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DISSERTAÇÃO - CASO GUGU

A morte do apresentador Antônio Augusto Moraes Liberato, mais conhecido como Gugu, gerou
uma verdadeira briga judicial entre Rose Miriam di Matteo e Aparecida Liberato pela herança de Gugu
Liberato. Além disso, trouxe à tona questões bastante polêmicas que vêm sendo discutidas no Direito de
Família e Sucessões brasileiro, e que serão mais a frente discutidas no presente trabalho.

Gugu foi um apresentador de televisão, empresário, ator, cantor e artista plástico brasileiro, e ao
longo de sua vida e por meio de seu trabalho, principalmente na TV, acumulou um patrimônio avaliado
em cerca de 1 bilhão de reais.

Em 10 de novembro de 2001, Gugu e Rose Mirian Souza Di Matteo tiveram um filho. Em 25 de


dezembro de 2003, o casal teve duas filhas gêmeas, Sofia e Marina. Vale mencionar que Rose não foi
casada oficialmente com Gugu, mas manteve um relacionamento com ele por cerca de19 anos, até o dia
de sua morte em 21 de novembro de 2019. Gugu sofreu uma queda de uma altura de cerca de quatro
metros do sótão de sua casa em Orlando, na Flórida, Estados Unidos, enquanto tentava trocar o filtro do
seu ar-condicionado. Teve sua morte encefálica diagnosticada no dia 21 de novembro de 2019.

Após tal tragédia a família do apresentador tratou de lidar com questões judiciais, como
inventário, partilha de bens etc. Uma hora e meia após o sepultamento, em 29 de novembro, os familiares
se reuniram para ler o testamento. O documento feito em 2011 distribuiu a herança da seguinte forma:
75% para os filhos (João Augusto, 18 anos, e as gêmeas Sofia e Marina, de 16) e 25% para os cinco
sobrinhos. O documento assegura a Maria do Céu, mãe do apresentador, uma espécie de pensão vitalícia
de 163 mil reais. Além disso, registrou no testamento Aparecida Liberato, sua irmã, como a responsável
pelo espólio (inventariante) e curadora de seus filhos menores de idade. Para a surpresa de todos, o
documento excluiu a mãe de seus filhos, Rose, não a reconhecendo como companheira em união estável
e, consequentemente, como uma das herdeiras de seus bens.

Rose, insatisfeita, contratou advogados para entrarem com uma ação de reconhecimento de união
estável, contestando o testamento para que seja assegurado seu direito à herança de Gugu. Seu objetivo
é anular o testamento e conseguir o reconhecimento da união estável, para ter direito a metade da
herança.

Em 24 de janeiro de 2020, Rose ganhou na Justiça, em primeira instância, o direito a receber uma
pensão no valor de 100 mil reais por mês do espólio do apresentador. Entretanto, uma nova decisão
proferida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo determinou que ela recebesse 10 mil dólares mensais de
pensão, caso seja reconhecida sua união estável com Gugu Liberato.

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Ainda, de acordo com informação da revista Veja, Rose entrou com uma petição para a remoção
de Aparecida da condição de curadora dos filhos menores de idade e inventariante e ainda estuda
processar a tia dos filhos por alienação paternal.

Não bastasse isso, surgiu a possibilidade da existência uma união estável homoafetiva com o chef
de cozinha Thiago Salvático. O suposto companheiro do apresentador, teria procurado um escritório de
advocacia para representá-lo no processo de inventário. Inclusive, pessoas próximas à família comentam
que Thiago mantinha uma relação com Gugu há cerca de oito anos.

Passemos então para as repercussões jurídicas de tais fatos e quais as implicações no Direito.

