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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL

Disciplina: EDU02050
Estágio I – Turma u (2023/2)
Professora: Dorcas Weber

Aluna: Gabriela Cruz (00324075)

MAPEAMENTO ESTÁGIO I:

Escola em que o estágio foi realizado: EMEF Porto Alegre (EPA)


Endereço: Rua Washington Luiz, 203, CEP 90.010-460 -
Porto Alegre / RS / Brasil
Docente supervisora: Krishna Daudt
Período do Estágio: 09/11/2023 a 27/11/2023
Turmas observadas: T42, T51 e T61
*Obs.: T42 equivale ao 6° e 7°, T51 ao 8° ano e a T61 ao 9° ano no
ensino regular.

Sobre o contexto escolar

O estágio foi realizado na escola EPA, uma escola da rede pública municipal
na modalidade EJA para adolescentes, jovens e adultos moradores de rua ou em
situação de vulnerabilidade social. A escola foi criada por um decreto municipal em
1995 e autorizada pelo Conselho Municipal de Educação em 2000. Atende
atualmente mais de 100 alunos, oferecendo, além das aulas, três refeições por dia e
oficinas no turno inverso dos mais variados temas, incluindo trabalho artesanal de
cerâmica e cartonagem, estudos de problemas contemporâneos, escrita criativa,
laboratório de ciências, matemática financeira, jogos lógicos, horta e jardinagem e
um núcleo de cinema. As oficinas foram constituídas pela NTE a partir de um
levantamento a respeito da história de vida dos alunos e de suas habilidades e
interesses e completam o currículo da escola, que é formado por uma versão
condensada do Ensino Fundamental convencional em seis anos.

A escola se localiza no centro histórico de Porto Alegre e possui uma boa


estrutura, o pátio é grande e bastante arborizado, há cerâmicas e grafites feitos
pelos próprios alunos decorando o espaço da escola. Há um amplo saguão,
refeitório, ateliê de cerâmica e de costura, uma horta e vários canteiros de flores, um
laboratório de ciências e um de informática, quadra e há bastante tecnologia
disponível e acessível para utilizar em sala de aula. Todas as salas tem ou tv ou
projetor para passar imagens, a tv inclusive é moderna com touch e acesso a
internet, como se fosse um tablet gigante, e além disso, também é possível solicitar
acesso a chromebooks oferecidos aos alunos pela escola para realizarem
individualmente pesquisas e trabalhos por meio deles. Algumas salas possuem
classes mais novas, outras classes mais antigas, mas no geral, a maior parte da
escola aparenta ser nova. Há também vários materiais disponíveis e acessíveis aos
alunos, cada turma tem um armário, onde guardam os cadernos, canetas, lápis,
lápis de cor, tesouras, folhas A4, borracha, livros didáticos e vários outros materiais
para utilizar de forma coletiva.

A escola parece ser “bem-quista” pela comunidade, pois muitos vem de fora
oferecer outras oficinas além das que a escola já oferece ou abrem para que a
escola visite espaços afora. No período em que estive lá, um artista veio de fora
para trabalhar grafite com eles, e também participei de um passeio ao Arquivo
Público de Porto Alegre, onde partiu deles oferecer aos alunos da EPA as oficinas
de atividade cultural naquele espaço. Todos que trabalham na escola parecem ter
bastante carinho pelo lugar, apesar das tensões vivenciadas pelas vulnerabilidades
e violências sofridas e praticadas pelos alunos. Em relação às regras, a escola
parece ser bem flexível e sensível às situações pessoais dos alunos que acabam se
atravessando no ambiente escolar, inclusive, cada turma possuía um monitor, que
eles chamavam de estagiário justamente para auxiliar a professora a lidar com estas
situações que fugiam do controle e com as tarefas cotidianas de sala de aula.

Sobre as aulas de artes ...

No início de toda a aula a professora geralmente começava colocando a data


no quadro, a cidade e a lua. O conteúdo que estava sendo trabalhado nas três
turmas, mesmo se tratando de anos completamente diferentes, era o mesmo:
performance e religiões brasileiras. As aulas foram bem diversificadas, algumas
ficamos em sala de aula, conversando sobre obras de artistas e vendo vídeos e
imagens sobre eles e suas obras, em algumas a professora passou um pequeno
texto sobre os assuntos que estavam estudando no quadro, e em outras, as mais
práticas, fomos para o pátio tirar fotos e gravar vídeo-performances com elementos
da natureza, mesclando com o conteúdo da performance esse conceito das religiões
brasileiras que estavam trabalhando em paralelo a partir das experiências dos
alunos, do livro “Benzedeiras e Benzeduras”, do livro “Agriculturas do Sensível: um
manual-festa” de Elis Rigoni e das obras e artistas que a professora trazia. A
professora estava trabalhando esse conteúdo das religiões com eles, pois a escola
iria receber a visita da escritora do livro “Benzedeiras e Benzeduras, Elma Sant’Ana.

