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LINDB

PROF. DR. ANDRÉ DE CARVALHO PAGNONCELLI


MESTRE E DOUTOR EM DIREITO PELA PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
ANDREPAGNONCELLI@GMAIL.COM
LEI DE INTRODUÇÃO ÀS NORMAS DO DIREITO
BRASILEIRO – LINDB

• A Lei n. 12.376/2010 alterou o nome da LICC para LINDB, uma vez que o seu conteúdo,
atualmente, interessa mais à Teoria Geral do Direito do que ao Direito Civil
propriamente dito.
• Recentemente, a Lei n. 13.655/2018 alterou a LINDB, a ela acrescentando os artigos 20 a
30, com o objetivo de garantir maior segurança jurídica e eficiência na criação e aplicação
do Direito Público, estabelecendo como novo critério interpretativo, que nas decisões
jurídicas (administrativas, judiciais e controladoras) não se decidirá com base em valores
jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão (art. 20,
LINDB).
A NATUREZA DA LINDB

• A Lei de Introdução não é parte integrante do Código Civil.


• É uma norma de introdução às leis, por conter princípios gerais sobre as normas sem
qualquer discriminação. Abrange princípios que determinam a aplicabilidade das normas,
questões de hermenêutica jurídica relativas ao direito privado e ao direito público e por
conter normas de direito internacional privado.
• Trata-se de uma norma de sobredireito – norma jurídica que objetiva regular outras
normas (leis sobre leis ou lex legum), ou seja, um conjunto de normas sobre
normas, constituindo um direito sobre direito (jus supra jura), um superdireito, um
direito coordenador de direito. (Maria Helena Diniz)
A NATUREZA DA LINDB

• A LINDB “não rege as relações da vida, mas sim as normas, já que indica
como interpretá-las, determinando-lhes a vigência e a eficácia, suas
dimensões espácio-temporais, assinalando diretrizes na solução de
conflitos de ordenamentos jurídicos nacionais e estrangeiros, evidenciando
os elementos de convicção” (Maria H. Diniz).
• A LINDB disciplina as próprias normas jurídicas, assinalando-lhes o modo
de entendimento, predeterminando as fontes de direito positivo, a classificação
hierárquica dos preceitos.
CONTEÚDO DA LINDB

• A LINDB é um código de normas, pois regulamenta:


• A) o início da obrigatoriedade da lei (art. 1º).
• B) o tempo da obrigatoriedade da lei (art. 2º).
• C) a garantia da eficácia da ordem jurídica, não admitindo a ignorância da lei vigente (art. 3º).
• D) o mecanismo de integração das normas, em caso de lacuna jurídica (art. 4º).
• E) os critérios de hermenêutica jurídica (art. 5º).
• F) o direito intertemporal, para garantir a certeza, segurança e estabilidade do ordenamento
jurídico-positivo, preservando as situações consolidadas (art. 6º).
• G) o direito internacional privado brasileiro (arts. 7º a 17).
A LINDB E AS NORMAS JURÍDICAS

• O Direito brasileiro - de forte influência do sitema romano-germânico - está filiado à


chamada Civil Law, tendo, por isso, a lei como fonte primária do sistema jurídico, embora
haja um movimento claro de valorização dos precedentes jurisprudenciais (por ex.: art.
926, CPC).
• Para Goffredo Telles Jr., a norma jurídica é um “imperativo autorizante”.
Imperativo, pois emanada de autoridade competente e dirigida a todos (generalidade).
Autorizante, porque autoriza ou não autoriza determinadas condutas (Flavio Tartuce).
TRIDIMENSIONALISMO
DE MIGUEL REALE
O SISTEMA DO DIREITO

• Para Maria Helena Diniz, o direito é uma realidade dinâmica, que está em constante
movimento, acompanhando as relações humanas, modificando-as, adaptando-as às novas
exigências e necessidades da vida. O direito abarca experiências históricas, sociológicas e
axiológicas que se complementam. Logo, as normas, por mais completas que sejam,
são apenas uma parte do direito, não podendo identificar-se com ele.
• Por isso, o sistema jurídico é composto de vários subsistemas. Para Reale, o sistema se
compõe de um subsistema de normas, de um subsistema de valores e de um
subsistema de fatos, que se correlacionam.
POSIÇÃO
FILOSÓFICA
DO ATUAL
CÓDIGO CIVIL
KELSEN X REALE

