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SOBRE O AUTOR
Celso Antunes, educador brasileiro, nascido em São Paulo no ano de 1937.

Formação

 Licenciado em Geografia
 Especialista em Inteligência e Cognição
 Mestre em Ciências Humanas pela Universidade de São Paulo

Atuação

 Membro da Associação Internacional pelo Direito da Criança Brincar


(UNESCO)
 Embajador De La Educacion – Organización de Estados Americanos
 Membro Fundador da Entidade “Todos Pela Educação”
 Consultor Educacional da Fundação Roberto Marinho (Canal Futura)
 Exército Brasileiro – Colaborador Emérito

Obras publicadas

 Autor de mais de 180 Livros Didáticos – Ed. Do Brasil, Ed. Scipione. Ed Ao


Livro Técnico e outras.
 Autor de cerca de 100 Livros sobre temas de Educação – Ed. Vozes. Ed.
Papirus. Editora Paulus, Editora Loyola, Ed. Artmed. Ed. Rovelle Ed.
Ciranda Cultural e outras.
 Obras Traduzidas: Argentina, México, Peru, Colômbia, Espanha, Portugal
e outros países.

Eventos

 Ministrou Palestras e Cursos em todos os estados do país, mais de 500


Municípios.
 Ministrou Palestras e Cursos na Argentina, Uruguai, Peru, México,
Portugal, Espanha e outros países.

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SOBRE O CURSO

Esse curso possui videoaulas com o conteúdo essencial do curso,


em um ambiente de aprendizagem pensado para você, com uma
navegação fácil e objetiva.

Antes de começar os estudos, navegue e explore o ambiente. Cada videoaula


possui um Fórum específico para que você possa esclarecer suas dúvidas, construir e
compartilhar seu conhecimento entre colegas.

Recomendamos que você ao se deparar com o exercício, somente responda


após ter estudado de modo coerente. O objetivo do exercício é enriquecer e fixar o
aprendizado de forma constante durante o período de curso, favorecendo a busca de
conhecimentos múltiplos acerca de uma formação continuada eficaz. Durante o período
do curso, você pode ver e rever o conteúdo quantas vezes quiser!

Nossa proposta possui objetos de aprendizagem complementares, como


recursos digitais que podem contar com Estudos de Caso; Simulações; Artigos, Textos,
Ilustrações, Fotos e Links, entre outros. Aproveite esses materiais também para
complementar seu aprendizado e aperfeiçoar seu conhecimento.

Acesse à Apostila (e-Book) do curso e aproveite ainda mais o seu tempo para
explorar os assuntos mais relevantes. E, quando surgir qualquer dúvida, conte com a
tutoria online, estamos aqui para ajudar e disponibilizar conhecimento para mudar
vidas.

Bons estudos!

Equipe Portal Educação

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INDÍCE

NOTAS DO AUTOR
1. PRÁTICAS DE ENSINO
2. O PROFESSOR E AS FERRAMENTAS
2.1.1 O Professor
2.1.2 As Ferramentas

3. UMA BOA AULA


3.1.1 O começo
3.1.2 Em sala de aula

4. CONTEÚDO
4.1 Como trabalhar o conteúdo em sala de aula

5. INTELIGÊNCIA, HABILIDADE E COMPETÊNCIA


5.1 Trabalhar a Inteligência, Habilidade e Competência em sala de aula

6. AVALIAÇÃO DE APRENDIZAGEM
6.1 Aprendizagem contínua

7. EDUCAÇÃO BRASILEIRA E TRANSFORMAÇÃO


7.1 Educação no cenário brasileiro
7.2 Comece agora

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Notas do Autor
O tema “Novas Maneiras de Ensinar, Novas Formas de Aprender” envolve
ideias e opiniões que se voltam para a busca de uma nova escola brasileira e que possa
se inspirar em sistemas de educação de países como a Finlândia, Dinamarca, Coreia do
Sul, Japão, entre outros, e que são considerados verdadeiros paradigmas de uma
educação de qualidade. Escritos por mim, Celso Antunes, refletem ideias que
fundamentam a construção progressiva dessa nova escola.

CELSO ANTUNES

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Práticas de ensino
Este material foi desenvolvido para ajudá-lo a refletir sobre as práticas
escolares da escola na atualidade. Antes convido você a refletir sobre os seguintes
aspectos:

 O que é ser um bom professor na atualidade?


 Hoje você considerar que dá uma boa aula?
 Você é um educador que faz a diferença na vida do seu
aluno?
 Recorda-se de alguma aula ou ação educacional
que transformou a vida do aluno?
 Você trabalha os conteúdos de maneira a
desenvolver a inteligência, competência e habilidade?

Esperamos que você encontre respostas a essas perguntas e tenha novas


formas de ensinar e novas maneiras de aprender.

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O professor e as ferramentas
O que é ser um professor no sentido pleno da palavra? O que representa em
tempos modernos se constituir naquele educador que marca o aluno, naquele educador
que efetivamente transforma? Eu penso que a resposta dessa pergunta nos liga à ideia
de ferramentas para transformar e educar de uma maneira significativa.

Vamos abordar um tema que envolve o professor de uma maneira geral, que
se aplica à educação infantil, ensino fundamental, ensino médio e, em alguns aspectos,
ao ensino superior.

O Professor

Em janeiro de 2014, eu tinha apenas 4 dias de férias e queria aproveitá-los


intensamente. Queria correr pela praia, brincar na areia, furar ondas, me deitar à beira-
mar. Então, junto com a minha esposa, resolvemos ir para a praia. Durante o caminho,
fui fazendo vários planos para aproveitar cada segundo.

No primeiro dia choveu torrencialmente, tornando impossível sair de casa e,


para piorar, no segundo e terceiro dia a chuva não cessou. Eu logo pensei que essas
curtas férias iriam ser engolidas pelo dilúvio. Quando o quarto dia amanheceu,
luminoso, azul resplandecente, logo desejei fazê-lo eterno: quero correr na areia e
brincar na praia. Antes de sair, a minha esposa pediu para eu ir ao mercado fazer
algumas compras, me senti frustrado, pois queria aproveitar logo esse dia maravilhoso.
Então sai cedo de casa para executar essa tarefa e me livrar logo para aproveitar o último
dia na praia.

