Você está na página 1de 96

Laura  Nunes  Vicente  –  Ano  Lectivo  2011/2012  

DIREITO  CONSTITUCIONAL  I  
PARTE  I  –  CONSTITUIÇÃO  E  CONSTITUCIONALISMO  

 
CAPÍTULO  I  
DIREITO  CONSTITUCIONAL  –  APROXIMAÇÕES  
 
Constituição:  um  texto?  
 
Conceito   de   direito:   regulação   das   relações   sociais
através   de   normas   jurídicas,   assegurando   a   coesão
do  
sistema.  
 
Conceito  de  constituição:  o  termo  constituição  pode
ter  diferentes  usos.  Para  os  compreender,  é
necessário  
ter  em  conta  as  seguintes  proposições:  
• Todos  os  países  têm  uma  constituição.  
• Nem  todos  os  países  possuem  um  documento  escrito
chamado  constituição.  
• Nem   todos   os   países   que   têm   um   documento
constitucional   obedecem   ao   conceito   de  
constitucionalismo.  
 
1.1.  Constituição  enquanto  realidade  social  –  constituição
real  
Através   da   primeira   afirmação,   compreendemos   que   o
termo   constituição   pode   ser   utilizado   em   sentido
amplo   para   designar   a   estruturação   do   poder,   o  
“corpo   político”   de   uma   comunidade.   Este   uso
  corresponde  
à  concepção  aristotélica  de  politeia.  No  fundo,  a
constituição  revela-‐se  como  uma  realidade  social,
podendo-‐
se  afirmar  que  qualquer  grupo  organizado  é  uma
constituição.  
 
1.2.  Constituição  como  documento  escrito  –  constituição
formal  
A   segunda   afirmação   remete-‐nos   para   o   conceito
formal   de   constituição   enquanto   documento   escrito,   ou
seja,  enquanto  um  documento  que  possui  superioridade
hierárquica  no  plano  jurídico  e,  diferentemente  dos  
outros  textos  normativos,  é  de  difícil  revisão.  Este
 conceito  pode  já  transportar  dimensões  valorativas,
visto  
obedecer  a  determinadas  características  formais  e  possuir
um  conteúdo  específico.  
 
1.3.  Constituição  em  sentido  normativo  –  constituição
material  
A   terceira   afirmação   coloca-‐nos   perante   o   uso
de   constituição   em   sentido   normativo,   ou   seja,  
enquanto  
documento   que   obedece   aos   princípios   fundamentais
do   constitucionalismo.   A   constituição   deve,   pois,  
possuir   um   conteúdo   específico:   deve   estabelecer  
limites   jurídicos   ao   poder,   e   deve   ser  
informada   por  
princípios   materiais   fundamentais,   como   o   princípio
de   separação   de   poderes   e   a     garantia   de  
direitos   e  
liberdades.   A   constituição   normativa   pressupõe   uma
relação   entre   o   texto   e   um   conteúdo   normativo
específico,  e,  assim,  o  texto  vale  como  lei
superior  porque  consagra  princípios  fundamentais.  
A   constituição   é   um   conjunto   de   regras   jurídicas
codificadas   num   texto   ou   em   costumes,   e   que
possuem  
superioridade   hierárquica   em   relação   às   outras   regras
jurídicas,   visto   serem   atravessadas   por   princípios
aos   quais   é   atribuído   um   valor   específico  
superior.   Assim,   a   constituição   normativa   não   se
basta   com   um  
conjunto   de   regras   jurídicas,   tem   de   transportar
uma   dimensão   axiológica   que   se   traduza   numa  
bondade  
material.  
 
O  Corpus  Constitucional  
 
O   corpus   da   constituição,   que   se   define   como
conjunto   limitado   de   materiais   normativos   que  
formam   a  
constituição,   constitui   não   um   dado,   mas   sim
  um   problema.   São   candidatos   positivos   os
materiais  
normativos   que   fazem   parte   da   constituição,  
candidatos   negativos   os   materiais   não   reentrantes
na  
constituição,  e  candidatos  neutrais  aqueles  que  suscitam
dúvidas  quanto  à  sua  integração  na  constituição.  
Assim,  podemos  encontrar  três  acepções  do  corpus
constitucional:  
• O  corpus  constitucional  é  constituído  pelo  texto
(constituição  em  sentido  formal).  
• O  corpus  constitucional  é  constituído  não  só  pelo
texto,  mas  ainda  por  outros  materiais  normativos.  
• O  corpus  constitucional  é  constituído  apenas  por  uma
parte  das  regras  incluídas  no  texto.  
 
1.  O  texto  
Alguns   autores   consideram   que   o   corpus  
constitucional   é   todo   o   texto   constitucional,   ou
seja,   existe  
identificação   entre   constituição   e   constitucional   formal.
Surge   o   conceito   de   constituição   instrumental   –  
constituição  enquanto  um  texto  escrito.  
Laura  Nunes  Vicente  –  Ano  Lectivo  2011/2012  

Contudo,   nem   sempre   existe   esta   correspondência.


Por   exemplo,   em   França,   as   Constituições   de   1946   e
1958   lembram   a   fidelidade   aos   princípios   da  
Declaração   dos   Direitos   do   Homem   e   do   Cidadão   de
1789.  
Assim,  vários  textos  foram  do  documento  constitucional
são,  pois,  incluídos  no  corpus  constitucional.  
 
2.  Mais  do  que  o  texto  
2.1.  O  costume  constitucional  
Considera-‐se  que  estamos  perante  uma  norma  constitucional
consuetudinária  (não  escrita)  integradora  do  
corpus   constitucional   quando   se   verifica   a  
institucionalização   social   no   sistema   jurídico   constitucional
de  
um  acto  ao  qual  é  reconhecido  a  significação
de  uma  norma  de  carácter  constitucional.  Para  que  uma
regra  
consuetudinária   seja   institucionalizada,   são   necessárias
duas   condições   cumulativas:   uso   durante   largo  
tempo   (inveterata   ou   longaeva   consuetudo),   e   convicção
da   sua   juridicidade   (opinio   necessitatis   ou   opinio
juris).   Assim,   pode-‐se   afirmar,   por   exemplo,   a  
existência   de   um   costume   constitucional   caracterizado   pela
nomeação   obrigatória,   pelo   Presidente   da   República,
como   Primeiro-‐Ministro,   do   candidato   a   Primeiro-‐
Ministro   indicado   pelo   partido   que   venceu   as  
eleições   –   quando   a   Constituição   da   República  
Portuguesa  
estabelece  apenas  que  o  Primeiro-‐Ministro  será  nomeado
pelo  Presidente  da  República  “tendo  em  conta  os  
resultados  eleitorais  (CRP,  art.  187º).  
2.2.  As  interpretações  do  texto  
O  corpus  constitucional  pode  incluir  ainda  candidato
resultantes  da  interpretação  do  texto  constitucional.  
São  exemplos:  
• A  judicial  review  of  legislation,  fiscalização  da
constitucionalidade  das  leis  pelos  tribunais,  que  não
estava   expressamente   consagrada   na   Constituição   dos
Estados   Unidos   mas   que   foi   descobrida  
interpretativamente  pelo  Juiz  Marshall.  
• A  integração  racial  nas  escolas  públicas  –  a
controvérsia  em  torno  da  segregação  racial  nas
escolas  
públicas  terminou  com  a  institucionalização  de  um  novo
princípio  constitucional  pelo  Juiz  Warren,  
que   determinou   que   o   princípio   da   igual  
protecção   de   brancos   e   negros   não   era  
compatível   com  
esta  separação.  
 
3.  Menos  do  que  o  texto  
Existem   normas   que,   embora   inseridas   no   texto,
não   são   normas   materialmente   constitucionais,   não
possuem  dignidade  constitucional.    
São  exemplos:  
• Normas  com  importância  transitória.  
• Normas  de  escassa  relevância  constitucional.  
• Normas  de  carácter  compromissório.  
• Normas  técnicas.  
O   problema   suscitado   pela   redução   do   corpus  
constitucional   é   a   falta   de   critérios   seguros  
para   aferir   da  
constitucionalidade   das   normas,   aliada   à   impossibilidade
  de   reconhecer   ao   intérprete   o   direito   de  
“desconstitucionalizar”.  
Assim,  e  como  reconhecer  a  existência  de
normas  apenas  formalmente  constitucionais  implicaria
correr  o  
risco  de  quebrar  a  unidade  normativa  da  constituição,
consideramos  que  todas  as  normas  da  constituição  
têm  o  mesmo  valor,  ou  seja,  fazem  parte  do
corpus  constitucional.  
 
4.  “Law  in  the  books”  e  “law  in  action”  
A   abertura   do   corpus   constitucional   a   regras  
constitucionais   não   escritas   –   quer   derivadas   da
formação  
consuetudinária,   quer   derivadas   da   interpretação   do  
texto   constitucional   –   aponta   para   um   conceito   de  
direito   enquanto   “direito   em   acção”,   e   não   apenas
“direito   nos   livros”.   Falamos,   pois,   numa  
constituição  
material   –   conjunto   de   fins   e   valores   constitutivos
da   unidade   de   um   ordenamento   jurídico   (dimensão  
objectiva),   e   o   conjunto   de   forças   políticas   e  
sociais   que   exprimem   esses   fins   ou   valores  
(dimensão  
subjectiva).  
 
 
 
O  Direito  Constitucional  no  Quadro  dos  Saberes  
 
O   Direito   Constitucional   constitui   um   ramo   do  
direito   público,   e   opõe-‐se   a   outros   saberes   como
a   Teoria  
Geral  do  Estado,  a  Ciência  Política,  o  Direito  do
Estado,  etc.  Contudo,  é  necessário  dominar  estas
áreas  do  
saber  para  compreender  o  Direito  Constitucional.  
 
O  Direito  Constitucional  no  quadro  da  divisão  direito
público/direito  privado  
Laura  Nunes  Vicente  –  Ano  Lectivo  2011/2012  

Apesar   dos   campos   do   direito   público   e   direito


privado   não   serem   dois   campos   estanques,  
podemos  
distingui-‐los  segundo  diferentes  critérios:  
• Posição   dos   sujeitos:   enquanto   que   no   direito
público   há   uma   relação   de   supra-‐infra-‐ordenação  
entre  os  sujeitos,  no  direito  privado  os  sujeitos
encontram-‐se  num  plano  de  paridade.  Este  critério  
não  é,  porém,  absoluto.  
• Teoria   dos   interesses:   o   direito   público   persegue
interesses   públicos,   enquanto   que   o   direito  
privado  se  rege  por  interesses  privados.  
• Teoria  da  especialidade  
Contudo,  esta  distinção  entre  direito  público  e
direito  privado  é  meramente  tendencial,  visto  que  a
linha  que  
separa  estes  dois  campos  do  direito  tem-‐se
vindo  progressivamente  a  atenuar.    
 
 
 
Bibliografia:  
Gomes  CANOTILHO,  Direito  Constitucional  e  Teoria  da
Constituição  
1129-‐1139  
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Laura  Nunes  Vicente  –  Ano  Lectivo  2011/2012  

CAPÍTULO  II  
GÉNESE  E  DESENVOLVIMENTO  HISTÓRICO  DO  CONCEITO  DE
CONSTITUIÇÃO  
 
Constituição:  um  conceito  com  história  
 
O  movimento  constitucional  gerador  da  constituição  em
sentido  moderno  teve  várias  raízes  no  tempo  e
no  
espaço.   Assim,   não   existe   um   constitucionalismo   mas
  vários   constitucionalismos   –   o   inglês,   americano
e  
francês.  Constitucionalismo  é  a  teoria  que  ergue  o
princípio  do  governo  limitado  e  da  garantia  dos  direitos
numa   dimensão   estruturante   da   organização   político-‐social
de   uma   comunidade.   Neste   sentido,   o  
constitucionalismo   moderno   representa   uma   “técnica  
específica   de   limitação   ao   poder   com   fim  
garantísticos”.  Numa  acepção  histórica,  o  conceito  de
constitucionalismo  moderno  pode  ser  utilizado  para  
designar  o  movimento  político,  social  e  cultural  que  se
iniciou  em  meados  do  século  XVIII,  e  que  deu
origem  
a  uma  nova  forma  de  ordenação  e  fundamentação  do
poder  político.  
O  movimento  do  constitucionalismo  moderno  opõe-‐se  ao
constitucionalismo  antigo,  ou  seja,  o  conjunto  de  
princípios   escritos   ou   consuetudinários   alicerçadores   da  
existência   de   direitos   estamentais   perante   o  
monarca   e   simultaneamente   limitadores   do   seu  
poder.   Estes   princípios   terão   vigorado   desde   os
fins   da  
Idade  Média  até  ao  século  XVIII.  
 
O   constitucionalismo   moderno   trouxe   com   ele   o
conceito   de   constituição   moderna.   Por   constituição  
moderna  entende-‐se  a  ordenação  racional  da  comunidade
política  através  de  um  documento  escrito  no  qual  
se   declaram   as   liberdades   e   direitos   e   se   fixam
os   limites   do   poder   político.   O   conceito   de  
constituição  
moderna   engloba   as   seguintes   dimensões:   ordenação
jurídico-‐política   plasmada   num   documento   escrito;  
declaração   de   um   conjunto   de   direitos   fundamentais   e   da
sua   garantia;   organização   do   poder   político,   de
forma  a  limitá-‐lo  e  moderá-‐lo.  Este  conceito
converteu-‐se  progressivamente  num  dos  pressupostos  básicos
da  cultura  jurídica  ocidental,  ao  ponto  de  ser
designada  por  “conceito  ocidental  de  constituição”.  
 
As   considerações   anteriores   justificam   a  
indispensabilidade   de   hoje   se   falar   num   conceito
histórico   de  
Constituição.   Por   constituição   em   sentido   histórico
entende-‐se,   pois,   o   conjunto   de   regras   escritas   ou
consuetudinárias   e   de   estruturas   institucionais   conformadoras
de   uma   dada   ordem   jurídico-‐política   num  
determinado  sistema  político-‐social.  
 
Os  constitucionalismos  modernos  
 
A   constituição   em   sentido   moderno   pretendeu,   pois,
radicar   duas   ideias   fundamentais:   ordenar,   fundar   e
limitar  o  poder  político  e  reconhecer  e  garantir
os  direitos  e  liberdades  do  indivíduo.    
 
1.  Constitucionalismo  inglês  –  modelo  historicista  
• Etapas  da  história  constitucional  inglesa  
• Direitos  adquiridos  
• Due  process  of  law  
• Papel  relevante  da  jurisprudência  
• Constituição  mista  
• Soberania  do  parlamento  
• Rule  of  law  
 
No   constitucionalismo   inglês,   a   English   Constitution  
apareceu   como   a   sedimentação   histórica   dos  
direitos  
adquiridos   pelos   ingleses   e   o   alicerçamento,   também  
histórico,   de   um   governo   balanceado   e   moderado.  
Foram   três   as   dimensões   histórico-‐constitucionais   que
caracterizaram   este   movimento:   a   garantia   de  
direitos  adquiridos  (liberty  and  property);  estruturação
corporativa  dos  direitos;  regulação  destes  direitos  e  
desta  estruturação  através  de  contratos  de  domínio  do  tipo
 da  Magna  Charta.  Este  movimento  legou  vários
princípios  à  constituição  ocidental,  sendo  caracterizado
pelas  seguintes  dimensões:    
• Defesa   da   liberdade   enquanto   liberdade   pessoal   de
todos   os   ingleses   e   como   segurança   da   pessoa   e
dos  bens  que  se  é  proprietário;    
• Criação  de  um  processo  justo  regulado  por  lei  (due
process  law),  onde  se  estabelecessem  as  regras  
disciplinadoras  da  privação  da  liberdade  e  propriedade;  
• Leis   do   país   que   vão   sendo   dinamicamente
interpretadas   e   reveladas   pelos   juízes   –   e   não
  pelo  
legislador  –,  dando  origem  ao  “direito  comum”;  
• Representação  e  soberania  parlamentar  visando  um  governo
estruturalmente  moderado.  Apesar  de  
estar  patente  uma  ideia  de  “soberania  colegial”,
formada  pelo  rei,  pelos  comuns  e  pelos
lordes  (King  
Laura  Nunes  Vicente  –  Ano  Lectivo  2011/2012  

in  Parliament,  Commons  and  Lords)  e  reminiscente


ainda  da  época  medieval,  estas  forças  políticas  
eram   moderadas   pela   representação   e   soberania  
parlamentar.   Podemos   falar,   então,   de   uma  
constituição   mista   –   aquela   em   que   o   poder
não   está   apenas   nas   mãos   de   um   monarca,  
sendo  
também  partilhada  por  outros  órgãos  do  governo.  
• A  “soberania  do  parlamento”  conduz  a  uma  ideia
fundamental  do  constitucionalismo  –  the  rule  of  
law,  princípio  segundo  o  qual  o  poder  supremo
deverá  exercer-‐se  sob  a  forma  de  lei  do
Parlamento.  
 
A   importância   do   Parlamento,   enquanto   órgão   que
melhor   representa   o   povo,   o   titular   do   poder,
é   uma   das  
características  fundamentais  do  constitucionalismo  inglês.  Com
efeito,  a  soberania  do  Parlamento  veio  a  ser  
decisiva  para  aplicar,  mais  tarde,  o  princípio  da
separação  dos  poderes.  
 
No   constitucionalismo   inglês,   o   poder   constituinte   é
entendido   como   um   processo   histórico   de   revelação
da  
norma,  ou  seja,  o  modo  de  garantir  os  direitos
e  liberdades  e  estabelecer  limites  ao  poder  não
era  o  de  criar  
uma   lei   fundamental,   mas   sim   o   de   confirmar
  a   existência   de   privilégios   e   liberdades  
radicado   nas   velhas  
leis  de  direito  (“the  good  old  laws”),  ou  seja,
num  corpo  costumeiro  de  normas  e    num  reduzido
número  de  
documentos   escritos.   O   objectivo   da   constituição  
era,   pois,   o   de   estabelecer   um   equilíbrio   entre
os   “poderes  
medievais”  de  forma  a  assegurar  um  governo  moderado  e
os  direitos  e  liberdades.  Ao  “constitucionalismo  
histórico”  é  estranha  a  concepção  de  poder  constituinte
enquanto  poder  de  uma  entidade  abstracta  –  o  povo
ou  a  nação  –  para  criar  uma  nova  ordem
política.  
 
 
2.  O  constitucionalismo  norte  americano  
• As  raízes  religiosas  do  constitucionalismo  norte-‐americano
 
• Democracia  dualista:  a  lição  de  Madison  
• A  Constituição  de  1787  
• A  ideia  de  limited  government  
• A  Constituição  como  paramount  law  
• Judicial  review  
 
Por  oposição  ao  movimento  anglicano,  surgem  os  puritanos,
 que  emigram  para  os  EUA  e  que  mobilizaram  o
modelo  de  aliança  no  constitucionalismo  norte-‐americano.
 
Com   efeito,   o   constitucionalismo   nasce   com   uma
revelação,   a   manifestação   de   vontade   de   independência  
que   culminou   com   a   Declaração   da   Independência,   em
1786.   Contudo,   e   ao   contrário   da   Revolução  
Francesa,  esta  revolução  não  pacífica  não  se  traduziu  numa
 ruptura  completa  com  o  antigo  sistema,  vindo  
apenas  romper  com  o  regime  colonizador.  Os  EUA,
enquanto  colónia,  tinham  de  pagar  impostos  à
Inglaterra,  
contudo  estes  não  acarretavam  quaisquer  direitos  e
deveres  –  taxation  without  representation.  Os  colonos  
rebelaram-‐se,   assim,   contra   este   regime   e,   em  
1787   e   apenas   um   ano   depois,   elaboraram   uma
nova  
Constituição,  ainda  vigente.  
 
O   povo   passa,   então,   a   tomar   decisões   –  
momento   We   the   People.   Com   esta   Revolução,
os   americanos  
pretenderam   reafirmar   os   Rights,   e   aos   seus  
olhos   começou   a   ganhar   contornos   uma   nova  
ideia   de  
democracia  –  a  democracia  dualista  (Madison).  Este
modelo  dualista  defende  que  existem  dois  momentos  
distintos   de   democracia   –   os   momentos   constituionais,
raros,   de   decisões   tomadas   pelo   povo;     e   os
momentos,  mais  frequentes,  de  decisões  tomadas  pelo
governo.  Nos  primeiros  momentos,  e  em  condições  
especiais,   o   povo   decide   através   do   exercício   do
poder   constituinte.   Contudo,   este   poder   constituinte  
possui  
características   diferentes   do   poder   institucionalizado  
aquando   da   Revolução   Francesa   –   o   objectivo   não
  era  
tanto  o  de  reinventar  um  soberano  omnipotente,  a
Nação,  mas  sim  permitir  ao  povo  fixar  regras
limitadoras  
do  poder  através  de  uma  lei  superior,  a  Constituição.
 
Constituiu-‐se,   assim,   uma   nova   ordem   política  
sujeita   ao   princípio   de   “governo   limitado”   (limited
government).   O   modelo   de   constituição   norte-‐americana
radica   na   ideia   de   limitação   normativa   do  
poder  
político   através   de   uma   lei   escrita.   Neste  
sentido,   a   constituição   não   é   um   contrato   entre
governantes   e  
governados,   mas   sim   um   acordo   celebrado   pelo
povo,   tendo   como   objectivo   a   vinculação   do  
governo   a   uma  
lei  fundamental.  
 
A   consequência   lógica   do   entendimento   da   constituição
como   higher   law   é   a   elevação   da   lei  
constitucional   a  
paramount  law,  ou  seja,  lei  que  torna  nula
(void)  qualquer  outra  lei  considerada  inferior.  A  lei
constitucional  
é,  pois,  uma  lei  proeminente,  o  que  justifica  a
elevação  do  poder  judicial  a  podes  fiscalizador  da
constituição,  
garantido   a   defesa   dos   direitos   e   liberdades  
nela   assegurados.   Surge   a   fiscalização   da  
constitucionalidade,   a  
judicial  review,  que  torna  os  juízes  competentes  para
 aferir  da  constitucionalidade  das  leis.  
Laura  Nunes  Vicente  –  Ano  Lectivo  2011/2012  

 
Diferentemente   do   modelo   historicista   inglês,   o   poder
constituinte   adquire   no   constitucionalismo   norte-‐
americano   centralidade   política.   A   dimensão   básica   do
poder   constituinte   passa   a   ser   a   de   criar   uma
 
constituição  que  estabelecesse  um  conjunto  de  regras  que
visassem:  
• A  constituição  do  “povo”  como  autoridade  ou
poder  político  superior;  
• A  subordinação  do  legislador  e  das  leis  por  ele
produzidas  às  normas  da  constituição;  
• A   inexistência   de   um   poder   soberano   supremo   e   a
criação   de   poderes   constituídos   colocados   numa  
posição  equilibrada  (checks  and  balances);  
• A  garantia  de  um  conjunto  de  direitos  e  liberdades.
Podemos,   assim,   concluir   que   a   filosofia   do  
poder   constituinte   norte-‐americano   é   uma   filosofia
garantística,  
sendo   que   este   não   possui   autonomia,  
limitando-‐se   a   criar   um   corpo   rígido   de   regras
que   garanta   direitos   e  
limite  poderes  –  falamos,  pois,  em  “dizer  a
norma”.  
 
