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Direito Penal STF
Direito Penal STF
DIREITO PENAL
Pontos atualizados: nº 30 (Info 950); nº 30 (Info 951); nº 49 (Info 952); nº 19 (Info 954); nº 30
(Info 955); nº 40 (Info 955); nº 32 (Info 958)
1. PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO
1.1. Um crime não pode ser absorvido por uma contravenção penal – (Info 743) –
IMPORTANTE!!!
2. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA
2.1. Possibilidade de aplicar o regime inicial aberto ao condenado por furto, mesmo ele
sendo reincidente, desde que seja insignificante o bem subtraído – (Info 793 e Info 938) –
(TJCE-2018)
A reincidência não impede, por si só, que o juiz da causa reconheça a insignificância
penal da conduta, à luz dos elementos do caso concreto.
No entanto, com base no caso concreto, o juiz pode entender que a absolvição com base
nesse princípio é penal ou socialmente indesejável. Nesta hipótese, o magistrado condena
o réu, mas utiliza a circunstância de o bem furtado ser insignificante para fins de fixar o
regime inicial aberto. Desse modo, o juiz não absolve o réu, mas utiliza a insignificância
para criar uma exceção jurisprudencial à regra do art. 33, § 2º, “c”, do CP, com base no
princípio da proporcionalidade.
STF. 1ª T. HC 135164/MT, Rel. Min. Marco Aurélio, red. p/ ac. Min. Alexandre de Moraes, j.
23/4/19 (Info 938).
OBS:
Resumindo. Condenado reincidente pode ser absolvido do crime de furto com base no
princípio da insignificância?
• Sim. A reincidência não impede, por si só, que o juiz da causa reconheça a
insignificância penal da conduta, à luz dos elementos do caso concreto.
• No entanto, com base no caso concreto, o juiz pode entender que a absolvição com base
nesse princípio é penal ou socialmente indesejável. Nesta hipótese, o magistrado condena o
réu, mas utiliza a circunstância de o bem furtado ser insignificante para fins de fixar o regime
inicial aberto. Desse modo, o juiz não absolve o réu, mas utiliza a insignificância para criar
uma exceção jurisprudencial à regra do art. 33, § 2º, “c”, do CP, com base no princípio da
proporcionalidade.
Atenção: No caso em tela, o STF reafirmou que é possível ao juiz, com base nas circunstâncias
do caso concreto, afastar a absolvição do réu com base no princípio da insignificância no caso
de ele já ser reincidente. Por outro lado, admitiu a fixação do regime aberto na hipótese.
2.2. STF reconheceu que o valor econômico do bem furtado era muito pequeno, mas,
como o réu era reincidente, em vez de absolvê-lo aplicando o princípio da insignificância, o
Tribunal utilizou esse reconhecimento para conceder a pena restritiva de direitos – (Info 913)
– IMPORTANTE!!!
Em regra, a habitualidade delitiva específica (ou seja, o fato de o réu já responder a outra
ação penal pelo mesmo delito) é um parâmetro (critério) que afasta o princípio da
insignificância mesmo em se tratando de bem de reduzido valor.
Excepcionalmente, no entanto, as peculiaridades do caso concreto podem justificar o
afastamento dessa regra e a aplicação do princípio, com base na ideia da
proporcionalidade.
É o caso, por exemplo, do furto de um galo, quatro galinhas caipiras, uma galinha garnizé
e três quilos de feijão, bens avaliados em pouco mais de cem reais. O valor dos bens é
inexpressivo e não houve emprego de violência. Enfim, é caso de mínima ofensividade,
ausência de periculosidade social, reduzido grau de reprovabilidade e inexpressividade
da lesão jurídica.
Mesmo que conste em desfavor do réu outra ação penal instaurada por igual conduta,
ainda em trâmite, a hipótese é de típico crime famélico.
A excepcionalidade também se justifica por se tratar de hipossuficiente. Não é razoável
que o Direito Penal e todo o aparelho do Estado-polícia e do Estado-juiz movimente-se no
sentido de atribuir relevância a estas situações.
STF. 2ª Turma. HC 141440 AgR/MG, Rel. Min. Dias Toffoli, j. 14/8/18 (Info 911).
OBS: Ressalte-se, mais uma vez, que não há uma regra geral e absoluta para a aplicação do
princípio da insignificância em favor de reincidentes ou réus que já possuam outras ações
penais. No Info 910, por exemplo, foi noticiado um julgado no qual o STF negou a aplicação
do referido princípio tendo como principal fundamento a circunstância de o réu ser
reincidente.
2.4. (In) aplicabilidade do princípio no caso do crime previsto no art. 34 da Lei 9.605/98 –
(Info 901)
O princípio da bagatela não se aplica ao crime previsto no art. 34, caput c/c parágrafo
único, II, da Lei 9.605/98:
Art. 34. Pescar em período no qual a pesca seja proibida ou em lugares interditados por
órgão competente:
Pena - detenção de um ano a três anos ou multa, ou ambas as penas cumulativamente.
Parágrafo único. Incorre nas mesmas penas quem:
II - pesca quantidades superiores às permitidas, ou mediante a utilização de aparelhos,
petrechos, técnicas e métodos não permitidos;
Caso concreto: realização de pesca de 7kg de camarão em período de defeso com o uso de
método não permitido.
STF. 1ª Turma. HC 122560/SC, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 8/5/18 (Info 901).
Obs: apesar de a redação utilizada no informativo original ter sido bem incisiva (“O
princípio da bagatela não se aplica ao crime previsto no art. 34, caput c/c parágrafo único,
II, da Lei 9.605/98”), existem julgados tanto do STF como do STJ aplicando,
excepcionalmente, o princípio da insignificância para o delito de pesca ilegal. Deve-se
ficar atenta(o) para como isso será cobrado no enunciado da prova.
OBS:
Imagine a seguinte situação adaptada: João foi encontrado pescando camarões pelo método
de arrasto motorizado no período de defeso. Esse método não é permitido no período de
defeso. Em seu barco foram localizados 7kg de camarão-rosa. Diante desse fato, João foi
denunciado pela suposta prática do delito previsto no art. 34, caput e parágrafo único, II, da
Lei nº 9.605/98 (Lei de Crimes Ambientais):
Art. 34. Pescar em período no qual a pesca seja proibida ou em lugares
interditados por órgão competente:
Pena - detenção de um ano a três anos ou multa, ou ambas as penas
cumulativamente.
Parágrafo único. Incorre nas mesmas penas quem:
II - pesca quantidades superiores às permitidas, ou mediante a utilização de
aparelhos, petrechos, técnicas e métodos não permitidos;
A defesa invocou a aplicação do princípio da insignificância e o caso chegou até o STF.
Indaga-se: o Supremo admitiu a incidência da insignificância neste caso concreto? NÃO.
NÃO. RHC 125566/PR e HC 127926/SC, Rel. Min. Dias Toffoli, j. 26/10/16 (Info
845).
STJ. 3ª S. REsp 1688878-SP, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, j. 28/2/18 (recurso repetitivo).
STF. 1ª T. HC 137595 AgR, Rel. Min. Roberto Barroso, j. 07/05/2018.
STF. 1ª T. HC 127173, Rel. Min. Marco Aurélio, Rel. p/ Acórdão: Min. Roberto Barroso, j.
21/3/17.
STF. 2ª T. HC 155347/PR, Rel. Min. Dias Tóffoli, j. 17/4/2018 (Info 898).
STF. 1ª Turma. HC 121717/PR, Rel. Min. Rosa Weber, j. 3/6/14 (Info 749).
OBS:
Incide o princípio da insignificância aos crimes tributários federais e de
descaminho quando o débito tributário verificado não ultrapassar o limite de
R$ 20.000,00 (vinte mil reais), a teor do disposto no art. 20 da Lei n. 10.522/2002,
com as atualizações efetivadas pelas Portarias n. 75 e 130, ambas do Ministério
da Fazenda.
STJ. 3ª Seção. REsp 1.709.029/MG, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em
28/02/2018 (recurso repetitivo).
O réu que disponibiliza provedor de internet sem fio pratica atividade clandestina de
telecomunicação (art. 183 da Lei 9.472/97), de modo que a tipicidade da conduta está
presente, devendo ser afastada a aplicação do princípio da insignificância mesmo que, no
caso concreto, a potência fosse inferior a 25 watts, o que é considerado baixa potência, nos
termos do art. 1º, § 1º, da Lei nº 9.612/98.
STF. 1ª Turma. HC 118400/RO, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 04/10/2016 (Info 842).
OBS:
A conduta de transmitir sinal de internet, via rádio, como se fosse um provedor de internet,
sem autorização da ANATEL, configura algum crime? SIM. A conduta de transmitir sinal de
internet, via rádio, de forma clandestina, caracteriza, em princípio, o delito descrito no art.
183 da Lei 9.472/97 (STJ. 6ª T. AgRg no REsp 1483107/RN, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, j.
1/12/15).
Dessa forma, a chamada “internet via rádio” pode ser considerada também um serviço de
telecomunicação.
O acusado argumentou também que não deveria ser condenado, considerando que não ficou
provado que ele causou prejuízo, seja para os clientes, seja para os serviços de
telecomunicações. Essa alegação é acolhida pelos Tribunais? NÃO. O delito do art. 183 da
Lei 9.427/97 é crime de perigo abstrato. Isso significa que, para a sua consumação, basta que
alguém desenvolva de forma clandestina as atividades de telecomunicações, sem
necessidade de demonstrar prejuízo concreto para o sistema de telecomunicações (STJ. 5ª
Turma. AgRg no REsp 1560335/MG, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em
21/06/2016).
A teoria do domínio do fato não permite que a mera posição de um agente na escala
hierárquica sirva para demonstrar ou reforçar o dolo da conduta.
Do mesmo modo, também não permite a condenação de um agente com base em
conjecturas. Assim, não é porque houve irregularidade em uma licitação estadual que o
Governador tenha que ser condenado criminalmente por isso.
STF. 2ª Turma. AP 975/AL, Rel. Min. Edson Fachin, j. 3/10/17 (Info 880).
OBS: Sobre o tema, confira outro precedente semelhante:
Não há óbice para que a denúncia invoque a teoria do domínio do fato para dar
suporte à imputação penal, sendo necessário, contudo, que, além disso, ela
aponte indícios convergentes no sentido de que o Presidente da empresa não só
teve conhecimento do crime de evasão de divisas, como dirigiu finalisticamente
a atuação dos demais acusados.
Assim, não basta que o acusado se encontre em posição hierarquicamente
superior. Isso porque o próprio estatuto da empresa prevê que haja divisão de
responsabilidades e, em grandes corporações, empresas ou bancos há controles
e auditorias exatamente porque nem mesmo os sócios têm como saber tudo o
que se passa.
STF. 2ª Turma. HC 127397/BA, Rel. Min. Dias Toffoli, j. 6/12/16 (Info 850).
4. DOSIMETRIA DA PENA
4.1. MULTA: MP é quem deve executar a pena de multa e, apenas se ficar inerte por mais
de 90 dias, essa legitimidade é transferida para a Fazenda Pública – (Info 927) –
IMPORTANTE!!! Mudança de Entendimento!!!
Obs: A Súmula 521-STJ fica superada e deverá ser cancelada. Súmula 521-STJ: A
legitimidade para a execução fiscal de multa pendente de pagamento imposta em sentença
condenatória é exclusiva da Procuradoria da Fazenda Pública.
OBS:
Multa: é uma espécie de pena, por meio da qual o condenado fica obrigado a pagar uma
quantia em dinheiro que será revertida em favor do Fundo Penitenciário.
O que acontece caso o condenado não pague nem parcele a multa no prazo de 10 dias?
1) Antes da Lei 9.268/96: se o condenado, deliberadamente, deixasse de pagar a pena de
multa, ela deveria ser convertida em pena de detenção. Em outras palavras, a multa era
transformada em pena privativa de liberdade.
2) Atualmente: a Lei 9.268/96 alterou o art. 51 do CP e previu que, se a multa não for paga,
ela será considerada dívida de valor e deverá ser exigida por meio de execução (não se
permite mais a conversão da pena de multa em detenção).
Antes da Lei 9.268/96 Depois da Lei 9.268/96 (ATUALMENTE)
Art. 51. A multa converte-se em pena de Art. 51. Transitada em julgado a sentença
detenção, quando o condenado solvente condenatória, a multa será considerada dívida
deixa de paga-lá ou frustra a sua de valor, aplicando-se-lhes as normas da
execução. legislação relativa à dívida ativa da Fazenda
Pública, inclusive no que concerne às causas
interruptivas e suspensivas da prescrição.
Multa permaneceu com caráter penal: Importante esclarecer que, mesmo com essa mudança
trazida pela Lei 9.268/96, a multa continua tendo caráter de sanção criminal, ou seja,
permanece sendo uma pena, por força do art. 5º, XLVI, “c”, da CF/88:
Art. 5º (...)
XLVI - a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as
seguintes:
c) multa;
Assim, a única coisa que a Lei 9.268/96 fez foi mudar a forma de cobrança da multa não
paga: antes, ela virava pena de detenção; agora, deve ser cobrada por meio de execução.
• Para o STJ, o magistrado deveria remeter a certidão para Procuradoria Geral do Estado e
um dos Procuradores do Estado iria ajuizar, em nome do Estado, uma execução fiscal que
tramitaria na vara de execuções fiscais (não era na vara de execuções penais).
Alerta: se João tivesse sido condenado pela Justiça Federal, quem iria ingressar com a
execução seria prioritariamente o MPF e, apenas subsidiariamente, a União, por
intermédio da Procuradoria da Fazenda Nacional (PFN).
O que acontece com o entendimento do STJ manifestado na Súmula 521? Fica superado e a
súmula será cancelada. Isso porque a decisão do STF foi proferida em ação direta de
inconstitucionalidade possuindo, portanto, eficácia erga omnes e efeito vinculante (art. 102,
§ 2º, da CF/88).
Determinado réu foi condenado por furto qualificado por rompimento de obstáculo (art.
155, § 4º, I, do CP).
O STF considerou incorreta a sentença do juiz que, na 1ª fase da dosimetria da pena,
aumentou a pena-base com fundamento em três argumentos:
a) Culpabilidade. O magistrado afirmou que era patente a culpabilidade do réu
considerando que ele tinha plena consciência da ilicitude de seu ato.
O juiz confundiu os conceitos. Para fins de dosimetria da pena, culpabilidade consiste na
reprovação social que o crime e o autor do fato merecem. Essa culpabilidade de que trata o
art. 59 do CP não tem nada a ver com a culpabilidade como requisito do crime
(imputabilidade, potencial consciência da ilicitude do fato e inexigibilidade de conduta
diversa).
4.3. Elevados custos da investigação e enriquecimento do réu não são argumentos para
aumentar a pena-base – (Info 845)
O argumento invocado pela defesa foi aceito pelo STF? Houve bis in idem neste caso? A
decisão do magistrado foi equivocada? NÃO.
O delito previsto no art. 316 do CP realmente só pode ser praticado por funcionário público.
No entanto, é possível que o magistrado, ao fazer a dosimetria da pena, analisando as
circunstâncias do art. 59 do CP, aumente a pena invocando a qualidade específica ou a
qualificação do funcionário público.
4.5. Condenações anteriores transitadas em julgado não podem ser utilizadas como
conduta social desfavorável – (Info 825)
Este critério trifásico, elaborado por Nelson Hungria, foi adotado pelo Código Penal, sendo
consagrado pela jurisprudência pátria: STJ. 6ª Turma. AgRg no REsp 1021796/RS, Rel. Min.
Assusete Magalhães,julgado em 19/03/2013.
Imagine agora a seguinte situação: João possui quatro condenações transitadas em julgado.
Ele está agora sendo julgado pela prática do crime 5. No momento da dosimetria da pena, o
juiz aumentou a pena-base com base em duas circunstâncias judiciais:
Utilizo a condenação do crime 1 como maus antecedentes;
Os crimes 2 a 4 indicam que sua conduta social é péssima, pois já se viu envolvido
em vários outros episódios que não aqueles valorados no item anterior e que
demonstram que o réu não se adéqua às regras sociais.
A tese da defesa foi aceita pelo STF? Houve erro na dosimetria da pena? SIM. Teori explicou
que, antes da reforma da Parte Geral do CP (1984), a análise dos antecedentes abrangia todo o
passado do agente, incluindo, além dos registros criminais, o seu comportamento na
sociedade. Após a aprovação da Lei 7.209/84, a conduta social passou a ter significado
próprio. A conduta social passou a ser utilizada apenas para avaliar o comportamento do
condenado no meio familiar, no ambiente de trabalho e no relacionamento com outros
indivíduos. Ou seja, os antecedentes sociais do réu não mais se confundem com os seus
antecedentes criminais. Trata-se de circunstâncias diversas. Assim, a análise da circunstância
judicial da conduta social não tem relação com a vida criminal do acusado. O histórico
criminal já é utilizado para aferir os antecedentes (primeira fase de aplicação da pena) ou a
reincidência (segunda fase de aplicação da pena). A conduta social está relacionada com
aspectos extrapenais.
5. MAUS ANTECEDENTES
5.1. Cinco anos após o cumprimento ou extinção da pena, a condenação pretérita ainda
poderá ser utilizada como maus antecedentes? – (Info 799) – IMPORTANTE!!!
5.2. Inquéritos policiais e ações penais sem trânsito em julgado – (Infos 791 e 772) –
IMPORTANTE!!!
6. AGRAVANTES
6.1. As agravantes (tirando a reincidência) não se aplicam aos crimes culposos – (Info 735)
– (TJGO-2012)
As circunstâncias agravantes genéricas não se aplicam aos crimes culposos, com exceção
da reincidência.
STF. 1ª T. HC 120165/RS, rel. Min. Dias Toffoli, j. 11/2/14 (Info 735).
(TJGO-2012-FCC): As circunstâncias agravantes não incidem nos crimes culposos, salvo
a reincidência. BL: Info 735, STF.
7. PRESCRIÇÃO
7.1. Interpretação do art. 112 do CP – (Info 890) – IMPORTANTE!!! TEMA POLÊMICO!
Se o Ministério Público não recorreu contra a sentença condenatória, tendo havido apenas
recurso da defesa, qual deverá ser o termo inicial da prescrição da pretensão executiva? O
início do prazo da prescrição executória deve ser o momento em que ocorre o trânsito em
julgado para o MP? Ou o início do prazo deverá ser o instante em que se dá o trânsito em
julgado para ambas as partes, ou seja, tanto para a acusação como para a defesa?
Posicionamento pacífico do STJ: o termo inicial da prescrição da pretensão
executória é a data do trânsito em julgado da sentença condenatória para a
acusação, ainda que a defesa tenha recorrido e que se esteja aguardando o
julgamento desse recurso. Aplica-se a interpretação literal do art. 112, I, do CP,
considerando que ela é mais benéfica ao condenado.
Termo inicial: Como vimos, o Estado tem um prazo máximo para fazer com que o réu
condenado inicie o cumprimento da pena. Caso não o faça, ocorre a prescrição executória.
A pergunta é: a partir de que dia começa a correr esse prazo que o Estado tem para fazer com
que o condenado inicie o cumprimento da pena? Dito de outra forma: qual é o termo inicial
do prazo da prescrição da pretensão executória? A resposta encontra-se no art. 112, I do CP:
Termo inicial da prescrição após a sentença condenatória irrecorrível
Art. 112. No caso do art. 110 deste Código [que trata da prescrição executória], a
prescrição começa a correr:
I - do dia em que transita em julgado a sentença condenatória, para a
acusação, ou a que revoga a suspensão condicional da pena ou o livramento
condicional;
Desse modo, segundo o art. 112, I do CP, o termo inicial da prescrição executória é a data do
trânsito em julgado da sentença condenatória para a acusação.
E se o MP não recorre, mas a defesa apresenta recurso? Nesse caso, a sentença condenatória
transitou em julgado para a acusação. Logo, segundo a redação do art. 112, I do CP, inicia-se
a contagem do prazo de prescrição executória mesmo ainda estando pendente a apreciação
do recurso interposto pela defesa.
Veja o seguinte exemplo hipotético: João foi condenado a 4 anos de reclusão pelo Tribunal de
Justiça. O Ministério Público concorda com o acórdão e não recorre, razão pela qual ocorre
trânsito em julgado para a acusação no dia 18/02/2010. O advogado do réu apresenta
recurso extraordinário, de forma que, para a defesa, não houve trânsito em julgado.
Crítica à regra do art. 112, I do CP: A CF/88 prevê que ninguém poderá ser considerado
culpado até que haja o trânsito em jugado da sentença penal condenatória (art. 5º, LVII). Por
força desse princípio, durante os anos de 2009 até 2016 prevaleceu no STF o entendimento de
que não existia no Brasil a execução provisória (antecipada) da pena.
Assim, de 2009 até 2016 o STF entendia que, enquanto não tivesse havido trânsito em julgado
para a acusação e para a defesa, o réu não poderia ser obrigado a iniciar o cumprimento da
pena.
Se ainda estava pendente de julgamento qualquer recurso da defesa, o condenado não podia
iniciar o cumprimento da pena porque ainda era presumivelmente inocente. Isso perdurou,
como já dito, de 2009 (STF. Plenário. HC 84078, julgado em 05/02/2009) até 2016, quando o
STF mudou sua jurisprudência no HC 126292/SP, Rel. Min. Teori Zavascki, julgado em
17/2/2016.
Desse modo, perceba a seguinte situação estranha que o art. 112, I, ocasionava (entre 2009 a
2016):
Se o réu fosse condenado, a defesa recorresse e o MP não, esse condenado não podia
iniciar o cumprimento da pena enquanto estivesse pendente o recurso;
Apesar disso, pela redação literal do art. 112, I, do CP, já começava a correr o prazo
da prescrição executória.
Diante desse paradoxo que podia ser ocasionado pela regra do art. 112, I, do CP, alguns
doutrinadores e membros do Ministério Público idealizaram a seguinte tese: O início do
prazo da prescrição executória devia ser o momento em que ocorre o trânsito em julgado
para ambas as partes, ou seja, tanto para a acusação como para a defesa. Não se pode dizer
que o prazo prescricional começa com o trânsito em julgado apenas para a acusação, uma vez
que, se a defesa recorreu, o Estado não pode dar início à execução da pena, já que ainda não
haveria uma condenação definitiva. Se há recurso da defesa, o Estado não inicia o
cumprimento da pena não por desinteresse dele, mas sim porque há uma vedação de ordem
constitucional decorrente do princípio da presunção de inocência. Ora, se não há desídia do
Estado, não se pode falar em prescrição. Desse modo, foi uma tese que surgiu para
desconsiderar a interpretação literal do art. 112, I, do CP.
Essa tese que desconsidera a regra do art. 112, I, do CP foi aceita pela jurisprudência?
STJ: NÃO. Para o STJ, conforme determina o art. 112, I do CP, o termo inicial da
prescrição da pretensão executória é a data do trânsito em julgado da sentença
condenatória para a acusação, ainda que a defesa tenha recorrido e que se esteja
aguardando o julgamento desse recurso. Nesse sentido: STJ. 6ª Turma. AgRg no RHC
74.996/PB, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 12/09/2017.
O argumento de que se deveria aguardar o trânsito em julgado para ambas as partes
não tem previsão legal e contraria o texto do Código Penal.
Além disso, não se pode querer “corrigir” a redação do art. 112, I, do CP invocando-
se o art. 5º, LVII da CF/88, porque, nesse caso, se estaria utilizando um dispositivo
da Constituição Federal para respaldar uma “interpretação” totalmente desfavorável
ao réu e contra expressa disposição legal.
Exigir o trânsito em julgado para ambas as partes como termo inicial da contagem do
lapso da prescrição da pretensão executória, ao contrário do texto expresso da lei,
seria inaugurar novo marco interruptivo da prescrição não previsto no rol taxativo
do art. 117 do CP, situação que também afrontaria o princípio da reserva legal.
Assim, somente com a devida alteração legislativa é que seria possível modificar o
termo inicial da prescrição da pretensão executória, e não por meio de "adequação
hermenêutica".
A prescrição em perspectiva (ou prescrição virtual) não é admitida nos crimes militares,
assim como ocorre também nos crimes comuns.
STF. 2ª Turma. HC 125777/CE, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 21/6/16 (Info 831).
OBS:
O que é a chamada prescrição virtual? Ocorre quando o juiz, verificando que já se passaram
muitos anos desde o dia em que o prazo prescricional começou ou voltou a correr, entende
que mesmo que o inquérito ou processo continue, ele não terá utilidade porque muito
provavelmente haverá a prescrição pela pena em concreto. Para isso, o juiz analisa a possível
pena que aplicaria para o réu se ele fosse condenado e, a partir daí, examina se, entre os
marcos interruptivos presentes no processo, já se passaram mais anos do que o permitido
pela lei.
A prescrição virtual possui previsão na lei? NÃO. Apesar de ser comum na prática, a
prescrição virtual não tem previsão na lei, sendo considerada uma “criação” dos juízes e
Tribunais.
A prescrição virtual é admitida pelo STF e pelo STJ? NÃO. O STF e o STJ afirmam que é
inadmissível a prescrição virtual por dois motivos principais:
em virtude da ausência de previsão legal;
porque representaria uma afronta ao princípio da presunção de não-culpabilidade.
Para que incida a redução do prazo prescricional prevista no art. 115 do CP, é necessário
que, no momento da sentença, o condenado possua mais de 70 anos. Se ele só completou a
idade após a sentença, não terá direito ao benefício, mesmo que isso tenha ocorrido antes
do julgamento de apelação interposta contra a sentença.
Existe, no entanto, uma situação em que o condenado será beneficiado pela redução do
art. 115 do CP mesmo tendo completado 70 anos após a sentença: isso ocorre quando o
condenado opõe embargos de declaração contra o acórdão condenatório e esses embargos
são conhecidos. Nesse caso, o prazo prescricional será reduzido pela metade se o réu
completar 70 anos até a data do julgamento dos embargos. Nesse sentido: STF. Plenário.
AP 516 ED/DF, rel. orig. Min. Ayres Britto, red. p/ o acórdão Min. Luiz Fux, julgado em
5/12/2013 (Info 731).
STF. 2ª Turma. HC 129696/SP, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 19/4/2016 (Info 822).
OBS:
Redução do prazo prescricional para condenados maiores de 70 anos: O art. 115 do CP
preconiza:
Art. 115. São reduzidos de metade os prazos de prescrição quando o criminoso
era, ao tempo do crime, menor de 21 (vinte e um) anos, ou, na data da sentença,
maior de 70 (setenta) anos.
Situação 1. Imagine o seguinte exemplo hipotético : João, com 69 anos, foi condenado, em 1ª
instância, no dia 02/02/2010. O condenado interpôs apelação. O TJ julgou a apelação em
03/03/2014 e manteve, na íntegra, a sentença. Nesta data, ele já tinha 73 anos.
O réu terá direito ao art. 115 do CP? NÃO. Isso porque, na data da sentença, ele tinha menos
de 70 anos.
Situação 2. Imagine agora o exemplo um pouco diferente : João, com 69 anos, foi condenado,
em 1ª instância, no dia 02/02/2010. O condenado opôs embargos de declaração. O juiz
conheceu dos embargos, mas os julgou improvidos em 05/05/2010, mantendo a sentença.
Nesta data, o condenado já tinha mais de 70 anos.
O réu terá direito ao art. 115 do CP? SIM. O STF admite a redução do prazo prescricional
pela metade quando o réu completa 70 anos após a sentença condenatória, mas antes de
terem sido julgados os embargos de declaração opostos contra a decisão (se conhecidos). Isso
porque se entende que a decisão dos embargos integra a sentença.
A prescrição virtual ocorre quando o juiz, verificando que já se passaram muitos anos
desde o dia em que o prazo prescricional começou ou voltou a correr, entende que mesmo
que o inquérito ou processo continue, ele não terá utilidade porque muito provavelmente
haverá a prescrição pela pena em concreto.
Para isso, o juiz analisa a possível pena que aplicaria para o réu se ele fosse condenado e,
a partir daí, examina se, entre os marcos interruptivos presentes no processo, já se
passaram mais anos do que o permitido pela lei.
A prescrição virtual é também chamada de prescrição “em perspectiva”, “por prognose”,
“projetada” ou “antecipada”.
O STF e o STJ afirmam que é inadmissível a prescrição virtual por dois motivos
principais:
a) em virtude da ausência de previsão legal;
b) porque representaria uma afronta ao princípio da presunção de não-culpabilidade.
