Você está na página 1de 8

.

AMITAI .ETZIONI
SÊRIE FUNDAMENTOS DA SOCIOLOGIA MODERNA
ALEX INKELES • ê:liretor

GANIZACÕES
......
. ' . :, .. # .

MODERNAS
/

....
~
·'

'$

(.,·

.,

,j.

Os volumes da Série Fundamentos da Sociologia Moderna. destinam-se


tôdas as · principais áreas no campo da :, Soció~ogia, Cada obra, •
escrita por um eminente · especialista, apt ·e senta um subcampo específico 1\.,
da disciplina. . A característic~ que dá J nidade a esta série é o estudo C
sistemático de grupos e sociedades. Cada ' livro- .analisa um aspecto
importante da · vida social, com referênCias esp~ciais ·.a o seu papel no
desenvolvimento, funcionamento e inud.ança dé. sisteipas sociais mais
faz ainda um retrospecto da históri~ cfa teoria e da •·{fesquisa neste
sumário uà posição atual do conhecirde~to e · da pésqtiisa. Essas 'a
combina das, dão à série profundidade histórica e a amplitude dos estudos IBLIOTECA PIONEIRA DE ClfNCIAS SOCIAIS
foram incorporadas na abordagem estruturaliSta, mas também CAPITULO V
são considerados outros fatôres, não estudados anteriormen-
te, e cobre-se todo o campo das organizações.
A grande síntese está longe de ser universal: existerr:
ainda manuais de treinamento de Relações Humanas, cujos
aut?res J?Ouco aprenderam e pouco esq?eceram desde os pri-
meiros fivros de Mayo; embora em numero menor, existem
ainda estudos "puros" de administração, no antigo sentido
formal. Todavia, geralmente aquêles que ainda se identifi- Burocracias :
cam com uma ou outra dessas es·colas anteriores conseguiram Estrutura e Legitimidade
ampliar sua abordagem teórica e seguem a direção geral da
síntese sugerida nas páginas anteriores. 27
De modo geral, a análise da organização ampliou seus
interêsses, a fim de incluir:
1. elementos formais e informais da organização, bem Max Weber, o mais influente dos fundadores do estru-
como sua articulação; , turalismo, preocupou-se muito com a distribuição do poder
• 2. o c~mpo dos grupos informais e as relações entre entre as posições da organização na estrutura burocrática, e
esses grupos, dentro e fora da organização; isso representa o elemento "formal" de sua obra. Ao mesmo
tempo, em sua análise da legitimidade, abriu uma perspec-
3. tanto as posições mais baixas quanto as mais altas; tiva inteiramente nova para o estudo da satisfação derivada
4. as recompensas sociais e materiais e suas influências da participação na organização. Sua compreensão da mútua
mútuas; influência entre o poder de contrôle e a capacitl.ade de jus-
5. a interação entre a organização e seu ambiente; tificar ("legitimar") seu exercício, estabeleceu o contexto de
um grande número de trabalhos posteriores a respeito da
6. as organizações de trabalho e outros tipos de orga- questão central da organização: como controlar os partici-
nização. pantes, a fim de elevar ·ao máximo a eficiência e a competên-
. Essa perspectiva mais extensa e equilibrada não só enco- cia, a . reduzir ao mínimo a infelicidade provocada por essa
raja o desenvolvimento de um estudo não-valorativo, - nem necessidade de êontrôle.
a favor da administração, nem a favor do operário - da aná-
Até que ponto a organização pode esperar que seus par-
lise da organização, mas também amplia seu campo, a fim
de incluir todos os tipos de organizações e todos os elemen- ticipantes aceitem seus regulamentos porque "foram sempre
tos da organização, além de enriquecer o estudo de qualquer assim"? Até que ponto pode esperar que aceitem os regula-
elemento isolado, fornecendo o contexto para colocá-lo e pon- mentos porque êstes concordam com uma lei reconhecida
tos de referência para julgar sua importância com relação à pelos participantes? Até que ponto a pessoa que dá uma
organização. ordem precisa ser muito convincente? O que caracteriza as
estruturas m,ais racionais de poder? Qual o serviço prestado
pelos elementos irracionais aos racionais? E ·quais os resul-
(2_.7) Duas boas resenhas dessas exposições, na tradição das tados do afastamento do "líder carismático" - centro dos
Relaçoes Humanas, encontram-se em William F. Whyte, "Human compromis.sos irracionais e origem fundamental da legitimi-
Relations Theory: a Progress Report", Harvard Business Review, dade - sôbre os participantes e, portanto, sôbre a capacida-
24 (1956), 34: 125-132; e R.ensis Likert, Novos Pàdrões de Adminis-
tração (S. Paulo: Livraria Pioneira Editôra, 1967). de de contrôle da organização? Este capítulo discute a con-

