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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto


Departamento de Educação, Informação e Comunicação
Curso de Pedagogia

Isabela Martins Cazula

Caderno de campo apresentado à


disciplina de Ação Pedagógica
Integrada: Ensino Fundamental I:
Língua Portuguesa e Matemática
como requisito de avaliação da
aprendizagem.

Docentes: Prof.a Dr.a Elaine


Sampaio Araújo e Prof.a Dr.a
Soraya Maria Romano Pacifico.
Educadora: Prof.a Dr.a Delma
Bezerra.

Ribeirão Preto
2022
CADERNO DE CAMPO – Estágio de Metodologia do Ensino de Matemática
e Português - E. E. Antonio Palocci – CAIC

23/05/2022 – Primeiras impressões

No primeiro dia de estágio, chegamos na sala combinada anteriormente


com a vice-diretora, e notamos que a professora responsável pela turma
voltava de licença maternidade, então não sabia muito bem em que nível
alfabético os alunos estavam. Estávamos tendo o primeiro contato com os
alunos ao mesmo tempo que ela.
A professora conversou muito conosco nesse primeiro momento, nos
explicando a situação de estar voltando ao ambiente escolar e em todos os
momentos voltando-se para o fundo da sala (onde estávamos) para dizer o que
ela estava propondo para a sala e os motivos de estar propondo. Mencionamos
nossos objetivos e também explicamos que realizaríamos horas de
observação, para que no futuro pudéssemos aplicar um projeto para os alunos.
Ela nos deixou muito à vontade e nesse momento também conhecemos a
professora auxiliar da sala, que a ajudou a preparar as atividades.
Ela iniciou a aula com uma sondagem, entregando uma folha sulfite para
que cada aluno escrevesse seu nome e em seguida dando início a um ditado
de palavras e frases. Ela também deixou claro para os alunos que poderiam
escrever da maneira que preferissem, sem necessariamente saber a grafia
correta das palavras, mas se concentrando em escrever da forma que podiam.
Se destacou o fato de que ela se referia às crianças com um tom muito calmo e
tranquilo, o que acabou nos tranquilizando muito também. A realização da
atividade demonstrou que muitos estavam com dificuldades para escrever as
sílabas e com a sequência do alfabeto, o que provavelmente se deve às
consequências da pandemia e as implicações do ensino remoto. O primeiro
ano deles foi realizado inteiramente no ensino remoto, o que pode ser o cerne
dessa problemática.
É importante mencionar também que assim que chegamos no ambiente
escolar o diretor foi bastante receptivo, mostrando a organização de toda a
escola e apresentando todos os ambientes, inclusive a horta e o sistema de
compostagem que está sendo desenvolvido pela escola, envolvendo um ciclo
do qual os alunos participarão ativamente, o que achei muito interessante.
Uma crítica que pode ser feita é devido ao tempo que as crianças
passam dentro da sala de aula, que é muito extenso. Observamos que elas
entram as 7h da manhã e saem apenas as 12h, nas segundas feiras é ainda
mais exaustivo por serem cinco horas consecutivas apenas sentados nas
cadeiras, já que o cronograma marca 5 aulas de Língua Portuguesa nesse dia
da semana.
Assim que as crianças retornaram do intervalo, a professora deu início à
algumas atividades a partir do livro didático, as quais abordavam algumas
brincadeiras típicas de alguns lugares do mundo. O esforço da professora para
chamar a atenção dos alunos e ler junto com eles as perguntas era nítido, mas
as crianças estavam eufóricas e dispersas, e pensamos em alguns prováveis
motivos para isso. Um deles pode estar relacionado com o tempo exaustivo
que passam na sala de aula e o outro foi explicitado pela própria professora: a
organização mecânica do livro didático. As perguntas muitas vezes repetitivas
e pouco relevantes, repetiam o que já havia sido perguntado anteriormente
para o aluno, tema que a professora nos destacou e conversamos sobre esse
empecilho, que não cativa as crianças e faz com que eles fiquem ainda mais
dispersos, dado o cronograma de segunda-feira.
Recebemos alguns bilhetinhos das crianças logo em nosso primeiro dia
e fiquei muito emocionada, pois era meu primeiro contato com a sala de aula
nessas condições. Saí da escola muito feliz e realizada com as relações
estabelecidas tão brevemente e extremamente ansiosa para o próximo dia.