O STJ tem, inclusive, um enunciado proibindo expressamente a prática (Súmula 438-STJ).
STF. 1ª Turma. Inq 3574 AgR/MT, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 2/6/2015 (Info 788).
7.5. A publicação do acórdão condenatório para fins de prescrição ocorre no dia da sessão
de julgamento – (Info 776) – IMPORTANTE!!!
7.6. O § 1º do art. 110 do CP, alterado pela Lei 12.234/2010, é constitucional – (Info 771) –
IMPORTANTE!!!
7.7. Durante a suspensão condicional da pena não corre prazo o prescricional – (Info 744)
Durante a suspensão condicional da pena (art. 77 do CP), não corre o prazo prescricional.
STF. 2ª Turma. Ext 1254/Romênia, Rel. Min. Teori Zavascki, julgado em 29/4/2014 (Info
744)
OBS: Ao analisar um pedido de extradição, o STF confirmou que a conclusão (pacífica) de
que durante a suspensão condicional da pena (art. 77 do CP), não corre prazo o prescricional.
Segundo o art. 112, I, do CP, a prescrição somente começa a correr do dia em que for
revogada a suspensão condicional da pena (sursis).
João, reincidente, foi condenado a uma pena de 1 ano e 4 meses de reclusão, em regime
inicial fechado, pela prática do crime de furto simples (art. 155, caput, do CP).
A defesa postulou a aplicação do regime aberto com base no princípio da insignificância,
considerado o objeto furtado ter sido apenas uma garrafa de licor.
O STF decidiu impor o regime semiaberto.
Entendeu-se que, de um lado, o regime fechado deve ser afastado. Por outro, não se pode
conferir o regime aberto para um condenado reincidente, uma vez que isso poderia se
tornar um incentivo à criminalidade, ainda mais em cidades menores, onde o furto é, via
de regra, perpetrado no mesmo estabelecimento.
A reincidência delitiva do paciente, que praticou o quinto furto em pequeno município,
eleva a gravidade subjetiva de sua conduta.
STF. 1ª Turma. HC 136385/SC, Rel. Min. Marco Aurélio, red. p/ ac. Min. Alexandre de
Moraes, j. 7/8/2018 (Info 910).
8.2. Fixada a pena-base no mínimo legal, não é possível a imposição de regime inicial
mais severo do que aquele abstratamente imposto – (Info 881)
Se todas as circunstâncias judiciais são favoráveis, de forma que a pena-base foi fixada no
mínimo legal, então, neste caso, não cabe a imposição de regime inicial mais gravoso.
STF. 2ª Turma. RHC 131133/SP, Rel. Min. Dias Toffoli, j. 10/10/2017 (Info 844).
Obs: o STJ possui um enunciado nesse sentido:
Súmula 440-STJ: Fixada a pena-base no mínimo legal, é vedado o estabelecimento de regime
prisional mais gravoso do que o cabível em razão da sanção imposta, com base apenas na
gravidade abstrata do delito.
8.3. Fixada a pena-base no mínimo legal, não é possível a imposição de regime inicial
mais severo do que aquele abstratamente imposto – (Info 844)
O que o juiz deve observar na fixação do regime inicial? O juiz, quando vai fixar o regime
inicial do cumprimento da pena privativa de liberdade, deve observar quatro fatores:
1) o tipo de pena aplicada: se reclusão ou detenção;
2) o quantum da pena definitiva;
3) se o condenado é reincidente ou não;
4) as circunstâncias judiciais (art. 59 do CP).
Imagine a seguinte situação hipotética: João foi condenado a 5 anos e 4 meses de reclusão
pela prática do crime previsto no art. 157, § 2º, I e II, do CP.
Na dosimetria, o juiz fixou a pena-base no mínimo legal. Apesar disso, estabeleceu o regime
inicial fechado. Agiu corretamente o magistrado? NÃO. Se o réu não reincidente foi punido
com pena de reclusão maior que 4 e menor que 8 anos, o CP prevê que, em regra, deverá ser
imposto a ele o regime inicial semiaberto. Confira:
Art. 33 (...) § 2º As penas privativas de liberdade deverão ser executadas em
forma progressiva, segundo o mérito do condenado, observados os seguintes
critérios e ressalvadas as hipóteses de transferência a regime mais rigoroso:
a) o condenado a pena superior a 8 (oito) anos deverá começar a cumpri-la em
regime fechado;
b) o condenado não reincidente, cuja pena seja superior a 4 (quatro) anos e não
exceda a 8 (oito), poderá, desde o princípio, cumpri-la em regime semi-aberto;
É possível que seja imposto ao condenado primário um regime inicial mais rigoroso do que o
previsto para a quantidade de pena aplicada? Ex.: se uma pessoa pode ser condenada a 6
anos de reclusão e o juiz fixar o regime inicial fechado? SIM, é possível, desde que o juiz
apresente motivação idônea na sentença.
O juiz pode fundamentar a imposição do regime mais severo devido ao fato do crime
praticado ser, abstratamente, um delito grave? Ex.: o juiz afirma que, em sua opinião, no
caso de tráfico de drogas o regime deve ser o fechado em razão da gravidade desse delito.
NÃO. A opinião do julgador sobre a gravidade em abstrato do crime NÃO constitui
motivação idônea para a imposição de regime mais severo do que o permitido segundo a
pena aplicada (Súmula 718-STF).
O que é considerado, então, motivação idônea para impor ao condenado regime mais
gravoso? Exige-se que o juiz aponte circunstâncias que demonstrem que o fato criminoso,
concretamente, foi grave. Se as circunstâncias judiciais do art. 59 forem desfavoráveis, é
possível que o juiz se fundamente nesses dados para impor ao condenado regime inicial mais
gravoso que o previsto para a quantidade de pena aplicada. Nesse sentido:
(...) Se as penas-base de ambos os crimes são fixadas acima do mínimo legal em
face da valoração negativa das circunstâncias do art. 59 do Código Penal, não há
ilegalidade na imposição de regime inicial mais gravoso do que o abstratamente
previsto de acordo com a quantidade de pena aplicada. (...)
STJ. 5ª Turma. AgRg no REsp 1471969/RN, Rel. Min. Jorge Mussi, j. 20/11/14)
Se a pena privativa de liberdade foi fixada no mínimo legal, é possível a fixação de regime
inicial mais severo do que o previsto pela quantidade de pena? Ex.: Paulo, réu primário, foi
condenado a uma pena de seis anos de reclusão. As circunstâncias judiciais foram
favoráveis. Pode o juiz fixar o regime inicial fechado? NÃO. A posição que prevalece no STJ
é a de que, fixada a pena-base no mínimo legal e sendo o acusado primário e sem
antecedentes criminais não se justifica a fixação do regime prisional mais gravoso. STJ. 5ª
Turma. AgRg no HC 303.275/SP, Rel. Min. Jorge Mussi, j. 03/02/15.
8.5. Regime inicial de cumprimento de pena para o condenado por crime hediondo ou
equiparado
Qual é o regime inicial de cumprimento de pena do réu que for condenado por crime
hediondo ou equiparado?
O regime inicial nas condenações por crimes hediondos ou equiparados (como é o caso do
tráfico de drogas) não tem que ser obrigatoriamente o fechado, podendo ser também o
regime semiaberto ou aberto, desde que presentes os requisitos do art. 33, § 2º, alíneas “b”
e “c”, do Código Penal.
STF. Plenário. HC 111840/ES, rel. Min. Dias Toffoli, 27/6/2012.
STJ. 3ª Seção. EREsp 1.285.631-SP, Rel. Min. Sebastião Reis Junior, j. 24/10/2012.
9. CRIME DE HOMICÍDIO
9.1. Dirigir alcoolizado na contramão: reconhecimento de dolo eventual – (Info 904)
O pedido foi acolhido pelo STF? NÃO. O STF entende que, em casos de homicídio causado
por motorista embriagado, se o Tribunal do Júri entender que houve dolo eventual, não
cabe ao Supremo alterar esta tipificação, sendo uma decisão legítima do júri popular.
Vale ressaltar, no entanto, que o simples fato do condutor do veículo estar embriagado não
gera a presunção de que tenha havido dolo eventual:
A embriaguez do agente condutor do automóvel, por si só, não pode servir de
premissa bastante para a afirmação do dolo eventual em acidente de trânsito
com resultado morte. STJ. 6ª Turma. REsp 1.689.173-SC, Rel. Min. Rogério
Schietti Cruz, julgado em 21/11/2017 (Info 623).
Dessa forma, haverá assunção do risco – apta a caracterizar o dolo eventual –, "quando o
agente tenha tomado como séria a possibilidade de lesar ou colocar em perigo o bem jurídico
e não se importa com isso, demonstrando, pois, que o resultado lhe era
indiferente”( TAVARES, Juarez apud PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 332).
Nesse sentido:
STJ. 6ª T. AgRg-AREsp 1.226.580-DF, Rel. Min. Rogério Schietti Cruz, j. 5/6/18.
STJ. 5ª T. AgRg no AREsp 965.57-/RS, Rel. Ministro Jorge Mussi, j. 19/5/2017.
O dolo eventual não se compatibiliza com a qualificadora do art. 121, § 2º, IV (traição,
emboscada, dissimulação).
STF. 2ª Turma. HC 111.442/RS, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 28/8/2012 (Info 677).
OBS:
No caso julgado pela 2ª Turma, o réu foi denunciado pela suposta prática do crime de
homicídio qualificado pela surpresa (art. 121, § 2º, IV, CP), e embriaguez ao volante (art. 306
do Código de Trânsito) porque, ao conduzir veículo em alta velocidade e em estado de
embriaguez, ultrapassara sinal vermelho e colidira com outro carro, cujo condutor viera a
falecer.
Por que o dolo eventual é incompatível com a qualificadora da surpresa? Para que incida a
qualificadora da surpresa é indispensável que fique provado que o agente teve a vontade
de surpreender a vítima, impedindo ou dificultando que ela se defendesse. Ora, no caso do
dolo eventual, o agente não tem essa intenção, considerando que não quer matar a vítima,
mas apenas assume o risco de produzir esse resultado. Como o agente não deseja a
produção do resultado, ele não direcionou sua vontade para causar surpresa à vítima. Logo,
não pode responder por essa circunstância (surpresa).
OBS:
Exceções em que o aborto não é crime: O Código Penal, em seu art. 128, traz duas hipóteses
em que o aborto é permitido:
1ª) se não há outro meio de salvar a vida da gestante. É o chamado aborto
“necessário” ou “terapêutico”, previsto no inciso I.
2ª) no caso de gravidez resultante de estupro. Trata-se do aborto “humanitário”,
“sentimental”, “ético” ou “piedoso”, elencado no inciso II. Segundo o texto expresso
do CP, essas são as duas únicas hipóteses em que o aborto é permitido no Brasil.
3ª) Interrupção da gravidez de feto anencéfalo: O STF, no julgamento da ADPF
54/DF, criou uma nova exceção e decidiu que a interrupção da gravidez de feto
anencéfalo é conduta atípica (Plenário. ADPF 54/DF, rel. Min. Marco Aurélio, 11 e
12/4/12). Assim, por força de interpretação jurisprudencial, realizar aborto de feto
anencéfalo também não é crime.
4ª) Interrupção da gravidez no primeiro trimestre da gestação: A 1ª Turma do STF,
no julgamento do HC 124306, mencionou a possibilidade de se admitir uma quarta
exceção: a interrupção da gravidez no primeiro trimestre da gestação provocado pela
própria gestante (art. 124) ou com o seu consentimento (art. 126) também não seria
crime (HC 124306/RJ, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Roberto
Barroso, julgado em 29/11/2016. Info 849).
Em outras palavras, se determinada conduta for prevista como crime, mas não atender a
algum desses três requisitos, este tipo penal deverá ser considerado inconstitucional.
Subprincípio da adequação: Aqui, deve-se analisar se os tipos penais previstos nos arts. 124 e
126 do CP protegem realmente o feto. A medida adotada (punir o aborto consensual) é
idônea para proteger o feto? O STF entendeu que não. De acordo com estudos da OMS a
criminalização não produz impacto relevante sobre o número de abortos. As taxas de aborto
nos países onde esse procedimento é permitido são muito semelhantes àquelas encontradas
nos países em que ele é ilegal. Atualmente, existem medicamentos que são facilmente
encontrados e que a mulher, ao usá-los, consegue interromper a gravidez sem que o Poder
Público tenha meios para tomar conhecimento e impedir a sua realização. Assim, a
criminalização não gera uma diminuição na quantidade de abortos. Eles continuam sendo
realizados constantemente, de forma clandestina e perigosa para a saúde da mulher. Por
outro lado, se não houvesse a punição haveria a possibilidade de estes procedimentos serem
realizados de forma segura e sem tantos riscos. Na prática, portanto, a criminalização do
aborto é ineficaz para proteger o direito à vida do feto. Do ponto de vista penal, ela constitui
apenas uma reprovação “simbólica” da conduta.
Primeiro trimestre da gravidez: Ressalta-se que, pela decisão do STF, só não será punido o
aborto consentido (realizado pela mulher ou por terceiro com sua concordância) e desde que
feito nos três primeiros meses da gravidez. Se for realizado após o primeiro trimestre,
continua sendo crime.
Por que este critério de três meses? Existe uma intensa e polêmica discussão sobre quando se
inicia a vida e qual é o status jurídico do embrião durante a fase inicial da gestação. Dentre
outras, há duas posições principais e antagônicas em relação a isso:
1ª) de um lado, os que sustentam que existe vida desde a concepção, desde que o
espermatozoide fecundou o óvulo, dando origem à multiplicação das células.
2ª) de outro lado, estão os que sustentam que antes da formação do sistema nervoso central e
da presença de rudimentos de consciência (o que geralmente se dá após o terceiro mês da
gestação) não é possível ainda falar-se em vida em sentido pleno.
Segundo o Ministro, não havia motivo para a prisão preventiva, considerando o fato de que a
gravidez da mulher estava ainda no primeiro trimestre, razão pela qual a punição prevista
nos arts. 124 e 126 do CP não seria compatível com a CF/88, ou seja, não teria sido
recepcionada pela atual Carta Magna. Por conta disso, o Ministro concedeu a ordem de
habeas corpus para afastar a prisão preventiva dos pacientes, concedendo-lhes liberdade
provisória.
Atenção: Obviamente, esta decisão representa um indicativo muito claro do que o STF
poderá decidir caso seja provocado de forma específica sobre o tema, tendo o Min. Roberto
Barroso proferido um substancioso voto que foi acompanhado pelos Ministros Edson Fachin
e Rosa Weber. Os demais Ministros da 1ª Turma (Marco Aurélio e Luiz Fux) não se
comprometeram expressamente com a tese da descriminalização e discutiram apenas a
legalidade da prisão preventiva. Dessa forma, existem três votos a favor da tese, não se
podendo afirmar que o tema esteja resolvido no STF. Ao contrário, ainda haverá muita
discussão a respeito.
A esposa tem legitimidade para propor queixa-crime contra autor de mensagem que
insinua que o seu marido tem uma relação extraconjugal com outro homem.
Se alguém alega que um indivíduo casado mantém relação homossexual extraconjugal
com outro homem, a esposa deste indivíduo tem legitimidade para ajuizar queixa-crime
por injúria, alegando que também é ofendida.
Caso concreto: Roberto insinuou que Weverton teria um relacionamento homossexual
extraconjugal com outro homem. A mulher de Weverton tem legitimidade para ajuizar
queixa-crime contra Roberto pela prática do crime de injúria.
STF. 1ª T. Pet 7417 AgR/DF, Rel. Min. Luiz Fux, red. p/ o ac. Min. Marco Aurélio, j. 9/10/18
(Info 919).
11.3. INJÚRIA: Não deve ser punido Deputado Federal que profere palavras injuriosas
contra adversário político que também o ofendeu imediatamente antes – (Info 838)
Determinado Governador afirmou, em rede social, que certo Deputado Federal estava
financiando, com a utilização de “dinheiro sujo”, a produção de injúrias contra ele e que o
parlamentar estava sendo processado pelos crimes de tortura, corrupção e estupro.
No dia seguinte, o Deputado, em resposta, afirmou, também em uma rede social, que o
Governador era acusado de corrupção eleitoral, que tinha como costume fazer acusações
falsas para tentar incriminar seus desafetos políticos, que costumava espancar seu pai e
que era desequilibrado mental.
O STF entendeu que o Deputado Federal praticou fato típico, antijurídico e culpável, mas
que não deveria ser punido, com base no art. 140, § 1º, II, do CP.
O Deputado postou as mensagens ofensivas menos de 24 horas depois de o Governador
publicar a manifestação também injuriosa. Dessa forma, as mensagens do parlamentar
foram imediatamente posteriores às veiculadas pelo ofendido e elaboradas em resposta a
elas. Ao publicá-las, o acusado citou parte do conteúdo da mensagem postada pelo
ofendido, comprovando o nexo de pertinência entre as condutas. Dessa maneira, o
ofendido não só, de forma reprovável, provocou a injúria, como também, em tese, praticou
o mesmo delito, o que gerou a retorsão imediata do acusado. Logo, o STF entendeu que
não havia razão moral para o Estado punir o Deputado.
STF. 1ª Turma. AP 926/AC, Rel. Min. Rosa Weber, j. 6/9/2016 (Info 838).
OBS:
O motivo para isso foi a imunidade parlamentar? Ao proferir estas palavras o Deputado
estava sob o abrigo da imunidade material? NÃO. O STF entendeu que não deveria se falar
em imunidade parlamentar no presente caso. Isso por conta de dois motivos:
1) As declarações foram proferidas fora do recinto parlamentar e em ambiente
virtual.
2) Não havia relação entre as declarações e o exercício do mandato. As
postagens atacaram a dignidade e o decoro do Governador, sem qualquer
relação com o exercício do mandato. Mesmo sendo adversários políticos, o que
se contata é que nas declarações proferidas pelo Deputado não há um propósito
de crítica ou de debate. O seu intuito é apenas o de atribuir condutas negativas
ao Governador.
Qual foi o motivo, então, para o Deputado não ser condenado? Perdão judicial.
Perdão judicial na injúria: O perdão judicial é um instituto do direito penal, segundo o qual
mesmo constatando que o fato praticado é típico, antijurídico e culpável, o juiz, com base em
hipóteses previstas na lei, deixa de punir o agente por entender que, naquele caso concreto, a
punição seria desnecessária ou ilegítima. O perdão judicial consiste em uma causa de
extinção da punibilidade (art. 107, IX, do CP). A sentença que concede o perdão judicial não é
considerada condenatória nem absolutória, mas sim declaratória da extinção da
punibilidade. Nesse sentido:
Súmula 18-STJ: A sentença concessiva do perdão judicial é declaratória da
extinção da punibilidade, não subsistindo qualquer efeito condenatório.
No § 1º do art. 140 são previstas duas hipóteses de perdão judicial para o crime de injúria, ou
seja, duas situações em que se reconhece que o agente praticou injúria, mas mesmo assim ele
não será punido. Veja:
Art. 140 (...)
§ 1º - O juiz pode deixar de aplicar a pena:
I - quando o ofendido, de forma reprovável, provocou diretamente a injúria;
II - no caso de retorsão imediata, que consista em outra injúria.
Retorsão imediata (inciso II): O STF deixou de aplicar a pena ao Deputado com base no
inciso II do § 1º do art. 140 (retorsão imediata). Conforme explica Cleber Masson:
"A retorsão é a injúria proferida pelo ofendido contra quem antes o injuriou. É o
revide: tão logo ofendida, a vítima também ataca a honra de seu agressor. Deve
ser imediata, ou seja, efetuada tão logo o injuriado tiver conhecimento da
ofensa. Assim, tratando-se de injúrias verbais, a retorsão deve se verificar na
mesma ocasião em que o ofendido suportar a ofensa.
Admite-se também o perdão judicial no tocante a injúrias escritas. Nessa
hipótese, a relação de imediatidade impõe o revide quando o injuriado conhecer
a sua existência, pois somente a partir de então surge a possibilidade de retorsão
imediata." (Direito Penal esquematizado. São Paulo: Método, 2014, p. 199).
11.4. Deputado que, em entrevista à imprensa, afirma que determinada Deputada "não
merece ser estuprada" pratica, em tese, injúria (art. 140 do CP) – (Info 831)
O Deputado Federal Jair Bolsonaro (PSC-RJ) afirmou que a também Deputada Federal
Maria do Rosário (PT-RS), “não merece ser estuprada por ser muito ruim, muito feia, não
faz meu gênero”. E acrescentou que, se fosse estuprador, "não iria estuprá-la porque ela
não merece".
O STF entendeu que a conduta do parlamentar configura, em tese, para fins de
recebimento de denúncia, o crime de injúria: "Art. 140. Injuriar alguém, ofendendo-lhe a
dignidade ou o decoro: Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa."
As declarações do Deputado atingiram a honra subjetiva da Deputada porque rebaixaram
sua dignidade moral, expondo sua imagem à humilhação pública, além de associar as
características da mulher à possibilidade de ser vítima de estupro.
STF. 1ª Turma. Inq 3932/DF e Pet 5243/DF, Rel. Min. Luiz Fux, j. 21/6/16 (Info 831).
12.2. Causa de aumento do § 1º pode ser aplicada tanto para furto simples como
qualificado – (Info 851) – IMPORTANTE!!!
Além disso, na 3ª fase da dosimetria da pena, ao analisar as causas de aumento, o juiz irá
aumentar a pena em 1/3 pelo fato de o crime ter sido cometido durante o repouso noturno,
conforme prevê o § 1º.
Não há continuidade delitiva entre os crimes de roubo e extorsão, ainda que praticados
em conjunto. Isso porque, os referidos crimes, apesar de serem da mesma natureza, são de
espécies diversas.
STJ. 5ª T. HC 435.792/SP, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 24/05/2018.
STF. 1ª T. HC 114667/SP, rel. org. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Roberto Barroso, j.
24/4/18 (Info 899).
4) Unidade de desígnio.
1) Pluralidade de condutas
O agente deve praticar duas ou mais condutas, ou seja, mais de uma ação ou omissão.
2) Pluralidade de crimes da mesma espécie
O agente deve praticar dois ou mais crimes da mesma espécie. Segundo o STJ e o STF,
quando o CP fala em crimes da mesma espécie, ele exige que sejam crimes previstos no
mesmo tipo penal, protegendo igual bem jurídico. Desse modo, para que seja reconhecida a
continuidade delitiva, é necessário que o agente pratique dois ou mais crimes idênticos (ex.:
quatro furtos simples consumados e um tentado). Se a pessoa comete um furto e depois um
roubo, não há continuidade delitiva. Se a pessoa pratica um roubo simples e, em seguida, um
latrocínio, igualmente, não haverá crime continuado. Para que haja continuidade, repita-se, é
indispensável que os crimes sejam previstos no mesmo dispositivo legal e protejam o
mesmo bem jurídico. Nesse sentido:
Não há continuidade delitiva entre os crimes de roubo e extorsão, ainda que
praticados em conjunto. Isso porque, os referidos crimes, apesar de serem da
mesma natureza, são de espécies diversas.
STJ. 5ª Turma. HC 435.792/SP, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em
24/05/2018.
STF. 1ª Turma. HC 114667/SP, rel. org. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min.
Roberto Barroso, julgado em 24/4/2018 (Info 899).
Importante: Também não se reconhece continuidade delitiva entre roubo e latrocínio:
Não há como reconhecer a continuidade delitiva entre os crimes de roubo e o de
latrocínio porquanto são delitos de espécies diversas, já que tutelam bens
jurídicos diferentes.
STJ. 5ª Turma. AgInt no AREsp 908.786/PB, Rel. Min. Felix Fischer, julgado em
06/12/2016.
3) Condições semelhantes de tempo, lugar, maneira de execução, entre outras
A doutrina afirma que deve haver uma conexão de tempo, de lugar e de execução entre os
crimes para que se caracterize o crime continuado.
3.1 Conexão de tempo (conexão temporal):
Significa dizer que, para que haja continuidade delitiva, não pode ter se passado um longo
período de tempo entre um crime e outro. Para os crimes patrimoniais, a jurisprudência
afirma que entre o primeiro e o último delito não pode ter se passado mais que 30 dias. Se
houve período superior a 30 dias, não se aplica mais o crime continuado, havendo, neste
caso, concurso material. Vale ressaltar que, em alguns outros delitos, como nos crimes contra
a ordem tributária, a jurisprudência admite que esse prazo seja maior.
3.2 Conexão de lugar (conexão espacial):
Para que haja continuidade delitiva, os crimes devem ter sido praticados em semelhantes
condições de lugar. Segundo a jurisprudência, semelhantes condições de lugar significa que
os delitos devem ser praticados dentro da mesma cidade, ou, no máximo, em cidades
contíguas.
3.3 Conexão quanto à maneira de execução (conexão modal):
Para que haja continuidade delitiva, os crimes devem ter sido praticados com o mesmo
modus operandi, ou seja, com a mesma maneira de execução (mesmos comparsas, mesmos
instrumentos etc.).
4) Unidade de desígnio
Esse quarto requisito não está previsto expressamente no art. 71 do CP. Por isso, alguns
doutrinadores afirmam que ele não é necessário. Sobre o tema, surgiram duas teorias:
4.1 Teoria objetiva pura (puramente objetiva)
Segundo esta teoria, os requisitos para a continuidade delitiva são apenas objetivos e estão
expressamente elencados no art. 71 do CP. Daí o nome: puramente objetiva. Não é
necessário que se discuta se a intenção do agente era ou não praticar todos os crimes em
continuidade delitiva. No exemplo que demos acima, não interessa discutir se o objetivo de
Carlos era praticar um único furto de R$ 500,00 dividido em várias vezes ou se sua intenção
era ficar subtraindo o dinheiro da padaria por tempo indeterminado. Essa teoria é
minoritária e ultrapassada.
4.2 Teoria objetivo-subjetiva (também chamada de teoria mista)
De acordo com esta teoria, os requisitos para a continuidade delitiva são de natureza tanto
objetiva como subjetiva. Daí o nome da teoria: objetivo-subjetiva. Os requisitos objetivos
estão previstos no art. 71 (mesmas condições de tempo, lugar e forma de execução). O
requisito subjetivo, por sua vez, é a unidade de desígnio, ou seja, o liame volitivo entre os
delitos, a demonstrar que os atos criminosos se apresentam entrelaçados (a conduta
posterior deve constituir um desdobramento da anterior).
Conforme explica Nucci:
“Somente deveria ter direito ao reconhecimento desse benefício legal o agente
criminoso que demonstrasse ao juiz o seu intuito único, o seu propósito global,
vale dizer, evidenciasse que, desde o princípio, ou pelo menos durante o iter
criminis, tinha o propósito de cometer um crime único, embora por partes. Assim,
o balconista de uma loja que, pretendendo subtrair R$ 1.000,00 do seu patrão, comete
vários e contínuos pequenos furtos até atingir a almejada quantia. Completamente
diferente seria a situação daquele ladrão que comete furtos variados, sem qualquer rumo ou
planejamento, nem tampouco objetivo único.” (NUCCI, Guilherme de Souza. Código
Penal Comentado. 6ª ed., São Paulo: RT, 2006, p. 405).
Essa é a teoria adotada pelo STJ e STF:
(...) O Superior Tribunal de Justiça firmou compreensão no sentido de que para
caracterizar a continuidade delitiva é necessária a demonstração da unidade
de desígnios, ou seja, o liame volitivo que liga uma conduta a outra, não
bastando, portanto, o preenchimento dos requisitos objetivos (mesmas
condições de tempo, espaço e modus operandi).
2. No caso, observa-se que o Tribunal a quo, ao aplicar a regra do art. 71 do
Código Penal, adotou a teoria puramente objetiva, deixando de valorar os
aspectos subjetivos. (...)
(REsp 421.246/SP, Rel. Min. Og Fernandes, Sexta Turma, julgado em
15/12/2009)
É necessário que a arma utilizada no roubo seja apreendida e periciada para que incida a
majorante do art. 157, § 2º, I, do Código Penal?
NÃO. O reconhecimento da referida causa de aumento prescinde (dispensa) da apreensão
e da realização de perícia na arma, desde que o seu uso no roubo seja provado por outros
meios de prova, tais como a palavra da vítima ou mesmo de testemunhas.
STF. 1ª Turma. HC 108034/MG, rel. Min. Rosa Weber, 7/8/2012.
