Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Sebenta Constitucional Laura Nunes Vicente
Sebenta Constitucional Laura Nunes Vicente
DIREITO CONSTITUCIONAL I
PARTE I – CONSTITUIÇÃO E CONSTITUCIONALISMO
CAPÍTULO I
DIREITO CONSTITUCIONAL – APROXIMAÇÕES
Constituição: um texto?
Conceito de direito: regulação das relações sociais
através de normas jurídicas, assegurando a coesão
do
sistema.
Conceito de constituição: o termo constituição pode
ter diferentes usos. Para os compreender, é
necessário
ter em conta as seguintes proposições:
• Todos os países têm uma constituição.
• Nem todos os países possuem um documento escrito
chamado constituição.
• Nem todos os países que têm um documento
constitucional obedecem ao conceito de
constitucionalismo.
1.1. Constituição enquanto realidade social – constituição
real
Através da primeira afirmação, compreendemos que o
termo constituição pode ser utilizado em sentido
amplo para designar a estruturação do poder, o
“corpo político” de uma comunidade. Este uso
corresponde
à concepção aristotélica de politeia. No fundo, a
constituição revela-‐se como uma realidade social,
podendo-‐
se afirmar que qualquer grupo organizado é uma
constituição.
1.2. Constituição como documento escrito – constituição
formal
A segunda afirmação remete-‐nos para o conceito
formal de constituição enquanto documento escrito, ou
seja, enquanto um documento que possui superioridade
hierárquica no plano jurídico e, diferentemente dos
outros textos normativos, é de difícil revisão. Este
conceito pode já transportar dimensões valorativas,
visto
obedecer a determinadas características formais e possuir
um conteúdo específico.
1.3. Constituição em sentido normativo – constituição
material
A terceira afirmação coloca-‐nos perante o uso
de constituição em sentido normativo, ou seja,
enquanto
documento que obedece aos princípios fundamentais
do constitucionalismo. A constituição deve, pois,
possuir um conteúdo específico: deve estabelecer
limites jurídicos ao poder, e deve ser
informada por
princípios materiais fundamentais, como o princípio
de separação de poderes e a garantia de
direitos e
liberdades. A constituição normativa pressupõe uma
relação entre o texto e um conteúdo normativo
específico, e, assim, o texto vale como lei
superior porque consagra princípios fundamentais.
A constituição é um conjunto de regras jurídicas
codificadas num texto ou em costumes, e que
possuem
superioridade hierárquica em relação às outras regras
jurídicas, visto serem atravessadas por princípios
aos quais é atribuído um valor específico
superior. Assim, a constituição normativa não se
basta com um
conjunto de regras jurídicas, tem de transportar
uma dimensão axiológica que se traduza numa
bondade
material.
O Corpus Constitucional
O corpus da constituição, que se define como
conjunto limitado de materiais normativos que
formam a
constituição, constitui não um dado, mas sim
um problema. São candidatos positivos os
materiais
normativos que fazem parte da constituição,
candidatos negativos os materiais não reentrantes
na
constituição, e candidatos neutrais aqueles que suscitam
dúvidas quanto à sua integração na constituição.
Assim, podemos encontrar três acepções do corpus
constitucional:
• O corpus constitucional é constituído pelo texto
(constituição em sentido formal).
• O corpus constitucional é constituído não só pelo
texto, mas ainda por outros materiais normativos.
• O corpus constitucional é constituído apenas por uma
parte das regras incluídas no texto.
1. O texto
Alguns autores consideram que o corpus
constitucional é todo o texto constitucional, ou
seja, existe
identificação entre constituição e constitucional formal.
Surge o conceito de constituição instrumental –
constituição enquanto um texto escrito.
Laura Nunes Vicente – Ano Lectivo 2011/2012
CAPÍTULO II
GÉNESE E DESENVOLVIMENTO HISTÓRICO DO CONCEITO DE
CONSTITUIÇÃO
Constituição: um conceito com história
O movimento constitucional gerador da constituição em
sentido moderno teve várias raízes no tempo e
no
espaço. Assim, não existe um constitucionalismo mas
vários constitucionalismos – o inglês, americano
e
francês. Constitucionalismo é a teoria que ergue o
princípio do governo limitado e da garantia dos direitos
numa dimensão estruturante da organização político-‐social
de uma comunidade. Neste sentido, o
constitucionalismo moderno representa uma “técnica
específica de limitação ao poder com fim
garantísticos”. Numa acepção histórica, o conceito de
constitucionalismo moderno pode ser utilizado para
designar o movimento político, social e cultural que se
iniciou em meados do século XVIII, e que deu
origem
a uma nova forma de ordenação e fundamentação do
poder político.
O movimento do constitucionalismo moderno opõe-‐se ao
constitucionalismo antigo, ou seja, o conjunto de
princípios escritos ou consuetudinários alicerçadores da
existência de direitos estamentais perante o
monarca e simultaneamente limitadores do seu
poder. Estes princípios terão vigorado desde os
fins da
Idade Média até ao século XVIII.
O constitucionalismo moderno trouxe com ele o
conceito de constituição moderna. Por constituição
moderna entende-‐se a ordenação racional da comunidade
política através de um documento escrito no qual
se declaram as liberdades e direitos e se fixam
os limites do poder político. O conceito de
constituição
moderna engloba as seguintes dimensões: ordenação
jurídico-‐política plasmada num documento escrito;
declaração de um conjunto de direitos fundamentais e da
sua garantia; organização do poder político, de
forma a limitá-‐lo e moderá-‐lo. Este conceito
converteu-‐se progressivamente num dos pressupostos básicos
da cultura jurídica ocidental, ao ponto de ser
designada por “conceito ocidental de constituição”.
As considerações anteriores justificam a
indispensabilidade de hoje se falar num conceito
histórico de
Constituição. Por constituição em sentido histórico
entende-‐se, pois, o conjunto de regras escritas ou
consuetudinárias e de estruturas institucionais conformadoras
de uma dada ordem jurídico-‐política num
determinado sistema político-‐social.
Os constitucionalismos modernos
A constituição em sentido moderno pretendeu, pois,
radicar duas ideias fundamentais: ordenar, fundar e
limitar o poder político e reconhecer e garantir
os direitos e liberdades do indivíduo.
1. Constitucionalismo inglês – modelo historicista
• Etapas da história constitucional inglesa
• Direitos adquiridos
• Due process of law
• Papel relevante da jurisprudência
• Constituição mista
• Soberania do parlamento
• Rule of law
No constitucionalismo inglês, a English Constitution
apareceu como a sedimentação histórica dos
direitos
adquiridos pelos ingleses e o alicerçamento, também
histórico, de um governo balanceado e moderado.
Foram três as dimensões histórico-‐constitucionais que
caracterizaram este movimento: a garantia de
direitos adquiridos (liberty and property); estruturação
corporativa dos direitos; regulação destes direitos e
desta estruturação através de contratos de domínio do tipo
da Magna Charta. Este movimento legou vários
princípios à constituição ocidental, sendo caracterizado
pelas seguintes dimensões:
• Defesa da liberdade enquanto liberdade pessoal de
todos os ingleses e como segurança da pessoa e
dos bens que se é proprietário;
• Criação de um processo justo regulado por lei (due
process law), onde se estabelecessem as regras
disciplinadoras da privação da liberdade e propriedade;
• Leis do país que vão sendo dinamicamente
interpretadas e reveladas pelos juízes – e não
pelo
legislador –, dando origem ao “direito comum”;
• Representação e soberania parlamentar visando um governo
estruturalmente moderado. Apesar de
estar patente uma ideia de “soberania colegial”,
formada pelo rei, pelos comuns e pelos
lordes (King
Laura Nunes Vicente – Ano Lectivo 2011/2012
Diferentemente do modelo historicista inglês, o poder
constituinte adquire no constitucionalismo norte-‐
americano centralidade política. A dimensão básica do
poder constituinte passa a ser a de criar uma
constituição que estabelecesse um conjunto de regras que
visassem:
• A constituição do “povo” como autoridade ou
poder político superior;
• A subordinação do legislador e das leis por ele
produzidas às normas da constituição;
• A inexistência de um poder soberano supremo e a
criação de poderes constituídos colocados numa
posição equilibrada (checks and balances);
• A garantia de um conjunto de direitos e liberdades.
Podemos, assim, concluir que a filosofia do
poder constituinte norte-‐americano é uma filosofia
garantística,
sendo que este não possui autonomia,
limitando-‐se a criar um corpo rígido de regras
que garanta direitos e
limite poderes – falamos, pois, em “dizer a
norma”.
3. O constitucionalismo francês – modelo individualista
• Direitos naturais do indivíduo
• Recusa dos privilégios do Ancien Régime
• Legitimação de um novo poder político: o contrato
• Exigência de uma constituição escrita
• Contributo para o conceito de poder constituinte
No movimento constitucionalista francês, podemos distinguir
dois momentos – um momento de ruptura e
um momento construtivista. Momento de ruptura com
os privilèges de l’ancien régime, e construtivista
porque a constituição teria de definir uma nova
ordem racionalmente constituída.
Este constitucionalismo é um constitucionalismo revolucionário.
Com efeito, o constitucionalismo inglês
não veio romper com os esquemas tardo-‐medievais dos
direitos dos estamentos. A Revolução Francesa, por
outro lado, veio edificar uma nova ordem
assente nos direitos naturais dos indivíduos,
deixando estes de
ser considerados indivíduos integrantes numa ordem
jurídica estamental. Estes direitos eram individuais
pois todos os homens eram considerados iguais em
nascimento e em direitos – esta defesa dos direitos,
que
ia para além da defesa da liberty and
property perante o poder político, constituiu-‐se
também como um
gesto de revolta contra o ancien régime, uma
expressão póstuma que vem comprovar a ruptura
com o
“antigo regime” e a criação de um “novo regime”,
que veio implementar não só uma nova
ordem política,
mas também social.