• Como se nota, a visão kelseniana é de uma pirâmide de normas, um sistema fechado e estático.
Assim era o civilista da geração anterior, moderno. Privilegiava-se o apego à literalidade
fechada da norma jurídica, prevalecendo a ideia de que a norma seria suficiente. A frase-
símbolo dessa concepção legalista era: o juiz é a boca da lei.
• A visão realeana é de três subsistemas: dos fatos, dos valores e das normas. O sistema é
aberto e dinâmico, em constantes diálogos. Assim é o civilista da atual geração, pós-moderno.
Privilegia-se a ideia de interação, de visão unitária do sistema, prevalecendo a constatação de
que, muitas vezes, a norma não é suficiente. As cláusulas gerais são abertas e devem ser
analisadas caso a caso. Frase-símbolo: direito é fato, valor e norma. (Flávio Tartuce)
NOMOGÊNESE JURÍDIC A
A LINDB E A VIGÊNCIA DAS NORMAS JURÍDICAS

• Início da vigência das leis: 45 dias, após oficialmente publicada, salvo disposição contrária.
• A contagem deste prazo se faz com base no art. 8º, parágrafo 1º, da LC 95/98:
• Art. 8º A vigência da lei será indicada de forma expressa e de modo a contemplar prazo razoável para que dela se tenha amplo
conhecimento, reservada a cláusula "entra em vigor na data de sua publicação" para as leis de pequena repercussão.
§ 1º A contagem do prazo para entrada em vigor das leis que estabeleçam período de vacância far-se-á com a
inclusão da data da publicação e do último dia do prazo, entrando em vigor no dia subseqüente à sua consumação
integral.

• § 1º Nos Estados, estrangeiros, a obrigatoriedade da lei brasileira, quando admitida, se inicia três meses
depois de oficialmente publicada.
• § 3º Se, antes de entrar a lei em vigor, ocorrer nova publicação de seu texto, destinada a correção, o
prazo deste artigo e dos parágrafos anteriores começará a correr da nova publicação.
A LINDB E A VIGÊNCIA DAS NORMAS JURÍDICAS

• § 4º - As correções a texto de lei já em vigor consideram-se lei nova.


• O art. 2º da LINDB contempla o princípio da continuidade da lei, segundo o qual a
norma, a partir de sua entrada em vigor, tem eficácia contínua, até que outra a modifique ou
revogue.
• A lei posterior revoga a anterior quando (i) expressamente o declare, ou (ii) quando for com
ela incompatível, ou (iii) quando regular inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior
(art. 2º, parágrafo 1º).
• § 3º - Salvo disposição em contrário, a lei revogada não se restaura por ter a lei revogadora
perdido a vigência. Trata-se, aqui, da repristinação.
A REPRISTINAÇÃO

• Como visto, a LINDB afasta o efeito repristinatório automático.


• Entretanto, a lei revogada volta a viger se a lei revogadora for declarada
inconstitucional, ou quando for concedida a suspensão cautelar da eficácia da
norma impugnada, no âmbito de ADI, conforme dispõe o art. 11, parágrafo 2º, da Lei n.
9.868/99.
• Art. 11. Concedida a medida cautelar, o Supremo Tribunal Federal fará publicar em seção especial do Diário Oficial da
União e do Diário da Justiça da União a parte dispositiva da decisão, no prazo de dez dias, devendo solicitar as
informações à autoridade da qual tiver emanado o ato, observando-se, no que couber, o procedimento estabelecido na
Seção I deste Capítulo. (...)
• Parágrafo 2º: A concessão da medida cautelar torna aplicável a legislação anterior acaso existente,
salvo expressa manifestação em sentido contrário.
REVOGAÇÃO DA LEI

• A revogação, sob a sua extensão, classifica-se em:


• Revogação total ou ab-rogação: quando a revogação atinge inteiramente a lei anterior.
• Revogação parcial ou derrogação: a revogação atinge parte de uma lei anterior.
• Quanto ao modo, a revogação pode ser:
• Expressa: a nova lei indica os dispositivos revogados, conforme recomenda o art. 9º, da LC
95/98.
• Tácita: A nova lei é incompatível com a anterior, não existindo previsão expressa a respeito
da revogação. Ex.: a Lei do Divórcio (Lei 6.515/73), cujos preceitos materiais foram revogados
pelo Código Civil, permanecendo em vigor as suas normas processuais (Vide art. 2,043, CC).
A OBRIGATORIEDADE DA LEI

