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1. Aspectos da escola
filosofia contratada, cuja atuação na escola possui mais de dez anos, conforme a mesma nos
informou1. Realizar um estágio dessa amplitude temporal foi importante por nos dar uma
dimensão da evolução do percurso escolar por parte dos alunos e das dificuldades recorrentes
encontradas pelos professores. Buscamos nesse relatório trazer alguns desses aspectos à luz de
1978, foi dividida em duas unidades, a da Praça Roosevelt, e da Aclimação, na rua Pires da
Mota. Ela não, é de fato, uma má escola. Localizada no coração do bairro da Aclimação, no
Estadual Caetano de Campos conta com aproximadamente 1.700 alunos (censo de 2013), uma
moderna sala de equipamentos para uso interativo (tablets adquiridos recentemente), além de
um projetor em funcionamento em quase todas as salas (pelo menos nas salas em que
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Iremos omitir os nomes dos professores e funcionários entrevistados. A maior parte das informações aqui
relatadas advém de entrevistas, conversas informais na sala dos professores ou nos próprios corredores.
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estivemos, todas do ensino médio). Também conta com uma sala de informática com diversos
computadores em bom estado e uma biblioteca com livros em bom estado e amplamente
acessível, pelo que pudemos constatar. Por outro lado, pudemos constatar, em conversa com
os próprios alunos, que o laboratório segue fechado há alguns anos (senão décadas), o teatro
foi transferido para uso exclusivo da Osesp, muito embora se localize na escola mesmo, o
museu, que conta a história da escola, com fotos e outros arquivos, nunca foi aberto no
período em que estivemos por lá, e o galpão, que antes abrigava a feira de ciências e outas
Porém, devemos admitir que esses dados só foram por nós levantados a partir da
experiência do primeiro dia de estágio. Logo na porta de entrada, deparamo-nos com diversos
crime. Detenção de...”. Obviamente, se um cartaz desse tipo é afixado logo na entrada é por
professores. Quase em seguida a isso, uma mãe foi buscar a sua filha mais cedo, que saiu para
ir ao médico. No entanto, ambas saíram sem assinar o termo de aviso da saída mais cedo, ao
que a diretora foi até o portão para chama-las. Nesse momento, instalou-se um princípio
bastante forte de confusão, com palavras fortes de ambos os lados, perpassados por muita
agressividade de parte a parte, o que, para nós, mostrou os fundamentos básicos dos
relacionamentos escolar.
equipamentos culturais, como por exemplo praças ao redor e o Parque da Aclimação, a menos
de um quilometro, que conta com a Biblioteca Municipal Raul Bopp, o Centro Cultural
Vergueiro (CCSP) a cerca de um quilômetro, cuja biblioteca é ampla e muito bem instalada,
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“Escola tradicional de SP tem museu e laboratório sem uso e teatro trancado” (IG, 03 de Abril de 2015.
Disponível em: https://ieccmemorias.wordpress.com/2015/04/05/cristiane-capuchinho-descobre-o-horror/ .
Acesso em 21 de junho de 2022).
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contando também com um ótimo espaço de estudos, além de teatro, cinema, atividades
educacionais etc. Além disso, o bairro está localizado ao lado da Liberdade e Paraíso, que
pelo menos não segundo os dados do CEM (Centro de Estudos da Metrópole). Ao contrário,
pelo fato de a escola se localizar em um bairro de maior poder aquisitivo, a renda domiciliar
per capta da vizinhança, por exemplo, aparece bem maior do que da metrópole (R$ 2850,38
contra R$ 1036,01). Nível este que se repete nos outros indicadores, como por exemplo a
baixa taxa de pobreza3. Apesar disso, soubemos, através dos relatos dos professores, que a
adjacentes, o que mostra o lado menos explicito desses indicadores. Um caso bastante
chamativos relativo aos números não mostrados nos censos oficiais foi de uma menina recém-
matriculada no terceiro do período noturno ano que, no último dia de inscrição para o pedido
de isenção do Enem (29 de abril de 2022), demostrou inúmeras impedimentos para não o
fazê-lo, omitindo mesmo o nome dos pais e alegando que não sabia o endereço de sua casa,
questão essa oriunda, como viemos a saber mais tarde, do fato de ela ser órfã e estar em
abrigos para adolescentes. Fato similar a esse se repetiu quando pudemos conversar com um
aluno da mesma sala da menina citada, onde ele nos contava que trabalha de segunda a
sábado, sendo o domingo de folga, mas que não tinha nenhuma conexão com a internet em
casa, tendo que ir a parques ou bibliotecas para poder acessar. Esse foi um do impeditivos
para que ele não conseguisse estudar mais durante o seu último dia de folga.
