha carrego de corregedor da corte”, indica a inexistência de
separação de funções, situação que só parece ter sido alterada em 1488 (assento de 5 de
Fevereiro).
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o mesmo já não sucedia quando se tratava da prática de um delito . Na legislação
manuelina podemos, por conseguinte, distinguir os erros dolosos dos erros culposos,
quer se trate de actos irregulares com o fito de prejudicar as partes ou de violação da lei,
ou de meras condutas negligentes e reveladoras de incúria ou ignorância no
desempenho do officium. Se os primeiros nos conduzem à tipologia penal, visto tratar-se
de prevaricação, corrupção, peita ou suborno, os segundos são facilmente corrigidos em
89
sede de recurso , até porque não são alvo de sindicância, podendo, em alguns casos,
estar associados a advertências verbais de natureza disciplinar, enquanto os primeiros
implicam na perda do ofício, no desterro ou mesmo na aplicação da pena de morte. Se a
legislação não é exaustiva no que diz respeito à tipologia do erro de ofício, ao tratar dos
crimes praticados pelos magistrados e demais oficiais de justiça, o cuidado em ser mais
detalhada é uma constante.
Deste modo, a legislação em vigor classificava como tratando-se de uma infracção: a
venda do ofício sem licença régia e a renúncia do lugar por doença, analisada supra; ou
tendo sido feito neles alguns erros (OM,I.53 pr.). Para estas situações, estava previsto,
para o vendedor, a perda do preço e o ofício e, para o comprador, o preço pago e o
ofício. Caso tivessem efectuado alguns erros e viesse a ser alienado o ofício, o infractor
e ora alienante não deixava de poder ser acusado e condenado pela conduta irregular e
indevida. Se tivesse sido vendido a outro oficial a quem tivesse sido feita mercê do dito
ofício, em virtude da renúncia, seria condenado o renunciante na totalidade do dito ofício
sendo entregue a metade para quem o acusasse e a outra metade para o monarca. Ser-
lhe-iam ainda aplicadas as demais penas que a legislação previsse. Se não fosse
apresentada a denúncia no prazo de dois anos a partir do dia da renúncia já não poderia
ser acusado nem punido. Aquele a quem tivesse sido dada mercê de um ofício em
88
Recorde-se que já em 1398, no capítulo 32 da nobreza da reunião de cortes reunida nesta
data, solicita que o corregedor da cidade de Lisboa deveria passar a “castigar” todo aquele que
“errasse em seu ofício”.
Mais tarde D. João III determinaria ex vi da carta régia de 10 de Outubro de 1534 (in Colecção de
Leis extravagantes de Duarte Nunes de Leão, I Parte, título III, lei I, fls. 7) que cabia aos juízes da
chancelaria régia passarem as cartas de seguro aos que as quisessem tomar de erros ou
falsidades que “se diga terem cometido nos ofícios, ou casos que aos ditos oficios tocarem,
devendo as mesmas ser dirigidas aos juízes dos lugares, onde se disser, os ditos erros conteudos
nas ditas cartas serem cometidos, pera perante eles se livrarem”. Sendo sentenciado, o oficial
sobre o qual recaíra a sentença condenatória por erro de ofício não deveria ser mandado vender o
ofício por ser tal prática prejudicial “aos povos e aos serviço de Sua Magestade” (carta régia de 20
de Julho de 1512 e OM, I, 96.3 e ainda Livro 5 da Casa da Suplicação, fol. 259).
89
A este respeito vd. o recurso de revista o qual tinha a natureza de recurso extraordinário,
sendo mais tarde descriminado em recurso de graça especial e de graça especialíssima, este
interposto directamente para o rei, e baseado em quaisquer fundamentos ponderosos, e aquele
apenas nos que as leis foram estabelecendo e resolvido sempre, mediante formalidades
processuais, por intermédio do Desembargo do Paço que, concedendo-a, mandava julgar de novo
o feito por desembargadores da Casa da Suplicação.
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virtude de renúncia não o perderia pelos erros que tivesse feito aquele que renunciou
(OM.I.74.2).
Por seu turno, a substituição de magistrados não era tampouco permitida, sem que
para tanto fosse dada autorização pelo monarca (OM.I.74.3 e OM, V, 26.18-19 e 27).