 
3.  O  constitucionalismo  francês  –  modelo  individualista
• Direitos  naturais  do  indivíduo  
• Recusa  dos  privilégios  do  Ancien  Régime  
• Legitimação  de  um  novo  poder  político:  o  contrato
• Exigência  de  uma  constituição  escrita  
• Contributo  para  o  conceito  de  poder  constituinte
 
No  movimento  constitucionalista  francês,  podemos  distinguir
dois  momentos  –  um  momento  de  ruptura  e  
um   momento   construtivista.   Momento   de   ruptura   com
os   privilèges   de   l’ancien   régime,   e   construtivista  
porque  a  constituição  teria  de  definir  uma  nova
ordem  racionalmente  constituída.  
Este   constitucionalismo   é   um   constitucionalismo   revolucionário.
  Com   efeito,   o   constitucionalismo   inglês  
não  veio  romper  com  os  esquemas  tardo-‐medievais  dos
direitos  dos  estamentos.  A  Revolução  Francesa,  por  
outro   lado,   veio   edificar   uma   nova   ordem  
assente   nos   direitos   naturais   dos   indivíduos,  
deixando   estes   de  
ser   considerados   indivíduos   integrantes   numa   ordem
jurídica   estamental.   Estes   direitos   eram   individuais
pois  todos  os  homens  eram  considerados  iguais  em
nascimento  e  em  direitos   –  esta  defesa  dos  direitos,
que  
ia   para   além   da   defesa   da   liberty   and  
property   perante   o   poder   político,   constituiu-‐se  
também   como   um  
gesto   de   revolta   contra   o   ancien   régime,   uma  
expressão   póstuma   que   vem   comprovar   a   ruptura
com   o  
“antigo   regime”   e   a   criação   de   um   “novo   regime”,
que   veio   implementar   não   só   uma   nova  
ordem   política,  
mas  também  social.  
O   segundo   momento   fractal   individualista   do  
constitucionalismo   francês   reside   numa   nova   forma
de  
legitimação   e   fundamentação   do   poder   político,   vindo
responder   uma   pergunta   que   o   constitucionalismo  
inglês  deixou  em  aberto  –  como  podem  os
homens  dar  a  si  próprios  uma  lei  fundamental?  Assim,
a  ordem  
dos  homens  é  uma  ordem  artificial,  que  se  constitui
por  acordo  entre  os  homens  (Hobbes).  A  ordem
política  
é,   pois,   estabelecida   através   de   um   contrato   social
assente   nas   vontades   individuais,   ou   seja,   o  
poder  
legitima-‐se  um  função  de  um  contrato  individual.  
Estes   dois   momentos   fractais,   a   afirmação   de  
direitos   naturais   do   indivíduo   e   a   “artificialização-‐
contratualização”   da   ordem   política,   vêm   explicar   a
necessidade   de   uma   constituição   escrita   que,  
simultaneamente,  garantisse  direitos  e  legitimasse  o
poder  político  (construtivismo  político-‐constitucional).  
Nasce,   então,   uma   nova   categoria   do   poder
político   –   o   poder   constituinte,   como   poder  
originário  
pertencente  à  Nação  e  que  permitia  criar  uma  lei
superior,  a  constituição.  
 
Este   conceito   de   constituição,   enquanto   lei   superior   que
  simultaneamente   garante   os   direitos   naturais   do  
indivíduo   livre   e   limita   o   poder,   é,   segundo  
Carl   Schmitt,   o   “conceito   de   ideal   de   constituição”.
Este   conceito  
está   expresso   no   Art.   16º   da   Déclaration  
Universelle   des   Droits   de   l’Homme   et   du   Citoyen.  
Assim,   é  
necessário   a   existência   de   um   texto   escrito,   mas
é   igualmente   imperativo   que   este   texto  
possua   um  
conteúdo  específico,  que  se  traduz,  como  já  foi
dito,  na  garantia  dos  direitos  fundamentais  do  indivíduo  e
na  
separação  dos  poderes.  
 
A   Revolução   Francesa   vem   transportar   dimensões
distintas   no   que   diz   respeito   à   concepção   de
poder  
constituinte.  Este  poder  adquire  as  características  um
poder  originário,  autónomo  e  omnipotente,  passando  
a  ter  como  titular  a  nação  –  o  que  lhe
permite  criar  uma  nova  ordem  política  e  social.
Esta  nova  concepção  
do  poder  constituinte  veio  permitir:  
• A  legitimação  do  poder  político;  
• A  transformação  do  “estado  moderno”  em  república
democrática”;  
• A  criação  de  uma  nova  solidariedade  entre  os
cidadãos  na  construção  de  uma  nova  ordem  social.
Laura  Nunes  Vicente  –  Ano  Lectivo  2011/2012  

O  poder  constituinte  no  modelo  francês  é,  assim,


um  poder  de  “criar  a  norma”.  
 
 
 
Bibliografia:  
Gomes  CANOTILHO,  Direito  Constitucional  e  Teoria  da
Constituição  
Páginas  51  –  60  
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Laura  Nunes  Vicente  –  Ano  Lectivo  2011/2012  

CAPÍTULO  III  
“WE  THE  PEOPLE”    
PODER  CONSTITUINTE  E  CONSTITUIÇÃO  
 
Aproximação  à  problemática  do  poder  constituinte:  
O   constitucionalismo   veio   recrutar   a   problemática   do
poder   constituinte.   No   seio   desta   problemática,  
encontramos  quatro  questões  fundamentais  para  a
compreensão  deste  poder:  
• O  que  é  o  poder  constituinte?  
• Quem  é  o  titular  do  poder  constituinte?  
• Qual  o  procedimento  e  forma  do  seu  exercício?
• Existem  limites  jurídicos  e/ou  políticos  ao  seu  exercício?
 
 
O  que  é  o  poder  constituinte?  
O   poder   constituinte   pode   definir-‐se   como   a
autoridade   política   que   está   em   condições   de,
numa  
determinada  situação  concreta,  fazer  ou  rever  uma
constituição.  Ao  poder  de  fazer  uma  constituição
atribui-‐
se  a  designação  de  poder  constituinte  originário,
enquanto  que  ao  poder  de  a  rever  se  dá  o  nome
 de  poder  
constituinte  derivado  ou  de  revisão.  
 
Os  contributos  teorético-‐constitucionais:  
 
1.  John  Locke  e  o  supreme  power  
No  contexto  do  radicalismo  político  inglês  (1681-‐1683),
a  formulação  teórica  do  “direito  de  resistência”  e
do  
“direito  à  revolução”  deu  origem  à  necessidade  de
redefinir  o  “corpo  do  povo”.  
Na  teoria  de  John  Locke,  no  estado  de  natureza
os  indivíduos  possuem  já  um  conjunto  de  direitos  –
contudo,  
este   estado   de   natureza   é   dotado   de   algumas  
insuficiências,   como   é   exemplo   a   falta   de   um  
juiz   imparcial.  
Assim,   é   necessário   passar   a   uma   sociedade
politicamente   organizada   –   porém,   o   poder   está
vinculado   à  
propriedade  (property),  ou  seja,  o  poder  está
limitado  por  aquilo  que  é  próprio  ao  seres  humanos,
como  o  
valor   da   vida   e   a   liberdade.   Assim,   a   passagem
a   uma   sociedade   politicamente   organizada   resulta
de   uma  
relação  de  trust,  na  qual  a  sociedade  confere  um
poder  supremo  ao  legislador,  porém  limitado  e
específico.  
 
Assim,  os  pressupostos  teóricos  do  supreme  power  são:
 
• O  state  of  nature  é  de  carácter  social;  
• Neste   estado   de   natureza,   os   indivíduos   têm
uma   esfera   de   direitos   naturais   (property),  
antecedentes  à  formação  de  qualquer  governo;  
• O  poder  supremo  é  conferido  à  sociedade,  e  não
a  qualquer  soberano;  
• O   contrato   social   através   do   qual   o   povo  
consente   o   poder   supremo   do   legislador   atribui-‐lhe
um  
poder  limitado,  específico  e  não  arbitrário;  
• Só   o   corpo   político   (body   politic)   reunido   no  
povo   tem   autoridade   política   para   estabelecer   a
constituição  política  da  sociedade.    
 
2.  Sieyès  e  o  pouvoir  constituant  
Se   em   Locke   a   sugestão   de   um   poder   constituinte
aparecia   associada   ao   direito   de   resistência   reclamado
 
pelo   radicalismo,   em   Sieyès   a   fórmula   do   pouvoir  
constituant   surge   associada   à   luta   contra   a  
monarquia  
absoluta.    
Sieyès  veio  teorizar  o  poder  constituinte  como
um  poder:  
• Inicial  –  não  existe  nenhum  outro  poder  anterior;
• Autónomo  –  não  depende  de  nenhum  outro  poder;  
• Omnipotente  –  não  possui  limites.  
No   contexto   do   iluminismo   e   enquanto   jusnaturalista,
Sieyès   acreditava   que   se   podiam   atingir   verdades
absolutas   através   do   exercício   da   razão,   e   por
este   motivo   não   defendia   em   absoluto   a   omnipotência
do  
poder  constituinte,  visto  que  este  estaria  vinculado  a
estas  verdades.  
Na  sua  obra,  Qu’est-ce  le  Tiers  État?,  decisiva  para
 a  teorização  do  constitucionalismo  francês,  há  uma
ideia  
de   ruptura,   de   cisão   entre   o   antigo   e   o  
novo   regime.   O   titular   do   poder   constituinte   passa,
deste   modo,   a   ser  
a  Nação  ou  o  Terceiro  Estado  –  teoria  da
soberania  nacional.  
 
Assim,  os  momentos  fundamentais  da  teoria  do  poder
constituinte  de  Sieyès  são  as  seguintes:  
• Teorização  do  poder  constituinte  enquanto  poder
originário  e  soberano  pertencente  à  nação;  
• Plena   liberdade   da   nação   para   criar   uma
constituição,   visto   que   o   poder   constituinte   não
  está  
sujeito  a  limites  ou  condições  preexistentes.  
Laura  Nunes  Vicente  –  Ano  Lectivo  2011/2012  

 
Os   autores   modernos   salientam   que   a   teoria   do
pouvoir   constituant   é,   simultaneamente,   desconstituinte
e  
constituinte   –   desconstituinte   pois,   num   primeiro
momento,   rompe   com   o   poder   constituído   pela
monarquia;   e   constituinte   pois,   num   segundo   momento,
cria   uma   nova   ordem   político-‐social.   Surgem,  
deste  
modo,  os  poderes  constituídos  –  poderes  conformados  e
regulados  pela  constituição.  
 
1.3.  Madison  e  constitutional  politics  and  ordinary  politics
Madison   veio   distinguir   constitutional   politics   de  
ordinary   politics.   A   constitutional   politics   surge   em
momentos   excepcionais   de   mobilização   popular   e   destina-‐
se   a   estabelecer   os   esquemas   fundadores   de   uma
nova   ordem   constitucional,   enquanto   que   a   normal
ou   ordinary   politics   desenvolve-‐se   normalmente   com  
base  nas  regras  e  princípios  estabelecidos  na  lei
superior  e  fundamental.    
 
2.  O  titular  do  poder  constituinte  
 
1.  A  história:  povo  (Rousseau)  versus  Nação
(Sieyès)  
Na   obra   emblemática   de   Sieyès,   Qu’est-ce   le  
pouvoir   constituiant?”,   este   atribui   a   paternidade
do   poder  
constituinte  à  nação,  enquanto  entidade  indivisível,
introduzindo  o  conceito  de  soberania  nacional.  
Em  Rousseau,  por  outro  lado,  o  titular  do  poder
constituinte  é  o  povo,  num  conceito  de  soberania
popular.  A  
soberania  popular  é  uma  soberania  una,  que  se  divide,
parcelarmente,  pelos  cidadãos.    
 
Actualmente,  o  conceito  de  soberania  é  igualmente  um
conceito  de  soberania  popular,  contudo  distinto  do  
de  Rousseau.    
 
2.  O  povo  dessacralizado:  o  povo  político  ou  a
indispensável  pluralização    
Actualmente,   atribui-‐se   a   paternidade   do   poder  
constituinte   ao   povo.   Contudo,   o   povo   concebe-‐se
como  
“grandeza  pluralística”,  ou  seja,  como  uma  pluralidade
de  forças  culturais,  sociais  e  políticas  influenciadoras
da   formação   de   opiniões   e   vontades   nos   momentos  
preconstituintes   e   constituintes.   Emprega-‐se   o   termo  
“povo”   para   designar   o   povo   em   sentido   político,
  ou   seja,   grupo   de   pessoas   que   agem  
segundo   ideias,  
interesses  e  representações  de  natureza  política.    
 
Existem,  porém,  outros  conceitos,  ainda  que  redutores,
 de  povo:  
• Conceito   de   povo   realista   –   constituído   pelas  
minorias   activistas   autoproclamadas   em  
representantes  do  povo;  
• Conceito  de  povo  normativo  –  constituído  pelo
corpo  eleitoral;  
• Conceito  de  povo  maioritário  –  constituído  pelas
maiorias.  
É,   assim,   o   conceito   de   povo   real   que  
detém   o   poder   constituinte   –   comunidade   aberta   de
sujeitos  
constituintes  que  entre  si  contratualizam.  
 
O  procedimento  constituinte  
 
1.  Fenomenologia  do  poder  constituinte:  o  exemplo
português  
Apesar   de   uma   constituição   não   resultar   sempre
de   uma   revolução   ou   de   um   golpe   de   Estado,
esta   surge  
sempre   num   momento   extraordinário,   que   foge
aos   cânones.   Nestes   momentos   estão   geralmente  
implícitas  
decisões   de   carácter   pré-‐constituinte,   que   se   seguem
a   um   momento   desconstituinte.   Estas   decisões   são
constituídas  por:  
• Decisões  de  iniciativa  de  elaboração  e  aprovação  de
uma  nova  constituição;  
• Decisão  atributiva  do  poder  constituinte  e  definição
do  procedimento  constituinte;  
• Leis  constitucionais  transitórias.  
 
O  exemplo  português:  
• A   Junta   de   Salvação   Nacional,   emergente   do  
Movimento   das   Forças   Armadas,   emite   um   primeiro  
comunicado   no   qual   determina   a   eleição,   por  
sufrágio   directo,   de   uma   Assembleia   Nacional  
Constituinte;  
• Na   Lei   Constitucional   Provisória   decretada   pela
Junta   de   Salvação   Nacional,   esta   estabelece   que
à  
Assembleia  Nacional  Constituinte  caberá  elaborar  a  aprovar
uma  nova  Constituição;  
• Ainda   na   Lei   Constitucional   Provisória,   determina-‐se
que   a   eleição   da   Assembleia   Constituinte  
deverá   ser   por   “sufrágio   universal,   directo
e   secreto”,   devendo   este   processo   de   eleição   ser
 
regulado  pelo  Governo  Provisório.  
 
Laura  Nunes  Vicente  –  Ano  Lectivo  2011/2012  

2.  Procedimentos  constituintes:  
Podemos  classificar  os  procedimentos  constituintes  em  três
 tipos:  
• Procedimentos  constituintes  representativos;  
• Procedimentos  constituintes  directos;  
• Procedimentos  constituintes  monárquicos.  
 
2.1.  Procedimentos  constituintes  representativos  
Designa-‐se  por  procedimento  constituinte  representativo  a
técnica  de  elaboração  de  uma  lei  constitucional  
através  de  uma  assembleia  especial,  a  assembleia
constitucional  
 
Podemos  distinguir  três  tipos  de  procedimentos
constituintes  representativos:  
• Assembleia  Constituinte  soberana  –  cabe  à  Assembleia
 a  elaboração  e  a  aprovação  da  constituição,  
excluindo-‐se   qualquer   intervenção   directa   por   parte
do   povo.   O   procedimento   representativo   de  
Assembleia   Constituinte   soberana   é   considerado   o   modelo
clássico   português   –   Constituição   de  
1822,  1838,  1911  e  1976.    
• Assembleia   Constituinte   não   soberana   –   cabe   à
Assembleia   apenas   a   elaboração   de   uma  
constituição,  sendo  atribuída  ao  povo  a  tarefa  da
sua  aprovação.  Neste  sentido,  diz-‐se  que  o  texto
aprovado   por   uma   Assembleia   Constituinte   é   uma
  proposta   de   constituição,   enquanto   que   o   voto
do  povo  é  uma  sanção  constituinte.  
• Assembleia   Constituinte   e   Convenções   do   Povo   –
é   um   procedimento   semelhante   ao   da   Assembleia  
Constituinte   não   soberana,   contudo   a   aprovação
pelo   povo   é   feita,   não   através   de   um  
referendo,  
mas  sim  através  de  convenções  do  povo,  reunidas  em
diversos  centros  territoriais.  
 
2.2.  Procedimentos  constituintes  directos:  
Designa-‐se   procedimento   constituinte   directo   a   aprovação
pelo   povo   de   um   projecto   de   constituição   sem  
quaisquer   representantes.   Trata-‐se,   pois,   da   sujeição
à   sanção   popular   de   uma   determinada   proposta  
constitucional  elaborada  por  determinados  órgãos  políticos,
ou  por  um  número  determinado  de  cidadãos.  
 Este  procedimento  pode  realizar-‐se  através  de
duas  modalidades:  
• Referendo  –  aprovação  de  uma  determinada  proposta
constitucional  através  de  um  procedimento  
referendário  justo.  
• Plebiscito   –   processo   referendário   não   justo,   na
qual   a   votação   popular   de   um   projecto   de  
constituição   é   unilateralmente   fabricada   pelos  
titulares   do   poder   com   o   objectivo   de   alterar
em  
termos   de   duvidosa   legalidade   a   ordem   constitucional
vigente   (plebiscitos   napoleónicos).   No  
exemplo   português,   a   aprovação   da   Constituição   de
1933   aproxima-‐se   deste   modelo,   na   qual   as  
abstenções  foram  consideradas  como  votos  a  favor.
 
2.3.  Procedimentos  constituintes  monárquicos  
Designa-‐se   procedimento   constituinte   monárquico   a  
elaboração   de   uma   constituição   por   parte   de   um
monarca.  
Podemos  classificar  estes  procedimentos  em:  
• Constituição  outorgada  –  a  Constituição  é  dada  ao
povo  pelo  soberano;  
• Constituição  pactuada  ou  dualista  –  a  Constituição
resulta  de  um  pacto  entre  o  soberano  e  o
povo.  
 
3.  Poder  constituinte  originário:  um  poder  absoluto?
 
1.  A  teoria  da  omnipotência  no  quadro  da
secularização  de  conceitos  teológicos  
Na  teoria  clássica  do  poder  constituinte,  este  era
considerado  como  um  poder  autónomo,  incondicionado  e  
livre.   O   poder   constituinte   concebia-‐se,   em   toda
a   sua   radicalidade,   como   um   poder   juridicamente
desvinculado,   sendo   que   esta   concepção  
omnipotente   do   poder   resulta   da   secularização   de   conceitos
 
teológicos  –  a  “teologia  política”.    
A   doutrina   actual   rejeita   esta   compreensão.   Em  
primeiro   lugar,   se   o   poder   constituinte   possui  
como  
objectivo   criar   uma   constituição   que   limite   o
poder,   esta   “vontade   de   constituição”   não   pode
deixar   de  
condicionar   a   vontade   do   criador.   Em   segundo   lugar,   o
próprio   sujeito   constituinte   obedece   a   padrões   e  
modelos   de   conduta   radicados   na   consciência   jurídica
da   comunidade.   Em   terceiro   lugar,   revela-‐se   como
indispensável   a   observância   a   certos   princípios  
jurídicos,   que   funcionam   como   limites   da   liberdade
  e   da  
omnipotência  do  poder  constituinte.  Por  último,  a
constituição  encontra-‐se,  nos  dias  de  hoje,  vinculada
ao  
direito  internacional.  
 
2.  A  irrenunciável  vinculação  jurídica:  entre  a
universalização  e  a  contextualização  
Laura  Nunes  Vicente  –  Ano  Lectivo  2011/2012  

Assim,  podemos  classificar  a  vinculação  constitucional


em:  
• Vinculação  interna  –  princípios  resultantes  da
memória  histórica.  
• Vinculação  internacional  e  cosmopolita  –  princípios
de  direito  internacional.  
 
 
 
Bibliografia:  
Gomes  CANOTILHO,  Direito  Constitucional  e  Teoria  da
Constituição  
Páginas  65  –  82  
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Laura  Nunes  Vicente  –  Ano  Lectivo  2011/2012  

CAPÍTULO  IV  
O  ESTADO  CONSTITUCIONAL  
 
A  Constituição  e  o  seu  Referente:  Estado?  Sociedade?
 
 
O  conceito  de  Estado  constitucional  é  um  conceito  que
se  opões  aos  vários  tipos  de  Estados  que  existiram
nos   diferentes   períodos   históricos.   É   um   produto   do
desenvolvimento   constitucional   no   actual   momento  
histórico,  conhecendo  várias  formas  políticas  e  jurídico-‐
constitucionais  –  rule  of  law,  État  légal,
Rechtsstaat  
e  Estado  de  direito.  
 
1.  O  referente  da  Constituição  
 
1.1.  A  sociedade  e  a  Constituição  
A  resposta  à  pergunta  “qual  o  referente  da
Constituição?”  iniciou-‐se  com  a  Revolução  Francesa.    
 
Artigo   16.º   Declaração   dos   Direitos   do   Homem
e   dos   Cidadãos   de   1789   -‐   “Toute   société  
dans   laquelle   la  
garantie  des  droits  n’est  pas  assurée,  ni  la  separation
 des  pouvoirs  détermine  point  de  Constitution”  
 
Este   artigo   é   atravessado   por   duas   linhas   de
força:   a   “garantia   de   direitos”   e   a  
“separação   de   poderes”.   O  
referente   do   artigo   é   a   sociedade,   ou   seja,   a
sociedade   “tem”   uma   Constituição.   Assim,   nos  
esquemas  
políticos   oitocentistas,   a   Constituição   aspirava   a   ser
um   “corpo   jurídico”   de   regras   aplicáveis   ao  
“corpo  
social”.   Nasce,   pois,   a   expressão   “Constituição   da
República”,   visto   que   a   Constituição   se   refere   à
própria  
comunidade  política,  ou  seja,  à  República.  
 
1.2.  A  Constituição  como  norma  ou  lei  do  Estado
Com   a   evolução   do   constitucionalismo,   o   referente   da
Constituição   desloca-‐se   para   o   Estado.   Podemos  
apontar  três  razões  para  esta  transmutação:  
• O  conceito  sofreu  uma  evolução  semântica,  com  o
constitucionalismo  norte-‐amerciano  e  francês;  
• A  progressiva  estruturação  do  Estado  Liberal  veio
determinar  a  separação  Estado-‐Sociedade;  
• O   conceito   de   Estado   ergueu-‐se   ao   conceito   ordenador
  da   comunidade   política,   reduzindo-‐se   a  
Constituição  a  simples  lei  do  Estado  e  do  seu
poder.  
 
