Você está na página 1de 157

“Apesar de ninguém saber ao certo o momento

em que os homens passaram a cultuar deuses,


a maioria dos arqueólogos e antropólogos concorda
que esse é um traço comum de todas as civilizações.

Como escreveu a historiadora das religiões Karen


CAVALCANTE, Rodrigo
“A invenção de Deus” Armstrong em seu livro Uma história de Deus, ‘parece que
In Revista Aventuras na História
São Paulo: Editora Abril
Edição de dezembro e 2007 criar deuses é uma coisa que os
p. 24-29
seres humanos sempre fizeram.”
(CAVALCANTE, 2007, p. 25)
Vênus de Willendorf
22.000 a.C.
Capela Sistina
Vaticano, Miguel Angelo (1508-12)
Adão e Eva
Albrecht Dürer, 1504
“O deus bíblico criador do céu e
da terra segundo o Gênesis continua
reinando absoluto para mais de 3 bilhões
de judeus, cristãos e muçulmanos
(ainda que estes últimos o chamem de Alá).”
CAVALCANTE, Rodrigo
“A invenção de Deus” (CAVALCANTE, 2007, p. 25)
In Revista Aventuras na História
São Paulo: Editora Abril
Edição de dezembro e 2007
p. 24-29
Abraão foi o primeiro judeu,
fundador do monoteísmo
dos hebreus, e a partir dele
surgiram as vertentes
religiosas do judaísmo,
cristianismo e islamismo.

Abraão e Isaac
Harold Copping (1863-1932)
Abraão
Nascido em Ur, Abraão
recebeu um chamado de Deus
(entre 1900 e 1700 a.C.)
para levar seu povo para uma
terra distante chamada Canaã.

A jornada de Abraão para Canaã


Jozsef Molnar, 1850
Abraão e os hebreus
“De acordo com indícios arqueológicos,
provavelmente o Abraão histórico deixou
uma avançada civilização suméria do
terceiro milênio a.C.”

“Há evidências escritas da existência de uma


clara subcultura nessa época, espalhada
da Suméria ao Egito, passando pela
Mesopotâmia, ao longo da costa do Levante.

Esses habiru (uma possível raiz para a


palavra hebreu) parecem ter sido uma
classe de outsiders em meio à civilização
do Oriente Médio.

Aparentemente, eles eram ciganos


urbanos, negociantes de mulas,
mercadores em caravana, empregados
governamentais, soldados mercenários
e famílias não-aparentadas”.

(GOFFMAN e JOY, 2007, p.35,


livro Contracultura através dos tempos)

Abraão e sua família


Jacopo Bassano (1510 -1592)
Canaã
Região correspondente à área do atual
Estado de Israel, Faixa de Gaza, Cisjordânia
e parte da Jordânia, Líbano e Síria.
Abraão, Isaac e Jacó (Israel) são conhecidos
como os patriarcas – os ancestrais físicos e
espirituais do judaísmo.

O livro das religiões


[editora Camila Werner]
Trad. Bruno Alexander
2a edição. São Paulo:
Globo Livros, 2016. 352 p.
Abraão, Isaac e Jacó (Israel) são conhecidos
como os patriarcas – os ancestrais físicos e
espirituais do judaísmo.

O livro das religiões


[editora Camila Werner]
Trad. Bruno Alexander
2a edição. São Paulo:
Globo Livros, 2016. 352 p.

ou ISRAEL
Deus mudou o nome de Jacó
para Israel.

Os seus doze filhos deram


origem às doze tribos de Israel
(os israelitas).
O menino Moisés é salvo
das águas do rio
Nicolas Poussin, 1654

* Torá: Cinco primeiros livros do Tanach, a Bíblia hebraica ou judaica


Israelitas e Judeus

No final do século X a.C., os israelitas foram


divididos em dois reinos – as tribos do sul
formaram o Reino de Judá, e as tribos do
norte formaram o Reino de Israel.

Após a conquista pelos babilônios em


586 a.C., o povo de Judá sobreviveu
como um novo grupo, com região distinta,
e passaram a ser chamados de “judeus”
(e sua religião de judaísmo), embora eles
ainda se considerassem israelitas.
(Tanach)

O livro das religiões


[editora Camila Werner]
Trad. Bruno Alexander
2a edição. São Paulo:
Globo Livros, 2016. 352 p.
(Tanach)

O livro das religiões


[editora Camila Werner]
Trad. Bruno Alexander
2a edição. São Paulo:
Globo Livros, 2016. 352 p.

Pentateuco
Gênesis
Êxodo
Levítico
Números
Deuteronômio
Testamento = Aliança
A aliança, ou pacto, de Deus,
é o conceito central do judaísmo
Os judeus veem-se ligados a Deus por uma série de alianças

1ª aliança

O livro das religiões


Feita através de Abraão, distingue os israelitas como povo escolhido de Deus.
[editora Camila Werner]
Trad. Bruno Alexander O pacto estipulava que, em recompensa à lealdade de Abraão, Deus lhe concederia
2a edição. São Paulo:
Globo Livros, 2016. 352 p. muitos descendentes, os quais herdariam a terra. Como sinal do pacto, Abraão e todos
os homens da casa fizeram circuncisão.

2ª aliança
Com Moisés, uma nova aliança com Deus foi estabelecida: Deus salvaria os israelitas,
que seriam seu “tesouro”, caso eles observassem os mandamentos entregues a Moisés.
As tábuas dos Dez Mandamentos foram armazenadas na chamada Arca da Aliança.

3ª aliança
O último livro da Torá, Deuteronômio, descreve uma terceira aliança entre Deus e Israel,
estabelecida na terra de Moab (atual Jordânia) antes dos israelitas entrarem em Canaã,
reafirmando a lealdade dos israelitas em relação a Deus e os mandamentos.
O livro das religiões
[editora Camila Werner]
Trad. Bruno Alexander
2a edição. São Paulo:
Globo Livros, 2016. 352 p.
(Tanach)

O livro das religiões


[editora Camila Werner]
Trad. Bruno Alexander
2a edição. São Paulo:
Globo Livros, 2016. 352 p.
(Tanach)

O livro das religiões


[editora Camila Werner]
Trad. Bruno Alexander
2a edição. São Paulo:
Globo Livros, 2016. 352 p.
Alemanha Nazista
"Não compre dos Judeus!‖
Na Arábia Saudita, as canetas Meisterstück foram comercializadas com
uma tampa totalmente preta, um Mont Blanc sem neve no cume.

O problema estaria na semelhança entre o símbolo


Bandeira de Israel
com seis pontas da Montblanc e a estrela de Davi.