Uma palavra ainda para a aplicação indevida da lei (OM, V,58), a qual cabia, por
excelência, ao Regedor da Casa da Suplicação. À não aplicação da lei ou à sua má
aplicação, dedicava o legislador das Ordenações respectivamente o título 58 do livro V
cuja epígrafe dispunha: dos desembargadores e julgadores que não guardam as
ordenações ou as interpretam. Os magistrados que assim agissem teriam os ofícios
suspensos bem como deveriam pagar uma multa de vinte cruzados, valor que seria
entregue à parte prejudicada, sendo declarada nula a sentença ou desembargo em que
as ordenações não tivessem sido guardadas. Deste modo, verificamos que não era
conferida, ao julgador, qualquer competência ou liberdade para interpretar a letra da lei e
se surgissem dúvidas quanto à aplicação daquela, deveriam ser expostas ao Regedor
que, por sua vez, as deveria apresentar em Mesa Grande da Casa da Suplicação, sendo
aí resolvidas por assento. Se na mesa grande persistisse a dúvida, o Regedor
apresentá-la-ia ao monarca para que a resolvesse.
O §1 do titulo LVIII do Livro V das Ordenações Manuelinas vedava ainda a
possibilidade por parte dos magistrados de, em caso de dúvida acerca da letra da lei,
poderem interpretar os preceitos normativos. Assim, “quando os Desembargadores que
forem no despacho d’alguu feito, todos ou alguu deles teuerem algua duuida em algua
nossa Ordenaçam do entendimento della, vam com a dita duuida ao regedor, o qual na
Mesa grande com os Desembargadores que lhe bem parecer a determinará, e segundo
o que hi for determinado se poerá a sentença. E se na dita Mesa forem isso mesmo em
duuida, que ao regedor pareça que he bem de No-lo fazer, pera Nós loguo
90
determinarmos No-lo fará saber, pera Nós nisso Prouermos.” Deste modo, cabia ao
Regedor tomar nota da “determinaçam que sobre o entendimento da dita Ordenaçam se
tomar”. Estavam assim consagrados os assentos que sendo da competência do tribunal
supremo do reino (a Casa da Suplicação) teriam valor vinculativo para casos futuros
semelhantes.
Afastada a denegatio iustititiae, o mencionado disposto visava evitar arbítrios na
aplicação da lei posto que a interpretação autêntica cabia apenas ao monarca, conferida
pelo princípio romanístico segundo o qual quem faz a lei, deve interpretá-la (OA, 2.15.5;
3.6).
90
O citado preceito seria mantido nas OF, V.5 sofrendo novas alterações com a Lei de 18 de
Agosto de 1769.
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Tal como referimos, o mau exercício da justiça poderia estar associado às práticas de
vários tipos de delitos a citar: o abuso de autoridade, parcialidade e arbitrariedade nas
decisões, exercício indevido de funções, assim como o abuso de jurisdição senhorial
e/ou a criação de obstáculos à aplicação da justiça régia; a denegação da justiça ou
preterição de actos processuais; a emissão indevida de certidões judiciais por ouvidores,
91
tabeliães e escrivães; a delonga na decisão das causas ; a negligência ou rusticidade
no exercício do officium; o abandono de funções; a falsificação de documentos; a
92
cobrança exagerada de multas e de emolumentos judiciais ; a experiência abusiva
ocasionada pelas cadeias dos corregedores e aposentadorias excessivas e longas; a
conjunção carnal entre o magistrado e a mulher que perante ele requer; o recebimento
de dinheiro por parte de advogado ou procurador das partes depois que for feito seu
procurador tendo já “sabidos os segredos da demanda, e despois aduogar, ou procurar,
ou aconselhar pubrico, ou secreto pola outra parte”(OM. V.LV) e a revelação do segredo
de justiça, por parte de desembargador, descobrindo-se que “feria prejuízo a Nosso
seruiço, ou a bem de Justiça das partes”(OM, V. LXXX.9).
Lugar de destaque é dado ao crime de peita ou suborno, dada a sua importância.
Logo na primeira metade de quatrocentos, a preocupação com vista a assegurar a
integridade pessoal dos oficiais régios, evitando que os mesmos sejam peitados, justifica
a tomada de duas medidas régias. A primeira data do reinado de D. Afonso IV (Carta de
21 de Agosto de 1333) e vem proibir que os oficiais de justiça, sejam da Corte sejam de
qualquer outra instância, tomem seja o que for de quem aguardar algum despacho, sob
93
pena de perda do ofício e de “estranhamento” pelo monarca, segundo a sua mercê . Já
a segunda medida foi dada por D. Pedro I, em 1 de Julho de 1341, consagrando “como
elrrey manda que os seus conselheiros sobrejuizes e todollos outros ofiçiaaes lhe dem
em cada mês conto dos seus seruiços” sendo proibido “filhar” o que quer que fosse no
exercício das funções. Assim sendo e para evitar que os oficiais pudessem ser
injustamente infamados, o rei impunha a prestação de contas do que receberam ao
longo do período em causa, inclusive de parentes e amigos; devendo incluir, de igual
91
Por oposição também a celeridade exagerada é condenada, dado que denota uma ligeireza na
apreciação das matérias.