O segundo momento fractal individualista do
constitucionalismo francês reside numa nova forma
de
legitimação e fundamentação do poder político, vindo
responder uma pergunta que o constitucionalismo
inglês deixou em aberto – como podem os
homens dar a si próprios uma lei fundamental? Assim,
a ordem
dos homens é uma ordem artificial, que se constitui
por acordo entre os homens (Hobbes). A ordem
política
é, pois, estabelecida através de um contrato social
assente nas vontades individuais, ou seja, o
poder
legitima-‐se um função de um contrato individual.
Estes dois momentos fractais, a afirmação de
direitos naturais do indivíduo e a “artificialização-‐
contratualização” da ordem política, vêm explicar a
necessidade de uma constituição escrita que,
simultaneamente, garantisse direitos e legitimasse o
poder político (construtivismo político-‐constitucional).
Nasce, então, uma nova categoria do poder
político – o poder constituinte, como poder
originário
pertencente à Nação e que permitia criar uma lei
superior, a constituição.
Este conceito de constituição, enquanto lei superior que
simultaneamente garante os direitos naturais do
indivíduo livre e limita o poder, é, segundo
Carl Schmitt, o “conceito de ideal de constituição”.
Este conceito
está expresso no Art. 16º da Déclaration
Universelle des Droits de l’Homme et du Citoyen.
Assim, é
necessário a existência de um texto escrito, mas
é igualmente imperativo que este texto
possua um
conteúdo específico, que se traduz, como já foi
dito, na garantia dos direitos fundamentais do indivíduo e
na
separação dos poderes.
A Revolução Francesa vem transportar dimensões
distintas no que diz respeito à concepção de
poder
constituinte. Este poder adquire as características um
poder originário, autónomo e omnipotente, passando
a ter como titular a nação – o que lhe
permite criar uma nova ordem política e social.
Esta nova concepção
do poder constituinte veio permitir:
• A legitimação do poder político;
• A transformação do “estado moderno” em república
democrática”;
• A criação de uma nova solidariedade entre os
cidadãos na construção de uma nova ordem social.
Laura Nunes Vicente – Ano Lectivo 2011/2012
CAPÍTULO III
“WE THE PEOPLE”
PODER CONSTITUINTE E CONSTITUIÇÃO
Aproximação à problemática do poder constituinte:
O constitucionalismo veio recrutar a problemática do
poder constituinte. No seio desta problemática,
encontramos quatro questões fundamentais para a
compreensão deste poder:
• O que é o poder constituinte?
• Quem é o titular do poder constituinte?
• Qual o procedimento e forma do seu exercício?
• Existem limites jurídicos e/ou políticos ao seu exercício?
O que é o poder constituinte?
O poder constituinte pode definir-‐se como a
autoridade política que está em condições de,
numa
determinada situação concreta, fazer ou rever uma
constituição. Ao poder de fazer uma constituição
atribui-‐
se a designação de poder constituinte originário,
enquanto que ao poder de a rever se dá o nome
de poder
constituinte derivado ou de revisão.
Os contributos teorético-‐constitucionais:
1. John Locke e o supreme power
No contexto do radicalismo político inglês (1681-‐1683),
a formulação teórica do “direito de resistência” e
do
“direito à revolução” deu origem à necessidade de
redefinir o “corpo do povo”.
Na teoria de John Locke, no estado de natureza
os indivíduos possuem já um conjunto de direitos –
contudo,
este estado de natureza é dotado de algumas
insuficiências, como é exemplo a falta de um
juiz imparcial.
Assim, é necessário passar a uma sociedade
politicamente organizada – porém, o poder está
vinculado à
propriedade (property), ou seja, o poder está
limitado por aquilo que é próprio ao seres humanos,
como o
valor da vida e a liberdade. Assim, a passagem
a uma sociedade politicamente organizada resulta
de uma
relação de trust, na qual a sociedade confere um
poder supremo ao legislador, porém limitado e
específico.
Assim, os pressupostos teóricos do supreme power são:
• O state of nature é de carácter social;
• Neste estado de natureza, os indivíduos têm
uma esfera de direitos naturais (property),
antecedentes à formação de qualquer governo;
• O poder supremo é conferido à sociedade, e não
a qualquer soberano;
• O contrato social através do qual o povo
consente o poder supremo do legislador atribui-‐lhe
um
poder limitado, específico e não arbitrário;
• Só o corpo político (body politic) reunido no
povo tem autoridade política para estabelecer a
constituição política da sociedade.
2. Sieyès e o pouvoir constituant
Se em Locke a sugestão de um poder constituinte
aparecia associada ao direito de resistência reclamado
pelo radicalismo, em Sieyès a fórmula do pouvoir
constituant surge associada à luta contra a
monarquia
absoluta.
Sieyès veio teorizar o poder constituinte como
um poder:
• Inicial – não existe nenhum outro poder anterior;
• Autónomo – não depende de nenhum outro poder;
• Omnipotente – não possui limites.
No contexto do iluminismo e enquanto jusnaturalista,
Sieyès acreditava que se podiam atingir verdades
absolutas através do exercício da razão, e por
este motivo não defendia em absoluto a omnipotência
do
poder constituinte, visto que este estaria vinculado a
estas verdades.
Na sua obra, Qu’est-ce le Tiers État?, decisiva para
a teorização do constitucionalismo francês, há uma
ideia
de ruptura, de cisão entre o antigo e o
novo regime. O titular do poder constituinte passa,
deste modo, a ser
a Nação ou o Terceiro Estado – teoria da
soberania nacional.
Assim, os momentos fundamentais da teoria do poder
constituinte de Sieyès são as seguintes:
• Teorização do poder constituinte enquanto poder
originário e soberano pertencente à nação;
• Plena liberdade da nação para criar uma
constituição, visto que o poder constituinte não
está
sujeito a limites ou condições preexistentes.
Laura Nunes Vicente – Ano Lectivo 2011/2012
Os autores modernos salientam que a teoria do
pouvoir constituant é, simultaneamente, desconstituinte
e
constituinte – desconstituinte pois, num primeiro
momento, rompe com o poder constituído pela
monarquia; e constituinte pois, num segundo momento,
cria uma nova ordem político-‐social. Surgem,
deste
modo, os poderes constituídos – poderes conformados e
regulados pela constituição.
1.3. Madison e constitutional politics and ordinary politics
Madison veio distinguir constitutional politics de
ordinary politics. A constitutional politics surge em
momentos excepcionais de mobilização popular e destina-‐
se a estabelecer os esquemas fundadores de uma
nova ordem constitucional, enquanto que a normal
ou ordinary politics desenvolve-‐se normalmente com
base nas regras e princípios estabelecidos na lei
superior e fundamental.
2. O titular do poder constituinte
1. A história: povo (Rousseau) versus Nação
(Sieyès)
Na obra emblemática de Sieyès, Qu’est-ce le
pouvoir constituiant?”, este atribui a paternidade
do poder
constituinte à nação, enquanto entidade indivisível,
introduzindo o conceito de soberania nacional.
Em Rousseau, por outro lado, o titular do poder
constituinte é o povo, num conceito de soberania
popular. A
soberania popular é uma soberania una, que se divide,
parcelarmente, pelos cidadãos.
Actualmente, o conceito de soberania é igualmente um
conceito de soberania popular, contudo distinto do
de Rousseau.
2. O povo dessacralizado: o povo político ou a
indispensável pluralização
Actualmente, atribui-‐se a paternidade do poder
constituinte ao povo. Contudo, o povo concebe-‐se
como
“grandeza pluralística”, ou seja, como uma pluralidade
de forças culturais, sociais e políticas influenciadoras
da formação de opiniões e vontades nos momentos
preconstituintes e constituintes. Emprega-‐se o termo
“povo” para designar o povo em sentido político,
ou seja, grupo de pessoas que agem
segundo ideias,
interesses e representações de natureza política.
Existem, porém, outros conceitos, ainda que redutores,
de povo:
• Conceito de povo realista – constituído pelas
minorias activistas autoproclamadas em
representantes do povo;
• Conceito de povo normativo – constituído pelo
corpo eleitoral;
• Conceito de povo maioritário – constituído pelas
maiorias.
É, assim, o conceito de povo real que
detém o poder constituinte – comunidade aberta de
sujeitos
constituintes que entre si contratualizam.
O procedimento constituinte
1. Fenomenologia do poder constituinte: o exemplo
português
Apesar de uma constituição não resultar sempre
de uma revolução ou de um golpe de Estado,
esta surge
sempre num momento extraordinário, que foge
aos cânones. Nestes momentos estão geralmente
implícitas
decisões de carácter pré-‐constituinte, que se seguem
a um momento desconstituinte. Estas decisões são
constituídas por:
• Decisões de iniciativa de elaboração e aprovação de
uma nova constituição;
• Decisão atributiva do poder constituinte e definição
do procedimento constituinte;
• Leis constitucionais transitórias.
O exemplo português:
• A Junta de Salvação Nacional, emergente do
Movimento das Forças Armadas, emite um primeiro
comunicado no qual determina a eleição, por
sufrágio directo, de uma Assembleia Nacional
Constituinte;
• Na Lei Constitucional Provisória decretada pela
Junta de Salvação Nacional, esta estabelece que
à
Assembleia Nacional Constituinte caberá elaborar a aprovar
uma nova Constituição;
• Ainda na Lei Constitucional Provisória, determina-‐se
que a eleição da Assembleia Constituinte
deverá ser por “sufrágio universal, directo
e secreto”, devendo este processo de eleição ser
regulado pelo Governo Provisório.
Laura Nunes Vicente – Ano Lectivo 2011/2012
2. Procedimentos constituintes:
Podemos classificar os procedimentos constituintes em três
tipos:
• Procedimentos constituintes representativos;
• Procedimentos constituintes directos;
• Procedimentos constituintes monárquicos.