81
80 6
_tribuição de Weber para êsses t6picos; os capítulos seguin-
tes examinam estudos de contrôle · da organização, em grande É decisivo compreender a natureza do aumento de poder
pMte realizados a partir dos fundamentos por êle estabelecidos. outorgado pela legitimidade. Não aumenta o interêsse ma-
terial do subordinado pela submissão; não toma a ordem ou
a regra necessàriamente agradáveis - isto é, satisfatória para
o subordinado. Mas satisfaz a um terceiro tipo de necessi-
Legitimidiade e Autoridade dade, a necessidade de seguir normas que combinam, em vez
de entrar em conflito, com os valôres aceitos. A fim de
As organizar:<>es, - que Weber denomina burocracias, - acentuar a diferença entre a satisfação normativa da necessi-
estabelecem normas e precisam impô-las; têm regras e regu- dade de justiça (ou legitimidade) e a necessidade de opor-
lamentos; dão ordens que devem ser obedecidas, a fim de tunidades para satisfazer outras necessidades, que são fre-
que a organização funcione com eficiência. Até certo ponto, qüentemente confundidas, é importante compreender que, en-
uma organização pode se apoiar em seu poder, a fim de fa- quanto algumas ordens legítimas são satisfatórias, muitas ou-
zer com que o participante obedeça. Vale dizer, pode utili- tras ordens podem ser legítimas e não satisfatórias, ou ainda
zar alguns de seus recursos para recompensar os que obede- outras podem ser ilegítimas, embora satisfatórias. O estudo
cem às suas regras e para punir os que não o fazem. Essa de Weber sôbre a legitimidade introduz uma dimensão intei-
disciplina não exige que quem recebe a ordem concorde com ramente nova no estudo da disciplina da organização. Uti-
ela, e indiscutivelmente, não exige que a aceite como moral- lizou o poder para designar a capacidade de provocar a acei-
mente justificada. Pode obedecer a uma ordem, a fim de tação de ordens; a legitimidade para designar a: aceitação do
evitar perda de dinheiro ou prestígio e para aumentar sua exer~ício do poder, porque corresp~nde aos valôres dos su-
renda ou posição. Até certo ponto, a organização pode man- bordmados; e autondade para designar a combinação dos.
ter a disciplina através do contrôle de diversas recompensas e dois - isto é, o poder que é considerado legítimo.
sanÇões, a fim de assegurar maior satisfação e menor de-
cepção.
Todavia, o exercício do poder tem uma importante limi- Tipologia da Autoridade de W eber
tação; mantém o dependente alienado quando se conforma.
Conforma-se por causa de motivos mais distantes. Seu con- A tipologia da autoridade de Weber baseia-se nas fon-
formismo tende a limitar-se a questões explicitamente apoia- tes e tipos de legitimidade empregados, e não nos tipos de
das pelo poder. Não tende a dar informações, mostrar ini- poder aplicados. Classifica a autoridade como tradicional
ciativa ou cooperar, a não ser quando expllcitamente forçado quando os subordinados aceitam as ordens dos superiores
a fazê-lo. Além disso, em momentos de crise, quando se en- como_iustificadas, porque essa foi sempre a maneira pela qual
l fraquece a estrutura de poder da organização, tenderá a pre-
ferir, às da organização, quaisquer outras normas com que
as coisas foram feitas; oomo racional, legal ou burocrática,
quando os subordinados aceitam o govêrno, como justificado,
concorde. . porque concorda com um conjunto de preceitos mais abstra-
I· tos que consideram legítimos, e dos quais "deriva" o govêr-
De outro lado, quando o exercício do poder é conside-
rado legítimo pelos que a êle estão submetidos - isto é, quan- no ( e, neste sentido, é racional). (O trabalho das côrtes ro-
do as ordens dadas ou as regras estabelecidas obedecem a va- manas é um bom exemplo disso.) Finalmente, Weber mos-
lôres respeitados pelos subordinados - a submissão será mui- tra a autoridade carismática, na qual os subordinados aceitam
to mais profunda e eficiente. O subordinado "interioriza" as as ord~ns de um superior, justificadas por causa da influên-
regras. Considerará a disciplina menos alienadora, e conti- cia de sua personalidade, com a qual se identificam.
nuará a seguir regras e ordens quando o poder da organização A classificação de autoridade, feita por Weber, pode ser
se enfraquecer ou estiver ausente. aplicada, pelo menos, em três níveis. Pode-se aplicá-la ao
nível societário, comparando sociedades tradicionais, buro-
82
83
cráticas e carismáticas. A sociedade medieval é considerada Contudo, Weber observou a fragilidade da estrutura ra-