Parece haver uma limitação no nível de eficácia, tanto quanto


no nível semântico. Umberto Eco descreve tal situação, quando
um sinal é codificado com um significado e decodificado com outro,
como “aberrant presuppositions”* ou “aberrant decoding”.
(MOLLERUP, 1998, p.69)
“O deus que apareceu para
Abraão é completamente diferente
dos deuses gregos e romanos.

Ele não compartilhava da condição humana e se colocava na posição


CAVALCANTE, Rodrigo onipotente de poder fazer qualquer e exigência que quisesse.
“A invenção de Deus”
In Revista Aventuras na História
São Paulo: Editora Abril
Edição de dezembro e 2007
p. 24-29 Qualquer uma mesmo.

No caso de Abraão, por exemplo, Javé ordenou que seu filho


Isaac fosse sacrificado pelo próprio pai como prova de sua fé.

O resto da história é conhecida: no momento em que


Abraão já estava com a faca em punho, Javé recuou
do pedido e disse que tudo não passara de um teste.”
(CAVALCANTE, 2007, p. 28)
Capela Sistina
Vaticano, Miguel Angelo (1508-12)
Moisés quebra as Tábuas da Lei
Gustave Dore, 1832
O sacrifício de Isaac
Caravaggio, 1603
“Por isso mesmo, quem lê o
Antigo Testamento [...]
sabe que Javé não guarda semelhanças
com o pai dócil ou amoroso que
mais tarde o cristianismo iria propagar.
CAVALCANTE, Rodrigo
“A invenção de Deus”
In Revista Aventuras na História
São Paulo: Editora Abril ‘É um deus brutal, parcial e assassino: um deus de guerra, que seria conhecido
Edição de dezembro e 2007
p. 24-29
como Javé Sabaoth, Deus dos Exércitos’, escreveu a historiadora Karen Armstrong.
‘É passionalmente partidário, tem pouca misericórdia pelos não favoritos,
uma simples divindade tribal”.

Prova disso seriam as passagens como a que Javé manda pragas aos e egípcios.
Em outras, Javé se mostra até arrependido de sua criação, como quando ordenou a
morte por afogamento de toda a humanidade por meio do dilúvio do qual só escapou a
família de Noé e os animais que ele pôs em sua arca — isso antes ainda da aliança feita
com Abraão. Durante essa fase, Javé parece mais preocupado em ameaçar a raça
humana para que ela não se desvie de suas instruções.” (CAVALCANTE, 2007, p. 28)
“A nova corrente judaica defendia que Jesus de Nazaré, o galileu
que acabara de ser crucificado pelos romanos, era o messias
enviado por Javé para cumprir as profecias das escrituras.

Não seria exagero dizer que,


CAVALCANTE, Rodrigo
inicialmente, o cristianismo não
“A invenção de Deus”
In Revista Aventuras na História
São Paulo: Editora Abril
passava de uma corrente judaica
Edição de dezembro e 2007
p. 24-29
—ou melhor, uma ala do judaísmo, assim como um partido político
tem alas que nem sempre estão afinadas com a presidência”.
(CAVALCANTE, 2007, p. 29)
“O fato é que, quando os romanos
chegaram a Israel, o deus do
Templo de Jerusalém parecia
muito mais rigoroso e cheio de
exigências que os deuses gregos.
CAVALCANTE, Rodrigo
“A invenção de Deus”
In Revista Aventuras na História
São Paulo: Editora Abril Mesmo para os romanos, que admiravam a tradição
Edição de dezembro e 2007
p. 24-29
judaica pela consistência de suas escrituras,
a conversão àquele deus era uma tarefa nada fácil.

‘Como era necessário seguir uma série de regras, que iam da


alimentação à circuncisão, poucos romanos eram atraídos para o
judaísmo’, afirma o historiador André Chevitarese, professor de
História Antiga da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Até que, no século 1, o advento de uma nova seita dentro do judaísmo


iria tornar Javé popular muito além das fronteiras de Israel”.
(CAVALCANTE, 2007, p. 29)
B.C. Before Christ
A.D. (do latim Anno Domini ou "Ano do Senhor―)
Concílio de Jerusalém
(49 d.C.)
Concílio de Jerusalém (49 d.C.)
“É então que surge uma questão decisiva para o futuro de
Jesus e do deus Javé.

A pergunta-chave era: os convertidos ao cristianismo


CAVALCANTE, Rodrigo
“A invenção de Deus” que não seguiam os tradicionais rituais judaicos
In Revista Aventuras na História
São Paulo: Editora Abril (como a circuncisão) poderiam ser salvos?
Edição de dezembro e 2007
p. 24-29

Esse foi um dos principais temas discutidos pelos cristãos


numa assembleia realizada por volta do ano 49 d.C.,
mais tarde conhecida pelo nome de Concílio de Jerusalém.

Como diz o historiador Paul Johnson em seu livro


História do Cristianismo, o tal concílio foi o primeiro
ato político da história da Igreja.”.
(CAVALCANTE, 2007, p. 29)
“É aí que surge uma figura
decisiva para a expansão do
cristianismo e, por tabela,
da crença do deus único Javé.

O nome dele era Paulo de Tarso, um homem


cosmopolita recém-convertido, para quem
os traços judaicos do cristianismo estavam
arruinando seu trabalho de arrebanhamento
de novos cristãos.

Como provavelmente falava grego muito


bem e era um dos poucos cristãos que
conheciam diversas províncias do Império
Romano, ele devia ter consciência das
dificuldades que seu trabalho teria caso tivesse
que obrigar os gentios a seguirem as práticas
judaicas, principalmente a circuncisão”.
(CAVALCANTE, 2007, p. 29)

O chamado de Paulo de Tarso


James L. Thornton
Concílio de Jerusalém (49 d.C.)
“Para a maioria dos historiadores da religião, se as ideias de Paulo
fossem censuradas no Concílio de Jerusalém, talvez o
cristianismo permanecesse apenas como mais uma seita judaica,
sem conseguir jamais a autonomia responsável pela sua expansão.

CAVALCANTE, Rodrigo
“A invenção de Deus”
In Revista Aventuras na História
São Paulo: Editora Abril
Mas a ideia central de Paulo, resumida na frase
Edição de dezembro e 2007
p. 24-29
de que o verdadeiro cristão se justifica pela fé
‘e não pelos trabalhos da lei’, prevaleceu.

Os gentios podiam agora se converter sem tantos empecilhos e o


cristianismo ganhou novas fronteiras.

Paulo ajudou a tirar de Jesus a imagem de um messias para o povo hebreu,


transformando-o num -salvador de todos os povos’, diz Chevitarese.