13.3. Participação de menor de idade em roubo e a sua majoração pelo concurso de pessoas
Se um maior de idade pratica o roubo juntamente com um inimputável, esse roubo será
majorado pelo concurso de pessoas (art. 157, § 2º do CP).
A participação do menor de idade pode ser considerada com o objetivo de caracterizar
concurso de pessoas para fins de aplicação da causa de aumento de pena no crime de
roubo.
STF. 1ª Turma. HC 110425/ES, rel. Min. Dias Toffoli, 5/6/2012.
STJ. 6ª Turma. HC 150.849/DF, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 16/08/2011.
14. LATROCÍNIO
14.1. O que fazer se foi atingido um único patrimônio, mas houve pluralidade de mortes? –
(Info 855) – IMPORTANTE!!!
Carlos e Luiza estão entrando no carro quando são rendidos por João, assaltante armado,
que deseja subtrair o veículo. Carlos acaba reagindo e João atira contra ele e Luiza,
matando o casal. João foge levando o carro. Haverá dois crimes de latrocínio em concurso
formal de ou um único crime de latrocínio?
STJ: concurso formal impróprio.
STF e doutrina majoritária: um único crime de latrocínio.
STJ. 5ª Turma. HC 336.680/PR, Rel. Min. Jorge Mussi, j. 17/11/2015.
STF. 1ª Turma. RHC 133575/PR, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 21/2/17 (Info 855).
(DPERN-2015-CESPE): Plínio praticou um crime de latrocínio (previsto no art. 157, § 3.º,
parte final, do CP) no qual houve uma única subtração patrimonial, com desígnios
autônomos e com dois resultados mortes (vítimas). Nessa situação, segundo o
entendimento do STJ, Plínio praticou o crime de latrocínio em concurso formal
impróprio, disposto no art. 70, caput, parte final, do CP, no qual se aplica a regra do
concurso material, de forma que as penas devem ser aplicadas cumulativamente.
14.2. Agente que participou do roubo pode responder por latrocínio ainda que o disparo
que matou a vítima tenha sido efetuado pelo corréu – (Info 855) – IMPORTANTE!!! – (TJMG-
2018)
Aquele que se associa a comparsa para a prática de roubo, sobrevindo a morte da vítima,
responde pelo crime de latrocínio, ainda que não tenha sido o autor do disparo fatal ou
que sua participação se revele de menor importância.
Ex: João e Pedro combinaram de roubar um carro utilizando arma de fogo. Eles
abordaram, então, Ricardo e Maria quando o casal entrava no veículo que estava
estacionado. Os assaltantes levaram as vítimas para um barraco no morro. Pedro ficou
responsável por vigiar o casal no cativeiro enquanto João realizaria outros crimes
utilizando o carro subtraído. Depois de João ter saído, Ricardo e Maria tentaram fugir e
Pedro atirou nas vítimas, que acabaram morrendo. João pretendia responder apenas por
roubo majorado (art. 157, § 2º, I e II) alegando que não participou nem queria a morte das
vítimas, devendo, portanto, ser aplicado o art. 29, § 2º do CP. O STF, contudo, não acatou a
tese. Isso porque João assumiu o risco de produzir resultado mais grave, ciente de que
atuava em crime de roubo, no qual as vítimas foram mantidas em cárcere sob a mira de
arma de fogo.
STF. 1ª Turma. RHC 133575/PR, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 21/2/2017 (Info 855).
(TJMG-2018-Consulplan): “A e B, imputáveis, resolvem cometer um roubo em um
estabelecimento comercial na companhia do menor M, mediante emprego de um
revólver eficaz e completamente municiado. Na ocasião programada, A conduz os
demais comparsas e estaciona em local estratégico próximo ao estabelecimento comercial
para facilitar a fuga e dificultar que testemunhas anotem a placa do veículo. B e M
descem do veículo, entram no estabelecimento comercial perto do horário do
encerramento e anunciam o assalto. A vítima V reage e entra em luta corporal com os
agentes. Para pôr fim à briga, M efetua três disparos de arma de fogo e foge, em seguida,
na companhia de B sem nada subtrair do estabelecimento comercial. V morre em função
dos disparos de arma de fogo que lhe atingiram. B e M entram rapidamente no veículo
conduzido por A, que empreende rápida fuga do local.” Sobre a punibilidade de A,
assinale a alternativa correta: A responde por latrocínio consumado em concurso formal
com corrupção de menor, sem incidência da causa de diminuição de pena da
participação de menor importância. BL: art. 157, §3º, II; art. 70, 1ª parte; art. 244-B, todos
do CP; Súmula 610, STF; Info 855 do STF.
OBS: Imagine a seguinte situação adaptada: João e Pedro combinaram de roubar um carro
utilizando arma de fogo. Eles abordaram, então, Ricardo e Maria quando o casal entrava no
veículo que estava estacionado. Os assaltantes levaram as vítimas para um barraco no morro.
Pedro ficou responsável por vigiar o casal no cativeiro enquanto João realizaria outros crimes
utilizando o carro subtraído. Depois de João ter saído, Ricardo e Maria tentaram fugir e
Pedro atirou nas vítimas, que acabaram morrendo.
Qual foi o crime praticado por Pedro? Latrocínio (art. 157, § 3º, 2ª parte) em concurso com
sequestro e cárcere privado (art. 148 do CP):
Art. 157 (...)
§ 3º Se da violência resulta lesão corporal grave, a pena é de reclusão, de sete a
quinze anos, além da multa; se resulta morte, a reclusão é de vinte a trinta anos,
sem prejuízo da multa.
Art. 148. Privar alguém de sua liberdade, mediante sequestro ou cárcere
privado:
Pena - reclusão, de um a três anos.
João também foi denunciado por latrocínio, mas alegou em sua defesa que deveria responder
apenas por roubo majorado (art. 157, § 2º, I e II), considerando que não participou nem
queria a morte das vítimas, devendo, portanto, ser aplicado o art. 29, § 2º do CP. A tese de
João foi aceita pelo STF? NÃO. O art. 29, § 2º prevê:
§ 2º - Se algum dos concorrentes quis participar de crime menos grave, ser-lhe-á
aplicada a pena deste; essa pena será aumentada até metade, na hipótese de ter
sido previsível o resultado mais grave.
No caso concreto, o juiz sentenciante julgou que o réu contribuiu ativamente para a
realização do delito, em unidade de desígnios e mediante divisão de tarefas, com pleno
domínio do fato. O STF entendeu que a decisão do magistrado foi correta. Segundo decidiu a
Corte:
Aquele que se associa a comparsa para a prática de roubo, sobrevindo a morte
da vítima, responde pelo crime de latrocínio, ainda que não tenha sido o autor
do disparo fatal ou que sua participação se revele de menor importância. O
agente assumiu o risco de produzir resultado mais grave, ciente de que atuava
em crime de roubo, no qual as vítimas foram mantidas em cárcere sob a mira de
arma de fogo. STF. 1ª T. RHC 133575/PR, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 21/2/17
(Info 855).
Assim, João tinha domínio do fato e sua conduta não pode ser considerada meramente
acessória ou de menor importância, estando ciente de que atuava em um roubo, no qual as
vítimas era mantidas em cárcere sob a mira de uma arma de fogo, tendo anuído e aderido à
conduta violenta do corréu, sendo a sua ação fundamental para a concretização da subtração
do patrimônio visado.
Não tendo havido rompimento do liame subjetivo entre os agentes, não há que se falar em
participação de menor importância, tampouco em responsabilização por crime menos grave,
pois em se tratando de roubo, respondem pelo resultado morte todos aqueles que, mesmo
não tendo de mão própria realizado o ato letal, planejaram e executaram o tipo básico,
assumindo o risco do resultado mais grave durante a ação criminosa.
15. DANO
15.1. Destruição de acessões feitas em terras indígenas pode configurar dano qualificado –
(Info 760)
Se um indivíduo que tinha uma fazenda em uma terra indígena, ao receber ordem para
desocupar o local, destrói as acessões (construções e plantações) que havia feito no local,
ele pratica, em tese, o delito de dano qualificado (art. 163, parágrafo único, III, do CP). Isso
porque essas terras pertencem à União (art. 20, XI, da CF/88), de forma que,
consequentemente, as acessões também são patrimônio público federal.
STF. 2ª Turma. Inq 3670/RR, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 23/9/2014 (Info 760).
16. ESTELIONATO
16.1. Estelionato e devolução da vantagem indevida antes do recebimento da denúncia –
(Info 796) – IMPORTANTE!!!
O art. 9º, § 2º da Lei 10.684/2003 prevê que o pagamento integral do débito fiscal realizado
pelo réu é causa de extinção de sua punibilidade.
Imagine que determinado indivíduo tenha praticado estelionato causando prejuízo aos
cofres públicos. Antes do recebimento da denúncia, o agente paga integralmente os danos
produzidos. Isso poderá extinguir sua punibilidade, com base no art. 9º, § 2º da Lei
10.684/2003?
NÃO. A causa especial de extinção de punibilidade prevista no § 2º do art. 9º da Lei nº
10.684/2003, relativamente ao pagamento integral do crédito tributário, não se aplica ao
delito de estelionato (CP, art. 171).
O art. 9º da Lei 10.684/2003 menciona os crimes aos quais são aplicadas suas regras: a) arts.
1º e 2º da Lei nº 8.137/90; b) art. 168-A do CP (apropriação indébita previdenciária); c) Art.
337-A do CP (sonegação de contribuição previdenciária). Repare, portanto, que o
estelionato (art. 171 do CP) não está listado nessa lei.
Mesmo sem o estelionato previdenciário estar previsto, não é possível aplicar essas regras
por analogia em favor do réu?
NÃO. O art. 9º da Lei 10.684/2003 somente abrange crimes tributários materiais, delitos
que são ontologicamente distintos do estelionato previdenciário e que protegem bens
jurídicos diferentes. Dessa forma, não há lacuna involuntária na lei penal a demandar
analogia.
O fato de o agente ter pago integralmente o prejuízo trará algum benefício penal?
SIM. O agente poderá ter direito de receber o benefício do arrependimento posterior,
tendo sua pena reduzida de 1/3 a 2/3 (art. 18 do CP).
STF. 2ª T. RHC 126917/SP, Rel. Min. Teori Zavascki, j. 25/8/2015 (Info 796).
STJ. 6ª T. REsp 1.380.672-SC, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, j. 24/3/2015 (Info 559).
A advogada ficou com o dinheiro recebido pelo cliente e só devolveu a quantia após ser
demandada judicialmente e fazer acordo em ação de cobrança.
Vale ressaltar que, a esta altura, já havia um inquérito policial instaurado para apurar
eventual crime de apropriação indébita.
O STF, com base em peculiaridades do caso concreto, decidiu trancar a ação penal por
falta de justa causa.
Salientou-se que o acordo firmado no juízo cível que colocou fim à pendência ocorreu em
novembro de 2012 e a denúncia só foi formalizada quase um ano após.
Além disso, o juiz do processo cível determinou a comunicação à Delegacia de Polícia
sobre o acordo. Diante desses fatos, a 1ª Turma entendeu que a situação seria excepcional
e suficiente para se trancar a ação penal. Entendeu-se que a relação jurídica cível repercute
porque o acerto de contas se deu em data anterior à propositura da ação penal.
STF. 1ª Turma. RHC 125283/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 4/8/2015 (Info 793).
18. RECEPTAÇÃO
18.1. Constitucionalidade do §1º do art. 180 do Código Penal
Um homem beijou uma criança de 5 anos de idade, colocando a língua no interior da boca.
O STF entendeu que essa conduta caracteriza o chamado “beijo lascivo”, havendo,
portanto, a prática do crime de estupro de vulnerável, previsto no art. 217-A do Código
Penal.
Não é possível desclassificar essa conduta para a contravenção penal de molestamento
(art. 65 do Decreto-Lei nº 3.668/41).
Para determinadas idades, a conotação sexual é uma questão de poder, mais precisamente
de abuso de poder e confiança. No caso concreto, estão presentes a conotação sexual e o
abuso de confiança para a prática de ato sexual. Logo, não há como desclassificar a
conduta do agente para a contravenção de molestamento (que não detém essa conotação
sexual).
O art. 227, § 4º, da CF/88 exige que a lei imponha punição severa à violação da dignidade
sexual da criança e do adolescente. Além do mais, a prática de qualquer ato libidinoso
diverso ou a conduta de manter conjunção carnal com menor de 14 anos se subsome, em
regra, ao tipo penal de estupro de vulnerável, restando indiferente o consentimento da
vítima.
STF. 1ª T. HC 134591/SP, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Alexandre de
Moraes, j. 1/10/19 (Info 954).
19.2. Legitimidade ativa do Ministério Público e crime de estupro sem lesão corporal –
(Info 905) – IMPORTANTE!!!
A Súmula 608 do STF prevê que “no crime de estupro, praticado mediante violência real, a
ação penal é pública incondicionada.”
O entendimento dessa súmula pode ser aplicado independentemente da existência da
ocorrência de lesões corporais nas vítimas de estupro. A violência real se caracteriza não
apenas nas situações em que se verificam lesões corporais, mas sempre que é empregada
força física contra a vítima, cerceando-lhe a liberdade de agir segundo a sua vontade.
Assim, se os atos foram praticados sob grave ameaça, com imobilização de vítimas, uso de
força física e, em alguns casos, com mulheres sedadas, trata-se de crime de estupro que se
enquadra na Súmula 608 do STF e que, portanto, a ação é pública incondicionada.
STF. 2ª Turma. RHC 117978, Rel. Min. Dias Toffoli, j. 05/06/2018 (Info 905).
A Súmula 608 do STF permanece válida mesmo após o advento da Lei nº 12.015/2009.
Assim, em caso de estupro praticado mediante violência real, a ação penal é pública
incondicionada mesmo após a Lei nº 12.015/2009.
STF. 1ª Turma. HC 125360/RJ, rel. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Alexandre de
Moraes, j. 27/2/2018 (Info 892).
OBS:
Ação penal no crime de estupro: A ação penal no crime de estupro deve ser analisada antes e
depois da Lei 12.015/09. Veja como essa Lei alterou o art. 225 do Código Penal:
CÓDIGO PENAL
Antes da Lei nº 12.015/2009 Depois da Lei nº 12.015/2009
Art. 225. Nos crimes definidos nos Art. 225. Nos crimes definidos nos
capítulos anteriores, somente se procede Capítulos I e II deste Título, procede-se
mediante queixa. mediante ação penal pública condicionada
§ 1º Procede-se, entretanto, mediante ação à representação.
pública: Parágrafo único. Procede-se, entretanto,
I - se a vítima ou seus pais não podem mediante ação penal pública incondicionada
prover às despesas do processo, sem se a vítima é menor de 18 (dezoito) anos ou
privar-se de recursos indispensáveis à pessoa vulnerável.
manutenção própria ou da família;
II - se o crime é cometido com abuso do
pátrio poder, ou da qualidade de
padrasto, tutor ou curador.
§ 2º - No caso do nº I do parágrafo
anterior, a ação do Ministério Público
depende de representação.
O estupro pode ser praticado mediante grave ameaça ou violência. Se o estupro é praticado
mediante violência real, qual será a ação penal neste caso? Em 1984, o STF editou uma
súmula afirmando que se trata de ação pública incondicionada. Confira:
Súmula 608-STF: No crime de estupro, praticado mediante violência real, a ação
penal é pública incondicionada.
Com a edição da Lei 12.015/09, a maioria da doutrina defendeu a ideia de que esta súmula
teria sido superada. Isso porque o caput do art. 225 do Código Penal falou que a regra geral
no estupro é a ação pública condicionada. Ao tratar sobre as exceções nas quais o crime será
de ação pública incondicionada, o parágrafo único do art. 225 não fala em estupro com
violência real. Logo, para os autores, teria havido uma omissão voluntária do legislador.
O STF acatou esta tese? Depois da Lei nº 12.015/2009, o estupro praticado mediante violência
real passou a ser de ação pública condicionada? Com a Lei nº 12.015/2009, a Súmula 608 do
STF perdeu validade? NÃO. O tema ainda não está pacificado, mas a 1ª Turma do STF
decidiu que:
A Súmula 608 do STF permanece válida mesmo após o advento da Lei nº
12.015/2009. Assim, em caso de estupro praticado mediante violência real, a
ação penal é pública incondicionada. STF. 1ª Turma. HC 125360/RJ, rel. Min.
Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Alexandre de Moraes, j. 27/2/2018 (Info 892).
Vale ressaltar que é dispensável a ocorrência de lesões corporais para a caracterização da
violência real nos crimes de estupro. Em outras palavras, mesmo que a violência praticada
pelo agressor não deixe marcas, não gere lesões corporais na vítima, ainda assim a ação será
pública incondicionada:
Nos termos da Súmula 608 do STF, no crime de estupro praticado mediante
violência real, a ação é pública incondicionada.
O entendimento dessa súmula pode ser aplicado independentemente da
existência da ocorrência de lesões corporais nas vítimas de estupro. A violência
real se caracteriza não apenas nas situações em que se verificam lesões
corporais, mas sempre que é empregada força física contra a vítima, cerceando-
lhe a liberdade de agir segundo a sua vontade.
Assim, se os atos foram praticados sob grave ameaça, com imobilização de
vítimas, uso de força física e, em alguns casos, com mulheres sedadas, trata-se
de crime de estupro que se enquadra na Súmula 608 do STF e que, portanto, a
ação é pública incondicionada.
STF. 2ª Turma. RHC 117978, Rel. Min. Dias Toffoli, j. 05/06/2018 (Info 905).
E no caso de estupro que resulta lesão corporal grave ou morte (art. 213, §§ 1º e 2º)? Qual
será a ação penal nestas hipóteses? A doutrina também defende que neste caso a ação penal
seria pública condicionada. A Procuradoria-Geral da República ajuizou até mesmo uma ADI
contra a nova redação do art. 225 do Código Penal, dada pela Lei nº 12.015/09. Na ação, a
PGR pede que o caput do art. 225 seja declarado parcialmente inconstitucional, sem redução
de texto, apenas “para excluir do seu âmbito de incidência os crimes de estupro qualificado
por lesão corporal grave ou morte, de modo a restaurar, em relação a tais modalidades
delituosas, a regra geral da ação penal pública incondicionada (artigo 100 do Código Penal e
artigo 24 do Código de Processo Penal)”. Em outras palavras, a PGR pediu que o STF
interprete o art. 225 do CP dizendo que o estupro que resulte lesão corporal grave ou morte
será crime de ação pública incondicionada. O processo é a ADI 4301, que deve ser julgada
ainda este ano. Vale ressaltar que, com a decisão acima explicada (HC 125360/RJ), ganha
força essa ADI proposta pela PGR e a tendência é que ela seja julgada procedente.
Resumindo. Ação penal no caso de estupro (após a Lei nº 12.015/2009):
Regra: ação penal condicionada à representação.
Exceções:
• Vítima menor de 18 anos: incondicionada.
• Vítima vulnerável: incondicionada.
• Se foi praticado mediante violência real: incondicionada (Súmula 608-STF).
• Se resultou lesão corporal grave ou morte: polêmica acima exposta. Deve ser aplicado o
mesmo raciocínio da Súmula 608-STF.
19.3. Em caso de estupro praticado mediante violência real, a ação penal é pública
incondicionada – (Info 892) – IMPORTANTE!!! Atualize seus livros!
A Súmula 608 do STF permanece válida mesmo após o advento da Lei 12.015/2009.
Assim, em caso de estupro praticado mediante violência real, a ação penal é pública
incondicionada mesmo após a Lei nº 12.015/2009.
STF. 1ª Turma. HC 125360/RJ, rel. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Alexandre de
Moraes, j. 27/2/2018 (Info 892).
OBS:
Ação penal no crime de estupro: A ação penal no crime de estupro deve ser analisada antes e
depois da Lei 12.015/09. Veja como essa Lei alterou o art. 225 do Código Penal:
CÓDIGO PENAL
Antes da Lei nº 12.015/2009 Depois da Lei nº 12.015/2009
Art. 225. Nos crimes definidos nos Art. 225. Nos crimes definidos nos
capítulos anteriores, somente se procede Capítulos I e II deste Título, procede-se
mediante queixa. mediante ação penal pública condicionada
§ 1º Procede-se, entretanto, mediante ação à representação.
pública: Parágrafo único. Procede-se, entretanto,
I - se a vítima ou seus pais não podem mediante ação penal pública incondicionada
prover às despesas do processo, sem se a vítima é menor de 18 (dezoito) anos ou
privar-se de recursos indispensáveis à pessoa vulnerável.
manutenção própria ou da família;
II - se o crime é cometido com abuso do
pátrio poder, ou da qualidade de
padrasto, tutor ou curador.
§ 2º - No caso do nº I do parágrafo
anterior, a ação do Ministério Público
depende de representação.
O estupro pode ser praticado mediante grave ameaça ou violência. Se o estupro é praticado
mediante violência real, qual será a ação penal neste caso? Em 1984, o STF editou uma
súmula afirmando que se trata de ação pública incondicionada. Confira:
Súmula 608-STF: No crime de estupro, praticado mediante violência real, a ação
penal é pública incondicionada.
Com a edição da Lei nº 12.015/2009, a maioria da doutrina defendeu a ideia de que esta
súmula teria sido superada. Isso porque o caput do art. 225 do Código Penal falou que a
regra geral no estupro é a ação pública condicionada. Ao tratar sobre as exceções nas quais o
crime será de ação pública incondicionada, o parágrafo único do art. 225 não fala em estupro
com violência real. Logo, para os autores, teria havido uma omissão voluntária do legislador.
O STF acatou esta tese? Depois da Lei nº 12.015/2009, o estupro praticado mediante violência
real passou a ser de ação pública condicionada? Com a Lei nº 12.015/2009, a Súmula 608 do
STF perdeu validade? NÃO. O tema ainda não está pacificado, mas a 1ª Turma do STF
decidiu que:
A Súmula 608 do STF permanece válida mesmo após o advento da Lei nº
12.015/2009. Assim, em caso de estupro praticado mediante violência real, a
ação penal é pública incondicionada. STF. 1ª T. HC 125360/RJ, rel. Min. Marco
Aurélio, red. p/ o ac. Min. Alexandre de Moraes, j. 27/2/2018 (Info 892).
Vale ressaltar que é dispensável a ocorrência de lesões corporais para a caracterização da
violência real nos crimes de estupro. Em outras palavras, mesmo que a violência praticada
pelo agressor não deixe marcas, não gere lesões corporais na vítima, ainda assim a ação será
pública incondicionada. Nesse sentido: STF. 2ª Turma. HC 102683, Rel. Min. Ellen Gracie,
julgado em 14/12/2010.
E no caso de estupro que resulta lesão corporal grave ou morte (art. 213, §§ 1º e 2º)? Qual
será a ação penal nestas hipóteses? A doutrina também defende que neste caso a ação penal
seria pública condicionada. A Procuradoria-Geral da República ajuizou até mesmo uma ADI
contra a nova redação do art. 225 do Código Penal, dada pela Lei nº 12.015/2009. Na ação, a
PGR pede que o caput do art. 225 seja declarado parcialmente inconstitucional, sem redução
de texto, apenas “para excluir do seu âmbito de incidência os crimes de estupro qualificado
por lesão corporal grave ou morte, de modo a restaurar, em relação a tais modalidades
delituosas, a regra geral da ação penal pública incondicionada (artigo 100 do Código Penal e
artigo 24 do Código de Processo Penal)”. Em outras palavras, a PGR pediu que o STF
interprete o art. 225 do CP dizendo que o estupro que resulte lesão corporal grave ou morte
será crime de ação pública incondicionada. O processo é a ADI 4301, que deve ser julgada
ainda este ano. Vale ressaltar que, com a decisão acima explicada (HC 125360/RJ), ganha
força essa ADI proposta pela PGR e a tendência é que ela seja julgada procedente.
Resumindo. Ação penal no caso de estupro (após a Lei nº 12.015/2009):
Regra: ação penal condicionada à representação.
Exceções:
• Vítima menor de 18 anos: incondicionada.
• Vítima vulnerável: incondicionada.
• Se foi praticado mediante violência real: incondicionada (Súmula 608-STF).
• Se resultou lesão corporal grave ou morte: polêmica acima exposta. Deve ser aplicado o
mesmo raciocínio da Súmula 608-STF.
19.4. Bisavô é considerado ascendente para os fins da causa de aumento do art. 226, II, do
CP – (Info 866)
No caso de crimes contra a liberdade sexual (arts. 213 a 216-A) e crimes sexuais contra
vulnerável (arts. 217-A a 218-B), se o autor do delito for ascendente da vítima, a pena
deverá ser aumentada de metade (art. 226, II, do CP).
O bisavô está incluído dentro dessa expressão “ascendente”.
O bisavô está no terceiro grau da linha reta e não há nenhuma regra de limitação quanto
ao número de gerações.
Assim, se o bisavô pratica estupro de vulnerável contra sua bisneta, deverá incidir a causa
de aumento de pena prevista no art. 226, II, do CP.
STF. 2ª Turma. RHC 138717/PR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 23/5/17 (Info 866).
OBS:
Causa de aumento de pena: No caso de crimes contra a liberdade sexual (arts. 213 a 216-A) e
crimes sexuais contra vulnerável (arts. 217-A a 218-B), se o autor do delito for ascendente da
vítima, a pena deverá ser aumentada de metade (art. 226, II, do CP). É o que prevê o art. 226,
II, do CP:
Art. 226. A pena é aumentada: (...)
II – de metade, se o agente é ascendente, padrasto ou madrasta, tio, irmão,
cônjuge, companheiro, tutor, curador, preceptor ou empregador da vítima ou
por qualquer outro título tem autoridade sobre ela;
O bisavô está incluído dentro dessa expressão “ascendente”? Claro. O bisavô está no terceiro
grau da linha reta e não há nenhuma regra de limitação quanto ao número de gerações.
19.5. Passar as mãos nas coxas e seios da vítima – (Info 837) – (TJCE-2018)
O agente que passa as mãos nas coxas e seios da vítima menor de 14 anos, por dentro de
sua roupa, pratica, em tese, o crime de estupro de vulnerável (art. 217-A do CP).
Não importa que não tenha havido penetração vaginal (conjunção carnal).
STF. 1ª T. RHC 133121/DF, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/o acórdão Min. Edson
Fachin j. 30/8/16 (Info 837).
O Deputado Federal Jair Bolsonaro (PSC-RJ) afirmou que a também Deputada Federal,
Maria do Rosário (PT-RS), “não merece ser estuprada por ser muito ruim, muito feia, não
faz meu gênero”. E acrescentou que, se fosse estuprador, "não iria estuprá-la porque ela
não merece".
O STF entendeu que a conduta do parlamentar configura, em tese, para fins de
recebimento de denúncia, o delito do art. 286 do CP (incitação ao crime): "Art. 286. Incitar,
publicamente, a prática de crime: Pena - detenção, de três a seis meses, ou multa."
A manifestação do Deputado tem o potencial de incitar outros homens a expor as
mulheres à fragilidade e à violência física, sexual, psicológica e moral, considerando que
foi proferida por um parlamentar, que não pode desconhecer os tipos penais.
O crime de estupro tem consequências graves, e sua ameaça constante mantém todas as
mulheres em situação de subordinação. Portanto, discursos que relativizam essa
gravidade e a abjeção do delito contribuem para agravar a vitimização secundária
produzida pelo estupro.
O parlamentar, ao utilizar o vocábulo “merece” transformou o estupro em algo como se
fosse um prêmio, um favor, uma benesse à mulher. Além disso, transmitiu a ideia de que
as vítimas podem merecer os sofrimentos a elas infligidos pelo estupro. Essa fala reflete
os valores de uma sociedade desigual, que ainda tolera e até incentiva a prática de atitudes
machistas e defende a naturalidade de uma posição superior do homem, nas mais diversas
atividades.
Para que se consuma o tipo penal do art. 286 do CP, não é necessário que o agente
incentive, verbal e literalmente, a prática de determinado crime. Este delito pode ser
praticado por meio de qualquer conduta que seja apta a provocar ou a reforçar em
terceiros a intenção da prática criminosa.
Ademais, o delito do art. 286 do CP é crime formal, de perigo abstrato, e independe da
produção de resultado. Além disso, não exige o fim especial de agir, mas apenas o "dolo
genérico", consistente na consciência de que o comportamento do agente instigará outros a
praticar crimes.
No caso, a frase do parlamentar tem potencial para estimular a perspectiva da
superioridade masculina e a intimidação da mulher pela ameaça de uso da violência.
