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volume 3
cirurgia do trauma
cirurgia plástica
ortopedia
CIRURGIA DO TRAUMA
1
Atendimento inicial ao politraumatizado
José Américo Bacchi Hora / Fábio Carvalheiro / Eduardo Bertolli
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CI RUR G I A D O TRAU M A
Cabe também à equipe do pré-hospitalar e de regula- Na vida prática, essas etapas podem ser realizadas si-
ção médica determinar as chamadas zonas quente, morna multaneamente. Entretanto, o socorrista que conduz o
e fria. Zona quente é o epicentro do acidente, e deve-se evi- atendimento deve ter em mente que a sequência deve ser
tar o excesso de pessoas e recursos nessa região pelo risco respeitada. Ou seja, só se passa para o próximo passo (a
de novos eventos adversos. Zona morna é a região segura próxima “letra”) após o anterior ser completamente resol-
mais próxima do evento, onde deve ser montado o posto vido. Ao término do atendimento, o doente deverá ser re-
médico avançado para tratamento inicial das vítimas mais avaliado.
graves. A zona fria é uma região mais segura, onde se deve
concentrar a maior parte dos recursos humanos e materiais A - Manutenção das vias aéreas com controle da
para o atendimento. coluna cervical
Uma vez estabelecida a gravidade das vítimas, é impor- A permeabilidade das vias aéreas é a 1ª medida do
tante avaliar se os recursos humanos e estruturais são sufi- atendimento. Pacientes com respiração ruidosa ou roncos,
cientes para atender todos os pacientes. Quando o número
e os inconscientes apresentam maior risco de comprome-
de vítimas excede a capacidade de atendimento, as vítimas
timento da via aérea. A presença de corpos estranhos e de
com maiores chances de sobrevivência são atendidas prio-
fraturas faciais, mandibulares e traqueolaríngeas também
ritariamente, pois seu atendimento demanda menor gas-
podem comprometer a perviedade das vias aéreas.
to de tempo, de equipamentos, de recursos e de pessoal.
A retirada de corpos estranhos e a realização de mano-
Quando o número de vítimas não excede a capacidade de
bras simples para a estabilização das vias aéreas, como a ele-
atendimento, os pacientes com maior risco e considerados
vação do queixo (chin lift) e a anteriorização da mandíbula
mais graves serão atendidos primeiramente.
(jaw thrust), devem ser feitas imediatamente, sempre com
É importante ressaltar que crianças, idosos e gestantes
proteção da coluna cervical (Figura 3). Em alguns casos, essas
apresentam peculiaridades, mas não são, per se, prioridade
medidas não são suficientes para garantirem uma via aérea
no atendimento em situações de múltiplas vítimas.
pérvia, e será necessária uma via aérea definitiva, através de
intubação oro ou nasotraqueal ou de cricotireoidostomia.
3. Avaliação inicial
A avaliação inicial do doente politraumatizado, de acor-
do com o ATLS®, é um processo dinâmico no qual as lesões
são diagnosticadas e tratadas simultaneamente. Dessa ma-
neira, a falta de um diagnóstico definitivo não impede a in-
dicação do tratamento adequado.
Didaticamente, a avaliação inicial pode ser dividida em
etapas:
- Exame primário e reanimação;
- Medidas auxiliares ao exame primário;
- Exame secundário e história;
- Medidas auxiliares ao exame secundário; Figura 3 - Estabilização das vias aéreas: (A) chin lift e (B) jaw trust;
- Reavaliação e monitorização contínua; no chin lift, deve-se evitar a extensão cervical
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AT E N D I M E N T O I N I C I A L A O P O L I T R A U M AT I Z A D O
abilidade das vias aéreas, são necessários a integridade e o que recebem pontuações (Tabela 2). A pontuação mínima é
bom funcionamento dos pulmões, da parede torácica e do 3, e a máxima, 15, sendo classificado como comatoso todo
diafragma para que ocorra a correção da hipóxia por meio paciente com escore <9. Quando um paciente apresenta re-
da hematose adequada.
CIRURGIA DO TRAUMA
baixamento do nível de consciência, é necessário revisar as
Nesta fase do atendimento, é importante identificar e vias aéreas, ventilação, oxigenação e perfusão, pois altera-
tratar as lesões com risco imediato à vida do paciente (Ta- ções nessas funções vitais podem comprometer o nível de
bela 1). O diagnóstico dessas condições é clínico e deman- consciência. Todo paciente em coma tem indicação de via
da tratamento imediato. Independente da lesão, todo poli- aérea definitiva.
traumatizado deve receber oxigênio suplementar, e sempre
que possível, a saturação deve ser medida continuamente Tabela 2 - Escala de coma de Glasgow
por meio de oxímetro de pulso. Espontânea 4
Tabela 1 - Lesões com risco imediato à vida Ao estímulo verbal 3
Abertura ocular (O)
- Obstrução de vias aéreas; Ao estímulo doloroso 2
- Pneumotórax hipertensivo; Sem resposta 1
- Hemotórax maciço; Obedece a comandos 6
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CI RUR G I A D O TRAU M A
B - Cateterização urinária e gástrica somente após o exame primário, e o sucesso das medidas
de reanimação, com normalização das funções vitais.
A diurese é o principal parâmetro para a avaliação da
resposta à expansão volêmica. Logo, a cateterização vesi- A - História
cal deve ser realizada em todos os traumatizados, exceto
na suspeita de lesão uretral. Suspeita-se de lesão uretral Toda a história deve incluir o mecanismo do trauma, a
quando há sangue no meato peniano, equimose perineal, presença de outras vítimas no local e os dados locais colhi-
sangue no escroto, deslocamento cranial da próstata ou fra- dos pela equipe de resgate pré-hospitalar, dados que po-
tura pélvica. dem fornecer importantes informações acerca da energia
A distensão gástrica pode levar a reflexos vagais em cinética e do potencial de gravidade do trauma. Se houver
crianças, além de aumentar o risco de vômitos e de bron- familiares, também deverão ser consultados, para forne-
coaspiração. A passagem de sonda gástrica está indicada cerem informações úteis. Há um método mnemônico para
principalmente a pacientes em ventilação mecânica ou com que a história clínica possa ser “AMPLA”:
trauma abdominal. A colocação da mesma sonda está con- A: Alergia.
traindicada na suspeita de fratura de base do crânio e da M: Medicamentos.
lâmina crivosa, pela possibilidade de penetração da sonda
P: Passado médico, “prenhez”.
na cavidade craniana (Figura 4). Nestes casos, opta-se pela
passagem de sonda orogástrica. L: Líquidos e sólidos ingeridos.
A: Ambiente do trauma.
B - Exame físico
Pode ser definido como um exame físico pormenoriza-
do da cabeça aos pés. Há uma frase que resume o procedi-
mento nesta etapa: “dedos e tubos em todos os orifícios”.
Pode-se dividir o exame físico pormenorizado nos seguintes
seguimentos: cabeça, face e pescoço; tórax; abdome, perí-
neo, reto e vagina; sistema musculoesquelético; e exame
neurológico completo.
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AT E N D I M E N T O I N I C I A L A O P O L I T R A U M AT I Z A D O
CIRURGIA DO TRAUMA
das às autoridades responsáveis.
8. Resumo
Quadro-resumo
- O atendimento ao politraumatizado deve ser padronizado de
acordo com a gravidade das lesões;
- Situações com múltiplas vítimas exigem uma triagem e a
definição da capacidade dos recursos estruturais e humanos;
- O exame primário deve seguir o ABCDE do trauma = vias aéreas
com proteção da coluna cervical, respiração, circulação e controle
da hemorragia, avaliação neurológica, exposição e controle do
ambiente;
- Nenhuma etapa pode ser antecipada antes que a anterior
esteja resolvida. O doente deve ser constantemente reavaliado,
sempre seguindo o ABCDE;
- A transferência deve ser precoce, para um local capaz de
fornecer tratamento adequado.
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SUPORTE VENTILATÓRIO NÃO CIRÚRGICO
CAPÍTULO
2
Vias aéreas e ventilação
José Américo Bacchi Hora / Fábio Carvalheiro / Eduardo Bertolli
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VIAS AÉREAS E VENTILAÇÃO
ção e sangramento. Nesses casos, é necessário um acesso gulos do maxilar inferior e (C) uso de cânula orofaríngea (Guedel),
definitivo imediato às vias. que deve ser inserida por trás da língua. Não deve ser usada em
Hematomas cervicais também podem expandir e com- doente consciente, pois pode provocar engasgo e vômito
primir a traqueia. Quando isso ocorre, a indicação de via
CIRURGIA DO TRAUMA
aérea definitiva deve ser precoce, para evitar complicações B - Via aérea definitiva
ou dificuldades técnicas.
Define-se como via aérea definitiva a presença de um
C - Trauma de laringe dispositivo com balonete (cuff) insuflado na traqueia, co-
A tríade clínica na fratura de laringe é composta de rou- nectado a um sistema de ventilação assistida e uma fonte
quidão, enfisema de subcutâneo e fratura palpável. Trata-se de oxigênio a 100%. Existem 3 tipos de via aérea definitiva:
de uma lesão rara. Quando presente, deve-se tentar a intu- sonda orotraqueal, sonda nasotraqueal e via aérea cirúrgica
bação orotraqueal cuidadosa, possivelmente com o auxílio (cricotireoidostomia e traqueostomia). Indica-se a via aérea
de um fibroscópio flexível. Se isso não for possível, ou na in- definitiva a todo paciente incapaz de manter a permeabili-
disponibilidade do método, será uma das poucas condições dade das vias aéreas (Tabela 2).
em que se indica a traqueostomia de emergência. Tabela 2 - Indicações de via aérea definitiva
- Apneia;
4. Tratamento - Proteção das vias aéreas contra aspiração por vômitos ou sangue;
Todo doente politraumatizado necessita de suporte de - TCE com escala de coma de Glasgow ≤8;
oxigênio. Durante a avaliação inicial, o socorrista deve ava- - Risco de obstrução por lesão de traqueia ou laringe, hematoma
cervical ou retrofaríngeo, estridor;
liar se são necessárias manobras para a manutenção das
- Fraturas maxilofaciais graves;
vias aéreas ou se é preciso assegurar uma via aérea defi-
- Convulsão persistente;
nitiva. Vale ressaltar a importância da proteção da coluna
- Incapacidade de manter oxigenação com máscara de O2;
cervical na fase inicial do atendimento.
- Necessidade de ventilação: paralisia neuromuscular, movimen-
tos respiratórios inadequados, TCE grave com necessidade de
A - Técnicas de manutenção das vias aéreas hiperventilação.
Em doentes com rebaixamento do nível de consciência, a) Intubação endotraqueal
a queda da língua pode ser responsável pela obstrução da
O médico deve optar pela intubação orotraqueal ou
via aérea. Há 4 manobras que podem ser utilizadas nessa
pela nasotraqueal, conforme sua experiência. A intubação
situação (Figura 1): a elevação do queixo (chin lift), a pro-
nasotraqueal é contraindicada aos doentes em apneia ou
trusão da mandíbula (jaw trust) e o uso de cânulas naso
com TCE em que há a suspeita de trauma da base do crânio.
ou orofaríngeas (cânulas de Guedel). Inicialmente, coloca-
Deve-se sempre atentar para a possibilidade de lesão cervi-
-se a cânula orofaríngea voltada para o palato duro e, de-
cal durante a intubação.
pois, deve-se girá-la conforme mostrado na Figura. Apesar
Para confirmar o correto posicionamento da sonda, de-
de proteger da queda da língua, ela desencadeia reflexo de
vem-se auscultar ambos os hemitórax e a região epigástrica
vômito e é mal tolerada no consciente. Apesar de ser mais
(a intubação do esôfago resultará em borborigmos auscul-
bem tolerada, a cânula nasofaríngea é pouco utilizada por
tados no epigástrio). O método mais fidedigno de confirma-
não permitir uma proteção adequada da queda da língua.
ção da intubação é a dosagem de CO2 expirado. A sonda de
intubação deve ser adequadamente fixada, e sempre que o
doente for mobilizado, a fixação e o correto posicionamen-
to deverão ser checados. A 1ª conduta diante daqueles que
chegam intubados ao hospital é confirmar a posição correta
do tubo (realizar o “A”).
Como a maioria dos pacientes vítimas de trauma não
está em jejum, o socorrista precisa estar familiarizado com
a sequência de intubação rápida. A sequência consiste em
pré-oxigenar com oxigênio a 100%, comprimir a cartilagem
cricoide, administrar 1 a 2mg/kg de succinilcolina IV e, após
o relaxamento, realizar intubação orotraqueal. O balão é in-
suflado, e a posição da cânula, confirmada antes de iniciar
a ventilação.
b) Via aérea cirúrgica
Figura 1 - (A) Elevação do mento sem realizar hiperextensão do É indicada aos casos de impossibilidade de intubação da
pescoço; (B) anteriorização da mandíbula pela preensão dos ân- traqueia como edema de glote, fratura de laringe e hemor-
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CI RUR G I A D O TRAU M A
ragia orofaríngea grave (Figura 2). A cricotireoidostomia é o A traqueostomia não deve ser realizada durante o aten-
procedimento de escolha na emergência, exceto em crian- dimento inicial do politraumatizado, salvo nas 2 situações
ças menores de 12 anos, para não causar lesão da cartila- apresentadas: menores de 12 anos e trauma de laringe.
gem cricoide, estrutura fundamental nessa faixa etária para Nas demais situações, preconiza-se que a traqueostomia
a sustentação da laringe. seja realizada no centro cirúrgico, após a estabilização do
paciente, como nas circunstâncias em que se pretende ven-
tilação mecânica por tempo prolongado.
5. Resumo
Quadro-resumo
- Garantir a permeabilidade das vias aéreas e a ventilação
adequada é prioridade no atendimento do politraumatizado;
- Todo doente com risco de comprometimento da via aérea
necessita de uma via aérea definitiva. A 1ª opção é a intubação
traqueal;
Figura 2 - Via aérea
- Na impossibilidade da intubação, realiza-se a
A cricotireoidostomia pode ser cirúrgica ou por punção. cricotireoidostomia. Só se realiza a traqueostomia na sala de
emergência em situações especiais;
No 1º caso (Figura 3), realiza-se uma incisão na pele sobre
a membrana cricotireoidiana, podendo ser longitudinal ou - Durante toda avaliação das vias aéreas, deve-se proteger a
coluna cervical.
transversa. Em seguida, incisa-se a membrana cricotireoi-
diana que será dilatada com uma pinça hemostática para
introdução de cânula de traqueostomia de pequeno calibre
(5 ou 7mm).
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CAPÍTULO
3
Trauma torácico
José Américo Bacchi Hora / Fábio Carvalheiro / Eduardo Bertolli
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CI RUR G I A D O TRAU M A
ponamentos cardíacos, pneumotórax hipertensivo, hipovo- da traqueia (Figura 3). Dessa forma, há menor resistência
lemia profunda e ruptura cardíaca. A avaliação neurológica à entrada de ar por esse orifício. A entrada de ar no espa-
e a exposição seguem as condutas habituais. ço pleural leva a um colabamento do pulmão e só cessa
Entre as medidas complementares ao exame primário, quando a pressão intrapleural se equilibra com a pressão
o raio x de tórax em incidência anteroposterior pode forne- atmosférica. A ventilação fica prejudicada, com consequen-
cer informações importantes. Entretanto, as condições com te hipóxia e hipercapnia. Ocorrem também diminuição do
risco imediato de morte são de diagnóstico clínico e não de- retorno venoso e hipotensão.
vem esperar pela radiografia para confirmação diagnóstica.
A - Pneumotórax hipertensivo
Ocorre quando há um vazamento de ar para o espaço
pleural por um sistema de “válvula unidirecional”. Progres-
sivamente, acontece o colapso do pulmão com deslocamen-
to do mediastino para o lado oposto, levando à diminuição
do retorno venoso e à compressão do pulmão contralate-
ral (Figura 2A). O óbito, nesses casos, acontece justamente
pela interrupção do retorno venoso pelos vasos da base.
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TRAUMA TORÁCICO
CIRURGIA DO TRAUMA
pneumotórax associado.
O diagnóstico também é eminentemente clínico, não
sendo necessária a confirmação radiológica. Além dos si-
nais de choque e da insuficiência respiratória, o exame físi-
co revela ausência de murmúrio vesicular do lado afetado.
Diferentemente do pneumotórax hipertensivo, há macicez
à percussão.
Para tratamento, realiza-se reposição volêmica agressi-
va, com cristaloide e sangue. A cavidade torácica é descom-
primida com a drenagem de tórax. Se estiver disponível o
Figura 4 - Respiração paradoxal no tórax flácido
equipamento necessário, será possível realizar autotransfu-
O quadro clínico típico é de movimentos torácicos assi- são do sangue aspirado. Indica-se toracotomia de urgência
métricos e descoordenados (movimento paradoxal), o que em caso de drenagem imediata >1.500mL de sangue ou
acarreta dificuldade respiratória e dessaturação. Observa- >200mL/h nas 2 a 4 horas seguintes à drenagem.
