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Em Durkheim, o conceito de solidariedade mecânica está ligado à moral,

aos hábitos e às tradições. Se trata da “ligação” dos membros de uma mesma


sociedade através dos costumes e de uma série de valores em comum. Neste
tipo de solidariedade, a consciência individual é mínima - quando não nula. A
partir desta construção, entende-se que cada ser social é uma peça em uma
engrenagem voltada para um mesmo fim (daí deriva-se o nome, solidariedade
mecânica). Conclui-se então, que nesse tipo social (regido pela solidariedade
mecânica), encontram-se as sociedades mais primitivas. Neste tipo de
sociedade, temos uma predominância do direito penal. Este tipo de direito é
responsável por preservar os valores morais de uma sociedade, aplicando
penas a quem os fere, e, desta forma, reafirmando estes mesmo valores.
Mas vamos agora ao conceito Durkheimiano de crime. Para Durkheim,
de forma geral, o crime nada mais é que um fato normal em todas as
sociedades. Atos reprimidos por castigos definidos. Mas de onde origina-se a
repressão destes determinados atos tidos como criminosos?
É comum acreditar-se que existem crimes comuns em todas as
sociedades – fatos universalmente punidos – para melhor se entender o
fenômeno. A isto chamamos “crime natural”. Para esta teoria, que temos como
exemplo de expoente M. Garofalo (escola positivista da criminologia), o “crime
natural” seria então aquele que contraria os sentimentos que em toda parte são
a base do direito penal. A crítica de Durkheim a esta teoria se dá em dois
pontos: por que o crime que contraria algum sentimento particular de certos
tipos sociais seria menos crime que os outros? E ainda, como pode um
determinado ato ferir um sentimento universalmente tido como base em todas
as sociedades, se, histórica e geograficamente, os valores sociais variam?
Que é então o crime? Outra linha de pensamento nos diz que crime é
todo ato que ameaça a sociedade. Este, automaticamente é criminalizado para
que se preserve a ordem social, sendo o direito penal um mecanismo de
defesa. Nesta corrente de pensamento, os fatos tidos como criminosos variam
de um tipo social para outro (o que é crime em uma sociedade não é crime em
outra, pois os níveis de ameaça são diferentes). Tomemos agora, como
exemplo, o assassínio. Podemos dizer, indubitavelmente que é o fato mais
criminalizado em praticamente todos os tipos sociais. “Entretanto, uma crise
econômica, uma quebra na bolsa, mesmo uma falência pode desorganizar
muito mais gravemente o corpo social do que um homicídio isolado” (Durkheim,
1893). Assim, nada prova que o homicídio seja o pior mal. Que é um homem a
menos na sociedade?
Assim, analisando os fatos acima, podemos dizer que o crime não é
universal, excluindo-se a tese do crime natural. Também não é,
necessariamente, um ato que ameaça a sociedade em que ele é criminalizado.
Voltemos agora para o pensamento de Durkheim. Os diferentes valores, nos
diferentes tipos sociais podem derivar de diversos fatores (religiosos, históricos,
geográficos, etc.). Então, o crime nada mais é que o ato que fere os valores de
um determinado tipo social, sendo estes justificáveis por diferentes
argumentos, variando de sociedade para sociedade. “Não o reprovamos
porque é um crime, mas é um crime porque o reprovamos” (Durkheim, 1893).
Em suma, crime é uma construção social, variando de acordo com os valores
adquiridos de diferentes maneiras pelos indivíduos de uma determinada
sociedade. A única característica em comum entre todos os crimes é que eles
consistem em atos universalmente reprovados pelos membros de cada
sociedade.
Agora que definimos o conceito de crime no viés Durkheimiano, vamos à
análise da pena. Esta, para o autor, nada mais é que uma reação passional.
Uma defesa e, ao mesmo tempo, uma vingança. A sociedade precisa reafirmar
seus valores que foram feridos com o cometimento do delito (pois este, como já
vimos, nada mais é que uma quebra dos valores de determinado tipo social).
Assim, a pena (reação passional), serve como uma vingança contra e aquele
que feriu os valores sociais, e como uma forma de reafirmá-los. Aqui podemos
fazer uma análise Freudiana, do alívio psíquico gerado pela pena, e uma
análise Hegeliana, da negação da negação (o crime nega o direito, e a pena
reafirma-o, negando o crime). Desta forma, podemos concluir que o direito
penal é mais forte e presente nos tipos sociais regidos pela solidariedade
mecânica, tendo em vista que é responsável unicamente pela aplicação de
penas (que, como vimos, servem para reafirmar valores sociais).
Entremos por fim na relação entre todos os conceitos vistos:
solidariedade mecânica, crime e pena. Como se relacionam? Se, na
solidariedade mecânica as relações sociais são definidas por uma forte
unificação dos membros desta mesma sociedade em determinados valores
comuns, e o crime, nada mais é que a quebra de valores de determinado tipo
social, sendo a pena uma maneira de reafirmar estes mesmos valores, é clara
a relação entre estes três conceitos. Então, sendo o crime um fenômeno
natural presente em todas as sociedades, acaba por exercer, por si só, um
mecanismo de definição do certo e errado. Tomemos por analogia uma lente,
em que, olhando-se através dela, pode-se distinguir precisamente o que é
socialmente aceito e o que é socialmente reprovado. Só sabemos o que é certo
pelo contraponto daquilo que é errado. Na pena, os indivíduos condenam
aquilo que reprovam, afirmando assim, por consequência, aquilo que aprovam,
fortalecendo seus vínculos morais, característica marcante da solidariedade
mecânica. “O crime aproxima as consciências honestas e as concentra”
(Durkheim, 1893).

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