As portas do mercado abriram e lá estava eu. Apressado, no corredor percebi


uma garotinha com uns 5 anos no máximo. Acabei paralisado com a emoção que a
infância despertou em mim, esqueci minha pressa e fiquei. E, falando comigo, fui
conversando com aquela garotinha: “Que coisa linda, ainda nem se quer uma flor é
apenas um botão, vai crescer, vai ter alegrias, tristezas, ganhos, perdas, enfim, quem na

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vida não as tem. ” Assim fui conversando, até que de repente fui surpreendido com uma
ação dessa garotinha! Fiquei me perguntando se ela estava tendo um surto, o que devo
fazer?! Porque ela começou a bater os pés e dizer desesperadamente: “Mamãe,
mamãe... a minha professora, mamãe, a minha professora, mamãe, ela está entrando
no mercado. ”

Então eu pensei, para aquela criança não é uma mulher, é uma fada, é uma
princesa, é a pessoa mais linda da Terra, é um ser mágico e misterioso. Ninguém que
entrasse naquele mercado provocaria o frenesi de tão grande espanto, de tão
formidável emoção, nem o atleta, tampouco um ator.

Quando apressado terminei minhas compras e para casa fui voltando, no


caminho falando comigo mesmo fui dizendo: “Que coisa, engraçada a vida, Deus poderia
ter escolhido para esse pobre filho pecador qualquer profissão: ser um engenheiro, um
arquiteto, um médico, um agricultor, um motorista. Mas, diante do elenco de tantas
opções, me deu a profissão mais linda, mais bela, aquela que faz todas as outras. ” E,
entrando em casa, ainda inspirado pelo silêncio da manhã, apoiei as compras sobre a
mesa, ergui os olhos para o alto e pensei: “OBRIGADO MEU DEUS, EU SOU UM
PROFESSOR! ” Por isso, se você escolheu essa nobre profissão ou se deseja educar, entre
nessas palavras e sinta-se à vontade, pois, juntos, vamos aprender, ensinar e
compartilhar histórias cheias de significados, técnicas, exemplos e ferramentas.

As Ferramentas

O que é ser um professor no sentido pleno da palavra? O que representa em


tempos modernos se constituir naquele educador que marca o aluno, naquele educador
que efetivamente transforma? Eu penso que a resposta dessa pergunta nos liga à ideia
de ferramentas para transformar e educar de uma maneira significativa.

Porque não há uma cirurgia sem ferramentas, uma obra de engenharia sem
ferramentas e, assim, não há uma obra educacional sem ferramentas. E qual seriam
essas? Eu penso que as ferramentas cruciais para a efetiva transformação, que um
educar ocasiona, estariam: 1) na aula que se ministra; 2) nos conteúdos conceituais que

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se passa; 3) na maneira que se trabalha a: habilidade, inteligência, competência; e 4) na
avaliação que se faz.

Portanto, a aula, os conteúdos e a maneira de trabalhar habilidades,


inteligências, competências e avaliação são as ferramentas que devem instrumentalizar
o professor, para efetivamente justificar naquela criança que olha a sua professora como
se descobrisse uma fada, ou mesmo naquele aluno adolescente que vê no seu professor
do ensino médio/fundamental a expressão daquele que busca imitar os caminhos da
educação.

Uma boa aula

O Começo

O que é uma boa aula? Será que por acaso em países considerados paradigmas
na educação, como é o caso da Finlândia, Dinamarca, Coreia do Sul? Países que no
exame do PISA (sigla inglesa para Programa Internacional de Avaliação de Alunos), que
têm seus alunos colocados em patamar de alto padrão, que infelizmente não é o que
ocorre com o aluno brasileiro. Existem muitas maneiras de como é uma aula e eu vou
explicar para vocês um dos muitos modelos de aula que eu observei nesses países que
citei, mas que, curiosamente, há mais de 40 anos eu tive a oportunidade de presenciar
em uma situação que vivi.

Naquela oportunidade, eu estava no último ano de faculdade, meu professor


de prática de ensino passou pela carteira, apontou o dedo para mim e disse de uma
maneira imperativa: “Você não me apresentou o relatório, ou você me apresenta o
relatório do estágio ou vou reprová-lo. “Quando ele saiu de perto, tremi dos pés à
cabeça, e preocupado em atender àquela solicitação, perguntei a um colega: “O que é
um relatório? ” E o colega disse: “Nada muito complicado, você tem que estagiar, visitar
escolas, assistir às aulas, você tem que descrever aquilo que você percebeu
confrontando com aquilo que o nosso professor disse que era o modelo correto. ”

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Nessa época, eu morava no bairro do Brooklin na zona Sul de São Paulo, e
procurei no Colégio Estadual Professor Alberto Conte, que por sinal anos depois lá
lecionei, autorização para poder estagiar. Procurei o diretor e ele, de uma maneira
simpática, disse: “Professor, se você quiser estagiar vá lá na sala do professor e converse
com o professor ou professora que você quer estagiar, se eles concordarem, não tenho
a me opor. ” Fui até a sala dos professores e perguntei ao inspetor de alunos para que
olhasse na grade horária quem da minha matéria ali estava, ele olhou e me respondeu
de uma maneira estranha, apresentando um sorriso meio sinistro dizendo: “Moço,
quem hoje dá sua matéria está aí hoje e é a dona Judith. ” Aquilo me pareceu estranho,
parecia que naquela indicação havia sacarmos, mas quem eu era para discutir? Pedi que
me descrevesse como era a dona Judith, para não ter que ficar perguntando a todos e
fui ao seu encontro.

Era hora do intervalo, os professores estavam todos ali, não tive dificuldade de
descobri-la. Baixinha, olhos pretos sedutores, cabelo espichado para o alto. E eu todo
tímido perguntei a ela se me autorizava a estagiar, e de uma maneira simpática
respondeu: “Estagiar nas minhas aulas? Mas isso é uma honra, um privilégio, mas me
diga uma coisa, meu filho, todos aqueles que querem estagiar em minhas aulas eu cobro
um preço. Você está disposto a pagar? Você tem que assistir às minhas aulas com o olhar
crítico, apontar meus erros, minhas falhas, porque assim você lecionará melhor do que
sou, você pelo jeito está vindo de uma faculdade, eu não fiz faculdade alguma, você
topa?!” Eu não tive como recusar, assisti a 1, 2, 3... 10 aulas da dona Judith, sem nunca
supor que 30 anos depois iria ver aulas similares a essas em países mais avançados
educacionalmente e em lugares que são paradigmas de educação.

Que saber como era a aula da dona Judith? Eu não penso descrever apenas para
que você uma bela recordação, mas porque essa descrição se constitui em uma análise
crítica, para que você pense o que dela pode incorporar nas suas aulas. Vamos, assim, a
essa inesquecível lembrança!

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Em Sala

Como era a aula da dona Judith? A primeira aula que me dispus a assistir,
sentei-me na última carteira com o caderno aberto, pronto para anotar suas falhas. Era
uma aula bem diferente, tão desigual das aulas que habitualmente eu acostumava
assistir, que eu atônico me perguntava se aquilo era uma aula, ou se as aulas habituais
que eu via eram aulas verdadeiras. Mal entrou na sala, apoiou sua mochila sobre a mesa
e lançou um problema, dizendo que iria começar abordando um tema da programação,
desenvolver um conteúdo, portanto iria falar sobre fenômenos. Um aluno perguntou:

– Dona Judith, o que é um fenômeno?