Assim, a afirmação pública do Deputado tem, em tese, o potencial de reforçar a ideia
eventualmente existente em outros homens de praticarem violência contra a mulher.
STF. 1ª T. Inq 3932/DF e Pet 5243/DF, Rel. Min. Luiz Fux, julgados em 21/6/2016 (Info 831).
Prefeito que, ao sancionar lei aprovada pela Câmara dos Vereadores, inclui artigo que não
constava originalmente no projeto votado pratica o crime de falsificação de documento
público (art. 297, § 1º do CP).
No momento da dosimetria, o fato de o réu ser Prefeito não pode ser utilizado como
circunstância desfavorável para aumentar a pena-base na primeira fase e, em seguida, ser
empregado como causa de aumento do § 1º do art. 297 do CP. Se ele for utilizado duas
vezes, haverá bis in idem.
Assim, essa circunstância (condição de Prefeito) deve ser considerada apenas uma vez, na
terceira fase da pena, como majorante (causa de aumento).
STF. 1ª Turma. AP 971/RJ, Rel. Min. Edson Fachin, j. 28/6/2016 (Info 832).
OBS:
Imagine a seguinte situação adaptada: A Câmara dos Vereadores aprovou determinada lei
municipal. João, Prefeito, quando foi sancionar a lei, incluiu um artigo que não constava
originalmente no projeto aprovado pelo Parlamento. O objetivo foi possibilitar a prorrogação
da dotação orçamentária sem a necessidade de nova aprovação legislativa.
Qual foi o delito praticado pelo Prefeito? Falsificação de documento público, previsto no art.
297, § 1º do CP:
Art. 297. Falsificar, no todo ou em parte, documento público, ou alterar
documento público verdadeiro:
Pena - reclusão, de dois a seis anos, e multa.
§ 1º - Se o agente é funcionário público, e comete o crime prevalecendo-se do
cargo, aumenta-se a pena de sexta parte.
O contrato social de uma sociedade empresária é documento particular. Assim, caso seja
falsificado, haverá o crime de falsificação de documento particular (e não de documento
público).
Não se pode condenar o réu pelo crime de uso de documento falso quando ele próprio foi
quem fez a falsificação do documento. A pessoa deverá ser condenada apenas pela
falsidade, e o uso do documento falso configura mero exaurimento do crime de falso.
STF. 1ª Turma. AP 530/MS, rel. orig. Min. Rosa Weber, red. p/ o acórdão Min. Roberto
Barroso, julgado em 9/9/2014 (Info 758).
Prefeito que assina documentos previdenciários com conteúdo parcialmente falso não
deve ser condenado por falsidade ideológica se não foram produzidas provas de que ele
tinha ciência inequívoca do conteúdo inverídico da declaração. Neste caso, ele deverá ser
absolvido, nos termos do art. 386, III, do CPP, por ausência de dolo, o que exclui o crime.
STF. 1ª Turma. AP 931/AL, Rel. Min. Roberto Barroso, j. 6/6/2017 (Info 868).
23.2. Pratica falsidade ideológica (art. 299 do CP) o candidato que deixa de contabilizar
despesas em sua prestação de contas no TER – (Info 765)
Segundo a jurisprudência atual do STJ e do STF, a conduta de colocar uma fita adesiva ou
isolante para alterar o número ou as letras da placa do carro e, assim, evitar multas,
pedágio, rodízio etc, configura o delito do art. 311 do CP.
STF. 2ª Turma. RHC 116371/DF, rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 13/8/2013.
25. PECULATO
25.1. STF recebeu denúncia contra o Senador Renan Calheiros em razão de ter desviado
recursos públicos da verba parlamentar para pagamento de pensão alimentícia à filha – (Info
849)
25.2. Deputado Federal que utiliza do trabalho de assessor parlamentar para serviços
particulares pratica crime de peculato? – (Info 834)
O servidor público (ex: um Deputado Federal) que se utiliza do trabalho de outro servidor
público (ex: assessor parlamentar) para lhe prestar serviços particulares pratica crime de
peculato (art. 312 do CP)?
Situação 1. Servidor público que se utiliza da mão-de-obra de outro servidor público
(normalmente seu subordinado) para, em determinados momentos, fazer com que este
preste serviços particulares a ele. Esta conduta não configura peculato nem qualquer outro
crime. Nesse sentido: STF. 1ª Turma. Inq 3776, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em
07/10/2014. Atenção: se o indivíduo que se utilizou do servidor público for Prefeito, ele
cometerá o delito do art. 1º, II, do DL 201/67.
Situação 2. Servidor público que utiliza a Administração Pública para pagar o salário de
empregado particular. Aqui o chefe contrata um indivíduo supostamente para ser servidor
público (cargo comissionado), mas, na verdade, ele manda que a pessoa contratada preste
exclusivamente serviços particulares ao seu superior. Esta conduta, em tese, configura
peculato. Isso porque o dinheiro público está sendo desviado para o pagamento de um
"servidor" que, formalmente está vinculado à Administração Pública, mas que, na prática,
apenas executa serviços para outro servidor público no interesse particular deste último.
Caso concreto: o Deputado Federal Celso Russomanno (PRB-SP) contratou para o cargo de
secretária parlamentar, com remuneração paga pela Câmara dos Deputados, a senhora
"SJ". Ocorre que, de acordo com a acusação, "SJ" trabalhava, na verdade, não na Câmara,
mas sim na produtora de vídeo do Deputado, em São Paulo. Assim, para o MP, o
Deputado utilizou a assessora para o exercício de atividade privada, embora recebendo
pelos cofres públicos. A 2ª Turma do STF absolveu o réu. Segundo ficou decidido, "SJ",
ainda que tenha exercido algumas atividades de interesse particular do Deputado na
produtora, dedicou-se preponderantemente ao cargo de secretária parlamentar no
escritório político de Celso Russomano em São Paulo, atendendo cidadãos que se sentiam
lesados em suas relações de consumo. Assim, a prova dos autos demonstrou que “SJ”
exercia as atribuições inerentes ao cargo de assessora parlamentar, ainda que também,
algumas vezes, desempenhasse outras atividades no estrito interesse particular do
parlamentar. Dessa forma, pela prova colhida, a conduta do Deputado foi penalmente
atípica, uma vez que consistiu no uso de funcionário público que, de fato, exercia as
atribuições inerentes ao seu cargo para, também, prestar outros serviços de natureza
privada. Em outras palavras, o caso de Russomano se enquadrou na situação 1 acima
explicada.
STF. 2ª Turma. AP 504/DF, rel. orig. Min. Cármen Lúcia, red. p/ o acórdão Min. Dias
Toffoli, j. 9/8/2016 (Info 834).
OBS:
Art. 312. Apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer
outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo,
ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio:
Pena - reclusão, de dois a doze anos, e multa.
Usar servidor público em atividade privada X usar a Administração para pagar salário de
empregado privado: Existe, portanto, diferença entre usar funcionário público em atividade
privada e usar a Administração Pública para pagar salário de empregado particular. O
primeiro é conduta atípica (salvo para o Prefeito). O segundo configura peculato.
A utilização dos serviços de um funcionário público por outro funcionário público no seu
interesse particular não é conduta típica na órbita penal, por não encontrar perfeita
subsunção ao art. 312 do CP.
Este tipo penal descreve como criminosa a conduta consistente em apropriar-se ou desviar
em proveito próprio ou alheio "dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel", público ou
particular.
A utilização, em proveito próprio ou alheio, dos serviços executados por quem é remunerado
pelos cofres públicos não se configura em desvio ou apropriação de bem móvel. Não se pode,
sob pena de malferir o princípio da taxatividade (art. 5º, XXXIX, da CF/88) ampliar o tipo
penal para situações que estritamente não se amoldem a ele.
Situação diversa ocorre quando o dinheiro público é desviado para o pagamento de
empregado que, apenas formalmente, está vinculado à Administração Pública, mas que, na
verdade, desempenha e executa serviços para outro servidor público no interesse particular
deste último.
O objeto material do peculato, nessas situações, é o valor desviado para o pagamento do
salário.
Nessas hipóteses, tem-se um pseudo funcionário público, que, na verdade, é um empregado
privado de um outro funcionário, o qual está formalmente na condição de funcionário apenas
como meio para o desvio do dinheiro público utilizado no pagamento de seus salários.
(STF. 1ª Turma. Inq 3776, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 07/10/2014)
O que o STF decidiu? O STF condenou o réu pela prática dos delitos. O delito de lavagem de
dinheiro, será apreciado em tópico separado.
E quanto ao crime de corrupção passiva, o que decidiu o STF? O STF entendeu que a conduta
descrita se enquadra no crime de corrupção passiva (art. 317 do CP):
Art. 317. Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente,
ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem
indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa.
O regime presidencialista brasileiro confere aos parlamentares um poder que vai além da
elaboração e votação de lei e outros atos normativos. Os parlamentares possuem intensa
participação nas decisões de governo, inclusive por meio da indicação de cargos no Poder
Executivo. Essa dinâmica é própria do sistema presidencialista brasileiro, que exige uma
coalizão para viabilizar a governabilidade. Trata-se do chamado “presidencialismo de
coalizão”.
Não se pode esquecer, contudo, que a Constituição Federal atribui ao Congresso Nacional
competência para fiscalizar e controlar os atos do Poder Executivo, incluídos os da
Administração Indireta (art. 49, X, da CF/88). Vale lembrar, inclusive, que o Congresso
Nacional possui poderes próprios de autoridade judicial quando instituídas comissões
parlamentares de inquérito para apuração de fatos determinados (art. 58, § 3º).
Ademais, para evitar conflitos de interesses, os Deputados e Senadores são proibidos de:
a) firmar ou manter contrato com pessoa jurídica de direito público, autarquia,
empresa pública, sociedade de economia mista ou empresa concessionária de
serviço público, salvo quando o contrato obedecer a cláusulas uniformes; e
b) aceitar ou exercer cargo, função ou emprego remunerado, inclusive os de que
sejam demissíveis "ad nutum", nas entidades constantes da alínea anterior.
Provas: No caso concreto, o réu foi delatado por Paulo Roberto Costa. No entanto, o STF
afirmou que não estava condenando o réu apenas com base nas declarações do
colaborador. Isso porque tais declarações, de forma isolada, não servem para fundamentar
um decreto condenatório (art. 4º, § 16, da Lei nº 12.850/2013). O STF afirmou que os fatos
retratados encontram consistente suporte em outros elementos de prova (cruzamento de
dados de companhias aéreas; afastamento de sigilo bancário; perícias em sistemas de
contabilidade de pagamentos de propina; depoimentos de testemunhas; e quebra e
disponibilização de dados telefônicos), produzidos sob o crivo do contraditório. Esse
conjunto de provas atesta e reforça a veracidade das declarações prestadas no âmbito de
colaboração premiada e autoriza a sua utilização como fundamento à resolução do mérito
da causa penal.
Inicialmente, o STF afirmou que o réu não cometeu o crime quando recebeu o pagamento
das propinas em espécie (em “dinheiro vivo”). O mero recebimento de valores em dinheiro
não tipifica o delito de lavagem, seja quando recebido pelo próprio agente público, seja
quando recebido por interposta pessoa.
Por outro lado, o STF entendeu que o Deputado praticou a lavagem pelo fato de ter
recebido a propina em depósitos bancários fracionados, em valores que não atingem os
limites estabelecidos pelas autoridades monetárias à comunicação compulsória dessas
operações. Ex: suponhamos que, na época, a autoridade bancária dizia que todo depósito
acima de R$ 20 mil deveria ser comunicado ao COAF; diante disso, o Deputado recebia
depósitos periódicos de R$ 19 mil para burlar essa regra. Para o STF, isso configura o crime
de lavagem. Trata-se de uma forma de ocultação da origem e da localização da vantagem
pecuniária recebida pela prática do crime anterior.
Efeitos da condenação: Em relação aos efeitos da condenação, o STF condenou o réu a pagar
danos materiais, mas negou pedido do Ministério Público para condená-lo em danos morais
coletivos.
Para configuração do delito de denunciação caluniosa, exige-se que o agente saiba que a
pessoa é inocente, ou seja, é necessário dolo direto.
O simples fato de a pessoa “investigada” ou “denunciada” ter sido absolvida não significa
que o autor da “denúncia” deverá responder por denunciação caluniosa, sendo necessário
comprovar a sua má-fé, ou seja, que a sua única intenção era a de atribuir fato criminoso a
pessoa que ele sabia ser inocente.
STF. 1ª Turma. Inq 3133/AC, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 5/8/2014 (Info 753).
28. DESCAMINHO
28.1. Descaminho é crime formal
O descaminho é crime tributário FORMAL. Logo, para que seja proposta ação penal por
descaminho não é necessária a prévia constituição definitiva do crédito tributário.
Não se aplica a Súmula Vinculante 24 do STF.
O crime se consuma com a simples conduta de iludir o Estado quanto ao pagamento dos
tributos devidos quando da importação ou exportação de mercadorias.
STJ. 6ª Turma. REsp 1.343.463-BA, Rel. para acórdão Min. Rogerio Schietti Cruz, j. 20/3/14
(Info 548).
STF. 2ª Turma. HC 122325, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 27/05/2014.
29. DESACATO
29.1. Desacato continua sendo crime – (Info 894)
O crime de desacato é compatível com a Constituição Federal e com o Pacto de São José da
Costa Rica.
A figura penal do desacato não tolhe o direito à liberdade de expressão, não retirando da
cidadania o direito à livre manifestação, desde que exercida nos limites de marcos
civilizatórios bem definidos, punindo-se os excessos.
STF. 2ª Turma. HC 141949/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 13/3/2018 (Info 894).
De toda forma, estando acima das normas infraconstitucionais, são também paradigma de
controle da produção normativa. O Pacto de São José da Costa Rica possui, portanto, status
supralegal, estando hierarquicamente acima das leis, mas abaixo da Constituição Federal.
Desacato não é incompatível com o Pacto de São José da Costa Rica: Ao se ler o Pacto de
São José da Costa Rica não se identifica uma incompatibilidade do crime de desacato em
relação a esse tratado. Assim, o tratado não revogou a norma penal, tendo havido a
recepção do crime de desacato pela regra supralegal (Pacto de São José). O texto do Pacto
dispõe que o exercício do direito à liberdade de pensamento e de expressão, embora não
sujeito a censura prévia, deve assumir responsabilidades ulteriores, expressamente fixadas
em lei, para assegurar o respeito aos direitos ou à reputação das demais pessoas. Portanto,
o Pacto impõe sim limites à liberdade de expressão, não tendo havido descriminalização
do crime de desacato ou “abolitio criminis”. A forma como a liberdade de expressão foi
tratada no Pacto de São José é parecida com a disciplina dada pela Constituição Federal ao
tema, sendo que esse direito não possui caráter absoluto. Vale ressaltar que a Constituição, ao
tutelar a honra, a intimidade e a dignidade da pessoa humana, também recepcionou o crime
de desacato na forma como prevista em nossa legislação penal.
Direito à liberdade de expressão não é absoluto: O direito à liberdade de expressão deve
harmonizar-se com os demais direitos envolvidos, não eliminá-los. Incide o princípio da
concordância prática, pelo qual o intérprete deve buscar a conciliação entre normas
constitucionais. O exercício abusivo das liberdades públicas não se coaduna com o Estado
democrático. A ninguém é lícito usar sua liberdade de expressão para ofender a honra alheia.
O desacato constitui importante instrumento de preservação da lisura da função pública e,
indiretamente, da dignidade de quem a exerce. Não se pode despojar a pessoa de um dos
mais delicados valores constitucionais, a dignidade da pessoa humana, em razão do “status”
de funcionário público (civil ou militar). O fato de o indivíduo ter se investido em uma
função pública não significa que ele tenha renunciado à sua honra e à sua dignidade.
Corte Interamericana de Direitos Humanos: Vale ressaltar que a Corte Interamericana de
Direitos Humanos, órgão responsável pelo julgamento de situações concretas de abusos e
violações de direitos humanos, tem, reiteradamente, decidido contrariamente ao
entendimento da Comissão de Direitos Humanos, estabelecendo que o direito penal pode
sim punir condutas excessivas no exercício da liberdade de expressão.
Desacato não tolhe a liberdade de expressão: A figura penal do desacato não tolhe o direito
à liberdade de expressão, não retirando da cidadania o direito à livre manifestação, desde
que exercida nos limites de marcos civilizatórios bem definidos, punindo-se os excessos. A
Constituição impõe à Administração a observância dos princípios da legalidade,
impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, podendo-se dessumir daí a
compatibilidade entre a defesa da honra e intimidade do funcionário público e a liberdade de
expressão.
Não se aplica a teoria da adequação social: Não se pode aplicar ao caso o princípio da
adequação social. O princípio da adequação social, desenvolvido por Hanz Welzel, afasta a
tipicidade dos comportamentos que são aceitos e considerados adequados ao convívio social.
De acordo com o referido princípio, os costumes aceitos por toda a sociedade afastam a
tipicidade material de determinados fatos que, embora possam se subsumir a algum tipo
penal, não caracterizam crime justamente por estarem de acordo com a ordem social em um
determinado momento histórico. Havendo lei, ainda que deficitária, punindo o abuso de
autoridade, pode-se afirmar que a criminalização do desacato se mostra ainda compatível
com o Estado democrático.
É possível que se configure o crime de corrupção passiva (art. 317 do CP) na conduta de
Deputado Federal (líder do seu partido) que receba vantagem indevida para dar
sustentação política e apoiar a permanência de determinada pessoa no cargo de Presidente
de empresa pública federal.
STF. 1ª T. Inq 3515/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 8/10/19 (Info 955).
30.2. TRÁFICO DE INFLUÊNCIA: Mero fato de o Ministro ter pedido vista do processo
sem saber que estava impedido, devolvendo na sessão seguinte e declarando seu
impedimento, não configura indício de que ele tenha praticado tráfico de influência (art. 332,
caput, do Código Penal) – (Info 951)
O Procurador-Geral da República ofereceu denúncia contra um Ministro do TCU pela
prática do crime de tráfico de influência (art. 332, caput, do Código Penal).
Segundo a denúncia, o filho do Ministro, em nome do pai, recebeu pagamento
(“propina”) de um empreiteiro, sob o pretexto de que iria influenciar em um processo que
estava em curso no TCU e no qual se analisava uma licitação fraudulenta, vencida pela
empresa do empreiteiro.
Para o PGR, o Ministro do TCU teria demonstrado ao empreiteiro que poderia influenciar
no trâmite do caso ao pedir vista do processo. Na sessão seguinte do TCU, ele devolveu os
autos e declarou seu impedimento para atuar no feito.
O colegiado considerou não haver, em relação ao Ministro, lastro probatório mínimo,
consistente em conjunto de evidências seguro e idôneo capaz de demonstrar a
materialidade do crime e indícios razoáveis de autoria.
O cerne da imputação formulada contra o Ministro decorre, essencialmente, do fato de ele
ter pedido vista de um processo, com a suposta intenção deliberada de postergar o
julgamento, apesar de já saber que estaria impedido de atuar no feito. Ocorre que, desde a
primeira vez em que o processo foi inserido na pauta de julgamento no TCU até a ocasião
do pedido de vista pelo denunciado, transcorreram quase cinco meses, com diversos
adiamentos e retiradas, mas nenhuma delas por ato do Ministro acusado.
Além disso, na sessão em que ele solicitou vista, por equívoco, não foi registrado
impedimento ou suspeição do Ministro no sistema. Vale ressaltar também que não houve
nem mesmo advertência quanto ao pedido de vista do denunciado pelos demais Ministros
do TCU, advogados, partes, pelo secretário da sessão ou, até mesmo, pelo representante do
MP que atua no TCU. Essa circunstância revela a ausência de conhecimento geral sobre o
mencionado impedimento e a eventual irregularidade do ato praticado pelo Ministro.
Em razão disso, mostra-se crível a versão do acusado no sentido de que foi levado a
acreditar que se encontrava plenamente apto a participar do referido julgamento e, assim,
desempenhar as funções e prerrogativas inerentes ao cargo, dentre elas a de pedir vista
regimental para melhor estudar os casos em julgamento.
O Ministro devolveu os autos após quatorze dias e declarou-se impedido, não tendo
participado da discussão ou votação do processo em análise.
STF. 1ª T. Inq 4075/DF, rel orig. Min. Edson Fachin, red. p/ o ac. Min. Ricardo
Lewandowski, j. 10/9/19 (Info 951).
30.3. CRIMES FUNCIONAIS: Causa de aumento do art. 327, § 2º, do CP não se aplica para
autarquias – (Info 950) – IMPORTANTE!!!
A causa de aumento prevista no § 2º do art. 327 do Código Penal não pode ser aplicada aos
dirigentes de autarquias (ex: a maioria dos Detrans) porque esse dispositivo menciona
apenas órgãos, sociedades de economia mista, empresas públicas e fundações.
STF. 2ª T. AO 2093/RN, Rel. Min. Cármen Lúcia, j. 3/9/2019 (Info 950).
OBS: O Detran/RN é uma autarquia e, portanto, não se encontra no rol previsto no art. 327, §
2º, do CP, que prevê aumento de pena quando o autor do crime for ocupante de cargo em
comissão ou de função de direção ou assessoramento de...
• órgão da administração direta;
• sociedade de economia mista;
• empresa pública ou
• fundação.
O diretor de organização social pode ser considerado funcionário público por equiparação
para fins penais (art. 327, § 1º do CP). Isso porque as organizações sociais que celebram
contratos de gestão com o Poder Público devem ser consideradas “entidades paraestatais”,
nos termos do art. 327, § 1º do CP.
STF. 1ª Turma. HC 138484/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 11/9/18 (Info 915).
OBS:
ORGANIZAÇÕES SOCIAIS
O que são as organizações sociais? São pessoas jurídicas de direito privado, sem fins
lucrativos, prestadoras de atividades de interesse público e que, por terem preenchido
determinados requisitos previstos na Lei 9.637/98, recebem a qualificação (título, selo) de
“organização social”. A pessoa jurídica, depois de obter esse título de “organização social”,
poderá celebrar com o Poder Público um instrumento chamado de “contrato de gestão” por
meio do qual receberá incentivos públicos para continuar realizando suas atividades. As
regras relacionadas com as organizações sociais estão previstas na Lei nº 9.637/98. Veja o que diz
o art. 1º:
Art. 1º O Poder Executivo poderá qualificar como organizações sociais pessoas
jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, cujas atividades sejam
dirigidas ao ensino, à pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico, à
proteção e preservação do meio ambiente, à cultura e à saúde, atendidos aos
requisitos previstos nesta Lei.
Quem concede a qualificação de OS? O Ministro do Planejamento em conjunto com o
Ministro da área na qual atua a pessoa jurídica que pretende a qualificação de OS. Ex: se
essa pessoa jurídica desempenha funções na área de educação, quem concederá será o
Ministro da Educação em conjunto com o Ministro do Planejamento.
O que é o contrato de gestão? Contrato de gestão é o instrumento firmado entre o Poder
Público e a entidade qualificada como organização social, com o objetivo de que, a partir
daí, seja formada uma parceria entre eles para fomento e execução das atividades que uma
OS faz (ensino, pesquisa científica etc.). No contrato de gestão serão listadas as atribuições,
responsabilidades e obrigações do Poder Público e da organização social. O contrato de gestão
deve ser submetido ao Ministro de Estado da área correspondente à atividade fomentada. Ex:
se a OS desenvolve atividades de saúde, quem aprovará o contrato será o Ministro da Saúde.
Obs.1: apesar de a lei dizer que esse ajuste é um “contrato”, a doutrina critica a
nomenclatura e afirma que, na verdade, o melhor seria chamá-lo de convênio, termo de
colaboração ou termo de fomento. Isso porque no contrato existem interesses opostos e,
nessa relação da OS com o Poder Público, os objetivos são os mesmos, são convergentes.
30.6. Receber propina sob o disfarce de doações eleitorais oficiais e tipificação penal –
(Info 856)
Determinado Senador solicitou e recebeu de uma construtora R$ 500 mil, valor destinado
à sua campanha política. A quantia foi repassada pela construtora não diretamente ao
Senador, mas sim ao partido político, como se fossem doações eleitorais oficiais. Ao pedir
o valor, o Senador teria se comprometido com a construtora a manter João como Diretor da
Petrobrás.
Isso era de interesse da construtora porque João, em nome da estatal, celebrava contratos
fraudulentos com a empresa. O Senador foi reeleito e, com sua influência decorrente do
cargo, conseguiu manter João na Diretoria.
Em um juízo preliminar, para fins de recebimento da denúncia, o STF entendeu que a
conduta do Senador, em tese, configura a prática dos seguintes crimes:
Corrupção passiva (art. 317, caput e § 1º, do CP);
Lavagem de dinheiro (art. 1º, caput, da Lei nº 9.613/98).
STF. 2ª Turma. Inq 3982/DF, Rel. Min. Edson Fachin, j. 7/3/2017 (Info 856).
OBS:
Art. 317. Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente,
ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem
indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa.
§ 1º A pena é aumentada de um terço, se, em consequência da vantagem ou
promessa, o funcionário retarda ou deixa de praticar qualquer ato de ofício ou o
pratica infringindo dever funcional.
Se condenado, o Senador poderá receber a causa de aumento de pena prevista no art. 327, § 2º
do CP? NÃO. O § 2º do art. 327 do CP prevê:
Art. 327 (...)
§ 2º - A pena será aumentada da terça parte quando os autores dos crimes
previstos neste Capítulo forem ocupantes de cargos em comissão ou de função
de direção ou assessoramento de órgão da administração direta, sociedade de
economia mista, empresa pública ou fundação instituída pelo poder público.
30.8. CRIMES FUNCIONAIS: Causa de aumento do art. 327, § 2º, do CP – (Info 816)
O simples fato de o réu exercer um mandato popular não é suficiente para fazer incidir a
causa de aumento do art. 327, § 2º, do CP. É necessário que ele ocupe uma posição de
superior hierárquico (o STF chamou de "imposição hierárquica").
STF. Plenário. Inq 3983/DF, Rel. Min. Teori Zavascki, julgado em 02 e 03/03/2016 (Info 816).
30.9. Desvio de recursos de convênio e sua aplicação em finalidade diversa – (Info 813)
Secretária de Estado que desvia verbas de convênio federal que tinha destinação
específica e as utiliza para pagamento da folha de servidores não pratica o crime de
peculato (art. 312 do CP), mas sim o delito de emprego irregular de verbas ou rendas
públicas (art. 315).
STF. 2ª Turma. Inq 3731/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 2/2/2016 (Info 813).
OBS: A 2ª Turma do STF rejeitou a alegação de prática de peculato, uma vez que os recursos
desviados foram incorporados ao Tesouro estadual, não havendo utilização em proveito
próprio ou alheio. O STF reconheceu que a conduta da Secretária amolda-se, em tese, ao
crime do art. 315 do CP. No caso concreto, contudo, já havia ocorrido a prescrição quanto ao
delito do art. 315 do CP.
O art. 359-D do CP prevê, como crime, ordenar despesa não autorizada por lei. Não comete
esse delito o Governador do Estado que faz o remanejamento das verbas destinadas aos
precatórios para outras despesas do Poder Judiciário se a legislação estadual dava margem
para intepretações de que isso seria permitido.
STF. 1ª Turma. Inq 3393/PB, Rel. Min. Luiz Fux, j. 23/9/2014 (Info 760).
A Lei de Drogas prevê, em seu art. 33, § 4º, a figura do “traficante privilegiado”, também
chamada de “traficância menor” ou “traficância eventual”:
§ 4º Nos delitos definidos no caput e no § 1º deste artigo, as penas poderão ser reduzidas
de um sexto a dois terços, vedada a conversão em penas restritivas de direitos, desde que o
agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem
integre organização criminosa.
A habitualidade no crime e o pertencimento a organizações criminosas deverão ser
comprovados pela acusação, não sendo possível que o benefício seja afastado por simples
presunção. Assim, se não houver prova nesse sentido, o condenado fará jus à redução da
pena.
A quantidade e a natureza são circunstâncias que, apesar de configurarem elementos
determinantes na definição do quanto haverá de diminuição, não são elementos que, por
si sós, possam indicar o envolvimento com o crime organizado ou a dedicação a atividades
criminosas.
Vale ressaltar, por fim, que é possível a aplicação deste benefício mesmo para condenados
por tráfico transnacional de drogas.
STF. 2ª T. HC 152001 AgR/MT, rel. orig. Min. Ricardo Lewandowski, red. p/ o ac. Min.