-se crepitação à palpação das costelas, e a dor torácica é
intensa (Figura 4). E - Tamponamento cardíaco
O doente deve receber oxigênio suplementar, reposição
volêmica adequada e analgesia. A ventilação muitas vezes
é inadequada, em razão da dor causada pelas fraturas, por
esse motivo é importante uma analgesia adequada. Se o
doente apresentar insuficiência respiratória, poderá ser ne-
cessária a ventilação mecânica (Tabela 2).
Tabela 2 - Critérios de indicação de ventilação mecânica
FR >35 ou <8irpm
pCO2 >55mmHg
Figura 6 - Tamponamento cardíaco: (A) acúmulo de sangue no
pO2 <60mmHg com FiO2 >50
pericárdio, visualizado pelo ultrassom – extraído de www.trauma.
Relação PO2/FiO2 <300 org; (B) pericardiocentese ou punção de Marphan
Shunt >0,2
Ocorre por um acúmulo de sangue no saco pericárdi-
D - Hemotórax maciço co, estrutura inelástica, levando à compressão cardíaca,
ao comprometimento do retorno venoso e ao choque car-
diogênico (Figura 6A). É mais frequentemente causado por
ferimentos penetrantes, porém pode ocorrer por trauma
contuso. A cavidade mais comumente lesada é o ventrículo
direito, por sua localização mais anterior.
A apresentação clássica é descrita como tríade de Beck,
entretanto ela está presente em apenas 30% dos casos.
Caracteriza-se por pulso paradoxal (diminuição da PAS
>10mmHg durante inspiração espontânea), abafamento de
bulhas cardíacas e estase jugular (não ocorre em caso de
hipovolemia significativa). Outros sinais são o de Kussmaul
(aumento da pressão venosa na inspiração espontânea) e a
Atividade Elétrica Sem Pulso (AESP).
Se for realizada uma ultrassonografia na sala de emer-
gência, será possível avaliar a presença de líquido no saco
pericárdico (Figura 6A). O exame que dá diagnóstico de cer-
Figura 5 - Hemotórax maciço: observar a opacidade ocupando 2/3 teza é o ecocardiograma, porém dificilmente está disponí-
do hemitórax esquerdo, com desvio da traqueia para o lado direi- vel no serviço de emergência.
to. Assim, como no caso de pneumotórax hipertensivo, esse raio x Em caso de suspeita clínica, está indicada pericardiocen-
não deveria existir, pois o diagnóstico é clínico tese na sala de emergência (Figura 6B). O doente deve estar
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CI RUR G I A D O TRAU M A
monitorizado para que seja realizada a punção subxifóidea. trauma penetrante ou contuso (nesse último, geralmente
Quando a agulha toca o epicárdio, ocorre arritmia ou au- em razão de vazamento de ar por laceração pulmonar). Em
mento de voltagem da onda “T” no eletrocardiograma. A 90% dos casos, o ar vem do parênquima pulmonar ou da
punção será positiva se houver aspiração de sangue não parede torácica, enquanto os 10% restantes vêm de lesões
coagulado presente no saco pericárdico, sendo indicada a de esôfago, traqueia e brônquios.
toracotomia. O sangue não coagulado decorre da presença Observa-se diminuição do murmúrio vesicular no lado
de substâncias anticoagulantes no saco pericárdico. Após a afetado, podendo haver hipertimpanismo à percussão. O
retirada da agulha, deixa-se o cateter que a envolvia (Gelco) diagnóstico pode ser feito ou confirmado com uma radio-
conectado a uma torneira de 3 vias para eventuais retiradas grafia de tórax em expiração, bem mais sensível que em
de sangue que porventura se acumule novamente, até que inspiração, para o pneumotórax.
se realize a toracotomia.
Por vezes, o tamponamento pode ser progressivo e
não se manifestar no início do quadro. Nesse caso, pode-
-se fazer o diagnóstico por uma janela pericárdica subxifói-
dea, com o paciente sob anestesia geral no bloco cirúrgico,
ou por via transdiafragmática, se o doente for submetido
à laparotomia. A sensibilidade da janela é de 100% para o
diagnóstico de lesão cardíaca. Em se confirmando a lesão
cardíaca, o acesso pode se dar por esternotomia ou toraco-
tomia esquerda.
O socorrista deve estar alerta para ferimentos penetran-
tes na zona de Ziedler, a qual tem como limite superior o
Figura 8 - Pneumotórax simples: (A) raio x mostrando a aumento
2º espaço intercostal, inferior, o 10º espaço intercostal, me- da transparência, o que caracteriza a presença de ar no espaço
dial, o paraesternal direito e lateral a linha axilar anterior pleural e (B) destaque do ar no espaço pleural
esquerda (Figura 7A). A importância dessa zona está na epi-
demiologia do ferimento cardíaco: 70% dos ferimentos car- Drenagem de tórax é o tratamento em todos os casos
díacos acontecem por ferimentos penetrantes nesta zona. de pneumotórax traumático e deve ser realizado no 4º ou
Dado igualmente importante é que, dos ferimentos da zona no 5º espaço intercostal anterior à linha axilar média, adap-
de Ziedler, só 30% apresentam ferimento cardíaco. tado ao sistema de selo d’água. O tratamento conservador,
Indivíduos que chegam ao pronto-socorro com ferimen- comum no pequeno pneumotórax espontâneo, deve ser
to na zona de Ziedler merecem atenção especial. Se chega- evitado no traumático, sendo proibido no paciente que será
rem com estabilidade hemodinâmica, deverão ser subme- submetido à ventilação sob pressão positiva. Doentes com
tidos à janela pericárdica no centro cirúrgico. Se chegarem
pneumotórax que necessitem de transporte aéreo também
instáveis hemodinamicamente, terão indicação de toraco-
devem ser drenados previamente.
tomia, preferencialmente no centro cirúrgico, caso as con-
dições do paciente a permitirem (Figura 7B).
B - Hemotórax
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TRAUMA TORÁCICO
Ocorre por laceração pulmonar, ruptura de um vaso in- PEEP, pressão positiva das vias aéreas em valores supra-at-
tercostal ou da artéria mamária interna, ou fratura-luxação mosféricos no final da expiração, é benéfica, pois aumenta
da coluna torácica. A maioria dos sangramentos é autolimi- o recrutamento alveolar e melhora a capacidade residual
tada e não necessita de tratamento cirúrgico hemostático funcional, as trocas gasosas e a hipoxemia. É fundamental
CIRURGIA DO TRAUMA
específico, apenas de drenagem pleural, em 85% dos ca- a restrição de líquidos intravenosos após a estabilização he-
sos. O hemotórax pode ser classificado em pequeno (300 a modinâmica.
500mL), médio (500 a 1.500mL) e grande ou maciço (acima
de 1.500mL). D - Lesão da árvore traqueobrônquica
Clinicamente, há diminuição do murmúrio vesicular do
lado afetado com discreta macicez à percussão. O raio x de Trata-se de um tipo incomum de lesão, que costuma
tórax evidencia hemotórax a partir de 200mL de volume. passar despercebido no exame inicial. As lesões mais fre-
O tratamento consiste na drenagem de tórax, que remove quentes ocorrem próximas à carina no trauma contuso (por
o sangue, monitoriza o sangramento e diminui o risco de exemplo, a avulsão do brônquio-fonte direito). Acarreta alta
formação de coágulo. Haverá indicação de toracotomia se mortalidade, geralmente no local do acidente.
houver drenagem inicial acima de 1.500mL de sangue ou Os sinais e sintomas podem ser inespecíficos como
superior a 200mL de sangue por hora nas 2 a 4 horas sub- dispneia, cianose, hemoptise, enfisema de subcutâneo e
sequentes. O tratamento conservador não é recomendado, dispneia. Pode haver associação a fraturas de costela e es-
pois, se o hemotórax não for drenado precocemente, ha- terno, e o pneumotórax é um achado comum. O principal
verá risco de evoluir para um hemotórax coagulado e até elemento clínico para diagnóstico é o grande vazamento de
empiema. ar após drenagem torácica. O diagnóstico é confirmado por
broncoscopia. Mais recentemente, tem sido utilizada a TC
C - Contusão pulmonar multislice, por ser menos invasiva.
Em doentes com insuficiência respiratória, pode ser
Trata-se da lesão torácica potencialmente letal mais necessária a intubação seletiva do pulmão oposto ao lado
comum (Figura 10), especialmente perigosa nos idosos, da lesão. A intubação pode ser difícil, em razão de hema-
cuja reserva funcional pulmonar é menor. A insuficiência tomas, lesões orofaríngeas associadas ou lesão traqueo-
respiratória desenvolve-se progressivamente e decorre de brônquica. Nesses casos, indica-se a intervenção cirúrgica
hemorragia e edema do parênquima pulmonar, levando à imediata.
hipóxia. Aos doentes estáveis, o tratamento cirúrgico pode ser
postergado até a diminuição do processo inflamatório local
e do edema. Em lesões menores que 1/3 do diâmetro da
traqueia e em lesões brônquicas, pode-se optar por trata-
mento conservador. Lesões maiores que 1/3 do diâmetro
da traqueia geralmente são tratadas com reparo primário.
Lesões maiores de traqueia, carina e brônquio-fonte direito
deverão ser tratadas por toracotomia.
E - Contusão cardíaca
Pode ocorrer lesão cardíaca no trauma fechado, por
contusão da musculatura cardíaca, ruptura de câmara
Figura 10 - (A) Raio x de tórax com contusão pulmonar e (B) desta-
(em geral, apresentam tamponamento cardíaco) ou lace-
que para a presença de fratura de costela, muitas vezes associada ração de válvula, em 15 a 20% dos traumatismos de tórax
aos casos de contusão graves, mais frequentemente em associação à fratura de
esterno. A lesão mais frequente é a do ventrículo direi-
O quadro clínico é de insuficiência respiratória. O raio x to, que se encontra mais próximo ao esterno em posição
de tórax inicial pode ser normal e, após 24 a 48 horas, evi- anterior.
denciar área de contusão, sendo a Tomografia Computado- Ocorrem desconforto torácico e hipotensão. Ao ECG,
rizada (TC) de tórax o exame indicado para melhor avaliação estão presentes extrassístoles ventriculares múltiplas, ta-
da área de contusão pulmonar. Uma complicação possível quicardia sinusal, fibrilação atrial, bloqueio de ramo (prin-
é a pneumonia, que é mais frequente em idosos e doentes cipalmente à direita) e alteração dos segmentos ST e onda
com DPOC. T. Pode ser realizado um ecocardiograma para avaliação
O doente deve ser monitorizado com oximetria, gaso- diagnóstica e dosagem dos níveis de CKMB. O doente deve
metria arterial e ECG. Se a insuficiência respiratória for im- permanecer sob monitoração eletrocardiográfica por, pelo
portante (PaO2 <65mmHg, SatO2 <90%), estará indicada a menos, 24 horas, devido ao risco de desenvolvimento de
ventilação mecânica com pressão positiva. A utilização de arritmias.
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CI RUR G I A D O TRAU M A
F - Ruptura traumática da aorta Outros exames que auxiliam o diagnóstico são a tomogra-
fia de tórax simples ou multislice com contraste (que isolada-
mente pode fornecer o diagnóstico de certeza), a angiotomo-
grafia e o ecocardiograma transesofágico. Por serem menos
invasivos e mais acessíveis, os exames tomográficos são bem
mais solicitados que a arteriografia. O tratamento pode ser
feito por cirurgia convencional ou intravascular.
Em caso de alteração radiográfica sugestiva, deve-se re- Figura 12 - Hérnia diafragmática esquerda: (A) raio x de tórax com
petir a radiografia em posição ortostática (se as condições nível hidroaéreo no hemitórax esquerdo; (B) intraoperatório com
do paciente a permitirem). Se permanecer o alargamento, grande abaulamento do diafragma esquerdo; (C) estômago após
estará indicada a arteriografia, ainda o método diagnóstico redução do conteúdo herniado, com grande necrose de grande
padrão, que evidencia lesão em apenas 3% dos traumatiza- curvatura e (D) gastrectomia total após a redução e a correção
dos com alargamento do mediastino. do diafragma
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TRAUMA TORÁCICO
CIRURGIA DO TRAUMA
é feito pela presença de orifício de entrada em um hemotó-
rax e saída no outro, ou presença do projétil ao raio x no he-
motórax contralateral ao do orifício de entrada. A presença
de enfisema de mediastino sugere lesão esofágica ou tra-
queobrônquica, e hematoma de mediastino ou extrapleural
apical sugere lesão traumática de grandes vasos.
Os pacientes com instabilidade hemodinâmica devem
ser encaminhados ao centro cirúrgico, assim como aque-
les que preenchem os critérios de toracotomia de emer-
gência. Aos pacientes estáveis, a TC contrastada de tórax
ou, preferencialmente, a angiotomografia, é o exame de
escolha para a avaliação diagnóstica inicial, associada ou
não ao ecocardiograma, reservando-se a endoscopia ou o
esofagograma e a arteriografia para aqueles com suspei-
ta tomográfica de lesão esofágica ou vascular, respectiva-
mente (Figura 13). Figura 14 - TC de tórax evidenciando enfisema subcutâneo, prin-
A mortalidade dessas lesões é de 20%, e 50% dos do- cipalmente à esquerda; há também derrame pleural à esquerda
entes são admitidos instáveis. A maioria dos estáveis terá
avaliação diagnóstica positiva, que indica uma intervenção
cirúrgica. O tratamento dessas lesões varia de acordo com a B - Lesões torácicas por esmagamento (asfixia
situação hemodinâmica do paciente e as estruturas lesadas. traumática)
O paciente com este tipo de trauma apresentará pleto-
ra no tronco, na face e nos membros superiores; além de
petéquias secundárias à compressão aguda e transitória da
veia cava superior. Podem estar presentes edema maciço e
até edema cerebral.
15
CI RUR G I A D O TRAU M A
7. Resumo
Quadro-resumo
- O atendimento ao doente com trauma de tórax segue as
prioridades do ATLS®;
- Apesar da alta mortalidade, cerca de 85% dos casos são
tratados apenas com drenagem pleural;
- Pneumotórax hipertensivo, hemotórax maciço, pneumotórax
aberto, tórax flácido e tamponamento cardíaco são lesões com
risco imediato à vida e devem ser diagnosticadas e tratadas no
exame primário.
16
CAPÍTULO
4
Choque
José Américo Bacchi Hora / Fábio Carvalheiro / Eduardo Bertolli
Pontos essenciais
- Tipos de choque;
- Classes de choque hipovolêmico;
- Tratamento do doente com choque hemorrágico.
1. Definição
Define-se choque como a situação em que há perfusão
orgânica e oxigenação tecidual inadequadas. No doente
politraumatizado, a causa mais comum de choque é a hi-
povolemia decorrente da hemorragia. Logo, toda vítima de
trauma que se apresente fria e taquicárdica está em choque Figura 1 - Fisiopatologia do choque
até que se prove o contrário.