2.1. Procedimentos constituintes representativos
Designa-‐se por procedimento constituinte representativo a
técnica de elaboração de uma lei constitucional
através de uma assembleia especial, a assembleia
constitucional
Podemos distinguir três tipos de procedimentos
constituintes representativos:
• Assembleia Constituinte soberana – cabe à Assembleia
a elaboração e a aprovação da constituição,
excluindo-‐se qualquer intervenção directa por parte
do povo. O procedimento representativo de
Assembleia Constituinte soberana é considerado o modelo
clássico português – Constituição de
1822, 1838, 1911 e 1976.
• Assembleia Constituinte não soberana – cabe à
Assembleia apenas a elaboração de uma
constituição, sendo atribuída ao povo a tarefa da
sua aprovação. Neste sentido, diz-‐se que o texto
aprovado por uma Assembleia Constituinte é uma
proposta de constituição, enquanto que o voto
do povo é uma sanção constituinte.
• Assembleia Constituinte e Convenções do Povo –
é um procedimento semelhante ao da Assembleia
Constituinte não soberana, contudo a aprovação
pelo povo é feita, não através de um
referendo,
mas sim através de convenções do povo, reunidas em
diversos centros territoriais.
2.2. Procedimentos constituintes directos:
Designa-‐se procedimento constituinte directo a aprovação
pelo povo de um projecto de constituição sem
quaisquer representantes. Trata-‐se, pois, da sujeição
à sanção popular de uma determinada proposta
constitucional elaborada por determinados órgãos políticos,
ou por um número determinado de cidadãos.
Este procedimento pode realizar-‐se através de
duas modalidades:
• Referendo – aprovação de uma determinada proposta
constitucional através de um procedimento
referendário justo.
• Plebiscito – processo referendário não justo, na
qual a votação popular de um projecto de
constituição é unilateralmente fabricada pelos
titulares do poder com o objectivo de alterar
em
termos de duvidosa legalidade a ordem constitucional
vigente (plebiscitos napoleónicos). No
exemplo português, a aprovação da Constituição de
1933 aproxima-‐se deste modelo, na qual as
abstenções foram consideradas como votos a favor.
2.3. Procedimentos constituintes monárquicos
Designa-‐se procedimento constituinte monárquico a
elaboração de uma constituição por parte de um
monarca.
Podemos classificar estes procedimentos em:
• Constituição outorgada – a Constituição é dada ao
povo pelo soberano;
• Constituição pactuada ou dualista – a Constituição
resulta de um pacto entre o soberano e o
povo.
3. Poder constituinte originário: um poder absoluto?
1. A teoria da omnipotência no quadro da
secularização de conceitos teológicos
Na teoria clássica do poder constituinte, este era
considerado como um poder autónomo, incondicionado e
livre. O poder constituinte concebia-‐se, em toda
a sua radicalidade, como um poder juridicamente
desvinculado, sendo que esta concepção
omnipotente do poder resulta da secularização de conceitos
teológicos – a “teologia política”.
A doutrina actual rejeita esta compreensão. Em
primeiro lugar, se o poder constituinte possui
como
objectivo criar uma constituição que limite o
poder, esta “vontade de constituição” não pode
deixar de
condicionar a vontade do criador. Em segundo lugar, o
próprio sujeito constituinte obedece a padrões e
modelos de conduta radicados na consciência jurídica
da comunidade. Em terceiro lugar, revela-‐se como
indispensável a observância a certos princípios
jurídicos, que funcionam como limites da liberdade
e da
omnipotência do poder constituinte. Por último, a
constituição encontra-‐se, nos dias de hoje, vinculada
ao
direito internacional.
2. A irrenunciável vinculação jurídica: entre a
universalização e a contextualização
Laura Nunes Vicente – Ano Lectivo 2011/2012
CAPÍTULO IV
O ESTADO CONSTITUCIONAL
A Constituição e o seu Referente: Estado? Sociedade?
O conceito de Estado constitucional é um conceito que
se opões aos vários tipos de Estados que existiram
nos diferentes períodos históricos. É um produto do
desenvolvimento constitucional no actual momento
histórico, conhecendo várias formas políticas e jurídico-‐
constitucionais – rule of law, État légal,
Rechtsstaat
e Estado de direito.
1. O referente da Constituição
1.1. A sociedade e a Constituição
A resposta à pergunta “qual o referente da
Constituição?” iniciou-‐se com a Revolução Francesa.
Artigo 16.º Declaração dos Direitos do Homem
e dos Cidadãos de 1789 -‐ “Toute société
dans laquelle la
garantie des droits n’est pas assurée, ni la separation
des pouvoirs détermine point de Constitution”
Este artigo é atravessado por duas linhas de
força: a “garantia de direitos” e a
“separação de poderes”. O
referente do artigo é a sociedade, ou seja, a
sociedade “tem” uma Constituição. Assim, nos
esquemas
políticos oitocentistas, a Constituição aspirava a ser
um “corpo jurídico” de regras aplicáveis ao
“corpo
social”. Nasce, pois, a expressão “Constituição da
República”, visto que a Constituição se refere à
própria
comunidade política, ou seja, à República.
1.2. A Constituição como norma ou lei do Estado
Com a evolução do constitucionalismo, o referente da
Constituição desloca-‐se para o Estado. Podemos
apontar três razões para esta transmutação:
• O conceito sofreu uma evolução semântica, com o
constitucionalismo norte-‐amerciano e francês;
• A progressiva estruturação do Estado Liberal veio
determinar a separação Estado-‐Sociedade;
• O conceito de Estado ergueu-‐se ao conceito ordenador
da comunidade política, reduzindo-‐se a
Constituição a simples lei do Estado e do seu
poder.
2. Que coisa é o Estado?
2.1. Nascimento do Estado
O conceito de Estado deve muito às construções
filosóficas de Bodin e de Thomas Hobbes, que destacaram
a
sua soberania e poder como categorias centrais da
modernidade política.
Actualmente, podemos definir Estado como uma forma
histórica de organização jurídica do poder dotada de
certas qualidades. Afirma-‐se desde logo a
qualidade de poder soberano, supremo no plano
interno e
independente no internacional. Esta soberania possui
igualmente um carácter originário, visto que o Estado
não precisa de fundamentar as suas normas noutras
preexistentes.
O Estado moderno constitui, assim, um esquema de
racionalização institucional das sociedades modernas, e
o Estado constitucional é uma tecnologia política
de equilíbrio político-‐social e de combate à
autocracia
absolutista do poder e os privilégios orgânico-‐corporativo
medievais.
O Estado, tal como acaba de ser
caracterizado, corresponde ao modelo de Estado emergente
da Paz de
Westefália (1648), que assenta na ideia de unidade
política soberana do mesmo. Contudo, podemos afirmar
que este modelo está em crise em virtude dos
recentes fenómenos de globalização
2.2. Os elementos do Estado
São três os elementos constitutivos do Estado:
• Poder enquanto político de comando;
• Povo enquanto destinatário da soberania;
• Território enquanto espaço de reunião do povo.
O Estado constitucional: Estado de direito democrático
Laura Nunes Vicente – Ano Lectivo 2011/2012
PARTE II
MEMÓRIA CONSTITUCIONAL PORTUGUESA
CAPÍTULO I
INTRODUÇÃO À HISTÓRIA CONSTITUCIONAL PORTUGUESA
História Constitucional Portuguesa: entre a continuidade
e a ruptura
1. Descontinuidades
Considera-‐se que existe uma relação de
descontinuidade quando uma ordem jurídico-‐constitucional
implica uma ruptura com a ordem constitucional anterior.
1.1. Descontinuidade formal
Considera-‐se que a descontinuidade é formal quando uma
nova Constituição adquire efectividade e validade
num determinado espaço jurídico sem que para
tal se tenham observado os preceitos reguladores
de
alteração ou revisão da Constituição vigente. Por
outras palavras, quando a nova Constituição é
feita e
aprovada segundo os esquemas regulativos da velha
Constituição, existe continuidade formal; quando o
novo texto constitucional postergou os preceitos do
velho texto quanto ao procedimento de alteração,
estamos perante uma descontinuidade formal.
1.2. Descontinuidade material
Numa óptica material, verifica-‐se uma descontinuidade
quando o novo poder constituinte vem
destruir o
título do anterior, ou os poderes políticos
constitucionalmente conformadores.
2. Continuidades
As descontinuidades constitucionais coexistem com
algumas memórias e tradições do constitucionalismo
que, juntamente com determinados institutos jurídicos,
constituem factores de continuidade.
Podemos apontar a existência de três patrimónios
culturais constitucionais na história do
constitucionalismo português:
• Catálogo de direitos e liberdades;
• Fiscalização judicial difusa dos actos normativos;
• Existência de autarquias locais.
DESCONTINUIDADES NO CONSTITUCIONALISMO PORTUGUÊS
Descontinuidade Formal
Descontinuidade Material
Poder constituinte democrático das Cortes
1. Constituição de 1822
Gerais Extraordinárias e Constituintes de 1821
2. Carta Constitucional de 1826
Poder constituinte monárquico
3. Constituição de 1838
Poder constituinte democrático
4. Constituição de 1911
Poder constituinte democrático republicano
5. Constituição de 1933
Poder constituinte autoritário-‐plebiscitário
6. Constituição de 1976
Poder constituinte democrático representativo
A história constitucional portuguesa e o
constitucionalismo: monólogos e diálogos
Podemos detectar o rasto de fontes constitucionais
estrangeiras no articulado constitucional, das quais se
destacam:
• O peso das experiências constitucionais
francesas, especialmente no constitucionalismo
monárquico;
Laura Nunes Vicente – Ano Lectivo 2011/2012
•
•
•
CAPÍTULO II
O CONSTITUCIONALISMO MONÁRQUICO E AS SUAS
CONCRETIZAÇÕES POSITIVAS: 1822, 1826, 1838
Os antecedentes próximos do constitucionalismo moderno: a
“Súplica Constitucional” (1808)
O movimento constitucional português iniciou-‐se com a
“súplica” de Constituição dirigida a Junot em 1808,
por um grupo de cidadãos. Esta proposta de
Constituição era reconduzível ao modelo das
constituições
outorgadas, nomeadamente a Constituição outorgada por Napoleão
ao Grão-‐Ducado de Varsóvia.