92
Cfr. OM,V.26.43. Os oficiais que levarem mais do que lhes permite o regimento, mas que não
chegue a 500 reais seja degradado para Além por dois anos e perca o seu ofício, assim como
pague o anoveado por tudo o que levou a mais, sendo 1/9 para cada uma das partes, sendo
metade dos 7/9 para quem acusar e a outra metade para o rei. Se tiver levado mais de dois mil
reais, seja degradado para S. Tomé. Se levou mais de seis mil reais será degradado para sempre
para a ilha de S. Tomé. Em qualquer um dos casos perderão os ofícios e pagarão o anoveado do
que levarem a mais.
93
Cfr. OA, V, 21.
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modo, as verbas recebidas pelas suas mulheres e filhos . Seguir-se-ia, no mesmo
reinado, mas em 12 de Fevereiro de 1361, a “hordenaçam que nom filhem peitas os
officciaaees delrrey” que, se por um lado, acabava por ser uma renovação da medida já
enunciada atrás, por outro, não deixava de revestir agora contornos mais radicais dado
que previa a aplicação da pena máxima para o oficial que levasse peitas, bem como
previa a perda dos bens do peitado para a Coroa; ou, então a perda da mercê. O seu
destinatário foi, de imediato, o desembargador Mestre Gonçalo das Decretais, que havia
sido acusado de tomar “peyto”.
Pela aceitação de peitas, o legislador manuelino fazia aplicar, a pena de perda do
ofício e o pagamento de vinte por um do que receber, dando a metade a quem o acusar
e a outra metade para o monarca. “Quem oferecesse a dádiva perderia toda a sua
fazenda, sendo metade para o rei e a outra metade para quem acusasse acusa assim
como perderia o ofício que tivesse, os carregos e mantimentos e seria degredado por
cinco anos pera Alem” (OM, V.56). Se o que recebesse a peita tivesse o ofício de julgar
perderia para a Coroa todos os bens que tiver assim como o ofício. Se a peita passasse
de cruzado ou sua valia, além das sobreditas penas seria degredado para sempre para a
ilha de S. Tomé. Sendo de cruzado ou inferior, seria degredado por cinco anos para
cada um dos lugares de África, além da perda dos bens e ofício. Se a peita fosse
superior a dois marcos de prata ou superior, além da perda da fazenda morreria de
morte natural (OM, V.56.1). Se quem recebera a peita não tivesse o ofício de julgar,
perderia o ofício e pagaria trinta por um do que recebesse, sendo a metade para quem
acusasse e a outra metade para o rei. Se apenas tivesse sido aceite a promessa de
alguma coisa, não tendo sido efectivamente recebida, o sindicado, ora acusado, perderia
o ofício e pagaria o triplo da promessa perdendo tudo para a coroa (OM, V.56.3).
Importa referir que qualquer pessoa independentemente da condição que tivesse, que
desse ou prometesse ouro, prata, dinheiro, pão, vinho, azeite ou outra qualquer coisa a
um juiz ou desembargador ou a qualquer outro oficial de qualquer oficio que fosse, ainda
que não houvesse o mantimento com o dito ofício enquanto tramitasse o feito, ou
requeresse algum desembargo de qualquer condição e qualidade que fosse, para além
de incorrer nas penas anteriores, perderia todo o direito que tivesse na causa (OM,
V.56.4). Se quem tivesse peitado o revelasse ao monarca no “período de um mês ou
qualquer outro o revelar e provar, lhe fique todo seu dereito conseruado assi, como se
nunca ouuesse peitado, nem prometida a peita”. Caso a sentença tivesse sido dada não
deveria ser executada (OM, V.56.5). Cabe ainda salientar que caso alguém difamasse
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A mesma medida régia previa a perda da honra ou a aplicação da pena de açoites a quem
injustamente infamasse o oficial régio e não o pudesse provar.
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outrem de ter recebido peita e não fosse verdade seria condenado por injúria devendo
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pagar uma multa no dobro do que disse ter sido a peita (OM, V.56.6) .
Por último, o legislador quinhentista identificava ainda como práticas irregulares ou
96
indevidas: os erros das custas ; as más práticas realizadas por advogados e
procuradores (OM, V,60) fundadas no dolo, na culpa e presentes na maioria dos casos
97
na má condução do processo, o abuso e o excesso de jurisdição .