2. Fisiologia 3. Diagnóstico
Os primeiros sinais clínicos do choque são taquicardia e
A resposta inicial do organismo diante da perda san-
vasoconstrição cutânea, que se manifestam como pele fria
guínea consiste em vasoconstrição periférica (circulação
e pegajosa. A FC normalmente é maior em recém-nascidos,
cutânea, muscular e visceral), na tentativa de preservar a diminuindo progressivamente até a idade adulta. Assim,
perfusão de órgãos nobres (rins, coração e cérebro). Ocorre valores considerados normais para crianças e adolescentes
também um aumento da Frequência Cardíaca (FC), com o não são os mesmos em adultos (Tabela 1).
intuito de manter o débito cardíaco. Na maioria das vezes, a
taquicardia é o sinal mais precoce do choque. Tabela 1 - Frequência cardíaca considerada taquicardia conforme
a idade
A vasoconstrição e o aumento da FC decorrem da libe-
ração de catecolaminas endógenas, que aumentam a resis- Lactente >160bpm
tência vascular sistêmica. Inicialmente, com a vasoconstri- Pré-escolar >140bpm
ção e o aumento da FC, a Pressão Arterial (PA) permanece Puberdade >120bpm
inalterada. Se a perda sanguínea persistir, sem que haja re- Adulto >100bpm
posição, o paciente apresentará hipotensão. Se o processo
Após a taquicardia, o próximo sinal hemodinâmico é a
não for revertido, ocorrerão, em sequência, lesão celular
diminuição da pressão de pulso, que é a diferença entre as
progressiva, agravamento do edema tecidual e morte ce-
pressões sistólica e diastólica. A queda da Pressão Arterial
lular. Esse processo é resultante da perda sanguínea e da Sistêmica (PAS) ocorre em uma fase mais tardia do choque.
hipoperfusão. Em razão dos mecanismos compensatórios já expostos, a
Outros tipos de choque serão discutidos posteriormen- diminuição da PAS acontece após perda de pelo menos 30%
te neste capítulo, mas apesar de diferentes mecanismos, da volemia.
a resposta final acaba sendo semelhante. A fisiopatologia A estimulação adrenérgica causa sudorese e deixa a
dos diferentes tipos de choque pode ser representada na pele fria e pegajosa. Há redução do fluxo urinário levando
Figura 1. à oligúria e anúria. O doente apresenta ainda taquipneia,
17
CI RUR G I A D O TRAU M A
com alteração do nível de consciência que varia desde con- Tabela 3 - Diagnóstico: sinais clínicos
fusão mental até coma, quando há perda volêmica superior Hipovolê- Cardiogê- Neurogê-
Séptico
a 50% da volemia. mico nico nico
Estase Sem Sem Sem
Distendida
4. Etiologia jugular estase estase estase
Cor da
No trauma, divide-se a etiologia do choque em hemor- Pálida Rosada Pálida Rosada
pele
rágica e não hemorrágica, sendo o choque hemorrágico o
mais comum, responsável por 90% dos casos. As causas de Tempe-
choque não hemorrágico são menos frequentes, porém se ratura da Fria Quente Fria Quente
pele
deve suspeitar delas como diagnóstico diferencial nos casos
em que não há resposta clínica com as medidas iniciais. Aumen-
FC Aumentada Aumentada Aumentada
tada
A - Tipos de choques não hemorrágicos Sensório Ansiedade
Ansieda-
Ansiedade Ansiedade
de
a) Choque cardiogênico Diurese Diminuída Diminuída Diminuída Diminuída
Consiste na falência do mecanismo de bomba do cora-
ção, causando uma diminuição da pós-carga. Pode ser cau- B - Choque hemorrágico
sado por contusão miocárdica, tamponamento cardíaco, Hemorragia consiste em perda aguda de volume sanguí-
embolia gasosa e infarto agudo do miocárdio associado ao neo. O sangue é responsável por 7% do peso corpóreo nos
trauma. Normalmente, a FC estará normal, com hipoten- adultos e, nas crianças, por 8 a 9%, sempre considerando o
são. peso ideal do paciente. Dessa maneira, um adulto de 70kg
b) Choque neurogênico tem, aproximadamente, 5L de sangue.
Acontece na lesão medular, e a hipotensão decorre da Todo doente traumatizado em choque, até que se prove
perda do tônus simpático, que causa diminuição da resis- o contrário, deve ser conduzido como vítima de choque hi-
tência vascular periférica, levando à queda da PA. O efeito povolêmico. É possível estimar o percentual volêmico per-
é acentuado pela hipovolemia. Se o doente não apresen- dido por meio de parâmetros clínicos (Tabela 4). A partir
tar hipovolemia, o quadro clínico do choque neurogêni- disso, orienta-se a reposição volêmica, que deve ser moni-
co será de hipotensão sem taquicardia ou vasoconstrição torizada pela melhora desses parâmetros.
cutânea. É útil lembrar que fraturas e lesões de partes moles
podem ser responsáveis por alterações hemodinâmicas.
c) Choque séptico A perda sanguínea local pode ser volumosa. Em fratu-
É raro na admissão do doente traumatizado e possível ras de ossos longos, úmero e tíbia, há perda de cerca de
em paciente com contaminação peritoneal por conteúdo 750mL de sangue. Fraturas de fêmur podem sangrar até
intestinal, que demora algumas horas para chegar ao hospi- 2.000mL. Em fraturas de bacia, vários litros de sangue
tal. O doente apresenta-se, inicialmente, com volume circu- podem acumular-se no retroperitônio. A lesão de partes
lante normal, discreto aumento da FC, pele rósea e quente, moles acarreta, também, edema local com perda adicio-
discreta queda pressórica e pulso cheio. Com a evolução do nal de líquido, diminuindo ainda mais o volume intravas-
choque, o quadro clínico torna-se semelhante ao do cho- cular.
que hipovolêmico. Tabela 4 - Classificação do choque hemorrágico
É possível determinar o tipo de choque com base em
Classe I Classe II Classe III Classe IV
parâmetros clínicos e hemodinâmicos (Tabelas 2 e 3).
Perda sanguí- 1.500 a
Até 750 750 a 1.500 >2.000
Tabela 2 - Diagnóstico: resposta hemodinâmica nea (mL) 2.000
Hipovolê- Cardiogê- Perda sanguí-
Séptico Neurogênico nea (% volume Até 15% 15 a 30% 30 a 40% >40%
mico nico
Inicial sanguíneo)
Débito
Diminuído alto, tar- Diminuído Aumentado Frequência de
cardíaco <100 >100 >120 >140
dio baixo pulso (bpm)
RVS Aumentada Diminuída Aumentada Diminuída Pressão arte- Diminu- Diminu-
Normal Normal
Aumen- rial ída ída
Volemia Diminuída Aumentada Normal
tada Normal ou
Pressão de Diminu- Diminu-
Pré- aumen- Diminuída
Diminuída Diminuída Aumentada Diminuída pulso ída ída
-carga tada
18
CHOQUE
Classe I Classe II Classe III Classe IV le do quadro hemorrágico), amilase, beta-HCG e eventuais
Frequência exames toxicológicos.
respiratória 14 a 20 20 a 30 30 a 40 >35 A passagem de cateter venoso central não deve ser rea-
lizada no atendimento inicial, pois, além de consistir em um
CIRURGIA DO TRAUMA
(irpm)
Oligo/
acesso longo e fino, apresenta o risco de punção iatrogênica
Diurese (mL/h) >30 20 a 30 5 a 15 com pneumotórax ou hematoma de carótida. Na impossibi-
anúria
lidade de acesso periférico, as dissecções venosas (fleboto-
Modera-
Estado mental
Levemen-
damente
Ansioso, Confuso, mias) devem ser realizadas. Em crianças menores de 6 anos,
te ansioso confuso letárgico é possível realizar o acesso intraósseo, que deverá ser uti-
ansioso
lizado apenas durante a reanimação. A punção é realizada
Crista- Crista-
Reposição na superfície anteromedial da tíbia, de 1 a 3cm abaixo da
Cristaloide Cristaloide loide e loide e
volêmica tuberosidade tibial.
sangue sangue
Para a reposição volêmica, devem ser utilizadas solu-
ções cristaloides isotônicas aquecidas, preferencialmente a
5. Avaliação inicial do paciente com cho- 39°C. O Ringer lactato é a solução preferencial por apresen-
que hemorrágico tar composição mais semelhante à do plasma humano (Ta-
bela 5). Mesmo assim, há risco de acidose hiperclorêmica,
O doente traumatizado em choque é sempre tratado
principalmente em doentes com insuficiência renal.
inicialmente como hipovolêmico, com o objetivo de resta-
belecer a perfusão orgânica e celular com sangue adequa- Tabela 5 - Principais soluções utilizadas na prática diária, compa-
damente oxigenado. O princípio básico a ser seguido é o de radas com o plasma e o sangue total
interromper o sangramento e repor as perdas de volume. É Calo-
importante lembrar que, durante o atendimento inicial, as Solução Na+ K+ Cl- HCO3- Ca++ Mg++
rias
prioridades são seguidas conforme o ABCDE.
Solução
Durante a avaliação de via aérea, deve-se lembrar sem- fisioló- 154 - 154 - - - -
pre do fornecimento de oxigênio suplementar, para manter gica
os níveis de saturação de hemoglobina acima de 95%. A
Ringer
avaliação neurológica do doente em choque provavelmen- 130 4 109 28 3 - -
lactato
te estará alterada e não implicará necessariamente lesões
intracranianas, podendo refletir apenas a perfusão inade- Glicose
- - - - - - 200
quada do cérebro. a 5%
A dilatação gástrica pode ser causa de hipotensão inex- Glicose
- - - - - - 400
plicada ou de arritmias cardíacas, por estímulo vagal. Está a 10%
frequentemente presente no traumatizado, principalmente Plasma 142 5 105 27 5 3 -
na criança, e torna difícil o tratamento do choque, além de Sangue
elevar o risco de aspiração do conteúdo gástrico. Deve-se 75 2 50 14 3 2 -
total
passar uma sonda nasogástrica ou orogástrica, para des-
compressão, e aspirá-la para remover o conteúdo gástri- É importante lembrar que 2/3 da “água corporal” estão
co. Em todo traumatizado, deverá ser colocada uma sonda no intracelular, e apenas 1/3 no extracelular. Do volume ex-
urinária para monitoração contínua da diurese e avaliação tracelular, apenas 1/3 fica no espaço intravascular, ficando
da presença de hematúria, exceto em caso de suspeita de os 2/3 restantes no espaço intercelular. Daí a regra “3 para
traumatismo uretral. 1”, ou seja, para cada 3L de volume reposto, apenas 1L vai
para o intravascular. Assim, com base no quadro clínico,
6. Tratamento do choque hemorrágico estima-se a perda sanguínea, sendo necessária a reposição
de 3 vezes esse valor.
A 1ª etapa no tratamento das hemorragias é o controle
Dessa maneira, o volume inicial a ser infundido, rapida-
do sangramento. Hemorragias externas devem ser compri-
mente, é de 2.000mL no adulto e de 20mL/kg na criança. As
midas ou tratadas com elevação do membro. O uso de tor-
decisões terapêuticas seguintes são baseadas na resposta
niquetes deve ser restrito ao intra-hospitalar e desde que
seja possível controlar o tempo em que o membro fica gar- do doente à reposição volêmica inicial. O principal parâme-
roteado. Medidas hemostáticas como suturas não devem tro para avaliar a reposição volêmica é a diurese. A reposi-
ser realizadas durante o exame primário. ção adequada de volume deve restabelecer, no adulto, o
A reposição volêmica, quando indicada, deve ser preco- débito urinário de aproximadamente 0,5mL/kg/h. Na crian-
ce. Preconiza-se a punção de 2 acessos venosos periféricos, ça de 0 a 3 anos, o objetivo é uma diurese de 2mL/kg/h; na
já que o fluxo de líquido será maior quanto mais curto e de 3 a 5 anos, de 1mL/kg/h; e na criança entre 5 e 12 anos,
calibroso for o cateter (Lei de Poiseuille). No ato da pun- espera-se atingir de 0,5 a 1mL/kg/h. A resposta à reposição
ção, deve ser colhida uma amostra de sangue para tipagem, volêmica inicial pode ser rápida, transitória ou mínima, ou
dosagem de hemoglobina, hematócrito (úteis para contro- ausente (Tabela 6).
19
CI RUR G I A D O TRAU M A
20
CAPÍTULO
5
Trauma abdominal
José Américo Bacchi Hora / Fábio Carvalheiro / Eduardo Bertolli
Pontos essenciais aos sinais sugestivos dessas lesões para não retardar o tra-
tamento definitivo.
- Avaliação inicial; Define-se como abdome anterior a área entre a linha
transmamilar superiormente, os ligamentos inguinais e a sínfi-
- Exames complementares: FAST x lavado peritoneal se púbica inferiormente, e as linhas axilares anteriores, lateral-
diagnóstico x tomografia computadorizada; mente. Pode ser dividido em 9 regiões: região de hipocôndrios
- Indicações de cirurgia. direito e esquerdo, região epigástrica, região de flancos direito
e esquerdo, região mesogástrica, região ilíaca direita e esquer-
1. Introdução da e região hipogástrica (Figura 1). Há, ainda, outra divisão em
quadrantes: quadrantes superiores direito e esquerdo e qua-
O abdome é sede frequente de lesões traumáticas, tan- drantes inferiores direito e esquerdo. Do ponto de vista inter-
to contusas como penetrantes, muitas das quais necessita- no, o abdome possui 3 compartimentos distintos: a cavidade
rão de tratamento cirúrgico. O socorrista deve estar atento peritoneal, o retroperitônio e a pelve (Figura 1).
21
CI RUR G I A D O TRAU M A
22
TRAUMA ABDOMINAL
B - Lavagem peritoneal diagnóstica É importante entender que o FAST substitui a LPD, portanto
só está indicado a pacientes hemodinamicamente instáveis.
Consiste na realização de uma pequena incisão infraum-
bilical, com abertura da aponeurose e colocação de um
CIRURGIA DO TRAUMA
cateter ou sonda dentro da cavidade abdominal, pela qual
será infundido soro. Em caso de refluxo de sangue ou mate-
rial entérico, diz-se que o exame é positivo, e está indicada
a laparotomia exploradora. Quando há refluxo do soro ins-
tilado aparentemente sem alterações, esse material deve
ser enviado para estudo laboratorial em que a presença de
alguns itens caracteriza o lavado como positivo (Tabela 1).
Tabela 1 - Critérios de positividade da LPD
- Aspiração de mais de 10mL de sangue, conteúdo gastrintestinal,
fezes ou bile;
- Bactérias pelo Gram;
- ≥100.000mm3 de hemácias/mL; Figura 4 - FAST: (A) pesquisa no espaço hepatorrenal; (B) esplenor-
- ≥500mm3 de leucócitos/mL; renal; (C) subxifóideo e (D) FAST positivo no espaço hepatorrenal
- Amilase >175mg/dL.
D - Tomografia de abdome
Apresenta alta sensibilidade (95 a 98%) para o diagnósti-
É o exame mais específico e não invasivo, mas que só
co de hemorragia intraperitoneal, com a desvantagem de ser
um exame invasivo. Sua realização está indicada no doente deve ser realizado nos pacientes hemodinamicamente es-
instável, com trauma multissistêmico e alteração do nível de táveis, sem indicação de laparotomia de urgência. As con-
consciência ou modificação da sensibilidade (lesão medular). traindicações são instabilidade hemodinâmica, alergia ao
No doente estável, poderá ser utilizado em serviços que não contraste iodado, não colaboração do doente e demora na
dispõem de ultrassonografia e/ou tomografia. As contraindi- disponibilidade do recurso.
cações do procedimento estão citadas na Tabela 2. A tomografia computadorizada pode não diagnosticar
lesões gastrintestinais, diafragmáticas e pancreáticas. Se
Tabela 2 - Contraindicações da LPD houver líquido livre na cavidade e ausência de lesões de vís-
Contraindicação absoluta ceras parenquimatosas, deve-se suspeitar da ocorrência de
- Indicação de laparotomia. lesões de vísceras ocas.
Contraindicações relativas De modo geral, a indicação de exames complementares
Cirurgia Devem-se realizar a incisão e a colocação da no trauma abdominal está resumida na Tabela 3.
prévia sonda com cuidado pela presença de aderências. Tabela 3 - Métodos diagnósticos no trauma abdominal fechado
Obesidade A hemostasia durante o procedimento deve ser LPD USG de abdome TC de abdome
mórbida rigorosa para não haver falsos positivos.
- Doente - Doente está-
Cirrose instável; - Doente instável; vel;
Exigem cuidados com hemostasia e assepsia
avançada e Indicações - Documen- - Documentação - Documenta-
para evitar contaminação do líquido ascítico.
coagulopatia tação de de líquido livre. ção de lesão
Gravidez sangramento. visceral.
A incisão deve ser supraumbilical.
avançada - Não invasiva;
- Possível repeti- - Especificidade
C - Ultrassonografia de abdome - Diagnóstico ção; para definir a
Vantagens precoce e - Diagnóstico lesão;
O ultrassom abdominal, quando disponível na sala de sensível. precoce; - Acurácia de
emergência, pode ser realizado no doente instável, pelo ci- - Acurácia de 86 98%.
rurgião, com o objetivo de pesquisar sangue na cavidade. a 97%.
Esse tipo de ultrassonografia é conhecido pela sigla FAST e - Operador-de-
não deve ser confundido com a ultrassonografia abdominal pendente;
- Invasivo;
- Não diagnostica
convencional. Tem a vantagem sobre a LPD de não ser inva- - Não diag- - Custo alto;
lesões do dia-
siva e pode ser repetida se necessário. nostica - Não diagnos-
Desvanta- fragma, delgado
O exame avalia os espaços hepatorrenal (espaço de lesões do tica lesões de
gens e pâncreas;
diafragma e diafragma e
Morrison), esplenorrenal, subfrênico, saco pericárdico e - Distorção por
do retroperi- delgado.
escavação pélvica na procura de hemoperitônio (Figura 4). meteorismo e
tônio.
A análise ultrassonográfica pode ficar comprometida em enfisema de
obesos, com enfisema de subcutâneo ou cirurgias prévias. subcutâneo.