Nas aulas que observei ela utilizou o quadro, o projetor, a tv (na sala que
possuía), estes livros citados anteriormente, que eram seus ou da biblioteca da
escola, seu celular de uso pessoal para gravar e tirar as fotos e utilizou também os
chromebooks para os alunos pesquisarem referências além das que ela já tinha
passado sobre performance e conceitos específicos a respeito de espiritualidade e
religião. A professora usou muitas referências visuais em fotos no projetor e na tv e
também nos livros que trazia para eles, mostrou também diversos vídeos e até
mesmo músicas, criando um repertório bastante amplo para os alunos a respeito
dos assuntos trabalhados.

Havia sempre bastante debate sobre os assuntos, embora os alunos


mostrassem certa resistência em participar das propostas práticas, eles queriam
opinar, pois o tema das religiões parecia interessar bastante a eles, em contrapartida
o conteúdo de performance era sempre questionado com “por que estamos aprendo
isso?”, “por que isso é arte? isso é só loucura” e entre outros questionamentos que
surgiam. Embora muitas vezes, nos debates os alunos levassem a discussão para
um lado que a professora não estava esperando, estrategicamente ela tentava
conectar o que eles estavam falando com o conteúdo que ela pretendia trabalhar em
aula. Considero que houve um bom equilíbrio entre teoria e prática, porém, também
considero que a prática escolhida não foi muito bem aceita pelos alunos que se
mostraram resistentes em tirar fotos e gravar vídeos de si mesmos.

Sobre o/a docente...

A professora é formada na área das artes visuais, possui um amplo repertório


em arte contemporânea estrangeira e brasileira, citou artistas como Jaider Esbell,
Flávio de Carvalho, Paulo Nazaré, John Cage, Marina Abramović e ainda outros. O
tema das religiões também parecia ser de seu interesse, pois aparentava ter
bastante conhecimento, principalmente da relação da espiritualidade relacionada às
ervas e plantas. Era empática com a situação de cada aluno e contornava bem os
atravessamentos que aconteciam e desfocavam as aulas de seu objetivo, utilizava
bem os recursos que a escola oferecia e tentava relacionar os conteúdos tratados
em sala de aula com as vivências pessoais dos alunos. Ela tinha uma boa
comunicação e uma boa relação com os alunos, eles se abraçavam, cantavam e
riam juntos. Parecia acessível, e embora chamasse atenção quando necessário não
era rígida com eles. Ela explicava com calma e tentava responder às questões dos
alunos, quando surgia algo que ela não sabiam, eles pesquisavam juntos em seu
celular pessoal ou nos chromebooks quando eles estavam na sala.

Sobre os alunos...

Os alunos em maioria eram homens, nas 3 turmas que observei, no total


haviam apenas 3 mulheres. A maioria deles faltava bastante. Em cada turma, na
chamada havia por volta de 15, 17 alunos, mas costumavam estar em sala de aula
entre 3 e 6. Alguns ficavam pelo pátio e iam à escola apenas para poder almoçar,
outros às vezes nem apareciam. Eles eram falantes, participavam bastante das
discussões quando o tema lhes interessava, mas também conversavam muito sobre
outros assuntos paralelos. Nas discussões sobre religiões e espiritualidade eles se
engajavam bastante e eram bem participativos, contando suas próprias vivências.
Eles gostavam bastante de conversar, porém, muitas vezes levavam os assuntos
para temas com conotação sexual e bebida, onde a professora precisava intervir e
chamar atenção deles. Eles davam bastante risada, e um interesse que a maioria
tinha em comum era por música, dos mais diversos gêneros, funk, sertanejo, gospel,
cantigas de religiões afro e até Elton John. Várias vezes quando cheguei na escola,
eles estavam no pátio em uma rodinha na volta de um violão cantando juntos
algumas músicas.

Havia um contraste bem grande entre os alunos mais motivados a estar na


escola em comparação aos menos motivados, os motivados faziam os trabalhos,
participavam mais e eram mais quietos, não tumultuavam a aula ou dispersavam as
discussões. Já os que se sentiam menos motivados pareciam não ver muito sentido
em estudar dado o contexto em que estavam inseridos, muitos se sentiam
desmotivados pelo cansaço de ter que conciliar a escola com o trabalho, que muitas
vezes eram trabalhos pesados como auxiliares de pedreiro ou outros trabalhos
envolvendo força. Apesar de parecerem gostar das aulas de arte porque gostavam
da professora, pareciam desmotivados com o conteúdo sobre performance,
questionavam bastante sobre para que o que eles estavam vendo em aula “servia”.
Eles recebiam bem as aulas no pátio, mas só porque iriam sair da sala de aula, pois
às propostas em si se mostravam bem resistentes em participar, pois não gostavam
de tirar fotos e gravar vídeos de si mesmos e questionavam novamente porque
precisavam fazer isso.