freqüentemente como tradicional, a sociedade moderna de- cional. Não apenas existem pressões constantes de fôrças
mocrática como burocrática, ·e as sociedades em períodos re- exteriores para encorajar o burocrata a seguir outras normas,
volucionários, - tais como a Rússia depois de 1917 e a Ale- diferentes das da organização, como o compromisso dos su-
manha nazista depois de 1933 - como carismáticas. E pos- bordinados .com as regras burocráticas tende também a enfra-
sível comparar diferentes tipos de unidades sociais de acôrdo quecer. Eis um dilema típico da organização. Para que a
com o tipo de autoridade básica. Aqui a família é conside- organização seja eficiente, exige um tipo especial de legiti-
rada tradicional (mesmo na sociedade burocrática), as orga- midade, racionaiidade e limitação de alcance. Todavia, a
nizações complexas como burocráticas (mesmo num período capacidade para aceitar ordens e regras como legítimas, prin-
carismático), e partidos políticos revolucionários como caris- cipalmente quando repugnam aos desejos da pessoa - o que
máticos (mesmo numa sociedade tradicional). Finalmente, ocorre freqüentemente nas burocracias - exige um nível de
pode-se utilizar a classificação a fim de caracterizar relações renúncia que é difícil manter. Portanto, as organizações bu-
entre os indivíduos e seus superiores, numa determinada or- rocráticas tendem a se desfazer, seja na direção carismática,
ganização. seja na tradicional, em que as relações disciplinares são me-
Além disso, há tendência para o aparecimento de diferen- nos separadas das outras, mais "naturais" e "afetuosas". Além
tes relações de autoridade em diferentes estruturas sociais. disso, a capacidade de renúncia exigida pela organização ra-
As relações tradicionais de autoridade são encontradas, ge- cional não pode se desenvolver em seu interior; depende de
ralmente, numa estrutura difusa de posições, em que o supe- relações sociais mais amplas, que existem na família tradi-
rior num domínio é superior em outros; é isso que ocorre, cional ou no movimento carismático. Weber descobriu a
por exemplo, numa aristocracia. As relações de autoridade origem das burocracias em unidades sociais anteriores, dês-
nas estruturas burocráticas têm um alcance limitado; a supe- ses tipos, questão a que voltaremos depois de expor a natu-
rioridade não se transfere de um domínio social para outro. reza da estrutura burocrática.
No caso de relações puramente carismáticas, não apenas não
existe diferenciação entre à organização e outras unidades
sociais, mas existe pouca diferenciação interna entre o líder A Estrutura Burocrática
e os adeptos.
W eber sugeriu que, para que uma estrutura moderna de Weber descreveu com grande minúcia os aspectos da es-
organização seja eficiente e competente, como instrumento da trutura burocrática. Toaos êles determinam o que forma uma
organização, precisa ter autoridade burocrática. As relações estrutura muito- racional. 1
carismáticas carecem de uma divisão sistemática de trabalho, 1. "Uma organização contínua de funções oficiais, liga-
de especialização e estabilidade. As atividades da organiza- das por regras" . A organização racional é a antítese das re-
ção nas unidades sociais tradicionais não são suficientemen- lações ad hoc, temporárias e instáveis; daí decorre a acen-
te imunes a considerações políticas irrelevantes, de · estratifi- tuação da continuidade. As regras economizam esfôrço, pois
cação e parentesco e, portanto, não permitem que se exerça eliminam a necessidade de encontrar uma nova solução para
a racionalidade do processo produtivo ou administrativo. Ape- cada problema e cada caso; facilitam a padronização e igual-
nas quando o alcance da organização é limitado (ver adian-
te, Capítulo 7), é que aparecem a imunidade a fatôres irre-
levantes, liberdade nas relações de estrutura, - segundo as (1), Max W eber CTalcott Parsons, org.; A. M. Henderson e
exigências de uma tarefa - e a aceitação de regras em cam- T alcott · Parsons, tradutores), The Theory of Social Economic Orga-
pos permanentes, todos essenciais para a organização mo- nization (Nova Iorque: Oxford University Press, 1947), pp. 329-330.
Reimpresso em Robert K. Merton, Aisa P. Gray, Barbara Hoch ey
derna. Portanto, as burocracias são as unidades sociais mais e H a nan C . S elvin (orgs.), R eader i n Bureaucracy CoGle ncoe, Ill.:
adequadas para a organização racional moderna. The Free Press, 1952), pp. 18-20.