23
CI RUR G I A D O TRAU M A
24
TRAUMA ABDOMINAL
se sucedem em um ciclo vicioso que podem levar à morte mento preferencial. Próteses e shunts podem ser utilizados,
rapidamente se não forem corrigidos. desde que não prolonguem muito o tempo cirúrgico. Na
Nesses pacientes, a chance do óbito pela falência meta- presença de múltiplas lesões em alças, é preferível ressecar
bólica no intraoperatório é maior do que a falha no reparo todo segmento quando possível. O uso de grampeadores
CIRURGIA DO TRAUMA
completo das lesões. Baseando-se nesse conceito, surgiu a contribui muito nesses procedimentos (Figura 9).
cirurgia de controle de danos, ou damage control. O princí-
pio desse procedimento consiste na cirurgia para controle
da hemorragia e prevenção de contaminação maciça, segui-
do da recuperação clínica em Unidade de Terapia Intensiva
(UTI) e de reoperação programada.
Didaticamente, indica-se o damage control para pacien-
tes com pH <7,2, T <32oC e necessidade de transfusão acima
de uma volemia. O juízo do cirurgião é fundamental para
eleger essa modalidade logo nos primeiros minutos da ci-
rurgia, e ele deve contar com a colaboração do anestesista
e da equipe da UTI que receberá o paciente.
Do ponto de vista técnico, realiza-se uma incisão am- Figura 9 - (A) Empacotamento hepático e (B) ressecção intestinal
com grampeador mecânico
pla xifopúbica, com empacotamento dos 4 quadrantes do
abdome. O controle das hemorragias ativas é obtido com O fechamento abdominal também deve ser rápido, por
compressão manual ou empacotamento com compressas. vezes temporário com peritoniostomias (Figura 10), técnica
O controle aórtico é necessário por vezes. conhecida como bolsa de Bogotá. Essa técnica é especial-
Realiza-se um exame completo, porém rápido do abdo- mente útil quando há grande edema de alças e compressas
me e retroperitônio. O cirurgião deve estar familiarizado dentro da cavidade abdominal. A peritoniostomia, além de
com as manobras de acesso ao retroperitônio, como Catel e facilitar a abertura na reoperação, também é utilizada para
Mattox (Figura 8). A contaminação deve ser prevenida com evitar a síndrome compartimental abdominal que pode
suturas rápidas, evitando-se enterectomias e anastomoses. acontecer nesses casos.
Ao término da cirurgia, o paciente é levado à UTI para
monitorização hemodinâmica, correção da coagulopatia e
aquecimento. A reoperação deve ocorrer entre 48 e 72 ho-
ras e servirá para a retirada das compressas, inspeção com-
pleta da cavidade, restabelecimento do trânsito intestinal,
limpeza e, sempre que possível, fechamento definitivo. Em
algumas situações, podem ser necessárias novas cirurgias.
Lesões esplênicas são rapidamente tratadas com esple- Figura 10 - Peritoniostomia ou “bolsa de Bogotá”
nectomia. Lesões hepáticas podem ser resolvidas tempo-
rariamente com empacotamento (Figura 9). A manobra de 7. Principais manobras cirúrgicas de acor-
Pringle (clampeamento do hilo hepático) permite ao cirur-
gião diferenciar se o sangramento é intra-hepático ou não. do com o sítio da lesão
Ressecções hepáticas amplas são desaconselhadas nessas
situações.
A - Fígado e baço
Lesões de aorta e veia cava inferior necessitarão de con- Conforme citado, o tratamento das lesões esplênicas é
trole distal e proximal rápido. Suturas primárias são o trata- mais bem obtido com esplenectomia total. A ressecção par-
25
CI RUR G I A D O TRAU M A
cial ou medidas hemostáticas costumam não ser efetivas, B - Pâncreas e vias biliares
com o risco de ressangramento no pós-operatório. A classi-
Lesões da cauda pancreática podem ser simplesmente
ficação para as lesões esplênicas está na Tabela 4.
drenadas. As ressecções corpo-caudais devem ser realiza-
Tabela 4 - Classificação das lesões esplênicas das nas fraturas do pâncreas ou na lesão do Wirsung (lesão
do ducto pancreático principal). Lesões da cabeça pancre-
Grau da lesão
ática e da via biliar principal são um desafio para o cirur-
Hematoma <10% área subcapsular, sem expansão. gião. Na maioria das vezes, é preferível realizar a drenagem
I Penetração da cápsula <1cm de profundidade, externa e reservar a reconstrução do trânsito para um 2º
Laceração
sem sangramento. tempo, com equipe especializada. Realizar duodenopancre-
De 10 a 50% da superfície, subcapsular; atectomia é desaconselhável pelo tempo cirúrgico prolon-
Hematoma
hematoma intraparenquimatoso. gado e pela morbimortalidade do procedimento, associado
II
Laceração
1 a 3cm de profundidade, sem envolvimento à gravidade do trauma em si.
de vasos trabeculares, sem sangramento ativo.
Intraparenquimatoso até 5cm ou em expansão C - Estômago, duodeno, intestino delgado e có-
Hematoma
III >50% subcapsular. lon
Laceração Ruptura do parênquima com sangramento. Lesões gástricas podem ser rafiadas. Na presença de
Ruptura do parênquima com sangramento lesões múltiplas, ou na 1ª porção do duodeno, a gastrecto-
Hematoma
átrio. mia subtotal pode ser uma opção. Nas lesões de 2ª porção
IV
Lesão vascular hilar com desvascularização duodenal, associadas ou não a lesões pancreáticas, uma
Laceração
>25%. opção é a cirurgia de Vaughan, que consiste no reparo da
Laceração Destruição completa do baço. lesão duodenal, seguido de cerclagem pilórica com fio ab-
V Lesão vascular hilar com desvascularização sorvível por gastrostomia e uma gastroenteroanastomose
Vascular
total. laterolateral isoperistáltica aproveitando a gastrostomia
(Figura 11).
As lesões hepáticas podem ser classificadas conforme a
Tabela 5. Na maioria das vezes, as lesões param de sangrar
espontaneamente e o cirurgião não consegue identificar a
origem da hemorragia. Entre as medidas hemostáticas, cau-
terização, sutura, balão intra-hepático e tampões de peritô-
nio são as mais utilizadas. As ressecções hepáticas devem
ser realizadas para pacientes estáveis, e por cirurgião habi-
tuado com a técnica.
26
TRAUMA ABDOMINAL
CIRURGIA DO TRAUMA
do trauma. De maneira geral, todos os hematomas por
trauma penetrante devem ser explorados. Os hemato-
mas resultantes de trauma contuso podem ser conduzi-
dos conforme a Tabela 6.
27
CI RUR G I A D O TRAU M A
28
CAPÍTULO
6
Trauma cranioencefálico
José Américo Bacchi Hora / Fábio Carvalheiro / Eduardo Bertolli
Tabela 1 - Classificação
Mecanismo
- Alta energia: acidentes automobilísticos;
Fechado
- Baixa energia: quedas e agressões.
- Ferimento por arma de fogo;
Penetrante
- Outros ferimentos.
Gravidade
Leve - Escore GCS 14 a 15: 3% de craniotomia.
Moderado - Escore GCS 9 a 13: 9% de craniotomia.
Grave - Escore GCS 3 a 8: 19% de craniotomia.
Figura 1 - Doutrina de Monro-Kellie
29
CI RUR G I A D O TRAU M A
O aumento da PIC leva a uma queda na Pressão de Per- As pupilas devem ser comparadas em tamanho e ava-
fusão Cerebral (PPC), sendo esta dependente também da liadas quanto à fotossensibilidade (Tabela 3). Diferenças
Pressão Arterial Média (PAM). Logo, PPC = PAM – PIC. maiores que 1mm entre os diâmetros pupilares, bem como
É importante manter a PAM normal para manter a per- pupilas mióticas ou midriáticas fixas, indicam lesão intracra-
fusão cerebral. PPC menor que 70mmHg está relacionada niana.
a uma evolução desfavorável. Outro índice importante é o
fluxo sanguíneo cerebral, cujo valor normal é de 50mL por Tabela 3 - Avaliação da reação pupilar
100g de cérebro por minuto. Se esse fluxo diminui para me- Tamanho da Resposta à
Interpretação
nos de 20 a 25mL, a atividade eletroencefalográfica desapa- pupila luz
rece. Se menor de 5mL, há morte celular com consequente - Compressão do III nervo
lesão irreversível. Se a PAM cai para valores menores que (oculomotor) secundário à
50mmHg, há uma diminuição abrupta do fluxo sanguíneo Midríase Lenta ou herniação tentorial. Seguem
cerebral. Para evitar a ocorrência de lesões, deve-se tentar unilateralmente ausente ptose palpebral e paresia
manter a PAM e evacuar hematomas precocemente. muscular medial (olho para
baixo e para fora).
4. Avaliação inicial - Perfusão cerebral
Midríase Lenta ou inadequada;
A avaliação inicial segue a padronização do ATLS®. Como bilateralmente ausente - Paralisia bilateral do III
a hipóxia pode causar alteração do nível de consciência, do- nervo.
entes com rebaixamento sensório têm indicação de via aé-
Reação
rea definitiva. A proteção da coluna cervical deve ser man- Midríase
cruzada
tida até a exclusão completa de lesão. A correção de perdas unilateralmente - Lesão do II nervo (óptico).
(Marcus-
volêmicas também é importante, pois alguns casos de al- ou igual
Gunn)
teração neurológica podem ser secundários à hipovolemia.
- Drogas (opiáceo);
Durante o exame primário, a avaliação neurológica Difícil
consta de um exame rápido, em que se avaliam o nível de Miose bilateral - Lesão da ponte;
determinar
consciência, pupilas e sinais de localização de lesões. O nível - Encefalopatia metabólica.
de consciência é estimado pela Escala de Coma de Glasgow Miose unilateral Preservada - Lesão do trato simpático.
(ECG ou GCS – Glasgow Coma Score), em que são atribuídos
pontos às melhores respostas do paciente em 3 parâmetros Já no exame primário, o socorrista deve determinar se o
clínicos (Tabela 2). doente necessitará de avaliação de neurocirurgião e trans-
feri-lo caso não disponha desse especialista no serviço. No
Tabela 2 - Escala de coma de Glasgow - GCS
exame secundário, realiza-se um exame neurológico mais
Espontâneo 4 minucioso, à procura de sinais indiretos de lesão de Sistema
A estímulo verbal 3 Nervoso Central (SNC), além da investigação de níveis de
Abertura ocular (O)
A estímulo doloroso 2 comprometimento sensitivo e motor.
Sem resposta 1
Obedece a comandos 6 5. Gravidade
Localiza dor 5
30
TRAUMA CRANIOENCEFÁLICO
CIRURGIA DO TRAUMA
perda ou piora do nível de consciência, cefaleia de modera-
da à grave, intoxicação significativa por álcool/drogas, fratu-
ras de crânio, rinorreia ou otorreia, traumatismos significa-
tivos associados, falta de acompanhante confiável em casa
ou impossibilidade de retornar rapidamente ao hospital. Os
pacientes que necessitarem de avaliação de neurocirurgião
deverão ser transferidos precocemente.
31
CI RUR G I A D O TRAU M A
E
Figura 5 - (A) e (B) Hematoma extradural: aspecto tomográfico –
notar a forma biconvexa e o respeito pelas suturas; (C) hematoma
subdural; (D) lesão difusa: aspecto tomográfico (lesões hiperden-
sas); e (E) lesão por projétil de arma de fogo
a) Hematoma extradural
Também conhecido como epidural ou, menos comu-
mente, peridural. Localizado fora da dura-máter, dentro do
crânio, é mais frequente por ruptura da artéria meníngea
média por fratura craniana. A maioria tem origem arterial,
porém 1/3 pode ser de origem venosa, por ruptura do seio
parieto-occipital ou da fossa posterior.
Está presente em 0,5% dos TCEs e em 9% dos doentes
comatosos. Os doentes com essa lesão costumam apresen-
tar um intervalo lúcido entre o trauma e a piora neurológi-
ca, dado da história que obriga a observação neurológica do
paciente. A TC do crânio apresenta uma lesão com forma de
lente biconvexa, de localização principalmente temporal e
temporoparietal (Figuras 5A e B). O tratamento consiste na
drenagem do hematoma, que deve ser precoce, para evitar
lesão cerebral.
Figura 4 - Fratura de base de crânio: (A) aspecto tomográfico e (B)
sinal dos “olhos de guaxinim” b) Hematoma subdural
É mais comum, presente em 30% dos TCEs. Ocorre pela
ruptura do plexo venoso meníngeo, entre o córtex cerebral
B - Lesões intracranianas focais e o seio venoso. São comuns em pacientes com quedas re-
petidas, principalmente etilistas e idosos. A TC de crânio
apresenta lesão com forma côncava, reveste e comprime os
giros e sulcos, e causa desvio ventricular e da linha média
(Figura 5C).
O prognóstico é pior que o do hematoma extradural,
pela presença de lesão parenquimatosa grave mais comu-
mente associada. Assim, o tratamento cirúrgico, quando
indicado, deve ser feito rapidamente.
c) Contusões e hematomas intracerebrais
São as lesões focais mais comuns e frequentemente
associadas ao hematoma subdural. Localizam-se, prefe-
32
TRAUMA CRANIOENCEFÁLICO
rencialmente, nos lados frontal e temporal. As contusões cidade, posturas de descerebração, decorticação, flacidez
podem expandir e coalescer, formando um hematoma in- ou midríase fixa, lesões cruzando a linha média e transce-
tracerebral. rebrais e/ou transventriculares. Pacientes com ferimentos
penetrantes e Glasgow de 3 a 4, na maioria das vezes, não
CIRURGIA DO TRAUMA
C - Lesões intracranianas difusas são considerados cirúrgicos.
São mais comuns que as lesões focais, e o mecanismo de
trauma relacionado é a aceleração/desaceleração (Figura 5D). 7. Tratamento clínico
a) Concussão leve Devem ser adotadas medidas que visem prevenir lesão
O doente apresenta consciência preservada, porém com secundária em um cérebro já lesado. Devem-se evitar a de-
sidratação e a sobrecarga hídrica, além de manter o doente
disfunção neurológica temporária, e pode muitas vezes pas-
normovolêmico e euglicêmico, e recomenda-se o uso de so-
sar despercebido. Nos quadros mais leves, a vítima apre-
lução salina isotônica ou de Ringer lactato. A hiponatremia
senta confusão e desorientação, sem amnésia. O quadro
causa edema cerebral e deve ser evitada ou tratada agressi-
é totalmente reversível e não deixa sequela. Nos quadros
vamente quando presente.
mais graves, há amnésia retrógrada e anterógrada (antes e
Atualmente, alguns autores defendem o uso de solu-
depois do trauma).
ções salinas hipertônicas nos politraumatizados com TCE,
b) Concussão cerebral clássica pela demonstração de melhora no prognóstico, em compa-
Causa perda da consciência, transitória e reversível. O ração ao uso de soluções isotônicas. Essa conduta, entre-
grau de amnésia está relacionado à magnitude da lesão. Os tanto, ainda não é a recomendação-padrão e está restrita a
déficits podem estar ausentes ou permanecer como perda protocolos de estudo. O ATLS® preconiza o uso de soluções
da memória, tontura, náuseas, anemia ou depressão (sín- salinas isotônicas ou de Ringer lactato.
drome pós-concussão). A hiperventilação deve ser usada com moderação, man-
tendo a pCO2 ao redor de 30mmHg e por um período limita-
c) Lesão axonal difusa do. Deve-se evitar pCO2 <25mmHg. Sua diminuição resulta
Trata-se de coma pós-traumático prolongado sem lesão em vasoconstrição cerebral, que leva à redução do volume
de massa ou lesões isquêmicas. A vítima pode apresentar intracraniano. Inicialmente, ajuda a reduzir a pressão intra-
decorticação ou descerebração e disfunções autonômicas cerebral, porém, se prolongada ou agressiva, pode levar à
(hipertensão, hiper-hidrose, hiperpirose), além de sequelas isquemia cerebral.
neurológicas tardias. Muitas vezes, a TC de crânio é normal. O manitol é um diurético osmolar utilizado para a re-
Portanto, pacientes com TCE grave e TC de crânio normal dução da PIC e deve ser evitado em doentes hipotensos,
podem ter lesão axonal difusa. pois agrava a hipovolemia. As indicações mais precisas são
O mecanismo do trauma é uma força de cisalhamento doentes comatosos que apresentavam pupilas normais e
consequente à aceleração rotacional da cabeça. Em estudos evoluem com dilatação pupilar com ou sem hemiparesia,
anatomopatológicos, as anormalidades fundamentais en- ou doentes com ambas as pupilas dilatadas e não reativas e
contradas são lesão focal do corpo caloso, lesão da porção que não estão hipotensos. A furosemida pode ser utilizada
rostral do tronco encefálico e alterações morfológicas dos junto com manitol quando a PIC está elevada, após consulta
axônios sob a forma de esferoides de retração. com neurocirurgião.