24/05/2022 – Quebra de Expectativas


No segundo dia, observamos a aula de Educação Física, primeiro na sala e
depois descendo com os alunos para a quadra. A professora da disciplina nos
recebeu muito bem também, nos deu boas vindas e conversou conosco por
alguns momentos. Observei que ela estava meio desmotivada, cansada. Mas
nunca perdia a paciência com as crianças e sempre as tratava com um carinho
imenso durante toda a aula. A brincadeira “Quem sou eu?” realizada em sala
de aula nos chamou a atenção por instigar a imaginação das crianças e a
dinâmica da sala. Um aluno ia para a frente da lousa e a professora escrevia
uma palavra em cima de sua cabeça, em seguida os demais alunos da classe
poderiam responder às perguntas do colega, para que ele tentasse adivinhar o
que ele era. Foi um momento muito legal e descontraído para a sala, que
antecipou a ida das crianças à quadra, onde ficaram eufóricas com as
brincadeiras propostas pela professora e gastaram bastante energia.
É memorável que um dos alunos recorria à nos a todo momento, tanto no
primeiro dia como nesse segundo contato, na quadra da escola durante a aula
de Educação Física, vinha até nós pedindo que elaborássemos contas de
soma e subtração para ele, a partir do simples dizer “Matemática!” ao se
aproximar de nós. Conforme íamos propondo contas simples para ele, cada
vez mais ele pedia mais complexas, pois aquelas estavam “muito fáceis”.
Após o intervalo, observamos a aula que eu estava mais ansiosa para ver: a de
Artes. No entanto, toda a minha empolgação foi substituída por uma decepção
iminente assim que a professora adentrou a sala, pois fingiu que nem
estávamos ali e manteve a expressão fechada. A aula começou com ordens
para que as crianças desenhassem, especificamente, legumes. Nas palavras
da professora: “não quero mar, sol, céu, nem árvores, apenas legumes! E que
tenham cor de legumes, sem inventar”. Estar como espectadora de um
momento como esse mexeu muito comigo de modo negativo, pois é a área que
me dedico a estudar muito para seguir futuramente. Uma aula onde a
criatividade deveria reinar e as crianças deveriam ser mais autoras do que
nunca, de repente se demonstrou cinzenta e pouco imaginativa. Importante
mencionar que as crianças nem olharam para os lados nessa aula, e as
produções foram recolhidas sem ao menos serem vistas pela docente, que
juntou suas coisas rapidamente e saiu da sala do mesmo modo que entrou.
Apesar de ter tido uma quebra de expectativa muito grande com a aula de
Artes, isso me motivou a aprimorar meus conhecimentos e fazer de tudo para
não cair nos braços de uma prática limitativa e autoritária de um ensino que é
para ser mais libertador e imaginativo do que qualquer outro.
A aula de Matemática foi a que sucedeu a de Artes, e as professoras da classe
conduziram estas atividades. É incrível o fato de que as crianças da sala têm
uma preferência tão grande pela Matemática que se mantiveram extremamente
concentradas nas atividades com numerais, operações básicas e números
vizinhos. Elas competiram para ver quem acabava as tarefas primeiro e se
empolgavam muito com os números, algo que se destaca bastante ao lembrar
dessa aula.