Me surpreendendo, ela respondeu:

– Mas olha só o que Arquimedes perguntou?! Uma bela pergunta, o que é um


fenômeno? Gente, me ajude, vamos fazer de conta que eu não saiba o que é um
fenômeno, se eu quiser saber, de que maneira eu vou saber?

Eu pensei que dona Judith não sabia o que era fenômeno, mas aos poucos fui
percebendo que ela queria levar o aluno a interagir, a aprender com outros alunos e,
sobretudo, descobrir as maneiras de encontrar e descobrir. Os alunos, que pensavam
como eu, começaram a sugerir, a propor. Uma aluna sugeriu:

– Dona Judith, a gente, quando não sabe alguma coisa, pergunta para alguém.

Imediatamente, dona Judith transformava isso em um problema.

– Perguntar para alguém? Bela observação! Mas, me diga uma coisa, e se um


dia eu precisar saber o que é um fenômeno e nenhuma das pessoas que eu tiver por perto
for capaz de responder? Eu fico sem saber?

O aluno respondeu:

– Dona Judith, uma outra alternativa é procurar nos livros!

– Mas, me diga, qualquer livro serve? Eu tenho em casa um livro bem grande
chamado “Catálogo Telefônico”, se eu procurar nele, eu vou achar?

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A classe toda interagindo, dizendo que não, que tinha que ser no livro certo,
um dicionário.

– Bela resposta que o Ricardo me deu, mas, me diga uma coisa, como eu vou
achar alguma coisa nesse dicionário sendo que ele não tem índice? Como eu vou achar?

Uma aluna disse:

– Dona Judith, o dicionário não tem índice porque é por ordem alfabética.

Vocês acabaram de falar uma linda palavra alfabética. E, portanto, vocês


devem perceber que palavra tem beleza também, senão nunca ninguém aqui vai ser um
poeta ou um escritor. Você já pensou, Carmem, um dia você por acaso tiver uma filha e
botar o nome dela de alfabética? Que boa ideia eu estou lhe dando?!

O aluno que perguntou o que era fenômeno pegou o dicionário da dona Judith
e procurou na letra F o significado da palavra. Na hora que ele pronunciou o conceito da
palavra, dona Judith escrevia na lousa palavra por palavra. Quando terminou, disse:

– Gente, esse conceito que está na lousa é a linguagem que o dicionário


descreveu, é a linguagem do escritor. Será que a gente não pode falar na linguagem do
pedreiro, do pescador, do servidor? Vamos fazer uma brincadeira.

Dona Judith pegou o giz e cortou 5 palavras que estavam na lousa e disse:

– Agora, vocês vão ter que dizer o que é fenômeno, sem usar essas palavras,
elas são proibidas, tem que usar outra. Será que vocês são capazes? Agora, vocês vão
estudar em grupo, porque tudo que na vida se faz, se faz em grupo. Então, minha
querida, você é A, B, C, D.

E assim foi repetindo até todos os alunos terem uma letra. A partir daí, bateu
palmas e disse:

– Agora, naquele canto quem tem letra A, naquele outro a letra B, C. Vocês vão
consultando, falando, trocando ideias sem aquelas palavras e dizer o que é um
fenômeno.

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E a classe ia trabalhando, interagindo, os alunos se faziam protagonistas, não
havia tempo para indisciplina. Dona Judith percorria a sala dizendo o quanto achava
aquele movimento lindo:

– Estão vendo, vocês já têm um fenômeno, não aquele que está escrito no
dicionário, mas aquele construído com a linguagem de vocês. Mas agora estou
percebendo um problema, será que a gente pode ver um problema na
interdisciplinaridade? O grupo A vê o fenômeno na matemática? Será que vocês são
capazes? Grupo B, vocês são capazes de pôr o fenômeno na geografia?

Os grupos começaram a trabalhar na interdisciplinaridade e, de tempos em


tempos, ela alternava os grupos.

– Agora que vocês já foram capazes de conceituar com as palavras de vocês e


de trocar interagindo para chegar de uma maneira melhor e já foram capazes de pôr o
fenômeno na interdisciplinaridade, vamos colocar fenômeno nos verbos de ação. Por
exemplo, grupo C, use fenômeno para comparar; grupo A, use fenômeno para analisar;
grupo B, para sintetizar.

Dessa forma, os grupos interagiam mais ainda, a professora menos do que falar
colocava problemas, desafios, não tinha tempo para ócio. A aula chegava ao fim e Judith
anunciou:

– Olha quem está entrando na sala, é o doutor Epaminondas que trabalha


valores. Vamos trabalhar valores? Grupo A, vocês são capazes de trabalhar com o
fenômeno na bondade? O fenômeno na justiça? Na solidariedade?

E assim as aulas da dona Judith iam trabalhando valores, conteúdos, ação,


parecia inigualável. E, depois de algum tempo, de ter assistido a 8, 9 aulas mais do que
meu estágio permitia, sem nunca imaginar que 30, 40 anos depois as veria em escolas,
em países que são paradigma de educação. Terminei o meu relatório de estágio, e antes
de levar ao meu professor, achei que seria de bom alvitre pedir para a dona Judith uma
rubrica e atestasse que eu estagiei. Voltei à escola e fui procurá-la, me disseram que
estava na biblioteca corrigindo provas. Quando vi a prova que ela corrigia, senti um gelo
percorrer sobre a minha espinha. Ela havia rabiscado aquela prova inteira,

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impressionado perguntei se aquele aluno havia errado a prova inteira? Ela ergueu
aqueles olhos meigos e disse:

– Se eu tiver errada, me perdoe, mas eu tenho essa mania de sublinhar aquilo


que meu aluno acerta! Porque, quando eu leio uma coisa boa, eu sublinho e meu aluno
já sabe, se tem algum trecho que não está sublinhado, ele já vem reivindicar.

Dona Judith, com essa mania, tornava a vergonha em vontade de aprender.


Portanto, a aula dela representa reflexões sobre mudanças que devemos fazer nas aulas
que lecionamos, não se trata de imitá-la ou não, mas de se refletir do que desse exemplo
posso aplicar na minha aula?