Esteroides não são recomendados no tratamento agudo
D - Ferimento penetrante de crânio do TCE. Barbitúricos são eficientes na redução da PIC re-
fratária a outras medidas, mas não devem ser usados na
São, normalmente, lesões graves, que necessitam do presença de hipotensão ou hipovolemia. Quanto aos anti-
mesmo tratamento inicial de qualquer outro trauma. Essas convulsivantes, pode-se utilizar a fenitoína na 1ª semana
lesões em pacientes suicidas têm características próprias pós-trauma, como profilaxia de convulsões. A epilepsia pós-
que as tornam mais graves, pela pouca distância e pelo tra- -traumática ocorre em 5% dos doentes admitidos com TCE
jeto provável com alta incidência de lesão vascular (artéria e em 15% dos doentes com TCE grave.
cerebral média e seus ramos – Figura 5E).
A maioria desses pacientes requer tratamento cirúrgico,
pois mesmo os que estão sem déficits motores e de consci- 8. Tratamento cirúrgico
ência quando não são operados podem apresentar compli- Está indicado nas lesões de couro cabeludo (debri-
cações tardias, como meningite e/ou abscesso cerebral. Os damento, hemostasia e sutura da lesão), fraturas com afun-
objetivos do tratamento cirúrgico são a retirada das lesões damento de crânio (devem ser reduzidas, se profundas) e
expansivas, a prevenção de infecção, a hemostasia e o re- lesões intracranianas de massa (devem ser tratadas pelo
paro dural. neurocirurgião). Em geral, realiza-se a preparação do lado
Alguns fatores estão associados a um pior prognóstico, em que a pupila está dilatada. A trepanação de emergência
como ECG menor que 5, lesões por projéteis de alta velo- só deve ser realizada por médico treinado com a anuência e
33
CI RUR G I A D O TRAU M A
9. Resumo
Quadro-resumo
- O atendimento ao doente com TCE segue a padronização do
ATLS®. A coluna cervical deve permanecer imobilizada até a
exclusão de lesão. Doentes inconscientes têm indicação de via
aérea definitiva (tubo na traqueia com balão insuflado);
- Durante o exame primário, avalia-se o nível de consciência (pela
escala de coma de Glasgow) e pupilas. Se, nesse momento, for
necessária a avaliação de neurocirurgião, o paciente deverá ser
transferido precocemente;
- Mesmo traumas leves necessitam de observação neurológica,
quando não é possível realizar a tomografia de crânio.
34
CAPÍTULO
7
Trauma raquimedular
José Américo Bacchi Hora / Fábio Carvalheiro / Eduardo Bertolli
35
CI RUR G I A D O TRAU M A
O nível neurológico é definido como o ponto mais cau- grupos musculares apresentam uma única raiz nervosa
dal com preservação bilateral sensitivo-motora. As lesões espinhal. Os músculos-chave devem ser testados bilateral-
acima de T1 geralmente causam tetraplegia e, as abaixo, mente e avaliados em relação à força muscular. O esfíncter
paraplegia. O nível ósseo pode ser diferente do neurológi- externo do ânus é testado durante o toque retal.
co. Este pode ser dividido em níveis sensitivo e motor, dis- A documentação da força muscular permite avaliar a
cutidos a seguir. melhora ou a piora da função neurológica em exames se-
quenciais. Deve ser quantificada em uma escala de força
a) Nível sensorial que vai de 0 a 5, pois podem ocorrer déficits parciais (Tabela
É definido como o dermátomo mais baixo com funções 3). Grupos musculares, com respectivas raízes nervosas, a
sensitivas normais. Dermátomo é uma área de pele inerva- serem pesquisados nos exames sequenciais são apresenta-
da por uma raiz nervosa segmentar (Figura 1). Os pontos- dos a seguir.
-chave, em termos de sensibilidade, são:
Tabela 2 - Grupos musculares pesquisados nos exames sequenciais
Tabela 1 - Pontos-chave em termos de sensibilidade C5 Deltoide extensores.
C5 Área sobre o deltoide. C6 Extensores de punho.
C6 Dedo polegar.
C7 Extensor do cotovelo
C7 Dedo médio.
C8 Flexores dos dedos até o dedo médio.
C8 Dedo mínimo.
T1 Adutores do dedo mínimo.
T4 Mamilo.
L2 Flexores do quadril.
T6 Xifoide.
T10 Umbigo. L3 Extensores do joelho.
T12 Sínfise púbica. L4 Flexores dorsais do tornozelo.
L4 Face medial da coxa. L5 Extensores longos do hálux.
L5 Espaço entre o 1º e o 2º pododáctilos. S1 Flexores plantares do tornozelo.
S1 Borda lateral do pé.
Tabela 3 - Graduação da sensibilidade muscular
S3 Área da tuberosidade isquiática.
Escore Achados ao exame
S4 e S5 Região perianal.
0 Paralisia total.
1 Contração visível de palpação.
Movimentação total, desde que eliminada a força da
2
gravidade.
3 Movimentação total contra a força da gravidade.
4 Movimentação total, mas com a força muscular diminuída.
5 Força normal.
3. Avaliação radiológica
O único exame radiológico que pode ser solicitado como
complemento à avaliação primária é o raio x de perfil da
coluna cervical. Demais exames devem ser solicitados em
doentes estáveis hemodinamicamente, conforme o nível
em que se suspeita de lesão.
O raio x simples cervical em incidência lateral ou em
perfil deve mostrar a base do crânio, as 7 vértebras cervi-
cais e a transição com a 1ª vértebra torácica (Figura 2A).
Sua sensibilidade é de 85% para a detecção de fraturas.
Quando não é possível a visualização das últimas vértebras
Figura 1 - Inervação cutânea dividida por dermátomos
cervicais ou da transição toracolombar, podem-se tracionar
os membros superiores para baixo ou colocar o paciente na
b) Nível motor chamada “posição do nadador”, com extensão anterior de
Os músculos são inervados por mais de 1 raiz nervosa, um e posterior do outro membro superior, para a retirada
e cada uma inerva mais de 1 músculo. Entretanto, certos dos ombros do campo radiológico.
36
TRAUMA RAQUIMEDULAR
CIRURGIA DO TRAUMA
4. Conduta terapêutica
A - Imobilização
A imobilização manual deve ser instituída imediatamen-
te, não sendo retardas as medidas terapêuticas do atendi-
mento inicial para a colocação de dispositivos apropriados.
A imobilização adequada em doentes com fratura de coluna
cervical inclui colar cervical semirrígido, prancha longa, es-
paradrapo e atadura. Deve-se manter a imobilização até a
exclusão da presença de fraturas (Figura 3).
C
Figura 2 - Radiografias normais de coluna cervical: (A) perfil, (B)
anteroposterior e (C) transoral
37
CI RUR G I A D O TRAU M A
38
TRAUMA RAQUIMEDULAR
CIRURGIA DO TRAUMA
Figura 4 - (A) Deslocação atlanto-occipital: radiografia lateral
mostra um hematoma enorme pré-vertebral (setas) com deslo-
camento anterior do côndilo occipital (seta); (B) fratura do Atlas Figura 5 - (A) Classificação esquemática das fraturas de odontoide:
(fratura de Jefferson) tipo I – processo odontoide propriamente dito, tipo II – base do
processo odontoide e tipo III – com acometimento do corpo verte-
As fraturas do áxis (C2) correspondem a 18% das fratu- bral de C2; (B), (C) e (D) fraturas de processo odontoide visualiza-
ras da coluna cervical, e cerca de 60% são fraturas do odon- das na tomografia computadorizada
toide (Figura 4). São 3 os tipos de fratura do odontoide (Fi-
gura 5), sendo o tipo II (base do odontoide) a mais comum.
B - Coluna torácica
A chamada fratura do enforcado compromete o processo
espinhoso e os elementos posteriores do C2 e acontece por Entre T1 e T10, há 4 tipos de lesão, sendo a maioria fra-
lesão em extensão. turas estáveis:
As demais fraturas (20%) afetam o corpo, o pedículo, as - Lesões em cunha por compressão anterior;
massas laterais, as lâminas e o processo espinhoso. Podem - Lesões por explosão do corpo vertebral;
ocorrer fraturas e luxações de C3 a C7. O local mais fre- - Fraturas de Chance (fraturas transversas do corpo ver-
quente de fratura da coluna cervical é C5, e o local mais co- tebral);
mum de subluxação está entre C5 e C6. Nas crianças, pode - Fraturas-luxações.
ocorrer a pseudoluxação de C3-C4, que normalmente é um
achado incidental no exame radiológico, sem repercussões As fraturas da junção toracolombar de T11 a L1 ocorrem
clínicas. por hiperflexão e rotações agudas; costumam ser instáveis
39
CI RUR G I A D O TRAU M A
C - Coluna lombar
Estão associadas a um menor risco de déficit neurológi-
co completo.
A fratura de Chance deve ser investigada em traumas
com mecanismo de desaceleração e implica a investiga-
ção de lesões associadas, principalmente de duodeno e
pâncreas.
7. Resumo
Quadro-resumo
- O atendimento ao doente com TRM segue a padronização do
ATLS®, com imobilização adequada de coluna cervical até a
exclusão de lesão;
- O choque neurogênico ocorre por lesão das vias descendentes
do sistema simpático da medula espinhal, causando perda do
tônus vasomotor e perda da inervação simpática do coração;
- No choque medular, há flacidez e perda aguda dos reflexos
após lesão medular de duração variável;
- Não há evidências quanto ao uso de corticosteroides na fase
aguda do TRM fechado.
40
CAPÍTULO
8
Trauma musculoesquelético
José Américo Bacchi Hora / Fábio Carvalheiro / Eduardo Bertolli
41
CI RUR G I A D O TRAU M A
42
T R A U M A M U S C U LO E S Q U E L É T I C O
CIRURGIA DO TRAUMA
controle do sangramento e a reanimação com soluções sali-
nas. O controle da hemorragia é obtido com a estabilização
mecânica do anel pélvico. As técnicas de redução na rea-
nimação variam desde tração esquelética com dispositivo
aplicado sobre a pele (alça em C ou até mesmo contenção
com lençol) até o dispositivo pneumático antichoque (PASG
– Figura 4A e B).
43
CI RUR G I A D O TRAU M A
as opções cirúrgicas, é possível realizar desde o reparo das hemoglobina, ausente na urina). Outros dados laboratoriais
lesões até derivações como colostomia e cistostomia. O fe- são a hipocalcemia e a hipercalemia. O potássio deve ser
rimento deverá ser irrigado e desbridado nos dias consecu- controlado pelo risco de arritmias. O tratamento também
tivos, conforme a necessidade. envolve administração vigorosa de solução salina intrave-
nosa e alcalinização da urina com bicarbonato de sódio nos
casos em que não há resposta com a hidratação.
D - Amputação traumática
O músculo não tolera interrupção do fluxo sanguíneo ar-
terial por um período superior a 6 horas. Nos casos de am-
putação traumática, deve ser considerada a possibilidade
de reimplante. No entanto, se o doente apresentar lesões
múltiplas, que necessitem de reanimação intensiva e inter-
venção cirúrgica de urgência, ele não será um candidato ao
reimplante. Em geral, este é indicado em lesão isolada de
extremidade, abaixo do joelho ou do cotovelo (Figura 6).
A parte amputada deve ser lavada com solução hipotô-
nica e envolta em gaze umedecida e toalha estéril. É, então,
colocada em um saco plástico e transportada, com o doen-
te, em uma caixa de isopor com gelo.
44
T R A U M A M U S C U LO E S Q U E L É T I C O
CIRURGIA DO TRAUMA
luxação de ombro ruptura da aorta.
queimaduras. - Lesão da artéria braquial;
A pressão intracompartimental pode ser medida. Valo- Fratura/luxação de cotovelo - Lesão de nervo mediano,
res de pressões teciduais acima de 35 a 45mmHg causam ulnar e radial.
isquemia e indicam tratamento imediato. Quanto menor a
- Fratura de colo de fêmur;
pressão sistêmica, menor a pressão compartimental. A me- Fratura de fêmur
dida da pressão está indicada a todos os que apresentam - Luxação posterior do quadril.
alteração da resposta aos estímulos dolorosos. - Fratura de fêmur;
Durante o tratamento, devem ser retirados curativos, - Luxação posterior do quadril;
Luxação posterior do joelho
gessos ou imobilizações da extremidade comprometida. O - Lesão de artéria e nervo
doente é então reavaliado após 30 a 60min. Se não houver poplíteo.
mudança na avaliação clínica, estará indicada a fasciotomia - Lesão ou fratura de coluna;
descompressiva (Figura 7). O retardo na realização da fas- - Fratura do platô tibial;
ciotomia pode resultar em mioglobinemia e insuficiência Fratura de calcâneo
- Fratura ou luxação da parte
renal, e o prognóstico depende do tempo de evolução do
posterior do pé.
quadro até a realização do procedimento.
6. Resumo
Quadro-resumo
- O atendimento ao doente com trauma musculoesquelético
segue a padronização do ATLS®. Sempre que possível, a
avaliação deve ser multidisciplinar;
- Lesões de partes moles e, principalmente, fraturas pélvicas,
podem sequestrar grandes quantidades de volume e devem
ser controladas precocemente;
- As lesões musculoesqueléticas devem alertar para a presença
de lesões associadas.
5. Lesões associadas
As lesões musculoesqueléticas costumam estar asso-
ciadas a outras lesões, que nem sempre são diagnosticadas
de imediato e podem passar despercebidas. É importante
sempre alertar para o mecanismo de trauma e repetir o
exame físico, detalhadamente, se necessário. Em virtude
de mecanismo semelhante, algumas lesões frequentemen-
te se associam a certas lesões osteomusculares (Tabela 2).
Tabela 2 - Lesões associadas a fraturas e luxações
Lesões associadas com
Lesão musculoesquelética
maior frequência
Fratura de coluna - Lesões intra-abdominais.
Fraturas ou luxações de coluna
- Ruptura de aorta torácica.
torácica
- Lesão abdominal, torácica ou
Lesão pélvica grave craniana;
- Hemorragia vascular pélvica.
45
SUPORTE VENTILATÓRIO NÃO CIRÚRGICO
CAPÍTULO
9
Trauma pediátrico
José Américo Bacchi Hora / Fábio Carvalheiro / Eduardo Bertolli
46
TRAUMA PEDIÁTRICO
CIRURGIA DO TRAUMA
Não sustentáveis -1
180 a
0 a 6m 3a6 60 a 80 60 2 >90mmHg +2
160
Lactente 12 160 80 40 1,5 PAS 50 a 90mmHg +1
Pré-escolar 16 120 90 30 1 <50mmHg -1
Pulso palpável no punho +2
Adolescente 35 100 100 20 0,5 Se não houver
Pulso palpável na virilha +1
medida de PAS
Uma maneira rápida para avaliação dos sinais vitais es- Pulso não palpável -1
perados para cada idade é a régua de Broselow. A partir da Acordado +2
medida da criança (Figura 1) estima-se o peso corporal, si- Parcialmente consciente +1
nais vitais e dose das principais medicações. Estado SNC
Comatoso ou
-1
descerebrado
Nenhuma +2
Feridas abertas Pequena +1
Grande -1
Nenhuma +2
Lesão esquelética Fratura fechada +1
Fratura aberta -1
Total -6 a +12
A - Vias aéreas
A causa mais comum de parada cardíaca em crianças é
a incapacidade de estabelecer e/ou de manter a via aérea
pérvia, com consequente falta de oxigenação e ventilação.
Como no adulto, a via aérea da criança deve ser a priori-
dade do tratamento. Entretanto, há diferenças importantes
com relação à anatomia das vias aéreas nessa faixa etária
Figura 1 - Régua de Breselow: a partir da medida da criança, são que podem dificultar a intubação.
estimados peso, sinais vitais e dose das principais medicações Quanto menor a criança, maior a desproporção crânio/
face, e há maior tendência de a faringe posterior colabar-se
3. Especificidades do atendimento inicial e ficar obliterada. As partes moles (língua, amígdalas) são
relativamente maiores, a laringe é mais alta e mais anterior,
da criança as cordas vocais formam um ângulo anterocaudal, e o com-
A criança, per se, não constitui uma prioridade no aten- primento da traqueia é menor.
dimento a situações com múltiplas vítimas. O socorrista
deve ter em mente as peculiaridades na avaliação e no tra-
tamento, mas ela será atendida conforme a gravidade e os
recursos disponíveis, à semelhança das outras vítimas.
A Tabela 4 mostra o escore de traumatismo pediátrico.
Vítimas com escore menor que 9 têm maior risco de óbito
e devem ser atendidas em centros especializados em trau-
ma pediátrico. Cerca de 5 a 10% das crianças traumatizadas
apresentam escore menor que 9.
