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Direito Outorgado ou Pactuado

Cartas de privilégio – Em sentido lato, as cartas de privilégio são


documentos que atribuem prerrogativas, liberdades, franquias e isenções de
qualquer ordem. Em sentido estrito, os historiadores designam cartas de
privilégio os documentos que, embora de índole diversa, têm como
denominador comum a circunstância de estabelecerem um regime jurídico
específico para certo território ou certa comunidade, isto é, uma
disciplina própria diferenciada.

As cartas de privilégio diferenciam-se da lei por consubstanciarem um regime


particular e assim possuírem um âmbito delimitado; enquanto que a lei contém
uma regulamentação geral e abstracta.

É enorme a variedade das cartas de privilégio, por exemplo, a carta de liberdade


de uma populaço (charta libertatis ou libertationis), a carta de doação (charta
donationis), isto é, a carta de concessão de uma terra, a carta de franquia (charta
franquitatis).
Nelas se incorporam também e habitualmente as cartas de povoação , os
forais e os foros , não obstante e quanto às primeiras Jesus Lalinde Abadia
contestar que se lhes possa aplicar tal designaço.

Cartas de povoação – A carta de povoaço visava atrair habitantes para


certas zonas escassamente povoadas ou ermas.

O monarca, um senhor ou entidade que exercia a autoridade sobre território


nessas condiçes fixava na carta de povoaço um conjunto de normas definindo o e
statuto dos futuros colonos, especialmente quanto às condiçes de exploração da terra
e tendo, pois,em primeira linha, uma fisionomia essencialmente económica. Aí se
estabeleciam quais as prestaçes patrimoniais ou pessoais a que os povoadores
ficavam obrigados, e os modos de detenço e ligaço à terra.

Eduardo de Hinojosa considerou as cartas de povoação de natureza contratual –


tendo-os denominado contratos agrários colectivos.

Mas o carácter contratual das cartas de povoaço tem sido impugnado nos nossos
dias.
Peréz-Prendes contesta, implicitamente, a natureza contratual delas, ao escrever que
«são comparáveis com as leges dictae romanas».
Deve-se reconhecer que, em geral, a carta de povoaço constitui acto unilateral
ou outorgado unilateralmente e apenas, raramente, assume, à partida, carácter
de pacto; deve-se reconhecer, igualmente, que a carta de povoação contém regras
para o futuro; e, por último, é de reconhecer que as cartas de povoaço entram no
domínio da disciplina senhorial.

Porém, tudo isso não obsta à sua natureza contratual e assim que se possa falar
de uma relação pactuada (Martim de Albuquerque e Ruy de Albuquerque).
As cartas de povoaço assumem a natureza de contratos de adesão e,
simultaneamente, de contratos normativos.

Forais – Com as cartas de povoaço se confundem, por vezes, os forais. Mas em


regra, os forais são mais extensos que as cartas de povoação e abarcam também
maior número de matérias.

Alexandre Herculano adopta, a respeito do tema, uma posiço demasiado estreita.


Para ele forais eram apenas os diplomas que conferem existência jurídica a um
município.

Não se trata de um critério exacto, pois, realmente, certos municípios existiam antes
das cartas de foral e, algumas vezes, foram outorgadas a localidades que nunca
chegaram a ter existência jurídica como municípios.

Enquanto o cerne das cartas de povoaço se restringe às condiçes de assentamento


na terra – regime agrícola local e relações entre o senhor e o habitante -, os forais
contêm, para além disso, preceitos de direito processual, militar, fiscal, penal e
administrativo (abrangendo a organização local e a competência e atribuiçes
dos respectivos magistrados). Portanto, incluem-se, fundamentalmente, normas
de direito público, embora, haja também preceitos de direito privado, mas num
plano secundário (instituiçes sucessórias e familiares).

