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A problemática da constituição dirigente:

algumas considerações sobre o caso


brasileiro

Gilberto Bercovici

Sumário
1. Considerações Iniciais. 2. Do Estado
Liberal ao Estado Social. 3. Constituição garantia
e constituição dirigente. 4. Eficácia e efetividade
do programa constitucional. 5. Constituição
dirigente e decisão política. 6. A nova análise
de Canotilho e a “Responsabilidade Social”.
7. Crise de governabilidade e retorno ao Estado
Liberal. 8. Eficácia vinculante das normas
constitucionais programáticas. 9. Concretização
da Constituição. 10. Conclusões.

1. Considerações iniciais
Ao debruçarmo-nos sobre a problemática
da Constituição dirigente, ou seja, a consti-
tuição que define fins e objetivos para o
Estado e a sociedade, precisamos fixar-nos
ao texto de uma determinada constituição.
Isso porque o texto constitucional é o texto
que regula uma ordem histórica concreta, e
a definição da Constituição só pode ser
obtida a partir de sua inserção e função na
realidade histórica1. Esse é, nas palavras de
José Joaquim Gomes Canotilho, o “conceito
de constituição constitucionalmente ade-
quado”2. Dessa maneira, ater-nos-emos à
Constituição da República Federativa do
Brasil, de 5 de outubro de 1988.
A Constituição é a ordem jurídica
fundamental de uma comunidade num
dado período histórico, pois estabelece os
pressupostos de criação, vigência e execução
Gilberto Bercovici é doutorando em Direito do resto do ordenamento jurídico, além de
do Estado pela Faculdade de Direito da Univer- conformar e determinar amplamente o seu
sidade de São Paulo. Advogado em São Paulo. conteúdo. É a Constituição que fixa os
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princípios e diretrizes sob os quais devem nomia entre Estado de Direito e Estado
formar-se a unidade política e as tarefas do Social tem um caráter ideológico de que a
Estado, mas não se limita a ordenar apenas reestruturação democrático-social não pode
a vida estatal, regulando também as bases ser feita por meio do Estado de Direito,
da vida não-estatal3. refletindo a idéia de que a Constituição
A Constituição de 1988 é uma constitui- representa uma limitação do poder estru-
ção dirigente, pois define, por meio das tural, devendo os fins político-sociais serem
chamadas normas constitucionais progra- relegados para a administração, sendo o
máticas4, fins e programas de ação futura Estado Social, conseqüentemente, contrário
no sentido de melhoria das condições às liberdades individuais.
sociais e econômicas da população5. Na Nesse sentido, destaca-se a posição do
mesma linha das Constituições anteriores jurista conservador alemão Ernst Forsthoff,
de 1934 e 1946, a Constituição de 1988 que diz serem incompatíveis o Estado de
construiu um Estado Social, ao englobar Direito e o Estado Social no plano de uma
entre as suas disposições as que garantem a mesma constituição9 e destaca que o Estado
função social da propriedade (artigos 5º, Social deve limitar-se ao âmbito administra-
XXIII, e 170, III), os direitos trabalhistas tivo, não podendo alçar-se à categoria
(artigos 6º a 11) e previdenciários (artigos constitucional, pois a Constituição não é lei
194, 195 e 201 a 204), além de uma ordem social, devendo, além de tudo, ser breve10. O
econômica fundada na valorização do Estado Social de Direito não é, para Forsthoff,
trabalho humano e na livre iniciativa, tendo um conceito jurídico, no sentido em que dele
por objetivo “assegurar a todos existência não podem ser deduzidos direitos e deveres
digna, conforme os ditames da justiça concretos, nem instituições jurídicas11. Esses
social” (art. 170). Conforme assinalou Paulo argumentos se assemelham em muito aos
Bonavides6, a partir da Constituição de daqueles que defendem a desconstituciona-
1988, o Estado passou não apenas a conce- lização de inúmeras matérias da nossa
der, mas a fornecer os meios de garantir e Constituição, pois, além de ser “detalhista
efetivar os direitos sociais (entre outros, em excesso”, é muito extensa, com muitos
mandado de segurança coletivo, mandado artigos. Ao que parece, para eles, os nossos
de injunção e inconstitucionalidade por problemas resumem-se ao fato de a Consti-
omissão). tuição possuir 200 ou 20 artigos...
Para Luís Roberto Barroso, não há
qualquer justificativa a esse tipo de argu-
2. Do Estado Liberal ao Estado Social mento. O grande exemplo invocado na
O Estado Liberal, segundo, entre outros, defesa de um texto mais enxuto, a Consti-
o Professor Fábio Comparato, é estático, tuição norte-americana, foi fruto de condi-
conservador, cuja única tarefa é a de ções conjunturais e históricas únicas. Além
government by law, isto é, produzir direito, disso, embora o texto da Constituição tenha
por meio da edição de leis7. Os mecanismos permanecido praticamente inalterado (com
de freios e contrapesos, além de impedirem exceção das Emendas), ocorreram material-
o Estado de fazer o mal, isto é, ameaçar as mente inúmeras mudanças constitucionais
liberdades e garantias individuais, também mediante a jurisprudência. Para ele, os que
o impedem de empreender políticas ou defendem a adoção do modelo constitucio-
programas de ação a longo prazo, revelando, nal americano como solução à “prolixi-
assim, a inadequação estrutural dos poderes dade” dos nossos textos constitucionais
públicos nesse tipo de Estado8. são, na melhor das hipóteses, ingênuos12.
A grande mudança ocorreu com a Na realidade, segundo Paulo Bonavides, a
superação do Estado de Direito formal pelo Constituição tornou-se mais volumosa
Estado Social de Direito. A suposta anti- graças à preocupação de dotar certos
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institutos de proteção mais eficaz, ao anseio dessas mesmas políticas, acaba por se revelar
de conferir maior estabilidade a determina- incompatível com as instituições clássicas
das matérias e à conveniência de atribuir ao do Estado Liberal16.
Estado, por meio do texto constitucional, A base do Estado Social é a igualdade
encargos considerados pelo constituinte na liberdade e a garantia do exercício dessa
como indispensáveis à manutenção da paz liberdade. O Estado não se limita mais a
social13. promover a igualdade formal, a igualdade
No Estado de Direito, as regras jurídicas jurídica. A igualdade procurada é a igual-
estabelecem padrões de conduta ou compor- dade material, não mais perante a lei, mas
tamento e garantem também uma distan- por meio da lei17. A igualdade não limita a
ciação e diferenciação do indivíduo, por liberdade. O que o Estado garante é a
meio do Direito, perante os órgãos públicos, igualdade de oportunidades, o que implica
assegurando-lhe um estatuto subjetivo a liberdade, justificando a intervenção
essencialmente caracterizado pelos direitos estatal18.
e garantias individuais. Isso não significa
hoje oposição entre o Direito e o Estado. A 3. Constituição garantia e constituição
função do Direito num Estado de Direito
dirigente
moderno não é apenas negativa ou defen-
siva, mas positiva: deve assegurar, positi- O grande debate constitucional trava-se
vamente, o desenvolvimento da personali- entre aqueles que consideram a Constituição
dade, intervindo na vida social, econômica um simples instrumento de governo,
e cultural. O Estado de Direito atual não se definidor de competências e regulador de
concebe mais como anti-estatal. procedimentos, e os que acreditam que a
Com as novas tarefas do Estado, o livre Constituição deve aspirar a transformar-se
desenvolvimento da personalidade não num plano global que determina tarefas,
mais se baseia no apego à propriedade estabelece programas e define fins para o
contra a intervenção estatal, excludente de Estado e para a sociedade. No primeiro caso,
boa parcela da população, mas se funda nas a lei fundamental deve ser entendida
próprias prestações estatais. O arbítrio dos apenas como uma norma jurídica superior,
poderes públicos é evitado mediante a abstraindo-se dos problemas de legitimação
reserva da lei e do princípio democrático, e domínio da sociedade. A Constituição
característicos do Estado de Direito. A busca como instrumento formal de garantia não
de melhorias sociais e econômicas dá-se sem possui qualquer conteúdo social ou econô-
o sacrifício das garantias jurídico-formais mico, sob a justificativa de perda de juridi-
do Estado de Direito. Afinal, a liberdade é cidade do texto. As leis constitucionais só
inconcebível sem a solidariedade, e a servem, então, para garantir o status quo. A
igualdade e progresso sócio-econômicos Constituição estabelece competências,
devem fundar-se no respeito à legalidade preocupando-se com o procedimento, não
democrática14. com o conteúdo das decisões, com o objetivo
Governar, no entanto, passou a não ser de criar uma ordem estável. Subjacente à
mais a gerência de fatos conjunturais, mas essa tese da Constituição como mero
também, e sobretudo, o planejamento do “instrumento de governo” está o liberalismo
futuro, com o estabelecimento de políticas a e sua concepção equivocada de separação
médio e longo prazo. Com o Estado Social, o absoluta entre o Estado e a sociedade, com a
government by policies substitui o government defesa do Estado-mínimo, competente
by law do liberalismo. A execução de apenas para organizar o procedimento de
políticas públicas15, tarefa primordial do tomada de decisões políticas. Deve-se deixar
Estado Social, com a conseqüente exigência claro que o Estado não é o único opressor19,
de racionalização técnica para a consecução assim como nem sempre o Estado-mínimo e
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sua Constituição são os melhores guardiães processo econômico22. A Constituição deixa
da liberdade. A Constituição não pode de ser apenas do Estado, para ser também
restringir-se ao Estado, deve ser a lei da sociedade.