26/05 - Oficina de Projetos - exemplos de dinâmicas interdisciplinares em


sala de aula

Nesse dia, presenciamos pela primeira vez a aula de Oficina de Projetos e


conhecemos também a professora que a ministra. A docente nos recebeu
extremamente bem e nos explicou do que se tratava aquela aula, que ela
contextualizava conteúdos nos quais os alunos possuíam mais dificuldades,
entre todas as disciplinas e montava atividades interdisciplinares, com o intuito
de ajudá-los. Achamos interessante toda a organização dessa dinâmica, ainda
mais quando a professora conversou conosco e disse que gostava de utilizar
autores diferentes que as crianças ainda não tiveram contato, para ampliar o
repertório e conhecimento delas sobre literatura infantil.
Nessa aula, especificamente, os alunos retomaram o que haviam aprendido na
aula anterior, um livro chamado “A Lenda do Macaco e do Tambor”, sobre um
conto africano. Ela chegou, inclusive, a nos mostrar todas as produções que os
alunos haviam feito na última aula, com a ficha técnica do personagem e suas
características físicas, o que ele gostava de comer e em seguida uma
ilustração. Vimos os trabalhos de todos os alunos, e ficamos impressionadas
com o capricho e dedicação que tiveram para esta atividade.
Na continuação da aula, a professora falou um pouco com as crianças sobre o
país de origem do macaco; a Guiné Bissau. Ela apresentou a bandeira do país
e fez comparações com a bandeira do Brasil, sobre cores e outras
características. Ela analisou a bandeira do Brasil com a sala e pediu que os
alunos a desenhassem, refletindo sobre as formas geométricas que a
compõem.
Observar essa aula foi uma surpresa incrível, não esperávamos dinâmicas
como essa e a abordagem da professora, que nos demonstrou como deve ser
uma aula interdisciplinar e como ela tem a capacidade de cativar os alunos
muito mais do que uma aula restrita a apenas um tipo de tema ou conteúdo. O
respeito ao nível de letramento de cada criança também esteve muito presente,
pois a professora os incentivava a produzir do jeito que sabiam, sem se
importar se estava “correto” ou não. Ela também ouvia as contribuições dos
alunos e interligava o repertório cultural que eles já possuiam com novos,
interligando História com Matemática, Português com Geografia, entre outras
relações de extrema relevância. De todas as aulas que vimos, essa foi a que
mais cativou os alunos e a que eles mais se envolveram, felizes com a história
e com as atividades que eram propostas de modo totalmente lúdico e
interessante.

27/05 - Conteúdos didáticos (ou não?) dos livros


Foi possível presenciar a aula de história pela primeira vez nesse dia. O
decorrer da aula foi semelhante às aulas de Língua Portuguesa, em que os
alunos trabalharam com atividades do livro. Eles até se perderam na hora de
procurar o caderno de história, pois não sabiam em que parte estava devido à
pouca frequência com que utilizam.
Após o termino das atividades do livro, que eram igualmente repetitivas e
faziam com que os alunos respondessem mecanicamente, se limitando a
quase “sim” ou “não” para a maioria das questões, eles iniciaram a aula de
inglês.
Essa aula foi conduzida de modo muito legal e participativo, porém com os
mesmos temas de sempre nas atividades, se tratando de materiais escolares
em inglês. A professora perguntava o nome de determinado material e as
crianças pegavam no estojo ou na carteira, levantavam mostrando para ela e
falavam a palavra que correspondia à tradução em inglês. A professora era
extremamente doce e carinhosa com os alunos, e era perceptível que ela
seguia os devidos temas das apostilas.
Em certo momento, um dos alunos questionou em voz alta: “professora, por
que a gente sempre estuda a mesma coisa de novo e de novo?” o que foi
respondido por ela, que disse que eles não haviam terminado todos os
materiais escolares ainda. Esse acontecimento denuncia a mecanicidade dos
conteúdos apostilados, que as professoras seguem à risca e que não atinge os
alunos de forma efetiva, os distanciando dos aprendizados realmente
relevantes e fazendo com que percam o interesse gradativamente pelas aulas
e pela instituição escolar.

31/05 - Matemática tradicional


A aula prevista no cronograma era Matemática, então os alunos estavam
atentos e empolgados. Nesse dia, a professora que ministrou a aula foi a
auxiliar, cuja prática se distingue um pouco da outra professora responsável
pela sala. A dinâmica seguida por elas, aparentemente era a de que uma
ministraria as aulas de Língua Portuguesa enquanto a outra, as de Matemática.
As atividades passadas na lousa tinham como pressuposto principal a
“decoreba” para que os alunos aprendessem a grafia correta dos números e
também sua sequência. Observamos que sempre nessas aulas conduzidas
pela auxiliar, eram passados os mesmos tipos de atividade, como: “Escreva os
números abaixo por extenso” ou “Coloque em sequência correta”, se tornando
algo que as crianças faziam de modo automático e mecânico, sem dinamizar
esses conteúdos e aprendizados.
Quando as aulas eram conduzidas pela professora auxiliar especificamente, as
crianças eram ordenadas a todo momento a permanecerem em silêncio, não
podiam emprestar materiais aos colegas e nem atrapalharem a aula com
“conversinhas”, o que os mantinha sentados fixamente nas cadeiras sem
desobedecer a figura tradicional fa professora. Eles não eram convidados a
interagirem com os conteúdos e não usufruíam de espaço para desenvolver o
pensamento matemático e muito menos crítico-reflexivo. Notamos que, a todo
momento essa professora se queixava dos alunos para nós, fazendo
observações em voz alta sobre como aquela sala era desobediente e os alunos
mal-comportados.