A maioria parecia um pouco desanimado ou cansado, muitos apresentavam


comportamentos de violência uns com os outros, ameaças ou bullying. Houve uma
situação de violência e ameça contra uma aluna da T51 que namorava um aluno da
T61 por conta de ciúme, e outra situação, na T61, onde havia uma aluna que
aparentava ser “especial”, no entanto acredito que ela não tenha nenhum
diagnóstico, mas aparenta ter algum tipo de deficiência e problema na memória, e
os colegas praticavam bullying com ela, pois ela constantemente tumultuava e
interrompia a aula. Além disso, muitos alunos possuem histórico com drogas e
alcoolismo, alguns inclusive fazendo tratamento e por vezes passando por crises de
abstinências no ambiente de sala de aula. No primeiro dia que observei, na T51, ao
entrar na sala nos deparamos com a estagiária tentando tirar das mãos de um dos
alunos o vidro do álcool de limpeza da sala de aula, ele estava com uma crise de
abstinência e tentava tomar o álcool. A professora tentou conversar com ele, mas
ele não queria conversar, então a estagiária saiu da sala acompanhando o aluno e
logo após um curto período ele voltou para pegar suas coisas e ir embora. A
professora lidou bem com a situação, mas sinto que após isso ela perdeu o clima
para aula, e esta foi uma das aulas que ela só passou um texto para eles copiarem e
não discutiu muito sobre os temas que estavam trabalhando. As questões sociais, o
preconceito e a violência sofrida por eles se atravessava bastante nas discussões
em sala de aula, muitas vezes eles compartilhavam essas vivências parecendo
muito mais um desabafo por de alguma forma se sentirem acolhidos pela
professora.

Reflexões pessoais sobre o que foi observado e registrado

- Quais os potenciais da instituição: a escola é bastante sensível às questões


pessoais dos alunos, possui uma boa estrutura e é aberta à comunidade e a
comunidade a recebe bem, o que torna bem amplo as possibilidades de atuações e
de projetos envolvendo questões sociais que podem ser realizados. A escola
também oferece uma grande gama de experiências para os alunos que
provavelmente eles não vivenciariam fora daquele espaço. As oficinas com certeza
são um ponto muito forte, pois proporcionam lazer e tempo de qualidade para os
alunos, além de serem uma capacitação profissional e o artesanato que produzem
se tornar uma fonte de renda extra, as oficinas acabam por ser também um espaço
onde os alunos têm a oportunidade de se expressar e externalizar através de suas
produções aquilo que sentem e suas vivências.

- Quais práticas e estratégias, utilizadas pelo/a docente, considero


interessantes e quero adotar: gostei muito da forma que a professora é empática e
possui um relacionamento de igual para igual com os alunos, algo que acho muito
importante de ser cultivado, também admiro a forma como ela conseguia contornar
os atravessamentos que surgiam e relacionar as questões trazidas pelos alunos
com o conteúdo que eles estavam trabalhando.

- Quais estratégias considero desnecessárias: no lugar dela, talvez não


trabalharia com foto, pois senti que os alunos estavam bem desconfortáveis com
isso, mas é uma opção mais pessoal minha, não acho necessariamente que ela está
errada em ter escolhido realizar a parte prática do conteúdo desta forma. Houve
uma aula específica em que ela passou 5 vídeos relativamente longos seguidos e eu
considero que foi um pouco maçante, pois chegou um momento que eles não
retinham mais a atenção dos alunos e talvez fosse melhor distribuí-los ao longo de
mais aulas para um melhor aproveitamento do conteúdo.

- Quais as potências e interesses dos alunos: como os alunos gostavam


bastante de música, acho que seria legal trabalhar isso com eles. A professora até
comentou que a ideia é no próximo ano produzirem instrumentos artesanalmente na
sala de aula com material reciclado, mas que sejam funcionais para tocar música. A
história de vida que cada um carrega também é uma grande potência a ser
trabalhada, embora seja um tema bem delicado de se trabalhar.

- Que carências (gerais e sobre arte) têm: a professora oferece aos alunos aos
alunos um repertório bem grande de arte e dos temas que trabalham, no entanto,
previamente, os alunos não possuem muito conhecimento a respeito da arte, se
prendendo as referências que a professora trás. O conhecimento deles é baseado
em “senso comum”, sabedoria popular e em suas experiências.

- Que estratégias poderiam melhorar ou complementar o cenário observado:


senti falta da professora trabalhar com eles arte em formatos mais tradicionais, pois
alguns deles apresentavam interesse em pintura e cerâmica por causa das oficinas
de turno inverso, e em nenhuma das aulas eles trabalharam estas coisas, e acho
que seria bem proveitoso e até divertido para eles ter essa experiência com esses
materiais, e seria bem legal enquanto fazem esse tipo de trabalho montar um playlist
da turma e eles poderem trabalhar enquanto ouvem as músicas que tanto gostam.
Além disso, como mencionei anteriormente, seria bem legal trabalhar esse interesse
com a música que eles possuem.

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