2.  Que  coisa  é  o  Estado?  
 
2.1.  Nascimento  do  Estado  
 
O  conceito  de  Estado  deve  muito  às  construções
filosóficas  de  Bodin  e  de  Thomas  Hobbes,  que  destacaram
 a  
sua  soberania  e  poder  como  categorias  centrais  da
modernidade  política.  
Actualmente,  podemos  definir  Estado  como  uma  forma
histórica  de  organização  jurídica  do  poder  dotada  de
certas   qualidades.   Afirma-‐se   desde   logo   a  
qualidade   de   poder   soberano,   supremo   no   plano  
interno   e  
independente  no  internacional.  Esta  soberania  possui
igualmente  um  carácter  originário,  visto  que  o  Estado
não  precisa  de  fundamentar  as  suas  normas  noutras
preexistentes.  
O  Estado  moderno  constitui,  assim,  um  esquema  de
racionalização  institucional  das  sociedades  modernas,  e  
o   Estado   constitucional   é   uma   tecnologia   política
de   equilíbrio   político-‐social   e   de   combate   à  
autocracia  
absolutista  do  poder  e  os  privilégios  orgânico-‐corporativo
medievais.  
O   Estado,   tal   como   acaba   de   ser  
caracterizado,   corresponde   ao   modelo   de   Estado   emergente
  da   Paz   de  
Westefália  (1648),  que  assenta  na  ideia  de  unidade
política  soberana  do  mesmo.  Contudo,  podemos  afirmar  
que  este  modelo  está  em  crise  em  virtude  dos
recentes  fenómenos  de  globalização  
 
2.2.  Os  elementos  do  Estado  
 
São  três  os  elementos  constitutivos  do  Estado:  
• Poder  enquanto  político  de  comando;  
• Povo  enquanto  destinatário  da  soberania;  
• Território  enquanto  espaço  de  reunião  do  povo.  
 
 
O  Estado  constitucional:  Estado  de  direito  democrático
 
Laura  Nunes  Vicente  –  Ano  Lectivo  2011/2012  

Hoje  em  dia,  o  Estado  só  se  concebe  como


Estado  constitucional.  Contudo,  um  Estado  constitucional  não
se  
basta   na   existência   de   Constituição,   é   um   “Estado  
adjectivado”.   Por   outras   palavras,   o   Estado  
constitucional  
necessita  de  possuir  determinadas  qualidades  que  o
tornem  um  Estado  de  direito  democrático.    
 
1.  O  Estado  de  direito:  os  contributos  e  as
tradições  
 
1.1.  Rule  of  law:  a  herança  britânica  
Apesar   da   interpretação   do   sentido   da   fórmula   rule
of   law   não   ter   sido   constante,   podemos
destacar-‐lhe  
quatro  dimensões  fundamentais:  
• Rule  of  law  significa,  em  primeiro  lugar  e  na
sequência  da  Magna  Carta  de  1215,  a  obrigatoriedade
de  observância  de  um  processo  justo  legalmente
regulado  –  due  process,  
• Em  segundo  lugar,  significa  a  proeminência  das  leis
e  costumes  do  país  em  relação  ao  arbítrio  do  
monarca.  
• Em  terceiro  lugar,  aponta  para  a  vinculação  dos
actos  executivos  à  soberania  do  Parlamento.  
• Por   fim,   tem   o   sentido   de   igualdade   de  
acesso   aos   tribunais   por   parte   dos  
cidadãos,   na   defesa   do  
Common  law.  
 
1.2.  Constituição  e  lei:  a  supremacia  judicialmente
garantida  do  texto  constitucional  (always  under  law)
No   horizonte   constitucional   norte-‐americano,   o   “império
do   direito”   (the   Reign   of   Law)   ganha   contornos
 
inovadores.    
Podemos  destacar  duas  dimensões  do  Estado  de  direito:
• A   supremacia   da   Constituição,   que   se   afirma  
como   higher   law   ou   paramount   law   e  
estabelece   os  
esquemas  essenciais  do  governo  e  os  seus  limites,
bem  como  os  direitos  e  liberdades  dos  cidadãos.  
• A  garantia  judicial  da  supremacia  da  Constituição
através  da  judicial  review  of  legislation,  ou  seja,
a  
fiscalização   da   constitucionalidade   das   leis   do  
governo   por   parte   dos   tribunais,   quem   têm
  o  
“direito-‐dever”  de  as  desaplicar  caso  tal  não  se
verifique.  
• A   ideia   de   um   “governo   justificado”,   ou   seja,   de
um   governo   que   possui   a   obrigação   jurídico-‐
constitucional   de   governas   segundo   leis   dotadas   de  
unidade,   publicidade,   durabilidade   e  
antecedência.  Assim,  as  razões  do  governo  devem  ser
públicas.  
 
1.3.  L’État  légal  ou  de  legalidade:  o  contributo
francês  
No   constitucionalismo   francês,   o   Estado   de   direito   é
pensado   como   um   Estado   legal,   num   cruzamento
entre  
as   construções   teóricas   de   Sièyes   e   Rousseau.   A
lei   surge   da   vontade   colectiva   e   é   tida  
numa   concepção  
sacrossanta.  
Traços  do  Estado  legal:  
• Presença   de   uma   ordem   jurídica   hierárquica,  
concebendo   a   seguinte   pirâmide   hieráquica   (por  
ordem  decrescente):  
1. Declaração   dos   Direitos   do   Homem   e   dos  
Cidadãos,   que   é   simultaneamente   uma  
supraconstituição  e  uma  pré-‐constituição;  
2. Constituição;  
3. Lei;  
4. Actos  do  executivo  e  aplicação  das  leis.  
• Princípio  da  primazia  da  lei  e  submissão  do  poder
político  ao  direito,  que  se  traduz  na  garantia  de  
que  a  lei  só  pode  ser  editada  pelo  órgão
legislativo  e  na  supremacia  da  lei  como  fonte  de
direito  (a  
seguir  às  leis  constitucionais).          
         
• Desconfiança  em  relação  ao  controlo  judicial  da
constitucionalidade,  que  é  inexistente,  e  ao  poder  
executivo,  que  tem  de  estar  em  conformidade  com  a  lei.
   
A   limitação   do   poder   pelo   direito   acabaria,
em   França,   numa   situação   paradoxal.   A   supremacia
da  
Constituição  foi  sendo  neutralizada  pela  primazia  da
lei,  e,  assim,  o  Estado  legal  é  eficaz  no
cumprimento  do  
princípio  da  legalidade  por  parte  da  administração,  mas
incapaz  de  compreender  o  sentido  de  supremacia  
da  Constituição  e  insensível  à  força  normativa  dos
direitos  e  liberdades  instituídos  na  Déclaration.  Por
este  
motivo  se  fala  do  constitucionalismo  francês  como
um  “constitucionalismo  sem  Constituição”.  
 
1.4.  Rechtsstaat:  a  lição  alemã  
Inicialmente,   o   Rechtsstaat   era   pensado,   em   termos
muito   abstractos,   como   “Estado   da   Razão”.   Contudo,  
hoje   o   Estado   de   direito   é   um   Estado   liberal,  
opondo-‐se   ao   Estado   de   Polícia   que   assume   como
tarefa  
própria   a   prossecução   da   felicidade   dos   súbditos
e   que   leva   ao   absolutismo.   O   Estado   liberal,
ou   Estado  
Polícia,  limita-‐se  à  defesa  da  ordem  e  segurança
pública,  sendo  que  os  direitos  fundamentais  individuais
–  
Laura  Nunes  Vicente  –  Ano  Lectivo  2011/2012  

Freiheit   und   Eingentum   (liberdade   e   propriedade)


–   decorriam   do   respeito   de   uma   esfera   de  
liberdade  
individual.    
A   limitação   do   Estado   pelo   direito   estende-‐se
ao   próprio   soberano,   sendo   que   o   Estado  
liberal   vem  
introduzir   uma   ideia   de   controlo   judicial   da  
administração,   que   deveria   actuar   nos   termos   da
lei   e  
obedecendo  a  certos  princípios  materiais.  Esta
fiscalização  da  actividade  administrativa  variava  de
estado  
para  estado  e  podia  fazer-‐se  através  de  dois
modelos  –  tribunais  comuns  ou  tribunais  especiais.  
 
2.  Estado  Democrático  
 
O   Estado   constitucional   não   é   nem   deve   ser
  apenas   um   Estado   de   direito.   Ele   tem   de
se   estruturar   como  
uma  ordem  de  domínio  legitimada  pelo  povo.
Assim,  o  princípio  da  soberania  popular  é  uma  das
traves  do  
Estado  constitucional.  
 
2.1.  Democracia  versus  Estado  de  Direito?  
 
No  século  XIX  e  XX,  afirma-‐se  a  ideia  de
democracia,  que  alguns  vêem  como  uma  contradição  ao
Estado  de  
direito,   que   poderia   ser   posto   em   causa  
pela   vontade   da   maioria.   Alguns   autores   consideram   que
  Estado  
direito  e  democracia  correspondem  a  dois  tipos
de  liberdade   –  no  Estado  de  direito  concebe-‐se  a
liberdade  
como   liberdade   negativa,   ou   seja,   uma   liberdade
  de   defesa   e   distanciação   perante   o   Estado;   e
no   Estado  
democrático,  estaria  inerente  a  liberdade  positiva,  assente
no  exercício  democrático  do  poder.  
 
2.2  Estado  de  Direito  Democrático  
 
Apesar   de   haver   dimensões   de   tensão   entre   o
Estado   de   direito   e   a   democracia,   o   Estado   de
direito   só   se  
pode   compreender   enquanto   Estado   democrático.   O   elemento
democrático   é   introduzido,   não   só   para  
limitar  o  exercício  do  poder,  mas  também  pela
necessidade  de  legitimação  do  poder.  Com  efeito,  o
Estado  
“impolítico”   não   dá   resposta   ao   problema   da  
fundamentação   do   poder,   que   encontra   a   sua  
resposta   no  
princípio  democrático  da  soberania  popular  segundo  o  qual
 “todo  o  poder  vem  do  povo”.  
Assim,  o  princípio  de  soberania  popular  concretizado
segundo  princípios  juridicamente  regulados  concilia  
os  conceitos  de  Estado  de  direito  e  democrático  e
possibilita  a  compreensão  da  fórmula  de  Estado  de
direito  
democrático.  
 
 
Bibliografia:  
Gomes  CANOTILHO,  Direito  Constitucional  e  Teoria  da
Constituição  
Páginas  85  –  102  
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Laura  Nunes  Vicente  –  Ano  Lectivo  2011/2012  

PARTE  II  
MEMÓRIA  CONSTITUCIONAL  PORTUGUESA  
 
 
CAPÍTULO  I  
INTRODUÇÃO  À  HISTÓRIA  CONSTITUCIONAL  PORTUGUESA  
 
História  Constitucional  Portuguesa:  entre  a  continuidade
e  a  ruptura  
 
1.  Descontinuidades  
 Considera-‐se   que   existe   uma   relação   de  
descontinuidade   quando   uma   ordem   jurídico-‐constitucional
implica  uma  ruptura  com  a  ordem  constitucional  anterior.
 
1.1.  Descontinuidade  formal  
Considera-‐se  que  a  descontinuidade  é  formal  quando  uma
nova  Constituição  adquire  efectividade  e  validade  
num   determinado   espaço   jurídico   sem   que   para
tal   se   tenham   observado   os   preceitos   reguladores
de  
alteração   ou   revisão   da   Constituição   vigente.   Por  
outras   palavras,   quando   a   nova   Constituição   é
feita   e  
aprovada   segundo   os   esquemas   regulativos   da   velha  
Constituição,   existe   continuidade   formal;   quando   o  
novo   texto   constitucional   postergou   os   preceitos   do
velho   texto   quanto   ao   procedimento   de   alteração,  
estamos  perante  uma  descontinuidade  formal.  
 
1.2.  Descontinuidade  material  
Numa   óptica   material,   verifica-‐se   uma   descontinuidade
  quando   o   novo   poder   constituinte   vem  
destruir   o  
título  do  anterior,  ou  os  poderes  políticos
constitucionalmente  conformadores.  
 
2.  Continuidades  
As   descontinuidades   constitucionais   coexistem   com
algumas   memórias   e   tradições   do   constitucionalismo  
que,  juntamente  com  determinados  institutos  jurídicos,
constituem  factores  de  continuidade.  
Podemos   apontar   a   existência   de   três   patrimónios
culturais   constitucionais   na   história   do    
constitucionalismo  português:  
• Catálogo  de  direitos  e  liberdades;  
• Fiscalização  judicial  difusa  dos  actos  normativos;  
• Existência  de  autarquias  locais.  
 
 
 
 
DESCONTINUIDADES  NO  CONSTITUCIONALISMO  PORTUGUÊS  
 
 
Descontinuidade  Formal  
Descontinuidade  Material  
 
Poder  constituinte  democrático  das  Cortes  
 
1.  Constituição  de  1822  
Gerais  Extraordinárias  e  Constituintes  de  1821  
 
 
2.  Carta  Constitucional  de  1826  
Poder  constituinte  monárquico  
 
 
3.  Constituição  de  1838  
Poder  constituinte  democrático  
 
 
4.  Constituição  de  1911  
Poder  constituinte  democrático  republicano  
 
 
5.  Constituição  de  1933  
Poder  constituinte  autoritário-‐plebiscitário  
 
 
6.  Constituição  de  1976  
Poder  constituinte  democrático  representativo  
 
 
A  história  constitucional  portuguesa  e  o
constitucionalismo:  monólogos  e  diálogos  
 
Podemos  detectar  o  rasto  de  fontes  constitucionais
estrangeiras  no  articulado  constitucional,  das  quais  se
destacam:  
• O   peso   das   experiências   constitucionais  
francesas,   especialmente   no   constitucionalismo  
monárquico;  
Laura  Nunes  Vicente  –  Ano  Lectivo  2011/2012  

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 


A  recepção  do  constitucionalismo  espanhol;  


O  diálogo  luso-‐brasileiro;  
A  influência  alemã.  
Laura  Nunes  Vicente  –  Ano  Lectivo  2011/2012  

CAPÍTULO  II  
O  CONSTITUCIONALISMO  MONÁRQUICO  E  AS  SUAS
CONCRETIZAÇÕES  POSITIVAS:  1822,  1826,  1838  
 
Os  antecedentes  próximos  do  constitucionalismo  moderno:  a
“Súplica  Constitucional”  (1808)  
 
O  movimento  constitucional  português  iniciou-‐se  com  a
“súplica”  de  Constituição  dirigida  a  Junot  em  1808,
por   um   grupo   de   cidadãos.   Esta   proposta   de  
Constituição   era   reconduzível   ao   modelo   das  
constituições  
outorgadas,  nomeadamente  a  Constituição  outorgada  por  Napoleão
ao  Grão-‐Ducado  de  Varsóvia.  
 
O  Constitucionalismo  Vintista:  a  Constituição  de  1822
 
1.  Circunstâncias  histórias  da  revolução  de  1820  
 
2.  Génese  do  texto  constitucional:  as  Cortes
Extraordinárias  Constituintes  
 
2.1.  Procedimento  constituinte:  as  Cortes  Extraordinárias
Constituintes  
O  procedimento  constituinte  que  caracterizou  a  elaboração
 do  primeiro  texto  constitucional  português  foi  
um   procedimento   constituinte   representativo.   A   nova
Constituição   foi   elaborada   pelas   Cortes   Gerais,
Extraordinárias  e  Constituintes,  em  1821.  
 
2.2.  Influências  constitucionais  
Podemos   distinguir   duas   tendências   essenciais   na
questão   fulcral   do   modelo   político-‐constitucional   a  
escolher:  
• Constitucionalismo  francês  (as  constituições  de  1791  e
1795)  
• Constitucionalismo  espanhol  (a  Constituição  de  Cádis  de
1812)  
 
3.  Traços  constituintes  essenciais  
 
3.1.  Princípios  estruturantes  
Em  síntese,  os  princípios  norteadores  da  Constituição
de  1822  são  os  seguintes:  
• Princípio  democrático  da  soberania  estadual,  pois  a
“soberania  reside  essencialmente  na  Nação”;  
• Princípio  da  representação,  dado  que  a  soberania  só
“pode  ser  exercida  pelos  seus  representantes  
eleitos”;  
• Princípio  da  separação  de  poderes,  de  tal  maneira
independentes  “que  um  não  poderá  arrogar  a  si  
as  atribuições  do  outro”;  
• Princípio  da  igualdade  jurídica  e  do  respeito  pelos
direitos  pessoais.  
 
3.2  Direitos  e  deveres  dos  portugueses  
A  Constituição  de  1822  consagrou  um  catálogo  dos
direitos  e  deveres  individuais  dos  cidadãos  portugueses,
separando   duas   categorias   de   direitos   que   a  
Déclaration   de   1789   juntava:   os   direitos   da   Nação   e
os   direitos  
individuais.   Alguns   destes   últimos   tinham   um   carácter
positivo,   como   o   direito   à   liberdade,   e   outros
tinham  
um  carácter  negativo,  dirigindo-‐se  essencialmente  contra  o
antigo  regime.    
 
3.3.  Unicameralismo  
O   poder   legislativo   residia   nas   Cortes,   com
dependência   da   sanção   do   Rei,   e   que   se  
configuravam   como  
assembleia  unicameral  e  eleita  bienalmente.  
 
4.  Vigências  do  texto  de  1822  
A  Constituição  de  1822  teve  as  seguintes  vigências:
 
• Primeira  vigência  (1822  –  1823)  –  fim  imposto  pelo
 movimento  de  contra-‐revolução  Vilafrancada,  
chefiado  por  D.  Miguel;  
• Segunda   vigência   (1836   –   1838)   –   início   pelo
Decreto   de   10   Setembro   de   1836,   na   sequência   da
Revolução  de  Setembro.    
 
 
O  Constitucionalismo  Cartista:  a  Carta  Constitucional  de
1826  
 
1.  Contexto  histórico  
Laura  Nunes  Vicente  –  Ano  Lectivo  2011/2012  

Não   obstante   os   propósitos   visíveis   do   movimento   da


Vilafrancada   –   restauração   do   absolutismo   -‐,   o
período   (1823-‐1825)   que   se   segue   à   primeira  
experiência   liberal   não   é   marcado   por   uma  
ruptura   completa  
com  a  ordem  liberal.  Os  propósitos  do  rei  D.  João
 VI  seriam,  antes,  os  de  enveredar  pelo
“moderantismo”,  
“dando”  uma  carta  de  lei  fundamental.  Contudo,  esta
carta  só  veio  a  ser  elaborada  com  a  morte  do  rei
e  a  
aclamação  do  Imperador  do  Brasil  (D.  Pedro)  como  rei,
 que  outorgou  uma  Carta  Constitucional  à  Monarquia  
Portuguesa.  
Esta   Constituição   é   assim   designada   por   se  
tratar   de   uma   constituição   outorgada,   ou   seja,
doada   pela  
vontade  do  soberano  ao  povo.  
 
2.  Génese  da  Carta  Constitucional  de  1826  
A  Carta  Constitucional  de  1826  teve  como
influências:  
• A  Constituição  brasileira  de  1824;  
• O  pensamento  político  de  Benjamin  Constant;  
• A  Constituição  de  1822  (apesar  de  limitada).  
 
3.  Traços  essenciais  do  constitucionalismo  cartista  
 
3.1.  Princípios  estruturantes:  
• Princípio  monárquico;  
• Princípio  da  divisão  de  poderes,  mas  sem  completa  divisão
de  funções;  
• Princípio   censitário:   a   participação   no   exercício   do
poder   é   constitucionalmente   limitada   a   uma  
pequena  minoria  possidente;  
• Reconhecimento  de  “Direitos  Civis  e  Políticos  aos  Cidadãos
Portugueses.  
 
3.2.  Um  recém-‐chegado  na  arquitectura  dos  poderes
constitucionais:  o  poder  moderador  
No   que   respeita   à   organização   do   poder   político,
  a   Carta   vem   introduzir   um   novo   poder
–   o   poder  
moderador.   A   ideia   do   poder   moderador   é   um  
produto   teórico   trabalhado   por   Benjamin   Constant,
e   a   ele  
competiam  certas  funções  típicas  de  Chefe  de  Estado.
 
3.3.  Bicameralismo:  Câmara  dos  Pares  e  Câmara  dos
Deputados  
A   Carta   procede   a   uma   partilha   do   poder  
político,   dividindo   as   Cortes   em   duas   câmaras   –
Câmara   dos  
Deputados,  electiva  e  temporária;  e  Câmara  dos  Pares,
composta  por  membros  vitalícios  e  hereditários,  sem  
número  fixo.  
 
4.  Vigências  da  Carta  Constitucional  
A  Carta  Constitucional  teve  as  seguintes  vigências:
• Primeira  vigência  (1826  –  1828)  
• Segunda  vigência  (1834  –  1836)  
• Terceira  vigência  (1842  –  1910)  e  os  Actos
Adicionais  
-‐ Acto  Adicional  de  1852  
-‐ Acto  Adicional  de  1885  
-‐ Acto  Adicional  de  1895-‐96  
-‐ Acto  Adicional  de  1907  
 
 
O  Constitucionalismo  Setembrista:  a  Constituição  de  1838
 
 
1.  Contexto  histórico  
Em  1836,  um  novo  Ministério,  no  qual  Passos
Manuel  era  figura  dominante,  tomou  conta  do
poder  e  aboliu  
a  Carta  Constitucional  de  1826  –  revolução
setembrista.  
 
2.  Fontes  do  texto  setembrista  
• As  anteriores  constituições  portuguesas;  
• A  Constituição  francesa  de  1830;  
• A  Constituição  belga  de  1831;  
• As  Constituições  brasileira  e  espanhola  de  1837.  
 
3.  A  estrutura  da  Constituição  de  1838  
Laura  Nunes  Vicente  –  Ano  Lectivo  2011/2012  

A   Constituição   de   1838   surge   através   de   um  


procedimento   monárquico   pactuado,   ou   seja,   resulta
de   um  
pacto   entre   o   soberano   e   a   representação   nacional,
constituindo   uma   constituição   compromisso   entre   os
defensores   da   soberania   nacional   e   os   partidários   da
monarquia   constitucional   assente   no   princípio  
monárquico.  
 
3.1.  Declaração  de  direitos  
À   semelhança   da   Constituição   de   1822,   o   catálogo
dos   direitos   fundamentais,   agora   sob   o   título  
“Dos  
Direitos  e  Garantias  dos  Portugueses”,  é  deslocado  para
a  1ª  parte  da  Constituição.  
 
3.2.  Organização  do  poder  político  
Consagra-‐se   a   independência   dos   poderes   políticos,
bem   como   o   princípio   da   soberania   nacional.
Assim,  
desaparece  o  poder  moderador,  e  os  poderes  do
monarca  diminuem.    
 
4.  Vigência  da  Constituição  de  1838  (1838  –
1842)  
A   Constituição   de   1838   entrou   em   vigor   em  
Abril   de   1838   e   terminou   com   o   golpe   de  
Estado   de   Costa  
Cabral,   em   Janeiro   de   1842.   Costa   Cabral   veio
repor   em   vigor   a   Carta   Constitucional,   mantendo-‐se
este  
documento  até  5  de  Outubro  de  1910.  
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Laura  Nunes  Vicente  –  Ano  Lectivo  2011/2012  

CAPÍTULO  II  
O  CONSTITUCIONALISMO  REPUBLICANO  
 
1.  Circunstâncias  históricas  da  revolução  de  5  de
Outubro  de  1910  
 
2.  Fontes  da  Constituição  
• A  Constituição  brasileira  de  1891;  
• A  Constituição  suíça  de  1848  revista;  
• As  constituições  portuguesas  anteriores;  
• O  constitucionalismo  francês.  
 