Com isso, o deus Javé também deixou de ser um fenômeno regional,


ligado apenas ao povo hebreu, para ganhar caráter universal.”
(CAVALCANTE, 2007, p. 30)
Expansão do cristianismo
“Quando, no ano 313, o imperador romano Constantino
instruiu os governadores das províncias dominadas por
Roma a dar completa tolerância aos cristãos,
revogando todos os decretos anticristãos do passado,
CAVALCANTE, Rodrigo
“A invenção de Deus” o cristianismo deu um passo decisivo para se tornar,
In Revista Aventuras na História
São Paulo: Editora Abril em seguida, o credo oficial do império.
Edição de dezembro e 2007
p. 24-29

Com a expansão da nova fé, o deus ‘carrancudo’ ganhou uma


face completamente diferente, ao menos para os cristãos.”
(CAVALCANTE, 2007, p. 30)
Edito de Milão (313 d.C.) Concílio de Nicéia (325 d.C.) Edito de Tessalônica (380 d.C.)
Liberdade de culto aos cristãos Santíssima Trindade, O cristianismo torna-se a única
livros do Evangelho, etc. religião do Império Romano
“De certa forma, a crucificação de Jesus foi vista como o momento em que Javé
sentiu na pele o que é ser humano. Se, no passado, foi Deus que pediu a Abraão
que sacrificasse seu filho como prova de sua fé, o cristianismo invertia essa lógica:
agora era o próprio Javé que tivera o filho sacrificado como prova de amor.

Mesmo as mensagens atribuídas a Jesus nos Evangelhos parecem ressaltar mais o


CAVALCANTE, Rodrigo
“A invenção de Deus” amor divino que a lei divina.
In Revista Aventuras na História
São Paulo: Editora Abril
Edição de dezembro e 2007
p. 24-29
‘Apesar de não ser correta a ideia de que o
cristianismo promovera um rompimento total
com a tradição judaica, é inegável que a figura
de Cristo passa a imagem de um deus bem
mais marcadamente amoroso que no passado’,

diz Luiz Felipe Ponde, filósofo e professor de Teologia da Pontifícia


Universidade Católica de São Paulo. ‘Na tradição judaica, em que Jesus viveu,
testava muito claro que o homem devia temer a Deus acima de tudo.
Com Jesus, a mensagem passa a ser amar a Deus acima de tudo’.”
(CAVALCANTE, 2007, p. 30)
O Tributo
Masaccio, 1425-28
Afresco, Florença
O mercador de Veneza
William Shakespeare, 1596
O livro das religiões
[editora Camila Werner]
Trad. Bruno Alexander
2a edição. São Paulo:
Globo Livros, 2016. 352 p.
Em 13 de maio de 1917, três crianças que pastoreavam
ovelhas teriam visto e conversado pela primeira vez com a
Virgem Maria em Aljustrel, lugarejo de Fátima (Portugal).
No total seriam seis aparições.
“A relação dos gregos com os seus deuses
era semelhante à relação de alguns
católicos com seus santos de preferência.”
(CAVALCANTE, 2007, p. 27)
Religiões afro-brasileiras

“Para se viver no Brasil, mesmo sendo escravo, e Desde o início as religiões afro-brasileiras se fizeram
principalmente depois, sendo negro livre, era sincréticas, estabelecendo paralelismos entre
indispensável, antes de mais nada, ser católico. divindades africanas e santos católicos, adotando o
calendário de festas do catolicismo, valorizando a
Por isso, os negros que recriaram no Brasil as religiões frequência aos ritos e sacramentos da Igreja católica.
africanas dos orixás, voduns e inquices se diziam
católicos e se comportavam como tais. Assim aconteceu com o candomblé da Bahia, o xangô
de Pernambuco, o tambor-de-mina do Maranhão,
Além dos rituais de seu ancestrais, frequentavam o batuque do Rio Grande do Sul e outras
também os ritos católicos. denominações, todas elas arroladas pelo censo do
IBGE sob o nome único e mais conhecido: candomblé”.
Continuaram sendo e se dizendo católicos, mesmo
com o advento da República, no fim do século XIX, Umbanda e Candomblé são religiões mágicas. [...]
quando o catolicismo perdeu a condição de religião O candomblé está mais perto do pensamento
oficial e deixou de ser a única religião tolerada no país. africano que a umbanda”.

O Brasil com axé: candomblé e umbanda no mercado religioso


Reginaldo Prandi, 2004
Orixás foram associados
ao santos católicos

Oxalá: Jesus Cristo


Oxum: Nossa Senhora Aparecida
Oxóssi: São Sebastião
Xangô: São Jerônimo
Ogum: São Jorge
Obaluaê: São Lázaro
Omulú: São Roque
Iemanjá: Nossa Senhora da Conceição,
Nossa Senhora da Glória,
Nossa Senhora dos Navegantes
Monge, professor e
teólogo, Martinho Lutero
revolucionou o mundo
cristão com a Reforma
Protestante, em 1517.
O Juízo Final
Fra Angelico, 1431
O Juízo Final
Hans Memling, 1466-1473
Na Idade Média a questão da salvação
era algo aterrorizante para as pessoas.

A crença vigente pregava a existência


de um Deus julgador e punitivo disposto
a enviar para o purgatório e o
inferno todas as almas pecadoras.
Em 1517, o Papa Leão X,
objetivando arrecadar fundos
para construções no Vaticano,
lançou uma campanha de venda
de indulgências, que eram
certificados expedidos pela igreja,
os quais absolviam os fiéis de
determinadas faltas ou pecados.

Papa Leão X com os cardeais


Giulio de Médici e Luigi de Rossi
Rafael, 1517-18
Na Alemanha, o comércio das indulgências
era promovido elo pregador Johann Tetzel.

O dominicano chegara a Saxônia como


representante do Papa Leão X com
permissão para conceder a indulgência.
Johann Tetzel vendendo indulgências
Johann Daniel Lebrecht
Franz Wagner, (1810-1883)
Os fiéis viam a concessão
da indulgência como
oportunidade de escapar
do juízo divino.
A possibilidade de se livrar ou livrar um parente
próximo (morto ou não) do purgatório era
tranquilizador.
Em um momento você podia estar no inferno e
com o ―tilintar da moeda no cofre‖ saltar para o
céu dos salvos pela ―graça divina‖.

Para a Igreja Católica, era um meio de arrecadar


grandes somas em dinheiro – em verdade, boa
parte de sua renda vinha dessa negociação e era
por meio da venda de indulgência que a igreja
podia financiar a construção de igrejas e palácios
luxuosos, como a basílica sonhada por Leão X.

O Juízo Final
Tintoretto, 1562
―Para a Igreja Católica, a venda
de indulgências era um meio
de arrecadar grandes somas em
dinheiro – boa parte de sua
renda vinha dessa negociação e
financiava a construção de igrejas‖.
Rodrigo Trespach

Basílica de São Pedro, em Roma


Construída entre 1506 e 1626
Donato Bramante, Antonio da Sangallo the Younger,
Michelangelo, Giacomo Barozzi da Vignola,
Giacomo della Porta, Carlo Maderno,
Gian Lorenzo Bernini e Carlo Fontana.
O movimento assumiu
características exageradamente
mercantis, fato que provocou
violenta reação por parte de Lutero.