Gilmar Mendes, j. 29/10/19 (Info 958).
32.4. A grande quantidade de droga, isoladamente, não constitui fundamento idôneo para
afastar a causa de diminuição de pena do art. 33, § 4º da LD – (Info 866)
Se o réu é primário e possui bons antecedentes, o juiz pode, mesmo assim, negar o
benefício do art. 33, § 4º da LD argumentando que a quantidade de drogas encontrada
com ele foi muito elevada?
O tema é polêmico.
Obs: o tema acima não deveria ser cobrado em uma prova objetiva, mas caso seja
perguntado, penso que a 2ª corrente é majoritária.
A Lei de Drogas (Lei nº 11.343/2006) também traz uma previsão nesse sentido:
Art. 62. Os veículos, embarcações, aeronaves e quaisquer outros meios de
transporte, os maquinários, utensílios, instrumentos e objetos de qualquer
natureza, utilizados para a prática dos crimes definidos nesta Lei, após a sua
regular apreensão, ficarão sob custódia da autoridade de polícia judiciária,
excetuadas as armas, que serão recolhidas na forma de legislação específica.
(...)
32.6. Se o réu, não reincidente, for condenado a pena superior a 4 anos e que não exceda a 8
anos, e se as circunstâncias judiciais forem favoráveis, o juiz deverá fixar o regime
semiaberto – (Info 859)
O condenado não reincidente, cuja pena seja superior a 4 anos e não exceda a 8 anos, tem o
direito de cumprir a pena corporal em regime semiaberto (art. 33, § 2°, b, do CP), caso as
circunstâncias judiciais do art. 59 lhe forem favoráveis.
Obs: não importa que a condenação tenha sido por tráfico de drogas.
Mas o § 1º do art. 2º da Lei nº 8.072/90 afirma que o regime inicial no caso de crimes
hediondos e equiparados deverá ser o fechado... O STF decidiu que o § 1º do art. 2º da Lei nº
8.072/90, ao impor o regime inicial fechado, é inconstitucional. HC 111.840/ES, Rel. Min.
Dias Toffoli, julgado em 27/6/2012 (Info 672).
Assim, o regime inicial nas condenações por crimes hediondos ou equiparados (ex: tráfico de
drogas) não tem que ser obrigatoriamente o fechado, podendo ser também o regime
semiaberto ou aberto, desde que presentes os requisitos do art. 33, § 2º, alíneas “b” e “c”, do
Código Penal.
Logo, o juiz poderá condenar o réu por crime hediondo ou equiparado e fixar o regime
semiaberto ou aberto, desde que cumpridos os requisitos do Código Penal.
Se o agente vende a droga nas imediações de um presídio, mas o comprador não era um
dos detentos nem qualquer pessoa que estava frequentando o presídio, ainda assim
deverá incidir a causa de aumento do art. 40, III, da Lei 11.343/06?
SIM. A aplicação da causa de aumento prevista no art. 40, III, da Lei 11.343/06 se justifica
quando constatada a comercialização de drogas nas dependências ou imediações de
estabelecimentos prisionais, sendo irrelevante se o agente infrator visa ou não aos
frequentadores daquele local.
Assim, se o tráfico de drogas ocorrer nas imediações de um estabelecimento prisional,
incidirá a causa de aumento, não importando quem seja o comprador do entorpecente.
STF. 2ª Turma. HC 138944/SC, Rel. Min. Dias Toffoli, j. 21/3/17 (Info 858).
OBS:
A Lei de Drogas (Lei nº 11.343/2006), em seu art. 40, traz sete causas de aumento de pena.
Veja a hipótese do inciso III, com destaque para a parte grifada:
Art. 40. As penas previstas nos arts. 33 a 37 desta Lei são aumentadas de um
sexto a dois terços, se:
(...) III - a infração tiver sido cometida nas dependências ou imediações de
estabelecimentos prisionais, de ensino ou hospitalares, de sedes de entidades
estudantis, sociais, culturais, recreativas, esportivas, ou beneficentes, de locais
de trabalho coletivo, de recintos onde se realizem espetáculos ou diversões de
qualquer natureza, de serviços de tratamento de dependentes de drogas ou de
reinserção social, de unidades militares ou policiais ou em transportes públicos;
32.8. A grande quantidade de droga, isoladamente, não constitui fundamento idôneo para
afastar a causa de diminuição de pena do art. 33, § 4º da LD – (Info 849) – (TRF5-2017)
(DPEAM-2018)
Se o réu é primário e possui bons antecedentes, o juiz pode, mesmo assim, negar o benefício
do art. 33, § 4º da LD argumentando que a quantidade de drogas encontrada com ele foi
muito elevada? O tema é polêmico.
1ª Turma do STF: encontramos precedentes afirmando que a grande quantidade de droga
pode ser utilizada como circunstância para afastar o benefício. Nesse sentido: não é crível
que o réu, surpreendido com mais de 500 kg de maconha, não esteja integrado, de alguma
forma, a organização criminosa, circunstância que justifica o afastamento da causa de
diminuição prevista no art. 33, §4º, da Lei de Drogas (HC 130981/MS, Rel. Min. Marco
Aurélio, julgado em 18/10/2016. Info 844).
2ª Turma do STF: a quantidade de drogas encontrada não constitui, isoladamente,
fundamento idôneo para negar o benefício da redução da pena previsto no art. 33, § 4º, da
Lei 11.343/06 (HC 138138/SP, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 29/11/16. Info 849).
(TRF5-2017)
STF. 2ª Turma. HC 138138/SP, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 29/11/16 (Info 849).
Não é crível que o réu, surpreendido com mais de 500 kg de maconha, não esteja
integrado, de alguma forma, a organização criminosa, circunstância que justifica o
afastamento da causa de diminuição prevista no art. 33, §4º, da Lei de Drogas.
STF. 1ª Turma. HC 130981/MS, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 18/10/16 (Info 844).
OBS:
Imagine a seguinte situação hipotética: João foi preso enquanto transportava 500kg de
maconha, tendo sido denunciado pela prática de tráfico de drogas (art. 33, caput, da Lei
11.343/06). A defesa alegou que o réu é primário, possui bons antecedentes e que agiu na
condição de “mula”, de forma que merece ser beneficiado com a minorante prevista no § 4º
do art. 33:
Art. 33 (...) § 4º Nos delitos definidos no caput e no § 1º deste artigo, as penas
poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, vedada a conversão em penas
restritivas de direitos, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes,
não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa.
Requisitos para aplicação da causa de diminuição: Para que o juiz deixe de aplicar a
minorante prevista no § 4º do art. 33 da Lei 11.343/06 é necessário que demonstre na
sentença a existência de conjunto probatório que possa afastar ao menos um dos seguintes
critérios, que são autônomos:
a) primariedade;
b) bons antecedentes;
c) não dedicação a atividades criminosas; e
d) não integração à organização criminosa.
Em suma, se o réu não preencher algum desses requisitos, não terá direito à minorante.
O que são as chamadas “mulas”? “Mula” é o nome dado a pessoa, geralmente primária e de
bons antecedentes (para que não desperte suspeitas), que é cooptada pelas quadrilhas de
tráfico de drogas para que realize o transporte do entorpecente de uma cidade, estado, país,
para outros, em troca de uma contraprestação pecuniária, ou por conta de ameaças.
Normalmente, a droga é transportada pela “mula” de forma dissimulada, escondida em
fundos falsos de bolsas, junto ao corpo ou até mesmo em cápsulas dentro do estômago da
pessoa. A “mula” também é conhecida como “avião” ou “transportador”.
No mesmo sentido: STF. 1ª Turma. RHC 118008/SP, Rel. Min. Rosa Weber, j.
24/9/13 (Info 721); STF. 1ª Turma. HC 124107, Rel. Min. Dias Toffoli, j.
04/11/14.
STJ: NÃO. O STJ possui vários precedentes afirmando que, em regra, a "mula"
integra a organização criminosa e, portanto, não faz jus ao benefício:
(...) O atual entendimento jurisprudencial do Pretório Excelso e desta Corte
Superior é no sentido de que, regra geral, o agente que transporta drogas, na
qualidade de 'mula' do tráfico, integra organização criminosa. Na hipótese, a
concessão da minorante em sua fração mínima configura ato benéfico, já que,
considerando o entendimento ora firmado, o recorrente sequer faria jus à tal
redução. (...)
STJ. 5ª Turma. AgRg no REsp 1407115/SP, Rel. Min. Felix Fischer, j. 18/08/16.
Fique atento(a) como a redação do tema pode aparecer na sua prova. Na prática, o que vale é
a análise das circunstâncias do caso concreto, não sendo possível conceder ou afastar a
minorante pelo simples fato de o agente ter desempenhado a função de "mula".
E no caso concreto acima relatado, o STF concordou com a tese da defesa? Deverá ser
concedido o benefício a João? NÃO. É o que foi decidido no Info 844 do STF. Desse modo, o
Tribunal entendeu que, embora primário, o agente transportava grande quantidade de
entorpecente o que demonstra envolvimento com a organização criminosa. Existe outro
precedente do STF no mesmo caminho:
(...) In casu, a paciente, na condição de “mula”, foi surpreendida transportando
expressiva quantidade de droga ao exterior. Tal fato afasta o preenchimento dos
requisitos do art. 33, § 4°, da Lei de Drogas (...) STF. 1ª Turma. HC 123430, Rel.
Min. Luiz Fux, j. 14/10/14.
32.10. Regime inicial para condenado não reincidente a pena de até 4 anos com
circunstâncias judiciais favoráveis – (Infos 821 e 843) – (MPAM-2016) (TJRS-2016)
Se o réu, não reincidente, for condenado, por tráfico de drogas, a pena de até 4 anos, e se
as circunstâncias judiciais do art. 59 do CP forem positivas (favoráveis), o juiz deverá fixar
o regime aberto e deverá conceder a substituição da pena privativa de liberdade por
restritiva de direitos, preenchidos os requisitos do art. 44 do CP.
A gravidade em abstrato do crime não constitui motivação idônea para justificar a fixação
do regime mais gravoso.
STF. 1ª Turma. HC 129714/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 11/10/16 (Info 843).
STF. 1ª Turma. HC 130411/SP, red. p/ o acórdão Min. Edson Fachin, j. 12/4/16 (Info 821).
STF. 2ª Turma. HC 133028/SP, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 12/4/16 (Info 821).
(MPAM-2016): Segundo o entendimento do STF, o crime de tráfico de drogas, conforme
o caso concreto, enseja a possibilidade de fixação de regime inicial diferente do fechado,
devendo o magistrado atentar à regra do artigo 33 do Código Penal.
Imagine que o réu foi condenado a 1 ano e 8 meses de reclusão por tráfico de drogas (art. 33
da LD). O juiz fixou o regime inicial semiaberto. Vale ressaltar que o condenado era
primário e as circunstâncias judiciais favoráveis a ele. Como argumento para fixar o regime
semiaberto, o juiz alegou que o crime de tráfico de drogas é muito grave, sendo extremamente
nocivo para a sociedade. Agiu corretamente o magistrado? NÃO.
A situação em tela se amolda ao art. 33, § 2º, "c", do Código Penal, que é aplicável também
aos condenados por tráfico de drogas:
Art. 33 (...)
§ 2º - As penas privativas de liberdade deverão ser executadas em forma
progressiva, segundo o mérito do condenado, observados os seguintes critérios
e ressalvadas as hipóteses de transferência a regime mais rigoroso:
c) o condenado não reincidente, cuja pena seja igual ou inferior a 4 (quatro)
anos, poderá, desde o início, cumpri-la em regime aberto.
Mas o § 1º do art. 2º da Lei 8.072/90 afirma que o regime inicial no caso de crimes hediondos
e equiparados deverá ser o fechado... O STF decidiu que o § 1º do art. 2º da Lei 8.072/90, ao
impor o regime inicial fechado, é inconstitucional. STF. Plenário. HC 111.840/ES, Rel. Min.
Dias Toffoli, julgado em 27/6/2012 (Info 672).
Assim, o regime inicial nas condenações por crimes hediondos ou equiparados (ex: tráfico de
drogas) não tem que ser obrigatoriamente o fechado, podendo ser também o regime
semiaberto ou aberto, desde que presentes os requisitos do art. 33, § 2º, alíneas “b” e “c”, do
Código Penal.
Logo, o juiz poderá condenar o réu por crime hediondo ou equiparado e fixar o regime
semiaberto ou aberto, desde que cumpridos os requisitos do Código Penal acima explicados.
Obs: no caso do exemplo dado, o réu não foi condenado por crime hediondo ou equiparado
considerando que o STF entende que o chamado "tráfico privilegiado", previsto no § 4º do art.
33 da Lei 11.343/06 não deve ser considerado crime equiparado a hediondo (HC 118533, Rel.
Min. Cármen Lúcia, julgado em 23/06/2016. Info 831).
32.11. O crime de tráfico privilegiado de drogas não tem natureza hedionda – (Info 831) –
IMPORTANTE!!! ATUALIZAR LIVROS!!! – (TRF5-2017) (MPRS-2017) (TJSC-2019)
OBS:
Na prática, o que muda para o réu condenado por tráfico privilegiado (art. 33, § 4º, da LD)?
Podemos apontar três mudanças principais:
Segundo entendeu o STF, a decisão respeitou o disposto no art. 33, § 2º, “b”, e § 3º, do CP c/c
o art. 42 da Lei nº 11.343/2006:
CP/Art. 33 (...)
§ 2º As penas privativas de liberdade deverão ser executadas em forma
progressiva, segundo o mérito do condenado, observados os seguintes critérios
e ressalvadas as hipóteses de transferência a regime mais rigoroso:
b) o condenado não reincidente, cuja pena seja superior a 4 (quatro) anos e não
exceda a 8 (oito), poderá, desde o princípio, cumpri-la em regime semi-aberto;
(...)
§ 3º A determinação do regime inicial de cumprimento da pena far-se-á com
observância dos critérios previstos no art. 59 deste Código.
Dessa forma, conjugando o § 3º do art. 33 do CP com o art. 42 da LD, é possível fixar o regime
inicial mais gravoso, no caso de tráfico, com base na natureza e quantidade da droga.
Algumas drogas são mais nocivas e têm maior potencial viciante do que outras. Ex: a
maconha é considerada uma substância entorpecente mais "leve"; por outro lado, a heroína é
altamente viciante. Assim, o juiz pode aumentar a pena-base (1ª fase da dosimetria) sob o
argumento de que a heroína possui alto potencial destrutivo. De igual forma, se a
quantidade da droga for muito grande, isso também poderá ser utilizado como fundamento
para se aumentar a pena-base.
E o grau de pureza da droga? Pode ser utilizado como argumento para aumentar ou diminuir
a reprimenda? NÃO. No caso concreto julgado, a defesa pediu ao juiz que realizasse exame
pericial para aferir o grau de pureza da droga, tendo sido indeferido pelo magistrado. Diante
da negativa, a defesa alegou que houve nulidade, pedido que foi rejeitado pelo STF, que
entendeu ser desnecessário determinar a pureza do entorpecente.
32.14. A causa de aumento prevista no inciso V do art. 40 não exige a efetiva transposição da
fronteira (Info 808) – IMPORTANTE!!!
O art. 40, V, da Lei de Drogas prevê que a pena do tráfico e de outros delitos deverá ser
aumentada se ficar "caracterizado o tráfico entre Estados da Federação ou entre estes e o
Distrito Federal".
Para que incida essa causa de aumento não se exige a efetiva transposição da fronteira
interestadual pelo agente, sendo suficiente a comprovação de que a substância tinha como
destino localidade em outro Estado da Federação.
Ex: João pegou um ônibus em Campo Grande (MS) com destino a São Paulo (SP); algumas
horas depois, antes que o ônibus cruzasse a fronteira entre os dois Estados, houve uma
blitz da polícia no interior do coletivo, tendo sido encontrados 10kg de cocaína na mochila
de João, que confessou que iria levá-la para um traficante de São Paulo.
STF. 1ª Turma. HC 122791/MS, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 17/11/2015 (Info 808).
32.16. Natureza e quantidade da droga: o mesmo fato só pode ser utilizado para aumentar a
pena base ou para analisar o benefício do tráfico privilegiado – (Info 759) – IMPORTANTE!!!
– (PCMT-2017)
A natureza e a quantidade da droga NÃO podem ser utilizadas para aumentar a pena-base
do réu e também para afastar o tráfico privilegiado (art. 33, § 4º) OU para, reconhecendo-
se o direito ao benefício, conceder ao réu uma menor redução de pena. Haveria, nesse
caso, bis in idem.
STF. 2ª Turma. RHC 122684/MG, Rel. Min. Cármen Lúcia, j. 16/9/2014 (Info 759).
(PCMT-2017-CESPE): Com referência aos parâmetros legais da dosimetria da pena para
os crimes elencados na Lei 11.343/06 — Lei Antidrogas — e ao entendimento dos
tribunais superiores sobre essa matéria, assinale a opção correta: A natureza e a
quantidade da droga apreendida não podem ser utilizadas, concomitantemente, na
primeira e na terceira fase da dosimetria da pena, sob pena de bis in idem. BL: art. 42 da
LD e Info 759 do STF.
Explicação:
STF: Natureza e quantidade da droga: o mesmo fato só pode ser utilizado para
aumentar a pena base ou para analisar o benefício do tráfico privilegiado - A natureza e
a quantidade da droga NÃO podem ser utilizadas para aumentar a pena-base do réu e
também para afastar o tráfico privilegiado (art. 33, § 4º) ou para, reconhecendo-se o
direito ao benefício, conceder ao réu uma menor redução de pena. Haveria, nesse caso,
bis in idem. STF. 2ª Turma. RHC 122684/MG, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em
16/9/2014 (Info 759).
Na dosimetria da pena de tráfico, o juiz não pode aumentar a pena base utilizando como
argumento o fato de terem sido encontradas muitas trouxinhas com o réu, se o peso delas
era pequeno (7,1 gramas), sendo esse fato preponderante.
De igual modo, o magistrado não pode aumentar a pena pelo simples fato de a venda da
droga ocorrer dentro da própria casa do condenado. Isso porque esse fato, por si só, não
enseja uma maior reprovabilidade da conduta delituosa.
Por fim, o julgador não pode aumentar a pena do réu porque este declarou, em seu
interrogatório, que era usuário frequente de droga. O uso contumaz de drogas não pode
ser empregado como indicativo de necessidade de agravamento da reprimenda, visto que
a conduta do réu que vende drogas para sustentar o próprio vício é menos reprovável do
que a daquele que pratica esse crime apenas com intuito de lucro.
STF. 2ª Turma. RHC 122469/MS, rel. orig. Min. Cármen Lúcia, red. p/ o acórdão Min. Celso
de Mello, julgado em 16/9/2014 (Info 759).
O art. 40, III, da Lei de Drogas prevê como causa de aumento de pena o fato de a infração
ser cometida em transportes públicos.
Se o agente leva a droga em transporte público, mas não a comercializa dentro do meio de
transporte, incidirá essa majorante?
NÃO. A majorante do art. 40, II, da Lei 11.343/06 somente deve ser aplicada nos casos em
que ficar demonstrada a comercialização efetiva da droga em seu interior. É a posição
majoritária no STF e STJ.
STF. 1ª T. HC 122258-MS, Rel. Min. Rosa Weber, j. 19/08/2014.
STF.2ª T. HC 120624/MS, Red. p/ o acórdão, Min. Ricardo Lewandowski, j. 3/6/14 (Info
749).
STJ. 5ª T. AgRg no REsp 1.295.786-MS, Rel. Min. Regina Helena Costa, j. 18/6/14 (Info 543).
STJ. 6ª T. REsp 1.443.214-MS, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, j. 22/09/2014.
Não é possível o deferimento de indulto a réu condenado por tráfico de drogas, ainda que
tenha sido aplicada a causa de diminuição prevista no art. 33, § 4º, da Lei 11.343/2006 à
pena a ele imposta, circunstância que não altera a tipicidade do crime.
Os condenados por crimes hediondos e equiparados não podem ser contemplados com o
indulto, mesmo o chamado “indulto humanitário”.
O fato de o condenado estar doente ou ser acometido de deficiência não é causa de
extinção da punibilidade nem de suspensão da execução da pena.
STF. 2ª Turma. HC 118213/SP, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 6/5/2014.
32.21. Dever ou não de demonstrar que a droga encontrada consigo seria utilizada apenas
para consumo próprio
O réu não tem o dever de demonstrar que a droga encontrada consigo seria utilizada
apenas para consumo próprio.
Cabe à acusação comprovar os elementos do tipo penal, ou seja, que a droga apreendida
era destinada ao tráfico. Ao Estado-acusador incumbe demonstrar a configuração do
tráfico, que não ocorre pelo simples fato dos réus terem comprado e estarem na posse de
entorpecente.
Em suma, se a pessoa é encontrada com drogas, cabe ao Ministério Público comprovar que
o entorpecente era destinado ao tráfico. Não fazendo esta prova, prevalece a versão do réu
de que a droga era para consumo próprio.
STF. 1ª Turma. HC 107448/MG, red. p/ o acórdão Min. Marco Aurélio, 18.6.2013.
33. LEI MARIA DA PENHA
33.1. Impossibilidade de pena restritiva de direitos em caso de contravenção penal
envolvendo violência doméstica contra a mulher – (Info 884) – IMPORTANTE!!!
O STJ e a 1ª Turma do STF fazem, portanto, uma ampliação do inciso I do art. 44 do CP para
abranger também os casos de contravenção penal praticados com violência ou grave ameaça
(STJ. 6ª Turma. AgRg no REsp 1607382/MS, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em
27/09/2016). A 2ª Turma do STF não admite essa ampliação e trabalha com o texto literal do
art. 44, I, do CP.
Resumindo:
É possível a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos nos casos
de crimes ou contravenções praticadas contra a mulher com violência ou grave ameaça no
ambiente doméstico?
1) Crime: NÃO. Posição tanto do STJ como do STF.
2) Contravenção penal:
• 2ª Turma do STF: entende que é possível a substituição.
• 1ª Turma do STF e STJ: afirmam que também não é permitida a substituição.
Em concursos, se o enunciado não estiver fazendo qualquer distinção, fiquem com a posição
exposta na súmula e que também é adotada pela 1ª Turma do STF.
A Lei de Organização Judiciária poderá prever que a 1ª fase do procedimento do júri seja
realizada na Vara de Violência Doméstica em caso de crimes dolosos contra a vida
praticados no contexto de violência doméstica. Não haverá usurpação da competência
constitucional do júri.
Apenas o julgamento propriamente dito é que, obrigatoriamente, deverá ser feito no
Tribunal do Júri.
STF. 2ª Turma. HC 102150/SC, Rel. Min. Teori Zavascki, julgado em 27/5/2014 (Info 748).
33.6. Crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher e a Lei dos
Juizados Especiais – (TJGO-2012)
Aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher não se aplica a
Lei dos Juizados Especiais (Lei n. 9.099/95), mesmo que a pena seja menor que 2 anos.
STF. Plenário. ADI 4424/DF, rel. Min. Marco Aurélio, 9/2/2012.
A posse (art. 12 da Lei 10.826/03) ou o porte (art. 14) de arma de fogo configura crime
mesmo que ela esteja desmuniciada. Da mesma forma, a posse ou o porte apenas da
munição (ou seja, desacompanhada da arma) configura crime. Isso porque tal conduta
consiste em crime de perigo abstrato, para cuja caracterização não importa o resultado
concreto da ação.
STF. 1ª Turma. HC 131771/RJ, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 18/10/16 (Info 844).
(TJRJ-2016-VUNESP): Bonaparte, com o objetivo de matar Wellington, aciona o gatilho
com o objetivo de efetuar um disparo de arma de fogo na direção deste último. Todavia,
a arma não dispara na primeira tentativa. Momentos antes de efetuar uma segunda
tentativa, Bonaparte ouve “ao longe" um barulho semelhante a “sirenes" de viatura e,
diante de tal fato, guarda a arma de fogo que carregava, deixando o local calmamente,
não sem antes proferir a seguinte frase a Wellington: “na próxima, eu te pego".
Momentos após, Bonaparte é abordado na rua por policiais e tem apreendida a arma de
fogo por ele utilizada. A arma de fogo era de uso permitido, estava registrada em nome
de Bonaparte, mas este não possuía autorização para portá-la. No momento da
abordagem e apreensão, também foi constatado pelos policiais que a arma de fogo
apreendida em poder de Bonaparte estava sem munições, pois ele havia esquecido de
municiá-la. Diante dos fatos narrados e da atual jurisprudência do STF, é correto afirmar
que Bonaparte poderá ser responsabilizado pelos crimes de ameaça e porte ilegal de
arma de fogo de uso permitido. BL: art. 17 do CP (crime impossível) c/c art. 147 do CP
(crime de ameaça) e art. 14 do Estatuto do Desarmamento e Entendimento do STF.
OBS:
A posse ou o porte de arma de fogo desmuniciada configura crime? SIM. A posse (art. 12 da
Lei 10.826/03) ou o porte (art. 14) de arma de fogo configura crime mesmo que ela esteja
desmuniciada. Trata-se, atualmente, de posição pacífica tanto no STF como no STJ. Para a
jurisprudência, a simples posse ou porte de arma, munição ou acessório de uso permitido —
sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar — configura os
crimes previstos nos arts. 12 ou 14 da Lei 10.826/03. Isso porque, por serem delitos de perigo
abstrato, é irrelevante o fato de a arma apreendida estar desacompanhada de munição, já que
o bem jurídico tutelado é a segurança pública e a paz social.
STJ. 3ª Seção. AgRg nos EAREsp 260.556/SC, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, j. 26/03/14.
STF. 2ª Turma. HC 95073/MS, red. p/ o acórdão Min. Teori Zavascki, 19/3/13 (Info 699).
A posse ou porte apenas da munição configura crime? SIM. A posse ou o porte apenas da
munição (ou seja, desacompanhada da arma) configura crime. Isso porque tal conduta
consiste em crime de perigo abstrato, para cuja caracterização não importa o resultado
concreto da ação. O objetivo do legislador foi o de antecipar a punição de fatos que
apresentam potencial lesivo à população, prevenindo a prática de crimes.
STF. 2ª Turma. HC 119154, Rel. Min. Teori Zavascki, j. 26/11/13.
STJ. 6ª Turma. AgRg no REsp 1442152/MG, Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 07/08/14.
A situação foi a seguinte: determinado indivíduo foi parado em uma blitz e os policiais
encontraram em seu poder um cartucho de munição calibre 0.40, que é de uso restrito.
Não foi encontrada nenhuma arma ou outras munições com o homem, que afirmou que
usaria o cartucho para fazer um pingente que utilizaria como colar. O indivíduo foi
denunciado pela prática do crime previsto no art. 16 da Lei 10826/03 (Estatuto do
Desarmamento). O STF aplicou o princípio da insignificância afirmando que as
peculiaridades do caso concreto justificavam a flexibilização do entendimento tradicional da
jurisprudência. Na situação julgada, o cartucho ainda seria utilizado para fazer o pingente.
34.3. O porte ilegal de arma de fogo deve ser absorvido pelo crime de homicídio? – (Info
775) – IMPORTANTE!!!
Se o agente, utilizando arma de fogo, atira e mata alguém, haverá homicídio e porte de
arma de fogo ou apenas homicídio? Se uma pessoa pratica homicídio com arma de fogo, a
acusação por porte deverá ser absorvida? Aplica-se o princípio da consunção?
Depende da situação:
Situação 1: NÃO. O crime de porte não será absorvido se ficar provado nos autos
que o agente portava ilegalmente a arma de fogo em outras oportunidades antes
ou depois do homicídio e que ele não se utilizou da arma tão somente para
praticar o assassinato. Ex: a instrução demonstrou que João adquiriu a arma de
fogo três meses antes de matar Pedro e não a comprou com a exclusiva finalidade
de ceifar a vida da vítima.
Situação 2: SIM. Se não houver provas de que o réu já portava a arma antes do
homicídio ou se ficar provado que ele a utilizou somente para matar a vítima. Ex:
o agente compra a arma de fogo e, em seguida, dirige-se até a casa da vítima, e
contra ela desfere dois tiros, matando-a.
No caso concreto julgado pelo STF, ficou provado que o réu havia comprado a arma 3
meses antes da morte da vítima. Além disso, também se demonstrou pelas testemunhas
que o acusado, várias vezes antes do crime, passou na frente da casa da vítima, mostrando
ostensivamente o revólver utilizado no crime. Desse modo, restou provado que os tipos
penais consumaram-se em momentos distintos e que tinham desígnios autônomos, razão
pela qual não se pode reconhecer o princípio da consunção entre o homicídio e o porte
ilegal de arma de fogo.