95
Cfr. a carta do Doutor Vila Lobos, corregedor de Évora, informando o monarca acerca dos
autos que mandara instaurar contra Rui Gil Magro e Gaspar de Figueiredo, meirinhos da correição,
por palavras injuriosas que contra ele proferiram, para que o mesmo senhor os mandasse
examinar por pessoa sem suspeita e deixasse a justiça e ministro desagravado, in IANTT, Corpo
Cronológico, Parte I, maço 88, n.º 19.
96
Sobre esta matéria, seria acordado em Relação em Évora em 1536 que o conhecimento
destes erros pertencia ao juiz da chancelaria. Cfr. Colecção de Leis Extravagantes de Duarte
Nunes de Leão, Parte I, lei II, fl. 8.
97
Cfr. OM, V, 26-42 e II, 26, 52-53 e 55.
98
Dado que se tratava de um crime de lesa majestade de segunda cabeça (OM, V,3,26) o autor
do acto perdia os bens.
99
O oficial será suspenso quando for acusado de erro, que se diga ter sido praticado por “malicia
em seu Officio” (OM,III.8, pr). Se durante o período de investigação fosse preso “em cadea, quer
sobre sua menagem por erros do Officio, seram logo suspensos tanto que forem presos. E fendo
presos por outros crimes fóra do offício em cadea pubrica, nom poderam seruir seu Officio em
quanto asim presos esteuerem. Peró a Nós ficará prouer sobre as ditas suspensões, considerada
a qualidade do acusante e acusado, como sentirmos seer bem e seruiço de Deos, e Nosso” (idem,
ibidem). Cfr. a carta de Manuel Nunes ao monarca informando-o da suspensão que o corregedor
da comarca de Viana fizera a Gaspar Madeira, juiz da alfândega da mesma vila, em virtude da
ordem régia por se achar este último compreendido em erros de ofício, in IANTT, Corpo
Cronológico, Parte I, maço 78, n.º 9.
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Recorde-se que data do reinado de D. Afonso IV, uma lei que determinava deverem os juízes
negligentes responder pelas custas do processo, ODD., p. 503.
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Saliente-se ainda que, se alguém antes de haver o ofício, ou durante este, tivesse
cometido algum malefício, quer acerca do ofício, como fora dele, poderia ser demandado
e acusado por ele, sendo o ofício conferido a um terceiro durante o período de
investigação (OM. III.8, pr). A legislação em vigor não mencionava qualquer regra de
prescrição para este tipo de actos, o que leva a crer que o monarca poderia a todo o
tempo desembargar sobre ele. De qualquer forma, “as fazendas e oficios “ que
constituíram matéria nos casos de peita e que se “ham de perder “dos “ que assi as ditas
cousas deram, uenderam, compraram, emprestaram, ou negoucearam pera outros
Officiaes (…) se possam demandar atee dez annos, e di por diante nom se possam mais
demandar” (OM,V, 56).
Por último, importa recordar que os magistrados superiores ainda que não fossem
alvo de residências, estavam sujeitos a uma apreciação da sua conduta que poderia,
como vimos, conduzir à prática de admoestações por parte do Regedor da Casa da
Suplicação ou, no caso de reincidência, de alguma pena que o governante entendesse
dever aplicar.
VIII. CONCLUSÃO
Ainda que nada fizesse prever que D. Manuel poderia vir a ser entronizado, o
desenrolar de diversos factores decorridos ao longo do reinado de D. João II, tornou esta
hipótese não só a única que o monarca reinante poderia tomar, mas também a que mais
conviria aos interesses do reino. Formalmente a decisão seria tomada em 1495, ao ser
redigido o testamento do Príncipe Perfeito.
Adoptando uma política centralizadora que há muito que se vinha estabelecendo, em
prol de um Estado que agora atingiria limites geográficos imperialistas, a legislação
manuelina apresenta-se de modo claro, detalhado e, de certa forma, exaustivo, não
sendo excepção a matéria relativa à investigação da função judicial, então designada por
residências, as quais continuariam aplicadas no final do período de exercício de cada
ofício. Muito embora o arquétipo já se encontre definido tendo a sua origem no direito
divino e romano e devendo a sua introdução em Portugal por influência do texto das
Sete Partidas, a compilação oficial, tal como a anterior, vem regular a prática das
sindicâncias aos magistrados complementando esta prática com um conjunto mais vasto
de medidas que eram efectuadas através das correições, cujos actos desencadeados
pelo magistrado e pelos seus oficiais, emendavam, corrigiam, punham fim a erros,
abusos e incorrecções que emendavam decorrentes de violência com o fim de obter um
maior controlo da administração da justiça. Assim, e porque a função judicial é por
excelência uma função régia, explicada, justificada e enaltecida pelos mais diversos
tratadistas e doutrinadores políticos, era necessário que a mesma fosse exercida de
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