fundamental também da sociedade20. A dualidade marca as discussões em
As teorias redutoras da Constituição a torno da Constituição, contrapondo a idéia
mero instrumento de governo são insufi- de sociedade civil e liberdade (mercado) à
cientes, pois hoje se constata que organizar idéia de sociedade e igualdade (Estado). Ao
e racionalizar os poderes pressupõe alguma invés de considerarmos esses pontos como
medida material para o exercício desses absolutos, devemos ter em mente que o
poderes. Passa-se a se exigir a fundamen- problema da Constituição dirigente é um
tação substantiva para os atos dos poderes problema de transformação da realidade.
públicos. Tradicionalmente, essa funda- Quando se questiona a Constituição diri-
mentação material é dada essencialmente gente e sua matriz programática, opõe-se
pelos direitos fundamentais. A fundamen- sempre a Constituição-garantia, instrumen-
tação pode limitar-se a princípios, denomi- to de governo. O problema está em como
nados por Canotilho princípios materiais deve ser conformada a realidade: se essa
estruturantes (Estado de Direito, Demo- adequação deve estar explícita ou não no
cracia, República), ou estender-se à impo- texto constitucional. Não podemos deixar
sição de tarefas e programas que os poderes de destacar que todas as constituições
públicos devem concretizar. A constitu- pretendem, implícita ou explicitamente,
cionalização de tarefas torna mais impor- conformar globalmente o domínio político
tante a legitimação material, embora não mediante a sua atuação. Hoje abandona-se
substitua (e nem deveria) a luta política. o ordenamento majoritariamente repressivo
Esse problema de legitimação gera o fenô- e afirmam-se novas funções do Direito, de
meno da dinamização da Constituição, condução e incentivo do processo social23.
expresso na consagração de linhas de
direção, na tendência para sujeitar os órgãos
de direção política à execução de imposições 4. Eficácia e efetividade do programa
constitucionais e na constitucionalização constitucional
dos direitos econômicos e sociais. A Cons- Os problemas da Constituição não são
tituição deixa de ser instrumento de gover- apenas os derivados da ordenação dos
no, definidor de formas e competências para limites e competências, mas também os de
o exercício do poder, insistindo-se na pro- fundamentação da ordem jurídica. Indepen-
gramática (tarefas e fins do Estado)21. dentemente da função de dar forma e
As tarefas e fins do Estado inseridos no procedimento à atuação estatal (a Consti-
texto constitucional e os princípios consti- tuição jurídica também é uma Constituição
tucionais são propostas de legitimação política), a fixação adquire sentido material
material da Constituição de um país. A quando relacionada a determinados fins. É
compreensão material da Constituição óbvio que uma constituição apenas defini-
passa pela materialização dos fins e tarefas dora de competências e garantidora de
constitucionais. Se o Estado constitucional liberdades formais atinge mais facilmente o
democrático não se identifica apenas com o ideal de efetividade imediata. Uma consti-
Estado de Direito formal e quer legitimar-se tuição programática, por sua vez, torna mais
como Estado Social, surge o problema da transparente a vinculação dos órgãos de
Constituição dirigente, que passa pela direção política ao fornecer linhas de
questão da legitimação além dos limites atuação e direção. A Constituição enquanto
formais do Estado de Direito, baseando-se lei fundamental tende a refletir a interdepen-
também na transformação social, na distri- dência do Estado e da sociedade (ela é
buição de renda e na direção pública do estatal e social). De acordo com Canotilho, o
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sentido normativo de uma constituição ções das mais variadas (observância 29,
concebe-se como prospectivamente orien- execução30, aplicação e uso do direito),
tado, sem fechar o sistema, pois não é podendo ser compreendida genericamente
apenas o garantidor do existente, mas deve como concretização normativa. Para ele, esse
ser o esboço do porvir24. processo sofre bloqueios sempre que o
O caráter programático suscita proble- conteúdo do texto legal positivado for
mas específicos que põem em jogo a força rejeitado, desconsiderado ou desconhecido
normativa da Constituição, pois implica que nas diversas interações da sociedade31.
se confie a concretização a instâncias Detentoras de eficácia jurídica, as normas
políticas, dependendo da vontade dos programáticas têm, assim, possibilidade de
detentores do poder político25. A amplitude ter alcançados os seus objetivos, ou seja,
e a indeterminação do texto constitucional possuem perspectiva de efetividade32, ou nas
não supõe, segundo Konrad Hesse, a palavras de Cármen Lúcia Antunes Rocha:
incapacidade da Constituição para regular “Os efeitos da norma constitucio-
a vida do Estado e da sociedade. Segundo nal, contudo, são sempre plenos, vale
ele, a Constituição não se limita a deixar dizer, o que nela se contém e se consti-
matérias abertas, mas a estabelecer, com tuiu é efetivável”33.
caráter vinculante, o que não pode ficar Já a efetividade, ou eficácia social, refere-
aberto e indeterminado, além de estabelecer se à implementação do programa finalístico
os procedimentos por meio dos quais que orientou a atividade legislativa. A norma
podem ser decididas as questões abertas26. só será efetiva quando seu objetivo for
O pensamento constitucional tradicio- alcançado por força de sua eficácia (obser-
nal, de acordo com Konrad Hesse, está vância, aplicação, execução, uso), ou seja,
marcado pelo isolamento entre norma e quando ocorrer a concretização do comando
realidade, dando-se ênfase em uma ou outra normativo no mundo real34.
direção. Assim, chega-se a uma norma
despida de elementos de realidade ou a uma
realidade sem elementos normativos. A 5. Constituição dirigente e decisão
norma constitucional não tem existência política
autônoma em face da realidade. Sua essên- As constituições dirigentes, como a
cia reside na vigência e na pretensão de nossa de 1988, vêm sendo duramente
eficácia (a situação regulada pretende ser criticadas nos últimos tempos. O grande
concretizada na realidade), que não podem debate travado diz respeito à continuidade
ser separadas das condições históricas. É ou não de um modelo de desenvolvimento
graças a essa pretensão de eficácia que a centrado no Estado intervencionista. Em
Constituição vai procurar ordenar e confor- termos jurídicos, surgem os grandes defen-
mar a realidade. A Constituição adquire sores da “desconstitucionalização” e da
força normativa na medida em que logra “desregulamentação”. Em 1982, Canotilho
realizar essa pretensão de eficácia27. já tratava do tema:
A eficácia pode ser compreendida tanto “A ‘desconstitucionalização’ de
no sentido jurídico quanto no social. No matérias em nome de uma ‘desesta-
primeiro caso, diz respeito à possibilidade dualização’ e ‘desregulamentação’
jurídica de aplicação da norma, ou seja, é a mostra as conseqüências a que uma
qualidade de produzir, mais ou menos, apressada crítica contra a juridiciza-
efeitos jurídicos ao regular situações ou ção conduz: aquela – a desestaduali-
comportamentos. No segundo, trata-se da zação – propõe a substituição da
conformidade das condutas à norma, isto é, normatividade constitucional pela
se ela foi realmente observada28. A eficácia ‘economicização da política’ e da
da lei, para Marcelo Neves, abrange situa- vinculação jurídica do sistema político
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pelas ‘leis económicas’; esta – a des- se normatizados na Constituição. Afinal, a
regulamentação – pede a minimiza- Constituição legitima o poder político do
ção da vinculação jurídica dos fins Estado. O programa constitucional não tolhe
políticos para tornar mais claudicante a liberdade do legislador ou a discriciona-
o estatuto político-social já alcançado riedade do governo, nem impede a reno-
(direitos dos trabalhadores, medidas vação da direção política e a confrontação
sociais, garantias de qualidade de partidária. Essa atividade de definição de
vida)”35. linhas de direção política tornou-se o
Uma das críticas mais comuns feitas à cumprimento dos fins que uma república
concepção de constituição dirigente é a de o democrática constitucional fixou em si
texto constitucional promover de tamanha mesma. Cabe ao governo selecionar e especi-
forma o dirigismo estatal que estaria preten- ficar sua atuação a partir dos fins constitu-
dendo substituir o processo de decisão cionais, indicando os meios ou instrumentos
política. Nesse sentido, afirma Diogo de adequados para a sua realização39.