O Constitucionalismo Vintista: a Constituição de 1822
1. Circunstâncias histórias da revolução de 1820
2. Génese do texto constitucional: as Cortes
Extraordinárias Constituintes
2.1. Procedimento constituinte: as Cortes Extraordinárias
Constituintes
O procedimento constituinte que caracterizou a elaboração
do primeiro texto constitucional português foi
um procedimento constituinte representativo. A nova
Constituição foi elaborada pelas Cortes Gerais,
Extraordinárias e Constituintes, em 1821.
2.2. Influências constitucionais
Podemos distinguir duas tendências essenciais na
questão fulcral do modelo político-‐constitucional a
escolher:
• Constitucionalismo francês (as constituições de 1791 e
1795)
• Constitucionalismo espanhol (a Constituição de Cádis de
1812)
3. Traços constituintes essenciais
3.1. Princípios estruturantes
Em síntese, os princípios norteadores da Constituição
de 1822 são os seguintes:
• Princípio democrático da soberania estadual, pois a
“soberania reside essencialmente na Nação”;
• Princípio da representação, dado que a soberania só
“pode ser exercida pelos seus representantes
eleitos”;
• Princípio da separação de poderes, de tal maneira
independentes “que um não poderá arrogar a si
as atribuições do outro”;
• Princípio da igualdade jurídica e do respeito pelos
direitos pessoais.
3.2 Direitos e deveres dos portugueses
A Constituição de 1822 consagrou um catálogo dos
direitos e deveres individuais dos cidadãos portugueses,
separando duas categorias de direitos que a
Déclaration de 1789 juntava: os direitos da Nação e
os direitos
individuais. Alguns destes últimos tinham um carácter
positivo, como o direito à liberdade, e outros
tinham
um carácter negativo, dirigindo-‐se essencialmente contra o
antigo regime.
3.3. Unicameralismo
O poder legislativo residia nas Cortes, com
dependência da sanção do Rei, e que se
configuravam como
assembleia unicameral e eleita bienalmente.
4. Vigências do texto de 1822
A Constituição de 1822 teve as seguintes vigências:
• Primeira vigência (1822 – 1823) – fim imposto pelo
movimento de contra-‐revolução Vilafrancada,
chefiado por D. Miguel;
• Segunda vigência (1836 – 1838) – início pelo
Decreto de 10 Setembro de 1836, na sequência da
Revolução de Setembro.
O Constitucionalismo Cartista: a Carta Constitucional de
1826
1. Contexto histórico
Laura Nunes Vicente – Ano Lectivo 2011/2012
CAPÍTULO II
O CONSTITUCIONALISMO REPUBLICANO
1. Circunstâncias históricas da revolução de 5 de
Outubro de 1910
2. Fontes da Constituição
• A Constituição brasileira de 1891;
• A Constituição suíça de 1848 revista;
• As constituições portuguesas anteriores;
• O constitucionalismo francês.
3. Princípios republicanos
3.1. Democracia
A ideia republicana expressou, desde logo, uma
maior adesão ao princípio democrático do que aquela que
lhe emprestou o liberalismo monárquico.
A república democrática guiava-‐se pelos seguintes
princípios:
• Soberania nacional – aderiu-‐se ao princípio da
soberania nacional, retomando as fórmulas das
constituições de 1838 e 1822;
• Regime representativo – a soberania a Nação
manifesta-‐se através dos representantes eleitos;
• Separação de poderes – consagra a forma clássica de
separação de poderes, considerados
independentes entre si;
• Sufrágio universal – apesar do sufrágio universal
estar no cerne da República, nem por isso
se
consagrou a universalidade do sufrágio, estando excluídos os
analfabetos, as mulheres e, em alguma
medida, também os militares;
• Bicameralismo partidário – consagra o sistema
bicameral, passando o Senado a desempenhar o
papel que cabia à Câmara dos Pares;
• Parlamentarismo monístico e regime parlamentar de
assembleia – parlamentarismo monístico
devido ao amplo poder de controlo político do
Parlamento sobre o governo; e o regime parlamentar
de assembleia pois o Congresso era o
único órgão que, teoreticamente, podia condicionar
as
directivas políticas da república democrática.
3.2. Laicismo
A Constituição de 1910 veio defender uma república
laica e democrática. O laicismo baseava-‐se em:
• Igualdade de cultos;
• Liberdade de culto;
• Neutralidade religiosa do ensino;
• Perseguição à Igreja Católica: a extinção da
Companhia de Jesus e de todas as congregações
religiosas e ordens monásticas.
3.3. Descentralização
Os republicanos defendiam uma república
democrática federativa, através da criação de centros de
autoridade local.
4. Estrutura constitucional
4.1. Catálogo liberal de direitos
Na Constituição, consagra-‐se, ainda à semelhança da
Constituição de 1822, um catálogo de direitos
fundamentais, dos quais são exemplos a proibição
da pena de morte e a consagração da
liberdade de
religião e culto.
4.2. Estrutura organizatória do poder político
• Parlamentarismo;
• Bicameralismo – Câmara dos Deputados e Senado;
• Presidente da República – eleição indirecta;
• Judicial review – controlo judicial da constitucionalidade;
• Descentralização administrativa.
Laura Nunes Vicente – Ano Lectivo 2011/2012
CAPÍTULO III
O CONSTITUCIONALISMO CORPORATIVO
Contexto histórico
A 1ª República caracterizou-‐se pela instabilidade
governamental, pelo apagamento do Presidente da
República e por um multipartidarismo desorganizado,
circunstâncias que se repercutiram na economia,
então em crise. O golpe de 26 de Maio de
1926 veio implantar uma Ditadura Militar, e
Óscar Carmona toma
posse como Chefe de Estado. Em 1932, Oliveira
Salazar, então Ministro das Finanças, ascende a Presidente
do Conselho de Ministros (Primeiro-‐Ministro) e cria, com
a Constituição de 1933, o regime de Estado
Novo.
Génese da Constituição de 1933: do projecto de
revisão da Constituição de 1911 à feitura de um
novo texto constitucional
1. O Acto Colonial de 1930
O Acto Colonial de 1930 foi o primeiro
documento constitucional do Estado Novo, elaborado por
Oliveira
Salazar e de forte pendor nacionalista.
2. A criação do Conselho Político Nacional: discussão
sobre o seu papel
O Conselho Político Nacional foi um órgão consultivo
criado a 1931, que era presidido pelo Presidente
da
República, Óscar Carmona, e do qual Oliveira Salazar
era membro.
Linhas de força do constitucionalismo do Estado Novo
Traços principais do Constitucionalismo corporativo:
• República corporativa – subjacente à Constituição de
1933 estava uma filosofia de uma política
reestruturante da sociedade, ou seja, que
reconhecesse grupos intermédios entre o indivíduo
e o
Estado, como a família, os organismos corporativos,
as autarquias locais e a Igreja. Ocorreu uma
repulsa pelo liberalismo político e económico e pela
sua instabilidade, e o Estado concebeu-‐se como
uma República corporativa, baseada na interferência de
elementos estruturais da Nação na vida
administrativa e na feitura das leis.
• A ideia de Estado forte e o presidencialismo
de Primeiro-‐Ministro – a Constituição reagiu contra
as
debilidades do Estado democrático da 1ª República,
instituindo um executivo forte, independente
do órgão legislativo; um legislativo não
partidariamente dividido; e um Chefe de Estado,
eleito
directamente pela Nação, que só perante ela
respondia. Encontramo-‐nos perante um
presidencialismo de Primeiro-‐Ministro, ou seja, perante uma
concentração de poderes no Chefe de
Estado.
• Antiliberalismo político e a ideia supra-‐individualista
de Nação – verifica-‐se uma legalização ou
degradação legal dos direitos fundamentais, que
perdem força normativa, pois “os fins e
os
interesses da Nação dominam os dos indivíduos e
grupos que as compõem”.
• Antiliberalismo económico e a ideia de economia dirigida
– o antiliberalismo manifesta-‐se também
numa Constituição económica, de pendor dirigista, que
pretende regular e programar a actividade
económica através de um conjunto de princípios. Assiste-‐
se também a uma restrição drástica dos
direitos dos trabalhadores, como a proibição do direito
à greve.
Estrutura e princípios da Constituição de 1933
1. Procedimento constituinte
O texto constitucional corporativo é a única
constituição portuguesa que adoptou o procedimento
constituinte directo plebiscitário . A partir de um
projecto de Salazar, e com auxílio do Conselho
Político
Nacional, foi elaborado um texto mais tarde submetido
a plebiscito nacional.
2. Direitos fundamentais
Num fenómeno de degradação legal dos direitos
fundamentais, estes passaram a mover-‐se no âmbito da
lei,
em vez de a lei se mover no âmbito dos direitos
fundamentais.
3. A Constituição económica
Na senda da Constituição de Weimar, a Constituição
de 1933 formalizou, pela primeira vez, a
constituição
económica, que define programas e directivas para a
ordem económica.
Laura Nunes Vicente – Ano Lectivo 2011/2012
4. Estrutura político-‐organizatória
A Constituição de 1933 veio individualizar como
órgãos de soberania os seguintes órgãos:
• Chefe de Estado;
• Assembleia Nacional;
• Governo;
• Câmara Corporativa;
• Conselho de Estado;
• Tribunais.
Laura Nunes Vicente – Ano Lectivo 2011/2012
PARTE III
CONCRETIZAÇÕES: DIREITO CONSTITUCIONAL PORTUGUÊS
Capítulo I
Texto e contexto
A génese da CRP: o poder constituinte originário
1. A Constituição de 1976 como resposta
constitucional da nova República
1.1 O fim do Estado Novo
A revolução de 25 de Abril de 1974 foi
levada a cabo pelo MFA (Movimento das
Forças Armadas), que
posteriormente entregou o poder a uma Junta de
Salvação Nacional (JSN) — órgão revolucionário —
presidida pelo General António de Spínola. O objectivo
declarado deste acto revolucionário era o da ruptura
com o regime autoritário e corporativo anterior e
o da consequente instauração de um regime
democrático.