De início, o Papa interpretou o


problema como uma simples
querela entre monges, determinada
pela rivalidade existente entre
a ordem dos agostinianos
(à qual pertencia Lutero) e a
dos dominicanos, encarregados
de pregar as indulgências.

Camponesa comprando indulgências


François-Marius Granet, 1825
Martinho Lutero
1483-1546
Martinho Lutero
1483-1546
Em 31 de outubro de 1517,
Lutero enviou aos bispos
Hieronymus Schulz, de
Brandenburg, e Alberto,
de Mainz, 95 teses a respeito
do comércio das indulgências.

Martinho Lutero
1483-1546
―Na noite anterior do Dia de Todos os Santos, no
ano de nosso Senhor 1517, teses sobre as cartas
de indulgência foram pregadas nas portas das
igrejas de Wittenberg pelo doutor Martin Lutero‖.
Não há provas concretas de ele tenha afixado as
teses na porta da igreja do castelo de Wittenberg.

O fato de pregar teses na porta da igreja não


era incomum, pelo contrário, era praxe entre
teólogos, doutores e acadêmicos da época.

Eram colocadas em um lugar onde todos


pudessem ler e, se de interesse de algum
outro doutor ou acadêmico, fossem
debatidas e defendidas pelo proponente.
As teses não eram loucuras de um ―padre bêbado‖ ou
meras ―questões fradescas‖, como afirmou o sumo
pontífice, mas um apelo à consciência da moral cristã.

Como doutor em teologia, Lutero sabia o que estava


dizendo. Na tese 62 ele escreveu:
―O verdadeiro tesouro da igreja é o santíssimo
evangelho da glória e da graça de Deus‖.

E na tese 82 direcionou as críticas ao próprio Leão X:


―Por que é que o Papa não limpa o
purgatório, por santo amor, e por causa
das próprias pobres almas penadas,
isto é, por um motivo realmente válido,
quando, por outro lado, resgata almas
incontáveis pelo mísero dinheiro,
a fim de construir uma igreja, isto é,
por um motivo muito insignificante?‖.

Martinho Lutero
1483-1546
As 95 teses marcaram o início do que
se denominou depois de Reforma
Protestante ou Reforma Luterana.
O primeiro historiador oficial da Reforma, Johann
Sleidan, escreveu, em 1555, que "durante algum
tempo" Lutero "suportou o ódio e a violência de todo
o mundo".

Sua base teológica pode ser resumida


da seguinte forma: somente pela
Escritura Sagrada, pela graça,
pela fé e por Jesus Cristo.

Essa estrutura teológica simples


combatia a ideia corrente de que a
Igreja era uma intermediária entre o
homem e Deus.

O perdão seria dado pela ação e graça


de Deus e não pelo Papa e pelo dinheiro.

Martinho Lutero
1483-1546
Ainda que o comércio de indulgências tenha sido a gota
d'água para que Lutero propusesse um debate teológico,
as teses questionavam também a autoridade papal e
eclesiástica e a doutrina dos sacramentos,
o que realmente incomodou a Igreja Católica.
Em junho de 1520, por meio de uma
bula, na qual o Papa acusava que
suas afirmações eram ―heréticas,
escandalosas, falsas, ofensivas,
a ouvidos piedosos, sedutoras para mentes
simples e contrárias a doutrina católica‖,
Lutero foi ameaçado de excomunhão.

Em 10 de dezembro, Lutero queimou


a bula papal em praça pública.
Talvez, essa devesse ser a data definitiva da
Reforma. A partir dela não haveria mais volta.

Em 3 de janeiro de 1521, Lutero foi excomungado


com a bula Decet Romanum Pontificem.
Johannes Cochlaeus foi um dos principais
responsáveis por demonizar o alemão:
―Lutero tinha sede de vinho e de mulheres,
era mentiroso, hipócrita, covarde e intrigante‖.

De fato, Lutero acreditava que o casamento era um


imperativo divino e uma necessidade biológica —
mesmo que o sexo não fosse isento de pecado não
poderia ser evitado.
Em 13 de junho de 1525, casou com a ex-freira
Katharina von Bora. A união resultaria em seis filhos.
"Não há união mais doce do que a de um bom
casamento", escreveu.

Johannes Cochlaeus
1479-1552
Lutero no inferno
Egbert II van Heemskerck, 1710
Martinho Lutero permaneceu do
lado da nobreza pregando a
subordinação da igreja ao
Estado, o que colaborou para a
disseminação do luteranismo
entre os nobres e permitiu que a
Reforma obtivesse êxito, já que
dessa forma o poder do Papa e
da Igreja era enfraquecido.
Assim como é verdade que Lutero nunca quis
separar a Igreja Católica, também é verdade que
suas críticas eram duríssimas e inconciliáveis com o
pensamento do papado da época.

Logo após a publicação das 95 teses e sua


consequente popularização por toda a Europa,
tornou-se impossível recuar diante de uma igreja que
não queria dialogar sobre questões teológicas.

Sentindo-se seguro pelo apoio dado


pelos nobres alemães (o que lhe garantiu
o que nenhum outro reformador tivera
antes dele: proteção militar e financeira),
Lutero passou a discutir, escrever e
publicar teses e ideias sobre todos os
aspectos da vida cristã.

Criou hinos, reformulou também


a missa e eliminou da liturgia muitos
símbolos e ornamentos.
Weber identificava, em especial, a importância do
“chamado” ao novo sistema de ética protestante
– de que Deus havia chamado o seu povo para ocupar
uma posição neste mundo.

Enquanto a Igreja Católica Romana encorajava o retiro


monástico dos assuntos mundanos (como a vida cotidiana
e o trabalho), o protestantismo exigia que seus seguidores
cumprissem suas obrigações e suas responsabilidades no
mundo.

Ao chamar a atenção para essa diferença de ideais


religiosos, Weber identificou o teólogo alemão Martinho
Lutero (1483-1546) como o homem cujo pensamento foi
essencial para o desenvolvimento
da teologia protestante.

Lutero foi a primeira pessoa a sugerir que o


cumprimento dos deveres da
vida secular também era uma demonstração
de reverência a Deus.

