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A HORA DO JOGO

DIAGNÓSTICA
Por Daniele Carmo Queiroz
HORA DO JOGO DIAGNÓSTICA
• A hora de jogo diagnóstica constitui um recurso ou instrumento técnico que
o psicólogo utiliza dentro do processo psicodiagnóstico com a finalidade de
conhecer a realidade da criança que foi trazida à consulta.
• Ao oferecer à criança a possibilidade de brincar em um contexto particular,
com um enquadramento dado que inclui espaço, tempo, explicitação de
papéis e finalidade, cria-se um campo que será estruturado, basicamente, em
função das variáveis internas de sua personalidade.
Hora de jogo diagnóstica e a hora de jogo
terapêutica
• A primeira engloba um processo que tem começo, desenvolvimento e fim
em si mesma, opera como uma unidade e deve ser interpretada como tal.
• A segunda é um elo a mais em um amplo continuum no qual novos aspectos
e modificações estruturais vão surgindo pela intervenção do terapeuta. (A
respeito da participação do psicólogo na hora de jogo diagnóstica, falaremos
detidamente no tópico “papel do entrevistador”.)
Sala de jogo e materiais
• A sala de jogo será um quarto não muito pequeno, com mobiliário escasso (uma
mesa, duas ou três cadeiras e quadro-negro) a fim de possibilitar liberdade de
movimentos à criança.
• Os elementos devem estar expostos sobre a mesa, ao lado da caixa aberta. Convém
que estejam distribuídos sem corresponder a nenhum agrupamento de classes,
dando ao pequeno paciente a possibilidade de ordenação que corresponda às suas
variáveis internas, em função de suas fantasias e/ou de seu nível intelectual.
• Com relação aos brinquedos a serem incluídos, há diversas modalidades que
correspondem ao marco teórico adotado pelo entrevistador.
Escolha dos brinquedos
• Erikson, por exemplo, da escola norte-americana, postula a necessidade de discriminar
diferentes áreas da problemática da criança. Por esta razão, seleciona os brinquedos em
função das respostas específicas que provocam: de tipo sensório-motor, de integração
cognitiva, do funcionamento egóico, etc. Além disso, introduzindo outro critério, o da
funcionalidade do brinquedo, propõe a inclusão de elementos de diferentes tamanhos,
texturas e formas.
• No que diz respeito à escola inglesa, de orientação kleiniana, não há um critério unificado.
Seguindo Bick, insiste-se na utilização de material não estruturado: madeiras de formas e
tamanhos diferentes, tinta, barbante, lã, pedaços de pano, tesoura, fitas elásticas, copo, etc.
• Nós aderimos a um critério intermediário, oferecendo à criança materiais de tipos diferentes,
tanto estruturados quanto não estruturados, possibilitando a expressão, sem que a
experiência se torne invasora.
Instruções
• Quando a criança entra no consultório, o psicólogo deve manifestar, de
forma breve e numa linguagem compreensível, uma série de informações que
configuram as instruções: definição de papéis, limitação do tempo e do
espaço,material a ser utilizado e objetivos esperados.
Papel do psicólogo
• O papel que o psicólogo cumpre durante o processo psicodiagnóstico é um
papel passivo, já que funciona como observador, e ativo na medida em que
sua atitude atenta e aberta (atenção flutuante) permite-lhe a compreensão e a
formulação de hipóteses sobre a problemática do entrevistado.
• Toda a participação do entrevistador tem como objetivo criar as condições
ótimas para que a criança possa brincar com a maior espontaneidade
possível, uma vez que esta, como qualquer outra situação nova, provoca
ansiedade. A função específica consiste em observar, compreender e
cooperar com a criança.
Transferência e contratransferência
• A transferência na hora de jogo e em todo o processo diagnóstico adquire características
particulares que respondem, por um lado, à brevidade do vínculo e, por outro, ao fato de
que o meio de comunicação sejam os brinquedos oferecidos pelo psicólogo, o que permite
que a transferência se amplie e se diversifique para estes objetos intermediários.