3.  Princípios  republicanos  
 
3.1.  Democracia  
A  ideia  republicana  expressou,  desde  logo,  uma
maior  adesão  ao  princípio  democrático  do  que  aquela  que
lhe  emprestou  o  liberalismo  monárquico.  
A  república  democrática  guiava-‐se  pelos  seguintes
princípios:  
• Soberania   nacional   –   aderiu-‐se   ao   princípio   da  
soberania   nacional,   retomando   as   fórmulas   das  
constituições  de  1838  e  1822;  
• Regime  representativo  –  a  soberania  a  Nação
manifesta-‐se  através  dos  representantes  eleitos;  
• Separação   de   poderes   –   consagra   a   forma   clássica   de
separação   de   poderes,   considerados  
independentes  entre  si;  
• Sufrágio   universal   –   apesar   do   sufrágio   universal
estar   no   cerne   da   República,   nem   por   isso
se  
consagrou  a  universalidade  do  sufrágio,  estando  excluídos  os
analfabetos,  as  mulheres  e,  em  alguma  
medida,  também  os  militares;  
• Bicameralismo   partidário   –   consagra   o   sistema  
bicameral,   passando   o   Senado   a   desempenhar   o  
papel  que  cabia  à  Câmara  dos  Pares;  
• Parlamentarismo   monístico   e   regime   parlamentar   de  
assembleia   –   parlamentarismo   monístico  
devido  ao  amplo  poder  de  controlo  político  do
Parlamento  sobre  o  governo;  e  o  regime  parlamentar
de   assembleia   pois   o   Congresso   era   o  
único   órgão   que,   teoreticamente,   podia   condicionar
as  
directivas  políticas  da  república  democrática.  
 
3.2.  Laicismo  
A  Constituição  de  1910  veio  defender  uma  república
laica  e  democrática.  O  laicismo  baseava-‐se  em:  
• Igualdade  de  cultos;  
• Liberdade  de  culto;  
• Neutralidade  religiosa  do  ensino;  
• Perseguição   à   Igreja   Católica:   a   extinção   da  
Companhia   de   Jesus   e   de   todas   as   congregações  
religiosas  e  ordens  monásticas.  
 
3.3.  Descentralização  
Os   republicanos   defendiam   uma   república  
democrática   federativa,   através   da   criação   de   centros   de
autoridade  local.  
 
4.  Estrutura  constitucional  
 
4.1.  Catálogo  liberal  de  direitos  
Na   Constituição,   consagra-‐se,   ainda   à   semelhança   da
Constituição   de   1822,   um   catálogo   de   direitos  
fundamentais,   dos   quais   são   exemplos   a   proibição
  da   pena   de   morte   e   a   consagração   da  
liberdade   de  
religião  e  culto.  
 
4.2.  Estrutura  organizatória  do  poder  político  
• Parlamentarismo;  
• Bicameralismo  –  Câmara  dos  Deputados  e  Senado;  
• Presidente  da  República  –  eleição  indirecta;  
• Judicial  review  –  controlo  judicial  da  constitucionalidade;
• Descentralização  administrativa.  
 
 
Laura  Nunes  Vicente  –  Ano  Lectivo  2011/2012  

CAPÍTULO  III  
O  CONSTITUCIONALISMO  CORPORATIVO  
 
Contexto  histórico  
A   1ª   República   caracterizou-‐se   pela   instabilidade
governamental,   pelo   apagamento   do   Presidente   da  
República   e   por   um   multipartidarismo   desorganizado,  
circunstâncias   que   se   repercutiram   na   economia,  
então   em   crise.   O   golpe   de   26   de   Maio   de  
1926   veio   implantar   uma   Ditadura   Militar,   e  
Óscar   Carmona   toma  
posse  como  Chefe  de  Estado.  Em  1932,  Oliveira
Salazar,  então  Ministro  das  Finanças,  ascende  a  Presidente
 
do  Conselho  de  Ministros  (Primeiro-‐Ministro)  e  cria,  com
a  Constituição  de  1933,  o  regime  de  Estado
Novo.    
 
Génese   da   Constituição   de   1933:   do   projecto   de  
revisão   da   Constituição   de   1911   à   feitura   de   um
novo  texto  constitucional  
 
1.  O  Acto  Colonial  de  1930  
O   Acto   Colonial   de   1930   foi   o   primeiro  
documento   constitucional   do   Estado   Novo,   elaborado   por
  Oliveira  
Salazar  e  de  forte  pendor  nacionalista.  
 
2.  A  criação  do  Conselho  Político  Nacional:  discussão
sobre  o  seu  papel  
O  Conselho  Político  Nacional  foi  um  órgão  consultivo
criado  a  1931,  que  era  presidido  pelo  Presidente
da  
República,  Óscar  Carmona,  e  do  qual  Oliveira  Salazar
era  membro.  
 
Linhas  de  força  do  constitucionalismo  do  Estado  Novo
 
 
Traços  principais  do  Constitucionalismo  corporativo:  
• República   corporativa   –   subjacente   à   Constituição   de
1933   estava   uma   filosofia   de   uma   política  
reestruturante   da   sociedade,   ou   seja,   que  
reconhecesse   grupos   intermédios   entre   o   indivíduo
e   o  
Estado,   como   a   família,   os   organismos   corporativos,
as   autarquias   locais   e   a   Igreja.   Ocorreu   uma
repulsa  pelo  liberalismo  político  e  económico  e  pela
 sua  instabilidade,  e  o  Estado  concebeu-‐se  como
uma   República   corporativa,   baseada   na   interferência   de
elementos   estruturais   da   Nação   na   vida  
administrativa  e  na  feitura  das  leis.  
• A  ideia  de  Estado  forte  e  o  presidencialismo
de  Primeiro-‐Ministro   –  a  Constituição  reagiu  contra
as  
debilidades  do  Estado  democrático  da  1ª  República,
instituindo  um  executivo  forte,  independente  
do   órgão   legislativo;   um   legislativo   não  
partidariamente   dividido;   e   um   Chefe   de   Estado,  
eleito  
directamente   pela   Nação,   que   só   perante   ela
respondia.   Encontramo-‐nos   perante   um  
presidencialismo  de  Primeiro-‐Ministro,  ou  seja,  perante  uma
concentração  de  poderes  no  Chefe  de  
Estado.  
• Antiliberalismo   político   e   a   ideia   supra-‐individualista
de   Nação   –   verifica-‐se   uma   legalização   ou  
degradação   legal   dos   direitos   fundamentais,   que  
perdem   força   normativa,   pois   “os   fins   e
os  
interesses  da  Nação  dominam  os  dos  indivíduos  e
grupos  que  as  compõem”.  
• Antiliberalismo  económico  e  a  ideia  de  economia  dirigida
–  o  antiliberalismo  manifesta-‐se  também  
numa  Constituição  económica,  de  pendor  dirigista,  que
pretende  regular  e  programar  a  actividade  
económica   através   de   um   conjunto   de   princípios.   Assiste-‐
se   também   a   uma   restrição   drástica   dos  
direitos  dos  trabalhadores,  como  a  proibição  do  direito
à  greve.  
 
Estrutura  e  princípios  da  Constituição  de  1933  
 
1.  Procedimento  constituinte  
O   texto   constitucional   corporativo   é   a   única  
constituição   portuguesa   que   adoptou   o   procedimento
constituinte   directo   plebiscitário   .   A   partir   de   um
projecto   de   Salazar,   e   com   auxílio   do   Conselho  
Político  
Nacional,  foi  elaborado  um  texto  mais  tarde  submetido
a  plebiscito  nacional.  
 
2.  Direitos  fundamentais  
Num  fenómeno  de  degradação  legal  dos  direitos
fundamentais,  estes  passaram  a  mover-‐se  no  âmbito  da
lei,  
em  vez  de  a  lei  se  mover  no  âmbito  dos  direitos
fundamentais.  
 
3.  A  Constituição  económica  
Na  senda  da  Constituição  de  Weimar,  a  Constituição
de  1933  formalizou,  pela  primeira  vez,  a
constituição  
económica,  que  define  programas  e  directivas  para  a
ordem  económica.  
 
Laura  Nunes  Vicente  –  Ano  Lectivo  2011/2012  

4.  Estrutura  político-‐organizatória  
A  Constituição  de  1933  veio  individualizar  como
órgãos  de  soberania  os  seguintes  órgãos:  
• Chefe  de  Estado;  
• Assembleia  Nacional;  
• Governo;  
• Câmara  Corporativa;  
• Conselho  de  Estado;  
• Tribunais.  
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Laura  Nunes  Vicente  –  Ano  Lectivo  2011/2012  

PARTE  III  
CONCRETIZAÇÕES:  DIREITO  CONSTITUCIONAL  PORTUGUÊS  
 
Capítulo  I  
Texto  e  contexto  
 
A  génese  da  CRP:  o  poder  constituinte  originário
 
 
1.  A  Constituição  de  1976  como  resposta
constitucional  da  nova  República  
 
1.1  O  fim  do  Estado  Novo  
A   revolução   de   25   de   Abril   de   1974   foi
levada   a   cabo   pelo   MFA   (Movimento   das
Forças   Armadas),   que  
posteriormente   entregou   o   poder   a   uma   Junta   de
Salvação   Nacional   (JSN)   —   órgão   revolucionário   —  
presidida  pelo  General  António  de  Spínola.  O  objectivo
declarado  deste  acto  revolucionário  era  o  da  ruptura
com  o  regime  autoritário  e  corporativo  anterior  e
o  da  consequente  instauração  de  um  regime
democrático.  
 
1.2.  A  estrutura  constitucional  provisória  e  o  papel
do  MFA  
À   Junta   de   Salvação   Nacional,   emergente   do  
MFA,   cabia   a   elaboração   de   uma   Lei  
Constitucional   Provisória   e  
a  eleição  de  uma  Assembleia  Nacional  Constituinte.  
 
2.  A  CRP  no  quadro  do  constitucionalismo  português:
continuidades  e  rupturas  
 
2.1.  Clarificação  conceptual  
 
2.2.  Continuidades  e  rupturas  da  Constituição  de  1976
e  tradições  constitucionais  portuguesas  
Apesar  de  as  descontinuidades  prevalecerem  sobre  as
continuidades,  podemos  identificar  um  conjunto  de  
características  que  formam  um  património  cultural:  
• Fiscalização  constitucional  das  leis  pelos  tribunais;
• Poder   legislativo   ordinário   do   executivo,   que
constitui   um   traço   distintivo   do   constitucionalismo  
português.  
 
3.  A  CRP  e  as  matrizes  estrangeiras  
Foram  vários  os  textos  que  serviram  de  inspiração  ao
legisladores  constituinte  de  1976.  Destacam-‐se:  
• Constituições  dos  países  de  Leste;  
• Constituições  ocidentais  (alemã,  italiana  e  francesa);
• Constituições  portuguesas  anteriores.  
 
4.  Constituição  originária  e  procedimento  constituinte
O   procedimento   constituinte   que   esteve   na   origem
do   documento   constituinte   de   1976   foi   um  
procedimento   representativo   de   assembleia   soberana,  
visto   que   a   população   portuguesa   elegeu   uma
Assembleia  Constituinte  com  competência  para  elaborar  e
aprovar  uma  Constituição.  
 
4.1.  Entre  a  liberdade  a  tutela  
O  problema  da  coerência  e  unidade  da  CRP  de  1976
começou  cedo.  Esta  apresentava  tensões  e
contradições,  
fruto   do   movimento   revolucionário.   Assim,   podemos  
identificar   as   seguintes   contradições   no   seio   da   CRP
 
originária:  
• Constituição  liberal  e  democrática  /  Constituição
dirigente  a  autoritária,  finalisticamente  dirigida  à  
prossecução  do  socialismo;  
• Legitimidade   democrática,   expressa   nos   órgãos   de  
sufrágio   universal   /   Legitimidade  
revolucionária,  expressa  no  Conselho  da  Revolução;  
• Constituição   programática,   que   determina   um   conjunto
de   normas-‐fim   e   normas   tarefa   /  
Constituição  processo.  
 
4.2.  As  imperfeições  procedimentais  e  a  realidade  e  a
realidade  constitucional  
Considera-‐se   que   existe   justiça   procedimental  
constituinte   quando   as   etapas   de   elaboração   de   uma
 
constituição   são   consideradas   justas   e,   por  
isso,   reconduzíveis   a   uma   “boa   constituição”.   Existem
autores  
que   consideram   que   houve   uma   injustiça  
procedimental   na   elaboração   da   Constituição   de   1976,
pelos  
seguintes  motivos:  
Laura  Nunes  Vicente  –  Ano  Lectivo  2011/2012  

Inexistência   de   referendo   para   a   aprovação   do


texto   –   a   Constituição   deveria   ter   sido   aprovada
através  de  um  referendo,  visto  que  se  tratou  de
um  momento  de  intensa  participação  popular;  
• Existência  de  coacção  sobre  os  constituintes  –  os
“Pactos  MFA-‐Partidos”  traduziam-‐se  na  inserção  
de  cláusulas  no  texto  da  Constituição.  
Contudo,  na  opinião  do  Prof.  Canotilho,  não  houve
injustiça  procedimental.  
 
4.3.  Os  momentos  constitucionais  
Podemos  distinguir  três  momentos  constitucionais:  
• Momento   revolucionário   –   subjacente   à   Constituição   de
1976,   esteve   a   Revolução   de   1974,   que  
implicou  uma  transformação  a  nível  político  e  social,
nomeadamente  a  substituição  de  uma  classe  
política  por  outra;  
• Momento  extraordinário  –  momento  de  intensa  participação
popular;  
• Momento   maquiavélico   –   houve   alguns   actos,  
protagonizados   pelo   poder   revolucionário   e  
constituinte,  de  legitimidade  duvidosa,  de  excesso
revolucionário.  São  exemplos:  
-‐ Normas  constitucionais  inconstitucionais;  
-‐ Incapacidades  cívicas  automáticas  de  pessoas  com  cargos
no  Estado  Novo;  
-‐ Incriminação  retroactiva  de  agentes  da  PIDE;  
-‐ Expropriação  sem  indemnização;  
-‐ Proibição  dos  partidos  fascistas.  
 
Caracterização  da  CRP  
 
1.  A  estrutura  da  Constituição  
 
1.1  Princípios  
• Princípio  republicano;  
• Princípio  do  Estado  de  Direito;  
• Princípio  democrático;  
• Princípio  da  soberania  popular;  
• Princípio  da  separação  de  poderes;  
• Princípio  da  autonomia  regional.  
 
1.2.  A  constituição  dos  direitos  e  deveres  fundamentais
É  consagrado  um  extenso  catálogo  de  direitos
fundamentais.  O  princípio  estruturante  da  Constituição  de
76  
foi   a   dignidade   da   pessoa   humana,   que   é  
simultaneamente   o   limite   e   o   fundamento   do   poder
político.   A  
protecção  da  dignidade  humana  teve  como  consequências
normativas  a  proibição  da  pena  de  morte  a  das  
penas  de  prisão  perpétua.  
 
2.  As  características  formais  
 
2.1.  Unitextual  
• Paralelamente  ao  texto  formal,  não  há  outros  documentos
 com  valor  constitucional;    
• Não  existem  leis  de  revisão  constitucional  fora  da
Constituição.  
 
2.2.  Rígida  
• As  normas  constitucionais  têm  uma  especial  resistência  à
derrogação,  como  o  princípio  de  que  a  lei  
posterior  derroga  a  anterior;  
• A  revisão  é  um  procedimento  específico  e  exigente;
• Só  as  leis  de  revisão  constitucional  derrogam  as
normas  constitucionais.  
 
2.3.  Longa  
As   constituições   longas   opõem-‐se   às   constituições  
breves,   que   exprimem   modelos   de   competências   ou  
limitações,   bastando-‐se   na   organização   e   limitação   do
poder   político.   As   constituições   longas   exprimem  
modelos  de  valores  fundamentais,  possuem  um  projecto
concebido  através  de  normas-‐fim.  A  Constituição  
de  76  é  um  constituição  longa,  com  295  artigos.  
 
2.4.  Programática  
As  constituições  programáticas  são  constituições  longas,
estão  ligadas  a  normas-‐fim  ou  normas-‐tarefa  que  
incubem  o  Estado  de  um  determinado  programa.  

Laura  Nunes  Vicente  –  Ano  Lectivo  2011/2012  

 
2.5.  Compromissória  
Uma   Constituição   compromissória   traduz   um   compromisso.   A
Constituição   de   76   traduziu-‐se   num   pacto  
entre:  
• Princípio  liberal  de  direitos  individuais  e  princípio
socialista  de  direitos  económicos  e  sociais;  
• Forma  de  governo  presidencial  e  parlamentar;  
• Princípio  da  unidade  do  Estado  e  da  autonomia  regional;
• Sistema  de  fiscalização  da  constitucionalidade  difusa
(todos  os  tribunais  judiciais  podem  aferir  da  
constitucionalidade  das  leis)  e  concentrada  (presença  de
um  tribunal  constitucional).  
 
A  evolução  da  Constituição  de  1976:  o  exercício  do
poder  constituinte  derivado  
 
1.  As  revisões  constitucionais  
As  revisões  podem  classificar-‐se  em:  
• Ordinárias  –  ocorrem  passados  5  anos  da  última;
• Extraordinárias  –  ocorrem  com  aprovação  de  4/5  dos  deputados.
 
 
Podemos  identificar  três  linhas  de  força  no
exercício  do  poder  constituinte  derivado:  
• Desideologização   –   tentativa   de   neutralizar   as  
referências   semânticas   de   ideologia   marxista   e  
leninista;  
• Adaptação  ao  direito  internacional:  
• Autonomia   política   e   administrativa   de   entes   públicos  
territoriais,   principalmente   das   Regiões  
Autónomas.  
 
REVISÕES  DA  CONSTITUIÇÃO  DE  1976  
REVISÃO  
TIPO  
OBJECTIVOS  
Fim  das  metanarrativas  emancipatórias  e  
1ª  Revisão  -‐  1982  
Ordinária  
da  legitimidade  revolucionária  
2ª  Revisão  -‐  1989  
Ordinária  
Revisão  da  constituição  económica  
3ª  Revisão  -‐  1992  
Extraordinária  
Concessão  de  soberanias  à  União  Europeia  
Reforma  da  organização  do  poder  político;  
constituição  bio-‐médica,  desconstituciona-‐  
4ª  Revisão  -‐  1997  
Ordinária  
lização  do  dever  militar  e  alargamento  do  
universo  eleitoral  
5ª  Revisão  -‐  2001  
Extraordinária  
Criação  do  Tribunal  Penal  Internacional  
6ª  Revisão  -‐  2004  
Ordinária  
Autonomia  política  das  Regiões  Autónomas  
Referendo  sobre  o  Tratado  Constitucional  
7ª  Revisão  -‐  2005  
Extraordinária  
Europeu  
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Laura  Nunes  Vicente  –  Ano  Lectivo  2011/2012  

Capítulo  II  
Princípios  do  Estado  de  Direito  
 
1.  Princípio  fundante  –  a  dignidade  da  pessoa  humana
 
Art.  1.º  CRP  –  “Portugal  é  uma  República  soberana,  baseada
na  dignidade  da  pessoa  humana  e  na  vontade  
popular  e  empenhada  na  construção  de  uma  sociedade
livre,  justa  e  solidária.”  
 
Dizer   que   o   princípio   fundante   da   Constituição   de
1976   é   a   dignidade   humana   equivale   a   dizer   que
  este  
princípio  é  simultaneamente  o  fundamento  e  o  limite
de  todo  o  poder  político.  É  um  fim  em  si
mesmo  e,  por  
isso,   as   dimensões   estruturantes   ou   constitutivas   do  
Estado   de   Direito   visam   a   protecção   deste  
princípio,  
que  foi  pela  primeira  vez  reconhecido  na  Lei
Fundamental  de  Bona.  
 
Duas  das  consequências  normativas  do  reconhecimento  do
princípio  da  dignidade  humana  são  a  proibição  
da  pena  de  morte  e  a  proibição  das  penas  de
prisão  perpétua.  
 
2.  Princípios  estruturantes  
 
2.1.  Juridicidade  
 
Dimensões  da  juridicidade:  
2.1.1.  A  medida  do  direito  (matéria,  procedimento  e
forma)  
O  princípio  do  Estado  de  Direito  é  um  princípio
constitutivo,  de  natureza  material,  formal  e  procedimental,
que   visa   dar   resposta   ao   problema   do   conteúdo,
extensão   e   modo   de   proceder   da   actividade   do  
estado.  
Assim,  a  Constituição  de  um  Estado  de  Direito  visa
 conformar  o  exercício  do  poder  político  e  a
organização  
da   sociedade   segundo   a   medida   do   direito.   Esta
medida   compreende-‐se   enquanto   uma   articulação   entre
matéria   e   forma   –   medida   material   enquanto   conjunto
de   princípios   materiais   informados   por   uma
certa  
ideia   de   justiça   e   que   funcionam   como   meio
de   ordenação   racional   de   uma   comunidade  
organizada;   e  
medida   formal   enquanto   princípios   orgânicos,   formais
e   procedimentais   que   cumprem   essa   função  
organizadora.  
 
2.1.2.  Estado  de  Direito  como  Estado  “  de
distância”  (Kloepfer)  
O   Estado   de   Direito   é   um   Estado   de   distância
ou   de   limites,   visto   garantir   ao   indivíduo   uma
esfera   de  
autonomia  marcada  pela  diferença  e  pela  individualidade,
 que  se  opõe  ao  poder  político  e  na  qual
este  não  
pode  intervir.  
Contudo,   a   função   do   direito   não   é   apenas  
negativa,   de   defesa,   mas   também   positiva:   o  
direito   deve  
assegurar  também  o  desenvolvimento  da  personalidade  do
indivíduo.    
 
2.1.3.  Estado  de  Justiça  
A  justiça  faz  parte  da  própria  ideia  de  direito,
e  concretiza-‐se  em  princípios  materiais  que  se  reconduzem
 à  
afirmação   e   respeito   da   dignidade   humana,   protecção
da   liberdade   e   desenvolvimento   da   personalidade   e
à  
realização   da   igualdade.   Podemos   destacar   várias   dimensões
  de   um   Estado   de   justiça:   protecção   dos  
direitos  das  minorias,  equidade  na  distribuição  de  direitos
e  deveres  e  igualdade  de  distribuição  de  bens  e
de  oportunidades.  
 
2.2.  Constitucionalidade  
 
O   Estado   de   direito   é   necessariamente   um   Estado
constitucional,   alicerçada   na   supremacia   normativa   da
Constituição,   que   deve   vincular   todos   os   órgãos
políticos.   Esta   supremacia   da   Constituição   é   a  
primeira  
expressão  do  “primado  do  direito”.  
 
Dimensões  da  constitucionalidade:  
2.2.1.  Primado  ou  supremacia  da  Constituição  –
princípio  da  constitucionalidade  
O  princípio  da  supremacia  da  Constituição  traduz-‐se,
em  primeiro  lugar,  no  princípio  da  constitucionalidade  
das   leis   ou   da   vinculação   do   legislador   à  
Constituição   –   todos   os   actos   legislativos   devem
obedecer   aos  
parâmetros   materiais   e   formais   estabelecidos   no   texto
constitucional.   Este   primado   da   Constituição  
manifesta-‐se   também   na   proibição   de   leis   de  
alteração   constitucional,   salvo   as   leis   de   revisão
elaboradas  
nos  termos  previstos  (arts.  161.º/a  e  284.º  a
289.º).    
Laura  Nunes  Vicente  –  Ano  Lectivo  2011/2012  

Em  segundo  lugar,  o  princípio  da  constitucionalidade


reside  na  conformidade,  intrínseca  e  formal,  dos
actos  
do  Estado  com  a  Constituição  (art.  3.º  /2  e  art.
 3.º/3).  
 