As várias normas que integram os forais têm, ou podem ter, origens muito
heterogéneas: nas cartas de povoação e outras cartas de privilégio, nos costumes e
no direito judicial, nos foros de outras localidades, no direito comum, no direito
prudencial

O direito geral funciona como direito subsidiário, ou seja, no território a que


respeita o foral este vigora como direito especial ou particular, com prejuizo do
direito geral, sendo, todavia, o direito geral chamado a integrar as disposiçes
foraleiras, sempre insuficientes e lacunares.
Os forais podem arrumar-se em certas categorias, por exemplo, segundo o critério da
sua origem, temos forais régios e forais particulares .

Outra classificaço dada aos forais é pelo respectivo molde ou matriz. Este critério
toma em linha de conta a circunstância de existirem famílias de forais, resultantes
de alguns terem servido de padrão ou tipo. Os outorgantes, muitas vezes por
simplicidade, pela força de condicionalismos de v ria ordem (política, social,
económica ), por deliberada intenço unificativa, limitavam-se a dar a uma terra o
foral de outra. Desta forma, são frequentes os forais tipo Santarém, Salamanca e
Évora.

Segundo o critério da maior ou menor complexidade da instituiço concelhia


Herculano classifica os forais em rudimentares, imperfeitos e perfeitos ; e
Torquato de Sousa classifica-os em rurais, urbanos e distritais.
Por último, tendo em conta o grau de originalidade dos forais, eles agrupam-se
em três espécies: originários, ampliativos e confirmativos. ~
Até Afonso III as cartas de povoaço e os forais constituem, sem dúvida, uma das
mais importantes fontes de direito português.

Com efeito, para compensar a escassez das leis régias, são abundantes nessa
época as fontes de direito local. Durante os primeiros reinados, sobretudo,
concederam-se muitos forais e cartas de povoaço.

Foros, costumes ou estatutos municipais – Com as cartas de povoaço e com os


forais devem ser aqui referidos os foros, costumes ou estatutos municipais.

Os costumes locais praticavam-se em certa região, em certo distrito ou até em


certa povoaço. No meio fechado da localidade ia-se constituindo o direito costumeiro
com os tais sedimentos da tradiço oral do conteúdo de certas leis escritas, e
com exemplos colhidos em memoráveis casos julgados pelo tribunal local.
A complexidade desses costumes levou os vizinhos a mandar compilá-los por
escrito,nascendo assim as importantíssimas compilações do direito costumeiro
denominados foros ou costumes municipais .

Os foros municipais desde logo se separam dos forais pela extensão ou


dimensão.
Contêm um acervo de normas muito superior em quantidade aos forais.

Também surgiram mais tarde do que os forais, pois foi a partir do século XII
e principalmente durante os séculos XIII e XIV que se produziu esse grande
movimento de redução a escrito do direito consuetudinário local.

O direito consuetudinário estava em vigor em localidades de fundaço antiga, e


até noutras criadas numa primeira fase da Reconquista, e as suas disposiçes eram
aplicadas regularmente muito antes de se sentir a necessidade de o fixar por
escrito. Em geral, começou-se por consignar apenas um ou outro dos seus
princípios no foral. Só bastante mais tarde se procedeu à compilaço em determinado
códice de leis e regulamentos por que se ia reger certo concelho

Mas se a compilação dos estatutos apenas se verifica nessa época (sec. XIII e
XIV), neles se registaram normas muito anteriores. Afloram nos foros
municipais reminiscências e prolongamentos dos antigos ordenamentos que se
sucederam ou sobrepuseram na Península e, em particular, no território português:
de direito romano, de direito germ nico, de direito mu ulmano

Por causa do parentesco existente entre alguns foros municipais, se costuma


falar de famílias, resultantes, em grande parte, da comunicação dos costumes.

Garcia-Gallo distingue a nível peninsular várias famílias de foros extensos: a


Aragonesa- navarra, a Estremadura-leonesa, a da Estremadura-castelhana e a catalã.

Pelo que toca a Portugal, interessa-nos em especial a da Estremadura-leonesa,


a que pertencem os foros de Cima ou Ribacoa. São estes, quatro – o de
Castelo Bom, o de Alfaiates, o de Castelo Rodrigo e o de Castelo Melhor, os
dois primeiros redigidos em
latim bárbaro e os demais em língua vulgar.

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