Figueiredo Moreira Neto: Segundo Cristina M. M. Queiroz:
“O caminho do desenvolvimento “Não obstante, o direito constitu-
institucional só estará aberto quando cional não abrange o ‘todo’. O legisla-
as fórmulas impositivas de políticas dor constitucional encontra-se, de
públicas forem varridas da Constitui- facto, na impossibilidade de prever
ção, abrindo espaço para que se pos- qual o tratamento das relações consti-
sa praticar uma autêntica democracia tucionais futuras no quadro de uma
de escolhas de como queremos ser go- sociedade cambiante e mutável em
vernados e não apenas de escolha de matéria de valores. Mas tal não o
quem queremos que nos governe”36. impede de conformar e sancionar
A Constituição dirigente não estabelece (:legitimar), nomologicamente, a
uma linha única de atuação para a política, totalidade da relação de vida política.
reduzindo a direção política à execução dos A política encontra-se submetida a um
preceitos constitucionais, ou seja, substitui complexo sistema de imposições e
a política. Pelo contrário, ela procura, antes limitações constitucionais. Da sua con-
de mais nada, estabelecer um fundamento formidade ou desconformidade com a
constitucional para a política, que deve parametricidade da norma constitu-
mover-se no âmbito do programa constitu- cional depende em larga medida a ques-
cional. Dessa forma, a Constituição dirigen- tão da sua constitucionalidade”40.
te não substitui a política, mas se torna a
sua premissa material. O poder estatal é um 6. A nova análise de Canotilho e a
poder com fundamento na Constituição, e “Responsabilidade Social”
seus atos devem ser considerados constitu-
José Joaquim Gomes Canotilho, em sua
cionalmente determinados. Inclusive, ao
última obra, Direito Constitucional e Teoria da
não regular inúmeras questões (afinal, Constituição, afirma que o problema funda-
nenhuma constituição pode-se pretender mental da constituição na atualidade é o de
completa ou perfeita), cabe à discussão saber ponderar as medidas liberais e estatais
política solucioná-las. A função da Consti- que devem informar o texto constitucional
tuição dirigente é a de fornecer uma direção para que a Constituição continue sendo o
permanente e consagrar uma exigência de documento fundamental da res publica sem
atuação estatal37. se converter em instrumento totalizador com
A definição dos fins do Estado não pode concepções unidimensionais do Estado e da
nem deve derivar da vontade política sociedade41.
conjuntural dos governos38. Os fins políticos Revendo posições anteriores, Canotilho
supremos e as tarefas do Estado encontram- defende que a Constituição deve evitar
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converter-se em lei da totalidade social, para disso, nenhum sistema pode pretender
não perder sua força normativa42. Afirma dirigir a sociedade como um todo, o que
que os textos constitucionais de cunho invalida as pretensões do Direito, do Estado
dirigente (como a Constituição portuguesa e da Política de promoverem a integração
de 1976 e a brasileira de 1988) perderam a social. O ordenamento jurídico passaria a
capacidade de absorver as mudanças e ser um ordenamento de coordenação,
inovações da sociedade, não podendo mais viabilizando a autonomia dos sistemas para
integrar o todo social, tendendo a exercer maximizar sua racionalidade interna.
uma função meramente supervisora da Embora não possa impor soluções para os
sociedade, não mais diretiva. As constitui- sistemas, o ordenamento jurídico levaria
ções dirigentes padeceriam de uma “crise esses sistemas, com base nos princípios da
de reflexividade”, ou seja, não mais conse- “responsabilidade social” e da “consciência
guiriam gerar um conjunto unitário de global”, a uma reflexão sobre os efeitos sociais
respostas, dotado de racionalidade e de suas decisões e atuação, induzindo-os a
coerência, às cada vez mais complexas não ultrapassar situações limite em que
demandas e exigências da sociedade. A todos perderiam47.
eficácia das constituições é cada vez mais Esse modelo do direito reflexivo não está
contestada43, podendo fazer com que pas- livre de críticas. Destacaremos apenas
sem a ser consideradas meramente como uma48, que diz respeito ao fato de que, para
“constituições simbólicas”44. funcionar sem grandes traumas, a sociedade
A Constituição, para Canotilho, não tem depende do acatamento pelos vários siste-
mais capacidade para ser dirigente. Deve, mas dos princípios da “responsabilidade
assim, limitar-se a fixar a estrutura e social” e “consciência global”. Ou seja,
parâmetros do Estado e estabelecer os critica-se a “utópica” pretensão do Estado e
princípios relevantes para a sociedade45. Os da Constituição de quererem regular a vida
sistemas jurídico e político, assim, não social mediante um programa de tarefas e
podem mais ter a pretensão de supremacia objetivos a serem concretizados de acordo
e universalidade sobre os outros sistemas com as determinações constitucionais e, em
sociais (como o econômico)46, ou seja, não seu lugar, propõe-se, não menos utopica-
podem mais pretender regulá-los de maneira mente, na nossa opinião, que os vários
eficaz. sistemas agirão coordenados pela idéia de
Grande parte das críticas ao modelo de “responsabilidade social”.
Estado e de constituição existentes hoje é Utilizemos, para demonstrar a fragilidade
proveniente de teorias como a teoria do desse tipo de argumentação, as afirmações
direito reflexivo. Grosso modo, essa teoria tem de Diogo de Figueiredo Moreira Neto:
por fundamento o postulado de que o “Nesse sentido, e recuando elegan-
Estado e seus instrumentos jurídico-norma- temente de posições anteriores, como
tivos não mais têm capacidade de regular a convém a um sábio de seu porte,
complexidade da sociedade contemporânea. Gomes Canotilho considerou ‘pertur-
Diante dessa incapacidade do Estado, a bador da identidade reflexiva – capa-
própria sociedade busca reduzir a sua cidade de prestação de uma Consti-
complexidade por meio da diferenciação tuição e impeditivo de um desenvol-
interna em vários sistemas, cada um deles vimento constitucional – ... fazer
atuando em áreas determinadas e auto- acompanhar a positivação de direitos
organizando suas estruturas, ordenamento, de um complexo de imposições cons-
identidade, etc. Essa diferenciação da titucionais tendencialmente confor-
sociedade em vários sistemas faz com que madoras de políticas públicas de
não haja mais necessidade das normas direitos econômicos, sociais e cultu-
gerais e padronizadoras do Estado. Além rais’. Parece claro que a reflexividade,
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assim pretendida, poderá contribuir no arquivo essa obra do copismo de
imensamente para reforçar os demais esquerda”52.
emergentes acima referidos, abrindo Para ele, o Estado deve ser mínimo,
espaços para a participação, substi- baseado no princípio da subsidiariedade.
tuindo o dirigismo estatal pela consen- No entanto, mesmo o princípio de subsidia-
sualidade, avivando o sentido de identi- riedade deve ter suas prioridades hierarqui-
dade e de responsabilidade da sociedade zadas, dependendo da importância da
civil e, sobretudo, a sua sensibilidade matéria para o bem comum e os recursos
moral, indispensável à sólida funda- disponíveis pelo Estado53. O Estado, assim,
mentação de uma duradoura teoria da deve limitar-se a ser o fiscalizador e incenti-
justiça, sem a qual o direito não é mais vador da iniciativa privada, nunca agente
que uma coleção anódina de regras”49. de políticas públicas.
Não basta alegar que devemos substituir Na realidade, o que pretendem os atuais
a determinação e realização exclusiva das críticos da Constituição é a volta ao Estado
políticas públicas e sociais por parte do mínimo do liberalismo do século XIX.