2.2.2.  Reserva  de  Constituição  
A  reserva  de  Constituição  significa  que  determinadas
questões  respeitantes  ao  estatuto  jurídico  do  político  
não   devem   ser   reguladas   por   leis  
ordinárias   mais   sim   pela   Constituição.   A   reserva
de   Constituição  
concretiza-‐se  através  de  dois  princípios:  
• Princípio  da  tipicidade  constitucional  de  competências
(art.  111.º/2)  –  os  órgãos  do  Estado  só  têm  
competência  para  fazer  aquilo  que  a  Constituição  lhes
 permite;  
• Princípio  da  constitucionalidade  das  restrições  de  direitos,
liberdades  e  garantias  (art.  18.º/2)  –  as  
restrições  dos  direitos,  liberdades  e  garantias  devem  ser
feitas  directamente  pela  Constituição  ou  
através  das  leis,  mediante  autorização  constitucional
expressa  e  nos  casos  que  esta  prevê.  
 
2.2.3.  Força  normativa  da  Constituição  (Hesse)  
O   princípio   da   constitucionalidade   postula   a   força
normativa   da   Constituição,   ou   seja,   esta   não  
pode   ser  
postergada   quaisquer   que   sejam   os   pretextos  
invocados.   Esta   pretensão   de   dissolução   político-‐
jurídica  
fundamenta-‐se   frequentemente   em   interesses   nacionais  
considerados   superiores   e   numa   “superlegalidade”  
ancorada   em   princípios   transcendentes   e   motivada   por
instâncias   desprovidas   de   legitimação   política   e  
jurídica.  
 
2.3.  Jusfundamentalidade  –  sistema  de  direitos  fundamentais
O   Estado   de   Direito   assenta   numa   base   de  
direitos   fundamentais,   que   por   sua   vez   são
  informados   pelo  
princípio  fundante  da  dignidade  humana.  Podemos,  assim,
afirmar  que  a  Constituição  da  República  possui  
uma  base  antropológica  que  se  reconduz  ao  homem  como
 pessoa,  cidadão,  trabalhador  e  administrado.  
Podlech  teorizou  que  o  sistema  de  direitos  fundamentais
possuía  cinco  compontentes:  
• Afirmação  da  integridade  física  e  espiritual  do
homem  como  dimensão  essencial  da  sua  integridade  
(arts.  24.º,  25.º  e  26.º);  
• Garantia   da   identidade   e   integridade   do   homem  
através   do   livre   desenvolvimento   da   sua  
personalidade  (art.  26.º);  
• Libertação   da   “angústia   da   existência”   da   pessoa
mediante   mecanismos   de   socialidade,   como   a  
possibilidade  de  trabalho  e  qualificação  e  a  garantia
de  condições  existenciais  mínimas  (arts.  53.º,  
58.º,  63.º  e  64.º)  ;  
• Garantia  e  defesa  da  autonomia  individual  através  da
limitação  dos  poderes  públicos;  
• Garantia  da  dignidade  social  e  da  igualdade  de  tratamento
 normativo  (art.  13.º).  
 
2.4.  Divisão  de  poderes  
 
2.4.1.  Dimensão  negativa  e  dimensão  positiva  
A   constitucionalística   mais   recente   salienta   que   o
princípio   da   divisão   de   poderes   transporta   duas  
dimensões:  a  dimensão  negativa,  de  controlo  e  limite  de
poderes  e  que  corresponde,  em  rigor,  à  “divisão”  de
poderes;  e  a  dimensão  positiva,  de  ordenação  e
organização  dos  poderes  e  que  associamos  à  “separação”
de  
poderes.    
 
2.4.2.  Relevância  jurídico-‐constitucional  
   
• Princípio   jurídico-‐organizatório   -‐   uma   ideia  
subjacente   ao   princípio   da   divisão   de   poderes   é   a
ordenação   de   funções   através   da   atribuição   de  
competências   aos   órgãos   de   poderes   e   da   sua
vinculação   à   forma   jurídica.   Neste   sentido,   a  
divisão   de   poderes   constitui   um   princípio  
organizatório  fundamental  da  Constituição,  art.  111.º),
permitindo  assim  um  controlo  recíproco  do  
poder  (checks  and  balances)  e  uma  organização  jurídica  de
limites  dos  órgãos  do  poder.  
• Princípio  normativo-‐autónomo  –  nem  sempre  a  divisão
funcional  coincide  com  a  divisão  orgânica  
dos  poderes.  Contudo,  esta  sobreposição  das  linhas
divisórias  de  funções  não  justifica  que,  por  si  só,  
se   fale   de   rupturas   na   divisão   de   poderes   –  
apesar   destes   desvios   apenas   serem   legítimos   se
não  
interferirem  com  o  núcleo  essencial  de  competências  de
poderes.    
• Princípio  fundamentador  de  incompatibilidades  –  a  divisão
organizatório-‐funcional  pressupõe  uma  
divisão   pessoal   dos   poderes,   que   é   particularmente
  acentuada   no   que   respeita   aos   titulares
da  
função   judicial.   Esta   entreleçamento   pessoal   de  
funções   é   evitado   através   do   princípio   da  
incompatibilidade,  expresso  nos  arts.  216.º/3  (juízes)  e
154.º/1/2  (deputados).  
 
Laura  Nunes  Vicente  –  Ano  Lectivo  2011/2012  

2.4.3.  Divisão  horizontal  e  divisão  vertical  


A   divisão   de   poderes   pode   também   ser  
classificada   em   horizontal   e   vertical.   Enquanto   que
  a   divisão  
horizontal  se  prende  com  a  hierarquia  interna  de
poderes,  a  divisão  vertical  prende-‐se  com  a
organização  
do  poder  em  termos  territoriais.    
 
2.4.3.1.  Divisão  vertical  
• Garantia  da  autonomia  político-‐regional  dos  Açores  e  da
Madeira  (arts.  6.º,  225.º,  288.º/o)  )  
• Garantia   da   administração   autónoma   local   (arts.   6.º/1,
235.º   e   288.º/n)   )   –   a   garantia   da  
administração   municipal   autónoma   está   estreitamente  
conexionada   com   o   princípio   democrático  
de  “democracia  descentralizada”,  o  que  assegura  a
separação  territorial  e  uma  maior  participação  
democrática   no   exercício   do   poder.   Apesar   de   não
ser   tão   claro   a   sua   ligação   com   o  
princípio   do  
Estado   de   Direito,   compreendemos   que   a  
descentralização   administrativa   constituiu   um   limite   ao  
poder   unicitário   e   é   uma   forma   de   separação
entre   o   Estado   e   a   sociedade   civil.   Este  
princípio  
garante   a   autonomia   normativa   local   e   a  
garantia   institucional   que   garante   aos   municípios
um  
espaço  de  conformação  autónoma.    
 
2.5.  Sustentabilidade  ambiental  
 
A   justiça   ambiental   constitui   também   um   dos
princípios   estruturantes   do   Estado   de   Direito.   Contudo,   em
face   das   experiências   recentes,   a   sustentabilidade
ambiental   já   não   se   basta   numa   mera  
prevenção,   é  
também  necessário  um  cuidado  prévio  –  princípio  da
precaução.  
 
O  princípio  da  precaução  traduz-‐se,  por  sua  vez,  em
dois  outros  princípios:  
• Princípio   de   Noé   (Michel   Lacroix)   –   preconiza   o
cuidado   e   a   salvaguarda   da   biodiversidade   e   do  
ambiente;  
• Princípio  da  responsabilidade  de  Hans  Jonas  –
defende  a  responsabilidade  ambiental  para  com  as  
futuras  gerações  e  introduz  um  novo  imperativo
categórico:  “age  de  tal  maneira  que  os  efeitos  da  
tua  acção  sejam  compatíveis  com  a  preservação  da
vida  humana  genuína”.    
Este  princípio  concretiza-‐se  jurídico-‐constitucionalmente  nos
arts.9.º/d)/e)  e  66.º.  
 
 
3.  Subprincípios  concretizadores  
 
1.  O  princípio  da  legalidade  da  administração  
 
1.1.  Princípio  da  reserva  de  lei  –  as  restrições  dos
direitos,  liberdades  e  garantias  só  podem  ser  deitas
por  lei  
ou   mediante   autorização   desta.   Outras   matérias  
constituem   também   reserva   da   Assembleia   da   República
(ver  arts.  164.º  e  165.º).  
 
1.2.   Princípio   da   primazia   ou   prevalência   da   lei
-‐   a   lei   deliberada   e   aprovada   pelo  
Parlamento   tem  
superioridade  e  preferência  relativamente  a  actos  da
administração  (ver  arts.  266.º/2  e  112.º/6,  7  e
8).  
 
1.3.   Princípio   da   precedência   da   lei   –   é   um
corolário   do   princípio   da   primazia   da   lei   e  
diz-‐nos   que   a   lei   é  
anterior  ao  regulamento.  
 
2.  Princípio  da  segurança  jurídica  e  da  protecção  da
confiança  dos  cidadãos    
 
2.1.  Princípio  geral  da  segurança  jurídica  –  abrange  a
ideia  de  protecção  da  confiança  dos  cidadãos  e  traduz-‐
se   numa   pretensão   de   uma   certa   cautelabilidade
  e   previsibilidade   dos   efeitos   jurídicos.  
Enquanto   que   a  
segurança   jurídica   se   prende   com   elementos  
objectivos   (a   estabilidade   jurídica,   etc.),   a   protecção
  da  
confiança  dos  cidadãos  remete-‐nos  para  elementos
subjectivos  como  a  previsibilidade  dos  efeitos  jurídicos.
 
2.2.  Princípio  da  segurança  jurídica  relativamente  a  actos
normativos  
2.2.1.   Princípio   da   precisão   ou   determinabilidade   das
  normas   jurídicas   –   exigência   de   clareza   (as
 
normas  devem  ser  suficientemente  claras  para
constituírem  um  padrão  de  conduta)  e  de  densidade  
suficiente   (uma   norma   tem   de   ser   o   mais
determinável   possível   numa   dada   situação,   ter
uma  
disciplina  concreta).  
2.2.2.  Princípio  da  proibição  de  pré-‐efeitos  de  actos
normativos  –  proibição  da  produção  de  efeitos  
jurídicos  de  actos  normativos  antes  da  sua  entrada
em  vigor  (ver  art.  119.º).  
Laura  Nunes  Vicente  –  Ano  Lectivo  2011/2012  

2.2.3.  Proibição  de  normas  retroactivas  –  a  questão


da  retroactividade  
• Existem  dois  tipos  de  retroactividade:  a
retroactividade  autêntica,  quando  a  lei  pretende  a  
produção  de  efeitos  para  o  passado;  e  a
retrospectividade  ou  retroactividade  inautêntica,  
quando  a  alteração  dos  pressupostos  de  uma  norma
afecta  relações  jurídicas  do  passado.  
• Retroactividade  exigida  (1  caso)  –  exigência  de
retroactividade  dos  princípios  penais  mais  
favoráveis  (art.  29.º/4).  
• Retroactividade  proibida  (3  casos)    
o Leis  restritivas  de  direitos,  liberdades  e  garantias
(art.  18.º/3)  
o Leis  penais  mais  gravosas  (art.  29.º)  
o Leis  fiscais  mais  gravosas  para  o  contribuinte
(art.  103.º/3)  
• Retroactividade   permitida   –   a   retroactividade   apenas
é   inconstitucional   se   violar   o  
princípio  da  segurança  jurídica  e  da  protecção  da  confiança
dos  cidadãos.  
 
2.3.  Princípio  da  segurança  jurídica  relativamente  a  actos
jurisdicionais  
A   segurança   jurídica   no   âmbito   dos   actos  
jurisdicionais   aponta   para   o   instituto   do   caso
julgado   –  
estabilidade   definitiva   das   decisões   judiciais,  
quer   devido   à   impossibilidade   de   recurso   ou  
reapreciação,  
quer   porque   a   relação   material   introvertida   é   decidida
em   termos   definitivos.   Apesar   deste   princípio   não
 
estar  expressamente  consagrado  na  Constituição,  deriva  de
vários  preceitos  (ver  arts.  29,º/4  e  282.º/3).  
 
2.4.  O  princípio  da  segurança  jurídica  relativamente  a
actos  da  administração  
2.4.1.  Força  de  “caso  decidido”  –  o  acto
administrativo  goza  de  uma  tendencial  imutabilidade  que
se  
traduz  na  autovinculação  da  administração  e  na
irrevogabilidade  do  acto  administrativo.  
2.4.2.   Sociedade   de   risco   –   necessidade   de  
actos   provisórios   e   precários   a   fim   de   a  
administração  
poder  reagir  à  alteração  das  situações  fácticas.  
 
3.  O  princípio  da  proibição  do  excesso  
 
3.1.  Origem  do  princípio  
O   princípio   da   proibição   do   excesso   ou   da  
proporcionalidade   em   sentido   amplo   dizia   primitivamente  
respeito   ao   problema   da   limitação   do   poder  
executivo,   como   princípio   geral   do   poder   de  
polícia   (século  
XIX).  Posteriormente,  foi  erigido  à  categoria  de  princípio
constitucional.  
 
Este  princípio  é  hoje  assumido  como  um  princípio  de
controlo  exercido  pelos  tribunais  sobre  a  adequação  
dos   meios   administrativos,   sobretudo   coactivos,   à
prossecução   dos   seus   fins.   A   sua   dimensão  
material  
estava   já   presente   nos   séculos   XVIII   e   XIX,
em   Inglaterra,   França   e   Itália,   tendo   sido  
erguido   a   princípio  
constitucional  pela  doutrina  alemã,  no  pós-‐guerra.  
 
3.2.  Dimensões/subprincípios  
3.2.1.  Princípio  da  conformidade  ou  adequação  de  meios
–  a  medida  adoptada  para  a  prossecução  
de  um  interesse  público  deve  ser  apropriada  à
prossecução  do  fim  subjacente.    
3.2.2.   Princípio   da   exigibilidade   ou   da   necessidade
–   o   cidadão   tem   direito   à   menor   desvantagem
possível.  
• Exigibilidade  material  –  limitação  da  restrição  dos  direitos
fundamentais.  
• Exigibilidade  espacial  –  limitação  do  âmbito  de
intervenção.  
• Exigibilidade  temporal  –  delimitação  no  tempo  da
medida  coactiva.  
• Exigibilidade   pessoal   –   limitação   da   aplicação   da
medida   à   pessoa   ou   pessoas   cujos  
interesses  devem  ser  sacrificados.  
3.2.3.   Princípio   da   proporcionalidade   em   sentido  
restrito   –   ou   princípio   da   “justa   medida”.   O  
resultado  obtido  com  a  intervenção  deve  ser
proporcional  à  carga  coactiva  da  mesma.  
 
3.3.  Concretização  constitucional  
3.3.1.  Princípio  da  proporcionalidade  em  matéria  de
restrições  aos  direitos,  liberdades  e  garantias  
(art.  18.º/2)  
3.3.2.  Princípio  geral  de  actuação  da  administração
(art.  266.º/2)  
3.3.3.  Princípio  em  matéria  de  medidas  de  polícia
(art.  272.º/2)  
3.3.4.  Princípio  no  domínio  do  estado  de  excepção
(art.  19.º/4)  
 
4.  Princípio  da  protecção  do  défice  de  protecção  ou
proibição  por  defeito  
 
Laura  Nunes  Vicente  –  Ano  Lectivo  2011/2012  

Existirá   um   defeito   de   protecção   quando   as   entidades


  sobre   quem   recai   um   dever   de   protecção
adoptam  
medidas   insuficientes.   O   Estado   deve,   assim   adoptar
medidas   suficientes   conducentes   a   uma   protecção
adequada  e  eficaz  dos  direitos  fundamentais  (assegurando
dimensões  prestacionais,  por  exemplo).  
 
5.  Princípio  da  protecção  jurídica  e  das  garantias
processuais  
Quais   as   instituições/órgãos   que   previnem   o   abuso   do
poder   político?   Como   se   efectua   a   reparação   do
abuso  do  poder?      
 
5.1.  Garantias  processuais  e  procedimentais  
O  acesso  ao  tribunal  tem  de  ser  acompanhado  de
dimensões  garantísticas.  
 
5.1.1.  Garantias  do  processo  judicial  em  geral  
• Garantia  do  processo  equitativo  (art.  20.º/4)  
• Princípio  do  juiz  legal  (art.  32.º/7)  
• Princípio  da  audição  (art.  28.º/1)  
• Princípio  de  igualdade  processual  das  partes  (art.  13.º
 e  20.º/2)  
• Princípio  da  conformação  do  processo  segundo  os  direitos
fundamentais  (art.  32.º)  
• Princípio  da  fundamentação  dos  actos  judiciais  (art.
205.º/1)  
5.1.2.   Garantias   de   processo   penal   –   princípios
materialmente   informadores   do   processo   penal  
(arts.  28.º,  32.º,  209.º/4).  
5.1.3.   Garantias   do   procedimento   administrativo   –  
garantias   de   um   procedimento   administrativo  
justo.    
• Direito  de  participação  do  particular  (art.  267.º/4)
• Princípio  da  imparcialidade  da  administração  (266.º/2)  
• Princípio  da  audição  jurídica  (269.º/3)  
• Princípio  da  informação  (art.  268.º/1)  
• Princípio   da   fundamentação   dos   actos   administrativos
lesivos   e   do   arquivo   aberto  
(268.º/2)  
• Princípio  da  conformação  do  procedimento  segundo  os
direitos  fundamentais  (art.  266.º/1  
e  267.º/4)  
5.2.  Princípio  do  acesso  ao  direito  ou  garantia  de  via
judiciária  
O  princípio  do  acesso  ao  direito  está  consagrado
no  art.  20.º  da  Constituição.  
 
5.2.1.  Abertura  da  via  judiciária  enquanto  imposição
directamente  dirigida  ao  legislador.  
5.2.2.   Controlo   judicial   enquanto   “contrapeso”   clássico   em
relação   ao   exercício   dos   poderes  
executivo  e  legislativo  –  importância  da  função
jurisdicional  na  realização  do  Estado  de  Direito.  
5.2.3.  Garantia  da  tutela  jurisdicional  efectiva  (art.
20.º).  
 
 
5.3.  Princípio  da  responsabilidade  do  Estado  e  da
compensação  de  prejuízos  
A   protecção   jurídica   exige   a   consagração   de  
institutos   que   garantam   uma   compensação,   no   caso
de   violação  
de  direitos,  liberdades  ou  garantias,  pelos  prejuízos
derivados  dos  actos  do  poder  público.    
5.3.1.   Responsabilidade   do   Estado   e   consequente  
dever   de   reparação   de   prejuízos   (arts.   22.º   e
271.º).  
5.3.2.   Indemnização   dos   sacrifícios   especiais  
impostos   a   determinados   cidadãos   (exemplo   do   art.  
62.º).  
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Laura  Nunes  Vicente  –  Ano  Lectivo  2011/2012  

2.  PRINCÍPIO  DEMOCRÁTICO  
 
1.  Caracterização  do  princípio  democrático  
   
O  princípio  democrático  visa  responder  ao  problema  da
legitimação  do  poder  político  e,  ao  ser  consagrado  
constitucionalmente,  constitui  uma  ordenação  normativa  para  uma
dada  realidade  histórica  contingente.  
A   fórmula   mais   conhecida,   e   que   traduz   a
essência   dos   movimentos   históricos   democráticos,   é
a   fórmula   de  
Lincoln   –   “governo   do   povo,   pelo   povo   e  
para   o   povo”.   A   esta   formulação   positiva   opõe-‐se
a   formulação  
negativa  de  Popper  –  “a  democracia  nunca  foi  a
soberania  do  povo,  não  o  pode  ser,  não  o  deve
 ser”.  
 
Tipos  de  democracia:  
• Democracia   directa   –   primeiro   tipo   de   democracia,
que   surgiu   com   os   gregos   e   na   qual   os  
cidadãos  fazem  eles  próprios  as  leis.  
• Democracia  participativa  –  surgiu  na  pós-‐modernidade
e  consiste  no  exercício  da  democracia  
pelos  cidadãos  através  de  instituições  cívicas.    
• Democracia  representativa  –  delegação  de  poder  em
representantes,  por  parte  dos  cidadãos.  
• Democracia   semidirecta   –   partilha   algumas   características
  com   a   democracia   representativa,  
apesar   dos   cidadãos   desempenharem   um   papel   directo
em   certos   aspectos   da   tomada   de  
decisão.  
A   Constituição   de   76   foi   fundada   no   princípio
da   democracia   representativa,   sendo   os   principais
instrumentos  de  democracia:  
• Sufrágio  
• Partidos  políticos  
Contudo,  as  sucessivas  revisões  constitucionais  foram
assimilando  os  outros  tipos  de  democracia:  
• Directa  –  plenário  dos  cidadãos  (art.  245.º/2)  
• Semidirecta  –  referendo  
• Participativa  –  ver  arts.  2.º,  109.º  e  151.º
 
 
2.  Concretização  constitucional  do  princípio  democrático  
 
2.1.  O  princípio  da  soberania  popular  
O  princípio  da  soberania  popular  transporta  várias
dimensões  históricas:  
• Necessidade  de  legitimação  do  domínio  político;  
• Povo  enquanto  legitimação  do  poder  político;  
• Povo  enquanto  titular  da  soberania;  
• Soberania  popular  enquanto  princípio  eficaz  e  vinculativo
no  âmbito  constitucional;  
• Constituição  enquanto  plano  da  construção  organizatória
da  democracia.  
 
2.2.  Princípio  da  representação  popular  
A  representação  popular  é  o  exercício  jurídico,
constitucionalmente  autorizado,  de  funções  de  domínio,
feita  
em  nome  do  povo  por  órgãos  de  soberania  do
Estado.  
Existem  dois  tipos  de  representação  democrática:  
2.1.  Representação  democrática  formal  –  autorização  e
legitimação  jurídico-‐formal  concedida  a  um  
órgão  governante  para  o  exercício  do  poder  político.
2.2.   Representação   democrática   material   –   momento  
referencial   substantivo   e   normativo,  
conformidade  da  vontade  do  povo  com  o  conteúdo  dos
actos  dos  representantes.  
 
2.3.  Princípio  da  democracia  semidirecta  
O  referendo  é  o  principal  instrumento  de  democracia
semidirecta.  É  uma  consulta  feita  aos  eleitores  sobre
uma  questão  ou  texto  através  de  um  procedimento
formal  regulado  na  lei.  
 