• O art. 3º, da LINDB, consagra o princípio da obrigatoriedade da lei, pelo qual a


ninguém é lícito o seu descumprimento alegando desconhecimento.
• Teoria da ficção legal – em nome da segurança jurídica.
• Teoria da presunção absoluta – Iure et de iure de que todos conhecem as leis.
• Teoria da necessidade social – premissa: as normas devem ser conhecidas para que
melhor sejam observadas (Maria H. Diniz).
• Vide: Art. 139, III, CC: o erro de direito como erro substantial. Um caso de
antinomia jurídica?
AS FORMAS DE INTEGRAÇÃO DA NORMA
JURÍDICA
• O art. 4º, da LINDB, apresenta as formas de integração da norma jurídica, em caso
de lacuna da lei. O sistema jurídico é um sistema aberto, no qual há lacunas,
conforme pontifica Maria H. Diniz. Segundo ela, as lacunas não são do direito, mas
da lei, omissa em alguns casos.
• O aplicador do Direito tem o dever de corrigir as lacunas (vedação do “não julgamento”
ou do non liquet), conforme disposição do art. 140, do CPC.
• Art. 140. O juiz não se exime de decidir sob a alegação de lacuna ou obscuridade do ordenamento
jurídico.
• Parágrafo único. O juiz só decidirá por equidade nos casos previstos em lei.
A CORREÇÃO DO SISTEMA JURÍDICO

• Lacuna normativa: ausência total de norma prevista para um determinado caso.


• Lacuna ontológica: presença de norma para o caso, mas que não tenha eficácia social.
• Lacuna axiológica: presença de norma, mas cuja aplicação seja insatisfatória ou injusta.
• Lacuna de conflito ou antinomia: choque de duas ou mais normas válidas, sem
solução no caso concreto. (Maria Helena Diniz)
• Presentes as lacunas, serão utilizadas as formas de integração da norma jurídica,
consideradas como ferramentas de correção do sistema, presentes nos artigos 4º e
5º, da LINDB.
A CORREÇÃO DO SISTEMA JURÍDICO

• (...) ante a consideração dinâmica do direito e a concepção multifária do sistema jurídico,


que abrange um subsistema de normas, de fatos e de valores, (...) três são as
principais espécies de lacunas: 1ª) normativa, quando se tiver ausência de norma sobre
determinado caso; 2ª) ontológica, se houver norma, mas ela não corresponder aos fatos
sociais, (por exemplo, o grande desenvolvimento das relações sociais e o progresso
técnico acarretarem o ancilosamento da norma positiva); e 3ª) axiológica, no caso de
ausência de norma justa, ou seja, quando existe um preceito normativo, mas, se for
aplicado, sua solução será insatisfatória ou injusta(…)” (Maria Helena Diniz)

A CORREÇÃO DO SISTEMA JURÍDICO

• A lacuna constitui um estado incompleto do sistema que deve ser colmatado ante o
princípio da plenitude do ordenamento jurídico. O juiz tem permissão para
desenvolver o direito sempre que se apresentar uma lacuna. (Maria H. Diniz).
• Ao lado do princípio da plenitude do ordenamento jurídico situa-se o da
unidade da ordem jurídica, que pode levar à questão da correção do sistema
incorreto. Em caso de antinomia real, ter-se-á um estado incorreto do sistema,
que deverá ser solucionado, pois o postulado desse princípio é o da resolução das
contradições, pois, se for antinomia aparente será resolvida por um dos critérios:
hierárquico, cronológico ou da especialidade. (Maria H. Diniz).
A CORREÇÃO DO SISTEMA JURÍDICO

• O sistema jurídico deverá, teoricamente, formar um todo coerente, devendo, por isso,
excluir qualquer contradição, assegurando sua homogeneidade e garantindo a segurança
na aplicação do direito.
• O direito é sempre lacunoso, mas é também, ao mesmo tempo, sem lacunas, isso
dinamicamente considerado. A lacuna advém das nuanças infinitas da vida social,
mas é também sem lacunas porque o próprio dinamismo do direito apresenta
soluções que servirão de base para qualquer decisão. O direito auto-integra-se; ele
mesmo supre seus espaços vazios, através do processo de aplicação e criação das
normas.
• Logo, o sistema jurídico não é completo, mas completável. (Maria H. Diniz).
A CORREÇÃO DO SISTEMA JURÍDICO