A primeira questão se refere à existência ou não de união estável entre Gugu e Rose, bem como
entre Gugu e Thiago. Pelas informações noticiadas pela mídia, Rose Miriam se relacionou com Gugu
por 19 anos até a sua morte, além de ser a mãe biológica dos três filhos do casal. Em relação a Thiago,
amigos próximos da família comentam que os dois mantiveram uma relação por cerca de 8 anos, e ainda,
segundo o site “Notícias da TV”, no processo protocolado por Thiago visando o reconhecimento de sua
união estável com Gugu, ele alega ter conhecido Gugu em novembro de 2011, colacionando aos autos
diversas fotos dos dois juntos em viagens que fizeram pelo mundo.

Vale ressaltar que há união estável quando estiverem presentes os requisitos do art. 1.723 do
Código Civil, quais sejam: publicidade, durabilidade, continuidade e objetivo de constituição familiar.
No entanto, o CC não define o que seriam a convivência pública, a continuidade, durabilidade e,
especialmente para o caso, o objetivo de constituição de família. Acontece que a concretização da
“constituição familiar” é tarefa de quem aplica o direito, orientado pelos parâmetros dados pela doutrina.

É por conta dessa “vagueza” em tais conceitos que fica difícil confirmar a existência da união
estável entre Gugu e Rose, assim como entre Gugu e Thiago. É o que se pode notar das decisões em
primeira e segunda instância na ação em que Rose requer o reconhecimento de sua união estável com
Gugu. Em primeira instância, o juiz tinha estabelecido uma pensão alimentícia de 100 mil reais a Rose
Miriam. Todavia, o desembargador cassou essa decisão ao argumento de que não existia união estável,
fixando em 10 mil dólares mensais a pensão que deverá receber somente caso a união seja reconhecida.
Uma vez reconhecida a união estável, Rose terá direito a 50% de todo patrimônio do apresentador.

Outro ponto importante acerca do reconhecimento da união estável, é alegação por parte da
família do apresentador da existência de um contrato de geração de filhos acordado entre Rose e Gugu.
O afastamento da união estável constaria justamente do contrato celebrado pelas partes no passado
apresentado pelos familiares de Gugu.

E daí surge a dúvida: Gugu teria sido companheiro de Rose Miriam tendo havido uma união
estável entre eles ou ela seria somente uma amiga com quem Gugu teria tido filhos? Levando em

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consideração a existência do “contrato para geração de filhos” é possível que seja configurada a união
estável ou há apenas regime de coparentalidade?

Este diz respeito à relação familiar entre duas pessoas do mesmo sexo ou não, no intuito de ter
um filho em conjunto, baseando-se no desenvolvimento da paternidade e da maternidade, sem, contudo,
fixar intenção conjugal; os conviventes/pais se unem em prol de seus filhos e a eles é destinado todo seu
empenho.

E em relação a união estável homoafetiva com Thiago? Em 2011, o STF, no julgamento da ADI
nº 4277 e da ADPF nº 132, decidiu reconhecer a união homoafetiva como válida perante o ordenamento
jurídico. A partir daí, as uniões estáveis entre pessoas do mesmo sexo passaram ser permitidas. Portanto
é plenamente possível o reconhecimento da união estável entre Gugu e Thiago desde que preenchidos
os requisitos do art. 1.723 do Código Civil. Caso esse companheiro consiga provar a sua união estável
com Gugu, ele será considerado herdeiro devendo partilhar os bens do espólio com os outros herdeiros.

E seria possível o reconhecimento da união estável entre Rose e Gugu e também entre Gugu e
Thiago? Ou seja, pode ser reconhecida a existência de uniões estáveis simultâneas? O Supremo Tribunal
Federal ainda está julgando tal possibilidade, não tendo ainda decidido a questão. Entretanto, tribunais
e juízes de primeiro grau não têm entendimento uniformizado sobre o tema, pois há quem reconhecem
a possibilidade e outros não. Em 2018, por exemplo, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos
Territórios - TJDFT reconheceu a existência de duas uniões estáveis para um homem que teve
relacionamento concomitante com duas companheiras.

Apesar de haver tais decisões, que reconhecem a existência de uniões estáveis paralelas, a
jurisprudência do STJ afasta tal possibilidade. Não poderia, pois, haver duas uniões estáveis que,
coexistindo por determinado tempo, gerassem efeitos, inclusive sucessórios. O segundo relacionamento
poderia se configurar, no entanto, como uma sociedade de fato, e uma vez comprovado esforço comum,
poderia haver divisão de bens.