STF. 1ª T. HC 120678/PR, rel. orig. Min. Luiz Fux, red. p/ o acórdão Min. Marco Aurélio, j.
24/2/15 (Info 775).
35. RACISMO
35.1. A Lei nº 7.716/89 pode ser aplicada para punir as condutas homofóbicas e
transfóbicas – (Info 944) – IMPORTANTE!!!
Além dele, existem outros delitos tipificados pela Lei 7.716/89, como, por exemplo, os arts. 5º
e 13:
Art. 5º Recusar ou impedir acesso a estabelecimento comercial, negando-se a
servir, atender ou receber cliente ou comprador.
Pena: reclusão de um a três anos.
Art. 13. Impedir ou obstar o acesso de alguém ao serviço em qualquer ramo das
Forças Armadas.
Pena: reclusão de dois a quatro anos.
O grande ponto, contudo, da Lei nº 7.716/89 é que ela prevê que a punição para essas
condutas ocorre se o preconceito manifestado for em razão da raça ou da cor da vítima. O
art. 20 fala também em preconceito relacionado com a etnia, religião e procedência nacional.
Raça: O conceito de “raça” é amplo e não está limitado a uma definição biológica. Em
outras palavras, o conceito de raça não exige que as pessoas possuam as mesmas
características genéticas, tais como cor do cabelo, dos olhos e da pele (LAURIA, Mariano
Paganini. ob. cit., p. 534). “A divisão dos seres humanos em raças resulta de um processo de
conteúdo meramente político-social.” (Min. Maurílio Correia no HC 82424, julgado pelo STF
em 17/09/03). Assim, por exemplo, os judeus são uma raça, mesmo que os indivíduos que
componham essa coletividade possuam características genéticas distintas entre si.
Etnia: São os grupos humanos que apresentam aspectos comuns, tais como língua, religião
e maneiras de agir. Trata-se do “conceito mais adotado e recomendado pela sociologia
hodiernamente para designar o que antes era entendido por ‘raça’”. (LAURIA, Mariano
Paganini. ob. cit., p. 507). Exemplos: índios, árabes, judeus, quilombolas.
Religião: “Religião pode ser conceituada como conjunto de crenças relacionadas ao divino e
sagrado, permeada por uma série de rituais e códigos morais derivados de tais convicções.
Não se inclui o ateísmo (ausência de crença religiosa), prevalecendo o entendimento de que
este é justamente a negação da crença na existência de uma divindade superior, motivo pelo
qual não poderia ser equiparado à religião, constituindo-se em espécie de doutrina
filosófica. A discriminação por ateísmo seria, assim, fato atípico.” (LAURIA, Mariano
Paganini. ob. cit., p. 508).
Procedência nacional: É o lugar de onde a pessoa veio, ou seja, o lugar onde ela nasceu ou
morava. Interessante ressaltar que, segundo a doutrina, este conceito abrange tanto os
estrangeiros (ex: venezuelanos, haitianos) como também os nacionais que se deslocam
dentro do país (exs: nortistas, nordestinos, sulistas etc.).
A Lei 7.716/89 previu, expressamente, que os crimes nela tipificados podem ser aplicados em
caso de manifestações de preconceito relacionadas com orientação sexual? A Lei 7.716/89
prevê, expressamente, punição para condutas homofóbicas e transfóbicas? NÃO. A Lei
7.716/89 não traz, expressamente, previsão para punição de condutas homofóbicas e
transfóbicas. A doutrina e a jurisprudência, por sua vez, afirmavam que o rol de elementos
de preconceito e discriminação do art. 20 era taxativo. Nesse sentido: STF. 1ª Turma. Inq
3590/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 12/8/2014.
ADO: Cerca de um ano depois, em 2013, o Partido Popular Socialista (PPS) ajuizou ação
direta de inconstitucionalidade por omissão (ADO), na qual pediu que o STF declarasse a
omissão do Congresso Nacional por não ter votado projeto de lei que criminaliza atos de
homofobia. A ação foi proposta a fim de que seja imposto ao Poder Legislativo o dever de
elaborar legislação criminal que puna a homofobia e a transfobia como espécies do gênero
“racismo”. A criminalização específica, conforme o partido, decorre da ordem
constitucional de legislar relativa ao racismo - crime previsto no art. 5º, XLII, da CF/88 - ou,
subsidiariamente, às discriminações atentatórias a direitos e liberdades fundamentais (art.
5º, XLI) ou, ainda, também subsidiariamente, ao princípio da proporcionalidade na acepção
de proibição de proteção deficiente (art. 5º, LIV). De acordo com o partido, o Congresso
Nacional tem se recusado a votar o projeto de lei que visa efetivar tal criminalização. O Min.
Celso de Mello foi designado como relator da ADO.
Depois de muitas sessões de discussão, o que decidiu o STF? O STF concordou com as ações
propostas? SIM.
Quanto ao MI: O STF, por maioria, julgou procedente o mandado de injunção para:
a) reconhecer a mora inconstitucional do Congresso Nacional e;
b) aplicar, com efeitos prospectivos, até que o Congresso Nacional venha a legislar a
respeito, a Lei nº 7.716/89 a fim de estender a tipificação prevista para os crimes
resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou
procedência nacional à discriminação por orientação sexual ou identidade de
gênero.
Quanto à ADO: O STF, também por maioria, julgou a ADO procedente, com eficácia geral
e efeito vinculante, para:
a) reconhecer o estado de mora inconstitucional do Congresso Nacional na
implementação da prestação legislativa destinada a cumprir o mandado de
incriminação a que se referem os incisos XLI e XLII do art. 5º da Constituição, para
efeito de proteção penal aos integrantes do grupo LGBT;
c) cientificar o Congresso Nacional, para os fins e efeitos a que se refere o art. 103, §
2º, da Constituição c/c o art. 12-H, caput, da Lei nº 9.868/99:
Art. 103. (...)
§ 2º Declarada a inconstitucionalidade por omissão de medida para tornar
efetiva norma constitucional, será dada ciência ao Poder competente para a
adoção das providências necessárias e, em se tratando de órgão administrativo,
para fazê-lo em trinta dias.
O tema é extremamente amplo e irei fazer um breve resumo dos principais argumentos
apresentados pelos Ministros:
Min. Celso de Mello:
Existe um dever imposto pela CF/88 ao Congresso Nacional para que se crie normas de
punição das condutas discriminatórias: A Constituição Federal possui dois mandados de
incriminação para condutas discriminatórias: art. 5º, incisos XLI e XLII. Assim, é possível
concluir que a omissão do Congresso Nacional em produzir normas legais de proteção
penal à comunidade LGBT traduz situação configuradora de ilicitude, em afronta ao texto
da CF/88.
Mero apelo ao legislador não tem sido eficaz: Para o Min. Celso de Mello, o mero apelo ao
legislador não tem se mostrado uma solução eficaz, em razão da indiferença do Poder
Legislativo que, em determinadas decisões anteriormente emanadas do STF, tem persistido
em permanecer em estado de inadimplemento da prestação legislativa que lhe incumbe
promover. Diante disso, o STF, ao longo dos últimos trinta anos, evoluiu no plano
jurisprudencial em busca da construção de soluções que pudessem fazer cessar esse estado
de inconstitucional omissão normativa. Isso se deu, por exemplo, no caso do direito de greve
por servidores públicos, no qual o STF determinou que, diante da ausência da lei prevista
no art. 37, VII, da CF/88, os servidores públicos podem fazer greve, devendo ser aplicadas
as leis que regulamentam a greve para os trabalhadores da iniciativa privada (Lei nº
7.701/88 e Lei nº 7.783/89): STF. Plenário. MI 708, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em
25/10/2007.
Esse exercício de interpretação não significa legislar (não se está usurpando a competência
do CN): Para o Ministro, essa postura adotada no caso da greve – que não se limita a
cientificar o Congresso da mora, fornecendo, desde logo, uma solução jurídica para o caso – é
um procedimento hermenêutico realizado pelo Poder Judiciário para extrair a necessária
interpretação dos diversos diplomas legais. Segundo o Ministro, isso não se confunde com
o processo de elaboração legislativa, ou seja, não se pode dizer que o STF esteja legislando.
O processo de interpretação dos textos legais e da Constituição não importa em usurpação
das atribuições normativas dos demais poderes da República.
Conceito de “raça”: O conceito de “raça” que compõe a estrutura normativa dos tipos
penais incriminadores previstos na Lei 7.716/89 tem merecido múltiplas interpretações,
revestindo-se, por isso, de inegável conteúdo polissêmico (algo que tem muitos
significados). Um exemplo disso foi o célebre julgamento do “caso Ellwanger” (HC 82424),
em setembro de 2003, quando o STF manteve a condenação imposta ao escritor gaúcho
Siegfried Ellwanger por crime de racismo contra os judeus. Naquela ocasião, o STF afastou a
alegação da defesa de que os “judeus” não seriam uma “raça”. Pode-se dizer, portanto, que o
STF adotou uma espécie de conceito “social” de raça.
(...) 3. Raça humana. Subdivisão. Inexistência. Com a definição e o mapeamento
do genoma humano, cientificamente não existem distinções entre os homens,
seja pela segmentação da pele, formato dos olhos, altura, pêlos ou por quaisquer
outras características físicas, visto que todos se qualificam como espécie
humana. Não há diferenças biológicas entre os seres humanos. Na essência são
todos iguais. 4. Raça e racismo. A divisão dos seres humanos em raças resulta
de um processo de conteúdo meramente político-social. Desse pressuposto
origina-se o racismo que, por sua vez, gera a discriminação e o preconceito
segregacionista. (...) STF. Plenário. HC 82424, Relator p/ Acórdão Min. Maurício
Corrêa, julgado em 17/09/2003.
Racismo é um conceito aberto que abrange preconceitos contra pessoas em razão de sua
orientação sexual ou identidade de gênero: Assim, a noção de racismo – para efeito de
configuração típica dos delitos previstos na Lei 7.716/89 – não se resume a um conceito de
ordem estritamente antropológica ou biológica. Projeta-se, ao contrário, numa dimensão
abertamente cultural e sociológica, a abranger até mesmo situações de agressão injusta
resultantes de discriminação ou de preconceito contra pessoas por sua orientação sexual ou
sua identidade de gênero.
Interpretação conforme: Vale ressaltar que a aplicação da Lei 7.716/89 para condutas
homofóbicas e transfóbicas resulta da aplicação do método da interpretação conforme.
Assim, fazendo-se uma intepretação conforme do conceito de “raça”, previsto na Lei
7.716/89, chega-se à conclusão de que ele pode abranger também orientação sexual e
identidade de gênero. Nas exatas palavras do Min. Celso de Mello: “A constatação da
existência de múltiplas expressões semiológicas propiciadas pelo conteúdo normativo da ideia de “raça”
permite reconhecer como plenamente adequado o emprego, na presente hipótese, da técnica de decisão e
de controle de constitucionalidade fundada no método da interpretação conforme à Constituição.”
Não se trata de analogia: Atenção. Para o Min. Celso de Mello, a construção que foi feita, ou
seja, a aplicação da Lei nº 7.716/89 às condutas homofóbicas e transfóbicas, não é aplicação
analógica. Para ele, houve apenas interpretação conforme a Constituição. Confira:
“A solução propugnada não sugere a aplicação analógica das normas penais
previstas na Lei 7.716/1989 nem implica a formulação de tipos criminais ou
cominação de sanções penais.
É certo que, considerado o princípio constitucional da reserva absoluta de lei
formal, o tema pertinente à definição de tipo penal e à cominação de sanção
penal subsume-se ao âmbito das normas de direito material, de natureza
eminentemente penal, regendo-se, em consequência, pelo postulado da reserva
de parlamento.
Assim, inviável, em controle abstrato de constitucionalidade, colmatar,
mediante decisão desta Corte Suprema, a omissão denunciada pelo autor da
ação direta, procedendo-se à tipificação penal de condutas atentatórias aos
direitos e liberdades fundamentais dos integrantes da comunidade LGBT.
Na verdade, a solução ora proposta limita-se à mera subsunção de condutas
homotransfóbicas aos diversos preceitos primários de incriminação definidos
em legislação penal já existente (Lei 7.716/89), pois os atos de homofobia e de
transfobia constituem concretas manifestações de racismo, compreendido em
sua dimensão social, ou seja, o denominado racismo social.”
Não há ofensa à liberdade religiosa: É necessário destacar que a decisão, no presente caso,
não implica a ocorrência de qualquer ofensa ou dano potencial à liberdade religiosa,
qualquer que seja a dimensão em que aquela se projete. A liberdade religiosa faz parte do
regime democrático e não pode nem deve ser impedida pelo poder público nem submetida a
ilícitas interferências do Estado. A adoção pelo Estado de meios destinados a impedir
condutas homofóbicas e transfóbicas em hipótese alguma poderá restringir ou suprimir a
liberdade de consciência e de crença, nem autorizar qualquer medida que interfira nas
celebrações litúrgicas ou que importe em cerceamento à liberdade de palavra, seja como
instrumento de pregação da mensagem religiosa, seja, ainda, como forma de exercer o
proselitismo em matéria confessional em espaços públicos ou privados. Há que se
preservar, portanto, a possibilidade de os líderes e membros das religiões exporem suas
narrativas, conselhos, lições ou orientações constantes de seus livros sagrados, seja qual for a
religião (como a Bíblia, a Torah, o Alcorão, a Codificação Espírita, os Vedas hindus e o
Dhammapada budista). Essas práticas não configuram delitos contra a honra, porque
veiculados com o intuito de divulgar o pensamento resultante do magistério teológico e da
filosofia espiritual que são próprios de cada uma dessas denominações confessionais. Tal
circunstância descaracteriza, por si só, o intuito doloso dos delitos contra a honra, a tornar
legítimos o discurso e a pregação como expressões dos postulados de fé dessas religiões.
Em caso de insultos, ofensas ou estimulo à violência, poderá haver crime: Por outro lado, o
direito de dissentir deixa de ser legítimo quando a sua exteriorização ofender valores e
bens jurídicos igualmente protegidos pela ordem constitucional, como sucede com o
direito de terceiros à incolumidade de seu patrimônio moral. Assim, pronunciamentos de
índole religiosa que extravasem (extrapolem) os limites da livre manifestação de ideias,
constituindo-se em insultos, ofensas ou em estímulo à intolerância e ao ódio público
contra os integrantes da comunidade LGBT, não merecem proteção constitucional e não
podem ser considerados liberdade de expressão. Em tais situações, haverá crime.
Função contramajoritária do STF: Para o Min. Celso de Mello, este julgamento reflete a
função contramajoritária que o STF possui de, no Estado Democrático de Direito, conferir
efetiva proteção às minorias. É uma função exercida no plano da jurisdição das liberdades.
Nesse sentido, o STF desempenha o papel de órgão investido do poder e da responsabilidade
institucional de proteger as minorias contra eventuais excessos da maioria ou contra
omissões que se tornem lesivas, diante da inércia do Estado, aos direitos daqueles que sofrem
os efeitos perversos do preconceito, da discriminação e da exclusão jurídica. Assim, para que
o regime democrático não se reduza a uma categoria político-jurídica meramente
conceitual ou simplesmente formal, torna-se necessário assegurar às minorias a plenitude
de meios que lhes permitam exercer, de modo efetivo, os direitos fundamentais
assegurados a todos. Ninguém se sobrepõe, nem mesmo os grupos majoritários, aos
princípios superiores consagrados pela Constituição da República.
No mérito, o Ministro consignou que o direito constante do art. 5º, XLI, efetivamente
contém mandado de criminalização contra a discriminação homofóbica e transfóbica.
Ante a mora do Congresso Nacional, essa ordem comporta, até que seja suprida, a
colmatação pelo STF por meio de interpretação conforme da legislação de combate à
discriminação. A seu ver, conforme o inciso XLI, qualquer espécie de discriminação é
atentatória ao Estado Democrático de Direito, inclusive a que se fundamenta na orientação
sexual das pessoas ou na sua identidade de gênero.
Vale ressaltar que na ADI 4275 o STF consignou que o direito à igualdade sem discriminações
abrange a identidade ou expressão de gênero e a orientação sexual. Ademais, no âmbito
internacional, o posicionamento é na mesma direção.
No caso, além da falta de norma que proteja o público LGBT, verifica-se também uma
situação de ofensa ao princípio da igualdade. Isso porque condutas igualmente reprováveis
recebem tratamento jurídico distinto. Ex: impedir ou obstar acesso a órgão da
Administração Pública, ou negar emprego em empresa privada, por preconceito de raça, cor,
etnia, religião ou procedência nacional são condutas típicas, nos termos da Lei nº 7.716/89.
Se as mesmas condutas fossem praticadas com preconceito a homossexual ou transgênero,
não haveria crime.
Toda pessoa deve ser protegida contra qualquer ato que atinja sua dignidade. É preciso dar
sentido e concretude ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, que se
torna passível de aplicação direta à situação em análise, por ter sido seu conteúdo
nitidamente violado.
É certo que não pode o STF substituir o legislador, mas aqui há comando constitucional
para regulamentar situações concretas. Lei específica sobre o tema deveria ter sido editada,
porque o legislador constituinte originário, desde 1988, vinculou o legislador derivado. A
falta de norma inviabiliza o exercício de direitos, e o texto constitucional não exclui o
mandado de injunção de qualquer seara específica de incidência.
O Min. Fachin também sustentou que o STF não está fazendo analogia in malam partem ao
aplicar a Lei 7.716/89 para manifestações homofóbicas ou transfóbicas. A CF contém
expresso comando de punição penal para a discriminação homofóbica e a extensão
prospectiva da lei de discriminação racial, até a edição específica de norma pelo Poder
Legislativo, não viola o princípio da anterioridade da lei penal.
O Min. Alexandre de Moraes também acompanhou os relatores pela procedência das ações.
Em seu voto, reconheceu a inconstitucionalidade por omissão do Congresso Nacional em
editar norma protetiva à comunidade LGBTI. Segundo ele, a atuação do Congresso
Nacional em relação a grupos tradicionalmente vulneráveis foi sempre no sentido de que a
ampla proteção depende de lei penal. O Congresso atuou dessa forma em relação às crianças
e aos adolescentes, aos idosos, às pessoas com deficiência, às mulheres e até aos
consumidores, No entanto, passados 30 anos da Constituição Federal, só a discriminação
homofóbica e transfóbica permanece sem nenhum tipo de aprovação. O único caso em que o
próprio Congresso não seguiu o seu padrão. A compreensão de que as práticas homofóbicas
configuram racismo social, segundo o Ministro, não ofendem a liberdade religiosa, que é
consagrada constitucionalmente.
O Min. Luís Roberto Barroso também reconheceu a omissão legislativa. Ele observou que é
papel do STF, no entanto, estabelecer diálogo respeitoso com o Congresso e também com a
sociedade. “Se o Congresso atuou, a sua vontade deve prevalecer. Se não atuou e havia um
mandamento constitucional nesse sentido, que o Supremo atue para fazer valer o que está
previsto na Constituição”. A regra geral, afirmou, é a de autocontenção, deixando o maior
espaço possível para a atuação do Legislativo. “Porém, quando estão em jogo direitos
fundamentais ou a preservação das regras do jogo democrático, se justifica uma postura mais
proativa do STF”. Esse é o caso dos autos. Barroso explicou que a punição para atos de
homofobia e transfobia deve ser de natureza criminal por três razões: a relevância do bem
jurídico tutelado e a sistematicidade de violação a este direito, o fato de que outras
discriminações são punidas pelo direito penal e a circunstância de que a punição
administrativa não é suficiente, uma vez que não coíbe de maneira relevante as violências
homofóbicas. “Deixar de criminalizar a homofobia seria tipicamente uma hipótese de
proteção deficiente”. Afirmou que a solução dada (aplicar a Lei do Racismo) não configura
analogia nem interpretação extensiva. Isso porque no conceito de racismo firmado pelo
STF estão colhidas as situações tipificadas na lei. Por fim, o Ministro também acolheu o
pedido para interpretar o Código Penal conforme a Constituição para fixar que, se a
motivação de homicídio for a homofobia, estará caracterizado o motivo fútil ou torpe,
constituindo circunstância agravante ou qualificadora.
A Min. Cármen Lúcia acompanhou os relatores pela procedência dos pedidos. Ela avaliou
que, após tantas mortes, ódio e incitação contra homossexuais, não há como desconhecer a
inércia do legislador brasileiro e afirmou que tal omissão é inconstitucional.
O Min. Gilmar Mendes acompanhou a maioria dos votos pela procedência das ações. Além
de identificar a inércia do Congresso Nacional, ele entendeu que a interpretação apresentada
pelos relatores de que a Lei do Racismo também pode alcançar os integrantes da
comunidade LGBT é compatível com a Constituição Federal.
Min. Ricardo Lewandowski (vencido):
Para o Min. Marco Aurélio, a Lei do Racismo não pode ser ampliada em razão da
taxatividade dos delitos expressamente nela previstos. Ele considerou que a sinalização do
STF para a necessária proteção das minorias e dos grupos socialmente vulneráveis, por si só,
contribui para uma cultura livre de todo e qualquer preconceito e discriminação, preservados
os limites da separação dos Poderes e da reserva legal em termos penais.
35.2. Palestra proferida por Bolsonaro com críticas aos quilombolas e estrangeiros não
configurou racismo – (Info 915)
Os abusos, quando praticados, legitimam a atuação estatal. “Se assim não fosse, caluniar,
injuriar, difamar ou fazer apologia de fatos criminosos não seriam suscetíveis de punições”,
explicou o Min. Celso de Mello.
O abuso no exercício da liberdade de expressão não pode ser tolerado. Assim, a incitação ao
ódio público não está protegida nem amparada pela cláusula constitucional que assegura
liberdade de expressão.
Caso Ellwanger: Os Ministros relembraram ainda o célebre julgamento do “caso Ellwanger”
(HC 82424), em setembro de 2003, quando o STF manteve a condenação imposta ao escritor
gaúcho Siegfried Ellwanger por crime de racismo contra os judeus. Veja trechos da ementa:
(...) 1. Escrever, editar, divulgar e comerciar livros "fazendo apologia de idéias
preconceituosas e discriminatórias" contra a comunidade judaica (Lei 7716/89,
artigo 20, na redação dada pela Lei 8081/90) constitui crime de racismo sujeito
às cláusulas de inafiançabilidade e imprescritibilidade (CF, artigo 5º, XLII). (...)
6. Adesão do Brasil a tratados e acordos multilaterais, que energicamente
repudiam quaisquer discriminações raciais, aí compreendidas as distinções
entre os homens por restrições ou preferências oriundas de raça, cor, credo,
descendência ou origem nacional ou étnica, inspiradas na pretensa
superioridade de um povo sobre outro, de que são exemplos a xenofobia,
"negrofobia", "islamafobia" e o anti-semitismo. (...) 13. Liberdade de expressão.
Garantia constitucional que não se tem como absoluta. Limites morais e
jurídicos. O direito à livre expressão não pode abrigar, em sua abrangência,
manifestações de conteúdo imoral que implicam ilicitude penal. 14. As
liberdades públicas não são incondicionais, por isso devem ser exercidas de
maneira harmônica, observados os limites definidos na própria Constituição
Federal (CF, artigo 5º, § 2º, primeira parte). O preceito fundamental de liberdade
de expressão não consagra o "direito à incitação ao racismo", dado que um
direito individual não pode constituir-se em salvaguarda de condutas ilícitas,
como sucede com os delitos contra a honra. Prevalência dos princípios da
dignidade da pessoa humana e da igualdade jurídica. (...) STF. Plenário. HC
82424, Relator p/ Acórdão Min. Maurício Corrêa, j. 17/09/2003.
Questão de concurso:
(PGEPA-2011): No HC 82424-2 – “Caso Ellwanger” –, o STF julgou pedido de “habeas corpus”
em favor de editor de obras que veiculavam ideias supostamente antissemitas. Analise as
proposições abaixo e assinale a alternativa correta: A ordem de “habeas corpus” foi
indeferida com fundamento, entre outros, de que o direito à liberdade de expressão não pode
abrigar, em sua abrangência, manifestações de conteúdo imoral que implicam em ilicitude
penal. (CERTA)
Hate speech (discurso de ódio): O tema acima exposto está ligado ao que a doutrina chama de
hate speech (discurso de ódio). Discurso de ódio (hate speech) são “manifestações de
pensamento que ofendam, ameacem ou insultem determinado grupo de pessoas com base
na raça, cor, religião, nacionalidade, orientação sexual, ancestralidade, deficiência ou
outras características próprias. (...) No direito norte-americano, prevalece o entendimento
de que até o discurso de ódio (hate speech) inclui-se no âmbito de proteção da liberdade de
expressão.” (BERNARDES, Juliano Taveira; FERREIRA, Olavo Augusto Vianna Alves.
Direito Constitucional. Tomo II. 7ª ed. Salvador: Juspodivm, 2017, p. 128).
No Brasil, ao contrário dos EUA, prevalece que o hate speech não é protegido pela ordem
constitucional. Isso porque o direito à liberdade de expressão não é absoluto, podendo a
pessoa que proferiu o discurso de ódio ser punida, inclusive criminalmente, em caso de
abuso. Esse tem sido, por exemplo, o entendimento das bancas examinadoras:
Determinado padre escreveu um livro, voltado ao público da Igreja Católica, no qual ele
faz críticas ao espiritismo e a religiões de matriz africana, como a umbanda e o
candomblé.
O MP da Bahia ofereceu denúncia contra ele pela prática do art. 20, § 2º da Lei 7.716/89
(Lei do racismo).
No caso concreto, o STF entendeu que não houve o crime.
A CF/88 garante o direito à liberdade religiosa. Um dos aspectos da liberdade religiosa é o
direito que o indivíduo possui de não apenas escolher qual religião irá seguir, mas
também o de fazer proselitismo religioso.
Proselitismo religioso significa empreender esforços para convencer outras pessoas a
também se converterem à sua religião.
Desse modo, a prática do proselitismo, ainda que feita por meio de comparações entre as
religiões (dizendo que uma é melhor que a outra) não configura, por si só, crime de
racismo.
Só haverá racismo se o discurso dessa religião supostamente superior for de dominação,
opressão, restrição de direitos ou violação da dignidade humana das pessoas integrantes
dos demais grupos. Por outro lado, se essa religião supostamente superior pregar que tem
o dever de ajudar os "inferiores" para que estes alcancem um nível mais alto de bem-estar
e de salvação espiritual e, neste caso não haverá conduta criminosa.
Na situação concreta, o STF entendeu que o réu apenas fez comparações entre as religiões,
procurando demonstrar que a sua deveria prevalecer e que não houve tentativa de
subjugar os adeptos do espiritismo.
Pregar um discurso de que as religiões são desiguais e de que uma é inferior à outra não
configura, por si, o elemento típico do art. 20 da Lei 7.716/89. Para haver o crime, seria
indispensável que tivesse ficado demonstrado o especial fim de supressão ou redução da
dignidade do diferente, elemento que confere sentido à discriminação que atua como
verbo núcleo do tipo.
STF. 1ª Turma. RHC 134682/BA, Rel. Min. Edson Fachin, j. 29/11/16 (Info 849).
A regra que prevê o crime do art. 305 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB) é
constitucional, posto não infirmar o princípio da não incriminação, garantido o direito ao
silêncio e ressalvadas as hipóteses de exclusão da tipicidade e da antijuridicidade.
STF. Plenário. RE 971959/RS, Rel. Min. Luiz Fux, j. 14/11/18 (repercussão geral) (Info 923).
OBS:
Evasão do local do acidente para evitar responsabilidade penal ou civil : O Código de
Trânsito Brasileiro (CTB) prevê o seguinte delito em seu art. 305:
Art. 305. Afastar-se o condutor do veículo do local do acidente, para fugir à
responsabilidade penal ou civil que lhe possa ser atribuída:
Penas - detenção, de seis meses a um ano, ou multa.
Em que consiste o crime: O agente se envolve em um acidente de trânsito e foge do local
para não ser identificado e não ter que responder a um processo criminal ou uma ação de
indenização. Arnaldo Rizzardo dispõe: “(...) o condutor, uma vez verificado o acidente,
simplesmente abandona o local, não aguardando a realização das providências de
identificação dos veículos, dos condutores, e demais anotações, a cargo da autoridade de
trânsito, e mesmo dos outros envolvidos.” (RIZZARDO, Arnaldo. Comentários ao Código de
Trânsito brasileiro. 9ª ed., São Paulo: RT, 2013, p. 627).