• Art. 4º - Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os
costumes e os princípios gerais de direito.
• A ordem do art. 4º deve ser rigorosamente obedecida?
• A analogia. A integração realiza-se, inicialmente, pela analogia, que consiste em recorrer, para
caso não previsto, à norma legal concernente a uma hipótese prevista e, por isso mesmo,
tipificada. Seu fundamento jurídico-filosófico é o princípio da igualdade de
tratamento, segundo o qual fatos de igual natureza devem julgar-se de igual maneira, e se um
desses fatos já tem no sistema jurídico a sua regra, é essa que se aplica. (Ubi eadem est legis
ratio, ibi eadem legis dispositio). (Francisco Amaral).
A ANALOGIA

• A analogia consiste em aplicar a um caso não previsto de modo direto ou


específico por uma norma jurídica uma norma prevista para uma hipótese
distinta, mas semelhante ao caso não contemplado. (MHD)
• Requisitos para o uso da analogia:
• A) o caso sub judice não esteja previsto em norma jurídica;
• B) o caso não contemplado tenha com o previsto, pelo menos, uma relação de
semelhança;
• C) O elemento de identidade entre eles não seja qualquer um, mas sim essencial,
ou seja, deve haver verdadeira semelhança e a mesma razão entre
ambos.
A ANALOGIA

• Como exemplo de aplicação da analogia, prevê o art. 499 do CC/2002 que é


lícita a venda de bens entre cônjuges quanto aos bens excluídos da comunhão.
Como a norma não é, pelo menos diretamente, restritiva da liberdade contratual,
não há qualquer óbice de se afirmar que é lícita a compra e venda entre
companheiros quanto aos bens excluídos da comunhão. Destaque-se que, em
regra, o regime de bens do casamento é o mesmo da união estável, qual seja, o
da comunhão parcial de bens (arts. 1.640 e 1.725 do CC/2002). (Flávio Tartuce)
A ANALOGIA

• A analogia pode ser assim classificada, na esteira da melhor doutrina:


• a) Analogia legal ou legis – é a aplicação de somente uma norma próxima, como
ocorre nos exemplos citados.
• b) Analogia jurídica ou iuris – é a aplicação de um conjunto de normas próximas,
extraindo elementos que possibilitem a analogia. Exemplo: aplicação por analogia das
regras da ação reivindicatória para a ação de imissão de posse (TJMG, Agravo Interno
1.0027.09.183171-2/0011, Betim, 16.ª Câmara Cível, Rel. Des. Wagner Wilson, j.
12.08.2009, DJEMG 28.08.2009).
ANALOGIA NÃO SE APLICA ÀS REGRAS
EXCEPCIONAIS
• Não se admite aplicação analógica de normas de exceção.
• Veja-se: o artigo 496, CC, torna anulável a venda de bens feita por ascendente e
descendente, sem a anuência dos demais e do cônjuge. Trata-se de norma que restringe a
liberdade contratual.
• É de se indagar: esta mesma restrição se aplica à hipótese de um ascendente
que deseja hipotecar um imóvel em favor de um dos filhos? (Tartuce entende
que não)
ANALOGIA # INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA

• Não se pode confundir a aplicação da analogia com a interpretação


extensiva. No primeiro caso (analogia), rompe-se com os limites do que está
previsto na norma, havendo integração da norma jurídica. Na interpretação
extensiva, apenas amplia-se o seu sentido, havendo subsunção.
• Veja-se: O art. 157 do CC consagra como vício ou defeito do negócio jurídico a
lesão, presente quando a pessoa, por premente necessidade ou inexperiência,
submete-se a uma situação desproporcional por meio de um negócio jurídico.
ANALOGIA # INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA

• O art. 171, II, da atual codificação material, prevê que tal negócio é anulável,
desde que proposta a ação anulatória no prazo decadencial de quatro anos
contados da sua celebração (art. 178, II). Entretanto, conforme o § 2.º do art. 157,
pode-se percorrer o caminho da revisão do negócio, se a parte beneficiada
com a desproporção oferecer suplemento suficiente para equilibrar o negócio.
Recomenda-se sempre a revisão do contrato em casos tais, prestigiando-se a
conservação do negócio jurídico e a função social dos contratos.
ANALOGIA # INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA

• Pois bem, veja-se duas hipóteses:


• –Hipótese 1. Aplicação do art. 157, § 2.º, do CC, para a lesão usurária, prevista no Decreto-lei
22.626/1933 (Lei de Usura). Nessa hipótese haverá interpretação extensiva, pois o
dispositivo somente será aplicado a outro caso de lesão. Amplia-se o sentido da norma, não
rompendo os seus limites (subsunção).
• –Hipótese 2. Aplicação do art. 157, § 2.º, do CC, para o estado de perigo (art. 156 do CC).
Nesse caso, haverá aplicação da analogia, pois o comando legal em questão está sendo
aplicado a outro instituto jurídico (integração). Nesse sentido, prevê o Enunciado n. 148 do
CJF/STJ, da III Jornada de Direito Civil, que: “Ao ‘estado de perigo’ (art. 156) aplica-se, por
analogia, o disposto no § 2.º do art. 157”.
O COSTUME

• O costume jurídico é formado por dois elementos necessários: o uso e a


convicção jurídica.
• Em relação à lei, três são as espécies de costume:
• A) O secundum lege, previsto na lei, que reconhece sua eficácia obrigatória (CC,
arts. 1.297,l par. 1º; 569, II; 596; 597; 615; 965, I.)
• B) O praeter legem, quando se reveste de caráter supletivo, suprindo a lei nos
casos omissos. É a hipótese do art. 4º, da LINDB.
O COSTUME

• C) O contra legem, que se forma em sentido contrário ao da lei. Seria o caso da


consuetudo abrogatoria, implicitamente revogatória das disposições legais, e que redundaria
na não aplicação da lei, em razão do desuso. Em geral, não se admite essa espécie de
costume, mas já se admitiu em julgado do TJSP, envolvendo questão de venda
de gado na região de Barretos-SP (RT 132:660 e RTJ 54:63).
• Poder-se-á admitir a eficácia do costume contra legem em certos casos excepcionais de
lacuna (ontológica ou axiológica), mediante a aplicação do art. 5º da LINDB, mas não sua
força ab-rogatória, revogando uma lei (LINDB, art. 2º). Como dito, o costume secundum
lege é o previsto em lei (CC, arts. 1297, par. 1º, 569, II, 596, 597, 615, 965, I, etc). (MHD)
PRINCÍPIOS GERAIS DE DIREITO

• Os princípios gerais de direito são cânones que não foram ditados,


explicitamente, pelo elaborador da norma, mas que estão contidos de
forma imanente no ordenamento jurídico. (MHD).
• Para Miguel Reale: “Os princípios são ‘verdades fundantes’ de um
sistema de conhecimento, como tais admitidas, por serem evidentes ou
por terem sido comprovadas, mas também por motivos de ordem prática
de caráter operacional, isto é, como pressupostos exigidos pelas
necessidades da pesquisa e da praxis”.
• Muitos encontram-se contidos, expressamente, em normas. Por exemplo:
art. 3º, LINDB; art. 112 do CC.
PRINCÍPIOS GERAIS DE DIREITO

• O Código Civil de 2002 consagra três princípios fundamentais, conforme se extrai da sua
exposição de motivos, elaborada por Miguel Reale:
• a) Princípio da Eticidade – Trata-se da valorização da ética e da boa-fé, principalmente
daquela que existe no plano da conduta de lealdade das partes (boa-fé objetiva). Pelo Código
Civil de 2002, a boa-fé objetiva tem função de interpretação dos negócios jurídicos em geral
(art. 113 do CC). Serve ainda como controle das condutas humanas, eis que a sua violação
pode gerar o abuso de direito, nova modalidade de ilícito (art. 187). Por fim, a boa-fé objetiva
tem a função de integrar todas as fases pelas quais passa o contrato (art. 422 do CC).
Acrescente-se que a eticidade também parece ser regramento adotado pelo Código de
Processo Civil, pela constante valorização da boa-fé processual, notadamente pelos seus arts.
5.º e 6.º.
PRINCÍPIOS GERAIS DE DIREITO

• Princípio da Socialidade – Segundo apontava o próprio Miguel Reale,


um dos escopos da nova codificação foi o de superar o caráter
individualista e egoísta da codificação anterior. Assim, a palavra “eu” é
substituída por “nós”.
• Todas as categorias civis têm função social: o contrato, a
empresa, a propriedade, a posse, a família, a responsabilidade
civil.
PRINCÍPIOS GERAIS DE DIREITO

• Princípio da Operabilidade – Esse princípio tem dois sentidos.