Estado pela supremacia do chamado Pretendem eles relegar o poder do Estado a
“princípio da responsabilidade”, baseado simples garantidor, nas palavras de Diogo
apenas na atuação da sociedade civil, como de Figueiredo Moreira Neto, do funciona-
o fizeram Diogo de Figueiredo Moreira Neto mento das três instituições fundamentais do
e José Joaquim Gomes Canotilho. Ao invés Direito Privado e da economia de mercado:
de propor a concretização constitucional, a propriedade, o contrato e a responsabili-
Canotilho limitou-se a substituir a inefetivi- dade civil54.
dade das políticas estatais previstas nas Essa concepção, hoje em voga, pretende
chamadas constituições dirigentes pela ignorar as mais atuais concepções do Direi-
responsabilização da sociedade civil pela to Privado. A evolução do Direito Privado
implementação dessas mesmas políticas50. moderno, a partir de 1918, evidencia uma
série de traços comuns. O principal diz
7. Crise de governabilidade e retorno ao respeito à relativização dos direitos privados
Estado Liberal pela sua função social. O bem-estar coletivo
Outras críticas feitas à Constituição de deixa de ser responsabilidade exclusiva do
1988, enquanto constituição dirigente, Estado e da sociedade, para conformar
dizem respeito à questão da governabili- também o indivíduo55. Os direitos indivi-
dade. Para Manoel Gonçalves Ferreira Filho, duais não são mais entendidos como
a Constituição de 1988 agravou a governa- pertencentes ao indivíduo em seu exclusivo
bilidade brasileira ao sobrecarregar o Estado interesse, mas como instrumentos para a
de tarefas, sem providenciar os recursos construção de algo coletivo. Hoje não é mais
para as mesmas, ou seja, preocupou-se com possível a individualização de um interesse
a distribuição de riquezas, não com a particular completamente autônomo, iso-
produção delas51. Na sua opinião, a crise de lado ou independente do interesse público56.
governabilidade brasileira seria solucio- A norma constitucional tornou-se a razão
nada com uma nova constituição: primária e justificadora da relevância
“A superação da crise de ingover- jurídica, incidindo diretamente sobre o
nabilidade não prescinde, ao invés, conteúdo das relações entre situações
reclama, uma nova Constituição. A de subjetivas, funcionalizando-as conforme os
1988 nasceu fora de época, ainda valores constitucionalmente consagrados57.
inspirada por um marxismo vulgar Isso ocorre tanto na esfera da propriedade,
intitulado de socialismo ‘real’, que quanto na do contrato, da responsabilidade
logo se esboroou. É necessário jogar civil58 e até do Direito de Família.
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A autonomia privada deixou de ser um publicista, é desempenhado de manei-
valor em si59. Os atos de autonomia privada, ra cada vez mais incisiva pelo Texto
possuidores de fundamentos diversos, Constitucional”65.
devem encontrar seu denominador comum
na necessidade de serem dirigidos à reali- 8. Eficácia vinculante das normas
zação de interesses e funções socialmente
constitucionais programáticas
úteis60.
Na questão da propriedade privada, a Sendo patente a impossibilidade de
função social é mais do que uma mera retorno ao Estado Liberal, devemos ater-nos
limitação. Trata-se de uma concepção que à questão das normas programáticas. A
consubstancia-se no fundamento, razão e concepção simplista que considera inexis-
justificação da propriedade. A função social tentes ou de irrelevância social os textos
da propriedade não tem inspiração socia- legais carentes de eficácia normativa deve
lista, antes é um conceito próprio do regime ser rejeitada. Todas as normas constitu-
capitalista, que legitima o lucro e a proprie- cionais, inclusive as normas programáticas,
dade privada dos bens de produção, ao são dotadas de eficácia vinculante66. De
configurar a execução da atividade do acordo com José Afonso da Silva:
produtor de riquezas, dentro de certos “Temos que partir, aqui, daquela
parâmetros constitucionais, como exercida premissa já tantas vezes enunciada:
dentro do interesse geral. A função social não há norma alguma destituída de
passou a integrar o conceito de propriedade, eficácia. Todas elas irradiam efeitos
justificando-a e legitimando-a61. A proprie- jurídicos, importando sempre uma
dade dotada de função social legitima-se inovação da ordem jurídica preexis-
pela sua função. A que não cumprir função tente à entrada em vigor da Constitui-
social não será mais objeto de proteção ção a que aderem e a nova ordenação
jurídica, conforme salienta Perlingieri: instaurada. O que se pode admitir é
“A ausência de atuação da função que a eficácia de certas normas cons-
social, portanto, faz com que falte a titucionais não se manifesta na pleni-
razão da garantia e do reconheci- tude dos efeitos jurídicos pretendidos
mento do direito de propriedade”62. pelo constituinte enquanto não se
De acordo com a doutrina tradicional, a emitir uma normação jurídica ordiná-
propriedade privada, o contrato e a respon- ria ou complementar executória,
sabilidade civil são regulados pelo Código prevista ou requerida”67.
Civil e a Constituição serviria apenas como Equivocam-se, assim, aqueles que afir-
limite ao legislador ordinário, ao traçar os mam que as normas programáticas de uma
princípios e programas a serem seguidos. constituição como a de 1988 não são jurídi-
No entanto, essa visão hoje não procede63. cas. Elas possuem juridicidade, caráter
A perda de espaço pelo Código Civil decorre vinculativo e são uma imposição constitu-
da chamada publicização ou despatrimo- cional aos órgãos públicos68. Os instru-
nialização64 do direito privado, invadido mentos fornecidos pela própria ordem
pela ótica publicista. A Constituição sucedeu jurídica, consagrados na Constituição,
o Código Civil enquanto centro do sistema visando a consecução da justiça social, não
de direito privado, conforme acentuou podem ser, sob hipótese alguma, despreza-
Perlingieri: dos 69. A justiça social é determinante
“O Código Civil certamente per- essencial que conforma todas as normas da
deu a centralidade de outrora. O papel ordem econômica, de modo que só possam
unificador do sistema, tanto nos seus ser entendidas e operadas tendo em vista
aspectos mais tradicionalmente civi- esse princípio constitucional, além de ser
lísticos quanto naqueles de relevância uma exigência constitucional para todo
Brasília a. 36 n. 142 abr./jun. 1999 43
exercício de atividade econômica 70. O se com elas incompatíveis73. Ao ângulo
Estado brasileiro possui o dever jurídico- subjetivo, as regras em apreço confe-
constitucional de realização da justiça rem ao administrado, de imediato,
social, mesmo que seus dispositivos estejam direito a: (A) opor-se judicialmente ao
em normas programáticas. Segundo Celso cumprimento de regras ou à sujeição
Antônio Bandeira de Mello: a atos que o atinjam, se forem contrá-
“Uma vez que a nota típica do rios ao sentido do preceptivo consti-
Direito é a imposição de condutas, tucional; (B) obter, nas prestações
compreende-se que o regramento cons- jurisdicionais, interpretação e decisão
titucional é, acima de tudo, um con- orientadas no mesmo sentido e direção
junto de dispositivos que estabelecem apontados por estas normas, sempre
comportamentos obrigatórios para o que estejam em pauta os interesses
Estado e para os indivíduos. Assim, constitucionais por elas protegidos”74.
quando dispõe sobre a realização da
Justiça Social – mesmo nas regras 9. Concretização da Constituição
chamadas programáticas –, está, na
verdade, imperativamente, constituin- A força normativa da Constituição, para
do o Estado brasileiro no indeclinável Konrad Hesse, não se limita somente à sua
dever jurídico de realizá-la”71. adaptação à realidade concreta. A Consti-
No mesmo sentido, denuncia Paulo tuição impõe tarefas que devem ser efetiva-
Bonavides: mente realizadas. No entanto, isso se dará
“Vemos com freqüência os publi- somente se existir a, por ele denominada,
cistas invocarem tais disposições para “vontade de constituição” (Wille zur Ver-
configurar a natureza política e fassung). Essa “vontade de constituição”
ideológica do regime, o que aliás é possui três vertentes: a compreensão da
correto, enquanto naturalmente tal necessidade de uma ordem normativa
invocação não abrigar uma segunda contra o arbítrio, a constatação de que essa
intenção, por vezes reiterada, de ordem não é eficaz sem o concurso da
legitimar a inobservância de algumas vontade humana e de que a ordem norma-
determinações constitucionais. Tal tiva adquire e mantém sua vigência sempre
acontece com enunciações diretivas mediante atos de vontade75. O que Hesse
formuladas em termos genéricos e afirma é que a força normativa da Consti-
abstratos, às quais comodamente se tuição não depende apenas de seu conteúdo,
atribui a escusa evasiva da programa- mas também de sua prática. Se não forem
ticidade como expediente fácil para respeitados os princípios constitucionais,
justificar o descumprimento da von- desperdiça-se um capital que nunca mais
tade constitucional”72. será recuperado. As freqüentes revisões
Podemos destacar, seguindo a lição de expressam a idéia de que as exigências con-
Luís Roberto Barroso, os seguintes efeitos junturais têm mais valor que a ordem
das normas constitucionais programáticas: constitucional vigente76. Hesse conclui
“Objetivamente, desde o início de afirmando que a intensidade da força
sua vigência, geram as normas pro- normativa deriva diretamente da “vontade
gramáticas os seguintes efeitos ime- de constituição”77. Entre nós, infelizmente,
diatos: (A) revogam os atos normati- essa “vontade de constituição” praticamente
vos anteriores que disponham em inexiste nos altos escalões da República,
sentido colidente com o princípio que quer sejam do Executivo, do Legislativo ou
substanciam; (B) carreiam um juízo de do Judiciário.
