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Lógica proposicional clássica

Formas de inferência válidas

Lógica informal
Argumentos não-dedutivos
Um argumento não-dedutivo é um argumento em que se pretende que as premissas apoiem ou suportem a conclusão.
Um argumento é forte se, e só se, existe um elevado grau de probabilidade que a conclusão seja verdadeira.
Um argumento é fraco se, e só se, existe um baixo grau de probabilidade que a conclusão seja verdadeira.
Três tipos de argumentos não-dedutivos:
▪ os argumentos indutivos (generalizações e previsões);
▪ os argumentos por analogia (comparação); e
▪ os argumentos de autoridade.

1 - Argumentos indutivos
Os argumentos indutivos baseiam-se num determinado número de casos conhecidos para justificar uma conclusão que
inclui casos desconhecidos.
Os argumentos indutivos são classificados como generalizações ou previsões.

Estrutura (generalização): Estrutura (previsão):

(1) Foram observados n casos de x e todos eles eram y. (1) Até hoje, foram observados n casos de x e todos
eles eram y.
(2) Logo, todos os x são y.
(2) Logo, qualquer x observado no futuro será y.
Por exemplo:
Por exemplo:
(1) Todos os corvos observados até hoje são pretos.
(1) Até hoje, o Sol nasceu todos os dias.
(2) Logo, todos os corvos são pretos.
(2) Logo, (provavelmente) o Sol irá nascer amanhã.
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Critérios de avaliação dos argumentos indutivos:
1. Devem basear-se num número significativo de casos e não pode haver contraexemplos conhecidos.
Caso se desrespeite o critério 1 comete-se a:
• Falácia da generalização precipitada.
Com esta falácia mostra-se que o número de casos em que o argumento se baseia não é significativo ou mostra-se que
existem contraexemplos.
Exemplo de desrespeito do critério 1:
(1) O LeBron James é negro e é bom jogador de basquetebol.
(2) O Kevin Durant é negro e é bom jogador de basquetebol.
(3) O James Harden é negro e é bom jogador de basquetebol.
(4) Logo, todos os negros são bons jogadores de basquetebol.
2. Devem basear-se em casos que representem a diversidade de características do universo em causa.
Caso se desrespeite o critério 2 comete-se a:
• Falácia da amostra não-representativa.
Com esta falácia mostra-se que a amostra utilizada não representa a diversidade de características do universo em causa
e que, se a amostra fosse mais representativa, a conclusão a tirar seria outra.
Exemplo de desrespeito do critério 2:
(1) Num estudo realizado à saída da missa, em várias capitais de distrito portuguesas, todos os inquiridos afirmaram que
o aborto é inaceitável.
(2) Logo, todos os portugueses acham que o aborto é inaceitável.
3. Não podem ignorar ou omitir informação relevante.
Caso se desrespeite o critério 3 comete-se a:
• Falácia da omissão de dados.
Com esta falácia mostra-se os dados em falta e mostra-se de que forma eles afetam a conclusão.
Exemplo de desrespeito do critério 3:
(1) Até aos oito anos de idade, o Simão teve sempre uma voz aguda.
(2) Logo, o Simão nunca terá uma voz grave.

