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Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Departamento de Artes Visuais – Instituto de Artes


Mapeamento do Estágio I (2023/2)
Professora Dorcas Janine Weber
Aluna Joana Falleiro Custódio
Realizei o Estágio I de observação no Colégio Estadual Afonso Emilio Massot, localizado no bairro
Azenha, próximo às avenidas Ipiranga e Erico Veríssimo, e bem próximo à Cidade Baixa. O Colégio
possui Ensino Regular, Curso Técnico e EJA, então funciona em todos os turnos, cinco dias por
semana. É dividido em 4 blocos de prédios e a secretária, a direção, a biblioteca e a sala dos
professores ficam no segundo bloco, em frente ao portão do colégio. O último bloco, com o refeitório
e algumas salas do ensino médio, fica ao lado do pátio maior, com quadra de esportes e bancos.
Um aspecto específico da escola que divide opiniões entre os professores é o trancamento dos portões
entre os blocos; cada bloco possui um portão com grade que só abre nos intervalos e na troca de
períodos. Se um professor precisar sair de um bloco para o outro durante as aulas, deve chamar o
monitor para abrir o portão dos blocos, ele e mais uma funcionária são os que tem a chave, mas eles
também não atuam só como monitores, então podem não estar no alcance imediato do portão. Por
exemplo, no recreio das séries iniciais do ensino fundamental, as crianças ficam restritas ao seu pátio.
É uma medida de segurança que atrapalha um pouco os professores, que não podem circular
livremente entre os blocos, além de atrasar os alunos se precisam mudar de sala ou se estiverem fora
do seu pátio.
Por conta das professoras “temporárias”, não me aprofundei no projeto pedagógico e no currículo
escolar, mas compreendi que as disciplinas dificilmente conversavam entre si e, na troca de
professoras, não houve diálogo sobre o andamento das aulas para tentar continuar a mesma linha de
proposições. As turmas e a professora nova foram bastante prejudicadas por isso.
Observei três turmas e três professoras diferentes ao longo do estágio. A turma do nono ano estava
sendo acompanhada por uma estagiária de Teatro da UERGS, e as turmas de oitavo e sexto ano
estavam com a mesma professora, especializada na área de Artes Visuais, mas que foi substituída
por outra nomeada pelo Estado, que também acabei conhecendo. Divido então o mapeamento entre
as três turmas.
9º ano
A estagiária de Teatro chegava na aula sempre muito animada, mesmo que eles não chegassem com
a mesma disposição. Ela começava perguntando-os como foi o fim de semana, demonstrando
interesse em conhecê-los um pouco melhor. Poucos alunos respondiam, muitos debochavam da
pergunta. Os períodos de artes eram um antes do recreio e outro depois, ambos de trinta minutos,
então era difícil desenvolver um trabalho contínuo. A dinâmica de fechamento dos portões também
afetava o tempo de aula, porque o recreio dos anos finais é no pátio maior, entre o terceiro e quarto
bloco, e as aulas de artes foram no auditório, no primeiro bloco, então quando o sinal tocava para que
voltassem ao para lá depois do recreio, ainda precisavam esperar o monitor abrir o portão, e nem
sempre ele estava por perto.
Já no primeiro dia de observações, a professora titular me comunicou da dificuldade da falta de
disciplina na turma para com a estagiária, e foi possível ver isso na prática, com um comportamento
desdenhoso e desinteressado dos alunos. Apesar disso, todas as segundas-feiras, ela chegava na
escola, ia até a sala deles no terceiro bloco e chamava-os para irem ao auditório, onde foram
conduzidas todas as aulas que observei. Eles não iam ao auditório sozinhos, sem serem chamados,
mesmo sabendo que as aulas ocorreriam todas naquele espaço.
O auditório consiste em uma sala bem espaçosa no segundo andar do primeiro bloco, com cadeiras
estofadas e um notebook conectado a uma televisão com som, e eles se dirigiam lentamente, um
pouco dispersos, até o local. Demorava cinco minutos para metade da turma chegar em aula, ou seja,
5 minutos perdidos do planejamento da aula, e outros ao longo do período, em que mais alunos
entravam atrasados ou saíam mais cedo, e causavam um desvio de atenção de toda a turma.