Ele alegava que no cerne do conceito de


“chamado” está a crença de que ganhar o
sustento e cumprir o dever religioso são
exatamente a mesma coisa.
Mas Lutero não dividiu a Igreja Cristã. O ―Grande Cisma do Oriente‖
Ela nunca fora unida, apenas na Europa Central, ocorreu em 1054, quando a Igreja de Bizâncio
sob a tiara papal, ela parecia mais coesa. desligou-se oficialmente da Igreja Católica
Foi a Igreja Católica Apostólica Romana, que Lutero Apostólica Romana passando a denominar-se
procurou reformar e acabou dividindo em 1517. Igreja Católica Ortodoxa, tendo como primeiro
chefe o Patriarca Miguel I Cerulário.
As tensões teológicas vividas pela
cristandade no século 16 (e seguintes) Enquanto isso, na África e no Oriente Próximo o
cristianismo se dividia em várias comunidades
não eram, ao contrário do que se possa religiosas menores, como os maronitas, coptas,
pensar, algo novo. melquitas etc.

A igreja cristã já se digladiava entre católicos romanos, Durante as Cruzadas,


ortodoxos, e outras seitas menores da Ásia Menor, cristãos católicos romanos e bizantinos ortodoxos
África e Oriente Médio, desde que Cristo fora pregado lutaram ora do mesmo lado contra os muçulmanos,
na cruz, em Jerusalém, na década de 30 d.C. ora entre si. Na quarta Cruzada (1202-1204), o
A formação do cristianismo e da igreja enquanto exército cristão católico saqueou a capital bizantina
instituição, com suas crenças e dogmas, ocorreu sob (ortodoxa), levando para a Itália enorme quantidade
intensos debates em um processo contínuo ao longo de ouro, relíquias religiosas e escravos.
do primeiro milênio, na maioria das vezes atendendo Depois das Cruzadas, questões políticas sacudiram
interesses pessoais, políticos e locais. o cristianismo europeu no século seguinte.

A primeira grande divisão político-administrativa na


Europa ocorreu no século 11. Após séculos de
Entre 1378 e 1417, ocorreu o
disputas, que vinham desde os tempos da divisão do ―Grande Cisma do Ocidente‖,
Império Romano em Ocidente (com capital em Roma) quando a Igreja Católica teve Papas e "antipapas"
e Oriente (com capital em Bizâncio, Constantinopla), simultaneamente em Roma e Pisa, na Itália,
no século 5°, a igreja também se separou. e Avignon, na França.
O legado de Lutero
No campo social e filosófico,
as ideias de Lutero criaram as
bases da escola moderna e
abriram espaço para a
emancipação da ciência em
relação à religião, consolidada
mais tarde com o Iluminismo e
a Revolução Científica.

Filipe Melâncton (ilustração ao lado)


foi um astrólogo e astrônomo alemão, que
tornou-se o principal líder do luteranismo Martinho Lutero, Filipe Melâncton, Frederico III
após a morte de Lutero. e Johann Georg von Sachsen
Os Embaixadores
Hans Holbein,1533
O legado de Lutero
No campo político, embora em
um primeiro estágio a Reforma
tenha desencadeado um
número grande de guerras,
o enfraquecimento do poder da
igreja permitiu o surgimento do
Estado político moderno, com
a ascensão da burguesia e o
desenvolvimento do comércio.

Martinho Lutero
1483-1546
As ideias de Martinho Lutero (1483-1546) foram
encampadas e desenvolvidas de maneira
importante, duas décadas depois, por aquele
que talvez tenha sido o mais influente de todos
os reformadores, João Calvino (1509-1564).
Calvinismo
Ocorrido como um desdobramento da Reforma
Luterana, o movimento Calvinista foi uma das
principais correntes surgidas da Reforma Protestante.

A Suíça, criada após sua separação do Império


Romano-Germânico, em 1499, teve contato com as
ideias de Martinho Lutero através da pregação feita
pelo padre Ulrich Zwinglio.

Ao propagandear as doutrinas luteranas


pela Suíça, Zwinglio desencadeou
uma série de revoltas civis que
questionavam as bases do poder vigente.

A prática do zwinglianismo preparou


terreno para a doutrina que seria mais
tarde criada pelo francês João Calvino.

Ulrich Zwinglio
1484-1531
Calvinismo
De acordo com alguns estudiosos, como o sociólogo
Max Weber, o elogio feito ao trabalho e à economia
fizeram com que grande parte da burguesia
europeia simpatizasse com a doutrina calvinista.

Contando com esses princípios,


observamos que a doutrina calvinista
se expandiu mais rapidamente que
o Luteranismo.

João Calvino
1509-1564
Calvinismo
Em outras regiões da Europa o calvinismo ganhou diferentes nomes.
Na Escócia os calvinistas ficaram conhecidos como presbiterianos;
na França como huguenotes; e na Inglaterra foram chamados de puritanos.
―Deve-se talvez a Max Weber (1864-1920) um dos
primeiros ensaios que relacionam os fatos culturais e as
classes sociais.

Em seu estudo mais conhecido, A ética protestante


e o espírito do capitalismo, publicado em 1905,
ele tenta demonstrar que os comportamentos
econômicos da classe dos empresários capitalistas são
compreensíveis somente se levarmos em consideração
a sua concepção de mundo e seu sistema de valores.

Não é por acaso que esta classe surgiu inicialmente


no Ocidente.

Para Weber, o surgimento


da classe dos empresários
capitalistas é devido a uma série
de mudanças culturais ligadas ao
nascimento do protestantismo”.
(CUCHE, 1999, p.161)

A ética protestante e o espírito


do capitalismo (1905)
“Islã [Islame, Islão], s. m.
Significa em árabe ‘submissão a Deus’
e designa a terceira religião monoteísta,
revelada após o judaísmo e o cristianismo.
No Ocidente, o termo indica também aquela parte do mundo em que se
desenvolveu essa religião ao longo dos séculos e a civilização que ela originou.
Nesse caso, ‘Islã’ deve ser escrito com maiúscula, porém se emprega ‘islã’ com minúscula

BALTA, Paul quando se refere apenas à religião, do mesmo modo que ‘Cristandade’ e ‘cristianismo’.
Islã
Trad. William Lagos
Porto Alegre: L&PM, 2016. 144 p.
Muçulmano
“designa aquele que segue essa fé”.

Islamismo
“A partir do século XIX, por analogia com judaísmo e cristianismo, passou-se a
empregar ‘islamismo’ em lugar de ‘Islã’.
Após a vitória da revolução islâmica no Irã, em 1979, ‘islamismo’ passou a designar
o Islã político ou radical, cujos militantes são os ‘islamitas’ (em árabe, islamiyun),
que são denominados por alguns de ‘fundamentalistas’ ou ‘integristas’.”
(BALTA, 2016, p. 5 e 6)
“A nova revelação do deus dos judeus e dos
cristãos vinha preencher um vazio religioso
que há muito perturbava os povos da Arábia.
Até então, a região também era um centro de santuários
de culto a diversas divindades. O mais importante desses
locais sagrados, em Meca, era a Caaba (que significa ‘cubo’),
e seu objeto especial de veneração era uma pedra preta,
fragmento de um meteoro. ‘Pedras desse tipo eram
adoradas pelos árabes nesse tempo em diversas regiões’,
escreveu o francês Maxime Rodinson na biografia Mahomet.
Ao lado da pedra, havia representações de diversas deusas,
e o santuário era uma espécie de parada obrigatória
entre os mercadores da região.