Bem jurídico tutelado: De forma imediata, o crime protege a administração da justiça, que
fica prejudicada pela fuga do agente do local do evento, uma vez que tal atitude impede sua
identificação e a consequente apuração do ilícito, para fins de se promover a
responsabilização cível ou penal de quem, eventualmente, provocar um acidente de trânsito,
dolosa ou culposamente. De forma mediata, tutela o direito da vítima à reparação do dano.
Sujeitos do crime: Tanto o sujeito ativo como o sujeito passivo podem ser qualquer pessoa.
Trata-se, portanto, de crime bicomum.
Elemento subjetivo: É o dolo. Vale ressaltar que se exige especial fim de agir (dolo
específico), considerando que o agente deve ter saído do local “para fugir à
responsabilidade penal ou civil que lhe possa ser atribuída”. Não admite modalidade
culposa.
Consumação: É crime material. Assim, o delito se consuma quando o agente consegue se
afastar (evadir-se, fugir) do local do acidente. Se ele tenta fugir, mas é impedido pela vítima,
por populares ou pela polícia, por exemplo, haverá tentativa.
Outras informações:
• a ação penal é pública incondicionada;
• trata-se de infração de menor potencial ofensiva, de forma que o rito é sumaríssimo (Lei
9.099/95), cabendo transação penal e suspensão condicional do processo.
Discussão quanto à constitucionalidade deste crime: Os Tribunais de Justiça dos Estados de
São Paulo, Minas Gerais, Santa Catarina e Rio Grande do Sul possuíam entendimento no
sentido de que este crime do art. 305 do CTB seria inconstitucional ou, pelo menos,
inconvencional. Isso porque ele violaria o direito à não autoincriminação. O direito à não
autoincriminação é uma decorrência da ampla defesa, prevista no art. 5º, LV e LXIII. Além
disso, o Pacto de San José da Costa Rica (Convenção Americana de Direitos Humanos), que
vige em nosso ordenamento jurídico com caráter supralegal, estabelece em seu artigo 8º,
inciso II, alínea “g”, que “toda pessoa tem direito de não ser obrigada a depor contra si
mesma, nem a declarar-se culpada”.
Essa discussão chegou finalmente ao STF. O que decidiu o STF? O art. 305 do CTB é
constitucional ou não? O art. 305 do CTB é constitucional. O STF, em repercussão geral, fixou
a seguinte tese: A regra que prevê o crime do art. 305 do Código de Trânsito Brasileiro
(CTB) é constitucional, posto não infirmar o princípio da não incriminação, garantido o
direito ao silêncio e ressalvadas as hipóteses de exclusão da tipicidade e da
antijuridicidade. STF. Plenário. RE 971.959/RS, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 14/11/2018
(repercussão geral) (Info 923).
Vou fazer um breve resumo dos argumentos invocados.
Flexibilização do princípio da vedação à autoincriminação: De fato, a CF/88 prevê, como
uma decorrência da ampla defesa, o direito à não autoincriminação (nemo tenetur se detegere).
De igual modo, o Pacto de San José da Costa Rica também assegura esse direito aos acusados.
No entanto, para o STF, é “admissível a flexibilização do princípio da vedação à
autoincriminação proporcionada pela opção do legislador de criminalizar a conduta de
fugir do local do acidente”. O legislador, ao exigir que o agente envolvido no acidente
continue no local do fato até que sejam feitos os procedimentos de identificação das pessoas e
do sinistro, “não afeta o núcleo irredutível” do direito fundamental à não
autoincriminação. O direito à não autoincriminação preconiza que jamais se pode obrigar o
investigado ou réu a agir ativamente na produção de prova contra si próprio. Ocorre que o
tipo penal do art. 305 do CTB apenas obriga a permanência do agente no local para garantir
a identificação dos envolvidos no sinistro e o devido registro da ocorrência pela autoridade
competente. Assim, ele não viola o núcleo da garantia de não autoincriminação.
Obriga-se o condutor a permanecer no local, mas não a “assumir a culpa” (continua
“garantido o direito ao silêncio”): O art. 305 do CTB exige que o agente permaneça no local
do acidente e se identifique perante a autoridade de trânsito. Mas o tipo penal não obriga
que o condutor assuma eventual responsabilidade cível ou penal. Se ele permanecer no
local e negar que tenha culpa, não incide o crime do art. 305 do CTB. Vale ressaltar, inclusive,
que o condutor, após sua identificação pela autoridade de trânsito, pode optar por
permanecer em silêncio quanto à dinâmica do acidente e não prestar nenhum esclarecimento
sobre como ocorreu o sinistro. Em suma, depois de se identificar, pode exercer seu direito ao
silêncio, que não significará confissão nem poderá ser interpretado em prejuízo da defesa
(art. 186, parágrafo único, do CPP).
Princípio da proporcionalidade: Eventual declaração de inconstitucionalidade da conduta
tipificada no art. 305 do CTB, em nome de uma leitura absoluta e irrestrita do princípio da
vedação à autoincriminação, caracterizaria afronta ao princípio constitucional da
proporcionalidade em sua dimensão que proíbe a proteção deficiente. Desse modo, o
princípio que veda a não autoincriminação pode ser relativizado pelo legislador,
considerando que, segundo a teoria geral dos direitos fundamentais, havendo conflito entre
dois princípios, é necessário um juízo de ponderação. Assim ocorre, por exemplo, com os
postulados da proibição de excesso e da vedação à proteção insuficiente.
Fragilização da tutela penal: A criação de empecilhos à responsabilização penal do condutor
que foge do local do acidente fragiliza a tutela penal do Estado e deixa descoberto o bem
jurídico que o referido crime deveria proteger. Além disso, indiretamente, deixa sem
proteção direitos fundamentais que um trânsito seguro busca preservar, dentre eles o direito
à vida.
Negar a vontade do Parlamento: Descriminalizar o crime de fuga significaria efetivamente
negar a vontade do Parlamento. Essa conduta é criminalizada porque a Constituição
promete, em nome do povo, uma sociedade justa e solidária, o que não poderia ser garantido
caso afastada a juridicidade de uma conduta de quem abandona o local do acidente para
fugir à responsabilidade penal e civil.
Convenção de Trânsito de Viena: Importante mencionar que existe uma norma de direito
internacional que abona (avaliza) essa opção feita pelo legislador no art. 305 do CTB. Trata-
se da Convenção de Trânsito de Viena, promulgada pelo Decreto 86.714/1981. Esta
Convenção prevê que o condutor e demais envolvidos em caso de acidente devem
comunicar a sua identidade, caso isso seja exigido (artigo 31).
Precedente do STF na análise do art. 307 do CP: Vale ressaltar que o STF já tem um
precedente análogo. Isso porque o STF reconheceu que o art. 307 do CP é constitucional e
não viola o princípio que veda a autoincriminação. Relembre o que diz o art. 307 do CP:
Falsa identidade
Art. 307. Atribuir-se ou atribuir a terceiro falsa identidade para obter vantagem,
em proveito próprio ou alheio, ou para causar dano a outrem:
Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa, se o fato não constitui
elemento de crime mais grave.
O STF entende que há crime quando o agente, para não se incriminar, atribui a si uma
identidade que não é sua. Essa questão já foi, inclusive, analisada pelo Pleno do STF em
regime de repercussão geral:
O princípio constitucional da autodefesa (art. 5º, inciso LXIII, da CF/88) não
alcança aquele que atribui falsa identidade perante autoridade policial com o
intento de ocultar maus antecedentes, sendo, portanto, típica a conduta
praticada pelo agente (art. 307 do CP). STF. Plenário. RE 640139 RG, Rel. Min.
Dias Toffoli, julgado em 22/09/2011.
No mesmo sentido:
Súmula 522-STJ: A conduta de atribuir-se falsa identidade perante autoridade
policial é típica, ainda que em situação de alegada autodefesa.
A persecução penal admite a relativização dos direitos na hipótese de justificável tensão
entre o dever do poder público de promover uma repressão eficaz às condutas puníveis e
as esferas de liberdade ou intimidade daquele que se encontre na posição de suspeito ou
acusado. Nesse âmbito, o direito à não autoincriminação se insere no mesmo conjunto de
direitos subjetivos e garantias do cidadão brasileiro, de que são exemplos os direitos à
intimidade, à privacidade e à honra. Essa relativização é admissível, embora mediante a
observância dos parâmetros constitucionais pertinentes à harmonização de princípios
eventualmente colidentes. Diante desse quadro, trata-se de garantia que não pode ser
interpretada como o direito do suspeito, acusado ou réu a não participar da produção de
medidas probatórias. A referida flexibilização possibilita que se efetivem, em maior medida,
outros princípios fundamentais com os quais aquele colide no plano concreto, sem que isso
acarrete qualquer violação à dignidade da pessoa humana.
Mesmo no caso de condutas ativas do acusado/investigado têm sido admitidas
flexibilizações: O direito do investigado de não realizar condutas ativas que importem na
introdução de informações ao processo também comporta níveis de flexibilização, muito
embora a regra geral seja a da sua vedação. A jurisprudência do STF, historicamente, adotava
uma postura restrita quanto à admissibilidade das intervenções corporais. Contudo, na linha
do que se visualiza no cenário internacional, o STF, gradativamente, iniciou uma caminhada
em sentido oposto. Um precedente exemplificativo desse processo é a Rcl 2.040/DF, na qual
se decidiu que a autoridade jurisdicional poderia autorizar a realização de exame de DNA
em material colhido de gestante mesmo sem sua autorização, tendo em vista o objetivo de
investigar possível crime de estupro. O direito comparado à luz da legislação e da
jurisprudência dos principais países da Europa Continental admite a intervenção corporal
coercitiva, desde que autorizada judicialmente, restrita à cooperação passiva do sujeito
investigado ou acusado e sem ofensa à dignidade humana.
Se o agente fugiu com medo de eventuais agressões ou para cuidar de um ferimento sofrido,
não haverá crime (“hipóteses de exclusão da tipicidade e da antijuridicidade”): Vale
ressaltar, por fim, que o abandono do local do acidente pode ser legitimado em caso de
eventual risco de agressões que o condutor possa vir a sofrer por parte dos populares
presentes ou ainda caso ele esteja ferido e precise se deslocar imediatamente em busca de
atendimento médico. Para o Min. Lewandowski, nos casos concretos em que houver perigo
de vida do causador do evento caso permaneça no local do acidente, o juiz poderá aferir a
exclusão da antijuridicidade da conduta, tal como a legítima defesa ou o estado de
necessidade. Já para o Min. Alexandre de Moraes, essas situações realmente não
configuram crime, mas por outra razão: atipicidade. Segundo o Ministro, esses casos
representam condutas atípicas, uma etapa anterior à excludente de ilicitude, porque o tipo
penal exige que o condutor do veículo se afaste do local do crime “para fugir à
responsabilidade penal ou civil”. Havendo necessidade de o agente evadir-se pelas
circunstâncias apresentadas, não ocorre dolo específico do tipo.
Votos vencidos: Ficaram vencidos os Ministros Gilmar Mendes, Marco Aurélio, Celso de
Mello e Dias Toffoli, que entendiam que o tipo penal do art. 305 do CTB viola o princípio da
não autoincriminação.
36.2. Crime de dirigir sem habilitação é absorvido pela lesão corporal culposa na direção
de veículo – (Info 796)
Se um indivíduo, que não possui habilitação para dirigir (art. 309 do CTB), conduz seu
veículo de forma imprudente, negligente ou imperita e causa lesão corporal em alguém,
ele responderá pelo crime do art. 303, parágrafo único, do CTB, ficando o delito do art. 309
do CTB absorvido por força do princípio da consunção.
O delito de dirigir veículo sem habilitação é crime de ação penal pública incondicionada.
Por outro lado, a lesão corporal culposa (art. 303 do CTB) é crime de ação pública
condicionada à representação. Imagine que a vítima não exerça seu direito de
representação no prazo legal.
Diante disso, o Ministério Público poderá denunciar o agente pelo delito do art. 309?
NÃO. O delito do art. 309 já foi absorvido pela conduta de praticar lesão corporal culposa
na direção de veículo automotor, tipificada no art. 303 do CTB, crime de ação pública
condicionada à representação. Como a representação não foi formalizada pela vítima,
houve extinção da punibilidade, que abrange tanto a lesão corporal como a conduta de
dirigir sem habilitação.
STF. 2ª Turma. HC 128921/RJ, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 25/8/15 (Info 796).
O art. 12, I, da Lei 8.137/90 prevê que a pena do crime de sonegação fiscal (art. 1º, I, da Lei
nº 8.137/90) deverá ser aumentada no caso de o delito “ocasionar grave dano à
coletividade”.
A jurisprudência entende que se configura a referida causa de aumento quando o agente
deixa de recolher aos cofres públicos uma vultosa quantia. Em outras palavras, se o valor
sonegado foi alto, incide a causa de aumento do art. 12, I.
A Portaria nº 320, editada pela Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, prevê que os
contribuintes que estão devendo acima de R$ 10 milhões são considerados “grandes
devedores” e devem receber tratamento prioritário na atuação dos Procuradores.
Diante disso, surgiu uma tese defensiva dizendo que somente as dívidas acima de R$ 10
milhões poderiam ser consideradas de grande porte, justificando a incidência da causa de
aumento do art. 12, I.
Essa tese não foi acolhida pelo STF e STJ.
Não é razoável dizer que somente deverá incidir a causa de aumento de pena do art. 12, I,
se o valor dos tributos sonegados for superior a R$ 10 milhões, previsto no art. 2º da
Portaria nº 320/PGFN. Isso porque este dispositivo define "quantia vultosa" para fins
internos de acompanhamento prioritário pela Fazenda Nacional dos processos de
cobrança, não limitando ou definindo o que seja grave dano à coletividade.
STJ. 5ª Turma. AgRg no REsp 1274989/RS, Rel. Min. Laurita Vaz, j. 19/08/14.
STF. 2ª Turma. HC 129284/PE, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 17/10/17 (Info 882).
OBS:
Art. 12. São circunstâncias que podem agravar de 1/3 (um terço) até a metade as
penas previstas nos arts. 1°, 2° e 4° a 7°:
I - ocasionar grave dano à coletividade;
37.3. Não se pode invocar a teoria do domínio do fato, pura e simplesmente, sem nenhuma
outra prova – (Info 866)
O diretor-geral da empresa de telefonia Vivo foi denunciado pelo fato de que na filial que
funciona no Estado de Pernambuco teriam sido inseridos elementos inexatos em livros
fiscais.
Diante disso, o Ministério Público denunciou o referido diretor pela prática de crime
contra a ordem tributária (art. 1º, II, da Lei nº 8.137/90).
A denúncia aponta que, na condição de diretor da empresa, o acusado teria domínio do
fato, o poder de determinar, de decidir, e de fazer com que seus empregados contratados
executassem o ato, sendo responsável pelo delito.
O STF determinou o trancamento da ação penal afirmando que não se pode invocar a
teoria do domínio do fato, pura e simplesmente, sem nenhuma outra prova, citando de
forma genérica o diretor estatutário da empresa para lhe imputar um crime fiscal que teria
sido supostamente praticado na filial de um Estado-membro onde ele nem trabalha de
forma fixa.
Em matéria de crimes societários, a denúncia deve apresentar, suficiente e
adequadamente, a conduta atribuível a cada um dos agentes, de modo a possibilitar a
identificação do papel desempenhado pelos denunciados na estrutura jurídico-
administrativa da empresa.
Não se pode fazer uma acusação baseada apenas no cargo ocupado pelo réu na empresa.
STF. 2ª Turma. HC 136250/PE, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 23/5/17 (Info 866).
OBS:
Teoria do domínio do fato: Nos crimes tributários, é muito comum o Ministério Público
invocar a aplicação da teoria do domínio do fato para pedir a condenação do réu. Isso
porque, na maioria dos casos, quem pratica a conduta de suprimir ou reduzir tributo é o
empregado, gerente ou contador da pessoa jurídica. No entanto, o MP alega que a orientação
para essa conduta partiu de um sócio-administrador ou diretor-geral da empresa.
Pela teoria tradicional, o autor é aquela pessoa que pratica o verbo nuclear do tipo. Logo, o
empregado, gerente ou contador seriam os autores do delito.
A teoria do domínio do fato, criada na Alemanha, em 1939, por Hans Welzel, teve a
finalidade de ampliar o conceito de autor. Por força dessa teoria, pode também ser
considerado autor aquele que, mesmo não realizando o núcleo do tipo, domina
finalisticamente todo o seu desenrolar. Welzel dizia que autor é o “senhor do fato”. Dessa
forma, pela teoria do domínio do fato, o autor seria o sócio-administrador que decidiu e
determinou que fossem praticados os atos necessários à supressão ou redução do tributo.
Os crimes dos incisos I a IV do art. 1º da Lei nº 8.137/90 são materiais. Assim, para que se
configurem, é indispensável a constituição definitiva do crédito tributário, nos termos da SV
24-STF:
Súmula vinculante 24: Não se tipifica crime material contra a ordem tributária,
previsto no artigo 1º, incisos I a IV, da Lei nº 8.137/90, antes do lançamento
definitivo do tributo.
O argumento utilizado pelo STF foi o de que, mesmo antes da constituição definitiva, já teria
havido o início da execução e, portanto, seria possível a investigação.
Obs: A decisão acima é polêmica e se mostra contrária a alguns precedentes anteriores do
STJ. Será necessário aguardar para ver se irá se consolidar. Por enquanto, fique atento(a)
porque poderá ser cobrada em concursos no sentido do que foi decidido.
Determinado réu foi condenado por sonegação fiscal (art. 1º, I, da Lei 8.137/90).
O STF considerou correta a sentença do juiz que, na 1ª fase da dosimetria da pena,
aumentou a pena-base com fundamento em dois argumentos:
1) Na análise das circunstâncias, o magistrado aumentou a pena sob a alegação de que o
réu omitiu seu nome do quadro societário da empresa com o objetivo de esconder que era
ele quem realmente administrava a empresa.
O STF afirmou que o ardil utilizado pelo réu (omissão do seu nome do quadro societário
da empresa) teve como objetivo acobertar sua real condição de administrador da empresa
investigada e, com isso, furtar-se de possível aplicação da lei penal. Essa omissão do nome
do réu no quadro societário não é a mesma omissão de que trata o inciso I do art. 1º.
A omissão que é elementar do tipo é a omissão para suprimir ou reduzir tributo. A
omissão do nome do réu foi para evitar que ele fosse descoberto. Logo, punir a omissão do
nome do réu não significa punir o condenado duas vezes pelo mesmo fato.
2) No exame das consequências do crime, o juiz também majorou a pena argumentando
que o crime praticado gerou um grande prejuízo ao erário (mais de 2 milhões de reais), o
que autorizaria a elevação da pena-base. Segundo entende o STF, em se tratando de
infrações penais contra a ordem tributária, a extensão do dano causado pode ser invocada
na 1ª fase da dosimetria como critério para exasperação da pena-base, sem que tanto
implique bis in idem.
STF. 2ª Turma. HC 128446/PE, Rel. Min. Teori Zavascki, julgado em 15/9/2015 (Info 799).
Caso o contribuinte/réu seja condenado por esse fato, haverá violação ao princípio da
presunção de inocência?
NÃO. Não ofende o princípio constitucional da presunção de inocência a exigência de
comprovação da origem de valores estabelecida no art. 42 da Lei n. 9.430/96.
Para o STF, o contribuinte, ao não comprovar a origem dos recursos depositados em sua
conta bancária, cria, contra si, uma presunção relativa de que houve omissão de
rendimentos, ensejando a condenação criminal.
Não há ofensa ao princípio da presunção de inocência porque se trata de um
procedimento legalmente estabelecido e disciplinado, sendo certo que ao contribuinte é
garantido o contraditório e a ampla defesa.
STF. 2ª Turma. HC 121125/PR, rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 10/6/2014 (Info 750).
38. CRIMES TRIBUTÁRIOS
38.1. Aplicação da SV 24-STF a fatos anteriores à sua edição – (Info 786) –
IMPORTANTE!!!
Não configura o crime de lavagem de dinheiro (art. 1º da Lei 9.613/98) a conduta do agente
que recebe propina decorrente de corrupção passiva e tenta viajar com ele, em voo
doméstico, escondendo as notas de dinheiro nos bolsos do paletó, na cintura e dentro das
meias.
Também não configura o crime de lavagem de dinheiro o fato de, após ter sido descoberto,
dissimular (“mentir”) a natureza, a origem e a propriedade dos valores.
STF. 1ª T. Inq 3515/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 8/10/19 (Info 955).
40.2. Não se deve reconhecer a consunção entre corrupção passiva e lavagem quando a
propina é recebida no exterior por meio de transação envolvendo offshore na qual resta
evidente a intenção de ocultar os valores – (Info 937)
Eduardo Cunha foi condenado pelos crimes de corrupção passiva, lavagem de dinheiro e
evasão de divisas, por ter solicitado e recebido dinheiro de uma empresa privada para
interferir em um contrato com a Petrobrás.
A propina teria sido acertada entre o indivíduo chamado “IC”, proprietário da empresa
beneficiada, e “JL”, ex-Diretor Internacional da Petrobrás. O pagamento foi realizado
mediante transferências para contas secretas no exterior.
O STF entendeu que não se podia reconhecer a consunção entre a corrupção passiva e a
lavagem, considerando que não houve simples pagamento da propina para interposta
pessoa, mas sim pagamento mediante utilização de contas secretas no exterior em nome de
uma offshore, de um lado, e de um trust, de outro, e da realização de transação por meio da
qual a propina foi depositada e ocultada em local seguro. Logo, ficou demonstrada da
autonomia entre os delitos.
STF. 2ª Turma. HC 165036/PR, Rel. Min. Edson Fachin, j. 9/4/19 (Info 937).
40.3. Simples fato de ter recebido a propina em espécie não configura lavagem de dinheiro
– (Info 904)
40.4. Recebimento de propina em depósitos bancários fracionados pode configurar
lavagem – (Info 904)
O mero recebimento de valores em dinheiro não tipifica o delito de lavagem, seja quando
recebido pelo próprio agente público, seja quando recebido por interposta pessoa.
STF. 2ª Turma. AP 996/DF, Rel. Min. Edson Fachin, j. 29/5/18 (Info 904).
Pratica lavagem de dinheiro o sujeito que recebe propina por meio de depósitos bancários
fracionados, em valores que não atingem os limites estabelecidos pelas autoridades
monetárias à comunicação compulsória dessas operações.
Ex: suponhamos que, na época, a autoridade bancária dizia que todo depósito acima de R$
20 mil deveria ser comunicado ao COAF; diante disso, um Deputado recebia depósitos
periódicos de R$ 19 mil para burlar essa regra. Para o STF, isso configura o crime de
lavagem. Trata-se de uma forma de ocultação da origem e da localização da vantagem
pecuniária recebida pela prática do crime antecedente.
STF. 2ª Turma. AP 996/DF, Rel. Min. Edson Fachin, j. 29/5/2018 (Info 904).
OBS:
A situação concreta foi a seguinte: O Deputado Federal Nelson Meurer (PP/PR) integrava a
cúpula do Partido Progressista (PP). Como importante figura partidária, ele exercia pressão
política junto à Presidência da República a fim de que Paulo Roberto Costa fosse mantido
como Diretor de Abastecimento da Petrobrás. Como “contraprestação” por esse apoio, o
Deputado recebia dinheiro do referido Diretor, quantia essa oriunda de contratos ilegais
celebrados pela Petrobrás. Essa prática foi revelada pelo próprio Paulo Roberto Costa em
declaração prestada no bojo de acordo de colaboração premiada. O Deputado foi denunciado
pela prática de corrupção passiva (art. 317 do CP) e também por lavagem de dinheiro (art. 1º
da Lei nº 9.613/98).
O que o STF decidiu? O STF condenou o réu pela prática dos delitos. O crime de lavagem de
dinheiro é tipificado nos seguintes termos:
Art. 1º Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição,
movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta
ou indiretamente, de infração penal.
Pena: reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e multa.
O Ministério Público apontava uma série de condutas que configurariam o crime de lavagem
de dinheiro. Inicialmente, o STF afirmou que o réu não cometeu o crime quando recebeu o
pagamento das propinas em espécie (em “dinheiro vivo”).
O mero recebimento de valores em dinheiro não tipifica o delito de lavagem,
seja quando recebido pelo próprio agente público, seja quando recebido por
interposta pessoa. STF. 2ª Turma. AP 996/DF, Rel. Min. Edson Fachin, julgado
em 29/5/2018 (Info 904).
Assim, se uma pessoa recebe propina em dinheiro, isso não significa, necessariamente, a
prática de lavagem de dinheiro.
Ex: suponhamos que, na época, a autoridade bancária dizia que todo depósito acima de R$ 20
mil deveria ser comunicado ao COAF; diante disso, o Deputado recebia depósitos periódicos
de R$ 19 mil para burlar essa regra. Para o STF, isso configura o crime de lavagem. Trata-se
de uma forma de ocultação da origem e da localização da vantagem pecuniária recebida
pela prática do crime anterior.
40.6. Culpabilidade de parlamentar que exerce mandato há muitos anos é mais intensa –
(Info 866)
40.7. Reprovabilidade do crime cometido por “homem público” é maior – (Info 866)
40.8. Pena pode ser aumentada se o crime de lavagem envolveu grandes somas de valores –
(Info 866)
40.9. Pena pode ser aumentada se a lavagem de dinheiro ocorreu por meio de várias
transações financeiras envolvendo diversos países – (Info 866)
Configura o crime do art. 1º, III, do DL 201/67, a conduta do Prefeito que utiliza verbas
oriundas do Fundo Nacional de Saúde (vinculadas a determinado programa de saúde)
para o pagamento de débitos da Secretaria Municipal de Saúde junto ao instituto de
previdência do Município.
O delito previsto no art. 1º, III, do DL 201/1967 consiste em o administrador público
aplicar verba pública em destinação diversa da prevista em lei. Não se trata, portanto, de
desviar em proveito próprio.
Para a configuração deste crime, é irrelevante verificar se houve, ou não, efetivo prejuízo
para a Administração Pública.
STF. 1ª Turma. AP 984/AP, Rel. Min. Roberto Barroso, j. 11/6/2019 (Info 944).
OBS:
A situação concreta, segundo a denúncia do MP, foi a seguinte: Em 2011, Roberto Góes, então
Prefeito de Macapá (AP), e dois de seus Secretários Municipais, aplicaram indevidamente
verbas públicas no montante de R$ 858 mil, oriundas do Fundo Nacional de Saúde
(vinculadas ao Programa DST/AIDS), para pagamento de débitos da Secretaria Municipal de
Saúde junto à Macapá Previdência (Macaprev). Em outras palavras, as verbas que seriam
para um programa de saúde foram utilizadas para pagamento de dívidas da Secretaria com o
instituto de previdência do Município.
Qual foi o crime, em tese, praticado pelo Prefeito e os Secretários? O delito previsto no art.
1º, III, do Decreto-Lei 201/67:
Art. 1º São crimes de responsabilidade dos Prefeitos Municipal, sujeitos ao
julgamento do Poder Judiciário, independentemente do pronunciamento da
Câmara dos Vereadores: (...)
III - desviar, ou aplicar indevidamente, rendas ou verbas públicas; (...)
§1º Os crimes definidos nêste artigo são de ação pública, punidos os dos itens I e
II, com a pena de reclusão, de dois a doze anos, e os demais, com a pena de
detenção, de três meses a três anos.
O Decreto-Lei 201/67 é um ato normativo com status de lei ordinária e que prevê, em seu art.
1º, uma lista de crimes cometidos por Prefeitos no exercício de suas funções. O DL 201/67
traz também regras de processo penal que deverão ser aplicadas quando ocorrerem os crimes
ali previstos. Vale ressaltar, mais uma vez, que o DL 201/67 foi recepcionado pela CF/88
como lei ordinária (Súmula 496 do STF).