A estagiária sempre fazia o uso desses recursos da sala, mas não trazia outros materiais. Na primeira
aula, mostrou o vídeo Retrospectiva Preta 2020, de um grupo de teatro que encenava um telejornal
apenas com notícias de grandes personalidades da cultura afro-brasileira. Nas aulas que se seguiram,
que começavam com um aquecimento – entre eles, alongamentos, exercícios teatrais de caminhada
e controle do corpo, e de atenção e paciência (com o objetivo de desenvolver isso em cena) -, ela
utilizava o computador para colocar músicas para tocar, sempre de artistas brasileiros. Achei
interessante essa disposição para mostrar novos músicos e grupos musicais brasileiros para a turma,
mas eles não gostavam muito das músicas, achavam “esquisitas”. Em uma das aulas, que observei,
uma aluna pediu que a professora trocasse para uma música da Beyoncé.
A aula com o vídeo foi a mais “conteudista”, com perguntas sobre elementos visuais do que foi
assistido, como política, narrativa e afirmação da vida negra, buscando desenvolver a construção de
um imaginário a partir da perspectiva do jornal fictício - “como a cena é contada”, anotei da fala da
estagiária.
Fiz algumas perguntas para ela sobre sua experiência em sala de aula, já que foi a professora com
quem tive mais tempo para conversar. Além de fazer o estágio, ela era Educadora Social no Centro
Social Marista e atualmente participa de um projeto de extensão de dança chamado Meninas Crespas,
numa escola no bairro Restinga. Sua comunicação com eles era sempre muito clara, respondendo
perguntas sem problemas, mas a questão de falta de disciplina mencionada pela professora titular não
era só pela teimosia da turma, porque ela dificilmente conseguia se impor, ou pensava que não
precisava levantar o tom de voz ou falar mais firme para que eles colaborassem. Também não sei
dizer como eles responderiam a isso, se adiantaria, e se é a melhor forma de conseguir respeito em
sala de aula, mas foi o recurso que as outras professoras da escola utilizaram. Mesmo sem essa
disciplina, ela conversava esporadicamente com algumas alunas, até fez dupla em uma das atividades
de criação de histórias, o que a deixou mais bem inserida na turma naquela aula.
O modo de dar a aula era bem simples, acredito que seja difícil dar uma aula de teatro mais elaborada
sem que seja focada na história ou no ensino do teatro; exercícios corporais, movimentação, conversa
sobre percepções dessa movimentação... A aula é calcada na interação dos estudantes e, quando
isso não acontecia, era bem desgastante.
Acredito que foi a turma em que melhor aproveitei o estágio de observação, visto que estava
acompanhando outra estagiária em prática, cujas propostas eram da área do Teatro. Primeiro, porque
fiz oito anos de oficina de teatro quando era criança e foi uma experiência que me definiu como pessoa
e ver essas aulas me fez lembrar de como o Teatro é importante para o desenvolvimento dos alunos
e como essa vivência é escassa nas escolas. Fiquei torcendo para que as aulas dela tivessem impacto
na vida deles, que fizessem com que eles perseguissem algo a mais de sua autoexpressão, conectada
ao movimento e ao compartilhamento de histórias. Segundo, porque pude entender melhor como
funciona o estágio prático, como ocorre a aplicação do planejamento, que nem sempre dá certo. A
estagiária me disse que precisou alterar a proposta diversas vezes por perceber que algumas ideias
não teriam a participação necessária dos alunos.
A turma possui quase vinte e cinco estudantes, entre quatorze e dezessete anos, e em sua maioria
adolescentes negros, aspecto que notei presente em todos os níveis de ensino do turno da tarde.
Muitos já trabalham, e os que não trabalham, pretendem trabalhar ano que vem. São extremamente
competitivos, então os exercícios que tinham resultados de “vitória” foram nos quais eles mais se
engajaram, até insistiram que as aulas deveriam ter sempre brincadeiras, porque eles “finalmente
participavam”. Se a atividade não se tornava lúdica, eles não faziam sua parte, ficavam no fundo da
sala usando o celular, tirando fotos, jogando ou assistindo a vídeos, ou não faziam nada além de
encarar a professora com uma expressão de desgosto – a cara de uma criança quando come alguma
coisa que não gosta.