Cabe notar, também, que a escola não possui um coordenador pedagógico há mais de
dois anos, o que dificultou bastante uma conversa com alguém mais próximo dos problemas
cotidianos da escola, uma vez que não foi possível estabelecer contato com a diretora. Nesse
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Para um mais detalhamento da situação socioeconômica da escola e do seu entorno, em comparação com a
região metropolitana, consultar o site do CEM em < http://200.144.244.241:3002/geolocation >.
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sentido, a justificativa que nos foi dada por diversos professores para uma tal situação é
não apenas pelos problemas estritamente escolares, mas se espraiam também para a o campo
extraescolar de modo geral (família, trabalho, amigos etc.). Essa justificativa nos chocou pelo
seu caráter realista e nos perguntamos como outras escolas resolveriam esse impasse.
problemáticas. Mas, obviamente, que isso significa uma carga extra de ocupação não
Gostaríamos de salientar, também, que esta foi uma das escolas mais presentes no
movimento de ocupação das escolas, tendo sido, ao lado da outra Caetano de Campos (Praça
Roosevelt), figura de destaque pela forte mobilização dos alunos e longo tempo de
permanência em estado de ocupação4. Buscamos investigar, com base nisso, o papel que o
centro acadêmico desempenha na escola. Era um centro acadêmico recém-eleito, cuja disputa,
pelo que soubemos, deu-se sob o calor de plateias numerosas e intenso debate. Em conversa
com alguns de seus integrantes, soubemos que eles estavam planejando montar grupos de
estudo para o vestibular, cuja ideia vinha sendo fortemente pela professora de filosofia com a
qual fiz estágio, sem que essa, no entanto, quisesse “mostrar” a eles como se deveria criar um
grupo, quais os tipos de leitura mais produtivos etc. Apesar disso, dos alunos membros que
entrevistamos, nada foi dito sobre a mudança curricular em curso pela governo de estado de
São Paulo e, quando perguntei sobre o “problema” das escolas que deveriam se tornar integral
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“Ocupação em escola tradicional de SP tem guardião, mascote e 'toboágua'”. (G1, 02 dez. 2015. Disponível em:
https://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2015/12/ocupacao-em-escola-tradicional-de-sp-tem-guardiao-mascote-e-
toboagua.html . Acesso em 20 de junho de 2022.)
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sem que houvesse capacidade física para tanto, disseram-me que “era melhor esperar para ver
ocupação das escolas, sobretudo com um experiente professor de matemática, muito se falou
de mudança de mentalidade dos alunos daquela geração 2015 para essa 2022. Segundo eles,
há pouquíssima mobilização hoje em dia e, na maior parte das vezes, são os próprios
professores que buscam despertar protestos em favor de uma causa (como foi o caso da
textos, protestou, organizou abaixo-assinados para os alunos assinares, entre outros). Fica
assim a instigante questão de como, em tão pouco tempo, uma forte capacidade de
mobilização é perdida, ou melhor, não se é transmitida de modo tão natural como se pensa, e
isso em um contexto ainda nocivo para os próprios estudantes do que fora naquela época da
A professora
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sem deixar que “conhecimento livre e aberto do aluno pudesse se expressar”. Essa posição
nos chamou muito a atenção, pois, a nosso ver, essa era, sob certo aspecto, a forma com que a
professora acabava por dar as suas aulas (o que veremos a seguir, acerca do problema da
marginalidade do ensino de filosofia) – não estamos seguros de que essa era a mesma posição
da professora, mas as atuais circunstâncias, de toda uma geração profunda e negativamente
marcada pela experiência pandêmica, moldaram o curso sob esse aspecto defendido pelo
funcionário, o que ele, de sua parte, tampouco soubera.
Descobrimos, também, que ele estava ali para cumprir pena alternativa, pois fora preso
por tráfico de pedras preciosas. Diante da sua posição política, a escola funcionava para ele
como um espaço de constrição e imposição aos alunos, mas ao mesmo tempo lhe dava a
possibilidade de entrar em contato com os alunos, ensinar-lhes “fora da sala de aula”, nos
corredores, despertar-lhes a paixão pela filosofia e pelo debate filosófico, o que vimos ocorrer
em algumas ocasiões. Quando lhe perguntei se eram muitos os alunos com esse grande
interesse e bagagem filosófica, ele me respondeu “todos eles são interessados e todos têm uma
imensa bagagem, basta que não se lhes aprisione”.