Tabela 4 - Escore de traumatismo pediátrico (PTS - Pediatric Trau-
ma Score)
Parâmetro Valor
>20kg +2 Figura 2 - Diferenças anatômicas das vias aéreas na criança que
Tamanho 10 a 20kg +1 dificultam a intubação: (A), (B) e (C) posição da base da língua pre-
dispondo a obstrução da via aérea e (D) altura da epiglote; no nível
<10kg -1
de C2 e C3
47
CI RUR G I A D O TRAU M A
Caso a criança apresente respiração espontânea, com utilizados drenos de tórax de menor diâmetro, locados no
via aérea parcialmente obstruída, deve-se posicionar a ca- 5º espaço intercostal, anteriormente à linha axilar média.
beça da criança na “posição de cheirar”, tracionar o mento A parede torácica da criança é mais flexível e compla-
e a mandíbula, limpar secreções e retirar corpos estranhos, cente, o que permite a transmissão de energia para o inte-
além de administrar oxigênio suplementar. Na criança in- rior, causando lesão do parênquima pulmonar, muitas vezes
consciente, são necessários métodos mecânicos para per- sem lesão óssea. Dessa maneira, a força necessária para fra-
meabilizar a via aérea. turar os arcos costais da criança é significativamente maior
A cânula de Guedel deve ser introduzida diretamente que a necessária para fraturar os do adulto. É comum a pre-
na orofaringe, e não voltada para o palato. Se necessitar sença de contusão pulmonar.
de intubação orotraqueal, a cânula deve ser sem cuff e de
tamanho apropriado. O menor diâmetro da via aérea da C - Circulação
criança é o anel cricoide que funciona como um selo natural
Em virtude da reserva fisiológica aumentada, os sinais
ao tubo traqueal (dispensando o uso dos cuffs). O tamanho
vitais da criança se mantêm mesmo com choque grave. Os
da cânula pode ser estimado pelo diâmetro da narina ou do
sinais de choque são mais sutis e aparecem somente após
dedo mínimo da mão da criança.
uma perda maior que 25% do volume sanguíneo. O 1º sinal
As indicações de via aérea definitiva na criança são as
de choque é o aumento da frequência cardíaca, entretanto
mesmas do adulto (Tabela 5). Para a intubação, recomen-
isso ocorre nas crianças também por dor, medo ou estres-
da-se utilizar atropina para manter a frequência cardíaca e
se. Outros sinais de choque são má perfusão da pele (pele
depois sedar a criança, e deve-se usar um curare de ação
mosqueada, extremidade fria), alteração do nível de cons-
rápida para paralisia muscular (ex.: succinilcolina). Como a
ciência e resposta alterada ao estímulo doloroso (Tabela 6).
via aérea da criança é mais curta, há uma chance maior de
A hipotensão indica choque não compensado, com
intubação seletiva ou de mudança da posição da cânula du-
perda sanguínea grave, maior que 45% do volume total. A
rante o transporte ou mobilização.
criança hipotensa pode evoluir com bradicardia, principal-
Tabela 5 - Indicações de via aérea definitiva mente os lactentes. A queda do débito urinário é, também,
um evento tardio do choque em crianças.
- Apneia;
- Proteção das vias aéreas contra aspiração por vômitos ou sangue; Tabela 6 - Resposta sistêmica à hipovolemia na criança
- TCE com ECG ≤8; Perda
<25% 25 a 40% >45%
- Risco de obstrução por lesão de traqueia ou laringe, hematoma volêmica
cervical ou retrofaríngeo, estridor; Pulso fraco, Hipotensão,
Sistema
- Fraturas maxilofaciais graves; filiforme, Taquicardia taquicardia ou
cardíaco
taquicardia braquicardia
- Convulsão persistente;
Letárgico, Mudança no nível
- Incapacidade de manter oxigenação com máscara de O2;
SNC irritável, de consciência, fraca Comatosa
- Necessidade de ventilação: paralisia neuromuscular, movimentos confuso resposta à dor
respiratórios inadequados, TCE grave com necessidade de
hiperventilação. Cianose,
enchimento Pálida, muito
Pele Fria e úmida
A intubação nasotraqueal não deve ser realizada na capilar retardado fria
criança com idade inferior a 12 anos, pelo risco de lesão extremidades frias
de partes moles e/ou penetração no crânio. A cricotireoi- Redução
dostomia cirúrgica também é contraindicada aos menores mínima
de 12 anos, pelo risco de estenose. As opções são a cricoti- do débito Diminuição
Ausência de
Rins urinário, acentuada do débito
reoidostomia por punção com agulha ou a traqueostomia. débito urinário
aumento da urinário
desistência
B - Ventilação urinária
A frequência respiratória é normalmente alta em lacten-
tes (40 a 60irpm) e diminui com a idade. A etiologia mais Para a reposição volêmica, o acesso preferencial é a
comum de parada cardíaca na criança é a hipoventilação, punção periférica percutânea. Deve-se evitar a punção fe-
caso em que ela apresentará acidose respiratória. moral, devido ao alto risco de trombose. A infusão intraós-
sea está indicada para crianças abaixo de 6 anos, caso não
- Trauma torácico pediátrico seja possível punção periférica (após 2 tentativas), sempre
Cerca de 10% dos traumas comprometem o tórax, e 2/3 utilizando um membro não traumatizado.
apresentam lesões associadas. A maioria das lesões é cau- A infusão intraóssea deve ser interrompida assim que se
sada por trauma fechado, principalmente acidente automo- estabelece um acesso venoso apropriado. As complicações
bilístico. Na necessidade de drenagem torácica, devem ser desse procedimento incluem celulites e, raramente, osteo-
48
TRAUMA PEDIÁTRICO
mielites. O local preferencial de punção intraóssea é o terço O cirurgião pediátrico deverá, sempre que possível, acom-
proximal da tíbia, abaixo da tuberosidade (Figura 3). Se a panhar os exames de imagem. Como sangramentos intra-ab-
tíbia estiver fraturada, a agulha poderá ser introduzida no dominais decorrentes de trauma de vísceras parenquimatosas
segmento distal do fêmur. A punção não deve ser realizada
CIRURGIA DO TRAUMA
(baço, fígado e rim) costumam cessar espontaneamente, o
distalmente à fratura. Tratamento Não Operatório (TNO) poderá ser indicado desde
que a criança esteja hemodinamicamente normal. A criança
deve ser mantida em unidade de terapia intensiva, com moni-
torização contínua dos sinais vitais e disponibilidade imediata
de equipe cirúrgica e de sala de operação.
Tabela 7 - Lesões mais comuns em crianças do que em adultos
Hematoma de duodeno
Mais frequente em crianças por falta de desenvolvimento da
musculatura; acontece, frequentemente, por queda sobre um
Figura 3 - Punção intraóssea: (A) agulhas especiais para punção e guidão de bicicleta. Pode ser tratado de forma conservadora
(B) local apropriado para a punção com sonda nasogástrica e dieta parenteral.
Lesões de delgado
O volume sanguíneo da criança pode ser estimado em Mais comuns em crianças com perfurações do intestino delgado
80mL por kg de peso. O tratamento inicial da criança con- próximo ao ângulo de Treitz e avulsão de mesentério.
siste na administração de cristaloides, 20mL/kg em bolus, Ruptura de bexiga
podendo repetir essa dose 3 vezes após avaliação clínica
Na criança, ocorre mais lesão pela pequena profundidade da
(total de 60mL/kg). Deve-se considerar a conveniência de pelve.
administração concentrada de hemácias, na dose inicial de Lesão de órgãos parenquimatosos (baço, fígado e rins)
10mL/kg, persistindo a instabilidade.
São frequentes no trauma fechado e raramente necessitam
O retorno à estabilidade hemodinâmica é indicado por de tratamento cirúrgico. Em geral, há um rápido retorno à
diminuição da frequência cardíaca, aumento da pressão de normalidade hemodinâmica com a reanimação rápida com
pulso, reaquecimento das extremidades, elevação da PAS cristaloides. O diagnóstico é feito, então, com uma tomografia
(>80mmHg), retorno à cor normal da pele e melhora do ní- de abdome.
vel de consciência. O débito urinário é o melhor parâmetro
para avaliar a resposta à reposição volêmica. Espera-se um Lesões pélvicas podem acarretar sangramentos de gran-
débito de 1mL/kg/h nas crianças com mais de 1 ano e 2mL/ de monta. A hemorragia associada à fratura da pelve e dos
kg/h nas menores. ossos longos é proporcionalmente maior na criança do que
no adulto.
- Trauma abdominal pediátrico
Toda criança traumatizada deve ter o estômago des- D - Estado neurológico
comprimido por meio da passagem de sonda gástrica du- Utiliza-se a Escala de Coma de Glasgow (ECG), no entan-
rante a reanimação. Os lactentes e as crianças menores, to a resposta verbal deve ser modificada nas crianças com
devido ao choro, deglutem grande quantidade de ar, o que idade abaixo de 4 anos (Tabela 8). O atendimento inicial
aumenta a tensão da parede abdominal e dificulta o exame adequado requer restauração rápida do volume circulante,
do abdome. Há preferência pela sondagem orogástrica no evitando a hipóxia. O vômito e a amnésia por traumas são
lactente. A descompressão vesical por sondagem também mais comuns. Logo, sempre se deve realizar descompressão
facilita a avaliação abdominal, com a ressalva de que não gástrica com sonda.
devem ser utilizadas sondas com Foley em crianças com
menos de 15kg. Tabela 8 - Resposta verbal pediátrica
Nas crianças instáveis hemodinamicamente, realiza-se 5 Palavras apropriadas ou sorriso social, fixa e segue objeto.
o Lavado Peritoneal Diagnóstico (LPD) ou aspirado abdo- 4 Chora, mas é consolável.
minal. O ultrassom na sala de emergência (FAST – Focused 3 Persistente, irritável.
Assessment with Sonografic for Trauma) também pode ser 2 Inquieto, agitado.
utilizado para detecção de sangramento intra-abdominal. A 1 Nenhuma.
tomografia de abdome constitui a melhor forma de diag-
nóstico, mas só deve ser realizada na criança hemodina- O acompanhamento neurocirúrgico deve ser adequado
micamente normal. Em geral, a criança precisa de sedação e precoce, e é fundamental a reavaliação continuada de to-
para realizar o exame. É necessário uso de contraste intra- dos os parâmetros. A monitorização da pressão intracrania-
venoso oral e, em alguns casos, retal. na é realizada na criança com maior frequência, pelo maior
49
CI RUR G I A D O TRAU M A
50
TRAUMA PEDIÁTRICO
- Hemorragia retiniana;
- Queimaduras de 2º e 3º graus nitidamente demarca-
das e em áreas não usuais;
- Evidência de lesões traumáticas repetidas, cicatrizes e
CIRURGIA DO TRAUMA
fraturas consolidadas;
- Trauma genital ou na região perianal;
- Lesões bizarras como mordedura, queimaduras por ci-
garro ou marcas de cordas;
- Hematomas subdurais múltiplos;
- Ruptura de vísceras, sem antecedente de trauma grave;
- Lesões periorais;
- Fraturas de ossos longos em crianças abaixo de 3 anos.
A criança agredida tem risco maior de lesões fatais,
portanto ninguém está livre da obrigação de notificar. A
notificação de espancamento de crianças assume maior
importância quando se lembra que 50% das vítimas de
maus-tratos, atendidas e liberadas para o convívio com os
responsáveis pelo abuso, retornam mortas ao hospital.
4. Resumo
Quadro-resumo
- O atendimento à criança politraumatizada deve seguir a
padronização proposta pelo ATLS®;
- A criança não deve ser considerada prioridade no atendimento,
mas apresenta peculiaridades que devem ser conhecidas;
- Diferenças anatômicas e de parâmetros vitais podem mimetizar
falsos diagnósticos de normalidade;
- Na suspeita de maus-tratos, é obrigação do médico que atende
o caso notificar às autoridades competentes.
51
SUPORTE VENTILATÓRIO NÃO CIRÚRGICO
CAPÍTULO
10
Queimaduras
José Américo Bacchi Hora / André Oliveira Paggiaro / Eduardo Bertolli
Pontos essenciais
- Atendimento inicial;
- Fisiopatologia das queimaduras;
- Bases do tratamento;
- Tipos específicos de queimaduras.
1. Introdução
As queimaduras são causas frequentes de trauma em
todas as idades, sendo mais comuns nos extremos de idade.
Nesse tipo de trauma, há liberação de mediadores celulares
e humorais que determinam alteração das permeabilidades
capilar, metabólica e imunológica, levando a distúrbio hi-
droeletrolítico, desnutrição e infecção. Podem ser causados
por uma série de agentes físicos, químicos, radiação e ele-
tricidade. Temperaturas muito baixas também podem cau-
sar lesões semelhantes a queimaduras. Na população adul-
ta, elas são mais encontradas em homens, principalmente
em razão dos acidentes de trabalho.
2. Classificação Figura 2 - Camadas de pele: (1) superficial, (2) média e (3) profun-
da; queimaduras da pele em 1º (4), 2º (5) e 3º (6) graus
A principal classificação utilizada para as queimaduras
considera a profundidade da lesão. São consideradas de Outra maneira de dividir as queimaduras são os graus
espessura parcial aquelas em que há preservação da inte- (Tabela 1).
gridade de alguma porção das camadas da pele, e de es-
pessura total, quando todas essas camadas estão lesadas Tabela 1 - Graus de queimadura
(Figura 2). 1º grau 2º grau 3º grau
Acomete todas as
camadas da pele,
Compromete total- inclusive o subcu-
Compromete ape-
mente a epiderme e tâneo, podendo
nas a epiderme
parte da derme lesar tendões,
ligamentos, ossos e
músculos
Apresenta dor, Causa lesão branca
Apresenta eritema, eritema, edema, ou marrom, seca,
calor e dor bolhas, erosão e dura e inelástica
ulceração (branca nacarada)
Não há formação de Há regeneração
É indolor
bolhas espontânea
Figura 1 - Estrutura da pele
52
QUEIMADURAS
CIRURGIA DO TRAUMA
mação em poucos anexos subcutâneos espontânea, neces-
dias (folículo piloso e sitando de enxertia cuidados intensivos.
glândulas) 3 - Zona de hiperemia externa: formada por tecidos
Eventualmente, edemaciados viáveis.
Cicatrização mais
Regride sem deixar pode cicatrizar, po-
lenta (2 a 4 sema-
cicatrizes
nas)
rém, com retração
das bordas
3. Fisiopatologia das lesões térmicas
Pode deixar seque- A lesão térmica exerce efeitos deletérios sobre os dife-
Pouca repercussão las como discromia rentes sistemas do organismo, sendo proporcional à exten-
-
sistêmica (superficial) e cica- são da queimadura (Figura 4). Ocorrem alterações bifásicas
triz (profunda) na função orgânica, com hipofunção inicial e hiperfunção
Fonte: “Primeiro atendimento em queimaduras: a abordagem posterior, exceto o sistema imune, em que a sequência é
do dermatologista”, Everton Carlos Siviero do Vale, An. Bras. Der- inversa. As alterações metabólicas e as perdas líquidas nas
matol. vol.80 no.1 Rio de Janeiro Jan./Feb. 2005. queimaduras de 2º grau profundas são as mesmas das quei-
maduras de 3º grau.
53
CI RUR G I A D O TRAU M A
54
QUEIMADURAS
CIRURGIA DO TRAUMA
em virtude do aumento da permeabilidade capilar. Logo, a
intercostal, quadro broncoespástico e presença de partícu-
reposição volêmica deve ser mais agressiva aqui do que a
las de carbono. A radiografia inicial de tórax é normal, mas
preconizada para o doente politraumatizado.
costuma apresentar infiltrados intersticiais nas primeiras 24
Devem ser puncionados pelo menos 2 acessos calibro-
a 48 horas. A lesão é considerada grave quando há neces-
sos periféricos, preferencialmente em áreas não queima-
sidade de ventilação mecânica por mais de 96 horas, PaO2
das, para infusão de volume, preferencialmente soluções
<250mmHg com FiO2 de 100% e radiografia de tórax com
salinas isotônicas. Para o cálculo adequado da reposição vo-
edema intersticial difuso. O diagnóstico precoce se faz por
lêmica é importante saber a porcentagem de SCQ. O cálculo
broncoscopia. Devem ser realizadas IOT, ventilação mecâni-
é baseado nas áreas de queimaduras de 2º e de 3º graus,
ca com FiO2 >50% e limpeza frequente com aspiração da via
sendo desconsideradas as áreas de 1º grau.
aérea. A antibioticoterapia não deve ser usada profilatica-
Há 3 métodos mais frequentemente utilizados:
mente, e os corticoides não mostraram eficácia.
Além disso, a presença de trauma de coluna cervical - Regra da palma da mão
deve ser investigada principalmente nas lesões por queima- A superfície da palma da mão do indivíduo, excluindo os
duras elétricas extensas e explosões, pois são comuns as dedos, equivale a 1% da área de superfície corpórea, sendo
fraturas nesses tipos de mecanismo de trauma. utilizado para calcular o restante. É o menos fidedigno para
avaliação da área queimada.