Mesmo assim, como escreveu a historiadora


Karen Armstrong na biografia Maomé,
boa parte dos árabes sentia-se um tanto
renegada por nunca ter recebido uma
mensagem direta e explícita de um único deus,
como as revelações contidas nas sofisticadas
escrituras judaicas e nos evangelhos.
Por conhecerem as tradições tanto do judaísmo quanto
do cristianismo, eles acreditavam que já era hora de
Deus enviar um profeta com uma revelação exclusiva
para os árabes. As mensagens recebidas por Maomé
foram vistas como o momento em que isso aconteceu.
(CAVALCANTE, 2007, p. 32)
“Para os muçulmanos, o acordo firmado
entre Javé e Abraão renovou-se e foi ampliado
no século 7, quando o mercador Muhammad
(em português, Maomé) teria recebido
as revelações de Deus (agora, Alá)
CAVALCANTE, Rodrigo
“A invenção de Deus” por meio do anjo Gabriel (para eles, Jibril) — desta feita, em língua árabe.
In Revista Aventuras na História
São Paulo: Editora Abril
Edição de dezembro e 2007
p. 24-29
Mais tarde, as revelações foram reunidas no livro sagrado do Islã:
o Alcorão (ou recitação, em árabe)”.
(CAVALCANTE, 2007, p. 32)
Alcorão
“Para os muçulmanos, as mensagens
de Deus contidas no Antigo e no
Novo Testamento foram revistas e ampliadas
com o Alcorão, que deve ser consultado
CAVALCANTE, Rodrigo
“A invenção de Deus”
In Revista Aventuras na História
no lugar das revelações anteriores”.
São Paulo: Editora Abril
Edição de dezembro e 2007
(CAVALCANTE, 2007, p. 32)
p. 24-29
Alcorão ou Corão
“Segundo a tradição muçulmana, a palavra foi transmitida no idioma árabe
pelo arcanjo Gabriel ao profeta Maomé (Moham-mad, ‘o mais louvado’),
nascido por volta do ano 570 de nossa era, em Meca,
no coração da Arábia Desértica, e falecido em 632 em Medina.

Essa revelação encontra-se no Corão, livro sagrado dos maometanos


BALTA, Paul
Islã (designação antiga), no qual Deus (Allah, em árabe) declara:
Trad. William Lagos
Porto Alegre: L&PM, 2016. 144 p. ‘Hoje eu aperfeiçoei vossa religião e vos revelei o Meu favor.
Eu revelei para vós o Islã como vossa religião’ (Surata III, versículo 5)”.
(BALTA, 2016, p. 5)
Alcorão
“No livro sagrado do Islã, o deus de Abraão volta
a ser bem mais específico nos seus mandamentos
que as parábolas atribuídas a Jesus nos evangelhos.

CAVALCANTE, Rodrigo
“A invenção de Deus” Nesse quesito, Alá se torna bem mais próximo do deus
In Revista Aventuras na História
São Paulo: Editora Abril da Lei do Antigo Testamento (a Torá dos judeus).
Edição de dezembro e 2007
p. 24-29

Entre os 6.326 versículos do Alcorão, há desde,


instruções para o casamento até regras sobre como
o governante deve agir na cobrança de impostos.

É provável que esse grau de detalhamento das instruções de


Deus seja fruto do momento em que Maomé recebera as
revelações. Alá, afinal, transmitiu seus novos mandamentos na
época em que o profeta erguia um estado em Meca.”
(CAVALCANTE, 2007, p. 32)
Os cinco pilares do islamismo
(as profissões de fé)

O livro das religiões


[editora Camila Werner]
Trad. Bruno Alexander
2a edição. São Paulo:
Globo Livros, 2016. 352 p.
Para os muçulmanos,

“o Islã veio aperfeiçoar e completar


as mensagens do Antigo Testamento e
dos Evangelhos que foram desvirtuadas
pelos judeus e pelos cristãos.

Por exemplo, os muçulmanos reconhecem a existência de Jesus

BALTA, Paul
e da Virgem Maria, sua mãe, mas consideram que o mistério da
Islã
Trad. William Lagos Santíssima Trindade, ou um único Deus com três pessoas
Porto Alegre: L&PM, 2016. 144 p.
(Pai, Filho e Espírito Santo), não passa de uma forma de politeísmo.

É por esse motivo que o Alcorão proclama a unicidade absoluta de Alá”.


(BALTA, 2016, p. 45)
“A nova palavra de Deus, contudo,
foi tão forte que os seguidores do Islã
terminaram construindo um império.

Pouco mais de 100 anos após a morte do profeta, seus seguidores


CAVALCANTE, Rodrigo levaram a mensagem do deus único para a África e para locais
“A invenção de Deus”
In Revista Aventuras na História
São Paulo: Editora Abril
distantes no Oriente, como o Afeganistão e o Paquistão.
Edição de dezembro e 2007
p. 24-29

A expansão do Islã no último milênio — assim como a do


cristianismo — fez com que o deus de Abraão dão apenas
vencesse a batalha com os outros deuses como também
sobrevivesse a um poderoso inimigo: o mundo científico.”
(CAVALCANTE, 2007, p. 32)
BALTA, Paul
Islã
Trad. William Lagos
Porto Alegre: L&PM, 2016. 144 p.
“Os primeiros conquistadores árabes empregaram o
termo Dar el Islam (‘morada’ ou ‘território do Islã’)
ou ainda Dar el Salam (‘território da paz’) em
oposição a Dar el Kufr (‘território dos ímpios’)
ou também Dar el Harb (‘território da guerra’),
que deveria ser progressivamente conquistado
para o Islã pela pregação, pela conversão ou,
se necessário, pela força das armas”.
(BALTA, 2016, p. 5)
Os árabes são muçulmanos
e os muçulmanos são árabes?
“A esta ‘ideia preconcebida’ é necessário
opor o conjunto da realidade:
nem todos os árabes são muçulmanos,
e nem todos os muçulmanos são árabes!

De fato, em um total de aproximadamente


um bilhão e meio de muçulmanos ao redor
do mundo no início do século XXI, existem
somente uns trezentos milhões de árabes.

Os dois maiores países muçulmanos são a


Indonésia (com 230 milhões de habitantes,
país de maioria muçulmana [87%]),
seguida pelo Paquistão (150 milhões), cujos
habitantes absolutamente não são árabes!”
(BALTA, 2016, p. 52)
Os árabes são muçulmanos
e os muçulmanos são árabes?