• É tarefa específica do psicólogo recuperar esse material para integrá-lo, junto aos elementos
verbais e pré-verbais, na totalidade do processo.
• A contratransferência é um elemento que pode ajudar a compreensão da criança, se for
conscientemente integrada pelo psicólogo. Este deve discriminar suas próprias motivações e
impulsos, para que não interfiram na análise compreensiva da conduta lúdica da criança.
Indicadores da hora de jogo diagnóstica
• Quando nos dedicamos à tarefa dc analisar uma hora de jogo diagnóstica,
deparamo-nos com a não-existência de uma padronização deste material.
Isto faz com que a tarefa se torne difícil e a produção não seja bem
aproveitada.
• Análise dos seguintes indicadores: 1 escolha de brinquedos e de brincadeiras
2 modalidades de brincadeiras 3 personificação 4 motricidade 5 criatividade 6
capacidade simbólica 7 tolerância à frustração 8 adequação à realidade.
Escolha de brinquedos e de brincadeiras.
• De acordo com as características individuais, a modalidade de abordagem
dos brinquedos pode assumir estas formas:
• 1 de observação à distância (sem participação ativa)
• 2 dependente (à espera de indicações do entrevistador)
• 3 evitativa (de aproximação lenta ou à distância)
Escolha de brinquedos e de brincadeiras.
• 4 dubitativa (pegar e largar os brinquedos)
• 5 de irrupção brusca sobre os materiais
• 6 de irrupção caótica e impulsiva
• 7 de aproximação, tempo de reação inicial para estruturar o campo e, em
seguida, desenvolver uma atividade
Modalidades de brincadeiras
• É a forma em que o ego manifesta a função simbólica. Cada sujeito estrutura
o seu brincar de acordo com uma modalidade que lhe é própria e que implica
um traço caracterológico.
• Entre tais modalidades podemos detectar:
• a) plasticidade
• b) rigidez
• c) estereotipia e perseverança.
Personificação
• Quando falamos de personificação, referimo-nos à capacidade de assumir e
atribuir papéis de forma dramática.
• Em cada período evolutivo a capacidade de personificação adquire diferentes
características. Em crianças muito pequenas a realização de desejos se
expressa de maneira mais imediata e a identificação introjetiva é utilizada
como mecanismo fundamental. Assume o papel do outro, fazendo seu o
personagem temido ou desejado.
Personificação
• A personificação, como elemento comum a todos os períodos evolutivos normais,
possibilita a elaboração de situações traumáticas, a aprendizagem de papéis sociais, a
compreensão do papel do outro e o ajuste de sua conduta em função disso, o que
favorece o processo de socialização e de individuação.
• A análise do conteúdo da personificação leva-nos a avaliar, através da qualidade e da
intensidade das diferentes identificações, o equilíbrio existente entre o superego, o id
e a realidade, elemento de fundamental importância diagnóstica e prognóstica. Este
equilíbrio é conseguido quando o superego se torna mais permissivo e reflete com
maior realidade as figuras de autoridade real e, portanto, com menor sadismo,
permitindo ao ego a satisfação de desejos e impulsos, sem entrar em conflito com a
realidade
Motricidade
• Este indicador permite-nos ver a adequação da motricidade da criança à etapa
evolutiva que atravessa.
• Em cada período há pautas previsíveis que respondem, por um lado, ao
desenvolvimento neurológico e, por outro, a fatores psicológicos e ambientais.
• Os problemas motores podem corresponder a qualquer desses fatores com
predominância de alguns deles e/ou a uma inter-relação entre os mesmos.
• Através da hora de jogo o psicólogo pode observar a falta de funcionalidade
motora, apesar de que, para poder especificar a qualidade, a intensidade e a origem
do problema, será necessária a aplicação de instrumentos mais sensíveis.
Motricidade
• A comunicação gestual e postural enriquece a mensagem e pode mostrar
aspectos dissociados que se manifestam como uma discordância entre o que
se diz e o que se expressa corporalmente.