inconstitucionalidade para os atos Muitos afirmam que um dos problemas
normativos editados posteriormente, da concretização constitucional é o da
44 Revista de Informação Legislativa
ausência de sanção pelo não-cumprimento tuttavia una efficacia indiretta, in quanti
das suas normas. Esclarece, no entanto, Luís principi generali d’interpretazione delle
Roberto Barroso que uma das sanções norme legislative, il significato delle quali
existentes no Direito Constitucional é a dovrà essere stabilito, nel dubbio e finchè
responsabilidade política78. O governante ciò si a consentito dalla loro formulazione
que descumprir ou violar dispositivos da testuale, nel modo più conforme alla
Constituição estará cometendo crime de norma programmatica”86.
responsabilidade (como os previstos no Os princípios, assim, são ordenações que
artigo 85 da Constituição, no caso do se irradiam e coordenam os sistemas de
Presidente da República), estando sujeito, normas. Apesar de serem base das normas
portanto, às penalidades previstas, inclu- jurídicas, os princípios podem estar positi-
sive a perda do mandato ou cargo público79. vados em um texto normativo, consubstan-
Ainda há a questão das omissões ciando as chamadas normas-princípio,
legislativas. De acordo com Crisafulli, as constituindo, assim, elementos básicos da
omissões legislativas configuram um com- organização constitucional. A constitucio-
portamento inconstitucional do Poder nalização dos princípios tem um importante
Legislativo. Na sua opinião, o mecanismo significado jurídico. Os princípios assumem
constitucional é organizado de maneira a força normativo-constitucional, superando
não compreender a inércia legislativa. A definitivamente a idéia de constituição
sanção, para ele, é a responsabilidade como mero “instrumento de governo”
política dos legisladores e dos agentes (Constituição-garantia), prevalecendo a
públicos que não cumpriram com seu dever adoção da Constituição dirigente. No
constitucional80. A Constituição de 1988 entanto, os princípios possuem grau de
instituiu como garantia contra as omissões abstração relativamente elevado, carecendo
legislativas a ação direta de inconstitucio- de mediações concretizadoras87.
nalidade por omissão e o mandado de Os princípios político-constitucionais
injunção81. integram o Direito Constitucional positivo,
A Constituição pode ainda ser concreti- explicitando as valorações políticas funda-
zada por meio da interpretação constitucio- mentais do legislador constituinte. Con-
nal. O conteúdo de uma norma constitu- substanciam a ideologia inspiradora da
cional não pode realizar-se com base apenas Constituição. Esses princípios são normas
nas pretensões contidas na norma, mas conformadoras do sistema constitucional
necessita de concretização. Esta só será positivo. Traduzem, como afirmamos acima,
possível, para Konrad Hesse, se levarmos as opções políticas fundamentais conforma-
em consideração, junto ao contexto norma- doras da Constituição. Os princípios fun-
tivo, as circunstâncias da realidade que essa damentais são diretamente aplicáveis, fun-
norma pretende regular82. cionando como critério fundamental de in-
A interpretação constitucional é domi- terpretação e de integração, dando unidade
nada pelos princípios, que dão coerência e coerência a todo o sistema constitucional88.
geral ao sistema83, ou, nas palavras de Vezio No caso da Constituição de 1988, os
Crisafulli, “l’adozione di un principio generale princípios fundamentais são os estabele-
significando sempre l’adozione di una determi- cidos nos seus artigos 1º e 3º:
nata linea di sviluppo dell’ordinamento “Artigo 1º: A República Federativa
giuridico”84. As normas constitucionais do Brasil, formada pela união indisso-
programáticas contêm princípios gerais lúvel dos Estados e Municípios e do
informadores de toda a ordem jurídica85. Distrito Federal, constitui-se em
De acordo com Vezio Crisafulli: Estado democrático de direito e tem
“In ogni altri casi, le norme costitu- como fundamentos: I – a soberania; II
zionali programmatiche avranno pur- – a cidadania; III – a dignidade da
Brasília a. 36 n. 142 abr./jun. 1999 45
pessoa humana; IV – os valores sociais constitucionais em tensão têm de ser
do trabalho e da livre iniciativa; V – o harmonizadas, equilibradas. A busca do
pluralismo político. Parágrafo Único. equilíbrio dentro do sistema constitucional
Todo o poder emana do povo, que o tem por objetivo primordial que todos os
exerce por meio de representantes seus preceitos obtenham efetividade94. A
eleitos ou diretamente, nos termos busca por esse equilíbrio é denominada
desta Constituição.” otimização por Konrad Hesse. Para esse
“Artigo 3º: Constituem objetivos autor, a otimização (que deve ser estabe-
fundamentais da República Federativa lecida de forma que todas as normas
do Brasil: I – construir uma sociedade constitucionais alcancem a efetividade) é
livre, justa e solidária; II – garantir o obtida ao conciliarmos o princípio da
desenvolvimento nacional; III – erra- unidade da Constituição com o princípio
dicar a pobreza e a marginalização e da proporcionalidade95. Na medida em que
reduzir as desigualdades sociais e a otimização produz um equilíbrio, ao
regionais; IV – promover o bem de mesmo tempo impõe limites a determinada
todos, sem preconceitos de origem, norma constitucional, sem negar por com-
raça, sexo, cor, idade e quaisquer pleto sua eficácia. Esse equilíbrio dá-se por
outras formas de discriminação”. meio da ponderação de valores pelo intér-
Os princípios político-constitucionais prete, realizada caso a caso, sem que nunca
visam essencialmente definir e caracterizar possa ser realizada em uma única direção
o Estado e enumerar suas principais opções pré-determinada96.
e objetivos político-constitucionais. Os
artigos que fazem parte dessa divisão podem
10. Conclusões
ser considerados como matriz dos restantes
dispositivos constitucionais, formando, nos As soluções dadas pelo intérprete e pelo
dizeres de José Joaquim Gomes Canotilho e aplicador da Constituição devem estar
Vital Moreira, “o cerne da Constituição”89. adequadas e ser coerentes com a ideologia
Dessa maneira, os princípios constitu- constitucionalmente adotada, que os vin-
cionais configuram o núcleo irredutível da cula97. A Constituição de 1988 é voltada à
Constituição, que não pode ter suas normas transformação da realidade. São os prin-
interpretadas isoladamente, como se fossem cípios fundamentais da Constituição, como
artigos meramente justapostos. Afinal, vimos, os consagrados nos seus artigos 1º e
conforme vimos acima, o texto constitu- 3º. São esses os princípios constitucionais
cional é fundado em determinadas idéias que constituem o “cerne da Constituição” e
positivadas em princípios que lhe garantem que devem servir de diretriz, por meio do
harmonia e coerência90. A Constituição é o princípio da unidade da Constituição, para
texto jurídico que estabelece a estrutura e a a interpretação coerente das normas da
conformação do Estado e da sociedade. Não Constituição de 1988 sem isolá-las do seu
pode, portanto, ter suas normas compreen- sistema e contexto. A perspectiva jurídica
didas pontualmente, a partir de um pro- da Constituição precisa ser completada por
blema isolado91. Uma norma constitucional considerações de política constitucional
isolada não pode expressar significado dirigidas para manter, possibilitar ou criar
normativo se está destacada do sistema. os pressupostos de uma realização legítima
Dessa forma, não há interpretação de textos da Constituição98.
isolados, e sim de todo o ordenamento O grande problema da Constituição de
constitucional92. 1988 é o de como aplicá-la, como realizá-la,
Cabe ao intérprete analisar a Consti- ou seja, trata-se da concretização constitu-
tuição de forma a evitar contradições entre cional. E, como vimos acima, não faltam
as normas constitucionais93. As normas meios jurídicos para tanto. Não se reclamam
46 Revista de Informação Legislativa
mais direitos, mas garantias de sua imple- Estado” in SILVA, José Afonso da, Aplicabilidade
mentação. Na realidade, na opinião de das Normas Constitucionais, 3ª ed, São Paulo,
Malheiros, 1998, p. 138. Vide também CRISA-
Paulo Bonavides, a crise vivenciada sob a FULLI, Vezio, “Efficacia delle Norme Costituzionali
vigência da Constituição de 1988 não é uma ‘Programmatiche’” in Rivista Trimestrale di Diritto
crise da Constituição, mas da sociedade, do Pubblico, nº 1, Milão, Giuffrè, janeiro/março de 1951,
governo e do Estado99. pp. 360-361. As normas programáticas constituem
A prática política e o contexto social têm um compromisso entre as forças liberais e
tradicionais e as reivindicações sociais e populares,
favorecido uma concretização restrita e cf. José Afonso da SILVA, Aplicabilidade cit., pp.