“Muitos fatores podem explicar esta ‘ideia realmente), e pelos califas Abássidas, entre eles
preconcebida’, ainda hoje corrente na Europa, por mais Harun al Rashid, que eram árabes, mesmo que
que seja totalmente errônea. tivessem tomado muitas esposas persas.

Um deles é a geografia: o mundo árabe é o mais Finalmente, há a escrita: ainda que os persas e os
próximo, e é com ele que os europeus tiveram e turcos não sejam etnicamente árabes, eles adotaram
continuam tendo os maiores contatos. seu alfabeto. Foi somente em 1928 que Attatürk
impôs o alfabeto latino na Turquia, após ter
Outro é a própria religião: os árabes foram os primeiros substituído a charia, em 1926, por um código civil.
a difundir o Islã, e espera-se de todos os muçulmanos
que sejam capazes de recitar o Alcorão em árabe. Um último fator é a ignorância: os que não conhecem
o Islã identificam, de boa-fé ou por negligência,
Também a história: as primeiras conquistas dos os árabes com Os muçulmanos e vice-versa.”
muçulmanos foram realizadas pelos califas Omíadas, (BALTA, 2016, p. 52)
uma dinastia puramente árabe (a única a sê-lo
Os árabes são muçulmanos
e os muçulmanos são árabes?

“Na verdade, a diversidade dos povos do Islã é muito ainda restavam na Argélia e no Marrocos, respectivamente,
grande: do Marrocos à Indonésia, da África negra à 25% e 35% de habitantes que falavam dialetos berberes
Ásia Central e à China, da Europa às Américas. (32 milhões e 30 milhões, também respectivamente).

Notáveis também são as diferenças étnicas e Por ocasião da independência, como reação contra a
culturais entre as diversas sociedades que algumas colonização e por ideologia nacionalista, os dirigentes
vezes se misturaram ao longo dos séculos. desses países aderiram à Liga dos Estados Árabes e
decretaram que o árabe era sua língua nacional.
No Magrebe, por exemplo, a islamização dos berberes
cristãos foi muito mais rápida do que sua arabização; Diante da ameaça que a escolarização intensiva em árabe
inversamente, as comunidades judias que viviam fazia pesar sobre sua própria cultura, os berberófonos
nessa região permaneceram fiéis à sua religião, mobilizaram-se para obter o reconhecimento de
mas se arabizaram rapidamente. sua identidade e o ensino nas escolas do tamazigh
(o principal dialeto berbere).
A arabização da população estava praticamente
concluída no final do século XIX, tanto na Líbia Obtiveram alguns resultados nesse sentido.”
quanto na Tunísia; porém, no começo do século XXI, (BALTA, 2016, p. 52)
“Enquanto os judeus dividem-se em orientais, sefarditas
(originários da Espanha) e asquenazes (da Europa central e oriental),
e os cristãos estão fragmentados em diferentes igrejas ortodoxas, a
igreja católica e muitas igrejas protestantes,

os muçulmanos apresentam
a tendência de salientar –
erroneamente – a unidade do Islã.
BALTA, Paul
Islã
Trad. William Lagos É certo que o dogma e ‘os cinco pilares’
Porto Alegre: L&PM, 2016. 144 p.
são comuns a todos, mas muito cedo
surgiram cismas dentro do Islã”.
(BALTA, 2016, p. 45)
O Islã proíbe as imagens?

No Alcorão, “muitos versículos condenam o politeísmo,


referem-se à destruição de ídolos por Abraão e por Moisés –
cujo exemplo foi seguido por Maomé, com relação
às imagens que se encontravam em Caaba no ano de 630
– e denunciam igualmente a falsidade das deidades.”
(BALTA, 2016, p. 85)
BALTA, Paul
Islã
Trad. William Lagos
Porto Alegre: L&PM, 2016. 144 p.
“Nas mesquitas, entretanto, o que mais
impressiona é a abundância e a riqueza
da decoração em estilo abstrato:
arabescos, caligrafias e, algumas vezes,
mosaicos e/ou alzeliges (azulejos)
em grande variedade de cores.
(BALTA, 2016, p. 85)
O Islã proíbe as imagens?
“Impõe-se uma constatação: a ausência de Então, o que é e o que não é proibido?
representações figuradas nas sinagogas, nas As principais interdições estão na sunna.
mesquitas e nos templos das igrejas protestantes.
São encontradas principalmente no Sahih Bukhari
Nas mesquitas, entretanto, o que mais impressiona é a do persa AI-Bokhari (810-870), considerada a mais
abundância e a riqueza da decoração em estilo abstrato: fidedigna obra nesse sentido.
arabescos, caligrafias e, algumas vezes, mosaicos e/ou Ações e palavras de Maomé, relatadas por
alzeliges (azulejos) em grande variedade de cores. seus companheiros e por seus sucessores,
foram reunidas nesse livro de 97 capítulos,
Constatação inversa: pinturas em afresco representavam, divididos em seções, das quais cada uma compreende
nas paredes dos castelos dos sultões da dinastia um ou mais hadith, em um total de 7.300, que podem
Omíada (661-750), músicos e dançarinas durante ser reduzidos a 2.762 se suprimirmos as repetições.
banquetes em que os convivas bebiam vinho, o que
deveria ser duplamente condenado pelos rigoristas! Apesar das precauções tomadas, não é garantida a
autenticidade de todas essas narrativas; foi por essa
Outro aspecto que deve ser igualmente assinalado razão que o coronel líbio Muammar Khaddafi proclamou
é a profusão, a partir do século XVI, das miniaturas que obedecia ao Alcorão, mas não se sentia na obrigação
persas, árabes, mongóis, andaluzas e otomanas, de seguir a sunna. Na verdade, este é o único chefe de
nas quais não faltam cenas bastante vividas, estado muçulmano que teve tal ousadia”.
algumas incontestavelmente eróticas. (BALTA, 2016, p. 85 e 86)
O Islã proíbe as imagens?
“Aisha conta que possuía um tecido de lã tingida com a Contudo, os povos arianos ou indo-europeus (penas,
representação de figuras; quando o Profeta o enxergou, hindus e mongóis) praticaram com frequência a arte
rasgou-o em pedaços e gritou: figurativa, particularmente a miniatura, porque não tinham
‘Certamente, entre aqueles que sofrerão os tormentos os mesmos costumes mais favoráveis à arte abstrata dos
mais rigorosos no dia do Juízo Final se encontrarão semitas (judeus e árabes), mesmo que estes últimos
os que teceram estas representações figuradas’ tivessem tido seus períodos de politeísmo idólatra.
(capítulos 78 e 75, primeira seção).
A crença segundo a qual reproduzir um ser humano por
Com relação a um homem que ganhava a vida meio de imagens significa querer rivalizar com o Criador
esculpindo imagens, Maomé disse: era tão forte que os primeiros miniaturistas persas
‘Aquele que fabricar uma imagem será punido por recorreram ‘a um ardil’, como se diz no Islã para definir
Alá até que lhe tenha insuflado uma alma, as astúcias que permitem burlar uma interdição.
coisa que ele será para sempre incapaz de fazer’ Eles pintavam um fino traço através do pescoço de seus
(capítulos 77 e 92, primeiras seções). personagens para indicar que estes não representavam
seres vivos. Porém, muito rapidamente abandonaram o
Aisha relata ainda que ele não conservava em sua casa ardil, exemplo que foi logo seguido pelos artistas árabes!
nenhum objeto em forma de cruz — porque, de acordo Outro ardil bastante utilizado foi o de recorrer aos
com o Alcorão, o profeta Jesus jamais foi crucificado —, arabescos da caligrafia para sugerir uma imagem figurativa
mas que destruía imagens, instrumentos de música e (pera, leão, cavalo, seres humanos etc.).”
odres de vinho sempre que os via (capítulos 77 e 90). (BALTA, 2016, p. 86 e 87)
O Islã proíbe as imagens?
“Os preceitos do Profeta prevaleceram O fato é que a arte sacra islâmica sempre evitou
desde o nascimento da arte sacra muçulmana. o naturalismo e o antropomorfismo a tal ponto
que chegou a influenciar três imperadores
Será porque esses padrões estéticos correspon- bizantinos de Constantinopla: Leão III,
diam melhor à sensibilidade dos beduínos, o Isauriano (675-741), Constantino V (718-775)
habituados às imensas extensões desérticas que e Leão V, o Armênio proclamaram ‘a idolatria das
favorecem a contemplação e a meditação? representações’ e encorajaram os iconoclastas que
destruíam os ícones dos próprios ortodoxos.
Ou então porque esses padrões eram adequados
para a arte desses beduínos enamorados da
palavra, cujas poesias excitavam a imaginação
bem mais do que teriam feito simples imagens
Na época contemporânea, o aiatolá Khomeini proibiu a música e
e que, portanto, tendiam a reproduzir chegou a pretender a destruição das ruínas dos templos de Persépolis;
não somente ele renunciou a essa intenção devido à oposição popular,
pobremente a natureza ou a mulher amada?
como também, bem ao contrário, o número de paredes pintadas, em
muitos casos comportando representações figuradas, multiplicou-se
em Teerã, e um dos palácios de Isfahan, decorado com pinturas de
Ou, ainda, será que correspondiam à vida murais em afresco, onde figuras humanas festejavam e bebiam vinho,
foi aberto à visitação pública.
desses nômades sempre em movimento,
Por outro lado, no Afeganistão, os talibãs destruíram, em 2001,
que sabiam por experiência própria que os magníficos budas milenares esculpidos nas rochas das montanhas,
que todos os demais muçulmanos haviam respeitado desde a
a palavra efêmera se encarna na escrita? conquista do país pelos árabes, no ano de 651 de nossa era”.
(BALTA, 2016, p. 88 e 89)
O Islã proíbe as imagens?