• Um bom uso do corpo produz prazer e resulta num fortalecimento egóico
que permite o alcance de novos ganhos e facilita a sublimação, quando a
criança está preparada para isso.
Motricidade
• Alguns aspectos dignos de serem observados dentro deste indicador são: 1
deslocamento geográfico 2 possibilidade de encaixe 3 preensão e manejo
alternância de membros 5 lateralidade 6 movimentos voluntários e
involuntários 7 movimentos bizarros 8 ritmo do movimento 9 hipercinesia
10 hipocinesia 11 ductibilidade.
Criatividade
• Criar é unir ou relacionar elementos dispersos num elemento novo e
diferente. Isso exige um ego plástico capaz de abertura para experiências
novas, tolerante à não-estruturação do campo.
• Este processo tem uma finalidade deliberada: descobrir uma organização
bemsucedida, gratificante e enriquecedora, produto de um equilíbrio
adequado entre o princípio do prazer e o princípio de realidade. A criança
age sobre os elementos à sua volta (brinquedos), para conseguir os fins
propostos.
Tolerância à frustração
• A tolerância à frustração é detectada, na hora de jogo, pela possibilidade de aceitar
as instruções com as limitações que elas impõem (o estabelecimento de limites e
finalização da tarefa) e pelo desenvolvimento da atividade lúdica (pela maneira de
enfrentar as dificuldades inerentes à atividade que se propõe a realizar)
• A avaliação correta de tal função é importante a nível diagnóstico, mas,
principalmente, quanto ao prognóstico. Torna-se fundamental diferenciar onde a
criança situa a fonte de frustração: se deriva de seu mundo interno (desenhar algo
que vai além de suas capacidades) ou se a localiza de preferência no mundo externo
(desejar algo que não está presente), assim como a reação frente a ela: encontrar
elementos substitutivos (sinal de boa adaptação) ou desorganizar-se, começar a
chorar (atitude negativista).
Capacidade simbólica
• O brincar é uma forma de expressão da capacidade simbólica e a via de acesso às
fantasias inconscientes.
• Uma quantidade adequada de angústia é a base necessária para a formação de
símbolos. A expressão direta das situações conflitivas pode inibir, total ou
parcialmente, a conduta lúdica, pois provoca um quantum de ansiedade intolerável
para o ego.
• Portanto, a criança consegue, pelo brincar, a emergência destas fantasias através de
objetos suficientemente afastados do conflito primitivo e que cumprem o papel de
mediadores: apela para as suas possibilidades de elaboração secundária para
expressar a fantasia.
Capacidade simbólica
• Outro elemento a ser levado em conta é a relação entre o elemento mediador
que expressa a fantasia e a idade cronológica.
• M. Klein, ao se referir à capacidade simbólica, diz que “o simbolismo
constitui não só o fundamento de toda fantasia e sublimação, mas é sobre ele
que se constrói a relação do sujeito com o mundo exterior e a realidade em
geral”.
Capacidade simbólica
• Resumindo, através deste indicador podemos avaliar:
• A) A RIQUEZA EXPRESSIVA 1. A busca que a criança faz, à sua volta, de
suportes materiais (significantes) que veiculem, de forma adequada, suas
fantasias e conflitos (significados). 2. Uma nova busca, quando através das
formas anteriores de simbolização não consegue os fins comunicacionais. 3.
A coerência da concatenação dos símbolos, isto é, a possibilidade de
transmiti-los através de um nexo lógico.
Capacidade simbólica
• B) A CAPACIDADE INTELECTUAL
• Durante a hora de jogo e através dos símbolos que utiliza, a criança evidencia
uma discriminação e uma manipulação da realidade que estão de acordo ou
não com sua idade evolutiva. A maneira como o faz nos dá a indicação do
estado em que se acha o processo de simbolização; se se desenvolve sem
inibições na área da aprendizagem.
Capacidade simbólica
• C) A QUALIDADE DO CONFLITO
• Este ponto alude aos aspectos do conteúdo da capacidade simbólica. Os
símbolos que a criança utiliza remetem-nos à compreensão do estágio
psicossexual que atravessa e sua modalidade de expressão.