excludente dos dispositivos constitucionais. 135-137 e 145-146 e Paulo BONAVIDES, Curso de
Não havendo concretização da Consti- Direito Constitucional, 6ª ed, São Paulo, Malheiros,
tuição enquanto mecanismo de orientação 1996, p. 210. Nas palavras de Luís Roberto Barroso:
“Os agrupamentos conservadores sofrem aparente
da sociedade, ela deixa de funcionar
derrota quando da elaboração legislativa, mas
enquanto documento legitimador do Estado. impedem, na prática, no jogo político do poder
Na medida em que se amplia a falta de econômico e da influência, a consecução dos
concretização constitucional, com as res- avanços sociais” in BARROSO, Luís Roberto, O
ponsabilidades e respostas sempre transfe- Direito Constitucional e a Efetividade de suas Normas:
Limites e Possibilidades da Constituição Brasileira, 3ª
ridas para o futuro, intensifica-se o grau de ed, Rio de Janeiro, Renovar, 1996, p. 62.
desconfiança e descrédito no Estado100, seja 5
SILVA, José Afonso da, Aplicabilidade cit., p.
enquanto poder político, seja enquanto 136.
implementador de políticas públicas. Nesse 6
BONAVIDES, Paulo, op. cit., pp. 332-338. No
mesmo sentido de que a Constituição de 1988
sentido, as constatações de Sergio Buarque
projeta a instalação de uma sociedade estruturada
de Holanda, infelizmente, continuam segundo o modelo do bem-estar social, vide GRAU,
atuais: Eros Roberto, A Ordem Econômica na Constituição de
“As constituições feitas para não 1988 (Interpretação e Crítica), 2ª ed, São Paulo, RT,
serem cumpridas, as leis existentes 1991, pp. 286-289 e 321-322.
7
COMPARATO, Fábio Konder, “Um Quadro
para serem violadas, tudo em proveito Institucional para o Desenvolvimento Democrático”
de indivíduos e oligarquias, são in JAGUARIBE, Hélio; IGLÉSIAS, Francisco;
fenômeno corrente em toda a história SANTOS, Wanderley Guilherme dos ; CHACON,
da América do Sul”101. Vamiré & COMPARATO, Fábio, Brasil, Sociedade
Democrática, 2ª ed, Rio de Janeiro, José Olympio,
1986, pp. 400 e 407; COMPARATO, Fábio Konder,
“Planejar o Desenvolvimento: A Perspectiva
Notas Institucional” in COMPARATO, Fábio Konder, Para
Viver a Democracia, São Paulo, Brasiliense, 1989,
1
Cf. Konrad HESSE, Escritos de Derecho pp. 93-95 e GRAU, Eros Roberto, op. cit., pp. 74-77.
Constitucional, 2ª ed, Madrid, Centro de Estudios 8
COMPARATO, Fábio Konder, “Planejar o
Constitucionales, 1992, pp. 3-4 e 7-8. Desenvolvimento...” cit., pp. 97-98 e 104-105.
2
CANOTILHO, José Joaquim Gomes, Consti- 9
FORSTHOFF, Ernst, “Problemas Constitucio-
tuição Dirigente e Vinculação do Legislador: Contributo nales del Estado Social” in ABENDROTH, Wolfgang,
para a Compreensão das Normas Constitucionais FORSTHOFF, Ernst & DOEHRING, Karl, El Estado
Programáticas, reimpr., Coimbra, Coimbra Ed., 1994, Social, Madrid, Centro de Estudios Constitucionales,
pp. 154-158 e Direito Constitucional, 6ª ed, Coimbra, 1986, p. 45.
Livraria Almedina, 1993, pp. 75-76. 10
FORSTHOFF, Ernst Forsthoff, “Concepto y
3
HESSE, Konrad, Escritos cit., pp. 15-17. Esencia del Estado Social de Derecho” in ABEN-
4
Normas constitucionais programáticas são, DROTH, Wolfgang, FORSTHOFF, Ernst & DOEH-
nas palavras de José Afonso da Silva, “normas RING, Karl, El Estado Social, Madrid, Centro de
constitucionais através das quais o constituinte, em Estudios Constitucionales, 1986, pp. 78-81 e 88.
vez de regular, direta e imediatamente, determi- 11
Idem, p. 97.
nados interesses, limitou-se a traçar-lhes os 12
BARROSO, Luís Roberto, O Direito Constitu-
princípios para serem cumpridos pelos seus órgões cional cit., pp. 50-53.
(legislativos, executivos, jurisdicionais e adminis- 13
BONAVIDES, Paulo, op. cit., p. 74.
trativos), como programas das respectivas 14
HELLER, Hermann, Teoría del Estado, México,
atividades, visando à realização dos fins sociais do Fondo de Cultura Económica, 1992, pp. 229-234;
Brasília a. 36 n. 142 abr./jun. 1999 47
SILVA, José Afonso da, Curso de Direito Constitu- constitucionais que, na actividade legiferante,
cional Positivo, 9ª ed, São Paulo, Malheiros, 1993, administrativa e judicial, aplicam as normas da
pp. 102-111 e CANOTILHO, José Joaquim Gomes, constituição. Nesta ‘tarefa realizadora’ participam
Direito Constitucional cit., pp. 358-359, 369 e 390- ainda todos os cidadãos que fundamentam na
395. constituição, de forma direta e imediata, os seus
15
Vide GRAU, Eros Roberto, op. cit., pp. 13-14, direitos e deveres” in CANOTILHO, José Joaquim
19-20 e 31-34. Gomes, Direito Constitucional cit., pp. 201-202.
16
COMPARATO, Fábio Konder, “Um Quadro 28
SILVA, José Afonso da, Aplicabilidade cit., p.
Institucional...” cit., pp. 397-399. Conforme o 66; BARROSO, Luís Roberto, O Direito Constitucional
Professor Comparato: “A inadequação resulta do cit., pp. 81-83 e 231; ROCHA, Cármen Lúcia
fato de que o Estado social não se legitima Antunes, op. cit., pp. 39-41 e NEVES, Marcelo, A
simplesmente pela produção do direito, mas antes Constitucionalização Simbólica, São Paulo, Ed.
de tudo pela realização de políticas (policies), isto Acadêmica, 1994, p. 42.
é, programas de ação” in idem, pp. 407-408. 29
Observância é, para Marcelo Neves, o fato de
17
BONAVIDES, Paulo, op. cit., pp. 340-344. se agir conforme a norma sem que essa conduta
18
DOEHRING, Karl, “Estado Social, Estado de esteja vinculada a uma atitude sancionatória. Cf.
Derecho y Orden Democratico” in ABENDROTH, Marcelo NEVES, idem, p. 43.
Wolfgang, FORSTHOFF, Ernst & DOEHRING, Karl, 30
Execução, ou imposição, é a reação concreta
El Estado Social, Madrid, Centro de Estudios Cons- a comportamentos que contrariam os preceitos
titucionales, 1986, pp. 161-168. legais, destinando-se à manutenção do direito ou
19
Karl Doehring, ao contrário dos liberais recuperação da ordem violada. Cf. Marcelo NEVES,
conservadores, acredita ter sido o Estado criado idem, ibidem.
pelos homens para garantir a liberdade, sendo esta 31
NEVES, Marcelo, op. cit., p. 45. Vide também
a origem e o sentido da soberania do povo e da GRAU, Eros Roberto, op. cit., pp. 294-299.
fórmula de que todo o poder emana do povo. O 32
BARROSO, Luís Roberto, O Direito Constitu-
papel do Estado é o de proteger a liberdade, pois é cional cit., pp. 114-116.
o único que pode garanti-la: “Por lo tanto, el Estado 33
ROCHA, Cármen Lúcia Antunes, op. cit., p.
es la expresión misma de la libertad, se identifica com 41.
ella, ya que sin un Estado fuerte, la libertad no existiría”. 34
SILVA, José Afonso da, Aplicabilidade cit., pp.
Idem, pp. 148-150. 65-66; BARROSO, Luís Roberto, O Direito Consti-
20
CANOTILHO, José Joaquim Gomes, Direito tucional cit., pp. 82-83 e 231; ROCHA, Cármen Lúcia
Constitucional cit., pp. 79-82. Antunes, op. cit., pp. 40-41 e NEVES, Marcelo, op.
21
Idem, pp. 73-79 e 84-86 e CANOTILHO, José cit., pp. 46-47.
Joaquim Gomes; Constituição Dirigente cit., pp. 12, 35
CANOTILHO, José Joaquim Gomes, Consti-
14 e 18-21. Sobre os fins e a legitimação do Estado, tuição Dirigente cit., p. 471.
vide especialmente HELLER, Hermann, op. cit., pp. 36
MOREIRA Neto, Diogo de Figueiredo “Desa-
217-221 e 234-246. fios Institucionais Brasileiros” in MARTINS, Ives
22
CANOTILHO, José Joaquim Gomes, Consti- Gandra (org.), Desafios do Século XXI, São Paulo,
tuição Dirigente cit., pp. 21-24 e ROCHA, Cármen Pioneira/Academia Internacional de Direito e
Lúcia Antunes, Constituição e Constitucionalidade, Economia, 1997, p. 195.