2- Argumentos por analogia


Num argumento por analogia partimos de um conjunto de semelhanças entre dois elementos para atribuir a um deles
uma característica observada apenas no outro.
Estrutura:
(1) x tem a característica d.
(2) x é como (ou é semelhante a) y.
(3) Logo, (provavelmente) y também tem a característica d.
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Por exemplo:
(1) A Beatriz gosta de lógica, de discutir e de argumentar corretamente e gosta da disciplina de Filosofia.
(2) Tal como a Beatriz, também o João gosta de lógica, de discutir questões morais e de argumentar corretamente.
(3) Logo, tal como a Beatriz, também o João irá gostar da disciplina de Filosofia.
Critérios de avaliação dos argumentos por analogia:
1. Devem basear-se num número suficiente de semelhanças.
Caso se desrespeite o critério 1 comete-se a:
• Falácia da falsa analogia.
Com esta falácia mostra-se que o número de semelhanças não é suficiente para a conclusão que se quer retirar.
Exemplo de desrespeito do critério 1:
(1) A Beatriz gosta de discutir e gosta da disciplina de Filosofia.
(2) Tal como a Beatriz, também o João gosta de discutir.
(3) Logo, tal como a Beatriz, também o João irá gostar da disciplina de Filosofia.
2. Devem basear-se em semelhanças relevantes para aquilo que se pretende concluir.
Caso se desrespeite o critério 2 comete-se a:
• Falácia da falsa analogia.
Com esta falácia mostra-se que a as semelhanças consideradas não são relevantes para a conclusão que se quer retirar.
Exemplo de desrespeito do critério 2:
(1) A Beatriz tem uma camisola vermelha e uma caneta azul, usa óculos e gosta da disciplina de Filosofia.
(2) Tal como a Beatriz, também o João tem uma camisola vermelha e uma caneta azul e usa óculos.
(3) Logo, tal como a Beatriz, também o João irá gostar da disciplina de Filosofia.
3. Não pode haver diferenças relevantes entre os elementos comparados.
Caso se desrespeite o critério 3 comete-se a:
• Falácia da falsa analogia.
Com esta falácia mostra-se que existem diferenças relevantes entre os dois elementos da comparação e mostra-se de que
forma essas diferenças afetam a conclusão.
Exemplo de desrespeito do critério 3:
(1) A Beatriz gosta de lógica, gosta de discutir, gosta de argumentar corretamente e gosta da disciplina de Filosofia
(além disso, adora a escola).
(2) Tal como a Beatriz, também o João gosta de lógica, gosta de discutir e gosta de argumentar corretamente (além
disso, detesta a escola).
(3) Logo, tal como a Beatriz, também o João irá gostar da disciplina de Filosofia (que é uma disciplina escolar)

3 – Argumentos de autoridade
Num argumento de autoridade, recorre-se à opinião de um perito ou de um especialista para reforçar a aceitação de uma
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determinada proposição.
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Estrutura:
(1) x diz que P.
(2) Logo, P.
Por exemplo:
(1) O meu professor de História disse que D. Afonso Henriques foi aclamado primeiro rei de Portugal em 1139.
(2) Logo, D. Afonso Henriques foi aclamado primeiro rei de Portugal em 1139
Critérios de avaliação dos argumentos de autoridade:
1. Devem basear-se na opinião imparcial de especialistas no assunto em questão.
Caso se desrespeite o critério 1 comete-se a:
• Falácia do apelo à autoridade (autoridade não reconhecida).
Com esta falácia mostra-se que a autoridade invocada não é especialista no assunto em causa.
Exemplo de desrespeito do critério 1:
(1) O Cristiano Ronaldo diz que o champô X é à prova de caspa.
(2) Logo, o champô X é à prova de caspa.
2. Deve haver consenso entre os especialistas da área.
Caso se desrespeite o critério 2 comete-se a:
• Falácia do apelo à autoridade (ausência de consenso).
Com esta falácia mostra-se que existem especialistas igualmente competentes com uma opinião contrária.
Exemplo de desrespeito do critério 2:
(1) O filósofo Alvin Plantinga diz que Deus existe.
(2) Logo, Deus existe.
3. Devem identificar claramente a autoridade invocada.
Caso se desrespeite o critério 3 comete-se a:
• Falácia do apelo à autoridade (autoridade anónima).
Com esta falácia mostra-se que sem conhecer a fonte e a base da informação não é possível avaliar a sua credibilidade.
Exemplo de desrespeito do critério 3:
(1) Dizem que antes do final da década vai haver uma nova pandemia.
(2) Logo, antes do final da década vai haver uma nova pandemia.

Outras falácias informais

Petição de princípio
Pressupõe-se nas premissas aquilo que se quer ver provado na conclusão. (o que é dito nas premissas é
inferido/deduzido/concluído na conclusão)
Estrutura:
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(1) P.
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(2) Logo, P.

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Por exemplo:
(1) As pessoas são todas egoístas.
(2) Logo, as pessoas nunca agem sem ser por interesse próprio.
Como identificar esta falácia?
Mostrar que o argumento está a pressupor aquilo que pretende provar.

Falso Dilema
Consideram-se apenas duas possibilidades ou alternativas, quando na realidade existem outras possibilidades.
Estrutura:
P ou Q.
Não-P.
Logo, Q.
Por exemplo:
(1) Ou estás comigo, ou estás contra mim.
(2) Não estás comigo.
(3) Logo, estás contra mim.
Como identificar esta falácia?
Apresentar uma terceira possibilidade, mostrando assim que a disjunção apresentada nas premissas é falsa.