Tipos  de  referendo  (quanto  ao  território)  
2.3.1.  O  referendo  nacional  (art.  115.º):  
• Âmbito  material:  domínios  excluídos  do  âmbito  material  do
referendo  (art.  115.º/4):  
o Referendos   constitucionais   –   a   revisão   constitucional
é   “reserva   absoluta   do  
Parlamento  (art.  161.º/a))  
o Referendos  sobre  questões  ou  actos  de  conteúdo
orçamental,  tributário  ou  financeiro  –  
visto  que  são  matérias  de  fácil  manipulação  pelo
eleitorado.  
Laura  Nunes  Vicente  –  Ano  Lectivo  2011/2012  

Referendos  em  matérias  legislativas  e  políticas:  


• Art.  115.º/4/c)  –  fecha  as  matérias  de  reserva
do  Parlamento.  
• Art.  115.º/4/d)  –  excepto  a  matéria  do  art.
164.º/i),  toda  a  matéria  do  artigo  
164.º   não   pode   ser   objecto   de   referendo.  
Esta   alínea   deve   considerada   em  
conjunto  com  a  c).  
• Art.   115.º/5   –   abra   as   matérias   ,   estabelecendo
uma   excepção   para   matérias  
de   relevante   interesse   nacional.   Ver   art.
295.º,   introduzido   com   a   revisão  
constitucional  de  2005.  
Procedimento  referendário  –  art.  167.º.  
Iniciativa  –  a  iniciativa  de  referendo  pertence  à
Assembleia  da  República,  ao  Governo  e,  desde  a  
4ª  Revisão  Constitucional,  também  aos  cidadãos  (ver
arts.  115.º/1  e  2).  Contudo,  a  decisão  de  
referendo   pertence   exclusivamente   ao   Presidente   da   República
  –   este   decide   se   há   ou   não  
referendo,  um  poder  absoluto  que  não  carece  de  referenda
ministerial  (art.  134.º/c  e  140.º).  
Eficácia   jurídica   –   o   referendo   terá   eficácia  
vinculativa   quando   o   número   de   votantes   for  
superior  a  metade  dos  eleitores  inscritos  no  recenseamento
(art.  115.º/11).  
Universo   eleitoral   –   tendencialmente,   o   referendo
tem   o   mesmo   universo   eleitoral   que   as  
eleições  para  o  Presidente  da  República  (arts.
115.º/12  e  124.º/2),  ou  seja,  têm  também  direito  
de   participação   no   referendo   os   cidadãos   portugueses
recenseados   no   território   nacional   e  
residentes  no  estrangeiro.  
o



 
2.3.2.  Referendo  local  –  art.  240.º  
Considera-‐se   referendo   local   o   referendo   que
tem   por   objecto   questões   de   relevante   interesse
local   que  
devam  ser  decididas  pelos  órgãos  autárquicos  municipais
ou  de  freguesia.  
 
2.3.3.  Referendo  regional  –  art.  323.º/2  
Entende-‐se  por  referendo  regional  o  referendo  incidente  sobre
questões  de  interesse  específico  regional,  no  
âmbito   das   Regiões   Autónomas   dos   Açores   e
da   Madeira.   A   iniciativa   compete   à   respectiva  
assembleia  
regional  e  o  universo  eleitoral  é  composto  pelos
cidadãos  eleitores  recenseados  no  respectivo  território.
 
Existem  outras  classificações  do  referendo.  
• Facultativo  e  obrigatório  –  o  referendo  obrigatório
é  “letra  morta”  na  Constituição.  
• Quanto  ao  objecto  –  constitucional,  convencional  e
legislativo.  
• Quanto  à  iniciativa  –  do  governo,  parlamentar  e
popular.  
• Quanto  à  eficácia  jurídica  –  consultivo  (apesar  de
um  referendo  não  chegar  ao  mínimo  exigível  
para  a  eficácia  vinculativa,  permite  conhecer  a  opinião
dos  cidadãos)  e  vinculativo.  
 
2.4.  Princípio  da  participação  (art.  9.º/c  e  109.º)
O  princípio  da  participação  política  está  estreitamente
conexionado  com  a  democratização  da  sociedade  –  
democratizar   a   democracia   através   da   participação  
significa   intensificar   a   participação   activa   e   directa
de  
homens  e  mulheres.  
 
 
3.  Princípio  democrático  e  direito  de  sufrágio  
   
O  sufrágio  é  um  instrumento  fundamental  de  realização
 do  princípio  democrático,  pois  é  através  dele
que  se  
legitima   democraticamente   a   conversão   da   vontade   em
poder,   se   estabelece   a   organização   legitimante   de
distribuição  dos  poderes  e  se  procede  à  criação  do
pessoal  político.  
 
 
 
 
Princípios  materiais  do  sufrágio  
 
3.1.  Princípio  da  universalidade  (art.  49.º/1)  
Todos   os   cidadãos   são   titulares   do   direito   de  
sufrágio,   quer   activo   (direito   de   votar),   quer  
passivo  
(capacidade  de  ser  eleito).  O  conceito  de  cidadania  aqui
expresso  é  a  cidadania  portuguesa.  
3.2.  Princípio  do  voto  directo  ou  imediato  (art.
10.º)  
Laura  Nunes  Vicente  –  Ano  Lectivo  2011/2012  

O   voto   tem   de   resultar   imediatamente   da  


manifestação   da   vontade   do   eleitor,   não   existindo
nenhum  
intermediário   entre   o   titular   da   soberania   o  
eleitor.   Com   este   princípio   pretende   assegurar-‐se
a  
fidedignidade  do  voto.  
No   sufrágio   indirecto   ou   mediato,   os   eleitores  
limitam-‐se   a   eleger   um   colégio   de   delegados  
eleitorais   que,  
por  sua  vez,  escolherão  os  candidatos.  
 
3.3.  Princípio  do  voto  livre  
A  afirmação  da  liberdade  do  voto  transporta  duas
dimensões:  
• Liberdade  de  votar  ou  não  –  o  sufrágio  é  um
dever  cívico  e  não  jurídico  (art.  49.º/2).  
• Liberdade  no  voto,  na  escolha.  
 
3.4.  Princípio  do  voto  secreto  (art.  10.º)  
O   cidadão   eleitor   guarda   para   si   a   sua  
decisão   de   voto,   sendo   este   princípio   uma
garantia   da   própria  
liberdade   de   voto.   Podemos   falar   em   pessoalidade   do
voto,   mas   não   em   presencialidade   (voto   por
correspondência).  
 
3.5.  Princípio  da  igualdade  do  voto  
A  igualdade  de  voto  compreende  duas  dimensões:
• Igualdade  em  peso  numérico  –  todos  os  votos  têm
a  mesma  eficácia  jurídica.  
• Igualdade  em  valor  de  resultado  –  a  mesma
consideração  para  a  distribuição  de  mandatos.  Esta
igualdade  deriva  dos  sistema  eleitoral  adoptado,  o  sistema
proporcional  (art.  149.º).  
 
3.6.  Princípio  da  periodicidade  do  voto  
A   periodicidade   vale   para   todos   os   actos  
eleitorais   e   está   relacionado   com   o   princípio
democrático,   que  
exige  a  renovação  da  legitimidade.  Impede-‐se,  assim,  a
vitaliciedade  de  mandatos.  
 
3.7.  Princípio  do  voto  único  
Este   princípio   não   está   consagrado   na  
Constituição,   contudo   vem   complementar   a   ideia   de
igualdade   do  
sufrágio,  sendo  um  corolário  lógico  deste.  Afirma  que
cada  cidadão  apenas  vota  uma  vez.  
 
 
4.  Princípio  democrático  e  sistema  eleitoral  
 
4.1.  Sistema  de  representação  proporcional  e  sistema
maioritário  
 
Sistema   eleitoral   –   modo   como   os   votos   são
  convertidos   em   mandatos,   neste   caso   em  
deputados   da  
Assembleia   da   República.   Este   sistema   eleitoral   é
diferente   do   sistema   eleitoral   para   Presidente   da
República,  que  é  maioritário  a  duas  voltas.  
 
Tipos  de  sistemas  eleitorais:  
4.1.1.  Sistema  maioritário    
• Característica   –   o   espaço   geográfico   está   dividido
em   círculos   uninominais,   cada   um  
dos  círculos  elege  o  deputado  que  venceu.  
• Origem   –   origem   inglesa,   recebendo   também   o  
nome   de   “modelo   de   Westminster”.  
Está  associado  ao  tipo  de  democracia  representativa.  
• Vantagens:  
o Governos  estáveis  e  funcionais;  
o Alternância  do  poder  através  do  sistema  bipartidário;
o Robustecimento  da  oposição.  
• Desvantagens:  
o Fraca  representatividade  e  proporcionalidade;  
o Dificuldade   de   controlo   do   poder   –   atenta   contra
o   princípio   da  
“accountability”.  
4.1.2.  Sistema  proporcional  
• Característica  –  o  espaço  geográfico  está  dividido
em  círculos  plurinominais,  havendo  
repartição  proporcional  entre  as  listas  de  candidatos
consoante  o  número  de  votos.  
• Origem   –   origem   francófona,   defendido   na   Revolução
  Francesa   (“o   Parlamento   deve  
ser  um  mapa  reduzido  do  povo”).  Associado  ao  tipo
de  democracia  participativa.    
• Vantagens:  
Laura  Nunes  Vicente  –  Ano  Lectivo  2011/2012  

Igualdade  material;  
Adequação   ao   pluripartidarismo,   favorecendo   a   representação
e   o  
aparecimento  de  pequenos  partidos;  
o Maior  controlo  e  transparência  do  poder.  
Desvantagens:  
o Escassa  personalização  da  escolha  do  eleitor;  
o Dificuldade   de   obtenção   de   maiorias   parlamentares,   muitas
vezes   colmatada  
com  coligações.  
o
o

 
4.2.    Sistema  eleitoral  na  Constituição  
 
4.2.1.  O  sistema  eleitoral  proporcional  na  Constituição
Os  princípios  fundamentais  do  sistema  eleitoral  constituem
 direito  constitucional  formal,  sendo  o  sistema  
eleitoral   proporcional   um   dos   limites   materiais   de
revisão   (art.   288.º/h).   Nas   eleições   para   a
Assembleia   da  
República,   a   Constituição   optou   concretamente   por   uma
  das   fórmulas   de   proporcionalidade,   o   método   de
Hondt   (art.   149.º/1).   Nos   outros   casos   de  
eleições   colegiais,   consagra-‐se   o   sistema   proporcional
mas   há  
liberdade  de  escolha  quanto  à  escolha  da  fórmula  de
proporcionalidade  (art.  113.º/5,  231.º/2  e  239.º/2).  
 
4.2.2.  À  procura  da  personalização  do  sistema  
Uma  das  críticas  dirigidas  ao  sistema  proporcional  é  a
impessoalidade  da  escolha  dos  representantes,  bem  
como  a  hipertrofia  do  monopólio  partidário.  Assim,  a
Revisão  Constitucional  de  1997  procurou  responder  a  
estas   críticas   através   da   flexibilização   do   sistema   eleitoral
  –   fórmulas   de   escrutínio   e   sistemas   de  
pessoalização:  
• Fórmulas   de   escrutínio   –   no   escrutínio   uninominal
(círculos   uninominais),   há   apenas   um  
mandato   a   preencher;   enquanto   que,   no   escrutínio
plurinominal   (círculos   plurinominais),   há  
vários   mandatos   a   preencher,   existindo   por  
isso   uma   lista.   Na   Revisão   Constitucional   de   97,
admitiu-‐se   a   coexistência   de   círculos   uninominais   e  
plurinominais,   sem   perturbar   o   sistema   de  
representação  proporcional.  
• Sistemas  de  pessoalização  do  voto  –  através  do
sistema  de  panachage  (possibilidade  de  escolha  
dos  nomes  dentre  os  propostos),  do  voto
preferencial  (possibilidade  de  modificação  da  ordem  
dos   candidatos),   e   do   sistema   de   duplo   voto  
(sistema   alemão,   que   conjuga   as   vantagens   da  
representação  proporcional  com  as  do  escrutínio
uninominal).  
 
 
5.  Princípio  democrático  e  sistema  partidário  
 
5.1.  A  constitucionalização  dos  partidos  políticos  
O  pluralismo  partidário,  ou  seja,  a  possibilidade
de  existência  de  vários  partidos,  é  um  elemento
essencial  
do  princípio  democrático,  estando  consagrado  na
Constituição.  
Este  princípio  resulta  de  vários  artigos  da  Constituição:
• Art.  2.º  -‐  consagra  o  princípio  do  Estado  de
Direito,  aludindo  ao  pluripartidarismo.  
• Art.  10.º/2  –  consagra  os  princípios  fundamentais
da  democracia.  
• Art.  51.º  –  possibilita  a  existência  de
associações.  
• Art.  288.º/i    –  pluralismo  enquanto  limite
material  de  revisão.  
 
5.2.  Partidos  políticos:  associações  privadas  com  funções
constitucionais    
 
Órgãos  estaduais  ou  constitucionais?  
Alguns   autores   defendem,   em   virtude   do   reconhecimento
constitucional   dos   partidos   políticos,   que   estes
são  órgãos  constitucionais.  Alguns  autores  chegam
mesmo  a  defender  o  seu  estatuto  de  órgãos  estaduais   –
contudo,   o   reconhecimento   de   relevância   jurídico-‐
constitucional   dos   partidos   não   corresponde   à   sua
 
estatização.   O   estatuto   constitucional   dos   partidos  
deriva   do   reconhecimento   da   liberdade   de   formação   dos
 
partidos   como   um   direito   fundamental   –   como  
tal,   estes   não   podem   ser   considerados   órgãos
constitucionais.  
 
Corporações  ou  associações  de  direito  público?  
Nem   constitucionais,   nem   estaduais,   os   partidos  
também   não   devem   qualificar-‐se   como   corporações
de  
direito   público,   pois,   do   seu   estatuto   subjectivo,
deriva   a   sua   caracterização   como   associações   de
direito  
privado.   A   sua   função   de   mediação   política  
(expressão   da   vontade   do   povo)   confere-‐lhes,   porém,   um
Laura  Nunes  Vicente  –  Ano  Lectivo  2011/2012  

estatuto   diferenciador   das   restantes   associações  


privadas.   Como   tal,   podemos   classificar   os   partidos
políticos  enquanto  associações  privadas  com  funções
constitucionais.  
 
5.3.  Liberdade  externa  e  liberdade  interna  
 
3.1.  Liberdade  externa  
• Liberdade   de   fundação   dos   partidos   políticos   (art.
51.º/1)   –   a   liberdade   externa   dos   partidos  
reconduz-‐se   fundamentalmente   à   liberdade   de   fundação
de   partidos   políticos.   Assim,   será  
inconstitucional  qualquer  regime  de  autorização  prévia
(art.  46.º/1).  
• Liberdade   de   actuação   partidária   –   como   corolário
da   liberdade   de   associação   partidária,  
ninguém  pode  ser  obrigado  a  fazer  parte  de  um
partido  ou  a  nele  permanecer  (art.  46.º/3).  
• Extinção  dos  partidos  políticos  –  pertence  ao  Tribunal
Constitucional  ordenar  a  extinção  de  um  
partido  político.  
 
3.2.  Liberdade  interna  
• Proibição  de  controlo  ideológico  ou  programático  (art.
51.º/3)  –  proibição  de  controlo  sobre  a  
ideologia  ou  organização  interna  dos  partidos.  Contudo,  são
proibidos  os  partidos  políticos  de  
ideologia  fascista,  proibição  esta  que  encontra  o  seu
fundamento  na  proibição  da  discriminação  
de  raças  (art.  13.º).  
• Admissibilidade   de   controlo   sobre   a   organização   interna
(art.   51.º/5)   –   apesar   da   clássica  
inadmissibilidade  de  controlo  sobre  a  organização
partidária,  a  4ª  Revisão  Constitucional  veio  
consagrar  um  conjunto  de  princípios  pelos  quais  os
partidos  se  devem  reger.  
 
5.4.  Princípio  da  igualdade  de  oportunidades  dos  partidos
políticos  
A   liberdade   partidária   é   inseparável   da   garantia
de   igualdade,   ou   seja,   o   reconhecimento   jurídico   a
todos   os  
partidos  de  iguais  possibilidades.    
Dimensões  da  igualdade  de  oportunidades:  
• Na   concorrência   eleitoral   (art.   113.º/3)   –  
distribuição   igual   da   propaganda   eleitoral   na  
rádio,  
televisão  e  imprensa  e  limitação  do  trabalho  de
publicidade  do  governo.  
• No   financiamento   dos   partidos   (art.   51.º/6)   –   o
financiamento   público   das   campanhas   dos  
partidos  é  justificado  pela  sua  importância  para
a  formação  da  opinião  dos  cidadãos.  
 
5.5.  Direito  de  oposição  democrática  
O   direito   de   oposição   democrática   é   um   direito  
decorrente   da   liberdade   de   opinião   e   da   liberdade
de  
associação   partidária.   Conexiona-‐se   com   outros   direitos
fundamentais,   como   os   direitos   de   reunião   e  
manifestação   e   o   próprio   princípio   democrático,   e
engloba   um   conjunto   de   direitos   de   oposição,   como
o  
direito  de  antena  (40.º/2).  
 
5.6.  Desobediência  civil  e  oposição  política  
Nos   últimos   tempo,   tem   sido   discutido   se   a
desobediência   civil   de   pode   considerar   como  
forma   de  
expressão   da   oposição   política.   A   desobediência   civil
entende-‐se   como   um   acto   público,   não   violento,
de  
protesto.   Contudo,   a   desobediência   civil   é   um   direito
de   qualquer   cidadão   e   encontra-‐se   plenamente  
justificada  constitucionalmente.  
 
 
6.  Princípio  democrático  e  princípio  maioritário  
 
O   princípio   maioritário   está   intrinsecamente  
conexionado   com   o   princípio   democrático,   e   baseia-‐
se   na  
concordância   da   maioria   para   o   estabelecimento  
vinculativo   de   uma   dada   ordenação   jurídica.  
Assim,   o   voto  
é  livre  e  igual  e  beneficia  de  uma  legitimidade
quantitativa  maioritária.  
Limites  do  princípio  maioritário:  
• Limites   externos   –   o   direito   da   maioria   é   sempre
um   direito   em   concorrência   com   o   direito   das
minorias.  
• Limites  internos  -‐    a  maioria  não  pode  assentar
numa  pretensão  absoluta  de  verdade.  
Não   existe   um   preceito   constitucional   a   reconhecer   o
princípio   maioritário,   valendo   este   como   princípio
constitucional  geral.  
 
 
 
Laura  Nunes  Vicente  –  Ano  Lectivo  2011/2012  

CAPÍTULO  III  
 
POSIÇÕES  JURÍDICAS:  DIREITOS  E  DEVERES  FUNDAMENTAIS  
 
I.  Semântica,  história  e  perspectivas  
 
1.  Semântica  
 
1.1.  Direitos  fundamentais  e  direitos  do  homem  
 
Os  direitos  do  homem  são  direitos  naturais  e
inalienáveis,  ou  seja,  posição  subjectivas  das  quais
o  homem  
goza  pelo  simples  facto  de  o  ser.  São  válidos
para  todos  os  povos  e  em  todos  os  tempos.  
Os  direitos  fundamentais  são  s  direitos  do  homem
incorporados,  reconhecidos  e  protegidos  efectivamente  
na   constituição.   Assim,   os   direitos   fundamentais   são
os   direitos   objectivamente   vigentes   numa   ordem  
jurídica  concreta.  
 
1.2.  Constitucionalização  e  fundamentalização  
 
Constitucionalização   (ou   positivação   constitucional)   –
designa-‐se   por   constitucionalização   a   incorporação  
de   direitos   subjectivos   do   homem   em   normas  
constitucionais,   tendo   como   principal   consequência   o
controlo  da  constitucionalidade  dos  actos  normativos
reguladores  destes  direitos,  como  forma  de  protecção  
dos  mesmos.  
 
Fundamentalização  (ou  fundamentalidade):  
• Formal   –   associação   aos   direitos   fundamentais   as
características   que   estão   ligadas   à  
constituição  em  sentido  formal.  Assim,  o  estatuto
constitucional  das  normas  consagradoras  de  
direitos  fundamentais  compreende  quatro  dimensões:  
o Valor  paramétrico;  
o Procedimento  agravado  de  revisão;  
o Limites  materiais  de  revisão  (art.  288.º/d  e  e);  
o Parâmetros   materiais   de   actuação   dos   órgãos  
legislativos,   administrativos   e  
jurisdicionais.  
• Material  –  o  conteúdo  dos  direitos  fundamentais  está
associado  a  exigências  materiais  ligadas  a  
necessidades   estruturantes   da   pessoa   humana.   A   ideia
de   fundamentalidade   fornece     suporte   à  
cláusula  aberta,  princípio  da  não  tipicidade  ou  norma
com  “fattispecie”  aberta  (3  notas):  
o Abertura  da  Constituição  a  direitos  material  mas  não
formalmente  constitucionais,  ou  
seja,  que  não  integram  o  texto  constitucional.  Está  em
causa  a  faculdade  de  reconhecer  
como   direitos   fundamentais   outros   direitos   positivados  
noutros   documentos   (art.  
16.º/1);  
o Abertura   da   Constituição   a   novos   direitos   fundamentais,
que   vão   emergindo   da  
realidade.  
o Aplicação   a   esses   outros   direitos   fundamentais   os  
traços   formais   que   valem   para   os  
direitos  fundamentais.  
 
2.  História  
 
A   doutrina   identifica   várias   gerações   ou   momentos   na
história   dos   direitos   fundamentais,   visto   que   o
seu  
reconhecimento   foi   progressivo   e  paulatino,  a  sua
densidade  aumentando  com  as  exigências  e  necessidades
da  realidade.  
 
2.1.  A  pré-‐história  
Na   antiguidade,   ainda   não   era   reconhecida   a
existência   de   direitos   do   homem   –   basta   considerar
,   por  
exemplo,  que  Platão  e  Aristóteles  entendiam  o  estatuto
de  escravidão  como  algo  de  natural.  Apesar  de
no  
mundo  romano  encontrarmos  já  a  ideia  de  igualdade
natural  e  a  ideia  de  humanidade,  esta
encontrava-‐se  
no  terreno  da  filosofia  e  da  doutrina  política,  não
conseguindo  converter-‐se  em  categoria  jurídica.  
As   concepções   cristãs   medievais   abriram   o   caminho
para   a   submissão   do   direito   positivo   às   normas  
jurídicas   fundamentais   –   contudo,   os   direitos   consagrados
as   cartas   de   franquias   medievais   (das   quais
se  
destacam  a  Magna  Carta  de  1215)  eram  direitos
estamentais,  ou  seja,  direitos  corporativos  da
aristocracia  
feudal  em  face  do  seu  suserano.  
Laura  Nunes  Vicente  –  Ano  Lectivo  2011/2012  

A   quebra   de   unidade   religiosa   e   a   aparição   de


minorias   religiosas   introduz   a   concepção   da   liberdade
  de  
religião   e   crença   como   um   direito   inalienável   do
homem,   dando   o   primeiro   passo   para   a   passagem
dos  
direitos   estamentais   para   os   direitos   individuais.   É,
porém,   o   contratualismo   jusracionalista   que   vem
afirmar   um   conjunto   de   direitos   naturais   pertencentes   ao
homem,   primeiro   com   Hobbes   e,   depois,   com  
Locke.    
 
2.2.  Momento  liberal  –  direitos  de  defesa  
Contudo,   enquanto   que   as   ideias   contratuais   de  
Hobbes   culminam   na   legitimação   do   poder   absoluto,
em  
Locke   o   contratualismo   reage   contra   o   processo   de  
absolutização,   contribuindo   decisivamente   para   a   teoria
liberal  dos  direitos  fundamentais.  
Os   direitos   fundamentais   liberais   são   direitos   de  
defesa,   ou   seja,   são   direitos   que   consistem
na   defesa   de  
uma  esfera  de  autonomia,  liberdade  e  autodeterminação
do  cidadão,  correspondendo  a  um  dever  do  Estado  
de  não  ingerência.  
Estes  direitos  são  consagrados  nas  declarações  de  direitos
do  homem  oitocentistas  (finais  do  século  XVIII).  
 