Percebem-se nessas poucas palavras e ainda mais naquelas que destacamos


para você as diversas técnicas, métodos e práticas? Sim? O nosso desafio está também
em ensinar com significado, com valor, com exemplos que perpetuaram a
aprendizagem. Estamos educando para um mundo em que se resolver problemas e não
temos isso em sala de aula? Vivemos em um mundo de pura interação social, sejam
presenciais ou digitais. Devemos plantar o protagonismo, pois isso fará a diferença no
futuro. Os alunos não devem aprender apenas em sala, devemos orientá-los para que
descubram novas maneiras de aprender continuamente. Devemos trazer a ação, a
interdisciplinaridade e, essencialmente, transformar a avaliação, que poderia ser uma
vergonha em uma nota baixa, na oportunidade de aprender mais.

Um pouco mais...

Da mesma forma como nos assusta e inquieta os males do corpo físico, assusta-
nos mais ainda as doenças do corpo social. A diferença, por exemplo, entre a
tuberculose e o racismo ou entre o câncer e a agressão irrefletida sobre o meio ambiente
é que as primeiras são moléstias corporais e ameaçam as pessoas, enquanto que as
segundas, como males sociais, agridem um outro corpo que não o físico, mas que tal
como este é também o nosso corpo social.

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FIGURA 1 – DOENÇAS DO CORPO SOCIAL X DOENÇAS DO CORPO FÍSICO

Assim sendo, jamais uma guerra, seja onde for e envolvendo quem envolver,
deve ser olhada como partida de futebol com direito à torcida por um dos lados. Toda
guerra é uma doença e, dessa maneira, a postura do educador diante desta deve
envolver sentimentos de lástima e ideias de horror. Essa concepção, entretanto, não
significa que é impossível usá-la como ferramenta de ensino.

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O maniqueísmo é herança de uma seita persa criada no século III por Manés e
que se baseava na certeza de que a existência humana é regida por dois princípios
opostos e inconciliáveis: o “bem” ou “mal”. Hoje em dia, diz-se que alguém é
maniqueísta quando enxerga apenas extremos e quando não pauta seu viver pela ideia
de que existe o cinza entre o branco e o preto, e existem valores intermediários entre o
8 e o 80 ou, ainda para complementar, entre 0 e 1.

Um aluno é maniqueísta quando nada vê de bom na ideia aparentemente ruim


e quando não aprende que mesmo algumas coisas boas podem apresentar aspectos
negativos. Uma guerra pode ser instrumento útil para se lutar contra essa crença e
combater toda distorção trazida por um pensar maniqueísta.

Como fazer isso?


Uma das maneiras é o professor – seja qual for a disciplina que ministra, pois
sempre é válida uma pausa para se educar além dos conteúdos explícitos – municiar-se
de informações sobre a guerra relativas aos pontos de vista de um dos lados e construir
com esses argumentos uma espécie de pauta de um advogado de acusação e, de igual
forma, assumir argumentos sobre pontos de vista do lado antagônico e com eles
construir os fundamentos de um advogado de defesa, ou vice-versa. Agindo dessa
forma, o professor pode construir uma aula, gastando uma parte do tempo ao
apresentar uma defesa apaixonada e intransigente para um dos lados, e imediatamente
após assumir defesa igualmente apaixonada e intransigente pelo lado antagônico. É
importante nessa aula que os alunos não saibam eventuais tendências do mestre e
vejam-se em meio a uma polêmica entre uma e outra visão.

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FIGURA 2 – PONTOS DE VISTA DO ALUNO

Após a apresentação das duas partes, deve a aula abrir-se para o debate, jamais
para a votação. E, na discussão que certamente se seguirá, cabe ao professor, aos
poucos, ir construindo a convicção com os alunos de que a vida não se interpreta por
concepções maniqueístas, mas pela sabedoria de olhar o mundo também por outros
olhares. Não parece difícil de se transpor o tema da guerra para o do viver cotidiano e,
assim, revelar-se que a beleza, a verdade e a bondade não constituem valores em si,
mas valores que são atribuídos a essas e outras circunstâncias.

Diante de tantas notícias sobre a guerra, não parece ser complicado alinhar os
argumentos do “sim” e os argumentos do “não” e, menos ainda, interessar agudamente
os alunos por essa aula onde o professor alterna da defesa à acusação. O lado mais
complicado de uma aula desse tipo é a imensa sinceridade do professor em não assumir
tendências e de fazer de seu trabalho e das discussões que o seguem um admirável
exercício de imparcialidade. Em síntese, é impossível ensinar os vícios do maniqueísmo
pensando de forma maniqueísta.

Impossível acreditar que existam pessoas que duvidam da lei da gravidade e de


outras que não creem que o ar não tem cor, já que o céu é azul. O direito à opinião é
livre, mas a solidez com que a ciência constrói certas respostas não permite que destas

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se duvide e quem o faz deixa de ser “diferente” e assume o papel de idiota ou, na melhor
das hipóteses, de ingênuo.

O que é dito em relação às descobertas científicas vale também para a


educação infantil e, assim, é impossível acreditar que ainda existem pessoas que olhem
a criança como adulto pequeno e, dessa forma, a caminho de aguardar tempo para
assumir competências. Para essas pessoas, todas as crianças são mais ou menos como
pizzas ainda cruas, que necessitam demorar ao forno para alcançar cozimento ideal. Por
que assim pensam, afastam a criança do mundo em que vivem e da cultura nas quais se
encontram inseridas. Os que assim creem defendem que a educação infantil deve ser
mais ou menos como a educação de adultos, só que “extremamente simplificada”, que
a maneira de se falar com a criança deve se assemelhar àquela que se usa com
cachorrinhos, e que deve prevalecer a indiferença e desrespeito em relação ao que a
criança sabe. Essa concepção de ensino acredita que a cabecinha do aluno é como um
copo vazio que necessita de informações que, despejadas gotinha a gotinha, um dia
deverão enchê-lo.

FIGURA 3 – CRIANÇA NÃO É UM ADULTO PEQUENO

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Nessa visão de escola, existe rígida diferenciação entre os momentos de brincar
e outros de aprender, e o pensamento da criança não deve ser explorado senão para
obedecer às regras. Regras muitas vezes passadas com voz doce e ternura, mas que, por
estarem definitivamente prontas, libertam a necessidade de sobre elas se questionar. A
escola nessas bases apoiadas se inspira na “prontidão” e, como por ela se espera,
aguarda-se o momento oportuno para que a criança possa ser alfabetizada e saiba fazer
continhas. A infância existe apenas como fase de espera e, por isso, torce-se para que
transcorra rapidamente e que, liberta desta, possa finalmente a criança viver. Se
professores que assim pensam, pensassem apenas que a lei da gravidade não existe
seriam criaturas culturalmente inúteis, mas como, além de pensarem, agem, sua ação
mostra-se perniciosa e nociva para as esperanças de educação.

