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Costume e Direito Judicial

Costume – Os historiadores de direito, em geral, e os portugueses, em particular,


sobrevalorizam o costume como fonte de direito no período medieval.

No período a que nos ocupamos o costume constituía a principal fonte de


direito. Era geralmente segundo os usos tradicionais que se resolviam as
questões, quer por acordo dos interessados, quer nos tribunais.

O costume (mos; usus; consuetudo) traduzia-se na repetiço habitual de uma


conduta havida por juridicamente vinculante.

Ao lado da acepço referida, as fontes registam-no, também, no sentido de direito


não reduzido a escrito.

Os modernos historiadores do direito para os recuados tempos da Idade Média


adoptam esta última acepço. Para eles (é o caso do Prof. Guilherme Braga da
Cruz), costume designa, quer:
a) tudo quanto representa uma formação espontânea do direito; quer:
b) toda a norma jurídica formada por qualquer modo que não pelo processo
legislativo .
Portanto, e de acordo com este entendimento alargado , o costume abrange o
direito de criação não intencional e ou o direito não escrito.
No período da fundaço da nacionalidade portuguesa e nos tempos
directamente subsequentes o costume é a fonte jurídica por excelência .

O costume só adquire mesmo força onde não exista um aparelho de


autoridade, administrativo ou burocrático, relativamente forte e largamente
desenvolvido. É que o costume, além do mais, resulta de uma prática
confirmada e criada espontaneamente pelos membros da comunidade, obrigados
a auto-ordenarem-se. Daí o costume corresponder essencialmente ao sentimento
natural dessa comunidade.

Só de tal forma se explica a observância uniforme da conduta (elemento


objectivo) e a ideia generalizada do carácter obrigatório da regra que tal adopço
pressupõe (elemento subjectivo). Porque traduz o sentimento comum do meio
social, o costume tem, frequentemente, por base a tradiço.

Originariamente, o costume é, pelo mesmo carácter espontâneo que o


caracteriza, um processo de formação jurídica oral. Isto quer dizer que ele
surge com o carácter flutuante, com a fluidez de tudo quanto é meramente
verbal. Por isso era necessário provar o costume. No tempo de Afonso III
legislou-se mesmo sobre o modo de demonstrar o costume.

E para evitar as incertezas que decorrem do próprio processo de revelaço do costume


se procurou, muitas vezes, fixá-lo por escrito.

A redução dos costumes a escrito feita com índole meramente privada, como
simples
carácter particular, não lhes retira características específicas.

Mas, à medida que se consagra o costume em outras fontes ele perde a sua
individualidade própria, o seu carácter específico para assumir, total ou
parcialmente, a feiço destas quanto à obrigatoriedade.

Não obstante isso, o costume vai adquirindo generalizaço crescente. Isso resulta por
um lado, da comunidade de costumes decorrente das famílias de forais e estatutos.
Por outro lado, do âmbito de aplicaço mais ampla das fontes de absorção do
costume – como a lei.

Ao dizer-se que o costume vai adquirindo generalização crescente de forma


alguma se pretende contestar que ele mantém, em larga medida, carácter restrito ou
particular.

Requisitos do costume – Os autores medievais ocuparam-se largamente sobre o


tema do número de actos necessários para se gerar o costume.
Acúrsio e Baldo diziam que eram indispensáveis dois actos, mas requeriam, com
alguma contrariedade, a frequência destes; Bártolo e seus seguidores, por seu turno,
deixavam a questão ao arbítrio do juiz.
De qualquer modo, os glosadores entendiam que, além do número de actos, em
matéria cível se devia levar em consideraço o decurso do tempo, isto é a antiguidade.
Nas fontes jurídicas portuguesas deparam-se-nos formas como: «costume
antigo» costume usado Cumulativamente com a antiguidade, requeria-se a
racionalidade, ou seja, a conformidade do costume com a razão. Deduzia-se isso
de um rescrito de Constantino e de uma decretal de Gregório IX.
O consenso da comunidade (consensus comunitatis) era, igualmente, olhado
como condição essencial do costume; os partidários deste requisito (S. Raimundo de
Peñafort) argumentavam que é o povo quem introduz o costume, pelo que se
requer o consentimento da maioria. O consensus populi é qualificado como
causa eficiente do costume.
Com os decretalistas requer-se também o consensus legislatoris , que
pressupõe conhecimento consciente do costume e aprovaço voluntária, excepto se
o costume for legitimamente prescrito.
Por tudo quanto se vem referindo, o costume tinha de ser ajustado à lei de
Deus, ao direito natural e à utilidade pública.
Não obedecendo aos requisitos apontados o costume era julgado um costume não
bom; não era costume direito ( derecto costume segundo a versão portuguesa das
Partidas).