Entretanto, algo surpreendente que notei no nono ano foi que toda a turma interagia entre si, não havia
exclusão de colegas. Havia até um estudante venezuelano, por acaso irmão mais velho de um garoto
do sexto ano que observei, que apesar de uma certa barreira de idioma – era a primeira vez dele
estudando fora da Venezuela -, o restante da turma conversava com ele durante as atividades em
grupo e faziam brincadeiras, algumas um pouco ofensivas, mas que não afetavam a relação dele com
os outros.
Apesar dos esforços da estagiária de conectar o planejamento de aula de teatro à vida deles, acredito
que a falta de contato com essa área foi o que causou tamanho desinteresse. É difícil apresentar o
teatro a uma turma tão grande com tão pouco tempo em mãos, e numa visão geral, ainda acho que
as aulas correram bem – poderiam ter sido piores! Acho que a falta de tempo dificultou a conexão dos
conteúdos e atividades a eles. Mesmo assim, foi a turma que mais gostei de observar por conta da
diferença entre as outras aulas, e a que desarmou um pouco meu medo de dar aula para os anos
finais e ensino médio. Um momento específico que destaco, na verdade em um dia de observação no
6º ano, foi em que a supervisora da escola me deu a chave da sala, para que abrisse antes da
professora nova chegar, e para esperar ela na sala, vi pela janela um dos alunos do 9º ano passando
e chamei-o pelo nome. Perguntei se podia pedir um favor, que deixasse o molho de chaves na sala
dos professores. Ele disse que sim, e quando foi pegar as chaves, questionou com surpresa: “como é
que tu sabe meu nome?” Respondi que sabia o nome de todos da turma, afinal, estava observando-
os, e ele sorriu. Depois disso, ele até interagiu comigo em outros dias de estágio.
Nenhuma das professoras que observei tinha os nomes dos estudantes memorizados e isso, por
muitas vezes, os incomodava ou virava motivo de piada. A questão do nome retomo nas considerações
finais do texto, visto que foi um aspecto que me marcou muito na observação das três turmas.
8º ano
A turma de oitavo ano foi a que eu pude observar por menos tempo, porque em dois dias havia
programações fora da sala de aula, um passeio e um evento de slam que estava acontecendo na
escola. Para contexto e futuras referências dentro do texto, o slam é uma competição de poesia falada
que surgiu no movimento negro norte-americano nos anos 80 e se popularizou bastante nos
movimentos brasileiros. Uma das professoras de português mais jovens era organizadora do Slam do
Espinho e trouxe duas slammers (pessoas que recitam as poesias) para se apresentar e interagir com
os estudantes.
Nesses dois dias, não pude observar a turma, mas a professora deles, formada em Artes Visuais e
Psicopedagogia, foi a que mais conversou comigo sobre sua experiência dentro da escola. Ela havia
chegado em setembro, substituindo outra professora, então já estava tentando agilizar as avaliações
para o final do trimestre. A turma era difícil e demoravam a se acomodar nas classes para realizar as
atividades, mas respeitavam a professora e pareciam gostar dela. Ela entrava nas conversas deles,
ria, interagiam bastante em aula, porém, ela também interagia com crianças de outras turmas que
entravam na sala no meio da aula e permaneciam de dez a quinze minutos ao redor da mesa dela,
contando fofocas e perguntando sobre suas notas. Percebi que isso desviava a atenção dela da turma
para qual estava ministrando a aula.
Apesar dos conflitos e em relação à professora seguinte, a turma gostava bastante dela e escutavam-
na quando ela via necessidade de dar algum sermão sobre o comportamento deles. Ela permitia que
eles escutassem música com fones de ouvido e conversassem, desde que estivessem produzindo o
trabalho, e acho que por essa liberdade, se preocupavam em cumprir a proposta uma vez que a
começavam.
Todas as aulas foram na sala deles no térreo do segundo bloco, eles e o sexto ano eram dispostos
nas classes em dupla. Já na primeira aula, percebi a dificuldade da turma de cessar os gritos e
conversas altas, de largar os celulares para participar das propostas, e foi nessa turma que eu vi
algumas práticas de “disciplina” que já conhecia, como trocar os alunos de lugar para que não
conversassem ou colocar a classe deles junto da mesa da professora. Conversamos sobre a
substituição repentina e sobre a estratégia que ela trazia para a sala de aula, e ela me disse que não
era a aula que ela gostaria propor, que geralmente trazia cubismo brasileiro e referências como
Cândido Portinari e Tarsila do Amaral, mas não tinha tempo para tentar utilizar isso. Também soube
que a professora anterior não deixou nenhum material do que estava desenvolvendo com eles, o que
acredito ter dificultado ainda mais a compreensão deles das aulas com a professora nova.