1.2. A estrutura constitucional provisória e o papel
do MFA
À Junta de Salvação Nacional, emergente do
MFA, cabia a elaboração de uma Lei
Constitucional Provisória e
a eleição de uma Assembleia Nacional Constituinte.
2. A CRP no quadro do constitucionalismo português:
continuidades e rupturas
2.1. Clarificação conceptual
2.2. Continuidades e rupturas da Constituição de 1976
e tradições constitucionais portuguesas
Apesar de as descontinuidades prevalecerem sobre as
continuidades, podemos identificar um conjunto de
características que formam um património cultural:
• Fiscalização constitucional das leis pelos tribunais;
• Poder legislativo ordinário do executivo, que
constitui um traço distintivo do constitucionalismo
português.
3. A CRP e as matrizes estrangeiras
Foram vários os textos que serviram de inspiração ao
legisladores constituinte de 1976. Destacam-‐se:
• Constituições dos países de Leste;
• Constituições ocidentais (alemã, italiana e francesa);
• Constituições portuguesas anteriores.
4. Constituição originária e procedimento constituinte
O procedimento constituinte que esteve na origem
do documento constituinte de 1976 foi um
procedimento representativo de assembleia soberana,
visto que a população portuguesa elegeu uma
Assembleia Constituinte com competência para elaborar e
aprovar uma Constituição.
4.1. Entre a liberdade a tutela
O problema da coerência e unidade da CRP de 1976
começou cedo. Esta apresentava tensões e
contradições,
fruto do movimento revolucionário. Assim, podemos
identificar as seguintes contradições no seio da CRP
originária:
• Constituição liberal e democrática / Constituição
dirigente a autoritária, finalisticamente dirigida à
prossecução do socialismo;
• Legitimidade democrática, expressa nos órgãos de
sufrágio universal / Legitimidade
revolucionária, expressa no Conselho da Revolução;
• Constituição programática, que determina um conjunto
de normas-‐fim e normas tarefa /
Constituição processo.
4.2. As imperfeições procedimentais e a realidade e a
realidade constitucional
Considera-‐se que existe justiça procedimental
constituinte quando as etapas de elaboração de uma
constituição são consideradas justas e, por
isso, reconduzíveis a uma “boa constituição”. Existem
autores
que consideram que houve uma injustiça
procedimental na elaboração da Constituição de 1976,
pelos
seguintes motivos:
Laura Nunes Vicente – Ano Lectivo 2011/2012
2.5. Compromissória
Uma Constituição compromissória traduz um compromisso. A
Constituição de 76 traduziu-‐se num pacto
entre:
• Princípio liberal de direitos individuais e princípio
socialista de direitos económicos e sociais;
• Forma de governo presidencial e parlamentar;
• Princípio da unidade do Estado e da autonomia regional;
• Sistema de fiscalização da constitucionalidade difusa
(todos os tribunais judiciais podem aferir da
constitucionalidade das leis) e concentrada (presença de
um tribunal constitucional).
A evolução da Constituição de 1976: o exercício do
poder constituinte derivado
1. As revisões constitucionais
As revisões podem classificar-‐se em:
• Ordinárias – ocorrem passados 5 anos da última;
• Extraordinárias – ocorrem com aprovação de 4/5 dos deputados.
Podemos identificar três linhas de força no
exercício do poder constituinte derivado:
• Desideologização – tentativa de neutralizar as
referências semânticas de ideologia marxista e
leninista;
• Adaptação ao direito internacional:
• Autonomia política e administrativa de entes públicos
territoriais, principalmente das Regiões
Autónomas.
REVISÕES DA CONSTITUIÇÃO DE 1976
REVISÃO
TIPO
OBJECTIVOS
Fim das metanarrativas emancipatórias e
1ª Revisão -‐ 1982
Ordinária
da legitimidade revolucionária
2ª Revisão -‐ 1989
Ordinária
Revisão da constituição económica
3ª Revisão -‐ 1992
Extraordinária
Concessão de soberanias à União Europeia
Reforma da organização do poder político;
constituição bio-‐médica, desconstituciona-‐
4ª Revisão -‐ 1997
Ordinária
lização do dever militar e alargamento do
universo eleitoral
5ª Revisão -‐ 2001
Extraordinária
Criação do Tribunal Penal Internacional
6ª Revisão -‐ 2004
Ordinária
Autonomia política das Regiões Autónomas
Referendo sobre o Tratado Constitucional
7ª Revisão -‐ 2005
Extraordinária
Europeu
Laura Nunes Vicente – Ano Lectivo 2011/2012
Capítulo II
Princípios do Estado de Direito
1. Princípio fundante – a dignidade da pessoa humana
Art. 1.º CRP – “Portugal é uma República soberana, baseada
na dignidade da pessoa humana e na vontade
popular e empenhada na construção de uma sociedade
livre, justa e solidária.”
Dizer que o princípio fundante da Constituição de
1976 é a dignidade humana equivale a dizer que
este
princípio é simultaneamente o fundamento e o limite
de todo o poder político. É um fim em si
mesmo e, por
isso, as dimensões estruturantes ou constitutivas do
Estado de Direito visam a protecção deste
princípio,
que foi pela primeira vez reconhecido na Lei
Fundamental de Bona.
Duas das consequências normativas do reconhecimento do
princípio da dignidade humana são a proibição
da pena de morte e a proibição das penas de
prisão perpétua.
2. Princípios estruturantes
2.1. Juridicidade
Dimensões da juridicidade:
2.1.1. A medida do direito (matéria, procedimento e
forma)
O princípio do Estado de Direito é um princípio
constitutivo, de natureza material, formal e procedimental,
que visa dar resposta ao problema do conteúdo,
extensão e modo de proceder da actividade do
estado.
Assim, a Constituição de um Estado de Direito visa
conformar o exercício do poder político e a
organização
da sociedade segundo a medida do direito. Esta
medida compreende-‐se enquanto uma articulação entre
matéria e forma – medida material enquanto conjunto
de princípios materiais informados por uma
certa
ideia de justiça e que funcionam como meio
de ordenação racional de uma comunidade
organizada; e
medida formal enquanto princípios orgânicos, formais
e procedimentais que cumprem essa função
organizadora.
2.1.2. Estado de Direito como Estado “ de
distância” (Kloepfer)
O Estado de Direito é um Estado de distância
ou de limites, visto garantir ao indivíduo uma
esfera de
autonomia marcada pela diferença e pela individualidade,
que se opõe ao poder político e na qual
este não
pode intervir.
Contudo, a função do direito não é apenas
negativa, de defesa, mas também positiva: o
direito deve
assegurar também o desenvolvimento da personalidade do
indivíduo.
2.1.3. Estado de Justiça
A justiça faz parte da própria ideia de direito,
e concretiza-‐se em princípios materiais que se reconduzem
à
afirmação e respeito da dignidade humana, protecção
da liberdade e desenvolvimento da personalidade e
à
realização da igualdade. Podemos destacar várias dimensões
de um Estado de justiça: protecção dos
direitos das minorias, equidade na distribuição de direitos
e deveres e igualdade de distribuição de bens e
de oportunidades.
2.2. Constitucionalidade
O Estado de direito é necessariamente um Estado
constitucional, alicerçada na supremacia normativa da
Constituição, que deve vincular todos os órgãos
políticos. Esta supremacia da Constituição é a
primeira
expressão do “primado do direito”.
Dimensões da constitucionalidade:
2.2.1. Primado ou supremacia da Constituição –
princípio da constitucionalidade
O princípio da supremacia da Constituição traduz-‐se,
em primeiro lugar, no princípio da constitucionalidade
das leis ou da vinculação do legislador à
Constituição – todos os actos legislativos devem
obedecer aos
parâmetros materiais e formais estabelecidos no texto
constitucional. Este primado da Constituição
manifesta-‐se também na proibição de leis de
alteração constitucional, salvo as leis de revisão
elaboradas
nos termos previstos (arts. 161.º/a e 284.º a
289.º).
Laura Nunes Vicente – Ano Lectivo 2011/2012
2. PRINCÍPIO DEMOCRÁTICO
1. Caracterização do princípio democrático
O princípio democrático visa responder ao problema da
legitimação do poder político e, ao ser consagrado
constitucionalmente, constitui uma ordenação normativa para uma
dada realidade histórica contingente.
A fórmula mais conhecida, e que traduz a
essência dos movimentos históricos democráticos, é
a fórmula de
Lincoln – “governo do povo, pelo povo e
para o povo”. A esta formulação positiva opõe-‐se
a formulação
negativa de Popper – “a democracia nunca foi a
soberania do povo, não o pode ser, não o deve
ser”.
Tipos de democracia:
• Democracia directa – primeiro tipo de democracia,
que surgiu com os gregos e na qual os
cidadãos fazem eles próprios as leis.
• Democracia participativa – surgiu na pós-‐modernidade
e consiste no exercício da democracia
pelos cidadãos através de instituições cívicas.
• Democracia representativa – delegação de poder em
representantes, por parte dos cidadãos.
• Democracia semidirecta – partilha algumas características
com a democracia representativa,
apesar dos cidadãos desempenharem um papel directo
em certos aspectos da tomada de
decisão.
A Constituição de 76 foi fundada no princípio
da democracia representativa, sendo os principais
instrumentos de democracia:
• Sufrágio
• Partidos políticos
Contudo, as sucessivas revisões constitucionais foram
assimilando os outros tipos de democracia:
• Directa – plenário dos cidadãos (art. 245.º/2)
• Semidirecta – referendo
• Participativa – ver arts. 2.º, 109.º e 151.º
2. Concretização constitucional do princípio democrático
2.1. O princípio da soberania popular
O princípio da soberania popular transporta várias
dimensões históricas:
• Necessidade de legitimação do domínio político;
• Povo enquanto legitimação do poder político;
• Povo enquanto titular da soberania;
• Soberania popular enquanto princípio eficaz e vinculativo
no âmbito constitucional;
• Constituição enquanto plano da construção organizatória
da democracia.