Alguns professores reagem a essa concepção troglodita, mas saltam do 8 para


o 80 e passam a defender ideia oposta de que a criança tudo sabe e tudo pode e,
portanto, aos adultos cabe apenas observar o crescimento, jamais intervindo ou
ajudando, pensando seus alunos tal como plantas carnívoras que, expostas ao ambiente,
receberão aqui ou ali moscas a devorar. Impossível saber quem é pior para a educação,
mas não pode restar qualquer dúvida que tanto aquela quanto essa prática são
retrógradas e que, engessando a mente infantil, roubam qualquer direito à esperança
no amanhã.

Mas nem tudo é motivo de perda e dor. Cresce de forma vigorosa o número de
verdadeiros educadores infantis que fundamentam a concepção de criança como ser
social e histórico e que necessita da educação para transformar os saberes de sua
experiência em saberes essenciais para usufruto de seus direitos e do direito à liberdade
de crescer. Os professores identificados com essa proposta de ensino organizam e
planejam suas ações a partir dos jogos e das brincadeiras
e, por seus meios, levam a criança a
pensar e descobrir a
singularidade de ser e estar no
mundo e usar múltiplas linguagens
para expressar essa admirável descoberta. São mestres atentos à curiosidade infantil e
à imensa vontade de conhecer o mundo e, por isso, organizam projetos

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transdisciplinares que envolvem temas associados à natureza e à cultura, à beleza, à
bondade e à verdade. Sabem que sua forma de agir jamais se encontra pronta, mas
simboliza busca permanente, caminho que a todo momento se refaz. Como existem
professores assim, existe a esperança de que o amanhã será melhor e de que não
deverão demorar os tempos em que todos os pais saibam distinguir os primeiros dos
segundos e compreender que a educação infantil é tudo, e o resto quase nada.

Conteúdo

Como trabalhar os conteúdos em sala de aula

É importante frisar que a aula é uma ferramenta de ensino para levar o aluno a
aprender e aprender a se transformar. E o professor que tem a coragem de criar a aula
tornando o aluno como protagonista, como dona Judith fazia, explorando diferentes
linguagens, realmente representa um papel imprescindível no atual mundo, onde a
informação tem fácil acesso. O aluno pode ter acesso ao conteúdo mesmo sem o
professor, mas é na aula onde ele discute, reflete, que vai desenvolvendo a capacidade
de aprender, reter e perceber que aquilo que se aprende se aplica no mundo que se
vive. Assim, aprendendo também a ouvir e respeitar.

Se uma das ferramentas cruciais é a aula e dona Judith se torna um modelo


para se extrair alguns elementos, como devemos fazer para que os conteúdos tomem
vida e não seja aquela mesma repetição de sempre que o aluno pode encontrar em
qualquer site? Eu acredito que a melhor maneira de ensinar conteúdo é vincular a vida
do aluno, contextualizar, fazer o aluno perceber que o conteúdo aprendido se faz
presente no cotidiano, fazendo o conteúdo ter corpo, alma, cheiro.

Por isso, professor, a aula que se dá é uma ferramenta, mas a maneira de


trabalhar o conteúdo é outra ferramenta imprescindível.

Escolas existem no mundo inteiro. Com variações, que envolvem bem mais os
recursos do que se faz do que propriamente a maneira como se faz, existem escolas no

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Ocidente e no Oriente, em países democráticos e em outros de marcante pressão
ditatorial. Essa presença e uniformidade internacional da escola é, no mínimo,
surpreendente. Não seria possível imaginar um país onde os familiares fossem a única
fonte transmissora da herança cultural? Seria absurdo pensar que em outros sábios
conselheiros via internet se encarregassem de transmitir os postulados necessários para
se bem viver? Claro que não! A escola é imprescindível da maneira como está instituída
e é por esse motivo que dessa mesma forma está em toda parte instituída.

FIGURA 4 – AS ESCOLAS ESTÃO INSTITUÍDAS POR TODA PARTE

Mas vale a pena insistir: Por que a escola, da forma que é, é imprescindível!
Será realmente ou representa uma convenção e simples desejo de manter nos tempos
de agora o que em outros tempos se fez? Não, rebaterão muitos. A escola é
imprescindível porque a Declaração Universal dos Direitos do Homem diz, em seu artigo
26, que toda pessoa tem direito à educação e que esta deve objetivar pleno
desenvolvimento da personalidade humana e ao fortalecimento do respeito pelos
direitos do homem e suas liberdades fundamentais. Além disso, prescreve que a
educação deve favorecer a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações
e todos os grupos raciais ou religiosos. Perfeito, se a escola existe por esses propósitos
e se são eles essenciais para uma cultura de paz, tudo bem. Entendem-se as razões do
existir da escola e a essência incontestável de sua importância.

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Mas sobra uma pergunta:

Se a resposta é afirmativa, por favor, chame-me depressa. Necessito do alento


dessa descoberta; tenho fome e voracidade em conhecer uma escola com essa plena e
incontestável razão de existir. A maior parte das que conheço está bem mais
preocupada em transmitir conhecimentos, ministrar conteúdos, adestrar habilidades
que, efetivamente, desenvolver ações que possam estruturar personalidades, favorecer
a compreensão e a tolerância e ensinar a fazer amigos. Não grifamos duas vezes a
palavra “ações” por diletantismo. Achamos que “ações” são coisas diferentes de
“conselhos” e nossa pergunta firma-se nessa diferença. Que hoje ou ontem, aqui e ali,
nesta ou naquela aula, o professor possa ministrar conselhos que pretendam conduzir
à estrutura integral da personalidade, não duvido. O pedido para que me chamem é,
realmente, para observar e aprender com os professores ações concretas, exercícios de
desenvolvimento da personalidade, projetos que ensinem a fazer amigos, alfabetização
emocional que, trabalhando relações humanas, possa realmente favorecer a
compreensão e a tolerância.

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Mas seria isso possível? De que maneira os professores poderiam se engajar
em um trabalho que, junto com os temas com conteúdo conceituais que pensam
ensinar, poderiam efetivamente trabalhar as razões cruciais da escola existir?

A resposta não é difícil, ainda que não possa ser a mesma para toda parte. Um
trabalho consciente jamais distancia-se da contextualização desses valores à realidade
do aluno e está varia de um ponto para outro. O que fica de unidade nessa esperança é
que as escolas que se reconstruíram na busca desse novo ensinar o fizeram após
discussões e reflexões de sua equipe docente. Nada de importar modelos, ainda que os
estudos destes sejam imprescindíveis, desnecessário clamar para que o Estado faça pela
escola o que sua equipe, muito melhor que ele, pode por ela fazer. Exemplos expressivos
de inclusão, práticas de relações interpessoais, estratégias múltiplas de educabilidade
emocional estão sendo experimentados em muitas partes e, ainda que possa existir uma
dispersão em termos dos caminhos procurados, descobre-se a firme unidade na
procura.