As atividades eram sempre de colorir com lápis de cor uma folha A4, explorando a sequência nome,
letra e linhas, sendo cada um desses um trabalho avaliativo. A atividade da linha, por exemplo, foi
dividir a folha em doze espaços e desenhar um “tipo” de linha em cada espaço - pontilhada,
ziguezagueada, em parábola, em estampa xadrez, entre outras. O trabalho “final” reuniria esses três
elementos e as cores primárias e secundárias, e para isso a professora trouxe até uma espécie de
macete para lembrarem do esquema de cores. A falta de atenção foi o que mais complicou o
andamento das aulas, visto que a professora precisava repetir mais de duas vezes as instruções do
trabalho para a turma.
Ela dizia: quero caprichado, criativo e bonito, implicando que seria um trabalho bem colorido (com as
cores vibrantes) e criativo no sentido não repetir as linhas. Essa turma tinha o hábito de sair da sala
mesmo quando ela não permitia, para ir ao banheiro ou ficar o período todo passeando pelo pátio com
o celular. A maior parte dos alunos não possuía lápis de cor, então ela fornecia todos os materiais –
um saco plástico cheio de lápis de cor variados e um apontador. Algo que me incomodou bastante,
mas que depois compreendi pela questão de a professora ter chegado ao final do trimestre e precisar
avaliar a turma, foi que ela tinha o hábito de fazer o desenho para eles colorirem, quando a tarefa era
fazer os dois. Alguns alunos iam até a mesa dela, insistiam em não conseguir fazer, ela pegava uma
caneta e desenhava o que ela mesma tinha proposto.
A turma tinha em torno de vinte alunos, entre onze e treze anos, mas dificilmente a sala estava cheia,
faltavam com muita frequência, tanto que me recordo muito pouco dos nomes deles. As principais
coisas que notei foi o excesso de palavrões e insultos proferidos em aula, mais entre si do que com a
professora, e a geral falta de foco e atenção na orientação das atividades. Outro aspecto foi que a
turma inteira estava com notas baixas em artes, talvez por isso agora ao final do ano entendessem
também a urgência da professora em avaliá-los.
6º ano
Por fim, o sexto ano, turma ministrada pela mesma professora do oitavo. Essa observação foi cheia
de surpresas, boas e ruins, e eu que sempre planejei me formar para ser professora de ensino
fundamental, comecei a duvidar da minha capacidade de aguentar todos os dias um comportamento
como o de algumas crianças dessa turma.
Nas primeiras aulas, eram apenas barulhentos, como crianças normalmente são. Demoravam a
chegar depois do recreio e a sala era em frente ao refeitório e ao pátio deles, no terceiro bloco, então
o atraso não tinha relação com o esquema de fechamento dos portões. A professora chegava na sala,
recapitulava o que tinha sido feito na aula anterior e entregava os desenhos incompletos para que
continuassem trabalhando naquele período, visto que a turma nunca terminava a tarefa em uma aula
só. Mais uma vez, folhas A4 para colorir, a mesma proposta do oitavo ano, a única diferença sendo a
falta de restrição de cores; não trabalhavam com os conceitos de primárias e secundárias. Alguns
deles possuíam material, então utilizavam os próprios lápis de cor e emprestavam para os colegas
que não tinham.
As primeiras aulas foram tranquilas, os alunos pegavam suas folhas e ficavam colorindo, conversando.
A disposição de classes era sempre diferente, alguns em trio, outros em dupla e outros sozinhos pela
janela ou pela parede. Os tópicos de conversa dessa turma eram os mais interessantes para mim,
falavam muito da família, mesmo que em piadas agressivas, e aprendi que a maioria vinha de uma
situação de vulnerabilidade e instabilidade doméstica. Um dos estudantes comentou sobre o pai estar
na cadeia, por exemplo, e eu não soube distinguir se era verdade ou se era uma brincadeira, pela
naturalidade com que receberam aquela informação.
As idades da turma variavam de dez a treze anos de idade, sendo um menino com treze um repetente.