Falsa Relação Causal


Confunde-se uma mera sucessão temporal com uma relação causal. (superstição)
Estrutura:
(1) x ocorreu depois de y.
(2) Logo, x ocorreu por causa de y.
Por exemplo:
(1) No último jogo, usei as meias amarelas e marquei golo.
(2) Logo, marquei golo porque estava a usar as meias amarelas.
Como identificar esta falácia?
Mostrar que um dos eventos podia ter ocorrido sem que o outro ocorresse.

Ad Hominem
Procura-se mostrar que uma proposição é falsa atacando a credibilidade do seu autor.
Estrutura:
(1) x diz que P.
(2) Mas x é y (y = a uma qualquer característica negativa que visa descredibilizar)
(3) Logo, Não-P.
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Por exemplo:
(1) Einstein diz que os átomos existem.
(2) Mas Einstein era infiel à mulher.
(3) Logo, é falso que os átomos existem.
Como identificar esta falácia?
Mostrar que não foram apresentadas boas razões para se considerar que a proposição é falsa.

Ad Populum
Recorre-se à opinião popular, ou seja, à opinião da maioria, para estabelecer a verdade de uma proposição.
Estrutura:
(1) A maioria pensa que P.
(2) Logo, P.
Por exemplo:
(1) A maioria pensa que não temos a obrigação moral de combater a pobreza absoluta.
(2) Logo, não temos a obrigação moral de combater a pobreza absoluta.
Como identificar esta falácia?
Mostrar que a maioria pode ser ignorante acerca do assunto em questão.

Apelo à Ignorância
Tenta-se provar que uma proposição é verdadeira porque ainda não se provou que é falsa, ou vice-versa.
Estrutura:
(1) Até hoje, ninguém provou que P.
(2) Logo, Não-P.
Por exemplo:
(1) Até hoje, ninguém conseguiu provar que existem extraterrestres.
(2) Logo, os extraterrestres não existem.
Como identificar esta falácia?
Mostrar que a ausência de provas pode dever-se apenas à nossa incapacidade.

Espantalho (ou Boneco de Palha)


Tenta-se mostrar que se refutou uma teoria (ou argumento) atacando uma versão distorcida e enfraquecida.
Estrutura:
(1) P caracteriza-se por defender Q (Q = versão distorcida e enfraquecida de P)
(2) Não-Q.
(3) Logo, Não-P.
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Por exemplo:
(1) A lógica defende que os argumentos válidos levam sempre a conclusões verdadeiras.
(2) Mas isso é claramente falso.
(3) Logo, a lógica é falsa.
Como identificar esta falácia?
Mostrar que o argumento falha o alvo, pois limita-se a criticar uma caricatura da posição em análise.

Derrapagem (ou Bola de Neve)


Argumenta-se com base numa cadeia de implicações pouco plausível. (silogismo hipotético)
Estrutura:
(1) Se P, então Q.
(2) Se Q, então R.
(3) Logo, se P, então R.
Por exemplo:
(1) Se tirar negativa no próximo teste, tenho má nota no final do ano.
(2) Se tiver má nota no final do ano, nunca vou arranjar emprego.
(3) Logo, se tirar negativa no próximo teste, nunca vou arranjar emprego.
Como identificar esta falácia?
Mostrar que uma das implicações em que se baseia o argumento é falsa, ou que a sequência de implicações no seu todo
é improvável.

O problema da liberdade e do determinismo na ação humana


Livre arbítrio e determinismo
O livre-arbítrio é a liberdade da vontade, é ter a possibilidade de escolher entre fazer uma coisa ou fazer outra. Temos
livre-arbítrio, se, e só se, algumas das coisas que acontecem dependem fundamentalmente de nós, da nossa vontade.
O determinismo é a tese de que tudo o que acontece é a consequência necessária de acontecimentos anteriores e das
leis da natureza, isto é, todos os acontecimentos, incluindo as ações humanas, são determinados por causas anteriores e
pelas leis da natureza.

O problema do livre-arbítrio
Este problema pode ser formulado através de questões como as seguintes:
▪ Será que existe livre-arbítrio?
▪ Será a crença no livre-arbítrio compatível com a crença no determinismo?
De que resulta o problema do livre-arbítrio?
Quase todas as pessoas parecem acreditar que têm livre-arbítrio.
Quando escolhemos a roupa que vamos usar ou a comida que vamos comer, quando planeamos o que vamos fazer no
futuro não parece fazer sentido que não tenhamos a liberdade de escolher (ou livre-arbítrio).
Por outro lado, quase todas as pessoas parecem acreditar no determinismo, isto é, que os acontecimentos têm causas e
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ocorrem de acordo com as leis da natureza.