84 85
dade no tratamento de muitos casos. Essas vàntagens são im- a outros elementos do status, - tais como a separação entre
possíveis se cada cliente fôr tratado como um caso único,
a residência pessoal do burocrata e a organização - mantém
como indivíduo.
a posição burocrática do funcionário afastada das solicitações
2. "Uma esfera específica de competência. Isso inclui de seus status fora da organização. .
(a) uma esfera de obrigações para realizar funções estipula- 6. A fim de aumentar essa liberdade da organização,
das como parte de uma divisão sistemática de trabalho; ( b) os seus recursos precisam estar livres de qualquer contrôle
a atribuição, ao encarregado, da necessária autoridade para externo, e as posições não pode~ ser m?nopo1izadas p_or
desempenhar essas funções; (c) que os meios necessários de qualquer titular. Precisam estar hvres, a fii~ de serem dis-
obrigatoriedade sejam claramente definidos e seu uso sujeito tribuídas e redistribuídas, segundo as necessidades da orga-
a condições definidas". Uma divisão sistemática de trabalho, nização. É necessária "uma completa ausblcia de apropria-
direitos e poder é essencial para uma organização racional. ção de suas posições oficiais pelo titular".
Cada participante deve, não apenas conhecer sua tarefa e ter
meios para dela se desincumbir, o que inclui, antes de mais 7. "As regras, decisões e atos administrativos são for-
nada, a capacidade para mandar nos outros, mas deve tam- mulados e registrados por escrito ( . .. ) ." Muitos observa-
bém saber os limites de sua tarefa, direitos e poder, a fim dores poderiam considerar esta exigência como menos essen-
de não ultrapassar os limites entre seu papel e o dos outros, cial ou básica para a organização racional que as preceden-
e prejudicar tôda a estrutura. · tes, e muitos indicarão a irracionalidade de um excesso de
registros, arquivos e coisas semelhantes, freqüentei?ente men-
3 . "A organização dos cargos segue o princípio da hie- cionados como "prejuízos". Todavia, Weber salienta a ne-
rarquia; isto é, cada cargo inferior está sob contrôle e super- cessidade de manter uma interpretação sistemática de n.or-
visão de um pôsto superior." D~ssa maneira, cargo algum mas e de imposição de regras, o que n:ão pode ser mantido
fica sem contrôle. A submissão não pode ser deixada ao aca- por comunicação oral.
so; precisa ser sistemàticamente verificada e reforçada.
Weber mostrou que os funcionários devem ~er comp~b­
4. "As regras que regulam a conduta de um cargo po- sados por salários e não receber pagamento de ch~nte:, a fim
dem ser regras ou normas técnicas. Nos dois casos, para que de garantir sua principal orientaçã~ par~ a orgamzaçao, suas
sua aplicação seja inteiramente racional, torna-se necessária normas e seus representantes. Alem d1sso, através da pro-
uma preparação especializada. Dessa forma, é habitualmen- moção sistemática dos funcionários, - canalizando. dessa for-
te verdade que apenas uma pessoa, que demonstrou um pre- ma suas ambições ao proporcionar-lhes uma carreua - e do
paro técnico adequado, está qualificada para ser membro do prêmio à lealdade, a companhia recompensa êsse compro-
corpo administrativo ( . . . )." Examinamos adiante (no Capí- misso.
tulo 9) todo o alcance dessa afirmação de Weber. Aqui, bas- Tôda essa análise é sustentada por um conjunto de prin-
ta dizer que considerava o conhecimento e preparo como raiz cípios que partem do problema central da organização, vi~to
da autoridade do burocrata. Não que essas características por Weber: a grande racionalidade da es~rutura burocrát~ca
substituam a legitimidade, mas seu domínio da capacidade é frágil; precisa ser constantemente proteg.Ida ~o?tra pressoes
técnica e do conhecimento é a base para essa legitimidade. externas, a fim de salvaguardar a autonomia exigida para que
5 . "É uma questão de princípio que os membros do pôssa manter-se estritamente dirigida para seus objetivos, e
corpo administrativo devam estar completamente separados nãó para dutros.
da propriedade dos meios de produção e administração ( . . . ).
Além disso, existe em princípio uma completa separãçã~
entre a propriedade que pertence à organização, - e que e O Chefe Não-Burocrático
controlada nas esferas do cargo - e a propriedade pessàal Os preceitos especificados por Weber referem-se a rela-
do funcionário ( ... ) ." Essa segregação, que Weber aplicou ções entre burocratas - isto é, os que formam o corpo ad-
86 87