• Primeiro, o de simplicidade ou facilitação das categorias privadas, o que
pode ser percebido, por exemplo, pelo tratamento diferenciado da
prescrição e da decadência.
• Segundo, há o sentido de efetividade ou concretude, o que foi buscado pelo
sistema aberto de cláusulas gerais adotado pela atual codificação material.
PRINCÍPIOS GERAIS DE DIREITO

• Outros estão implícitos no ordenamento: “o da moralidade”; “o da igualdade de direitos e


deveres”; “o da proibição do locupletamento ilícito” (arts. 876 e 884, CC); “o de que ninguém
pode transmitir mais direitos do que possui”; “o de que a boa fé se presume e a má fé deve ser
provada”; “o de que ninguém pode invocar a própria malícia”; “o de que o dano causado por
dolo ou culpa deve ser reparado”; “o de que as obrigações contraídas devem ser cumpridas”;
“o de que quem exercita o próprio direito não prejudica ninguém”; “o de que se responde pelos
próprios atos e não pelos dos outros”; “o de que se deve favorecer mais aquele que procura
evitar um dano do que aquele que busca realizar um ganho”.
REGRAS DE EXPERIÊNCIA – ART 375 DO CPC

• Trata-se, também, de critério supletivo, as regras ou máximas de


experiência que podem ser usadas, excepcionalmente, pelo órgão
judicante, cujo papel integrativo está reconhecido implicitamente, no
artigo 375, CPC.
• Art. 375/ CPC: O juiz aplicará as regras de experiência comum subministradas
pela observação do que ordinariamente acontece e, ainda, as regras de experiência
técnica, ressalvado, quanto a estas, o exame pericial.
AS ANTINOMIAS

• A antinomia é o conflito entre duas normas, dois princípios, ou de uma norma e


um princípio geral de direito em sua aplicação prática a um caso particular.
(MHD).
• Só haverá antinomia se, após a interpretação adequada das duas normas, a
incompatibilidade entre elas perdurar. Ou seja, somente haverá antinomia se
existirem duas ou mais normas sobre o mesmo caso, imputando-lhe soluções
logicamente incompatíveis. (MHD).
• Para Tércio Sampaio Ferraz Jr.: “A antinomia real é a oposição que ocorre entre duas
normas contraditórias (total ou parcialmente), emanadas de autoridades competentes
num mesmo âmbito normativo, que colocam o sujeito numa posição insustentável pela
ausência ou inconsistência de critérios aptos a permitir-lhe uma saída nos quadros de
um ordenamento dado”. Os critérios (hierárquico, cronológico e da especialidade)
não a resolverão. Ou haverá uma inconsistência de critérios existentes.
ANTINOMIA APARENTE

• A “antinomia aparente se dará se os critérios para solucioná-la forem normas


integrantes do ordenamento jurídico. Realmente, os critérios hierárquico,
cronológico e da especialidade são critérios normativos, princípios
jurídico-positivos pressupostos implícita ou explicitamente pela lei, apesar de se
aproximarem muito das presunções.
• Sendo solucionado o conflito normativo na subsunção por um daqueles critérios,
ter-se-á simples antinomia aparente”. (Maria Helena Dinz, LINDB interpretada, p.
75).
CONFLITO DE NORMAS: CRITÉRIOS NORMATIVOS

• Critério hierárquico – baseado na superioridade de uma fonte de


produção jurídica sobre a outra.
• Lex superior derogat legi inferior
• Critério cronológico – remonta ao tempo em que as normas
começaram a ter vigência, restrigindo-se somente ao conflito de
normas pertencentes ao mesmo escalão.
• Lex posteriori derogat legi priori.
CONFLITO DE NORMAS

• Critério da especialidade – Norma especial deve prevalecer


sobre a lei geral, dada a primazia da especialidade.

• Lex especialis derogat legi generali.