Foram protocoladas ações tanto por Rose quanto por Thiago, com o objetivo do reconhecimento
de união estável com Gugu. Entretanto, somente na ação movida por Rose é que houve decisão. A
decisão liminar, proferida pelo juiz da 9ª Vara da Família e das Sucessões do Foro Central da capital,
determinou que Rose teria direito a receber uma pensão de 100 mil por mês, após sua defesa afirmar que
a mesma não tinha recursos para manter as despesas de casa. O juiz ressaltou em sua decisão que o valor
é equivalente ao que o apresentador destinou para sustento de sua mãe.

A defesa de Gugu interpôs Agravo de Instrumento contra a liminar e na decisão, o desembargador


Galdino Toledo Junior, reduziu a pensão alimentícia de 100 mil reais para 10 mil dólares mensais, caso
seja reconhecida sua união estável com Gugu. Acontece que a defesa da família de Gugu apresentou à

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Justiça um documento que reconhecia que Gugu e Rose estariam “ligados tão e somente como pais e,
portanto, responsáveis pelo bem-estar dos filhos”. O contrato firmado pelos dois em março de 2011
confirma que os dois eram “amigos e unidos apenas na condição de pais dos filhos”. Percebe-se então
que a Justiça levou em consideração, na análise monocrática do recurso, o contrato de geração de filhos
realizado entre Gugu e Rose Miriam, afastando a existência da união estável, que deverá ser comprovada
por Rose.

Em virtude de tudo que foi narrado acima, nota-se que o caso do Gugu é um exemplo de como
as relações familiares estão cada vez mais modernas e que é preciso que o Direito de Família se adeque
a tais realidades, abarcando os novos tipos de família.

O caso em questão é bem emblemático visto que embora seja possível a configuração da união
estável, desde que preenchidos os requisitos do art. 1.723 do CC/02, existe um contrato de
coparentalidade firmado entre Rose e Gugu. Por conta disso, pressupõe-se que, na verdade, eles estavam
juntos em prol do bem-estar filhos. Ou seja, havia somente uma relação parental (entre pais e filhos) e
não uma relação conjugal/marital (entre os pais). Eles se uniram, viviam em harmonia e mostravam estar
juntos publicamente em prol dos filhos, não do casal. Portanto, uma vez sendo válido esse contrato não
poderia a união estável ser reconhecida.

Tal afirmação ainda se corrobora com a decisão de excluir do testamento sua “companheira”,
aliada ao fato de nunca terem se casado ou reconhecido sua união estável, mesmo dispondo de vários
meios e tendo recursos financeiros para isso.

Ademais ainda há possibilidade de Gugu ter convivido em união estável com outro homem. Tal
união também é possível, desde o julgamento da ADI nº 4277 e da ADPF nº 132 pelo STF, em 2001,
que decidiu reconhecer a união homoafetiva como válida perante o ordenamento jurídico. estando
presentes os requisitos do art. 1.723 do CC/02, sendo eles: a publicidade, continuidade, durabilidade e
finalidade de constituir uma família. São conceitos vagos que devem ser interpretados com base em
entendimentos jurisprudenciais e doutrinários. Preenchidas tais condições, não há por que não se
reconhecer a união existente em vida.

E outra dúvida surge: e se Thiago e Rose preenchem os requisitos para o reconhecimento da


união estável? Seria possível a existência de uniões em paralelo? Até então há opiniões divergentes entre
os juízes e os tribunais. Se a relação já existe de fato, por que não ser legitimada? Não basta se apegar à
literalidade da lei sem interpretá-la no contexto social, que exige uma constante evolução do Direito. O
que vale é que com ou sem proibição, essas formas de relacionamento vão continuar existindo,
legitimadas ou não, uma vez que os fatos sociais antecedem o Direito.

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