Em um livro que é muitas vezes citado como a proliferação de ornamentos em formas abstratas
referência, L'Art de l'Islam: langage et signification, (caligrafia ou arabescos) contribui, por seu ritmo contínuo,
Titus Burckhardt escreveu: para favorecer a ‘qualidade da vida contemplativa’.
‘Em sua interpretação mais exata e rigorosa,
a proibição das imagens no Islã visa exclusivamente Para os cristãos, o milagre consiste em que
à proibição de representar a divindade’. o Verbo se tenha feito carne na pessoa de Jesus;
para os muçulmanos, o milagre é que o Verbo se
Foi por esse motivo que se inventou recentemente transformou em um Livro através da escrita do Alcorão.
um neologismo para designar a arte sacra
muçulmana, o ‘aniconismo’, ou seja, a ‘ausência É isso que explica a importância
de imagens’, reservando-se o termo ‘iconoclastia’ das escrituras na tradição
para os cristãos ortodoxos. popular muçulmana”.

Burckhardt considera importante observar que, nas Segundo um dito popular, no dia do Juízo Final,

sociedades árabes sunitas, ‘evita-se a representação de a tinta utilizada pelos calígrafos terá o mesmo valor

qualquer ser vivo, por respeito ao segredo divino que que o sangue vertido pelos mártires e lhes

se acha contido em todas as criaturas’ e salienta que permitirá acesso igual ao Paraíso”.
(BALTA, 2016, p. 88 e 89)
“Em seguimento ao iraquiano Jamil Hamoudi,
que na década de 1950 introduziu a escrita árabe
sobre telas pintadas em cavaletes ao estilo europeu,
os pintores de sinais caligráficos alcançaram grande
sucesso no conjunto do mundo muçulmano.

Podemos citar, entre outros pintores contemporâneos,


Massoudy (fraque), Sami Burhan (Síria), Wajih Nahleh
(Líbano). Ahmed Abdallah (Egito), Soleihi (Sudão),
Nejad (Turquia), Nadjá Mandaui (Tunísia), Koraichi
(Argélia), El Melhi e Mehdi Qotbi (Marrocos).

Esse renascimento da arte caligráfica não prejudicou


em nada os figurativos modernos que começaram a
difundir seus trabalhos a partir do século XIX”.
(BALTA, 2016, p. 88 e 89)

Jamil Hamoudi
O Islã proíbe as imagens?

“Desse modo, a caligrafia entre os muçulmanos tornou-se a


expressão plástica do sagrado, assim como a salmodia do
Alcorão foi sua expressão musical.

Do Golfo Pérsico ao Atlântico, encontramos a repetição cíclica


de um ritmo cuja intensidade nasce de sua própria renovação.
BALTA, Paul
Islã
Trad. William Lagos
Porto Alegre: L&PM, 2016. 144 p. Esse ritmo repetitivo e cíclico alcançou suas maiores realizações
entre os sufitas, com as danças dos dervixes giradores.

A caligrafia, a salmodia e as danças místicas ou iniciáticas


correspondem a uma sensibilidade peculiar aos povos árabes e
muçulmanos que, apesar de suas diferenças, souberam
exprimir a sua sensualidade por meio das artes de tipo
abstrato, alcançando nelas um sucesso excepcional.”
(BALTA, 2016, p. 88 e 89)
Capa de julho de 2013
Muçulmano é alvejado.
Texto diz “o Corão é uma merda”
Aviso: ele não para balas.
Edição de 2013
Quadrinhos sobre a vida de Maomé
“O início de um profeta”
(a representação de Maomé é tabu entre muçulmanos)

Você também pode gostar