Como na turma de nono ano, eles tinham um forte senso de unidade na sala. Havia uma rivalidade
feminina entre as poucas meninas da turma, eram menos de seis estudantes, mas no geral eles se
auxiliavam nas atividades, conversavam normalmente, incluindo também o colega venezuelano, irmão
mais novo do estudante do nono. Muitas aulas também eram interrompidas por alunos de outras
turmas, que chegavam na porta perguntando se podiam conversar com algum amigo dali, e não fazia
diferença se a professora permitia ou não, eles sempre entravam.
Na penúltima aula de observação dessa turma, cheguei na escola e procurei a professora. Me deparei
com a supervisora com a notícia de que ela havia saído da escola e que viria uma terceira professora
nomeada pelo Estado, que começaria naquele dia – duas semanas antes do final do ano letivo. Fiquei
muito surpresa, nenhum dos outros professores e funcionários sabia que isso aconteceria, e a
professora das aulas que havíamos observado já não respondia mais o contato deles. Fiquei receosa
também porque sabia que essas mudanças iriam afetar o humor da turma, eles já haviam se apegado
às aulas da professora anterior, três professoras em menos de três meses talvez tenha sido o que os
dispersou ainda mais.
A professora que mais tarde chegou é formada em Artes Visuais pelo Instituto de Artes, trabalha como
ilustradora e escritora de livros infantis, e estava muito empolgada para voltar para a sala de aula
depois de onze anos afastada das escolas, trabalhando num alto cargo do Instituto Estadual do Livro.
Os alunos, ao voltar do intervalo, levaram um susto! Perguntaram quem era ela e onde estava a
“professora loira baixinha”, cujo nome nenhum deles parecia recordar. Ela explicou que a outra
professora havia saído e que ela tinha chegado para tomar conta das aulas com eles. Foi uma
confusão e um desconforto geral, alguns comentaram que queriam a antiga professora de volta,
ficaram chateados que não puderam se despedir, mas a nova professora já estava a todo vapor
querendo mostrar a eles seu trabalho com livros ilustrados. Fez a leitura de alguns poemas de seus
livros, e um em especial captou a atenção da maioria da turma, um trava-língua - eles também
gostavam de um desafio. Todos queriam tentar pronunciar “cadê o prato preto do pato Pedro”, até os
mais teimosos da turma prestavam atenção sem perceber, os olhos vidrados nas ilustrações que a
professora mostrava. A proposta de atividade foi desenhar esse verso, ou seja, um pato cheio de
“capricho”, e a turma se engajou depois de muito esforço. Desenhavam e perguntavam se estava bom,
se estava bonito, e os que não desenharam ficaram o período inteiro sentados, debochando dos que
estavam produzindo o desenho.
Na última aula, a situação de recepção da nova professora se agravou. Três meninas, que eu ainda
não havia conhecido juntas porque uma delas sempre faltava à aula, faziam questão de degradar a
professora em qualquer chance que surgia, chegaram até a me ofender porque eu tentei defender a
professora que precisava que eles cumprissem com a avaliação. Outros colegas, acompanhando as
falas delas, quiseram ofendê-la também. Ouvi insultos de todo o tipo, que não importava que ela fosse
escritora porque ela continuava pobre - não entendiam o porquê de ela ter voltado a lecionar -, e
chegou um momento em que eles já estavam cansados de ouvir ela falando sobre os próprios
trabalhos! Essa aula foi decepcionante para mim, para eles e para ela. Dou certa razão aos alunos por
esse comportamento, porque novamente, a troca de professora os afeta de modo direto, as propostas
mudaram muito rápido, e a nova professora passou uma hora falando sobre si mesma e suas
conquistas, prêmios e vendas com os livros ilustrados.
Reflexões sobre a observação
O Colégio Emilio Massot tem uma estrutura muito boa e gostaria de ter explorado melhor o prédio,
conhecido a sala de artes, que não vi ser utilizada pelas professoras, e a biblioteca. Além disso, as
salas são bem arejadas, possuem ventiladores e existem netbooks para uso comum dos funcionários
na sala dos professores – achei muito bom para trazer imagens para a sala de aula sem precisar de
material impresso. O potencial desperdiçado é a falta de comunicação entre as disciplinas e eventos
da escola. O slam, por exemplo, poderia ter servido para atividades de artes, português, história, e foi
um momento muito legal e de integração de todos os setores e séries da escola, que foi ignorado
assim que eles entraram em sala de aula. Também acho que o monitor se encarrega de coisas demais,
é um senhor de idade muito simpático que conhece bem as crianças, mas que não deveria ter que
cuidar do portão da escola, de todos os outros portões e ainda apartar conflitos no recreio dos anos
finais. Tudo ao mesmo tempo!