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Essa crença faz parte do modo como geralmente olhamos para o mundo.
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Mas, sendo assim, se todos os acontecimentos têm causas anteriores, como podem as nossas ações ser livres?
É aqui que reside o problema do livre-arbítrio.
Apesar de o determinismo e de o livre-arbítrio parecerem ideias plausíveis e justificadas por boas razões, se o
determinismo incluir as ações humanas, então não parece ser possível fazermos escolhas. Isto é, talvez as ideias de livre-
arbítrio e de determinismo sejam incompatíveis.

Respostas ao livre-arbítrio
▪ O livre-arbítrio é compatível com o determinismo?
Incompatibilíssimo: Não, o livre-arbítrio não é compatível com o determinismo.
Se o determinismo é verdadeiro, não temos livre-arbítrio.
Num mundo onde todos os acontecimentos (incluindo as nossas ações) fossem a consequência necessária de
acontecimentos que os antecedem e das leis da natureza (i.e., num mundo onde o passado e as leis da natureza
determinassem em cada momento um único futuro possível), não poderia haver verdadeiro livre-arbítrio.
Compatibilismo: Sim, o livre-arbítrio é compatível com o determinismo, ou seja, é possível termos livre-arbítrio, apesar
de vivermos num mundo onde todos os acontecimentos (incluindo as nossas ações) são uma consequência necessária
de acontecimentos que os antecedem e das leis da natureza.