Soubemos também que, desde o início de seu trabalho ali (nesse ano) o mesmo
apresentara dois projetos de ensino aos professores, sendo ambos muito elogiados. Os
projetos consistiam em atividades extraturno de ensino de sociologia e filosofia e na leitura,
em grupo, de livros fundamentais da filosofia política, com abertura à discussão com alunos e
outros professores, tudo isso fazendo uso do acervo presente na biblioteca.
Por outro lado, o segundo funcionário, do período noturno, também tinha uma
formação superior em letras e, pelo que entendemos, estava ali trabalhando como
“complemento de renda” (não conseguimos descobrir qual era a sua ocupação principal). Sua
visão acerca da escola e dos alunos era bem diferente, pois para ele “os alunos aqui não
querem nada com nada, e por isso eu não quero dar aulas para eles. Eu dei aula por 2 anos e
abandonei por estresse. Isso não é vida”. Tal visão foi confirmada por uma atitude, a nosso
ver, bastante severa com os alunos, deixando-os esperar pela segunda aula por conta de
atrasos de menos de cinco minutos. Quando contestado, o funcionário apenas dizia, “essa são
as regras da escola”.
No entanto, ele era um grande leitor de Fiódor Dostoiévski, cuja obra, segundo ele, era
a filosofia expressa em literatura. Abordamos, em diversas conversas, as aproximações com
Nietzsche e Schopenhauer, mas não pude perceber qual era, exatamente, a sua opinião sobre o
ensino de filosofia. A nosso ver, esse segundo funcionário se mostrava bastante cético a
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instituição escolar em geral e, sobretudo, com a possibilidade de ensino de alguma coisa. Por
diversas vezes, tivemos a impressão de que a sua ocupação ali era uma simples renda a ser
merecida ao final do mês, como um fardo a cumprir. Paradoxalmente, o outro funcionário é
quem cumpria a pena alternativa e carregava, por assim dizer, o fardo de estar na escola.
3- entrevistem 2 alunos (perguntem sobre o que eles pensam da filosofia e das aulas);
interesse pela filosofia saltava aos olhos. Trabalhando de segunda à sábado, ele pouco tempo
tinha para estudar (inclusive para fazer cursinho), mas sempre se mostrou muito dedicado e
atento nas aulas. Realizava perguntas interessantes ao final e nos revelou que gostaria de
prestar vestibular para Direito ou para Letras, donde, portanto, o seu interesse na filosofia. O
aluno demonstrava igualmente grande bagagem teórica em literatura, sempre dialogando com
os temas da filosofia com obras literária. Conversamos, por exemplo, sobre Camus e algumas
perspectivas do existencialismo. O aluno sempre abordava a professora ao final das aulas para
Contudo, essa foi uma exceção à regra, pois o tom médio das respostas que obtivemos
dos alunos a respeito da filosofia foi sempre negativo. A grande maioria deles se mostrou
muito avesso à leitura e à escrita de modo geral. Uma cena exemplar dessa posição nos foi
dada quando, em uma aula do período noturno, enquanto passávamos o texto da aula em um
retroprojetor ao fundo da sala, um aluno, sentado ao meu lado, repetia as seguintes frases:
“essa professora fala demais, ela só fala, olha lá, não para de falar”. Detalhe que o aluno em
questão não tirou os fones de ouvido nenhuma vez e tampouco saiu do celular. Na verdade,
em todas as aulas por nós presenciadas ele permanecia com fones de ouvido e no aparelho
celular. A frase repetida à exaustão também no final da aula foi muito marcante pois
escancarava o abismo que separava a professora, a escola e os alunos. Após o final da aula
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perguntamos ao aluno por que ele achava aquilo, mas não soube responder. Disse somente
que “ela fala demais” e que “não tenho paciência para aguentar tanto tempo”.
Uma maior aceitação foi observada nas disciplinas de Projeto de Vida, mas ali não se
geral, portanto, as entrevistas e conversas que tivemos com os alunos mostraram uma
Mas gostaríamos de ir além disso, pois cremos que relato acima, os comentários do
aluno sobre o “falar demais” da professora devem ser compreendidos à luz da constatação de