02/06 - Observações breves


Devido a alguns compromissos pessoais pude presenciar apenas duas aulas
nesse dia, que foram de Inglês e Artes. As aulas de inglês decorreram da exata
mesma maneira que a anterior, mas a professora deu um tempo livre para que
os alunos desenhassem e ficassem conversando um pouco entre si na aula.
Eles sempre demonstram o carinho que têm por nós e nesse dia conversaram
bastante conosco, vindo nos contar sobre o que fizeram na semana, com a
família, amigos e quais são seus desenhos favoritos. Desenhamos um pouco
com eles e tivemos momentos muito bons, em que nossa relação foi se
fortificando e ficamos cada vez mais ansiosas pela experiência prática que a
intervenção nos traria.
A aula de artes foi na sala de mídias, com a exibição de um vídeo sobre
instrumentos musicais. As crianças assistiram caladas, mas em alguns
momentos tomavam broncas pelos comentários que faziam ou por alguma
breve fala durante a “aula”. Nos vídeos, os instrumentos eram mostrados
visualmente e em seguida aparecia seu efeito sonoro. As crianças estavam
dispersas e faziam comentários baixinho enquanto olhavam para nós, do tipo
“elas devem estar achando muito chato também”, entre outros. A professora
parecia não se importar com a falta de atenção dos alunos ao que estava
sendo proposto, mas queria que o silêncio reinasse na sala, por isso falava em
tom autoritário com os alunos. Em minha concepção, essa aula, entre todas, foi
a mais limitante e restritiva que pude observar, pois haviam muitas
possibilidades para trabalhar com os instrumentos junto às crianças e isso não
foi feito, mas existem vários planos de fundos e possíveis motivos para isso.

08/06 - Último dia antes das intervenções!


No último momento de observação, presenciei aulas de Educação Física, em
que os alunos estavam muito ansiosos para descer para a quadra. Durante o
período em que a professora esperava para descer com eles, uma das alunas
veio me solicitar ajuda com a escrita de uma palavra, o que fez com que os
demais a repreendessem de prontidão, dizendo que uma das professoras disse
para que eles não nos incomodassem, porque não éramos professoras e desse
modo, não era pra ajudá-los. Me senti um pouco chateada, porque já nutria
uma grande afeição por eles e vê-los se referirem daquela maneira me deixou
um pouco triste. Mas esse sentimento logo passou, porque um dos alunos (que
sempre insistia em me chamar de professora) se referiu a mim com esse termo
novamente, como um acalento. Me abraçando com a pronúncia de uma única
palavra. Isso me fez ficar firme e restituiu minha ansiedade para aplicar os
projetos.
A aula de Matemática foi semelhante às realizadas anteriormente. Os alunos
copiaram os conteúdos da lousa e permaneceram quietos enquanto a
professora anotava na lousa e os induzia a manter o silêncio absoluto. As
atividade como “Coloque os vizinhos dos números” e “Escreva por extenso”
apareceram novamente, marcando presença fixa nas aulas.
Na aula de inglês, recebi muitas cartinhas e desenhos dos alunos, o que
aqueceu meu coração. O conteúdo abordado foi materiais escolares
novamente e dessa vez, eles fizeram ilustrações.
Esse dia foi de grandes aprendizados e pensamentos, assim como todos os
outros que o sucederam, contribuindo fortemente para a minha preparação de
aplicação dos projetos. Pensar na despedida enquanto observava a sala foi
muito difícil, dado o apego que desenvolvi com os alunos. Naquele momento
eu soube quanta falta fariam e o quanto foi necessário ter os conhecido e vivido
junto a eles na sala de aula por alguns dias, mesmo que poucos. Deixei a sala
com uma visão de mundo completamente diferente e com o coração um pouco
mais completo.

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