Sobre as demandas das turmas, acho que o sexto e o nono anos precisam ser desafiados. Os
estudantes gostam de competição e de atividades lúdicas, e quando desafiados, conseguem mostrar
o melhor de si e se dedicar na tarefa em questão, além de assim se manterem interessados. Já o nono
ano, acredito que conhecer melhor os interesses deles seria a chave para se conectar melhor e criar
uma atividade com relação ao que eles vivem, porque qualquer coisa fora do celular não chama a
atenção. Quem sabe, aproveitar esse foco na tecnologia para trazer cultura visual para a sala de aula.
Dentre as propostas das três educadoras que observei, gostei muito do Museu do Corre, que foi uma
proposta de atividade feita pela estagiária para o nono ano. Primeiro, ela abriu a discussão sobre o
que eles visualizavam ao pensar na palavra museu e a maioria disse que era um lugar antigo para
colocar coisas velhas, falaram sobre museu como um espaço de história antiga e que não tem mais
relevância. Então, ela trouxe a eles o conceito do Museu do Corre, que seriam elementos que fazem
parte das correrias do cotidiano, artefatos que simbolizam as coisas pelas quais eles passam
diariamente, no trajeto escola-trabalho, escola-casa, e o que eles diziam sobre si mesmos. Nessa aula
também a estagiária pôde fazer uma conexão com eles, porque explicou que também vivia uma
realidade de muitos “corres”, ela estuda e trabalha, e a UERGS não possui restaurante universitário,
então além do transporte para o campus em Montenegro, ela ainda tem os custos da alimentação por
fora. Eles fizeram perguntas a ela e então vi que surgiu um interesse da parte deles. Em um círculo,
eles montaram no chão o seu Museu com todos os objetos que traziam na mochila – casaco, estojo,
caderno, escova de cabelo... Uma aluna até fotografou o próprio trabalho!
E outra atividade com a qual me surpreendi foi uma proposta pela nova professora do sexto ano, que
era uma espécie de padrão de linhas impresso numa folha A4, em que eles pintavam as mesmas
formas com as mesmas cores, cada um criando sua própria estampa. Demorei a compreender como
funcionaria a atividade, mas assim que eles foram terminando, eu perguntei se podia ver os trabalhos
e fiquei deslumbrada com as possibilidades de expandir aquele pequeno campo de linhas para
padrões variados, um pouco psicodélicos e divertidos.
Para melhorar o cenário do ensino de artes visuais no Colégio Emilio Massot, acho que os recursos
poderiam ser mais bem utilizados. Atividades no pátio, relacionando com o ambiente deles, com os
interesses deles, isso sempre partindo de mais escuta. O diretor da escola é quem mais escuta os
estudantes; todos os dias, quando eu chegava, encontrava crianças enfileiradas na porta da direção,
para reclamações, explicar brigas ou fazer algum pedido inusitado. Mas os professores não tiram
tempo para escutar as pequenas coisas que na observação notamos muito, as conversas miúdas que
têm muito potencial, o fato de que alguns meninos estão lendo um mangá durante a aula - mangá é
arte! Por que não explorar isso? Até colorir uma página de mangá impressa talvez os deixasse mais
interessados. Digo isso pensando ainda no oitavo e sexto ano, porque o nono ano precisaria de menos
seriedade. Escrevo e fico confusa com as minhas palavras, mas eles pareceram gostar tanto das
atividades lúdicas, do jogo de contagem que realizaram em algumas aulas, da construção de cenas –
o processo foi caótico, mas os resultados foram muito legais! Talvez por serem obrigados a uma maior
seriedade em casa, estejam cheios das formalidades da escola. Minha proposta seria uma grande
brincadeira interdisciplinar.
É impossível ser suscinta falando de três turmas de séries diferentes. Eu gostei muito da observação,
queria até ter tido mais tempo para acompanhá-los em momentos diferentes, conhecê-los um pouco
mais. Existe uma graça nesse conhecimento, de decorar os nomes, perceber padrões, o vocabulário
deles, as músicas que escutam ou as cores que mais utilizam quando colorem, até o signo astrológico
deles. Todas as coisas que envolvem eles são coisas que envolvem a escola também.

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