Unidade que pouco a pouco se constrói com uma equipe de professores que
almeja, sobretudo porque aprendeu a amar sua profissão, dar dignidade à sua função e
acreditar que se um amanhã melhor desejamos, em nossas mãos e de nenhum outro
profissional com tal intensidade, existe a certeza de que basta querer.

Inteligência, Habilidade e Competência

Trabalhar Inteligência, Habilidade e Competência em sala


de aula

Imaginemos que um avião caia em plena selva e um bebê, de apenas alguns


dias, seja resgatado por chimpanzés ou outros animais e por eles criado.
Imaginemos ainda que essa criança se faça adolescente e que, no
momento que o examinamos, possui 17 anos, período no qual não
conviveu ou viu qualquer ser humano.

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O que essa criança sabe da vida e do mundo com o qual interage?

Muitas coisas, muito mais que somos levados a crer. O ser humano, produto de
uma longa e lenta evolução biológica, incorporou uma série de “saberes” ou “instintos”
e, mesmo sem dispor de pessoas que os mostrassem ou fizessem com eles interagir,
seriam capazes de exercitá-los. Dessa maneira, é provável que essa criança
darwiniana fosse plenamente capaz de perceber que uma pedra atirada com
força produz efeitos diferentes que outra jogada displicentemente, que se
afiando a extremidade de uma outra, dela podemos fazer objeto de furar
e que a força e o movimento aplicado sobre um corpo podem transformá-
lo e como o transformam. Mesmo sem ter quem lhe ensinasse diferenças,
saberia reconhecer estruturas de animais e de plantas e identificar semelhanças e
distinções entre espécies. Teria por certa noção clara de grandeza, seria capaz, por
exemplo, de saber que dez macacos são bem mais que dois e, mesmo que não
aprendesse símbolos formais para com uma palavra expressar um número, perceberia
que existem expressões quantitativamente diferentes entre os seres ou as coisas ao seu
redor. Essa criança desenvolveria noção de perigo e saberia o risco de lugares altos,
águas revoltas e tempestades cruéis. O medo estaria cercando-a mesmo que jamais
alguém o demonstrasse e isso a afastaria de predadores, animais peçonhentos e feras
que poderiam estraçalhá-la; jamais saberia o nome de uma fruta, mas identificaria
coisas boas para comer e outras venenosas, desenvolvendo percepção de “veneno” e
apresentando reação “instintiva” sobre coisas nojentas, fugindo de produtos que nós
também consideramos repugnantes.

Esse “selvagem” não saberia falar a nossa língua, mas seria proprietário de uma
linguagem pessoal e, como ela, poderia atribuir nome às coisas e teria maneira própria
de usar uma gramática e com ela diferenciar singular de plural, masculino de feminino,
seres de coisas. Possuiria sensação de bem-estar ou de pavor e, como qualquer um de
nós, apresentaria estados de alegria e de tristeza, de calma e inquietação,
de raiva e até mesmo de vingança. Teria, enfim, um autoconceito e,
percebendo em suas iniciativas sucesso ou fracasso, organizaria
informações sobre seu “eu”. Mais tarde, ao ser eventualmente encontrado
pelos que se acreditam “civilizados”, ainda que pudesse aprender muitas

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coisas, mostraria uma inata capacidade de pressentir, tal como o fazemos, quem gosta
dele e quem o repudia e sobre quais valores alguns outros lhe atribuem. Mostraria senso
de orientação, provavelmente nunca se perderia nos caminhos que viesse a percorrer
e, se descobrisse uma companheira, mostraria conhecimentos de atração e repulsa,
sentimentos primários de sexo, e, tendo filhos, cuidaria de defendê-los, protegê-los,
mostrando por eles estranha, mas coerente, forma de amar. Possuiria noções de
fidelidade e de infidelidade e saberia, em relação a elas, reagir de maneira
surpreendentemente pertinente e parecida à nossa.

À luz dessas evidências que a biologia tão bem conhece e descreve e que a
teoria evolucionista de Darwin admiravelmente explica, ficaria uma questão essencial.
A escola é necessária? Se trazemos programadas em nossos genes tantas e tão curiosas
formas de se relacionar com o mundo e construir uma forma de viver, será que existe
espaço para mais coisas aprender e, por esse motivo, razão para estudar Piaget?

Claro que sim e a crônica seguinte busca justificá-la.

Existem coisas que aprendemos observando os outros, existem coisas que não
são necessárias que nos ensinem pois na experiência com as coisas descobrimo-las, e
existem coisas que aprendemos observando, ainda que, divagando sobre elas, podemos
melhor sobre estas pensar. Absolutamente sozinhos podemos descobrir que em dia frio
é melhor procurar o Sol, mas, se apreendemos, conquistamos lembranças e fantasias
sobre o Sol, podemos senti-lo inclemente mesmo em noite mais sombria. Mas de que
maneira aprendemos? O que os estudos de Piaget podem nos mostrar na transformação
de uma criança darwiniana?

Antes dessa resposta, há, entretanto, uma outra. Piaget, seus seguidores e essa
admirável rapaziada, que perscruta a mente e percebe a aprendizagem no instante em
que esta ocorre, não nos ensinam “como” aprendemos, mas nos mostram “como não
aprendemos” e saber da negação antes da afirmação é importante até mesmo para
descobrir se essa escola que ali está, aquele professor que ali trabalha, realmente ensina
ou pensa que ensina. Isso posto, torna-se válido garantir que o conhecimento não é uma
“coisa” que vem de fora ou se capta do meio, mas sim um processo interativo de

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construção e reconstrução interior; portanto, não pode ser “transferido” de um
indivíduo para outro, somente pode ser construído e reconstruído pela própria pessoa.

FIGURA 5 – O CONHECIMENTO NÃO VEM DE FORA

Mal avançando nas ideias de Piaget e já se leva um susto! Se conhecimento não


é uma coisa que vem de fora e, portanto, não pode ser transferido de um indivíduo para
outro, qual é o papel do professor, que à frente de seus alunos, fica receitando loas,
cantos ou versos sobre as Capitanias Hereditárias, o funcionamento do rim ou o clima
do Sudeste? Se conhecimento não é transferido, qual é o papel dos cursinhos em
“entupir” os alunos de informações, para que com elas conquistem o acesso às
faculdades? A resposta não é difícil. O papel desses professores é criar arquivos mentais
que levem seus alunos a memorizar coisas que, por algum tempo, as repetem e depois
destas se esquecessem. Você por acaso lembra da 1ª lei de Mendel? Sabe por que se
deram as Guerras Médicas ou sobre a Paz de Alias? Se há ou não valor intrínseco em
trabalhos como esses, é pura questão de opinião, mas dizer que com tais processos se
aprende é virar as costas à ciência e atirar-se no lixo os esforços de uma vida, devidos a
Piaget.