B - Ventilação
- Regra dos 9
Vítimas de explosões podem apresentar frequentemen-
É um guia útil para determinar a extensão da área quei-
te quadro de pneumotórax simples ou até mesmo hiperten-
mada e baseia-se no fato de que as regiões anatômicas cor-
sivo, que precisa ser diagnosticado e tratado na avaliação
respondem a 9% ou o múltiplo de 9% da superfície corpó-
inicial. Pneumotórax aberto também é possível.
rea (Figura 6).
As queimaduras torácicas e abdominais de 3º grau po-
Nas crianças, o tamanho da cabeça costuma ser maior
dem formar uma espécie de carapaça, que pode impedir a
do que nos adultos, enquanto os membros inferiores são
incursão respiratória, gerando distúrbio de ventilação. Nesse
menores, proporcionalmente em relação ao restante do
tipo de situação, é obrigatório realizar escarotomias para li-
corpo (Tabela 2).
beração da caixa torácica. As escarotomias são incisões line-
ares que se estendem por meio de toda a espessura da pele
queimada e permitem a separação da escara constritora.
Devem ser realizadas 2 incisões bilaterais na linha axilar
anterior para liberação torácica e, caso não sejam suficien-
tes, podem ser interligadas por uma incisão horizontal na
margem do gradeado costal como um grande “H” para libe-
ração abdominal.
55
CI RUR G I A D O TRAU M A
D - Neurológico
Em razão da perda de líquidos e da hipotensão, algumas
vezes os pacientes apresentam confusão mental ou incons-
ciência, exigindo reposição hídrica vigorosa imediata. Nas
explosões ou traumas elétricos, há uma grande associação
aos traumatismos cranioencefálicos. Exames diagnósticos
só podem ser realizados após a estabilização respiratória e
Figura 7 - Esquema de Lund e Browder para o cálculo de SCQ em hemodinâmica do paciente.
adultos e em crianças
E - Exposição e prevenção de hipotermia
Com base no cálculo da SCQ, começaram a ser desen-
volvidas fórmulas de hidratação (Tabela 3). A 1ª – fórmula Devem-se calcular a extensão e a profundidade da le-
de Evans e Brooke – pregava o uso de cristaloides e coloides são, que influirão diretamente tanto na conduta quanto à
em associação. Imaginava-se que o uso de coloides aumen- hidratação, como no encaminhamento para centro de quei-
taria a manutenção de líquidos no intravascular. Entretanto, maduras. A SCQ e a profundidade da lesão são essenciais
isso não se confirmou, e surgiram novas fórmulas baseadas no prognóstico do paciente. A remoção de roupas, agentes
apenas no uso de cristaloides – Parkland e Brooke modifi- plásticos e piche deve ser feita para evitar a exposição pro-
cado. Estas 2 últimas são as mais utilizadas, e a de Parkland longada e o aumento das lesões.
costuma ser a mais usada: O resfriamento com água fria nas queimaduras causa
- Fórmula de Parkland alívio, mas só deve ser usado em queimaduras pequenas,
Reposição de 2 a 4mL de solução cristaloide x o peso para não causar hipotermia, sendo contraindicado nos lo-
corporal (kg) x a SCQ (queimaduras de 2º e 3º graus). cais de queimaduras com mais de 10% de SCQ. Envolver
56
QUEIMADURAS
CIRURGIA DO TRAUMA
Nitrato de Ag - Descoloração da ferida;
- Indolor;
lesão. Nas queimaduras por chama, a gravidade é propor- a 0,5% - Troca várias vezes ao
- Não resistência
cional à chama e à duração da exposição. Nos extremos de dia;
bacteriana.
- Hipo Na e Hipo K.
idade, observam-se lesões mais profundas, uma vez que a
pele é mais fina, o que é praticamente visto em crianças Deve ser administrado toxoide tetânico a todos os pa-
com menos de 2 anos. cientes. Antibióticos profiláticos normalmente não costu-
Nas queimaduras químicas, as roupas devem ser re- mam ser necessários, são inclusive contraindicados pela
movidas imediatamente. Agentes sólidos e pós devem ser possibilidade de indução à resistência bacteriana.
removidos primeiro. A irrigação local exaustiva com água
e soro deve ser iniciada, evitando-se o uso de agentes B - Tratamento cirúrgico: excisão e enxertia de pele
neutralizantes. A concentração do agente e a duração de-
terminam a gravidade. Depois da estabilização do paciente, começam a ser reali-
Nas queimaduras elétricas, deve-se remover a vítima zadas as escarectomias, que consistem no desbridamento do
imediatamente da fonte de energia, com o cuidado de não tecido queimado inviável. É um procedimento extremamen-
vir a fazer parte do circuito elétrico, desligando a fonte de te sangrante, com limite de ressecção de 10 a 20% de SCQ.
energia ou usando materiais não condutores. Queimaduras Atualmente, o tratamento padrão-ouro nos casos de
elétricas profundas causam graves lesões musculares, e a queimadura de espessura total é a excisão tangencial do
presença de área de entrada e saída da corrente levanta a tecido queimado e sua cobertura cutânea imediata. Há 2
suspeita dessas lesões. técnicas principais: uma excisão sequencial de uma camada
fina de todos os tecidos inviáveis até atingir uma camada de
tecidos viáveis; ou a ressecção de todo o tecido até encon-
5. Tratamentos específicos trar a fáscia muscular, para posterior enxertia. A enxertia de
pele pode ser de espessura total ou parcial, ou por meio de
A - Antibióticos lâmina ou em malha (mesh graft).
Com a melhora do atendimento inicial dos pacientes
grandes queimados, a principal causa de morte atualmente C - Nutrição
é o risco de infecção. As escaras das queimaduras de 3º grau O grande queimado apresenta uma resposta hipermeta-
provocam um risco aumentado para o desenvolvimento de bólica e por isso tem grande gasto energético. Esta situação
infecção. O tratamento ideal para esses casos é a ressecção persiste enquanto as feridas permanecerem abertas. Por
precoce das escaras e cobertura cutânea com enxertos de isso, o suporte nutricional deve ser iniciado em todo grande
pele, com redução do risco de sepse. Entretanto, nos gran- queimado o mais precocemente possível, preferencialmen-
des queimados, a falta de áreas doadoras limita a possibili- te por via enteral, por ter menor incidência de complica-
dade de desbridamento ao máximo de 20% de SCQ. Nestes ções, manter o trofismo intestinal e diminuir a translocação
casos, recomenda-se o uso de microbianos tópicos para bacteriana.
reduzir o risco de crescimento bacteriano e consequente A ingesta proteica recomendada é de 2,5 a 3g/kg/dia.
invasão da corrente sanguínea (Tabela 4). Para o cálculo da quantidade de calorias que deve ser for-
necida, utilizamos a fórmula de Curreri e Luterman (1978)
Tabela 4 - Antimicrobianos tópicos mais comuns e suas vantagens
= adultos: (25Kcal x P) + (40Kcal x %SCQ); e crianças: (40 a
e desvantagens
60Kcal) x P.
Vantagens Desvantagens
Como cerca de 20% dos pacientes desenvolvem íleo
- Indolor; paralítico nas primeiras 24 horas, deve ser passada sonda
- Visibilidade da
Silvadene
ferida;
nasogástrica. As úlceras gástricas pelo estresse, também
(sulfadiazina - Neutropenia. chamadas úlceras de Curling, são comuns nos pacientes
- Fácil uso (1 a 2x/d);
de prata)
- Mantém queimados. Por isso, sempre se deve realizar profilaxia com
mobilidade. protetor gástrico.
- Boa penetração na
escara;
- Visibilidade da
- Doloroso; 6. Tipos específicos de queimaduras
Sulfamylon - Droga de 2ª escolha;
ferida;
(acetato de - Hipocalemia;
- Não resistência
mafenida)
bacteriana;
- Inibição da anidrase A - Queimadura elétrica
carbônica pulmonar.
- Mantém Existem as lesões de baixa voltagem (<1.000V) e as de
mobilidade.
alta voltagem (>1.000V). Estas provocam destruição mais
57
CI RUR G I A D O TRAU M A
importante de tecidos. A queimadura elétrica verdadeira é - 3º grau >5% SCQ em qualquer idade;
aquela que apresenta porta de entrada e de saída da cor- - Queimaduras elétricas;
rente, e a lesão profunda é causada pela passagem da mes-
- Lesão inalatória;
ma. A lesão é proporcional à resistência do tecido, sendo
osso >músculo >nervo e vasos. - Queimadura circunferencial;
Outro tipo de situação é aquela chamada flash burn, em - Queimadura em pacientes com doenças associadas;
que não existe realmente a passagem de corrente pelo or- - Qualquer queimadura associada a trauma;
ganismo. Na verdade, ocorre uma explosão, e a queimadura - Hospitais sem condições ou pessoal especializado.
é causada por fogo. Não existe porta de entrada ou de saída
da lesão, e as feridas são mais simples e menos profundas.
É essencial a investigação completa do trauma, porque cos-
8. Resumo
tuma estar associado a explosões com risco de fraturas e Quadro-resumo
traumas abdominais. - O atendimento ao doente vítima de queimadura segue a
A lesão cardíaca é extremamente rara, com arritmias mesma padronização proposta pelo ATLS®;
transitórias. A monitoração cardíaca deve ser instituída nas - A indicação de via aérea definitiva deve ser precoce;
primeiras 24 a 48 horas. Ocorre lesão renal com a destrui-
- A reposição volêmica deve ser agressiva. A fórmula mais
ção de tecido muscular, havendo liberação de mioglobina utilizada é a proposta por Parkland, que repõe de 2 a 4mL/kg,
e a sua excreção renal (mioglobinúria). Esse pigmento gera por SCQ nas primeiras 24 horas;
nefrotoxicidade e risco de insuficiência renal. Para evitar tal - O socorrista deve ter em mente as situações que exigirão
quadro em traumas elétricos deve-se realizar uma hiper- tratamento em centro especializado.
-hidratação com 7mL/kg/%SCQ de cristaloide em 24h, al-
calinização da urina e estímulo de uma diurese osmótica
com manitol, para facilitar a eliminação de pigmentos de
mioglobina.
Também ocorre intenso dano muscular, com liberação
de mioglobina e edema muscular. Esse edema pode aumen-
tar a pressão dentro da fáscia, com risco de desenvolver sín-
drome compartimental. Assim, em toda queimadura elétri-
ca deve-se monitorar a circulação periférica nos membros.
Em caso de aumento, deve-se realizar a fasciotomia.
B - Queimaduras químicas
Geralmente, são mais profundas do que parecem. Po-
dem ser causadas por ácidos, álcalis, fenol ou fósforo. Em
geral, o tratamento principal deve ser a diluição com água
ou soro fisiológico. As queimaduras por ácidos são doloro-
sas, com ulcerações e lesões por necrose. Já as queimadu-
ras por álcalis são mais comuns no cotidiano, sendo mais
profundas que as provocadas por ácidos. Ocorre necrose de
liquefação e de coagulação.
58
CAPÍTULO
11
Lesões cervicais
José Américo Bacchi Hora / Fábio Carvalheiro / Eduardo Bertolli
Pontos essenciais músculo platisma, são as mais comuns e podem ser causa-
das por projéteis de arma de fogo, arma branca e objetos
- Divisão anatômica do pescoço; pontiagudos. Resultam, frequentemente, em lesões vascu-
- Avaliação inicial no trauma cervical; lares, nervosas ou de estruturas esqueléticas do pescoço. O
- Indicações de cervicotomia x possibilidade de trata- trauma fechado, geralmente, apresenta lesões associadas
mento conservador. extracervicais, particularmente lesões maxilofaciais, da ca-
beça e do tórax.
1. Introdução
A região cervical caracteriza-se pela concentração de es-
truturas vitais representativas de diversos sistemas diferen-
tes em uma área limitada. Estão presentes os sistemas car-
diovascular (artérias subclávia, carótida e vertebral, veias
jugulares e subclávias), respiratório (traqueia e laringe), di-
gestivo (faringe e esôfago), endócrino (tireoide) e nervoso
central (medula).
As lesões apresentam mortalidade de 7 a 18% quando
tratadas. O trauma cervical pode ser fechado ou penetrante
(Figura 1). As lesões penetrantes, aquelas que atravessam o Figura 1 - Ferimento cervical
59
CI RUR G I A D O TRAU M A
60
LESÕES CERVICAIS
Tabela 1 - Sinais e sintomas de lesões específicas na região cervical A - Tratamento não operatório
- Estridor;
A condução não operatória das lesões cervicais depen-
- Enfisema subcutâneo; de de alguns pré-requisitos. O doente deve estar estável do
Lesão de via aérea
CIRURGIA DO TRAUMA
- Disfagia; ponto de vista respiratório e hemodinâmico. Outro ponto
e digestiva superior
- Hemoptise ou hematêmese; importante é a disponibilidade de recursos diagnósticos no
- Epistaxe. serviço. Caso esses critérios não sejam estabelecidos, indi-
- Sangramento ativo; ca-se a cervicotomia.
- Hematoma expansivo ou pulsátil; Os exames realizados devem abranger os 3 principais
componentes anatômicos do pescoço, ou seja, os sistemas
- Sopro;
Lesão vascular
cardiovascular, respiratório e digestivo. Dessa maneira, a in-
- Ausência de pulso carotídeo, temporal vestigação deve incluir:
ou oftálmico;
- Hemiplegia, hemiparesia, afasia, cegueira Tabela 2 - Investigação para tratamento conservador
monocular hemisférica.
- Raio x de coluna cervical anteroposterior e lateral, incluindo as
- Desvio da língua; 7 vértebras cervicais, a base do crânio e a 1ª torácica;
- Déficit sensorial; - Angiografia dos sistemas carotídeo e vertebral. É o padrão-
Lesão neurológica
- Queda do canto da boca; ouro na lesão vascular, apesar de ser possível a utilização da
- Síndrome de Horner. ultrassonografia com Doppler ou da TC helicoidal multislice;
- Endoscopia digestiva alta rígida ou flexível e/ou esofagograma:
a sensibilidade do esofagograma é de 70 a 80%; a probabilidade
4. Tratamento de diagnóstico de lesão esofágica aumenta quando associado à
Há 2 condutas aceitas no tratamento dos ferimentos esofagoscopia;
cervicais (Figura 5). A 1ª opção é o tratamento cirúrgico - Laringoscopia e broncoscopia: para exclusão de lesão da laringe
mandatório para todas as lesões que violam o platisma. A e traqueia. A TC também pode avaliar lesão laríngea.
porcentagem de exploração negativa varia de 35 a 67%. As O trauma contuso é mais raro. A avaliação das lesões
vantagens são baixa incidência de lesões despercebidas e vasculares nesse caso começa com a realização de ultras-
morbimortalidade relativamente baixa. sonografia com Doppler, complementada, posteriormente,
A 2ª opção é a exploração seletiva. Nesse caso, quando com arteriografia, se necessário. Pode ocorrer lesão da
não estão presentes os fatores que indicam cervicotomia íntima com trombose de carótidas. A lesão raquimedular
imediata, o doente é submetido a uma série de exames, que deve ser avaliada com parâmetros clínicos e radiografia de
podem reduzir a taxa de exploração negativa em 10 a 20%. coluna cervical. A tomografia pode ser útil para as lesões de
laringe, principalmente nas tentativas de estrangulamento.
A lesão esofágica no trauma contuso é muito rara, e, geral-
mente, o diagnóstico é clínico.
Algumas lesões traqueais podem ser tratadas conserva-
doramente, desde que sejam menores que 1/3 da circun-
ferência da traqueia ou cartilaginosas. Também podem ser
tratadas conservadoramente lesões isoladas em doentes
oligossintomáticos.
B - Tratamento cirúrgico
Além das contraindicações para o tratamento não ope-
ratório, são indicações de cervicotomia exploradora a ins-
tabilidade hemodinâmica não responsiva, o hematoma em
expansão, a hemorragia externa profusa, a obstrução das
vias aéreas, a piora dos sinais neurológicos e o enfisema de
subcutâneo rapidamente progressivo.
a) Vias de acesso
A exploração do pescoço é feita por meio de incisão na
borda anterior do músculo esternocleidomastóideo, esten-
dendo-se desde o ângulo da mandíbula até a junção ester-
noclavicular. Para melhor exposição da zona III, é possível
Figura 5 - Conduta no trauma cervical deslocar a mandíbula anteriormente. Um prolongamento
61
CI RUR G I A D O TRAU M A
62
LESÕES CERVICAIS
CIRURGIA DO TRAUMA
- O atendimento ao doente com lesão cervical deve seguir as
A lesão carótida pode acontecer no trauma contuso, prioridades do ATLS®;
sendo, em 90% dos casos, lesão da artéria carótida interna. - A via aérea definitiva deve ser precoce na presença de lesões
Metade dos doentes permanece assintomática. suspeitas como hematomas expansivos ou sangramentos;
- O tratamento não operatório só pode ser indicado a doentes
estáveis hemodinamicamente em centros com todos os
recursos diagnósticos necessários;
- Ferimentos na zona I podem necessitar de acesso combinado
com toracotomias. Ferimentos na zona III, na presença de lesão
vascular, devem ser tratados com arteriografia seletiva.