Belo Horizonte, Ed. Lê, 1991, pp. 34-36. 37
CRISAFULLI, Vezio, op. cit., pp. 370-374;
23
CANOTILHO, José Joaquim Gomes, Consti- HESSE, Konrad, Escritos cit., pp. 17-18 e 20;
tuição Dirigente cit., pp. 27-30 e 69-71. CANOTILHO, José Joaquim Gomes, Constituição
24
Idem, pp. 150-154 e 169-170; CANOTILHO, Dirigente cit., pp. 193-196 e 462-471; GRAU, Eros
José Joaquim Gomes, Direito Constitucional cit., pp. Roberto, op. cit., pp. 287-289 e QUEIROZ, Cristina
75-79 e ROCHA, Cármen Lúcia Antunes, op. cit., M. M., Os Actos Políticos no Estado de Direito: O
pp. 35-36 e 46. Problema do Controle Jurídico do Poder, Coimbra,
25
CANOTILHO, José Joaquim Gomes, Consti- Livraria Almedina, 1990, pp. 16-18 e 111-113.
tuição Dirigente cit., pp. 154-158 e 176-180. Crisafulli afirma que as normas constitucionais
26
HESSE, Konrad, Escritos cit., pp. 18-20. programáticas vinculam o legislador na medida em
27
HESSE, Konrad, A Força Normativa da que este deve conformar suas decisões às suas
Constituição, Porto Alegre, Sergio Antonio Fabris determinações, eliminando, assim, a discriciona-
Editor, 1991, pp. 13-16. Nas palavras de Canotilho: riedade absoluta do legislador. Cf. Vezio CRISA-
“’Realizar a Constituição’ significa tornar juridica- FULLI, idem, pp. 367-369.
mente eficazes as normas constitucionais. Qualquer 38
De acordo com o Professor Eros Grau, a ordem
constituição só é juridicamente eficaz (pretensão econômica constitucional não pode ser visualizada
de eficácia) através da sua realização. Esta como um produto de imposições circunstanciais
realização é uma tarefa de todos os órgãos ou do capricho dos constituintes, mas como o
48 Revista de Informação Legislativa
resultado do confronto de posturas e texturas do povo (Idem, pp. 51-52).
ideológicas e de interesses que foram compostos 45
CANOTILHO, José Joaquim Gomes, Direito
para serem abrigados no texto constitucional de Constitucional e Teoria da Constituição cit., pp. 1272-
maneira peculiar, pois a Constituição é um sistema 1273.
dotado de coerência, não havendo contradição entre 46
Idem, pp. 1205 e 1289-1290.
suas normas. Cf. Eros Roberto GRAU, op. cit., pp. 47
Essa breve, portanto não isenta de erros e
213-214 e 309. Para Crisafulli, a Constituição é que simplificações de nossa parte, descrição da teoria
garante o funcionamento correto e legítimo do do direito reflexivo foi baseada na análise dessa
sistema político, portanto, pode limitar a atuação teoria feita por José Eduardo FARIA, em sua obra
do governo ao estabelecer diretrizes e programas O Direito na Economia Globalizada, São Paulo, mimeo,
de atuação política. Afinal, a discricionariedade do tese de titularidade, 1997, pp. 203-220.
governo não pode ser absoluta. Cf. Vezio CRISA- 48
Para outras críticas a essas teorias do direito
FULLI, op. cit., pp. 374-378. reflexivo, vide FARIA, José Eduardo, idem, pp. 321-
39
CANOTILHO, José Joaquim Gomes, Consti- 328.
tuição Dirigente cit., pp. 462-471 e QUEIROZ, 49
MOREIRA Neto, Diogo de Figueiredo, op. cit.,
Cristina M. M.M., op. cit., pp. 139-147. p. 195, grifos nossos.
40
QUEIROZ, Cristina M. M., op. cit., p. 147. 50
Cf. José Joaquim Gomes CANOTILHO,
41
CANOTILHO, José Joaquim Gomes, Direito “Rever ou Romper com a Constituição Dirigente?
Constitucional e Teoria da Constituição, Coimbra, Defesa de um Constitucionalismo Moralmente
Livraria Almedina, 1998, pp. 1191-1192. Reflexivo” in Revista dos Tribunais: Cadernos de Direito
42
Idem, pp. 1192-1193. Constitucional e Ciência Política, nº 15, São Paulo, RT,
43
Entre outras críticas às constituições abril/junho de 1996, pp. 7-17.
dirigentes, Canotilho destaca a da “sociologia 51
FERREIRA Filho, Manoel Gonçalves, Consti-
crítica”, que aponta para o fato de as normas tuição e Governabilidade: Ensaio sobre a (In)governa-
constitucionais não conseguirem obter eficácia real, bilidade Brasileira, São Paulo, Saraiva, 1995, pp.
havendo uma relação inversamente proporcional 21-23 e 34-38.
entre o caráter ideológico das normas constitucionais 52
Idem, p. 142.
e sua eficácia. Vide CANOTILHO, José Joaquim 53
Idem, pp. 127-130.
Gomes, idem, p. 1204 e FARIA, José Eduardo, 54
MOREIRA Neto, Diogo de Figueiredo, op. cit.,
Direito e Economia na Democratização Brasileira, São pp. 197-198.
Paulo, Malheiros, 1993, pp. 91-92, 99-102 e 152- 55
WIEACKER, Franz, História do Direito Privado
155. Moderno, 2ª ed, Lisboa, Fundação Calouste
44
CANOTILHO, José Joaquim Gomes, Direito Gulbenkian, 1993, pp. 623-627.
Constitucional e Teoria da Constituição cit., pp. 1199- 56
PERLINGIERI, Pietro, Perfis do Direito Civil:
1205 e 1208-1209. Sobre a chamada constituciona- Introdução ao Direito Civil Constitucional, 3ª ed, Rio
lização simbólica, esclarece Marcelo Neves que, onde de Janeiro, Renovar, 1997, pp. 38-39 e 53-56.
a ineficácia e a inefetividade atingirem graus muito 57
Idem, pp. 11-12.
elevados, ocorrerá a falta de vigência social da lei, 58
Para uma excelente análise sobre os contornos
ou seja, a carência de normatividade do texto legal. atuais da responsabilidade civil, o seu tratamento
Deve-se, no entanto, levar em consideração que as doutrinário e jurisprudencial mais avançado e o
normas produzem efeitos indiretos ou latentes que seu entendimento de acordo com a Constituição,
poderão estar ou não vinculados à sua eficácia e vide MATOS, Enéas de Oliveira, “Responsabilidade
efetividade. Um exemplo é o do significado Civil do Transportador por Ato de Terceiro” in
econômico das normas jurídicas (Cf. Marcelo Revista dos Tribunais nº 742, São Paulo, RT, agosto
NEVES, op. cit., pp. 47-49). A legislação simbólica de 1997, especialmente pp. 146-152.
é caracterizada por ser normativamente ineficaz. 59
De acordo com Perlingieri: “A autonomia não
Se for eficaz, mas inefetiva, não cabe falarmos em é livre arbítrio”. Vide op. cit., p. 228.
legislação simbólica. A legislação simbólica pode- 60
Idem, pp. 18-19 e 277.
se apresentar de três maneiras: como confirmação 61
Idem, p. 226; GOMES, Orlando, “A Função
de valores sociais, como álibi e como compromisso- Social da Propriedade” in Boletim da Faculdade de
dilatório (Idem, pp. 33-42 e 49). Em qualquer dessas Direito: Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. A. Ferrer-
três maneiras, a legislação simbólica produz efeitos Correia, Coimbra, Universidade de Coimbra, 1989,
relevantes para o sistema político, efeitos não pp. 428-429 e GRAU, Eros Roberto, op. cit., pp. 251
necessariamente jurídicos. A legislação simbólica e 317.
descarrega o sistema político de pressões sociais 62
PERLINGIERI, Pietro, op. cit., p. 229.
concretas, constituindo respaldo político-eleitoral 63
Vide, especialmente, PERLINGIERI, Pietro,
para os legisladores ou servindo para demonstrar op. cit., p. 10 e TEPEDINO, Gustavo, “A Nova
que as instituições são merecedoras da confiança Propriedade” in Revista Forense, nº 306, pp. 77-78.