2.2. Princípio da representação popular
A representação popular é o exercício jurídico,
constitucionalmente autorizado, de funções de domínio,
feita
em nome do povo por órgãos de soberania do
Estado.
Existem dois tipos de representação democrática:
2.1. Representação democrática formal – autorização e
legitimação jurídico-‐formal concedida a um
órgão governante para o exercício do poder político.
2.2. Representação democrática material – momento
referencial substantivo e normativo,
conformidade da vontade do povo com o conteúdo dos
actos dos representantes.
2.3. Princípio da democracia semidirecta
O referendo é o principal instrumento de democracia
semidirecta. É uma consulta feita aos eleitores sobre
uma questão ou texto através de um procedimento
formal regulado na lei.
Tipos de referendo (quanto ao território)
2.3.1. O referendo nacional (art. 115.º):
• Âmbito material: domínios excluídos do âmbito material do
referendo (art. 115.º/4):
o Referendos constitucionais – a revisão constitucional
é “reserva absoluta do
Parlamento (art. 161.º/a))
o Referendos sobre questões ou actos de conteúdo
orçamental, tributário ou financeiro –
visto que são matérias de fácil manipulação pelo
eleitorado.
Laura Nunes Vicente – Ano Lectivo 2011/2012
•
•
•
•
2.3.2. Referendo local – art. 240.º
Considera-‐se referendo local o referendo que
tem por objecto questões de relevante interesse
local que
devam ser decididas pelos órgãos autárquicos municipais
ou de freguesia.
2.3.3. Referendo regional – art. 323.º/2
Entende-‐se por referendo regional o referendo incidente sobre
questões de interesse específico regional, no
âmbito das Regiões Autónomas dos Açores e
da Madeira. A iniciativa compete à respectiva
assembleia
regional e o universo eleitoral é composto pelos
cidadãos eleitores recenseados no respectivo território.
Existem outras classificações do referendo.
• Facultativo e obrigatório – o referendo obrigatório
é “letra morta” na Constituição.
• Quanto ao objecto – constitucional, convencional e
legislativo.
• Quanto à iniciativa – do governo, parlamentar e
popular.
• Quanto à eficácia jurídica – consultivo (apesar de
um referendo não chegar ao mínimo exigível
para a eficácia vinculativa, permite conhecer a opinião
dos cidadãos) e vinculativo.
2.4. Princípio da participação (art. 9.º/c e 109.º)
O princípio da participação política está estreitamente
conexionado com a democratização da sociedade –
democratizar a democracia através da participação
significa intensificar a participação activa e directa
de
homens e mulheres.
3. Princípio democrático e direito de sufrágio
O sufrágio é um instrumento fundamental de realização
do princípio democrático, pois é através dele
que se
legitima democraticamente a conversão da vontade em
poder, se estabelece a organização legitimante de
distribuição dos poderes e se procede à criação do
pessoal político.
Princípios materiais do sufrágio
3.1. Princípio da universalidade (art. 49.º/1)
Todos os cidadãos são titulares do direito de
sufrágio, quer activo (direito de votar), quer
passivo
(capacidade de ser eleito). O conceito de cidadania aqui
expresso é a cidadania portuguesa.
3.2. Princípio do voto directo ou imediato (art.
10.º)
Laura Nunes Vicente – Ano Lectivo 2011/2012
Igualdade material;
Adequação ao pluripartidarismo, favorecendo a representação
e o
aparecimento de pequenos partidos;
o Maior controlo e transparência do poder.
Desvantagens:
o Escassa personalização da escolha do eleitor;
o Dificuldade de obtenção de maiorias parlamentares, muitas
vezes colmatada
com coligações.
o
o
4.2. Sistema eleitoral na Constituição
4.2.1. O sistema eleitoral proporcional na Constituição
Os princípios fundamentais do sistema eleitoral constituem
direito constitucional formal, sendo o sistema
eleitoral proporcional um dos limites materiais de
revisão (art. 288.º/h). Nas eleições para a
Assembleia da
República, a Constituição optou concretamente por uma
das fórmulas de proporcionalidade, o método de
Hondt (art. 149.º/1). Nos outros casos de
eleições colegiais, consagra-‐se o sistema proporcional
mas há
liberdade de escolha quanto à escolha da fórmula de
proporcionalidade (art. 113.º/5, 231.º/2 e 239.º/2).
4.2.2. À procura da personalização do sistema
Uma das críticas dirigidas ao sistema proporcional é a
impessoalidade da escolha dos representantes, bem
como a hipertrofia do monopólio partidário. Assim, a
Revisão Constitucional de 1997 procurou responder a
estas críticas através da flexibilização do sistema eleitoral
– fórmulas de escrutínio e sistemas de
pessoalização:
• Fórmulas de escrutínio – no escrutínio uninominal
(círculos uninominais), há apenas um
mandato a preencher; enquanto que, no escrutínio
plurinominal (círculos plurinominais), há
vários mandatos a preencher, existindo por
isso uma lista. Na Revisão Constitucional de 97,
admitiu-‐se a coexistência de círculos uninominais e
plurinominais, sem perturbar o sistema de
representação proporcional.
• Sistemas de pessoalização do voto – através do
sistema de panachage (possibilidade de escolha
dos nomes dentre os propostos), do voto
preferencial (possibilidade de modificação da ordem
dos candidatos), e do sistema de duplo voto
(sistema alemão, que conjuga as vantagens da
representação proporcional com as do escrutínio
uninominal).
5. Princípio democrático e sistema partidário
5.1. A constitucionalização dos partidos políticos
O pluralismo partidário, ou seja, a possibilidade
de existência de vários partidos, é um elemento
essencial
do princípio democrático, estando consagrado na
Constituição.
Este princípio resulta de vários artigos da Constituição:
• Art. 2.º -‐ consagra o princípio do Estado de
Direito, aludindo ao pluripartidarismo.
• Art. 10.º/2 – consagra os princípios fundamentais
da democracia.
• Art. 51.º – possibilita a existência de
associações.
• Art. 288.º/i – pluralismo enquanto limite
material de revisão.
5.2. Partidos políticos: associações privadas com funções
constitucionais
Órgãos estaduais ou constitucionais?
Alguns autores defendem, em virtude do reconhecimento
constitucional dos partidos políticos, que estes
são órgãos constitucionais. Alguns autores chegam
mesmo a defender o seu estatuto de órgãos estaduais –
contudo, o reconhecimento de relevância jurídico-‐
constitucional dos partidos não corresponde à sua
estatização. O estatuto constitucional dos partidos
deriva do reconhecimento da liberdade de formação dos
partidos como um direito fundamental – como
tal, estes não podem ser considerados órgãos
constitucionais.
Corporações ou associações de direito público?
Nem constitucionais, nem estaduais, os partidos
também não devem qualificar-‐se como corporações
de
direito público, pois, do seu estatuto subjectivo,
deriva a sua caracterização como associações de
direito
privado. A sua função de mediação política
(expressão da vontade do povo) confere-‐lhes, porém, um
Laura Nunes Vicente – Ano Lectivo 2011/2012
CAPÍTULO III
POSIÇÕES JURÍDICAS: DIREITOS E DEVERES FUNDAMENTAIS
I. Semântica, história e perspectivas
1. Semântica
1.1. Direitos fundamentais e direitos do homem
Os direitos do homem são direitos naturais e
inalienáveis, ou seja, posição subjectivas das quais
o homem
goza pelo simples facto de o ser. São válidos
para todos os povos e em todos os tempos.
Os direitos fundamentais são s direitos do homem
incorporados, reconhecidos e protegidos efectivamente
na constituição. Assim, os direitos fundamentais são
os direitos objectivamente vigentes numa ordem
jurídica concreta.
1.2. Constitucionalização e fundamentalização
Constitucionalização (ou positivação constitucional) –
designa-‐se por constitucionalização a incorporação
de direitos subjectivos do homem em normas
constitucionais, tendo como principal consequência o
controlo da constitucionalidade dos actos normativos
reguladores destes direitos, como forma de protecção
dos mesmos.
Fundamentalização (ou fundamentalidade):
• Formal – associação aos direitos fundamentais as
características que estão ligadas à
constituição em sentido formal. Assim, o estatuto
constitucional das normas consagradoras de
direitos fundamentais compreende quatro dimensões:
o Valor paramétrico;
o Procedimento agravado de revisão;
o Limites materiais de revisão (art. 288.º/d e e);
o Parâmetros materiais de actuação dos órgãos
legislativos, administrativos e
jurisdicionais.
• Material – o conteúdo dos direitos fundamentais está
associado a exigências materiais ligadas a
necessidades estruturantes da pessoa humana. A ideia
de fundamentalidade fornece suporte à
cláusula aberta, princípio da não tipicidade ou norma
com “fattispecie” aberta (3 notas):
o Abertura da Constituição a direitos material mas não
formalmente constitucionais, ou
seja, que não integram o texto constitucional. Está em
causa a faculdade de reconhecer
como direitos fundamentais outros direitos positivados
noutros documentos (art.
16.º/1);
o Abertura da Constituição a novos direitos fundamentais,
que vão emergindo da
realidade.
o Aplicação a esses outros direitos fundamentais os
traços formais que valem para os
direitos fundamentais.
2. História
A doutrina identifica várias gerações ou momentos na
história dos direitos fundamentais, visto que o
seu
reconhecimento foi progressivo e paulatino, a sua
densidade aumentando com as exigências e necessidades
da realidade.
2.1. A pré-‐história
Na antiguidade, ainda não era reconhecida a
existência de direitos do homem – basta considerar
, por
exemplo, que Platão e Aristóteles entendiam o estatuto
de escravidão como algo de natural. Apesar de
no
mundo romano encontrarmos já a ideia de igualdade
natural e a ideia de humanidade, esta
encontrava-‐se
no terreno da filosofia e da doutrina política, não
conseguindo converter-‐se em categoria jurídica.