Valor jurídico do costume – qual o valor e a posiço do costume dentro do quadro


das
fontes jurídicas da época.
De acordo com o Decreto de Gracianno, que reproduz a liço de Santo
Isidoro, o costume vale como lei na falta deste; e mais de uma decretal refere ao
costume como o melhor intérprete da lei ou como confirmador dela, outras lhe
atribuem igual força da lei.
Algumas destas formulações obtiveram, aliás, expresso acolhimento nas fontes
portuguesas medievais, onde o costume figura expressamente reconhecido como
direito.
É na versão portuguesa da Primeira Partida, porém, que se depara o
tratamento mais completo sobre a matéria. Aí se lê que o costume vale apenas
quando absorve os requisitos exigidos.
O tratamento conferido pelas Partidas à posiço do costume relativamente à lei
configura sintomaticamente a tendência de subalternizar o costume em relação
à lei, que se irá sempre acentuando, no plano doutrinal como no plano dos
factos, embora não sem retrocessos momentâneos.
Direito costumeiro e direito judicial – Problemática em que divergem as
opiniões é a das relações entre o costume e actividade dos tribunais, isto é, a acção
criativa do direito pelos tribunais. O que hoje se refere como jurisprudência.
Em relação às sentenças judiciais do primeiro período da monarquia, o Prof.
Braga da Cruz defende que elas apenas dificilmente podem ser olhadas como
fonte jurídica de carácter autónomo. Escreve este ilustre professor «na verdade
essas sentenças (da cúria régia, dos tribunais municipais e dos tribunais arbitrais),
apesar do peso que possuíam no estabelecimento de correntes jurisprudenciais e
de se revestirem por vezes de força vinculativa para a decisão de casos similares,
eram sempre tidas e havidas, tão-somente como uma definiço autorizada de
costumes anteriormente vigentes e não como um modo autónomo de criar direito
novo». O eminente historiador afirma ainda que essassentenças judiciais
entravam, de resto, nesta época, no conceito amplo de costume.

O entendimento do Prof. Braga da Cruz depende do alcance que se atribui ao


costume no plano conceptual. Para lá, todavia, desta circunstância, e reportando-
se ao costume em sentido restrito, tem sido debatido se as decisões judiciais
são, ou não, elemento indispensável para o estabelecimento de um direito
consuetudinário.
Esta opinião (contra a qual lutaram Bártolo e o Panormitanno) parte da ideia
de que a norma jurídica só existe na medida em que se efectiva pelo aparelho de
coerço. Ora, o recurso à autoridade entra já, por assim dizer, na patologia jurídica.

Em geral os tribunais

limitam-se a declará-los e registá-los como fundamento das suas decisões. Desta


forma os órgãos judiciais não só os fortalecem, como as revelam.

Pode dizer-se então que as decisões judiciais constituem fontes cognoscendi do


direito.

Fora disso, elas assumem, por vezes, verdadeira função criadora do direito,
enquanto estabelecem um precedente, que nuns casos se torna vinculatório e
noutros, embora não sendo obrigatório, suscita no futuro a adesão espontânea dos
tribunais.
Tais precedentes habitualmente seguidos vêm, certamente, muitas vezes,
qualificados nas fontes, de costume , mas também de estabelecimento , julgamento
e mesmo lei.

Nestas expressões não está, de facto, tanto em causa o carácter consuetudinário,


mas a actividade judicial (julgado é), a estatuiço do direito (estabelecido é) e até
um carácter normativo. Quer dizer: ao costume acresce algo, que lhe modifica a
força, ou que lhe altera a natureza.

A importância que a Glosa de Acúrsio alcançou reflecte-se no facto de ser


aplicada nos tribunais dos países do Ocidente Europeu ao lado das disposiçes
do Corpus Iuris Civilis.

Em Portugal, constituiu fonte subsidiária de direito, em termos que analisaremos


mais à frente.

Com a Magna glosa encerrou-se, por assim dizer, um ciclo da ciência do


direito. A segunda metade do século XIII é como que um período de transiço
para a nova metodologia que se inicia, verdadeiramente no século XIV.

Os juristas desse ciclo intermédio designam-se pós-acursianos ou pós-glosadores.


A sua actividade caracteriza-se por se encontrar especialmente receptiva às
exigências literário que se traduz numa exposiço sistemática e globalizante.
Entre os pós-acursianos podem citar-se, como nomes de maior relevo, o de
Odofredo, autor de um comentário ao Digesto Velho, de adiçes à Summa de Azão, de
uma Summa de Libellis, de diversificadas obras de carácter monográfico e de
uma colecço de Consilia (pareceres), o de Alberto Gandino; o de Giulherme
Durante; o de Martim de Fano em razão de uma obra de metodologia jurídica
(Demodo studendi) que constituirá o modelo dos posteriores trabalhos sobre o tema

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