ministrativo da hierarquia e da estrutura da organização. To- gitimidade. Depois, segundo a teoria da história de Weber,
davia, Weber mostrou que as organizações têm chefes não- a unidade - seja uma sociedade ou uma burocracia - se
-burocráticos. Embora os burocratas sigam as regras, o chefe desintegra, e o golpe final é dado por um novo líder caris-
as estabelece; embora o corpo administrativo sirva os obje- mático, que surge da velha estrutura e a faz ruir, através
tivos da organização, o chefe resolve quais os objetivos que de um movimento revolucionário, do qual se desenvolve uma
devem ser procurados; embora os burocratas sejam indicados, nova estrutura, consh'Uída nas ruínas da anterior.
o c~efe é freqüen~emente eleito ou herda sua posição. Os
p~es1dentes, os gabmetes, os conselhos-diretores e os reis são
A Crise da Sucessão
hpicos chefes não-burocráticos· de organizações burocráticas.
:f:sses chefes da organização preenchem uma importante
função, ao auxiliar a manutenção da ligação emocional (e De acôrdo com o modêlo de Weber, a identificação ra-
neste sen~ido, irracio.n~l) com a racionalidade. Quase todos cional das camadas inferiores com as superiores, e com a
?s mortais acham dificil manter uma ligação com um con- organização em geral, torna "dispensável" a maioria dos par-
JUnto abstrato de normas e regras especialmente se se opõem ticipantes de posição superior. Na medida em que o indi-
a relações fora da organização, que fazem pressão sôbre o víduo que se ausenta, ou morre, é substituído por outro, de
burocra~a, Ilara g~e êste tenh~ prefer~ncias irrelevantes (para qualificações técnicas semelhantes, a eficiência da organiza-
a orgamzaçao), tais como agir de acordo com considerações ção não é prejudicada. As identificações referem-se à posi-
locais, políticas, raciais, religiosas, étnicas ou de parentes_co, ção, não ao seu ocupante e, portanto, devem ser fàcilmente
ao inv~s de fazê-lo de acôrdo com o critério estabelecido pela transferidas. Apenas o afastamento ou a morte de um chefe
orgamzação. A identificação com uma pessoa, um líder ou não-burocrático da organização - única pessoa diante da
o chefe da organização proporciona a influência psicológica qual as identificações são pessoais e não burocráticas - pro~
que reforça o compromisso abstrato com os preceitos das vocam uma crise importante da organização. A crise da su~
organizações, proporcionando uma imagem mais concreta e cessão é espedficamente evidente nos estados totalitários ·e,
"afetuosa", com a qual é mais fácil a identificação. nesse caso, quase invariàvelmente provoca· um período de
instabilidade. Mas companhias, igrejas, exércitos ou outras
Weber considerou algumas burocracias como originadas
organizações estão, também, sujeitas a crises semelhantes.
hist~ricamente de movimentos carismáticos - por exemplo, a
IgreJa surgiu das primitivas comunidades cristãs e o Estado Gouldner, por exemplo, estudou uma crise de sucessão
Soviético surgiu do movimento comunista. O fundador do numa fábrica de gê~so, onde o chefe amado e paternalista
movimento, o grande carismático, é também o pai espiritual foi substituído por um diretor de orientação burocrática. O
da nova estrutura. Lança sua luz sôbre ela e, ao abençoar nôvo chefe se preocupava com a imposição rigorosa do re-
a nova estrutura, a ela transfere uma parte da identificação gulamento da companhia. Por exemplo, em oposição a prá-
de seus a_deptos. Os sucessores do chefe carismático, segundo ticas anteriores, insistia na observância rígida da regra con-
Weber, sao como a lua, que reflete a luz do sol. Por si mes- tra as· ausências; tentou impedir a utilização, pelos operários,
mos, têm pouco ou nenhum carisma, mas conservam o com- de propriedade da . companhia, (por exemplo: reformas de
promisso dlils ·posições inferiores, por adquirirem o carisma suas casas; aumentou o número de relatórios escritos exigi-
do pôsto que ocupam. Os papas são considerados como re- dos dos supervisores de primeira linha. Essas inovações en-
pr~sen:a_ntes de Jesus, e são dotados de parte de seu poder frentaram resistência semelhante de operários e supervisores,
cansmatfco. e provqcaram a substituição de algumas pessoas mais "re-
Segundo Weber, êsses líderes secundários nunca se igua- sistentes". 2
lam a? fundador quanto ao carisma; ao contrário, gastam
gradativamente o carisma que a função mais elevada rece- (2) Alvin W. Gouldner, Patterns of Industrial Bureaucracy
bera do fundador, até exauri-lo e a estrutura perder sua le- <,q lencoe, IIL: The Free Press, 1954)