As concepções cristãs medievais abriram o caminho
para a submissão do direito positivo às normas
jurídicas fundamentais – contudo, os direitos consagrados
as cartas de franquias medievais (das quais
se
destacam a Magna Carta de 1215) eram direitos
estamentais, ou seja, direitos corporativos da
aristocracia
feudal em face do seu suserano.
Laura Nunes Vicente – Ano Lectivo 2011/2012
1.3. Direitos de natureza análoga aos direitos, liberdades
e garantias
O art. 17.º menciona uma categoria de direitos –
os direitos de natureza análoga aos direitos, liberdades
e
garantias. Estes direitos de natureza análoga são
direitos que, apesar de não constarem no
catálogo dos
direitos, liberdades e garantias, gozam do seu
regime especial. Podem, assim, encontrar-‐se entre
os direitos
económicos, sociais e culturais, ou entre os restantes
direitos fundamentais dispersos.
Contudo, a determinação dos contornos destes
direitos de natureza análoga não está isenta de
dificuldades.
O Dr. Gomes Canotilho propõe a seguinte metódica para
a captação da natureza análoga de um direito:
DIREITOS, LIBERDADES E GARANTIAS DE NATUREZA ANÁLOGA
De participação
Pessoais
Dos trabalhadores
política
Direitos (positivos) – Direito pessoal de Direito
de Direito de n.a. dos
direitos inerentes ao natureza
análoga participação política trabalhadores
homem como indivíduo (n.a.)
de n.a.
ou como participante na
vida política.
Liberdades (negativos) – Liberdade pessoal Liberdade
de Liberdade de n.a. dos
defesa da esfera jurídica de n.a.
participação política trabalhadores
dos cidadãos perante os
de n.a.
poderes políticos.
Garantias (processuais) Garantia pessoal de Garantia
de Garantia de n.a. dos
– garantias ou meios n.a.
participação política trabalhadores
processuais adequados
de n.a.
para a defesa dos
direitos.
1.4. Direitos fundamentais dispersos
São direitos fundamentais que se encontram fora
do catálogo (arts. 24.º -‐ 79.º). Alguns destes
direitos
gozam de natureza análoga aos direitos, liberdades
e garantias, enquanto que outros se aproximam
dos
direitos sociais. Ver exemplo do art. 268.º/4.
1.5. Direitos só materialmente fundamentais
O art. 16.º/1 consagra o princípio da cláusula
aberta, também chamado de princípio da não tipicidade
ou da
norma com “fattispecie” aberta, que reconhece a
existência de direitos fundamentais fora do texto
constitucional. Assim, em virtude de as normas que
os reconhecem e protegem não terem a forma
constitucional, estes direitos são chamados de direitos
fundamentalmente constitucionais.
1.6. Direitos só formalmente fundamentais
Não existem direitos fundamentais apenas formalmente
constitucionais, pela mesma lógica segundo a qual
não existem normas constitucionais que o sejam apenas
a nível formal.
2. Funções dos direitos fundamentais
As funções dos direitos fundamentais são quatro e
foram sendo historicamente assumidas.
2.1. Função de defesa
Função de defesa da pessoa humana e da sua
dignidade perante os poderes do Estado.
Dupla perspectiva:
• Direitos enquanto normas de competência negativa para
os poderes públicos, proibindo as
ingerência destes na esfera jurídica individual:
• Direitos enquanto faculdades de exercício positivo dos
mesmos pelos cidadãos.
2.2. Função de prestação social
Direitos a prestações são direitos do particular a
obter algo através do Estado (saúde, educação e
segurança
social). Assim, o Estado é chamado a garantir um
conjunto de bens fundamentais – Estado social.
Laura Nunes Vicente – Ano Lectivo 2011/2012
Direitos dos portugueses no estrangeiro (art. 14.º):
Os direitos fundamentais valem também para o
cidadãos não residentes no território nacional, que têm
os
mesmos direitos e deveres dos cidadãos portugueses
residentes em Portugal, salvo aqueles que sejam
incompatíveis com a ausência do país (algo que
terá de ser determinado caso a caso).
Os cidadãos
portugueses nessas condições também têm direito à protecção
do Estado para o exercício desses direitos,
estabelecendo-‐se uma discriminação positiva.
A questão das pessoas colectivas (art. 12.º/2)
A Constituição reconhece expressamente a capacidade
de gozo de direitos às pessoas colectivas, superando
assim uma concepção de direitos fundamentais
exclusivamente centrada sobre os indivíduos. Contudo, é
necessário responder às seguintes perguntas: qual
o sentido de pessoas colectivas usado? Todas as
pessoas
colectivas gozam de direitos fundamentais?
Existem dois tipos de pessoas colectivas:
• Pessoas colectivas de direito privado;
• Pessoas colectivas de direito público.
As pessoas colectivas não podem ser titulares de
todos os direitos fundamentais, mas apenas daqueles que
sejam compatíveis com a sua natureza. Este
problema deverá ser resolvido casuisticamente. Não
serão
aplicáveis, por exemplo:
• Direito à vida e à integridade pessoal;
• Direito de constituir família.
Levanta-‐se também a questão da titularidade de direitos
por parte das pessoas colectivas de direito público,
opondo-‐se uma tese negativa e positiva.
Argumentos da tese negativa – impossibilidade da
titularidade:
1. Argumento da natureza dos direitos – os direitos
fundamentais são direitos de defesa perante
os poderes públicos, logo não faz sentido reconhecer
às entidades públicas estes direitos.
2. Argumento da confusão – se as pessoas colectivas
de direito público fossem titulares de
direitos, então seriam simultaneamente titulares e
destinatárias dos mesmos.
Argumentos da tese positiva – possibilidade e limites:
1. Argumento literal – a Constituição não distingue
entre pessoas colectivas de direito público e
de direito privado.
2. Algumas pessoas colectivas gozam de uma posição
de infraordenação em relação ao Estado,
podendo como tal ocorrer situações de conflito
entre elas. Assim, as pessoas infraestaduais
terão de ser titulares de direitos fundamentais.
Direitos fundamentais colectivos e direitos fundamentais
de exercício colectivo
1. Direitos fundamentais colectivos – assim como
certos direitos fundamentais pressupõem uma
referência humana, não sendo susceptíveis de gozo
e exercício por parte de pessoas colectivas,
também existem na Constituição direitos cuja
titularidade é inerente às pessoas colectivas
como tais (ver arts. 40.º, direito de antena,
54.º, 56.º e 57.º).
2. Direitos fundamentais de exercício colectivo –
existem também direitos cuja titularidade é
individual, mas que só se podem exercer colectivamente
(exemplo – o direito à greve).
Titularidade e capacidade de exercício de direitos
A distinção do direito privado entre capacidade
de gozo de direitos (ou titularidade) e
capacidade de
exercício não terá qualquer utilidade no direito
constitucional. Por um lado, porque não faz
sentido
reconhecer direitos fundamentais insusceptíveis de ser
exercidos; por outro lado, esta restrição
pode ser
um expediente para a restrição inconstitucional de
direitos.
Laura Nunes Vicente – Ano Lectivo 2011/2012
2. Princípio da igualdade (art. 13.º)
2.1. Da igualdade formal à igualdade material
Um dos princípios estruturantes do regime geral dos
direitos fundamentais é o princípio da igualdade, que
tem como base o princípio da dignidade
social de todos os cidadãos. Considera-‐se que
o princípio da
igualdade é um dos princípios estruturantes do
sistema constitucional, visto conjugar dialecticamente
as
dimensões liberais, democráticas e sociais do Estado de
Direito democrático e social:
• Dimensão liberal – ideia de igual status social
de todas as pessoas, independentemente do
nascimento, perante a lei, geral e abstracta.
• Dimensão democrática – ideia de igualdade na
participação da vida política.
• Dimensão social – eliminação das desigualdades de
facto para se assegurar uma igualdade
material.
Esta igualdade é, desde logo, a igualdade formal –
que também recebe o nome de liberal ou jurídica
-‐, que
corresponde ao que está consagrado no art.
13.º/1. Assim, podemos afirmar que a Constituição
acolhe a
versão historicamente adquirida da fórmula clássica do
princípio da igualdade, que veio pôr fim
ao sistema
de privilégios do antigo regime e se traduz na
exigência de igualdade de aplicação do direito.
Mas o alcance da protecção constitucional do conteúdo, quer
quanto ao âmbito, quer quanto ao conteúdo,
não fica por aqui. Num dado momento da
História, o Estado “cão de guarda nocturno”
entra em crise e
exige-‐se, para além de uma igualdade formal –
igualdade perante a lei –, uma igualdade material –
igualdade
na criação e através da lei.
O âmbito de protecção do princípio da igualdade abrange,
na ordem constitucional portuguesa, as seguintes
dimensões:
• Proibição do arbítrio;
• Proibição de discriminação;
• Obrigação de diferenciação.
2.2. O princípio da proibição do arbítrio
A proibição do arbítrio constitui um limite
externo da liberdade de conformação ou de decisão
dos poderes
públicos, como princípio negativo de controlo. Assim,
existirá observância de igualdade quando indivíduos
ou situações iguais não são arbitrariamente tratados como
desiguais, e assim este princípio tem de andar
sempre ligado a um fundamento material ou critério
material objectivo. Este critério costuma ser
sintetizado em 3 notas:
• Fundamento sério;
• Sentido legítimo;
• Estabelecimento de uma diferenciação jurídica com fundamento
razoável.
Contudo, a vinculação do legislador ao princípio da
igualdade não elimina a sua liberdade de conformação
legislativa, pois a ele pertence, dentro dos
limites constitucionais, definir ou qualificar as
situações que
poderão funcionar como elementos de referência a um
tratamento igual ou desigual.
2.3. Princípio da proibição da discriminação
O princípio da proibição da discriminação,
consagrado no art. 13.º/2 , não significa uma
exigência de
igualdade absoluta em todas as situações, nem proíbe
diferenciações de tratamento.