Temos livre-arbítrio?
→ Determinismo Radical - Tese fundamental:
Não existe livre-arbítrio e, portanto, nenhuma ação humana é livre.
• Porque não existe livre-arbítrio?
O determinismo radical considera que todos os acontecimentos, o que inclui também as ações humanas, têm causas
anteriores e estão submetidos às leis da natureza.
Nas nossas ações não temos realmente liberdade de escolha, pois tudo o que acontece (incluindo as nossas ações) é a
consequência das leis da natureza e de eventos que ocorreram num passado remoto que não controlamos. Por estar
determinado, o efeito (a nossa ação) é inevitável. Nunca existem possibilidades alternativas de ação. Se não temos
possibilidades alternativas, então não podemos ser moralmente responsabilizados pelas nossas ações.
• Esta teoria considera que o determinismo e o livre-arbítrio são incompatíveis. Se todas as ações humanas têm
causas anteriores e estão submetidas às leis da natureza, o livre-arbítrio não existe.
• Para o matemático francês Laplace (defensor do determinismo radical), com a inteligência e conhecimentos
suficientes, seria possível prever todos os movimentos que ocorrerão no universo, incluindo todas as ações
humanas.
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O comportamento humano tem variadas causas:
Os defensores do determinismo radical consideram que as causas do comportamento humano são muito mais variadas
do que as dos objetos e outros animais, mas isso não significa que as ações humanas escapem à causalidade. Segundo
esta teoria, as nossas ações resultam de uma combinação complexa destas causas (físicas e químicas, sociais e culturais,
biológicas, etc.). A série causal que daqui resulta não é controlada pelo agente.
Negar o determinismo contraria a ciência e é pouco racional:
O determinismo radical defende que através da articulação entre os contributos de várias ciências (como a Biologia,
Psicologia ou Sociologia) é possível apresentar uma explicação determinista do comportamento humano e, assim sendo,
negar o determinismo é pouco racional, uma vez que isso significa contrariar o que é afirmado pela ciência.
A constância de certas coisas:
Segundo os deterministas radicais, outro dos fortes indícios a favor da sua tese, é que, aparentemente, não conseguimos
viver sem assumir certas coisas como constantes. Temos uma forte tendência para pensar que no futuro, assim como no
passado, as mesmas causas terão os mesmos efeitos.
Assim, para estes pensadores, quer o estrondoso sucesso da ciência, quer a nossa experiência do dia a dia nos mostram
que tudo o que acontece é causado por acontecimentos anteriores e pelas leis da natureza.
Objeções ao determinismo radical
Objeção da Mecânica Quântica
A imagem determinista do universo tem vindo a ser posta em causa por desenvolvimentos recentes numa área da Física
que estuda o comportamento das partículas subatómicas: a Mecânica Quântica.
No entanto, a Mecânica Quântica é uma teoria meramente probabilista e sustenta que, por mais informação que tenhamos
acerca de uma partícula, jamais poderemos determinar com exatidão a sua posição futura – tudo o que podemos fazer é
calcular de entre de um conjunto de localizações possíveis qual delas é a mais provável.
Isto parece sugerir que existem aspetos do universo que são indeterministas, pois não dependem em absoluto dos estados
de coisas que o antecedem e das leis da natureza.
Objeção da responsabilidade moral
O determinismo radical implica que ninguém é moralmente responsável por nada do que faz, uma vez que sustenta que
não temos livre-arbítrio. Mas grande parte dos nossos comportamentos quotidianos, como a censura, a admiração, o
louvor e a culpa, pressupõem que, de facto, somos moralmente responsáveis, pelo menos por algumas das coisas que
fazemos.
Assim sendo, se não aceitarmos que muitos dos nossos comportamentos são simplesmente absurdos, somos
racionalmente forçados a rejeitar o determinismo radical.
Face a esta objeção e à seguinte questão colocada pelos libertistas - Se não há genuína responsabilidade moral nas nossas
ações, uma vez que não existe livre-arbítrio, fará ainda assim sentido castigar ou premiar uma determinada ação? - O
determinismo radical responde positivamente. As pessoas devem ser responsabilizadas, uma vez que assim promovem-
se as boas ações e desencorajam-se as más.
Neste sentido, os prémios e os castigos são também causas que podem determinar os comportamentos humanos.
→ Libertismo - Tese fundamental:
Existe livre-arbítrio e algumas ações humanas são livres.
Para o libertismo, o agente é livre quando é capaz de tomar uma decisão independentemente de quaisquer causas
anteriores. Nesse caso, o agente autodetermina-se, porque a única causa da ação é a sua decisão.
Não somos capazes de viver, de fazer escolhas e de agir sem pressupor o livre-arbítrio.
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Imaginemos que tínhamos ao dispor as seguintes possibilidades ao pequeno-almoço: tomar chá, leite com chocolate,
leite com café, leite com cereais ou não tomar nada. Depois de pensarmos sobre o assunto, decidimos tomar leite com
chocolate.
Temos a sensação de que, embora essa decisão possa ter sido influenciada por vários fatores – os hábitos e rotinas da
nossa família, os alimentos que tínhamos à nossa disposição, as necessidades do nosso organismo, etc. – dependia, em
última análise, daquilo que decidirmos fazer.
Se alguém nos desatar a bater, a menos que se trate de uma pessoa com algum tipo de perturbação mental ou compulsão,
é inevitável pensarmos que está no seu poder parar de o fazer se assim o desejar.
Mas isso só mostra que não estamos verdadeiramente dispostos a aceitar que não podemos deixar de fazer aquilo que
fazemos e que as nossas ações decorrem naturalmente da cadeia causal que compõe o universo, sobre a qual não temos
qualquer tipo de controlo.
Somos irresistivelmente levados a assumir que algumas das coisas que fazemos dependem fundamentalmente das nossas
escolhas livres.
Argumento da responsabilidade
Se não houver livre-arbítrio é difícil entender como pode existir responsabilidade.
Se o livre-arbítrio não existir, as pessoas não são verdadeiramente as autoras das suas ações, isto é, farão coisas
inevitáveis.
A ser assim, Adolf Hitler não seria culpado pelo Holocausto – o que é muito implausível.
Do mesmo modo, sentimentos como o orgulho ou a vergonha não farão sentido se as nossas ações forem o produto
de causas que não controlamos – o que também é implausível.
Tal como o determinismo radical, o libertismo considera que o determinismo e o livre-arbítrio são incompatíveis.
Se uma ação humana tem causas anteriores e está submetida às leis da natureza, não é uma ação livre. Este é um ponto
em comum entre as duas teses, mas há divergência quanto à existência ou não de livre-arbítrio:
▪ O determinismo radical considera que não existe (pois tudo está determinado).
▪ O libertismo considera que existe (pois nem tudo está determinado).
Objeções ao Libertismo
Objeção da ilusão
Alguns autores deterministas, como Bento de Espinosa (1632-1677) e Arthur Schopenhauer (1788-1860), consideram
que a ilusão de que temos livre-arbítrio resulta do facto de termos consciência dos nossos desejos, mas ignorarmos as
causas que os determinam.
Uma vez que, por vezes, fazemos aquilo que queremos, temos a ilusão de que algumas das nossas ações são livres.
Contudo, visto que na realidade aquilo que queremos ou deixamos de querer não depende de nós, mas sim de causas
que ignoramos, não temos verdadeiro livre-arbítrio.
Objeção da aleatoriedade
Os libertistas sustentam que para que as nossas escolhas sejam genuinamente livres elas não podem ser determinadas
pelos acontecimentos anteriores e pelas leis da natureza.
Mas uma escolha que não seja determinada por acontecimentos anteriores, também não é livre, é simplesmente aleatória,
fruto do acaso, que é algo que não podemos controlar.
Assim, se as nossas ações forem acontecimentos indeterminados, então elas não são livres, mas sim aleatórias.
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A única alternativa do libertista seria considerar que uma escolha pode ser livre apesar de ser determinada pelos
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acontecimentos anteriores, mas isso daria razão ao compatibilista e não ao libertista.

