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O problema do conhecimento na Introdução da Fenomenologia do

Espírito de Hegel

Na Introdução à Fenomenologia do Espírito, o pensamento de Hegel parece


estar de maneira embrionária, de modo que ela faz parte integrante da obra, como
disse Jean Hyppolite, em seu livro Gênese e Estrutura da Fenomenologia do
Espírito de Hegel. Assim, seu estudo permite uma primeira aproximação do sentido
da obra de Hegel. No presente texto, no entanto, pretendo abordar apenas, em linhas
gerais, o problema do conhecimento que nos alerta Hegel.

No começo da Introdução à Fenomenologia do Espírito, Hegel define o


problema do conhecimento como sendo o procedimento da filosofia que, antes de
abordar o conhecimento, procura examinar e determinar o que é o conhecimento.
Em outras palavras, o problema do conhecimento é o procedimento de qualquer
filosofia que pretenda ser uma teoria do conhecimento, isto é, uma filosofia que trata
do saber antes do saber. Tal filosofia é duramente criticada pelo filósofo.

Todavia, Hegel parece reconhecer que há certa prudência em tal


procedimento, visto que pode haver diversos tipos de conhecimento, alguns
melhores do que outros para a obtenção da verdade, e que este conhecimento, sem
uma determinação mais exata de sua natureza e de seus limites, poderia nos levar ao
erro. Mas, na verdade, ele acredita que é um equívoco pensar que é preciso examinar
esse instrumento ou esse médium que constitui o saber.

Pois, se o conhecimento, por um lado, é um instrumento, o objeto aparecerá


modificado pelo instrumento, e se o conhecimento, por outro lado, é um meio, o
objeto será transmitido segundo a natureza desse meio. E, se tentarmos remediar
essa situação, descontando no objeto a contribuição do instrumento ou do meio, o
objeto fica do mesmo jeito que estava antes.

Em outras palavras, se considerarmos o conhecimento como um instrumento


ou um meio para se obter o absoluto, este nunca seria apreendido como é em si
mesmo, pois tanto o instrumento como o meio apreendem o absoluto de maneira
alterada ou distorcida. Este cuidado com o conhecimento, portanto, constituiria um
contra-senso conceitual, pois todo empreendimento com pretensão de obter o
absoluto em si mesmo jamais teria sucesso, a não ser que abdicasse tal pretensão.

Essa perspectiva do conhecimento, Hegel nos diz, tem uma série de


pressupostos dos quais convém desconfiar, como o medo do erro que mobiliza essa
busca por uma segurança do que seja o conhecimento, porém talvez este medo do
erro já seja o próprio erro. Se o saber é representado com instrumento e meio, isso
pressupõe que o sujeito do saber e seu objeto se encontrem separados. E pressupõe
que, estando tudo fora do absoluto, o conhecimento seja verdadeiro. Disso, conclui
Hegel, o medo do erro é, na verdade, medo da verdade.

No entanto, inserir uma desconfiança nessa desconfiança possibilitaria como


que uma rota alternativa para fugir desse problema, pois assim veríamos que esse
medo do erro é o próprio erro. Para Hegel, não existe uma linha separando o sujeito
do objeto, ou o absoluto da verdade, porque tal separação nos faria acreditar que o
medo de errar é o medo da verdade.

A verdade, diz Hegel, não está fora ou separada do absoluto, pois o absoluto
não é distinto do conhecimento, de modo que só o absoluto é verdadeiro, ou só o
verdadeiro é absoluto.

No entanto, o conhecimento, enquanto instrumento ou meio para se alcançar


o absoluto, separa o sujeito e o objeto, de modo que não existe, por essa via,
possibilidade de haver conhecimento do absoluto. Só é possível conhecimento do
absoluto caso seja pressuposto que existe uma identidade entre o sujeito e o objeto, e
que o absoluto já esteja desde o início na consciência comum, pois se esta estivesse
fora do absoluto, não poderia atingi-lo.

Embora Hegel tenha criticado duramente esse ponto de vista da consciência


comum, que supõe a distinção entre o sujeito e o objeto, ele aponta que é preciso
adotar esse ponto de vista, pois o saber da consciência comum conduz
necessariamente ao saber absoluto.
Não seria possível começar pelo saber absoluto, rejeitando as posições
diferentes. Segundo Hegel, tais posições são momentos pelos quais a consciência
comum passa para alcançar o saber absoluto, mas que não devem vir do exterior, e
sim experimentadas pela própria consciência comum, que deve refletir por si mesma
tais experiências, e assim verá transformar-se seu objeto e a si mesma. Desse modo,
a reflexão será uma história dessa consciência.

Hegel quer conduzir a consciência comum do saber empírico ao saber


filosófico, da certeza sensível ao saber absoluto. A consciência comum,
desconfiando do medo do erro, passa a percorrer um legítimo caminho da dúvida,
uma dúvida diferente daquela da filosofia que faz apenas teoria do conhecimento,
uma dúvida semelhante àquela que os gregos praticavam, isto é, semelhante ao
ceticismo antigo, que difere do ceticismo moderno, que se limita a questionar, de
modo geral, apenas a metafísica, enquanto deixa as certezas do senso comum como
que sólidas e inabaláveis.

Ao contrário, são justamente essas certezas do senso comum que devem ser
abaladas, as certezas do saber sensível, do mundo empírico, que ainda fundamenta-
se na perspectiva que separa o sujeito e o objeto.

Esse caminho da dúvida, diz Hegel, pode ser considerado um caminho do


desespero. Pois, não são apenas as certezas teóricas que estão sendo postas à prova.
Hegel amplia a noção de experiência, não mais se restringindo somente à
experiência teorética, mas abarcando a experiência ética, jurídica e religiosa. Desse
modo, quando se perde uma certeza, perde-se não apenas uma certeza teorética, mas
se perde sua própria visão da vida, sua intuição do mundo.

Por isso, diz Hegel, este caminho é o do desespero. Todavia, a perda dessa
certeza, desse saber fenomênico, não é uma perda que resulta num nada abstrato,
mas num nada com conteúdo, isto é, quando se perde uma certeza, surge então uma
verdade, a verdade de que aquela certeza era apenas uma ilusão que se dissolveu.
Em outras palavras, o erro superado é um momento da verdade.

Percorrendo esse caminho, desconhecendo o seu avanço em direção à meta,


passando por cada uma de suas figuras, que são momentos do absoluto, a
consciência comum, que experimentou ela mesma cada uma dessas etapas, não
aceitando a imposição externa, duvidando, gradualmente, de suas certezas, que caem
uma a uma, chega finalmente ao término do caminho, que é o saber absoluto, o qual,
ao mesmo tempo em que é saber do objeto é saber de si, e ao mesmo tempo em que
é saber de si é saber do objeto.

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