63
SUPORTE VENTILATÓRIO NÃO CIRÚRGICO
CAPÍTULO
12
Trauma vascular
José Américo Bacchi Hora / Fábio Carvalheiro / Eduardo Bertolli
64
TRAUMA VASCULAR
cam lesão da íntima, hematoma de parede ou compressão A ligadura pode ser realizada em todas as periféricas e
externa. Pode ocorrer extravasamento de contraste nas na maioria das veias do tronco. Pequenas artérias periféri-
lesões maiores, além de enchimento venoso precoce nas cas abaixo do joelho e do cotovelo podem ser ligadas, além
fístulas arteriovenosas. de outras maiores, como a artéria carótida externa e a ar-
CIRURGIA DO TRAUMA
Na indisponibilidade do meio, ou a pacientes instáveis téria ilíaca interna.
hemodinamicamente, indica-se a cirurgia. Algumas lesões Os shunts intraluminais temporários são utilizados para
com indicação cirúrgica sem a necessidade de exames são manter a perfusão distal à artéria lesada e estão indicados
os sangramentos maciços, hematomas pulsáteis ou expan- quando o doente necessita de transferência para um cen-
sivos, sintomas isquêmicos ou indicação de cirurgia de ur- tro de trauma, em cirurgias combinadas ou na cirurgia de
gência por outras lesões. controle de danos. O tempo de patência dos shunts sem
Do ponto de vista técnico, o controle do sangramento é anticoagulação é de, pelo menos, 6 horas.
o princípio mais importante. O objetivo é prevenir a isque- Indica-se fasciotomia aos casos de síndrome comparti-
mia com um reparo rápido. O diagnóstico preciso é mais mental, para prevenir lesões nervosas ou isquêmicas irre-
importante para prevenir complicações tardias, como pseu- versíveis. Pode ser necessária em decorrência do atraso do
doaneurisma e fístulas arteriovenosas. reparo vascular e da intensidade do edema. É importante
Os princípios cirúrgicos baseiam-se em controle e expo- ressaltar que o 1º sintoma da síndrome compartimental é a
sição. Inicialmente, é feito um controle proximal e distal, e dor, e não a ausência de pulso.
só posteriormente é acessado o sítio da lesão. As pequenas
lacerações ou ferimentos puntiformes podem ser tratados
com sutura da parede do vaso (Figura 1A). Se a sutura de-
termina estenose, é feita uma angioplastia.
Quando houver destruição maior da parede, poderá ser
feita ressecção com anastomose terminoterminal. Ressecção
com interposição de enxerto é mais usada em decorrência
de lesões maiores causadas por projéteis de arma de fogo. O
enxerto com veia safena invertida do membro não envolvido
é a melhor escolha para a maioria dos traumas periféricos
(Figura 1B). Se não houver essa possibilidade, poderão ser
utilizados enxertos sintéticos de PTFE ou dácron.
A - Cervicais
A oclusão completa da artéria carótida extracraniana
pode levar à hemiplegia aguda, afasia e outros sintomas em
20 a 50% dos doentes, dependendo do polígono de Willis,
do nível de oclusão da carótida (comum ou interna) e da
pressão sanguínea.
Figura 1 - Manejo do trauma vascular: (A) sutura direta do vaso A carótida comum ou interna deve ser sempre reparada,
com ponto contínuo de fio absorvível e (B) reparo arterial e inter- enquanto a carótida externa pode ser ligada. A veia jugular
posição de enxerto de safena para reparo venoso externa geralmente é ligada quando lesada, e a veia jugular
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CI RUR G I A D O TRAU M A
interna tem, como conduta preferencial, a sutura lateral; da cava retro-hepática. Outro grupo importante de lesões
porém, quando a lesão é extensa, pode ser ligada. Frequen- são os hematomas de retroperitônio (Tabela 2).
temente, os pacientes evoluirão com edema de face, princi-
palmente nas lesões bilaterais. Tabela 2 - Conduta nos hematomas retroperitoneais
Zona Limites anatômicos Conduta
B - Torácicas Sempre devem ser explorados
Central: compreende
São lesões graves e de mortalidade extremamente ele- cirurgicamente (manobra de
I pâncreas, aorta e
vada. Apenas 10% dos pacientes chegam com vida ao hos- Kocher e acesso pela abertura
cava abdominal
pital. A lesão da aorta torácica é a mais comum, e o princi- do ligamento gastroepiploico)
pal mecanismo de trauma que ocasiona as lesões torácicas Laterais direita
é a desaceleração vertical ou horizontal. A localização mais e esquerda; Devem ser explorados os
comum é o ligamento arterial (ligamento de Botallo), por compreende os hematomas expansivos ou
II
rins, baço e porções pulsáteis (manobra de Catel e
ser o ponto mais fixo do arco aórtico. A 2ª lesão mais co-
retroperitoneais Mattox)
mum é de veia inominada. do cólon
O diagnóstico torna-se suspeito com a radiografia de tó-
Não devem ser abordadas
rax na avaliação inicial (Figura 3A). Na presença de alterações
cirurgicamente. Lesões dessa
radiográficas e nos doentes estáveis hemodinamicamente, é III Pelve região devem ser conduzidas
possível realizar exames complementares para a confirmação com arteriografias diagnóstica
diagnóstica. A arteriografia ainda é considerada padrão-ouro e terapêutica
(Figura 3B), mas, com as melhores máquinas de Tomografia
Computadorizada (TC), diversos centros estão adotando a TC
helicoidal multislice na avaliação dessas lesões.
66
TRAUMA VASCULAR
CIRURGIA DO TRAUMA
Figura 6 - Manobra de Catell: tração do duodeno e do pâncreas
com exposição da aorta
D - Extremidades
Podem ocorrer em traumas penetrantes ou contusos.
É bem estabelecida a relação entre luxação posterior do
joelho com lesão de artéria poplítea (Figura 8). As le-
sões de membros devem ser avaliadas de forma multi-
disciplinar por cirurgiões geral, vascular e ortopedista. A
principal preocupação nesses casos é a preservação do
membro, o que nem sempre é possível, principalmente
na presença de fraturas e de lesões de partes moles as-
sociadas.
Aos doentes estáveis hemodinamicamente, indica-se a
arteriografia com embolização seletiva. Caso a cirurgia seja
necessária, o tratamento pode ser feito com rafia primária,
derivações ou colocação de próteses, dependendo da ex-
Figura 5 - Manobra de Kocher: rotação medial do duodeno para tensão da lesão e das condições clínicas do doente no in-
liberação deste órgão do retroperitônio traoperatório.
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CI RUR G I A D O TRAU M A
Figura 8 - Aneurisma de poplítea: (A) apresentação clínica; (B) confirmação por tomografia computadorizada com contraste; (C) achado
operatório e (D) retirada do aneurisma com colocação de prótese sintética
E - Complicações pós-operatórias
Podem ser divididas em precoces (sangramento, trombose e infecção) e tardias (pseudoaneurisma, fístula arterioveno-
sa e trombose). As ligaduras venosas podem evoluir com edema da região a montante, que tendem a regredir com o tempo.
O tratamento pode variar de acordo com a gravidade do caso e dos recursos da instituição.
6. Resumo
Quadro-resumo
- O atendimento ao doente com lesões vasculares deve seguir a padronização do ATLS®;
- Sempre que possível, a arteriografia deve ser realizada. Além de diagnóstica, pode ser terapêutica, com a vantagem de ser minimamente
invasiva;
- A avaliação deve ser multidisciplinar na conduta terapêutica e no tratamento das complicações.
68
CAPÍTULO
13
Avaliação inicial do trauma de face
André Oliveira Paggiaro / Eduardo Bertolli
2. Avaliação inicial
O atendimento segue a padronização do ATLS®. Muitas
vezes, a via aérea pode estar comprometida por sangra-
mento, corpos estranhos ou fraturas. A intubação traqueal
pode ser difícil nesses casos, e por vezes a via aérea definiti-
va só é obtida por meio de cricotireoidostomia. A proteção
à coluna cervical é indispensável aos pacientes, pelo risco Figura 1 - Radiografias de face: (A) PA axial; (B) perfil axial; (C)
de lesão associada. submento-vértice; (D) AP axial da mandíbula; (E) parietoacantal e
A avaliação da face também pode sugerir lesões neu- (F) panorâmica de mandíbula
rológicas. Equimose periorbital, equimose do mastoide e
saída de sangue ou liquor pelo ouvido indicam trauma de A realização dessas radiografias exige radiologistas habi-
base de crânio. Lesões de grande impacto, com exposição tuados, e elas podem ser de difícil interpretação. O exame
ou crepitação da calota craniana devem, obrigatoriamente, considerado padrão-ouro na avaliação do trauma de face é
ser avaliadas por neurocirurgião. a Tomografia Computadorizada (TC) em incidência coronal
Durante o exame secundário, toda a face e o couro ca- e axial (Figura 2). Sempre que possível, a reconstrução tri-
beludo devem ser examinados, à procura de lesões de par- dimensional deve ser realizada, principalmente no planeja-
tes moles, fraturas e lesões combinadas. Sempre que pos- mento terapêutico das fraturas faciais.
sível, o cirurgião plástico deve avaliar os pacientes após a É importante ressaltar que a TC só deve ser realizada em
estabilização respiratória e hemodinâmica. doentes estáveis hemodinamicamente e não deve retardar
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CI RUR G I A D O TRAU M A
70
CAPÍTULO
14
Trauma da transição toracoabdominal
Eduardo Bertolli
71
CI RUR G I A D O TRAU M A
5. Condutas
A conduta a ser seguida dependerá principalmente da
estabilidade do paciente e do mecanismo de trauma. Pa-
cientes estáveis do ponto de vista respiratório e hemodi-
nâmico permitem a realização de exames complementares
antes que se decida pela necessidade ou não de cirurgia.
Já nos pacientes instáveis e com trauma penetrante, está
indicada cirurgia, que pode ser por via torácica, abdominal
ou combinada.
72
TRAUMA DA TRANSIÇÃO TORACOABDOMINAL
CIRURGIA DO TRAUMA
Figura 4 - Trauma transfixante do mediastino e da transição toracoabdominal, com paciente estável durante toda a avaliação inicial: (A)
raio x de tórax evidenciando orifício de entrada à esquerda e projétil alojado no hipocôndrio direito; (B) TC de tórax evidenciando hemope-
ricárdio, contusão pulmonar e hemotórax esquerdo; (C) TC de abdome com líquido livre peri-hepático; e (D) achado de lesão do ventrículo
direito. O paciente foi submetido à esternotomia com laparotomia exploradora que também evidenciou lesão hepática. Recebeu alta
hospitalar no 5º dia de pós-operatório (Bertolli et al., Anais do Congresso da SBAIT, 2006; Revista MedAtual nº 1, 2010)
Exames como broncoscopia, endoscopia digestiva alta Lesões complexas, como lesão da veia cava retro-hepá-
e arteriografia podem ser realizados de acordo com o caso. tica, podem necessitar de acesso combinado por toracofre-
Na indisponibilidade desses recursos diagnósticos, ou caso nolaparotomia. Na suspeita de lesão cardíaca, é possível
o doente evolua com instabilidade hemodinâmica, indica- realizar a janela pericárdica transdiafragmática. Caso haja
-se a cirurgia conforme será discutido a seguir. confirmação do achado de lesão cardíaca, é possível combi-
nar uma toracotomia esquerda ou esternotomia mediana.
B - Paciente instável hemodinamicamente
Mesmo no paciente instável hemodinamicamente, o 6. Resumo
raio x de tórax pode ser realizado na sala de emergência. Na
presença de achados torácicos, realiza-se a drenagem pleu- Quadro-resumo
ral. Na saída de mais de 1.500mL de sangue, está indicada - Define-se TTA a região localizada anteriormente no 4º espaço
a toracotomia. Caso o tórax não apresente nenhuma lesão intercostal, lateralmente no 6º espaço intercostal e, posterior-
mente, no rebordo costal;
aparente, e persistindo o choque, está indicada a laparoto-
mia exploradora. - O atendimento dos pacientes segue as prioridades do ATLS®;
O achado de hérnia diafragmática pode ser tratado tan- - No doente estável hemodinamicamente, é possível realizar exa-
to por via abdominal quanto por via torácica. Entretanto, mes complementares, além de toracoscopia e laparoscopia. Ao
a maioria dos serviços acaba realizando a correção por la- doente instável, indica-se a cirurgia de acordo com o principal
parotomia, eventualmente com toracoscopia associada ou sítio lesado.
simplesmente com a drenagem torácica após a redução da
hérnia.
73
SUPORTE VENTILATÓRIO NÃO CIRÚRGICO
CAPÍTULO
15
Trauma na gestante
Eduardo Bertolli
Pontos essenciais
1. Introdução
Qualquer mulher em idade fértil pode estar grávida. A
gravidez causa mudanças anatômicas e funcionais que de-
vem ser consideradas no atendimento à gestante politrau-
matizada. Além disso, o socorrista deve se lembrar que está
diante de 2 vítimas: a mãe e o feto. O melhor tratamento
inicial para o feto é a adoção das medidas adequadas de
reanimação para a mãe. Uma abordagem multidisciplinar é
fundamental para obtenção de bons resultados.
74
T R A U M A N A G E S TA N T E
CIRURGIA DO TRAUMA
manutenção do hematócrito; - Alteração na interpretação de dados hemodinâmicos no
Hemodinâmico - Aumento do DC e FC, e queda da PA; diagnóstico de choque;
- Compressão da veia cava pelo útero - Pode ocorrer diminuição do retorno venoso que mimetiza
gravídico. choque hipovolêmico.
- Aumento do volume/minuto e diminuição do
Respiratório - Maior consumo de oxigênio.
volume residual pulmonar.
- Retardo no esvaziamento gástrico e êmese
Gastrintestinal - Maior risco de vômitos e aspiração.
gravídica.
- Aumento FG e fluxo plasmático renal; a
Urinário
glicosúria é comum.
-
- Aumento da hipófise, podendo levar à
Endócrino
necrose anterior e insuficiência hipofisária.
-
- Alargamento da sínfise púbica;
- Interpretação de imagens no trauma pélvico;
Musculoesquelético - Embebição das articulações pélvicas e
- Maior gravidade do sangramento nas lesões da bacia.
hipertensão do sistema venoso pélvico.
- Eclâmpsia (convulsões, hipertensão, hiper-
Neurológico - Diagnóstico diferencial com TCE.
reflexia e proteinúria).
75
CI RUR G I A D O TRAU M A
B - Avaliação fetal
As principais causas de morte fetal são o choque ma-
terno e a morte da mãe. A 2ª causa é o descolamento de
placenta, que pode ser sugerido por sangramento vaginal,
dor à palpação uterina, contrações frequentes, tetania ou
irritação uterina. A ruptura uterina é uma lesão rara.
A monitorização contínua dos batimentos cardíacos fe-
tais deve ser feita após 20 a 24 semanas. O obstetra deve
ser envolvido precocemente e conduzir o caso em conjunto
com a equipe do serviço de emergência.
A internação é obrigatória quando há sangramento va-
ginal, irritabilidade uterina, dor abdominal, evidência de hi-
povolemia ou sinais de sofrimento fetal. O feto pode correr
risco mesmo em traumatismos maternos aparentemente
leves.
C - Tratamento definitivo
O obstetra deve ser consultado diante de problemas
específicos, como descolamento placentário e embolia am-
niótica, pela possibilidade de a paciente necessitar de uma
evacuação uterina.
Quando a mãe for Rh negativo, haverá o risco de isoimu-
nização, sendo necessária a terapêutica com imunoglobuli-
na Rh nas primeiras 72 horas após o trauma. Somente ges-
tantes Rh negativo com lesões isoladas em extremidades
não necessitarão de imunoglobulina.
São poucas as evidências na literatura que apoiam a
cesariana post mortem em gestantes que sofrem parada
cardíaca por hipovolemia. É possível obter algum resultado
caso a parada aconteça por outra causa e a cesariana possa
ser realizada em até 5 minutos após o ocorrido.
5. Resumo
Quadro-resumo
- O melhor tratamento para o feto é o tratamento adequado da
mãe;
- O choque deve ser tratado agressivamente, mesmo que os
sintomas sejam pouco evidentes;
- O obstetra deve ser envolvido precocemente;
- Questões como compressão uterina e isoimunização devem ser
sempre lembradas.
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