2.3.  Momento  democrático  –  direitos  de  participação
política  
Na  época  clássica,  apenas  uma  parte  dos  cidadãos
podia  tomar  parte  na  vida  política,  o  mesmo
sucedendo  
na   época   liberal,   devido   ao   sufrágio   censitário.  
Apesar   de   na   época   liberal   já   se   consagrarem  
direitos   de  
participação  política,  estes  reservavam-‐se  a  uma  parte
da  população,  sendo  que  a  verdadeira  democracia
só  
surge  no  século  XIX,  com  o  sufrágio  universal.  
 
Estes   dois   tipos   de   direitos   –   direitos   de   defesa
e   direitos   de   participação   política   –   visam  
reconhecer   um  
espaço  de  autonomia  aos  cidadãos,  quer  para  a  sua
autodeterminação,  quer  para  a  sua  participação  livre
e  
autónoma  na  vida  política.  
 
2.4.  Momento  social  –  direitos  a  prestações  
A  luta  das  classes  trabalhadoras  e  as  teorias
socialistas  vêm  provocar  uma  alteração  radical  na  concepção  
dos   direitos   do   homem,   que   deixam   de   ser  
esferas   individuais   de   abstenção   do   Estado   para
exigirem  
também   a   intervenção   estadual.   Este   momento  
social   vem   radicar   a   ideia   da   necessidade   de
garantir   o  
homem  no  plano  económico,  social  e  cultural  através
de  prestações,  ideia  esta  que  foi  introduzida  no
século  
XX,  com  a  Constituição  de  Weimar.    
 
2.5.  Momento  da  tecnociência  –  os  direitos  de  “terceira
geração”  
A   partir   da   década   de   60,   começa   a  
desenhar-‐se   uma   nova   categoria   de   direitos  
humanos,   vulgarmente  
chamados   direitos   de   terceira   geração.   Estes   novos  
direitos   só   podem   ser   compreendidos   à   luz   de
uma  
abordagem  histórica  e  transversal,  e  não  de  uma
titularidade  subjectiva.  
Exemplos  de  direitos  de  terceira  geração:  
• Direito  à  autodeterminação;  
• Direito  ao  património  comum  da  humanidade;  
• Direito  a  um  ambiente  sustentável;  
• Direito  à  paz.  
 
A  designação  de  “gerações”  de  direitos  não  é,
contudo,  correcta,  pois  os  direitos  são  de  todas  as
gerações.  
Deve-‐se,  por  isso,  falar  em  momentos  ou  dimensões  de
direitos.    
 
 
II.  Tipologia  dos  direitos  fundamentais  
 
1.  A  Constituição  de  1976:  direitos,  liberdades  e
garantias  e  direitos  económicos,  sociais  e  culturais  
 
A  Constituição  de  1976  veio  sistematizar  os
direitos  fundamentais  em  direitos,  liberdades  e  garantias
e  em  
direitos  económicos,  sociais  e  culturais.  
Esta   sistematização   corresponde   à   divisão   presente   nos
dois   pactos   internacionais   da   União   Europeia,  
assinados  na  sequência  da  Declaração  dos  Direitos  do
Homem  e  do  Cidadão:  
• Direitos  civis  e  políticos  (correspondentes  aos  direitos,
liberdades  e  garantias);  
• Direitos  económicos,  sociais  e  culturais.  
Encontramos,   porém,   outra   forma   de   sistematização   dos
  direitos   fundamentais,   presente   na   Carta   de  
Direitos  Fundamentais  da  União  Europeia,  de  acordo  com
os  valores  fundamentais.  
 
Laura  Nunes  Vicente  –  Ano  Lectivo  2011/2012  

Classificação  dos  direitos  fundamentais:  


• Direitos  do  homem  –  direitos  pertencentes  ao  homem
enquanto  tal.  
• Direitos  do  cidadão  –  direitos  pertencentes  ao  homem
enquanto  ser  social.  
 
• Direitos  naturais  –  direitos  do  homem.  
• Direitos  civis  –  direitos  pertencentes  ao  homem
enquanto  cidadão.  
o Direitos   civis   –   reconhecidos   a   todos   os   homens
que   vivem   em   sociedade.   Depois   de  
esvaziados   dos   direitos   políticos,   os   direitos   civis
passam   a   designar-‐se   direitos   ou  
liberdades  individuais.  
o Direitos  políticos  –  só  são  atribuídos  aos  cidadãos
activos.  
 
• Direitos;  
• Garantias   –   rigorosamente,   os   direitos   também   são  
garantias,   apesar   de   se   traduzirem   no  
direito  dos  cidadãos  a  exigir  dos  poderes  públicos  a
protecção  dos  seus  direitos,  bem  como  no  
reconhecimento  de  meios  processuais  adequados  a  essa
finalidade.  
 
• Direitos,  liberdades  e  garantias;  
• Direitos  económicos,  sociais  e  culturais.  
 
1.1.  Direitos,  liberdade  e  garantias  
Critérios  para  a  classificação,  tradicional,  de  direitos,
liberdades  e  garantias:  
1. Critério  do  radical  subjectivo  –  de  acordo  com  este
 critério,  os  direitos,  liberdades  e  garantias  
seriam   direitos   com   referência   pessoal   ao   homem
individual,   ou   seja,   como   uma   função   e  
titularidade   subjectiva.   Trata-‐se   de   um   critério   não
  constitucionalmente   adequado,   visto   que  
existem   alguns   direitos,   liberdades   e   garantias
que   só   podem   ser   titulados   por   pessoas  
colectivas  (ver  arts.  40.º,  54.º,  56.º  e
57.º).  
2. Critério  da  natureza  defensiva  ou  negativa  –  numa
lógica  de  compreensão  liberal,  os  direitos,  
liberdades  e  garantias  seriam  direitos  que  teriam  como
destinatário  o  Estado  e,  como  objecto,  a  
obrigação   de   abstenção   do   mesmo   relativamente   à  
esfera   jurídico-‐subjectiva   dos   cidadãos.  
Trata-‐se,  de  novo,  de  um  critério  não  constitucionalmente
adequado:  
a. Existem   direitos,   liberdades   e   garantias   que
são   direitos   positivos   a   acções   ou  
prestações  do  Estado  (art.  40.º  e  35.º);  
b. Os   destinatários   dos   direitos,   liberdades   e  
garantias   não   são   apenas   os   poderes  
públicos,   mas   também   as   entidades   privadas   (art.
36.º/3   –   direitos   dos   cônjuges,   art.  
53.º  e  57.º);  
c. Existem   direitos,   liberdades   e   garantias   que
exigem   o   cumprimento,   por   parte   do  
Estado,  do  dever  de  protecção,  como  o  direito
à  vida  (art.  24.º/1).  
3. Critério   da   determinação   ou   determinabilidade   constitucional
do   conteúdo   –   os   direitos,  
liberdades   e   garantias   são   aqueles   direitos   cujo
conteúdo   é   essencialmente   determinado,   ou  
determinável,   ao   nível   das   opções   constitucionais.
Assim,   não   serão   direitos,   liberdades   e  
garantias   aqueles   direitos   cujo   conteúdo   é   essencialmente
determinado   por   opções   do  
legislador  ordinário.  Este  critério  depara  igualmente
com  dificuldades,  principalmente  devido  à  
existência   de   direitos,   liberdades   e   garantias   que
  dependem   de   actos   legislativos  
concretizadores   (como   é   exemplo   o   direito   à   greve).
Contudo,   aponta   para   duas   dimensões  
distintivas   dos   direitos,   liberdades   e   garantias
–   a   aplicabilidade   directa   e   a   densidade  
normativa  suficiente  para  valerem  na  ausência  de  lei
ou  mesmo  contra  ela.  
4. Traços  distintivos  dos  direitos,  liberdades  e  garantias:
 
a. Aplicabilidade  directa  –  devido  à  pretensão  jurídica
individual  a  nível  constitucional.  
b. Determinabilidade  constitucional  do  conteúdo  –  dispensa  de
legislação  ordinária.  
c. Exequibilidade   autónoma   –   independência   da   mediação  
concretizadora   ou  
densificadora  dos  poderes  públicos.  
 
1.2.  Direitos  económicos,  sociais  e  culturais  
Os  direitos  económicos,  sociais  e  culturais  (Título
III),  serão  os  direitos  sujeitos  ao  regime  geral  dos
direitos  
fundamentais,   mas   que   não   beneficiam   do  
regime   especial   dos   direitos,   liberdades   e  
garantias.   Muitos  
destes  direitos  consistem  em  direitos  a  prestações  ou
a  actividades  do  Estado,  embora  alguns  possuam  uma
natureza  defensiva  (como  o  direito  de  iniciativa
privada,  art.  61.º  e  62.º)  e  outros  tenham
como  destinatário  
não   apenas   o   Estado,   mas   também   a   generalidade
dos   cidadãos   (como   o   direito   dos   consumidores,  
art.   60.º,  
e  arts.  60.º  e  69.º).  
Laura  Nunes  Vicente  –  Ano  Lectivo  2011/2012  

 
1.3.  Direitos  de  natureza  análoga  aos  direitos,  liberdades
e  garantias    
O  art.  17.º  menciona  uma  categoria  de  direitos  –
os  direitos  de  natureza  análoga  aos  direitos,  liberdades
e  
garantias.   Estes   direitos   de   natureza   análoga   são  
direitos   que,   apesar   de   não   constarem   no  
catálogo   dos  
direitos,   liberdades   e   garantias,   gozam   do   seu
regime   especial.   Podem,   assim,   encontrar-‐se   entre
os   direitos  
económicos,  sociais  e  culturais,  ou  entre  os  restantes
direitos  fundamentais  dispersos.    
Contudo,   a   determinação   dos   contornos   destes  
direitos   de   natureza   análoga   não   está   isenta   de
dificuldades.  
O  Dr.  Gomes  Canotilho  propõe  a  seguinte  metódica  para
 a  captação  da  natureza  análoga  de  um  direito:  
 
 
DIREITOS,  LIBERDADES  E  GARANTIAS  DE  NATUREZA  ANÁLOGA  
De  participação  
 
Pessoais  
Dos  trabalhadores  
política  
Direitos   (positivos)   –   Direito   pessoal   de   Direito  
de   Direito   de   n.a.   dos  
direitos   inerentes   ao   natureza  
análoga   participação   política   trabalhadores    
homem   como   indivíduo   (n.a.)  
de  n.a.  
ou   como   participante   na  
vida  política.  
Liberdades   (negativos)   –   Liberdade   pessoal   Liberdade
de   Liberdade  de  n.a.  dos  
defesa   da   esfera   jurídica   de  n.a.  
participação   política   trabalhadores  
dos   cidadãos   perante   os  
de  n.a.  
poderes  políticos.  
Garantias   (processuais)   Garantia   pessoal   de   Garantia  
de   Garantia   de   n.a.   dos  
–   garantias   ou   meios   n.a.  
participação   política   trabalhadores  
processuais   adequados  
de  n.a.  
para   a   defesa   dos  
direitos.  
 
 
1.4.  Direitos  fundamentais  dispersos  
São   direitos   fundamentais   que   se   encontram   fora
do   catálogo   (arts.   24.º   -‐   79.º).   Alguns   destes
direitos  
gozam   de   natureza   análoga   aos   direitos,   liberdades
e   garantias,   enquanto   que   outros   se   aproximam
dos  
direitos  sociais.  Ver  exemplo  do  art.  268.º/4.  
 
1.5.  Direitos  só  materialmente  fundamentais  
O  art.  16.º/1  consagra  o  princípio  da  cláusula
aberta,  também  chamado  de  princípio  da  não  tipicidade
ou  da  
norma   com   “fattispecie”   aberta,   que   reconhece   a
existência   de   direitos   fundamentais   fora   do   texto  
constitucional.   Assim,   em   virtude   de   as   normas   que
os   reconhecem   e   protegem   não   terem   a   forma
constitucional,  estes  direitos  são  chamados  de  direitos
fundamentalmente  constitucionais.  
 
1.6.  Direitos  só  formalmente  fundamentais  
Não  existem  direitos  fundamentais  apenas  formalmente
constitucionais,  pela  mesma  lógica  segundo  a  qual
não  existem  normas  constitucionais  que  o  sejam  apenas
a  nível  formal.  
 
2.  Funções  dos  direitos  fundamentais  
As  funções  dos  direitos  fundamentais  são  quatro  e
foram  sendo  historicamente  assumidas.  
 
2.1.  Função  de  defesa  
Função  de  defesa  da  pessoa  humana  e  da  sua
dignidade  perante  os  poderes  do  Estado.  
Dupla  perspectiva:  
• Direitos   enquanto   normas   de   competência   negativa   para
os   poderes   públicos,   proibindo   as  
ingerência  destes  na  esfera  jurídica  individual:  
• Direitos  enquanto  faculdades  de  exercício  positivo  dos
mesmos  pelos  cidadãos.  
 
 
2.2.  Função  de  prestação  social  
Direitos  a  prestações  são  direitos  do  particular  a
obter  algo  através  do  Estado  (saúde,  educação  e
segurança  
social).  Assim,  o  Estado  é  chamado  a  garantir  um
conjunto  de  bens  fundamentais  –  Estado  social.  
 
Laura  Nunes  Vicente  –  Ano  Lectivo  2011/2012  

2.3.  Função  de  protecção  perante  terceiros  


Nesta  função,  o  eixo  das  relações  que  se  estabelecem
já  não  é  entre  o  indivíduo  e  o  Estado,  mas  sim
entre  
indivíduos.  O  “outro”  pode  constituir  uma  condição  de
desenvolvimento,  mas  também  uma  ameaça.  Assim,  
alguns   direitos   impõem   um   dever   ao   Estado   no  
sentido   de   este   proteger   perante   terceiros   os  
titulares   de  
direitos  fundamentais,  assegurando  uma  coexistência  pacífica.
É  exemplo  o  direito  à  vida  (art.  24.º),
apesar  
de  nele  também  podermos  encontrar  uma  dimensão
prestacional.  
 
2.4.  Função  de  não  discriminação  
A   partir   do   princípio   da   igualdade   e   dos
direitos   específicos   de   igualdade   constitucionalmente  
consagrados,  
deduz-‐se   a   função   de   não   discriminação   dos  
direitos   fundamentais.   Trata-‐se,   aqui,   de   assegurar
que   o  
Estado   trata   os   seus   cidadãos   como  
fundamentalmente   iguais.   Inclui   também   a   função   de  
criar  
discriminações  positivas,  como  a  criação  de  cotas
para  a  participação  das  mulheres  na  política.  
 
 
III.  Regime  geral  dos  direitos  fundamentais  
 
Três  notas:  
1.  Existe  um  regime  geral  de  direitos  fundamentais.
2.  Este  regime  é  comum  aos  direitos,  liberdades
e  garantias  e  aos  direitos  económicos,  sociais  e
culturais.  
3.  Existe  uma  mais-‐valia  para  os  direitos,  liberdades
 e  garantias  –  um  regime  específico.  
 
O  regime  geral  dos  direitos  fundamentais  compreende
3  princípios:  
• Princípio  da  universalidade;  
• Princípio  da  igualdade;  
• Princípio  do  acesso  ao  direito  e  da  garantia
jurisdicional  efectiva  (remissão).  
 
1.  Princípio  da  universalidade  
O  primeiro  princípio  geral  dos  direitos  (e  deveres)
fundamentais  consiste  na  sua  universalidade  –  ou  seja,
todas  as  pessoas,  pelo  simples  facto  de  o  serem,
são  titulares  de  direitos  fundamentais.    
 
1.1.  Princípio  da  universalidade  em  sentido  restrito  
Este  princípio  está  consagrado,  no  seu  sentido  restrito,
no  art.  12.º/1,  que  afirma  que  “todos  os  cidadãos”
são   titulares   dos   direitos.   Contudo,   este  
artigo   não   confirma   a   universalidade   da   titularidade
dos   direitos  
fundamentais.  
 
1.2.  Princípio  da  universalidade  e  equiparação  entre
portugueses  e  estrangeiros  como  regra  
Este   artigo   deve   ser   tomado   em   conjunto   com
o   art.   12.º/1   na   compreensão   do   princípio   da
universalidade.  
Assim,   os   direitos   fundamentais   não   serão   apenas
dos   cidadãos   portugueses,   mas   também   dos  
estrangeiros  
e   apátridas.   A   equiparação   dos   cidadãos  
estrangeiros   e   dos   apátridas   aos   cidadãos  
portugueses   vale   para  
todos  os  direitos,  salvo  disposição  em  contrário.  
Admitem-‐se,   contudo,   excepções   a   este   princípio
de   equiparação,   através   da   delimitação   de   círculos   de
cidadania    –  a  resposta  à  pergunta  “será  que
todos  têm  todos  os  direitos?”  é  negativa.  
 
Círculos  de  cidadanias  (art.  15.º):  
• Direitos  reservados  aos  cidadãos  portugueses  (art.
15.º/2)  –  os  direitos  políticos  (art.  121.º/1  –  
direitos   eleitorais)   e   o   exercício   das   funções
públicas   que   não   tenham   carácter  
predominantemente   técnico   (art.   275.º/2   –   serviço   nas
Forças   Armadas)   são   direitos  
fundamentais   exclusivamente   pertencentes   aos   cidadãos  
portugueses.   Admitem-‐se   aqui   outros  
direitos   reservados   pela   Constituição   e   pela   lei
  aos   cidadãos   portugueses,   porém   a   lei   não
  é  
livre  no  estabelecimento  de  outras  exclusões  de  direitos  aos
estrangeiros.  
O  nº  4,  introduzido  com  a  2ª  Revisão  Constitucional,
é  uma  excepção  ao  nº2  do  art.  15.º,  pois  
consente   a   extensão   aos     estrangeiros   residentes
em   Portugal   de   um   direito   político,   a  
capacidade  eleitoral  nas  eleições  dos  titulares  das  autarquias
locais.  Este  direito  está  sujeito  à  
cláusula  de  reciprocidade.    
• Direitos   dos   cidadãos   dos   países   de   língua  
portuguesa   (art.   15.º/3)   –   o   nº3   do   artigo  
15.º  
estabelece  um  regime  privilegiado  para  os  estrangeiros
que  sejam  cidadãos  de  países  de  língua  
portuguesa,  contudo  esta  extensão  está  dependente  da
sua  residência  permanente  em  Portugal  
e  da  cláusula  de  reciprocidade  com  a  constituição  do
país  de  origem.  É  exemplo  a  capacidade  
eleitoral  activa  e  passiva.  
Laura  Nunes  Vicente  –  Ano  Lectivo  2011/2012  

Direitos  dos  cidadãos    de  outros  Estados-‐membros  da


União  Europeia  (art.  15.º/5)  –  traduz  a  
refracção,   na   ordem   constitucional   portuguesa,   da   cidadania
  europeia.   A   cidadania   europeia  
não   é   uma   categoria   política   estática,   estando
aberta   ao   aprofundamento   da   integração  
europeia.    
O  nº  5  do  art.  15.º  foi  introduzido  com  a
1ª  Revisão  Constitucional  e  consagra  o  alargamento  de
alguns   direitos   políticos   pertencentes   aos   cidadãos
portugueses   aos   cidadãos   de   Estados-‐
membros  da  União  Europeia  (como  o  nº  4).    

 
Direitos  dos  portugueses  no  estrangeiro  (art.  14.º):
Os  direitos  fundamentais  valem  também  para  o
cidadãos  não  residentes  no  território  nacional,  que  têm
os  
mesmos   direitos   e   deveres   dos   cidadãos   portugueses
residentes   em   Portugal,   salvo   aqueles   que   sejam
incompatíveis   com   a   ausência   do   país   (algo   que
  terá   de   ser   determinado   caso   a   caso).
Os   cidadãos  
portugueses  nessas  condições  também  têm  direito  à  protecção
do  Estado  para  o  exercício  desses  direitos,  
estabelecendo-‐se  uma  discriminação  positiva.    
 
A  questão  das  pessoas  colectivas  (art.  12.º/2)  
A   Constituição   reconhece   expressamente   a   capacidade
de   gozo   de   direitos   às   pessoas   colectivas,   superando
 
assim   uma   concepção   de   direitos   fundamentais  
exclusivamente   centrada   sobre   os   indivíduos.   Contudo,   é
necessário   responder   às   seguintes   perguntas:   qual
o   sentido   de   pessoas   colectivas   usado?   Todas   as
pessoas  
colectivas  gozam  de  direitos  fundamentais?  
 
Existem  dois  tipos  de  pessoas  colectivas:  
• Pessoas  colectivas  de  direito  privado;  
• Pessoas  colectivas  de  direito  público.  
 
As  pessoas  colectivas  não  podem  ser  titulares  de
todos  os  direitos  fundamentais,  mas  apenas  daqueles  que  
sejam   compatíveis   com   a   sua   natureza.   Este
problema   deverá   ser   resolvido   casuisticamente.   Não
  serão  
aplicáveis,  por  exemplo:  
• Direito  à  vida  e  à  integridade  pessoal;  
• Direito  de  constituir  família.  
 
Levanta-‐se  também  a  questão  da  titularidade  de  direitos
por  parte  das  pessoas  colectivas  de  direito  público,
opondo-‐se  uma  tese  negativa  e  positiva.  
Argumentos  da  tese  negativa  –  impossibilidade  da
titularidade:  
1. Argumento  da  natureza  dos  direitos  –  os  direitos
fundamentais  são  direitos  de  defesa  perante  
os  poderes  públicos,  logo  não  faz  sentido  reconhecer
às    entidades  públicas  estes  direitos.  
2. Argumento   da   confusão   –   se   as   pessoas   colectivas
de   direito   público   fossem   titulares   de  
direitos,  então  seriam  simultaneamente  titulares  e
destinatárias  dos  mesmos.  
Argumentos  da  tese  positiva  –  possibilidade  e  limites:
1. Argumento  literal  –  a  Constituição  não  distingue
entre  pessoas  colectivas  de  direito  público  e  
de  direito  privado.  
2. Algumas   pessoas   colectivas   gozam   de   uma   posição
de   infraordenação   em   relação   ao   Estado,  
podendo   como   tal   ocorrer   situações   de   conflito
entre   elas.   Assim,   as   pessoas   infraestaduais  
terão  de  ser  titulares  de  direitos  fundamentais.  
 
Direitos  fundamentais  colectivos  e  direitos  fundamentais
de  exercício  colectivo  
1. Direitos  fundamentais  colectivos  –  assim  como
certos  direitos  fundamentais  pressupõem  uma  
referência   humana,   não   sendo   susceptíveis   de   gozo
e   exercício   por   parte   de   pessoas   colectivas,
também   existem   na   Constituição   direitos   cuja  
titularidade   é   inerente   às   pessoas   colectivas  
como  tais  (ver  arts.  40.º,  direito  de  antena,
54.º,  56.º  e  57.º).    
2. Direitos   fundamentais   de   exercício   colectivo   –  
existem   também   direitos   cuja   titularidade   é  
individual,  mas  que  só  se  podem  exercer  colectivamente
(exemplo  –  o  direito  à  greve).  
 
Titularidade  e  capacidade  de  exercício  de  direitos  
A   distinção   do   direito   privado   entre   capacidade
de   gozo   de   direitos   (ou   titularidade)   e  
capacidade   de  
exercício   não   terá   qualquer   utilidade   no   direito
constitucional.   Por   um   lado,   porque   não   faz
sentido  
reconhecer   direitos   fundamentais   insusceptíveis   de   ser  
exercidos;   por   outro   lado,   esta   restrição  
pode   ser  
um  expediente  para  a  restrição  inconstitucional  de
direitos.  
 