Consagra um conjunto de factores discriminatórios
ilegítimos, que correspondem aos mais frequentes
e
historicamente mais significativos. Contudo, esta
lista não tem um carácter exaustivo, sendo
puramente
enunciativo.
Assim, exige-‐se que as medidas de diferenciação
sejam materialmente fundadas sob o ponto de vista
da
segurança jurídica, da proporcionalidade e da justiça,
não se baseando num motivo constitucionalmente
impróprio.
2.4. Princípio da obrigação de diferenciação
A obrigação de diferenciação vem compensar a desigualdade
de oportunidades, confirmando a função social
do princípio de igualdade, ou seja, o dever
de atenuação das desigualdades fácticas (sociais,
culturais e
sociais) pelos poderes públicos, através de discriminações
positivas.
Diferenciação e discriminação não são conceitos
equivalentes pois, numa situação de diferenciação, não
existe necessariamente discriminação. A discriminação
negativa é uma diferenciação ilegítima, enquanto
que discriminação positiva já é um tipo de
diferenciação legítima.
Laura Nunes Vicente – Ano Lectivo 2011/2012
2.5. Princípio da igualdade perante os encargos públicos
O princípio da igualdade perante os encargos públicos é
outra manifestação do princípio da igualdade, que
afirma que estes devem ser objecto de igualdade
material. O seu sentido tendencial é o seguinte:
• Os encargos públicos devem ser repartidos de forma
igual pelos cidadãos;
• No caso de existir um sacrifício especial de um
indivíduo ou grupo de indivíduos justificado por
razões de interesse público, deve estabelecer-‐se uma
indemnização ou compensação.
2.6. Direitos especiais de igualdade
Ao lado do princípio geral da igualdade, que
encontra a sua positivação constitucional no
artigo 13.º, a
Constituição consagra um conjunto de direitos específicos
ou especiais de igualdade, que visam efectivar o
princípio material de igualdade. Estes direitos
específicos valem como lex specialis relativamente
ao
princípio geral, e como tal sobrepõem-‐se ou têm
preferência sobre os preceitos do art.
13.º/1, que vale
como lex generalis.
IV. Regime específico dos direitos, liberdades e
garantias
Os direitos, liberdades e garantias e os
direitos de natureza análoga beneficiam de um regime
específico, ou
seja, uma disciplina jurídico-‐constitucional específica que
goza dos seguintes traços caracterizadores:
• Aplicabilidade directa;
• Vinculatividade de entidades públicas e privadas;
• Reserva da lei para a sua restrição;
• Princípio da autorização constitucional expressa para a
sua restrição;
• Princípio da proporcionalidade das leis restritivas;
• Princípio da generalidade e abstracção das leis
restritivas;
• Princípio da não retroactividade de leis restritivas;
• Princípio da salvaguarda do núcleo essencial;
• Limitação da possibilidade de suspensão nos casos do
estado de sítio e de emergência;
• Garantia do direito de resistência;
• Garantia da responsabilidade do Estado e demais
entidades públicas;
• Garantia perante o exercício da acção penal e a
adopção de medidas de polícia;
• Garantia contra leis de revisão restritivas.
1. Aplicabilidade directa (art. 18.º/1, segmento 1)
Esta cláusula de aplicabilidade directa ganhou inspiração
na Lei Fundamental de Bona, e implica o fim da
doutrina das liberdades.
Os direitos, liberdades e garantias são directamente
aplicáveis porque:
• Valem constitucionalmente como normas definidoras de
posições jurídicas;
• Aplicam-‐se sem necessidade de interposição
conformadora de outras entidades,
nomeadamente o legislador;
• Constituem direito actual e eficaz.
Assim, a aplicabilidade directa permite:
• Invocar as normas consagradoras de direitos, liberdades
e garantias na ausência de lei;
• Invocar a invalidade de actos normativos que
infrinjam os preceitos consagradores de direitos,
liberdades e garantias, e assim estes valem
contra a lei e em vez dela.
2. Vinculação das entidades públicas e privadas (art.
18.º/1, segmento 2)
2.1. Vinculação de entidades públicas
Os preceitos dos direitos, liberdades e
garantias vinculam as entidades públicas, princípio
este que não
pode ser uma particularização do princípio
geral da constitucionalidade, sendo conotado com a
aplicabilidade directa. Esta cláusula exige uma
vinculação sem lacunas, ou seja, abrangendo todos
os
âmbitos funcionais, e deve ser entendida de duas
perspectivas:
• Perspectiva funcional – funções das entidades públicas;
• Perspectiva formal-‐organizacional – titulares ou órgãos
dessas entidades.
A primeira das “entidades públicas” a ser
vinculada é o Estado em sentido estrito, ou seja,
o legislador, a
administração/governo e os tribunais.
Laura Nunes Vicente – Ano Lectivo 2011/2012
1.
1.
2.
3.
3.2. Limites dos limites
3.2.1. Requisito de lei formal
Só nos casos expressamente previstos na
Constituição podem ser restringidos os direitos,
liberdades e
garantias e só a lei os pode restringir.
• Regime-‐regra: reserva de lei relativa (art. 165.º/1/b))
• Excepções: reserva de lei absoluta (art. 164.º)
3.2.2. Autorização de restrição expressa (art. 18.º/2)
O legislador não tem, no ordenamento
jurídico-‐constitucional português, uma autorização
geral de direitos,
liberdades e garantias. A lei fundamental
individualizou expressamente os direitos que podem
ficar no
âmbito de uma lei restritiva. Esta
autorização de restrição expressa tem como objectivo
levar o legislador a
procurar nas normas constitucionais o fundamento
concreto para o exercício da sua competência
de
restrição, visando criar segurança jurídica.
3.2.3. Princípio da proibição do excesso (ou
proporcionalidade em sentido amplo) (art. 18.º/2)
O princípio da proibição do excesso está associado a
três exigências:
• Adequação – a medida restritiva tem de ser apropriada
para a prossecução dos fins invocados
pela lei.
• Necessidade – a medida restritiva tem de ser
exigível, ou seja, deve-‐se evitar a adopção
de
medidas que não sejam necessárias para
obterem os fins de protecção visados pela
Constituição e pela lei.
• Proporcionalidade – o princípio da proporcionalidade,
aqui em sentido estrito (ou princípio da
justa medida), pretende a realização de uma ponderação
final, averiguando se as medidas são
“desmedidas”, excessivas” ou “desproporcionadas” em relação
aos resultados obtidos.
3.2.4. Generalidade e abstracção como expressão do
princípio da igualdade (art. 18.º/3)
A generalidade e a abstracção são dois
requisitos cumulativos para a legitimidade das
leis restritivas de
direitos, liberdades e garantias.
• Uma lei geral é aquela lei que se
dirige a uma generalidade de pessoas, sendo o
contrário da lei
individual, aplicável apenas a uma pessoa ou a um
conjunto identificado de pessoas.
• Uma lei abstracta é a lei aplicável a um conjunto
indeterminado de casos, sendo o contrário da
lei concreta, aplicável apenas a um caso ou a um
número determinado.
Contudo, não basta que as leis sejam
formal ou aparentemente gerais e abstractas, importa
que o sejam
material e realmente. Assim, as leis individuais
e/ou concretas camufladas em forma geral e
abstracta – leis
que formalmente contêm uma normação geral e abstracta
mas, segundo o conteúdo e efeitos, se dirigem a
um círculo determinado ou determinável de pessoas –
são ilegítimas.
Apesar das modernas figuras de lei – leis-‐medida,
leis-‐plano e leis-‐grupo – não estarem constitucionalmente
proibidas noutros domínios, não podem restringir direitos,
liberdades e garantias.
3.2.5. Proibição da retroactividade
Apesar de a proibição da retroactividade admitir excepções
no ordenamento constitucional português, é-‐o
de forma absoluta no que respeita a leis
restritivas de direitos, liberdades e garantias.
Assim, as leis restritivas de direitos,
liberdades e garantias não se podem aplicar a
situações ou actos
passados, mas apenas aos verificados após a sua
entrada em vigor.
• A proibição incide sobre a retroactividade
autêntica ou retroactividade, em que as leis
afectam
posições jusfundamentais já estabelecidas no passado.
Laura Nunes Vicente – Ano Lectivo 2011/2012
3.2.6. Salvaguarda do núcleo essencial dos direitos,
liberdades e garantias
A ideia fundamental deste requisito é
aparentemente simples: existirá um núcleo essencial dos
direitos,
liberdades e garantias que não pode ser violado. Contudo,
este preceito suscita vários problemas.
• O objecto de protecção
O primeiro problema consiste em saber qual o
objecto de protecção da norma, ou seja, se esta
protege o conteúdo essencial da garantia geral e
abstracta (teoria objectiva) ou, antes, o
conteúdo essencial da protecção jurídica e essencial
da posição jurídica e individual de cada
cidadão (teoria subjectiva). A expressão “preceitos
constitucionais” parece apontar para uma
teoria objectiva – todavia, a protecção do núcleo
essencial não pode dispensar uma dimensão
subjectiva dos direitos fundamentais.
• O valor da protecção
Outro problema é o de saber se o conteúdo essencial
é uma realidade de natureza absoluta ou
relativa, isto é, se só se pode conhecer em
cada caso concreto, mediante uma ponderação de
bens ou interesses concorrentes (teoria relativa), ou
se ela possui uma substancialidade
própria, independentemente da colisão de interesses
verificada no caso concreto (teoria
objectiva). Também aqui não há alternativas radicais
– se, por um lado, a teoria subjectiva
acabaria por reduzir o núcleo essencial ao princípio da
proporcionalidade, por outro, a teoria
absoluta esquece que a determinação do âmbito de
protecção de um direito pressupõe
necessariamente a equação com outros bens, havendo
a possibilidade de o núcleo de certos
direitos ser relativizado. A indicação do direito
constitucional positivo parece apontar para a
aceitação tendencial de uma teoria mista.