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Bom, mas aceitemos que quem fala de seus saberes nada ensina, fica a questão.
O que faz quem, verdadeiramente, ensina?

A resposta é imensa, muitas vezes superior à limitação da pergunta. Fiquemos,


pois, com uma síntese e em nome de Piaget reafirma-se que o conhecimento é
produzido pelas ações físicas e mentais da pessoa, no caso o aluno, juntamente com as
reações do objeto – ou saberes – a se deixar assimilar. O conhecimento assim jamais é
uma cópia da realidade, mas sim uma reconstituição, pessoal e intransferível, da
intermediação entre alunos e saberes. É, pois, bem mais um “desenho” que fazemos do
apreendido que uma “foto” que tiramos e arquivamos. Toda aprendizagem implica uma
“assimilação”, ou seja, uma transformação do objeto do conhecimento de forma a
torná-lo compatível com as estruturas mentais do estudante, por esse motivo cada
aluno possui uma concepção própria do apreendido.

FIGURA 6 – ASSIMILAÇÃO DO OBJETO DO CONHECIMENTO

Mas, se assim for, qual é o papel dos professores? Qual é a essência de seu
trabalho para ajudar o aluno a aprender? A pergunta já abriga a resposta. O segredo
está na palavra “ajudar” que poderia ser sinônima de intermediar. O papel do professor
não é o de transmitir informações, mas se fazer agente da significação que a elas os
alunos atribuem. O professor é um perguntador, desafiador, elaborador de problemas

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que, desafiando o aluno, estimula suas operações mentais sobre os saberes do mundo,
levando-o a interagir com eles através de ações operatórias que o envolvem a
reconstrução, à síntese, à contextualizando, e assim se age relacionando, comparando,
classificando, ordenando, avaliando, julgando, deduzindo, induzindo.

Todo professor é, em verdade, um “ajudante” de aprendizagens, um


especialista em desafiar, em facilitar caminhos pela dúvida e reconstrução, em auxiliar
uma pessoa a crescer. Entre todos os sinônimos extraídos do verbo “ajudar”, dois mais
claramente se identificam com a obra imensa de um verdadeiro professor; cooperar e
socorrer; “cooperar”, para Piaget e todos nós, é operacionalizar junto, construir ao lado,
e “socorrer” é trazer auxílio, correr para acudir.

É salvar da ignorância.

FIGURA 7 – PROFESSOR ENSINANDO/CONSTRUINDO

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Habilidade

Imagine sentados em uma mesa um advogado, um médico, um arquiteto, um


contabilista e um professor. Caso prefira, deixe o professor e escolha outros quatro
profissionais de outras áreas quaisquer e indague a eles com quantos especialistas da
sua área tiveram contato antes de buscarem sua formação.

A resposta é fácil de antecipar. Seja qual for a carreira escolhida, é grande a


probabilidade de que antes de se iniciar nesta se tivesse apenas eventuais contatos com
profissionais dessa área, circunstância que evidentemente difere muito para o caso do
professor. Encare seu caso pessoal, por exemplo: quantas vezes antes de se iniciar na
profissão travou contato com advogados? Ou com arquitetos? Mas com quantos
professores você se relacionou antes de chegar ao magistério?

Essa circunstância enfatiza que os profissionais existentes no mercado, em sua


grande maioria, não chegaram a ele inspirados em modelos vividos, mas na essência do
que aprenderam em seus estudos sobre essa profissão, mas
tal condição jamais ocorre com o professor que, ao buscar sua
carreira, por certo, conviveu com centenas de diferentes
professores e que, ainda que inconscientemente, propuseram
modelos que acabaram esculpindo seu jeito pedagógico de ser.
Sem nem mesmo perceber, esse professor busca a profissão já com
posturas de ação incorporadas para fazer a seus alunos aquilo que a
ele na ação profissional foi feito e despertou admiração ou surpresa.

E isso é mau? Claro que sim! Por melhor que, por exemplo, tivesse sido um
médico há trinta ou quarenta anos, seria um profissional absolutamente desatualizado
diante de novos recursos e de incontestáveis conquistas da medicina atual, e um bom
médico hoje em dia somente o é porque se acha sintonizado integralmente com seu
tempo e com os recursos que o caracterizam. O mesmo pode ser aplicado no caso de
professores. Há trinta ou quarenta anos, a concepção do que era um “bom” professor é
absolutamente diferente dessa concepção nos tempos de agora.

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Competência

Naqueles tempos, o importante era dominar conteúdos e transmiti-los para


que fossem memorizados; era desenvolver uma avaliação normativa e aprovar ou
desaprovar alunos pela capacidade de armazenarem informações, era ministrar aula
mantendo os alunos em silêncio e suposta atenção. Hoje em dia, essas posturas
docentes são ainda incontestáveis?

Será que bom professor não é todo aquele capaz de transformar informações
em conhecimento? Aquele capaz de despertar competências, estimular
inteligências? O professor que sabe valorizar o diálogo e promover
situações de relações interpessoais? O interrogador, desafiador,
propositor de problemas? O profissional que, efetivamente, sabe
construir saberes a partir da representação de seus alunos? O mestre
capaz de trabalhar a partir dos erros e dos obstáculos à aprendizagem?
Todo aquele capaz de ensinar o aluno a usar a integridade de seu
cérebro através de diferentes habilidades operatórias? O bom
professor não é quem é capaz de construir e planejar dispositivos e
sequências didáticas e de envolver os alunos em pesquisas e em
projetos, administrando a progressão da aprendizagem? Não
representa condição inconteste de qualidade docente conceber e fazer evoluir os
dispositivos de diferenciação? Ser profissional eficiente em educação não é se mostrar
capaz de seduzir seus alunos a se envolverem na aprendizagem e, portanto, na
reconstrução e compreensão do mundo? Ser plenamente apto em perceber novas
formas de se pensar e trabalhar o currículo permitindo que os estudantes possam
dominar e fazer uso de novas tecnologias e, assim, vivenciar e superar os conflitos de
seu entorno e da relação interpessoal de seus integrantes? Conhecer diferentes
estratégias de ensino, dirigindo diferentes situações de aprendizagem?

Nada temos contra modelos e será sempre válido e reconfortante mantê-los


em nossa lembrança, mas antes de incorporá-los existe a certeza de que os tempos são
outros e de que nada faz mais por um bom profissional que, efetivamente, apreender a

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filosofia e a essência de uma profissão e exercê-la de acordo com as mensagens e os
recursos de seu tempo.