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→ Determinismo moderado - Tese fundamental:
Existe livre-arbítrio, apesar do determinismo ser verdadeiro, isto é, apesar de todos os acontecimentos (incluindo as
nossas ações) serem a consequência necessária de acontecimentos que os antecedem e das leis da natureza.
Se todas as ações são determinadas por causas anteriores, mas algumas delas são livres, isso significa que as ações livres
são também determinadas.
O determinismo moderado rejeita a ideia de estarmos limitados a fazer uma só coisa, ao considerar que existem ações
livres.
Numa ação livre, temos a possibilidade de fazer uma coisa podendo fazer outra.
Mas como é que temos alternativa ao que está determinado pelas causas anteriores?
Imaginemos que um agente realiza uma ação a que chamamos A. Para o determinismo moderado, o agente realizou a
ação A, mas poderia ter realizado a ação B. Se o agente tivesse desejado realizar a ação B e não a A, podia tê-lo feito.
Para o determinismo moderado, uma situação como esta permite dizer que o agente teve possibilidades alternativas de
ação.
Para os deterministas moderados, uma ação é livre quando:
▪ é realizada sem coações (internas ou externas ao agente);
▪ deriva das crenças e desejos do agente.
Mas essas ações não têm causas anteriores à decisão do agente?
Sim, têm. Mas não impedem que o agente realize uma ação livre.
O facto de o agente estar envolvido numa cadeia causal que não controla não lhe retira a liberdade. O que retira a
liberdade ao agente é a existência de alguma coação que o impeça de agir de acordo com o seu desejo. Quando a coação
não existe, a ação é livre (e, simultaneamente, determinada).
O determinismo moderado, ao contrário do determinismo radical e do libertismo, é compatibilista, pois considera que
há determinismo (as ações são determinadas por causas anteriores) e livre-arbítrio (algumas das ações são livres).
Objeção à análise condicional
No artigo “Cans without ifs” (1968), Keith Lehrer ilustra esta situação através do seguinte exemplo:
1. Suponhamos que me ofereciam um frasco com vários doces, incluindo gomas vermelhas; e que, uma vez que
tenho uma aversão patológica a gomas vermelhas (imaginemos, por exemplo, que me fazem lembrar gotas de
sangue), decidi não tirar nenhum doce.
2. Ora, apesar de ser logicamente possível supor que, se eu tivesse escolhido tirar uma goma vermelha, eu tê-lo-ia
feito, a verdade é que, dada a minha aversão, eu não poderia ter escolhido fazê-lo.
3. Isto significa que eu não tenho, efetivamente, a capacidade de tirar uma goma vermelha (i.e., a proposição que
representa o analysandum é falsa), mas, se eu tivesse escolhido tirar uma, eu tê-lo-ia feito (i.e., a proposição
que representa o analysans é verdadeira).
Assim, para um incompatibilista é uma trivialidade sem qualquer relevância metafísica afirmar que poderíamos agir de
modo diferente daquele que agimos, se tivéssemos desejos diferentes daqueles que temos.
De acordo com a imagem determinista do mundo, cada estado de coisas num dado momento é a consequência dos
estados do mundo que o antecederam e das leis da natureza, ou seja, dado o determinismo, existe apenas um estado de
coisas possível, em cada instante. Portanto, num mundo determinista, dado o passado e as leis da natureza, não
poderíamos ter desejos diferentes daqueles que temos.
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