Brasília a. 36 n. 142 abr./jun. 1999 49
64
Para Perlingieri, a despatrimonialização é a 79
MELLO, Celso Antônio Bandeira de, op. cit.,
tentativa de reconstrução do direito civil, não como pp. 247-249.
tutela das situações patrimoniais, mas como um 80
CRISAFULLI, Vezio, op. cit., pp. 369-370.
dos instrumentos e garantidores do desenvolvi- 81
Não adentraremos na análise desses institutos
mento livre e digno da pessoa humana. Vide por fugir ao escopo deste trabalho. Vide BARROSO,
PERLINGIERI, Pietro, op. cit., pp. 33-34. Luís Roberto, O Direito Constitucional cit., pp. 159-
65
Idem, p. 6. 177; ROCHA, Cármen Lúcia Antunes, op. cit., pp.
66
CRISAFULLI, Vezio, op. cit., pp. 358-359; 202-213; CLÈVE, Clèmerson Merlin, A Fiscalização
SILVA, José Afonso da, Aplicabilidade cit., pp. 71, Abstrata da Constitucionalidade no Direito Brasileiro,
75-76; BONAVIDES, Paulo, op. cit., pp. 211-212 e São Paulo, RT, 1995, pp. 218-261 e CANOTILHO,
219-223; BASTOS, Celso Ribeiro & BRITTO, Carlos José Joaquim Gomes, “Tomemos a Sério o Silêncio
Ayres, Interpretação e Aplicação das Normas Constitu- dos Poderes Públicos – O Direito à Emanação de
cionais, São Paulo, Saraiva, 1982, pp. 35-36 e 82; Normas Jurídicas e a Potecção Judicial contra as
QUEIROZ, Cristina M. M., op. cit., pp. 141-142; Omissões Normativas” in TEIXEIRA, Sálvio de
BARROSO, Luís Roberto, O Direito Constitucional Figueiredo, As Garantias do Cidadão na Justiça, São
cit., pp. 82 e 87; ROCHA, Cármen Lúcia Antunes, Paulo, Saraiva, 1993, pp. 351-367. Sobre as
op. cit., pp. 39 e 41 e NEVES, Marcelo, op. cit., p. 42. garantias para a efetividade das normas constitu-
67
SILVA, José Afonso da, Aplicabilidade cit., pp. cionais, vide SILVA, José Afonso da, Aplicabilidade
81-82. cit. , pp. 164-166 e BARROSO, Luís Roberto, O
68
Idem, pp. 138-139 e 152-155. Direito Constitucional cit., pp. 119-125.
69
MELLO, Celso Antônio Bandeira de, “Eficácia 82
HESSE, Konrad, Escritos cit., pp. 25-28.
das Normas Constitucionais sobre Justiça Social” 83
GRAU, Eros Roberto, op. cit., pp. 185-187.
in Revista de Direito Público, nº 57-58, São Paulo, 84
CRISAFULLI, Vezio, op. cit., p. 360.
RT, janeiro/junho de 1981, p. 235 e GRAU, Eros 85
SILVA, José Afonso da, Aplicabilidade cit., pp.
Roberto, op. cit., pp. 292-294. 156-158.
70
SILVA, José Afonso da, Aplicabilidade cit., pp. 86
CRISAFULLI, Vezio, op. cit., p. 378. No
141-142 e GRAU, Eros Roberto, op. cit., pp. 240- mesmo sentido, afirma José Afonso da Silva: “A
241. caracterização das normas programáticas como
71
MELLO, Celso Antônio Bandeira de, op. cit., princípios gerais informadores do regime político e
p. 237. de sua ordem jurídica dá-lhes importância
72
BONAVIDES, Paulo, op. cit., p. 218. No fundamental, como orientação axiológica para a
mesmo sentido, vide CRISAFULLI, Vezio, op. cit., compreensão do sistema jurídico nacional. O
pp. 357-358 e ROCHA, Cármen Lúcia Antunes, op.
significado disso consubstancia-se no reconheci-
cit., pp. 46-48. José Afonso da Silva afirma que
mento de que têm elas uma eficácia interpretativa
aqueles que negam juridicidade às normas
que ultrapassa, nesse ponto, a outras do sistema
constitucionais programáticas têm por hábito
constitucional ou legal, porquanto apontam os fins
caracterizar como programática toda norma
sociais e as exigências do bem comum, que
constitucional incômoda. Cf. José Afonso da SILVA,
constituem vetores da aplicação da lei” in SILVA,
Aplicabilidade cit., p. 153.
José Afonso da, Aplicabilidade cit., p. 157.
73
Escreveu Crisafulli: “In tutti questi casi, non vi 87
CANOTILHO, José Joaquim Gomes, Consti-
ha dubbio che la inosservanza delle norme costituzionale
tuição Dirigente cit., pp. 277-279 e Direito Constitu-
programmatiche da parte degli organi legislative sarà
cional cit., pp. 166-168; CANOTILHO, José Joaquim
motivo di invalidità, totale o parziale, dell’ato di esercizio
del loro potere, ossia della legge deliberata in modo Gomes & MOREIRA, Vital, Fundamentos da Consti-
contrario o diverso da quanto disposto nella costituzione” tuição, Coimbra, Coimbra Ed., 1991, pp. 71-73 e
in CRISAFULLI, Vezio, op. cit., p. 369. Vide também SILVA, José Afonso da, Curso cit., pp. 84-85.
Idem, pp. 378-380 e SILVA, José Afonso da,
88
CANOTILHO, José Joaquim Gomes, Consti-
Aplicabilidade cit., pp. 158-160. Para uma posição tuição Dirigente cit., pp. 283-284 e Direito Constitu-
diversa, vide BASTOS, Celso Ribeiro & BRITTO, cional cit., pp. 172-173; SILVA, José Afonso da, Curso
Carlos Ayres, op. cit., pp. 86-88. cit., pp. 85-88 e BARROSO, Luís Roberto, Interpre-
74
BARROSO, Luís Roberto, O Direito Constitu- tação e Aplicação da Constituição: Fundamentos de uma
cional cit., pp. 117-118. Vide também MELLO, Celso Dogmática Constitucional Transformadora, São Paulo,
Antonio Bandeira de, op. cit., pp. 254-256. Saraiva, 1996, pp. 141-150.
75
HESSE, Konrad, A Força Normativa cit., pp.
89
CANOTILHO, José Joaquim Gomes &
19-20. MOREIRA, Vital, op. cit., p. 71. Vide também
76
Idem, pp. 21-23. BONAVIDES, Paulo, op. cit., pp. 257-259.
77
Idem, pp. 24-25. 90
BARROSO, Luís Roberto, Interpretação. cit.,
78
BARROSO, Luís Roberto, O Direito Constitu- pp. 181-2 e BASTOS, Celso Ribeiro & BRITTO,
cional cit., pp. 85-86. Carlos Ayres, op. cit., p. 22.
50 Revista de Informação Legislativa
91
HESSE, Konrad, Escritos cit., pp. 49-50. Joaquim Gomes, Direito Constitucional cit., pp. 190-
92
GRAU, Eros Roberto, op. cit., pp. 180-182 e 191 e GRAU, Eros Roberto, op. cit., pp. 110-116.
216 e ROCHA, Cármen Lúcia Antunes, op. cit., pp. Klaus Stern é enfático ao dizer que a ponderação de
36-37 e 87. valores nunca pode ser realizada em uma única
93
HESSE, Konrad, Escritos cit., p. 45. direção pré-determinada. Para tanto, ele derruba a
94
BARROSO, Luís Roberto, Interpretação cit., pretensão de alguns teóricos alemães e americanos
pp. 185-186. de tornar o princípio in dubio pro libertate como
95
HESSE, Konrad, Escritos cit., p. 46 e CANO- diretriz primordial nas ponderações de valores.
TILHO, José Joaquim Gomes, Constituição Dirigente Stern ressalta a necessidade da ponderação ser
cit., pp. 197-202. Não analisaremos aqui, por fugir decidida da forma mais conveniente caso a caso.
do escopo deste trabalho, o princípio da proporcio- Cf. Klaus STERN, op. cit., pp. 294-295.
nalidade e suas implicações na hermenêutica 97
GRAU, Eros Roberto, op. cit., pp. 194-195.
constitucional. Recomendamos a leitura de Konrad 98
HESSE, Konrad, Escritos cit., p. 29.
HESSE, Escritos cit., pp. 45-46 e de Paulo 99
BONAVIDES, Paulo, op. cit., pp. 345-348.
BONAVIDES, op. cit., pp. 356-397. Vide também ROCHA, Cármen Lúcia Antunes, op.
96
HESSE, Konrad, Escritos cit., p. 46; STERN, cit., p. 95.
Klaus, Derecho del Estado de la Republica Federal 100
NEVES, Marcelo, op. cit., pp. 158-162.
Alemana, Madrid, Centro de Estudios Constitucio- 101
HOLANDA, Sergio Buarque de, Raízes do Bra-
nales, 1987, pp. 293-295; CANOTILHO, José sil, 2ª ed, Rio de Janeiro, José Olympio, 1948, p. 273.

Referências bibliográficas conforme original.


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