CONFLITO DE NORMAS

• Antinomia de segundo grau – Quando houver conflito entre os critérios:


• A) hierárquico e cronológico – a meta-regra lex posterior inferiori non derogat priori
superiori – Prevalece o critério hierárquico;
• B) especialidade e cronológico – o princípio lex posterior generalis non derogat priori
speciali – Prevalece o critério da especialidade;
• C) hierárquico e especialidade, havendo uma norma superior-geral e outra
inferior-especial, não será possível estabelecer uma meta-regra geral dando
prevalência a um desses critérios. Poder-se-á preferir qualquer um dos dois
critérios.
• Em caso extremo de falta de um critério que possa resolver a antinomia de
segundo grau, deve-se utilizar o critério dos critérios: o princípio supremo da
justiça. Ou seja, entre duas normas incompatíveis deve-se escolher a
mais justa.
ANTINOMIA REAL

• No conflito entre o critério hierárquico e o de especialidade, havendo uma norma


superior-geral e outra norma inferior especial, não será possível estabelecer uma
metarregra geral, preferindo o critério hierárquico ao da especialidade ou vice-versa, sem
contrariar a adaptabilidade do direito. Poder-se-á, então, preferir qualquer um dos critérios,
não existindo, portanto, qualquer prevalência. Todavia, segundo Bobbio, dever-se-á optar,
teoricamente, pelo hierárquico; uma lei constitucional geral deverá prevalecer sobre uma lei
ordinária especial, pois se se admitisse o princípio de que uma lei ordinária especial pudesse
derrogar normas constitucionais, os princípios fundamentais do ordenamento jurídico
estariam destinados a esvaziar-se, rapidamente, de seu conteúdo.
ANTINOMIA REAL

• Mas, na prática, a exigência de se adotarem as normas gerais de uma Constituição a


situações novas levaria, às vezes, à aplicação de uma lei especial, ainda que ordinária,
sobre a Constituição. A supremacia do critério da especialidade só se justificaria,
nessa hipótese, a partir do mais alto princípio da justiça: suum cuique tribuere,
baseado na interpretação de que ‘o que é igual deve ser tratado como igual e o que é
diferente, de maneira diferente’. Esse princípio serviria numa certa medida para
solucionar antinomia, tratando igualmente o que é igual e desigualmente o que é
desigual, fazendo as diferenciações exigidas fática e valorativamente”.
SOLUÇÃO DA ANTINOMIA REAL

• O caminho é o da adoção do princípio máximo de justiça, podendo o magistrado, o


juiz da causa, de acordo com a sua convicção e aplicando os arts. 4.º e 5.º da Lei de
Introdução, adotar uma das duas normas, para solucionar o problema. Também pode
ser utilizado o art. 8.º do Novo CPC, segundo o qual, “ao aplicar o ordenamento jurídico, o
juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a
dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a
publicidade e a eficiência”. (Flávio Tartuce)
UM CASO DE ANTINOMIA DE SEGUNDO GRAU

PROCESSO REsp 1.694.324-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, Rel. Acd. Min. Moura Ribeiro, por maioria, julgado
em 27/11/2018, DJe 05/12/2018

RAMO DO DIREITO DIREITO CIVIL

TERCEIRA TURMA
TEMA Transporte rodoviário de mercadorias. Vale-pedágio obrigatório. Lei n. 10.209/2001. Multa
denominada "dobra do frete". Norma cogente. Art. 412 do CC/2002. Não incidência.
A ANTINOMIA PROPRIAMENTE DITA

• Art. 412/CC:
• O valor da cominação imposta na cláusula penal não pode exceder o da obrigação principal.

• Art. 8º (Lei n. 10.209/2001):


• Sem prejuízo do que estabelece o art. 5º, nas hipóteses de infração ao disposto nesta Lei, o
embarcador será obrigado a indenizar o transportador em quantia equivalente a duas vezes o valor
do frete. (a dobra do frete)
• O STJ, como visto, entendeu que prevalece o artigo 8º, da Lei 10.209/01, porque se trata de lei
especial, hipótese da aplicabilidade do critério da especialidade.
UM CASO DE ANTINOMIA DE SEGUNDO GRAU

Cinge-se a controvérsia a verificar se a imposição da multa prevista no art. 8º da