O art. 1º prevê realmente crimes de responsabilidade? NÃO. O art. 1º afirma que os delitos
nele elencados são “crimes de responsabilidade”. Apesar de ser utilizada essa nomenclatura,
a doutrina e a jurisprudência “corrigem” o legislador e afirmam que, na verdade, esses
delitos são crimes comuns, ou seja, infrações penais iguais àquelas tipificadas no Código
Penal e em outras leis penais. Desse modo, o que o art. 1º traz são crimes funcionais
cometidos por Prefeitos. Vale ressaltar que os crimes de responsabilidade (em sentido
estrito) dos Prefeitos estão previstos no art. 4º do DL 201/67. É nesse dispositivo que estão
definidas as infrações político-administrativas dos alcaides. Nesse sentido: STF. Plenário. HC
70671, Rel. Min. Carlos Velloso, j. 13/04/1994.
Bem jurídico protegido pelos tipos do art. 1º: O patrimônio da Administração Pública e a
moralidade administrativa.
Sujeito ativo: Trata-se de crime próprio, uma vez que somente pode ser praticado pelo
Prefeito (ou por quem esteja no exercício desse cargo, como o Vice-Prefeito ou o Presidente
da Câmara de Vereadores).
Se o sujeito comete o crime do art. 1º do DL 201/67, mas termina seu mandato sem que ele
seja denunciado, é possível que ele responda pelo delito mesmo não sendo mais Prefeito?
Claro que sim. Existem dois enunciados afirmando isso:
Súmula 164-STJ: O prefeito municipal, após a extinção do mandato, continua
sujeito a processo por crime previsto no art. 1º do Dec. lei n. 201, de 27/02/67.
Súmula 703-STF: A extinção do mandato do Prefeito não impede a instauração
de processo pela prática dos crimes previstos no art. 1º do DL 201/67.
Julgamento pelo STF: Roberto Góes deixou a prefeitura e assumiu o cargo de Deputado
Federal em 2015. O MP ofereceu denúncia contra Roberto Góes pelo delito acima explicado e,
em 2016, o STF recebeu a peça acusatória do Parquet. Por que a denúncia foi recebida pelo
STF? Porque, nesta época, Roberto Góes já havia deixado o cargo de Prefeito e tinha sido
eleito Deputado Federal (art. 102, I, “b”, da CF/88). Com isso, o STF recebeu a denúncia e
passou a realizar a instrução do processo.
Decisão do STF restringindo o foro por prerrogativa de função: Ocorre que, em maio de 2018,
o STF decidiu restringir o foro por prerrogativa apenas para os crimes cometidos durante o
exercício do mandato e que tenham relação com ele. Foi fixada a seguinte tese:
O foro por prerrogativa de função aplica-se apenas aos crimes cometidos
durante o exercício do cargo e relacionados às funções desempenhadas. STF.
Plenário. AP 937 QO/RJ, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 03/05/2018
(Info 900).
Essa tese foi definida na sessão de julgamento do dia 03/05/18. Ocorre que havia centenas de
inquéritos e processos criminais tramitando no STF envolvendo autoridades com foro por
prerrogativa de função. Um desses processos era o de Roberto Góes. Daí surgiu a dúvida:
essa tese já se aplica imediatamente para esses processos? SIM. O STF decidiu que essa tese
interpretativa deveria ser aplicada imediatamente aos inquéritos e processos em curso.
O que significou isso, na prática? A assessoria dos Ministros fez o levantamento de todos os
inquéritos e processos envolvendo autoridades e que estavam tramitando no Tribunal. Em
seguida, foram analisados se os crimes imputados às autoridades estavam ou não
relacionados com as suas funções.
• Se o processo estivesse relacionado com as funções e a autoridade ainda
estivesse no cargo: o feito permanecia no STF para ser julgado pelo Tribunal.
Ex: processo envolvendo um Senador que teria recebido vantagem indevida
para votar de acordo com os interesses de um grupo econômico. Isso porque,
neste caso, a situação se amolda à tese fixada pelo STF.
• Se o processo não estivesse relacionado com as funções ou a autoridade não
mais estivesse no cargo: neste caso, o feito foi remetido para ser julgado pelo
juízo de 1ª instância. Ex: processo envolvendo um Deputado Federal que teria
praticado crime funcional na época em que era Prefeito. Essa situação não se
amolda à tese fixada porque o crime não está relacionado com as funções de
Deputado Federal. Logo, não existe aqui foro por prerrogativa de função,
devendo o réu ser julgado em 1ª instância.
O processo de Roberto foi, então, remetido para a 1ª instância? NÃO. Ele continuou no STF.
Explico o motivo. Na sessão do dia 03/05/18, o STF, além da restrição acima explicada,
também fixou uma segunda tese, dizendo o seguinte:
Após o final da instrução processual, com a publicação do despacho de
intimação para apresentação de alegações finais, a competência para processar
e julgar ações penais não será mais afetada em razão de o agente público vir a
ocupar outro cargo ou deixar o cargo que ocupava, qualquer que seja o
motivo. STF. Plenário. AP 937 QO/RJ, Rel. Min. Roberto Barroso, j. 03/05/2018.
Entendido o motivo pelo qual o STF julgou o crime mesmo ele tendo sido praticado antes do
mandato de Deputado Federal. Mas agora queremos saber o que o STF decidiu quanto ao
mérito. O réu foi condenado? SIM. Por maioria de votos, a 1ª Turma do STF condenou o réu
pelo delito do art. 1º, III, do Decreto-Lei 201/67. Apesar disso, ficou constatada a prescrição
em razão do tempo transcorrido entre a aceitação da denúncia e a condenação.
Conduta narrada subsome-se ao crime do art. 1º, III, do DL 201/67: A conduta narrada na
denúncia se amolda, com precisão, ao tipo previsto no inciso III do art. 1º do DL 201/1967.
Para o STF, os elementos probatórios produzidos na instrução processual demonstram que
o réu, com plena consciência da ilicitude dos seus atos, atuou na forma descrita na peça
acusatória, ausentes as causas de exclusão da ilicitude ou da culpabilidade.
Crime do art. 1º, III, do DL 201/67 não envolve desviar recursos em proveito próprio : O crime
previsto no art. 1º, III, do DL 201/1967 consiste em o administrador público aplicar verba
pública em destinação diversa da prevista em lei. Não se trata, portanto, de desviar em
proveito próprio. Para a configuração deste crime, é irrelevante verificar se houve, ou não,
efetivo prejuízo para a Administração Pública.
Dolo: O STF entendeu que era evidente o conhecimento do fato pelo ex-Prefeito, que
assinou a ordem de pagamento para a transferência, a demonstrar domínio do fato e o
poder de gestão dos recursos efetivamente empregados em finalidade diversa da
estabelecida por lei. Observou que, na véspera da referida transferência, houve uma
reunião com os corréus na qual foi decidida a destinação das verbas. Ressalte-se que um
deles até mesmo declarou que o parlamentar sabia da operação ilegal descrita na denúncia.
Ademais, no mesmo dia da citada reunião, foi enviado ofício do Gabinete da Secretaria
Municipal de Saúde, que fez remissão à “determinação superior” e encaminhou à Secretaria
Municipal de Finanças a relação das contas referentes às transferências “fundo a fundo”, para
que fosse processada a imediata centralização dessas contas em uma única conta.
41.2. Para a configuração do delito do art. 1º, XIV, é indispensável a inequívoca ciência do
Prefeito – (Info 802)
O art. 1º, XIV, do DL 201/67 prevê que o Prefeito pratica crime quando nega execução a lei
federal, estadual ou municipal, ou deixa de cumprir ordem judicial, sem dar o motivo da
recusa ou da impossibilidade, por escrito, à autoridade competente.
Vale ressaltar, no entanto, que, segundo entende o STF, para a configuração do delito em
tela é indispensável que o MP comprove a inequívoca ciência do Prefeito a respeito da
ordem judicial.
Ex: em Joinville (SC), o juiz expediu ordem judicial determinando que o Município se
abstivesse de praticar determinado ato administrativo. A ordem judicial foi endereçada à
Procuradoria do Município. Mesmo após a intimação ser efetivada, o ato administrativo
questionado foi praticado. Diante disso, o Ministério Público ofereceu denúncia contra o
Prefeito, imputando-lhe a prática do crime previsto no art. 1º, XIV, do DL 201/67. O STF
absolveu o réu. Segundo entenderam os Ministros, não foram produzidas provas de que o
réu tenha tido conhecimento da ordem judicial ou que tenha concorrido para seu
descumprimento. Para configuração do delito em tela, é indispensável que o MP
comprove a inequívoca ciência do Prefeito a respeito da ordem judicial, não sendo
suficiente que a determinação judicial tenha sido comunicada a terceiros. Para que o
Prefeito pudesse ser responsabilizado criminalmente, seria indispensável a sua intimação
pessoal.
STF. 1ª Turma. AP 555/SC, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 6/10/2015 (Info 802).
O crime do art. 1º, I, do Decreto-Lei 201/1967 é próprio, somente podendo ser praticado
por prefeito, admitida, porém, a participação, nos termos do art. 29 do CP.
Ex: Deputado Federal apresentou emenda parlamentar ao orçamento da União
autorizando o repasse de recursos para o Município “X”, verba destinada à aquisição de
uma ambulância. O recurso foi transferido, foi realizada a licitação, mas o certame foi
direcionado em favor de determinada empresa que superfaturou o preço. Ficou
demonstrado que o Prefeito, o Deputado e os donos da empresa vencedora estavam em
conluio para a prática dessa conduta. Desse modo, todos eles irão responder pelo delito do
art. 1º, I, do DL 201/67.
STF. 2ª Turma. Inq 3634/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 2/6/15 (Info 788).
43.2. Natureza hedionda do estupro e do antigo atentado violento ao pudor – (Info 835)
Os crimes de estupro e atentado violento ao pudor, mesmo que cometidos antes da edição
da Lei 12.015/09, são considerados hediondos, ainda que praticados na forma simples.
Em outras palavras, seja antes ou depois da Lei 12.015/09, toda e qualquer forma de
estupro (ou atentado violento ao pudor) é considerada crime hediondo, sendo irrelevante
que a prática de qualquer deles tenha causado, ou não, lesões corporais de natureza grave
ou morte.
STF. 1ª T. HC 100612/SP, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o acórdão Min. Roberto
Barroso, j. 16/8/16 (Info 835).
OBS:
Atualmente, o crime de estupro simples (art. 213, caput, do CP) e de estupro de vulnerável
são considerados hediondos? SIM. Isso está previsto expressamente no art. 1º, V e VI, da Lei
8.072/90:
Art. 1º São considerados hediondos os seguintes crimes, todos tipificados no
Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, consumados ou
tentados: (...)
V - estupro (art. 213, caput e §§ 1º e 2º); (Redação dada pela Lei nº 12.015/2009)
VI - estupro de vulnerável (art. 217-A, caput e §§ 1º, 2º, 3º e 4º); (Redação dada
pela Lei nº 12.015/2009)
Não se pode exigir do assessor jurídico conhecimento técnico de todas as áreas e não
apenas do Direito. No processo licitatório, não compete à assessoria jurídica averiguar se
está presente a causa de emergencialidade, mas apenas se há, nos autos, decreto que a
reconheça. Sua função é zelar pela lisura sob o aspecto formal do processo, de maneira a
atuar como verdadeiro fiscal de formalidades, somente.
Assim, a assinatura do assessor jurídico na minuta do contrato serve de atestado do
cumprimento de requisitos formais, e não materiais.
STF. 2ª T. HC 171576/RS, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 17/9/19 (Info 952).
44.2. Ausência do crime do art. 89 em conduta de Secretário de Estado que compra, sem
licitação, livros didáticos escolhidos por equipe técnica, de fornecedor exclusivo, sem
sobrepreço – (Info 913)
Não comete o crime do art. 89 da Lei nº 8.666/93 Secretária de Educação que faz
contratação direta, com base em inexigibilidade de licitação (art. 25, I), de livros didáticos
para a rede pública de ensino, livros esses que foram escolhidos por equipe técnica
formada por pedagogos, sem a sua interferência. Vale ressaltar que havia comprovação,
por meio de carta de exclusividade emitida por entidade do setor, de que a empresa
contratada era a única fornecedora dos livros na região.
Além disso, não houve demonstração de sobrepreço.
Diante dessas circunstâncias, o STF absolveu a ré por ausência de “dolo específico”
(elemento subjetivo especial).
STF. Plenário. AP 946/DF, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 30/8/18 (Info 913).
OBS:
Administrador inábil ≠ administrador ímprobo: Para a responsabilização penal do
administrador público com base no art. 89 da Lei de Licitações (norma penal em branco),
cumpre analisar se foram violados os pressupostos de dispensa ou inexigibilidade de
licitação previstos nos arts. 24 e 25 da Lei, bem como se houve vontade livre e consciente de
violar a competição e de produzir resultado lesivo ao patrimônio público. Tal compreensão
busca distinguir o administrador probo que, sem má-fé, agindo com culpa, aplica
equivocadamente a norma de dispensa ou inexigibilidade de licitação, daquele que afasta a
concorrência de forma deliberada, sabendo-a imperiosa, com finalidade ilícita.
Acusada não interferiu na escolha dos livros: Segundo observou o Min. Relator dos
embargos, a acusada não interferiu na escolha dos livros que foram adquiridos, tendo eles
sido selecionados por uma equipe técnica formada por pedagogos. Não há também
qualquer prova de que a ré tenha manifestado preferência por qualquer uma das obras,
editoras ou distribuidoras específicas. Não há qualquer vínculo entre a Deputada e os sócios
das empresas contratadas nem qualquer indício de acerto prévio entre eles. Ademais, a
escolha dos livros ideais para alcançar os objetivos do programa governamental em questão é
matéria circunscrita ao mérito do ato administrativo. Desse modo, a seleção do melhor
material didático não está vinculada a critérios estritamente objetivos sobre os quais o Poder
Judiciário possa exercer controle jurisdicional.
Formalidades foram atendidas: As etapas necessárias para a declaração de inexigibilidade
de licitação por inviabilidade de competição foram cumpridas conforme exige a lei e não
ficou demonstrado o “dolo específico” da acusada para favorecer empresas e lesar o
Estado, o que afasta o enquadramento da conduta como crime.
Carta de exclusividade: A empresa que foi contratada apresentou, na época, uma “carta de
exclusividade” na qual informa haver uma divisão regional de atuação entre os
concorrentes e que, naquela localidade, somente ela poderia comercializar os livros. Isso
justifica a inexigência de licitação com base no art. 25, I, da Lei nº 8.666/93:
Art. 25. É inexigível a licitação quando houver inviabilidade de competição, em
especial:
I - para aquisição de materiais, equipamentos, ou gêneros que só possam ser
fornecidos por produtor, empresa ou representante comercial exclusivo, vedada
a preferência de marca, devendo a comprovação de exclusividade ser feita
através de atestado fornecido pelo órgão de registro do comércio do local em
que se realizaria a licitação ou a obra ou o serviço, pelo Sindicato, Federação ou
Confederação Patronal, ou, ainda, pelas entidades equivalentes;
Vale ressaltar que essa prática (“carta de exclusividade”) é reconhecida como lícita pelo
Tribunal de Contas da União desde que emitida por entidade idônea vinculada ao setor de
mercado respectivo. No caso concreto, a carta de exclusividade foi emitida pela Câmara
Brasileira do Livro.
Compatibilidade dos preços: Outro ponto ressaltado é que os preços contratados são
compatíveis com aqueles praticados no mercado, não havendo provas de que tenha havido
sobrepreço (superfaturamento).
Faltou dolo: Assim, no caso concreto, o STF entendeu que não restou demonstrado o “dolo
específico” (elemento subjetivo especial) na conduta da ré. Em outras palavras, não ficou
provado que ela agiu com o intuito de beneficiar as empresas contratadas nem que tenha
agido com o objetivo de lesar o erário.
44.3. Aspectos importantes sobre o crime do art. 89 da Lei de Licitações – (Info 891) –
IMPORTANTE!!!
Elemento subjetivo
Para a configuração da tipicidade subjetiva do crime previsto no art. 89 da Lei 8.666/93,
exige-se o especial fim de agir, consistente na intenção específica de lesar o erário ou obter
vantagem indevida.
CONTRATAÇÃO DIRETA
A Lei de Licitações e Contratos prevê três grupos de situações em que a contratação ocorrerá
sem licitação prévia. Trata-se das chamadas licitações dispensadas, dispensáveis e
inexigíveis. Vejamos o quadro comparativo abaixo:
Dispensada Dispensável Inexigível
Art. 17 Art. 24 Art. 25
Rol taxativo Rol taxativo Rol exemplificativo
A lei determina a não A lei autoriza a não Como a licitação é uma
realização da licitação, realização da licitação. disputa, é indispensável que
obrigando a contratação Mesmo sendo dispensável, a haja pluralidade de objetos e
direta. Administração pode decidir pluralidade de ofertantes
realizar a licitação para que ela possa ocorrer.
(discricionariedade). Assim, a lei prevê alguns
casos em que a
inexigibilidade se verifica
porque há impossibilidade
jurídica de competição.
Ex.: quando a Ex.: compras de até R$ 8 mil. Ex.: contratação de artista
Administração Pública consagrado pela crítica
possui uma dívida com o especializada ou pela opinião
particular e, em vez de pública para fazer o show do
pagá-la em espécie, aniversário da cidade.
transfere a ele um bem
público desafetado, como
forma de quitação do
débito. A isso chamamos
de dação em pagamento
(art. 17, I, "a").
44.5. Administrador que contrata empresa para reforma de ginásio sem situação de
emergência e que depois faz aditivo para ampliar o objeto pratica, em tese, os delitos dos
arts. 89 e 92 – (Info 859)
Determinado Deputado Federal, na época em que era Secretário de Estado, contratou, sem
licitação, empresa para a realização de obras emergenciais em um ginásio. Depois de o
contrato estar assinado, o Secretário celebrou termo aditivo com a empresa para que ela
fizesse a demolição e reconstrução das instalações do ginásio.
O parlamentar foi denunciado pelos crimes dos arts. 89 e 92 da Lei nº 8.666/93.
Algumas conclusões do STF no momento do recebimento da denúncia:
1) A declaração de emergência feita por Governador do Estado, por si só, não caracteriza
situação que justifique a dispensa de licitação;
Art. 65, §1º (vedação à ampliação contratual acima de 50% do valor original do contrato)
Art. 65 (...)
§ 1º O contratado fica obrigado a aceitar, nas mesmas condições contratuais, os
acréscimos ou supressões que se fizerem nas obras, serviços ou compras, até
25% (vinte e cinco por cento) do valor inicial atualizado do contrato, e, no caso
particular de reforma de edifício ou de equipamento, até o limite de 50%
(cinquenta por cento) para os seus acréscimos.
44.6. O crime do art. 89 da Lei 8.666/93 exige dano ao erário? Critérios para verificação
judicial da viabilidade da denúncia pelo art. 89 – (Info 856) - (TJSE-2015)
O crime do art. 89 da Lei 8.666/93 exige resultado danoso (dano ao erário) para se
consumar?
1ª corrente: SIM. Posição do STJ e da 2ª Turma do STF.
O objetivo do art. 89 não é punir o administrador público despreparado, inábil, mas sim o
desonesto, que tinha a intenção de causar dano ao erário ou obter vantagem indevida. Por
essa razão, é necessário sempre analisar se a conduta do agente foi apenas um ilícito civil
e administrativo ou se chegou a configurar realmente crime.
Deverão ser analisados três critérios para se verificar se o ilícito administrativo configurou
também o crime do art. 89:
1º) existência ou não de parecer jurídico autorizando a dispensa ou a inexigibilidade. A
existência de parecer jurídico é um indicativo da ausência de dolo do agente, salvo se
houver circunstâncias que demonstrem o contrário.
3º) a denúncia deverá descrever o vínculo subjetivo entre os agentes. Assim, a imputação
do crime definido no art. 89 da Lei 8.666/93 a uma pluralidade de agentes exige a descrição
da existência de vínculo subjetivo entre os participantes para a obtenção do resultado
criminoso. Não basta que a denúncia narre o ato administrativo formal eivado de
irregularidade.
STF. 1ª Turma. Inq 3674/RJ, Rel. Min. Luiz Fux, j. 7/3/2017 (Info 856).
OBS: A Lei de Licitação (Lei nº 8.666/93) prevê alguns tipos penais. O art. 89 tipifica como
crime a dispensa ou inexigibilidade indevida de licitação. Veja:
Art. 89. Dispensar ou inexigir licitação fora das hipóteses previstas em lei, ou
deixar de observar as formalidades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade:
Pena — detenção, de 3 (três) a 5 (cinco) anos, e multa.
Parágrafo único. Na mesma pena incorre aquele que, tendo comprovadamente
concorrido para a consumação da ilegalidade, beneficiou-se da dispensa ou
inexigibilidade ilegal, para celebrar contrato com o Poder Público.
Tipo subjetivo: Para a configuração da tipicidade subjetiva do crime previsto no art. 89 da Lei
8.666/93, exige-se o especial fim de agir, consistente na intenção específica de lesar o erário
ou obter vantagem indevida. Esse entendimento é pacífico na jurisprudência do STF e STJ:
Para a caracterização da conduta tipificada no art. 89 da Lei 8.666/1993, é
indispensável a demonstração, já na fase de recebimento da denúncia, do
elemento subjetivo consistente na intenção de causar dano ao erário ou obter
vantagem indevida. STF. 2ª T. Inq 3965, Rel. Min. Teori Zavascki, j. 22/11/2016.
Para que haja a condenação pelo crime do art. 89 da Lei nº 8.666/93, exige-se a
demonstração de que houve prejuízo ao erário e de que o agente tinha a finalidade
específica de favorecimento indevido.
Assim, mesmo que a decisão de dispensa ou inexigibilidade da licitação tenha sido
incorreta, isso não significa necessariamente que tenha havido crime, sendo necessário
analisar o prejuízo e o dolo do agente.
STF. 2ª Turma. Inq 3731/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 2/2/2016 (Info 813).
OBS:
A jurisprudência do STF, ao interpretar o art. 89 da Lei 8666/93, exige a demonstração do
prejuízo ao erário e a finalidade específica de favorecimento indevido para reconhecer a
adequação típica.
O objetivo desse entendimento é separar os casos em que ocorre interpretação equivocada
das normas, ou mesmo puro e simples erro do administrador daqueles em que a dispensa
buscara efetivo favorecimento dos agentes envolvidos.
As provas constantes dos autos não demonstram que a denunciada tenha agido com intenção
de causar prejuízo ao erário ou favorecer a empresa contratada. Não há elementos que
indiquem que a denunciada tenha pessoalmente exercido influência na escolha.
Em princípio, a denunciada agiu com a crença de que a contratação seria conveniente e
adequada e de que a licitação seria inexigível de acordo com os critérios jurídicos.
Por fim, não se vislumbrou elementos suficientes a indicar vontade de causar prejuízo ao
erário ou favorecer a contratada.
O STF julgou denúncia contra ex-prefeito pela prática do delito previsto no art. 89 da Lei
n. 8.666/93.
Para ser válida, a contratação direta de escritório de advocacia por inexigibilidade de
licitação precisa atender aos seguintes requisitos:
a) é necessário que se instaure um procedimento administrativo formal;
b) deverá ser demonstrada a notória especialização do profissional a ser contratado;
c) deverá ser demonstrada a natureza singular do serviço;
d) deverá ser demonstrado que é inadequado que o serviço a ser contratado seja prestado
pelos integrantes do Poder Público (no caso, pela PGM); e
e) o preço cobrado pelo profissional contratado deve ser compatível com o praticado pelo
mercado.
Sendo cumpridos esses requisitos, não há que se falar em crime do art. 89 da Lei n.
8.666/93.
STF. 1ª Turma. Inq 3074/SC, Rel. Min. Roberto Barroso, j. 26/8/14 (Info 756).
Art. 327. As penas cominadas nos artigos 324, 325 e 326, aumentam-se de um
terço, se qualquer dos crimes é cometido: (...)
III - na presença de várias pessoas, ou por meio que facilite a divulgação da
ofensa.
Por que a denúncia foi oferecida pelo Ministério Público (e não pelo suposto ofendido)?
Porque os crimes eleitorais (inclusive os delitos eleitorais contra a honra) são de ação penal
pública incondicionada, conforme prevê o art. 355 do CE, sendo desnecessária
representação do ofendido para que o Ministério Público ofereça a denúncia. Veja a
redação legal:
Art. 355. As infrações penais definidas neste Código são de ação pública.
O réu foi condenado ou absolvido pelo Plenário do STF? Absolvido. O Plenário do STF
absolveu o Deputado da acusação de calúnia eleitoral. Ademais, o depoimento da vítima –
sujeito passivo direto dos crimes contra a honra – assume papel de relevância, porquanto é o
titular do bem jurídico protegido pela norma criminalizadora. No caso, a suposta vítima
pronunciou-se nos autos expressando que tudo não passou de querela, inerente ao calor do
debate eleitoral, e que seus efeitos se exauriram naquele contexto, sem sofrer qualquer
ofensa a sua honra pessoal. Consectariamente, não há prova segura da materialidade da
conduta.
Suposto ofendido não se sentiu ofendido: O Min. Rel. Luiz Fux afirmou que o suposto
ofendido, Teotônio Vilela Filho, na qualidade de assistente da acusação, juntou petição
aos autos pedindo a absolvição de Lessa alegando que “as afirmações do réu não lhe foram
pessoalmente ofensivas”. A suposta vítima afirmou que o episódio “não passou de querela,
inerente ao calor da campanha; que seus efeitos se exauriram naquele contexto, sem que
tenha soçobrado ofensa alguma à sua honra pessoal”.
Ausência de lesividade da conduta: Para configurar o delito de calúnia, é necessária a
comprovação da lesividade da conduta. Como o suposto atingido afirma não ter se ofendido
com as declarações, não há prova da materialidade da conduta delituosa. Além disso, o réu,
cujo comitê fora invadido, teria dito suspeitar do governo, mas de forma genérica, sem
imputar especificamente a conduta a Teotônio Vilela Filho. A maior parte da gravação da
entrevista é inaudível, ou seja, não dá para entender o que o réu falou. O único trecho audível
da gravação da entrevista contraria a versão que foi publicada pelo jornal. “O simples fato de o
acusado ter se referido, na parte audível da entrevista gravada, ao ‘governo’ como maior suspeito, não
permite deduzir que a imputação do fato criminoso foi feita, especificamente, ao então governador do
estado, Teotônio Vilela”, afirmou o Ministro Dias Toffoli. A prova da lesividade da conduta há
de ser aferida no curso da ação penal, perquirindo-se, sob o crivo do contraditório e da ampla
defesa, a configuração ou não da materialidade delitiva, acima de dúvida razoável.
47. PEDERASTIA
47.1. Inconstitucionalidade das expressões que mencionem homossexualismo (Info 805)
O tipo penal do art. 235 do CPM continua sendo crime mesmo com a CF/88. No entanto,
devem ser consideradas incompatíveis com a CF/88 as expressões empregadas que falem
em homossexualismo. Isso porque o crime em tela se configura tanto quando o militar
pratica relação sexual com alguém do mesmo sexo, como também de sexo diferente, não
devendo haver distinção de tratamento.
Assim, as expressões “pederastia ou outro” — mencionada na rubrica enunciativa
referente ao art. 235 do CPM — e “homossexual ou não” — contida no aludido dispositivo
— não foram recepcionadas pela CF/88.
STF. Plenário. ADPF 291/DF, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 28/10/2015 (Info 805).
STF. 2ª Turma. RHC 125566/PR e HC 127926/SC, Rel. Min. Dias Toffoli, j. 26/10/16 (Info
845).
49.2. Transmitir sinal de internet como provedor sem autorização da ANATEL configura o
crime do art. 183 da Lei nº 9.472/97? – (Info 883) – Atenção! Concursos Federais!
STF: NÃO. A oferta de serviço de internet é concebida como serviço de valor adicionado e,
portanto, não pode ser considerada como atividade clandestina de telecomunicações, não
caracterizando o crime do art. 183 da Lei nº 9.472/97. Foi o que decidiu a 1ª Turma do STF
no HC 127978, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 24/10/17 (Info 883).
STF. 1ª Turma. HC 127978, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 24/10/17 (Info 883).
OBS:
Art. 183. Desenvolver clandestinamente atividades de telecomunicação:
Pena - detenção de dois a quatro anos, aumentada da metade se houver dano a
terceiro, e multa de R$ 10.000,00 (dez mil reais).
O fato de o paciente não mais integrar as fileiras das Forças Armadas não tem qualquer
relevância sobre o prosseguimento da ação penal pelo delito tipicamente militar de
abandono do posto, visto que ele, no tempo do crime, era militar da ativa.
STF. 2ª Turma. HC 130793, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 02/08/2016.