• Isto é, em suas brincadeiras, o pequeno entrevistado pode expressar fantasias
de tipo oral, anal, uretral, fálico ou genital, e o faz de uma determinada
maneira, em função de suas técnicas habituais de manipulação.
Adequação à realidade
• Um dos primeiros elementos a serem levados em conta ao se analisar uma hora de
jogo é a capacidade da criança de se adequar à realidade. Manifesta-- se, neste
primeiro momento, pela possibilidade de se desprender da mãe e atuar de acordo
com sua idade cronológica, demonstrando a compreensão e a aceitação das
instruções.
• Tal adequação à realidade permite-nos avaliar possibilidades egóicas, embora ela
possa adaptar-se ou não aos limites que esta situação lhe impõe: a) aceitação ou não
do enquadramento espaço-temporal com as limitações que isto implica; b)
possibilidade de colocar-se em seu papel e aceitar o papel do outro.
O brincar da criança psicótica
• A dificuldade para brincar é o índice mais evidente das características psicóticas
presentes numa criança seriamente perturbada.
• E importante destacar que, em termos estritos, não se trataria de uma brincadeira no
sentido de atividade lúdica, já que brincar implica a possibilidade de simbolizar. No
psicótico, significante e significado são a mesma coisa (equação simbólica)
• Não obstante, devemos levar em conta que a criança pode ter partes de sua
personalidade mais preservadas ou que conseguiram uma organização não psicótica,
e a possibilidade de expressar seu conflito dependerá da quantidade, da qualidade e
da inter-relação destas partes. Esta dificuldade vai desde a inibição total ou parcial
do brincar até a desorganização da conduta.
O brincar da criança psicótica
• Outros elementos significativos costumam ser a perseverança ou estereotipia na
conduta verbal e pré.verbal, ainda que não sejam características exclusivas do brincar
de quadros psicóticos, mas que se apresentem também em orgânicos ou em
neuroses graves.
• São freqüentes as organizações originais, os neologismos, as atitudes bizarras e as
dificuldades de adequação à realidade, tolerância à frustração e aprendizagem.
• Com relação ao prognóstico, é importante considerar no desenvolvimento da hora
de jogo diagnóstica os elementos que impliquem uma possibilidade de conexão com
o psicólogo e/ou com o objeto intermediário.
O brincar da criança neurótica
• Observamos, em geral, a possibilidade de expressão lúdica com
reconhecimento parcial da realidade, áreas livres de conflito coexistentes com
escotomas que encobrem situações conflitivas.
• Encontramos,a capacidade simbólica desenvolvida, o que lhe possibilita a
expressão de seus conflitos no “como se” da situação lúdica, sendo capaz de
discriminar e de evidenciar um melhor interjogo entre fantasia e realidade,
assim como as alterações significativas em áreas específicas.
O brincar da criança neurótica
• A dinâmica do conflito neurótico se dá entre os impulsos e sua relação com a realidade.
Utiliza, então, uma série de condutas defensivas que resultam num empobrecimento egóico,
cujas características dependerão das áreas afetadas. O quadro nosográfico é determinado,
por seu lado, pela predominância de certos tipos de defesas.
• São limitadas a capacidade de aprendizagem e as possibilidades criativas que dependem de
uma síntese egóica adequada. Outra característica diagnóstica é o baixo limiar de tolerância à
frustração ou a superadaptação em certas áreas, que são, ambas, manifestações da fraqueza
egóica do neurótico que está em íntima relação com as características severas de seu
superego e os termos do conflito. Estas crianças dramatizam personagens mais próximos
aos modelos reais, com menos carga de onipotência e maldade.
O brincar da criança normal
• Devemos levar em conta que a hora de jogo diagnóstica está incluída dentro
do processo psicodiagnóstico total, e é muito importante detectar as
diferentes respostas da criança frente a situações que vão desde a grande
desestruturação dada pelas instruções da hora de jogo, até situações mais
dirigidas do resto do processo.

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