Lei n. 10.209/2001, conhecida como "dobra do frete", causa alguma violação ao
art. 412 do CC/2002. Registre-se, inicialmente, que a ratio essendi da norma visou
beneficiar, de modo geral, os transportadores rodoviários de carga, os
embarcadores e as concessionárias de rodovias. Assim, tal multa prestigia
múltiplos agentes econômicos, abraçando, de modo concreto, aquelas partes
envolvidas na prestação de transporte de mercadorias. Nesse contexto, não há
que se falar na incidência do art. 412 do CC/2002 para reduzir a multa prevista
no art. 8º da Lei n. 10.209/2001, pelas seguintes razões.
UM CASO DE ANTINOMIA DE SEGUNDO GRAU

• Primeiro, somente através do Incidente de Arguição de Inconstitucionalidade, previsto nos termos dos arts. 948
e seguintes do NCPC, é que se poderá deixar de aplicar a multa chamada "dobra do frete". Segundo, a
penalidade prevista no art. 8º da Lei n. 10.209/2001 é uma sanção legal, de caráter especial, prevista na lei que
instituiu o Vale-Pedágio obrigatório para o transporte rodoviário de carga. Assim, sendo a lei anterior ao
Código Civil de 2002, o que se verifica é um conflito entre os critérios normativos, chamado de
antinomia de segundo grau: de especialidade e cronológico. Isso porque, existe uma norma
anterior, especial, conflitante com uma posterior, geral; colhendo, assim, em um primeiro
momento, a ideia de que seria a primeira preferida, pelo critério da especialidade, e a segunda,
pelo critério cronológico. Desse modo, no caso, deve prevalecer, o critério da especialidade, com
a aplicação dos exatos termos do disposto no art. 2º, § 2º, da LINDB. Assim, por se tratar de
norma especial, a Lei n. 10.209/2001 afasta a possibilidade de convenção das partes para alterar o
conteúdo do seu art. 8º, bem assim a possibilidade de se fazer incidir o ponderado art. 412 do
CC/2002, lei geral.
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO. O ART. 6.º DA LINDB

• A irretroatividade é a regra, e a retroatividade, a exceção. Para que a retroatividade


seja possível, como primeiro requisito, deve estar prevista em lei. Valendo para o futuro ou
para o passado, tendo em vista a certeza e a segurança jurídica, determina o art. 5.º, inc.
XXXVI, da CF/1988 que: “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico
perfeito e a coisa julgada”.
• Direito adquirido: é o direito material ou imaterial incorporado no patrimônio de uma
pessoa natural, jurídica ou ente despersonalizado. Pela previsão do § 2.º do art. 6.º da Lei de
Introdução, “consideram-se adquiridos assim os direitos que o seu titular, ou alguém por ele,
possa exercer, como aqueles cujo começo do exercício tenha tempo prefixo, ou condição
preestabelecida inalterável, a arbítrio de outrem”. Como exemplo pode ser citado um
benefício previdenciário desfrutado por alguém.
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO

• Ato jurídico perfeito: é a manifestação de vontade lícita, emanada por quem


esteja em livre disposição, e aperfeiçoada. De acordo com o que consta do texto
legal (art. 6.º, § 1.º, Lei de Introdução), o ato jurídico perfeito é aquele
consumado de acordo com lei vigente ao tempo em que se efetuou. Exemplo:
um contrato anterior já celebrado e que esteja gerando efeitos.
• Coisa julgada: é a decisão judicial prolatada, da qual não cabe mais recurso (art.
6.º, § 3.º, Lei de Introdução).
APLICAÇÃO DA NORMA JURÍDICA NO TEMPO. O
ART. 6.º DA LEI DE INTRODUÇÃO
• Questão relevante é saber se a proteção a tais categorias é absoluta. A resposta é
negativa, diante da forte tendência de relativizar princípios e regras em sede de Direito.
Não podemos esquecer que vivemos a era da ponderação dos princípios e de
valores, sobretudo os de índole constitucional.
• Tanto que o Novo Código de Processo Civil adotou expressamente a ponderação no
seu art. 489, § 2.º, in verbis: “No caso de colisão entre normas, o juiz deve justificar
o objeto e os critérios gerais da ponderação efetuada, enunciando as razões
que autorizam a interferência na norma afastada e as premissas fáticas que
fundamentam a conclusão”.

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