Laura  Nunes  Vicente  –  Ano  Lectivo  2011/2012  

 
2.  Princípio  da  igualdade  (art.  13.º)  
 
2.1.  Da  igualdade  formal  à  igualdade  material  
Um  dos  princípios  estruturantes  do  regime  geral  dos
direitos  fundamentais  é  o  princípio  da  igualdade,  que
tem   como   base   o   princípio   da   dignidade  
social   de   todos   os   cidadãos.   Considera-‐se   que
o   princípio   da  
igualdade   é   um   dos   princípios   estruturantes   do  
sistema   constitucional,   visto   conjugar   dialecticamente
as  
dimensões  liberais,  democráticas  e  sociais  do  Estado  de
Direito  democrático  e  social:  
• Dimensão  liberal  –  ideia  de  igual  status  social
de  todas  as  pessoas,  independentemente  do  
nascimento,  perante  a  lei,  geral  e  abstracta.  
• Dimensão  democrática  –  ideia  de  igualdade  na
participação  da  vida  política.    
• Dimensão  social  –  eliminação  das  desigualdades  de
facto  para  se  assegurar  uma  igualdade  
material.  
 
Esta  igualdade  é,  desde  logo,  a  igualdade  formal  –
que  também  recebe  o  nome  de  liberal  ou  jurídica
-‐,  que  
corresponde   ao   que   está   consagrado   no   art.  
13.º/1.   Assim,   podemos   afirmar   que   a   Constituição
acolhe   a  
versão  historicamente  adquirida  da  fórmula  clássica  do
princípio  da  igualdade,   que   veio   pôr   fim
ao   sistema  
de  privilégios  do  antigo  regime  e  se  traduz  na
exigência  de  igualdade  de  aplicação  do  direito.    
 
Mas  o  alcance  da  protecção  constitucional  do  conteúdo,  quer
 quanto  ao  âmbito,  quer  quanto  ao  conteúdo,  
não   fica   por   aqui.   Num   dado   momento   da
História,   o   Estado   “cão   de   guarda   nocturno”  
entra   em   crise   e  
exige-‐se,  para  além  de  uma  igualdade  formal  –
igualdade  perante  a  lei  –,  uma  igualdade  material  –
igualdade  
na  criação  e  através  da  lei.  
O  âmbito  de  protecção  do  princípio  da  igualdade  abrange,
na  ordem  constitucional  portuguesa,  as  seguintes  
dimensões:  
• Proibição  do  arbítrio;  
• Proibição  de  discriminação;  
• Obrigação  de  diferenciação.  
 
2.2.  O  princípio  da  proibição  do  arbítrio  
A   proibição   do   arbítrio   constitui   um   limite  
externo   da   liberdade   de   conformação   ou   de   decisão
dos   poderes  
públicos,  como  princípio  negativo  de  controlo.  Assim,
existirá  observância  de  igualdade  quando  indivíduos  
ou  situações  iguais  não  são  arbitrariamente  tratados  como
desiguais,  e  assim  este  princípio  tem  de  andar  
sempre   ligado   a   um   fundamento   material   ou   critério
material   objectivo.   Este   critério   costuma   ser  
sintetizado  em  3  notas:  
• Fundamento  sério;  
• Sentido  legítimo;  
• Estabelecimento  de  uma  diferenciação  jurídica  com  fundamento
razoável.  
Contudo,  a  vinculação  do  legislador  ao  princípio  da
igualdade  não  elimina  a  sua  liberdade  de  conformação  
legislativa,   pois   a   ele   pertence,   dentro   dos
  limites   constitucionais,   definir   ou   qualificar   as
situações   que  
poderão  funcionar  como  elementos  de  referência  a  um
tratamento  igual  ou  desigual.  
 
2.3.  Princípio  da  proibição  da  discriminação  
O   princípio   da   proibição   da   discriminação,  
consagrado   no   art.   13.º/2   ,   não   significa   uma
  exigência   de  
igualdade  absoluta  em  todas  as  situações,  nem  proíbe
diferenciações  de  tratamento.    
Consagra   um   conjunto   de   factores   discriminatórios  
ilegítimos,   que   correspondem   aos   mais   frequentes
e  
historicamente   mais   significativos.   Contudo,   esta  
lista   não   tem   um   carácter   exaustivo,   sendo  
puramente  
enunciativo.  
Assim,   exige-‐se   que   as   medidas   de   diferenciação
sejam   materialmente   fundadas   sob   o   ponto   de   vista
da  
segurança   jurídica,   da   proporcionalidade   e   da   justiça,
não   se   baseando   num   motivo   constitucionalmente  
impróprio.  
 
2.4.  Princípio  da  obrigação  de  diferenciação  
A  obrigação  de  diferenciação  vem  compensar  a  desigualdade
de  oportunidades,  confirmando  a  função  social  
do   princípio   de   igualdade,   ou   seja,   o   dever
de   atenuação   das   desigualdades   fácticas   (sociais,
culturais   e  
sociais)  pelos  poderes  públicos,  através  de  discriminações
positivas.  
Diferenciação   e   discriminação   não   são   conceitos
equivalentes   pois,   numa   situação   de   diferenciação,   não
 
existe   necessariamente   discriminação.   A   discriminação  
negativa   é   uma   diferenciação   ilegítima,   enquanto  
que  discriminação  positiva  já  é  um  tipo  de
diferenciação  legítima.    
Laura  Nunes  Vicente  –  Ano  Lectivo  2011/2012  

 
2.5.  Princípio  da  igualdade  perante  os  encargos  públicos  
O  princípio  da  igualdade  perante  os  encargos  públicos  é
outra  manifestação  do  princípio  da  igualdade,  que  
afirma  que  estes  devem  ser  objecto  de  igualdade
material.  O  seu  sentido  tendencial  é  o  seguinte:  
• Os  encargos  públicos  devem  ser  repartidos  de  forma
igual  pelos  cidadãos;  
• No  caso  de  existir  um  sacrifício  especial  de  um
indivíduo  ou  grupo  de  indivíduos  justificado  por  
razões  de  interesse  público,  deve  estabelecer-‐se  uma
indemnização  ou  compensação.  
 
2.6.  Direitos  especiais  de  igualdade  
Ao   lado   do   princípio   geral   da   igualdade,   que
  encontra   a   sua   positivação   constitucional   no  
artigo   13.º,   a  
Constituição  consagra  um  conjunto  de  direitos  específicos
ou  especiais  de  igualdade,  que  visam  efectivar  o  
princípio   material   de   igualdade.   Estes   direitos  
específicos   valem   como   lex   specialis   relativamente
ao  
princípio   geral,   e   como   tal   sobrepõem-‐se   ou   têm
  preferência   sobre   os   preceitos   do   art.  
13.º/1,   que   vale  
como  lex  generalis.    
 
 
IV.  Regime  específico  dos  direitos,  liberdades  e
garantias  
 
Os   direitos,   liberdades   e   garantias   e   os  
direitos   de   natureza   análoga   beneficiam   de   um   regime
específico,   ou  
seja,  uma  disciplina  jurídico-‐constitucional  específica  que
goza  dos  seguintes  traços  caracterizadores:  
• Aplicabilidade  directa;  
• Vinculatividade  de  entidades  públicas  e  privadas;  
• Reserva  da  lei  para  a  sua  restrição;  
• Princípio  da  autorização  constitucional  expressa  para  a
sua  restrição;  
• Princípio  da  proporcionalidade  das  leis  restritivas;  
• Princípio  da  generalidade  e  abstracção  das  leis
restritivas;  
• Princípio  da  não  retroactividade  de  leis  restritivas;  
• Princípio  da  salvaguarda  do  núcleo  essencial;  
• Limitação  da  possibilidade  de  suspensão  nos  casos  do
estado  de  sítio  e  de  emergência;  
• Garantia  do  direito  de  resistência;  
• Garantia  da  responsabilidade  do  Estado  e  demais
entidades  públicas;  
• Garantia  perante  o  exercício  da  acção  penal  e  a
adopção  de  medidas  de  polícia;  
• Garantia  contra  leis  de  revisão  restritivas.  
 
1.  Aplicabilidade  directa  (art.  18.º/1,  segmento  1)  
Esta  cláusula  de  aplicabilidade  directa  ganhou  inspiração
na  Lei  Fundamental  de  Bona,  e  implica  o  fim  da
doutrina  das  liberdades.    
Os  direitos,  liberdades  e  garantias  são  directamente
aplicáveis  porque:  
• Valem  constitucionalmente  como  normas  definidoras  de
posições  jurídicas;  
• Aplicam-‐se   sem   necessidade   de   interposição  
conformadora   de   outras   entidades,  
nomeadamente  o  legislador;  
• Constituem  direito  actual  e  eficaz.  
Assim,  a  aplicabilidade  directa  permite:  
• Invocar  as  normas  consagradoras  de  direitos,  liberdades
e  garantias  na  ausência  de  lei;  
• Invocar   a   invalidade   de   actos   normativos   que
infrinjam   os   preceitos   consagradores   de   direitos,  
liberdades  e  garantias,  e  assim  estes  valem
contra  a  lei  e  em  vez  dela.    
 
2.  Vinculação  das  entidades  públicas  e  privadas  (art.
18.º/1,  segmento  2)  
 
2.1.  Vinculação  de  entidades  públicas  
Os   preceitos   dos   direitos,   liberdades   e  
garantias   vinculam   as   entidades   públicas,   princípio
este   que   não  
pode   ser   uma   particularização   do   princípio  
geral   da   constitucionalidade,   sendo   conotado   com   a  
aplicabilidade   directa.   Esta   cláusula   exige   uma  
vinculação   sem   lacunas,   ou   seja,   abrangendo   todos
os  
âmbitos  funcionais,  e  deve  ser  entendida  de  duas
perspectivas:  
• Perspectiva  funcional  –  funções  das  entidades  públicas;  
• Perspectiva  formal-‐organizacional  –  titulares  ou  órgãos
dessas  entidades.  
 
A   primeira   das   “entidades   públicas”   a   ser
vinculada   é   o   Estado   em   sentido   estrito,   ou   seja,
o   legislador,   a  
administração/governo  e  os  tribunais.  
Laura  Nunes  Vicente  –  Ano  Lectivo  2011/2012  

1.

Vinculação   do   legislador   –   a   cláusula   de   vinculação


do   legislador   tem   duas   dimensões,   negativa  
e  positiva.  
a. Dimensão   negativa   –   proibição   de   emanação   de   leis
inconstitucionais   lesivas   de  
direitos,  liberdades  e  garantias.  
b. Dimensão   positiva   –   obrigação   de   criação   de   dimensões
  institucionais,   procedimentais  
e   organizatórias   ou   de   mediação   legislativa,   assegurando
assim   a   realização   dos  
direitos,  liberdades  e  garantias.  
2. Vinculação   da   administração   –   a   administração   está
obrigada   a   respeitar   e   dar   satisfação   aos
direitos   fundamentais.   Contudo,   coloca-‐se   o   problema   de
saber   se   a   administração   está  
obrigada,   no   caso   de   uma   lei   violar   um  
direito   fundamental,   a   preferir   a   Constituição   à   lei
  –  
conflito   entre   o   princípio   da   constitucionalidade   e
da   legalidade.   À   administração   não   é  
reconhecido  o  poder  de  fiscalização  da  constitucionalidade
das  leis,  mesmo  se  dessa  aplicação  
resultar  a  violação  dos  direitos  fundamentais.  Contudo,  são
reconhecidas  algumas  excepções  –  
assim,  as  entidades  administrativas  devem:  
a. No   caso   de   violação   de   um   preceito   consagrador   de
direitos,   liberdades   e   garantias,  
optar  pela  não  decisão  imediata  do  problema  e  a
apresentação  do  caso  aos  superiores  
hierárquicos;  
b. Optar  pela  prevalência  das  normas  constitucionais
quando  a  observância  do  princípio  
da  legalidade  conduzir  à  prática  de  um  crime
(art.  271.º/3);  
c. Não   praticar   actos   aplicadores   da   lei   violadora
  de   direitos,   liberdades   e   garantias  
sempre  que  estes  se  defrontem  com  o  direito  de
resistência  de  particulares  (art.  21.º).  
3. Vinculação  do  poder  judicial  –  a  vinculação  dos
tribunais  pelos  direitos,  liberdades  e  garantias  
concretiza-‐se   através   da   conformidade,   em   sentido   formal
e   material,   das   normas  
consagradoras  destes  direitos.  
2.2.  Vinculação  de  entidades  privadas  
Os   preceitos   dos   direitos,   liberdades   e  
garantias   vinculam   também   as   entidades   privadas,  
adquirindo   assim  
eficácia  geral.  Esta  eficácia  também  nas  relações
entre  particulares  pressupõe  uma  concepção  dos  direitos  
fundamentais   incompatível   com   a   tese   liberal,   que
  via   nestes   direitos   exclusivamente   direitos   de  
defesa  
perante  o  Estado,  relevantes  apenas  nas  relações
entre  este  e  os  particulares.  Assim,  a  eficácia  dos
direitos,  
liberdades  e  garantias  não  é  apenas  vertical,  mas  também
horizontal.  
Importa   esclarecer   se   a   eficácia   dos   direitos  
fundamentais   na   relação   entre   particulares   é   imediata
ou  
mediata:  
• Eficácia   imediata   –   a   vinculação   das   entidades
privadas   é   absoluta   e   ocorre   de   forma   directa,  
sem  necessidade  de  mediação  do  legislador.  
• Eficácia  mediata  –  a  vinculação  das  entidades  privadas
afirma-‐se  apenas  através  da  lei.    
O   texto   da   Constituição   não   faz   qualquer  
restrição,   afirmando   que   os   direitos   fundamentais   são
 
“directamente  aplicáveis  e  vinculam  as  entidades  (...)
privadas”.  Podemos,  portanto,  concluir  que  os  direitos  
têm  uma  eficácia  imediata  perante  as  entidades  privadas.  
Também   se   pode   discutir   se   esta   eficácia   vale
para   todas   as   entidades   privadas.   Apesar   de  
terem   sido  
defendidas   concepções   restritivas,   entende-‐se   que,  
como   a   Constituição   não   faz   qualquer   restrição,
a  
eficácia  vincula  todas  as  entidades,  à  excepção
daqueles  direitos  que,  expressamente  ou  pela  sua
natureza,  
só  valem  perante  o  Estado.  
 
3.  Restrição  de  direitos,  liberdades  e  garantias  
O  regime  específico  dos  direitos,  liberdades  e
garantias  não  exclui  a  possibilidade  de  restrição,  por
via  de  lei,  
do   seu   exercício   –   porém,   submete   tais  
restrições   a   vários   requisitos.   Para   que   uma
lei   restritiva   seja  
constitucionalmente  legítima,  é  necessária  a  verificação
cumulativa  das  seguintes  condições:  
1. A  restrição  esteja  expressamente  admitida  pela
Constituição;  
2. A   restrição   seja   exigida   por   essa  
salvaguarda,   seja   apta   e   se   limite   à   medida
necessária   para  
alcançar  esse  fim;  
3. A  restrição  não  atinja  o  núcleo  essencial  do  direito.
Para   além   destes   quatro   pressupostos   materiais,   a
validade   das   leis   depende   ainda   de   três  
requisitos  
formais:  
1. A  lei  deve  ser  geral  e  abstracta;  
2. A  lei  não  pode  ter  efeito  retroactivo;  
3. A  lei  deve  ser  uma  lei  da  AR  ou,  quanto  muito,
um  decreto-‐lei  autorizado.  
 
3.1.  Tipos  de  restrições  ou  limites  constitucionais  
Laura  Nunes  Vicente  –  Ano  Lectivo  2011/2012  

1.
2.
3.

Limites   constitucionais   expressos   ou   imediatos   –


casos   em   que   a   própria   Constituição  
estabelece  um  limite  ao  âmbito  potencial  de  determinado
direito  fundamental.  
Limites   constitucionais   mediatos   –   casos   em   que
a   Constituição   remete   para   a   lei   apenas   a
delimitação,  geral  ou  específica,  do  âmbito  de  um
determinado  direito  fundamental.  
Limites   constitucionais   implícitos   ou   imanentes   –
restrições   não   expressamente   autorizadas  
pela  Constituição.  É  necessário  respeitar  três
requisitos:  
a. Que  a  lei  se  limite  a  revelar  limites  não
presentes  na  Constituição;  
b. Que  a  definição  de  tais  limites  seja  o
único  meio  de  resolver  conflitos  de  outro  modo  
insuperáveis;  
c. Que  tais  limites  reduzam  o  âmbito  do  direito
atingido  apenas  na  medida  necessária.  

 
3.2.  Limites  dos  limites  
 
3.2.1.  Requisito  de  lei  formal  
Só   nos   casos   expressamente   previstos   na  
Constituição   podem   ser   restringidos   os   direitos,
liberdades   e  
garantias  e  só  a  lei  os  pode  restringir.    
• Regime-‐regra:  reserva  de  lei  relativa  (art.  165.º/1/b))
• Excepções:  reserva  de  lei  absoluta  (art.  164.º)  
 
 
3.2.2.  Autorização  de  restrição  expressa  (art.  18.º/2)
O   legislador   não   tem,   no   ordenamento  
jurídico-‐constitucional   português,   uma   autorização  
geral   de   direitos,  
liberdades   e   garantias.   A   lei   fundamental  
individualizou   expressamente   os   direitos   que   podem  
ficar   no  
âmbito   de   uma   lei   restritiva.   Esta  
autorização   de   restrição   expressa   tem   como   objectivo
  levar   o   legislador   a  
procurar   nas   normas   constitucionais   o   fundamento
concreto   para   o   exercício   da   sua   competência
de  
restrição,  visando  criar  segurança  jurídica.  
 
3.2.3.  Princípio  da  proibição  do  excesso  (ou
proporcionalidade  em  sentido  amplo)  (art.  18.º/2)  
O  princípio  da  proibição  do  excesso  está  associado  a
três  exigências:  
• Adequação  –  a  medida  restritiva  tem  de  ser  apropriada
 para  a  prossecução  dos  fins  invocados  
pela  lei.  
• Necessidade   –   a   medida   restritiva   tem   de   ser
  exigível,   ou   seja,   deve-‐se   evitar   a   adopção
de  
medidas   que   não   sejam   necessárias   para  
obterem   os   fins   de   protecção   visados   pela  
Constituição  e  pela  lei.  
• Proporcionalidade   –   o   princípio   da   proporcionalidade,
aqui   em   sentido   estrito   (ou   princípio   da  
justa  medida),  pretende  a  realização  de  uma  ponderação
final,  averiguando  se  as  medidas  são  
“desmedidas”,  excessivas”  ou  “desproporcionadas”  em  relação
aos  resultados  obtidos.  
 
3.2.4.  Generalidade  e  abstracção  como  expressão  do
princípio  da  igualdade  (art.  18.º/3)  
A   generalidade   e   a   abstracção   são   dois  
requisitos   cumulativos   para   a   legitimidade   das  
leis   restritivas   de  
direitos,  liberdades  e  garantias.  
• Uma   lei   geral   é   aquela   lei   que   se  
dirige   a   uma   generalidade   de   pessoas,   sendo   o
contrário   da   lei  
individual,  aplicável  apenas  a  uma  pessoa  ou  a  um
conjunto  identificado  de  pessoas.    
• Uma  lei  abstracta  é  a  lei  aplicável  a  um  conjunto
indeterminado  de  casos,  sendo  o  contrário  da  
lei  concreta,  aplicável  apenas  a  um  caso  ou  a  um
número  determinado.    
Contudo,   não   basta   que   as   leis   sejam  
formal   ou   aparentemente   gerais   e   abstractas,   importa
que   o   sejam  
material   e   realmente.   Assim,   as   leis  individuais
e/ou   concretas   camufladas   em   forma   geral   e  
abstracta   –   leis  
que  formalmente  contêm  uma  normação  geral  e  abstracta
mas,  segundo  o  conteúdo  e  efeitos,  se  dirigem  a  
um  círculo  determinado  ou  determinável  de  pessoas  –
são  ilegítimas.    
Apesar  das  modernas  figuras  de  lei  –  leis-‐medida,
leis-‐plano  e  leis-‐grupo  –  não  estarem  constitucionalmente
proibidas  noutros  domínios,  não  podem  restringir  direitos,
liberdades  e  garantias.  
 
3.2.5.  Proibição  da  retroactividade  
Apesar  de  a  proibição  da  retroactividade  admitir  excepções
no  ordenamento  constitucional  português,  é-‐o  
de  forma  absoluta  no  que  respeita  a  leis
restritivas  de  direitos,  liberdades  e  garantias.  
Assim,   as   leis   restritivas   de   direitos,  
liberdades   e   garantias   não   se   podem   aplicar   a
situações   ou   actos  
passados,  mas  apenas  aos  verificados  após  a  sua
entrada  em  vigor.    
• A   proibição   incide   sobre   a   retroactividade  
autêntica   ou   retroactividade,   em   que   as   leis  
afectam  
posições  jusfundamentais  já  estabelecidas  no  passado.  
Laura  Nunes  Vicente  –  Ano  Lectivo  2011/2012  

A   proibição   abrangerá   também   alguns   casos   de


retroactividade   inautêntica   ou  
retrospectividade   sempre   que   as   medidas   se   revelem  
arbitrárias,   inesperadas,  
desproporcionadas  ou  afectarem  direitos  de  forma  excessivamente
imprópria.  

 
3.2.6.  Salvaguarda  do  núcleo  essencial  dos  direitos,
liberdades  e  garantias  
A   ideia   fundamental   deste   requisito   é  
aparentemente   simples:   existirá   um   núcleo   essencial   dos
  direitos,  
liberdades  e  garantias  que  não  pode  ser  violado.  Contudo,
este  preceito  suscita  vários  problemas.  
• O  objecto  de  protecção  
O  primeiro  problema  consiste  em  saber  qual  o
objecto  de  protecção  da  norma,  ou  seja,  se  esta
protege   o   conteúdo   essencial   da   garantia   geral   e
abstracta   (teoria   objectiva)   ou,   antes,   o  
conteúdo   essencial   da   protecção   jurídica   e   essencial
  da   posição   jurídica   e   individual   de   cada  
cidadão   (teoria   subjectiva).   A   expressão   “preceitos
constitucionais”   parece   apontar   para   uma  
teoria  objectiva  –  todavia,  a  protecção  do  núcleo
essencial  não  pode  dispensar  uma  dimensão  
subjectiva  dos  direitos  fundamentais.    
• O  valor  da  protecção  
Outro  problema  é  o  de  saber  se  o  conteúdo  essencial
é  uma  realidade  de  natureza  absoluta  ou  
relativa,   isto   é,   se   só   se   pode   conhecer   em  
cada   caso   concreto,   mediante   uma   ponderação   de
bens   ou   interesses   concorrentes   (teoria   relativa),   ou
se   ela   possui   uma   substancialidade  
própria,   independentemente   da   colisão   de   interesses  
verificada   no   caso   concreto   (teoria  
objectiva).   Também   aqui   não   há   alternativas   radicais
–   se,   por   um   lado,   a   teoria   subjectiva
acabaria  por  reduzir  o  núcleo  essencial  ao  princípio  da
proporcionalidade,  por  outro,  a  teoria  
absoluta   esquece   que   a   determinação   do   âmbito   de
protecção   de   um   direito   pressupõe  
necessariamente   a   equação   com   outros   bens,   havendo
a   possibilidade   de   o   núcleo   de   certos  
direitos   ser   relativizado.   A   indicação   do   direito
constitucional   positivo   parece   apontar   para   a  
aceitação  tendencial  de  uma  teoria  mista.  
 
 
 
 
 

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

Você também pode gostar