FIGURA 8 – NOVOS MODELOS DE ENSINO

Avaliação de Aprendizagem

Avaliação Contínua

Chegamos ao ponto crucial do processo avaliativo, a avaliação da


aprendizagem. Não podemos confundir a avaliação da aprendizagem com a prova que

se aplica. Avaliação é um processo que permeia cada aula, porque “não existe
educação sem a transformação”. E a transformação do ser humano não

ocorre em um instante, ela se transforma em cada momento, por isso o professor tem
que ter um olhar reflexivo sobre o processo de avaliar.

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Muito me preocupa quando o professor acha que avaliação é aquele dia
designado para a prova, que avaliação é aquela folha escrita ou chamada oral, mas na
verdade o processo avaliativo ocorre a cada dia, e não há algo mais significativo, mais
grandioso para um professor que ama o que faz, do que perceber que seus alunos são
avaliados de maneira periódica. Nos primeiros dias do ano letivo a pessoa é uma, nos
últimos dias ela é outra. A avaliação do professor deve contemplar esse processo
evolutivo, a prova que ele fez em março, se ele fez sem qualquer resquício de evolução,
em novembro o professor deve contemplar a expectativa daquela mudança, daquela
transformação. Evidentemente aquele aluno está crescendo não apenas fisicamente, e
não apenas porque se mudou o conteúdo, mas porque mudaram as estruturas de uma
avaliação.

Eu acredito que uma boa avaliação da aprendizagem, a avaliação qual é


paradigma, que se faz em países como a Finlândia, Coreia do Sul, em países que têm um
potencial muito alto na educação, é algo que se assemelha um pouco ao um exame
médico, que eventualmente um clínico lhe propõe estando preocupado com seu estado
de saúde, solicita exames para saber o que está de fato acontecendo. Por mais que a
notícia não seja boa, ele jamais irá mandá-lo procurar uma funerária, porque, por mais
aguda que seja sua situação, aquilo para ele significa que o exame é um grito de ajuda.
Logo, a prova do aluno é um grito, um apelo de ajuda. Se ele tirou 10, 8, 7, parabéns,
mas se tirou 2, 3 é um grito pedindo ajuda.

Portanto, avaliar significa ter poder de ponderação, não é ter tempo, é olhar
com perspicácia, olhar o ser humano que se educa como se olha aquela planta que se
coloca no vaso, se não colocar a água diariamente, se não existe aquela sensação de que
ela está mudando, realmente não se está avaliando. Avaliar não é olhar o que o aluno
não fez apenas, mas é olhar aquilo que ele fez, por mais tímido que tenho sido o
progresso, que tipo de progresso existiu?! Aquela prova é um grito de apelo de um aluno
que me diz “me ajude”, e o professor não pode se furtar ao compromisso quando a isso
for solicitado.

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Educação brasileira e transformação

Educação no cenário brasileiro

Procurei mostrar ao professor brasileiro que, independentemente de ser


professor de educação infantil, ensino fundamental ou ensino médio, educar para a
realidade brasileira de uma maneira de como é possível pensar educação em países
paradigmas da educação, que estão no patamar entre os melhores em educação, não é
nenhuma tarefa impossível. Mas exige do professor um esforço a mais, de suplantar sua
rotina, de pensar que:

 Aula
 Conteúdo
 Habilidades, Inteligências E Competências
 Avaliação

Pode passar por outros canais, porque se o professor não muda e ele encara
que um ano letivo que começa representa dar continuidade ao ano anterior, a aula
acaba se tornando um tédio. O professor passa a viver na expectativa de que um dia vai
se aposentar e joga para fora toda aquela vitalidade de estar trabalhando com educação.

Portanto, a aula que se dá tem que ter uma visão crítica, o que não quer dizer
que tem que ser como dona Judith fazia, mas refletir que alguns fundamentos que ele
utiliza são extremamente plausíveis. Ser um professor contemporâneo é trabalhar os
conteúdos não só porque está descrito no livro didático, mas para que o conteúdo tenha
vínculo com a vida que se vive. Ser um professor moderno é ter a consciência que não é
possível prescindir de ter alguma ação no sentido de Habilidade, Inteligência e
Competência. E de perceber que mais que um conteúdo que se passa, é uma
transformação da pessoa que se trata e, nesse sentido, essa busca é imprescindível.

Mas isso tudo se culmina com uma excelente avaliação de aprendizagem não
só porque a obrigação regimental da escola me impõe a tarefa de fazer a prova, mas

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para ter naquela prova um diagnóstico da transformação da mudança. Porque, se
analisarmos o cenário da educação brasileira, há diferenças brutais entre professores
em qualquer unidade escolar, desde aqueles que os alunos têm uma ternura, mas que
no decorrer da vida os perdem. E aqueles que o aluno nunca mais esquece e que a cada
momento da sua vida está nele pensando sem mesmo se dar conta que nele que se
pensa!

Por isso, NOVAS MANEIRAS DE ENSINAR, NOVAS FORMAS DE

APRENDER. Um desafio para se tornar mais jovem, tenha a idade biológica que se tiver,
porque é importante realçar, não se mede professor pelos anos que ele tem, mas pelo
amor que ele se transforma e por essa ação de modelar pessoas e plantar amanhãs!

Comece agora

Eu vejo no educador que ouve/lê/assiste o desejo de mudança, a fuga da rotina,


o anseio pela ousadia de querer dar aula de maneiras diferentes. Se você estiver
realmente disposto a mudar, não tenha pressa, não comece a fazer tudo amanhã, vai de
vagar, passo a passo. Qualquer pequena mudança é um caminho para se pensar mais,
para se pensar melhor, portanto não tenha pressa! Eu concluo este curso com a citação
de um grande educador:

“Um professor que aprende, e realmente


quer mudar, é como alguém que
veste um sapato novo. ”
CÉLESTIN FREINET

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O sapato novo pode ter sua aparência bonita, brilhante, mas inicialmente ele
machuca os pés, causa estranhamento, em alguns momentos sentimos saudades do
velho, pois ele já tinha até o formato dos nossos pés.

Mas a melhor maneira de fazer um sapato novo nos dar o conforto de um


sapato velho é usá-lo, porque é no uso contínuo que nós vamos aperfeiçoando as suas
formas e um dia saímos por aí de sapato novo com a mesma qualidade e segurança de
um sapato velho!

Enfim

Esperamos que tenha aproveitado cada palavra escrita, cada segundo de vídeo,
cada material complementar para que tenhamos plantado a vontade de aprender cada
vez mais, que tenhamos contribuído com o seu aprendizado e ao compartilhar suas
experiências no fórum, você também contribuiu com o aprendizado dos colegas, por
isso, obrigado pela oportunidade de estarmos juntos nesses momentos.

Enfim, sucesso na jornada do aprendizado e até o próximo curso!

Equipe Portal Educação

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