88 89
Acredita-se que até diferenças muito limitadas entre um tênticos surgem nas posições estabelecidas de "autoridade";
sucessor e seu predecessor sejam uma fonte de dificuldades: êles dotam a organização de legitimidade, a fim de que seu
domínio aumente, em vez de depreciar os recursos da orga-
Indagações revelaram que a Srta. A não era apreciada por
causa de uma suposta falta de interêsse pelas pessoas com nização. Em outras palavras, uma sociedade ou uma orga-
quem trabalhava. Todavia, a análise dêsses sentimentos con- nização podem ser renovadas, sem serem dissolvidas. Por
duziu à descoberta de que a Srta. B - a supervisara que a exemplo, as mais notáveis universidades americanas conhe-
Srta. A devia substituir - tôdas as segundas-feiras de manhã ceram períodos de deterioração depois da morte de seus fun-
chamava cada môça a seu escritório, para perguntar: "Você dadores, mas muito poucas se dissolveram e muitas, num
está com algum problema pessoal?" O fato de as operárias
não gostarem da Srta. A tomou, então, um colorido diferente. período posterior, foram revitalizadas por outro líder caris-
E descobriu-se, finalmente, que a antipatia real com relação mático, que restaurou sua preeminência. (b) f: exagerada a
a ela provinha do fato de, ao contrário da Srta. B, desesti- nítida distinção entre as três formas de autoridade e de es-
mular a utilização do tempo de trabalho para a discussão de trutura social. Na verdade, existem muitos tipos "mistos".
questões pessoais sem importância. 3
Por exemplo: houve organizações semitradicionais e semibu-
rocráticas no antigo Egito, na China Imperial e na Bizâncio
Levenson ampliou a questão a tôdas as pos1çoes da or- medieval, onde as estruturas hierárquicas e a obediência às
ganização, indicando qu~ alguns dos mesm - B elementos d.a regras e regulamentos se combinavam com uma estrutura de
crise de sucessão aparecem mesmo quando a pessoa substi- posição muito difusa e totalitária, como as que caracterizam
tuída é apenas chefe de departamento ou de divisão. Pode:se os regimes totalitários. (c) Uma organização pode passar de
interpretar isso como uma demonstração de que, prossegum- uma estrutura mais burocrática para uma estrutura mais ca-
do nossos comentários anteriores, essas posições estão tam- rismática, e depois voltar à mais burocrática. Os exércitos,
bém revestidas de algum carisma. 4 em tempo de paz, são extremamente burocráticos. Em tem-
A crise da sucessão não deve ser considerada apenas po de guerra, principalmente no combate, perdem muitas de
como perda de eficiência da organização, crise da qual a suas qualidades burocráticas. As regras e regulamentos são
organização precisa se recuperar. Na realidade, o período de atenuados ou desprezados; a liderança pessoal importa mais
sucessão é freqüentemente o estágio no qual se introduzem que as posições formais do poder; em grande parte, as co-
inovações necessárias, a fim de neutralizar a deterioração an- municações orais substituem as escritas; também em grande
terior da organização ou enfrentar os desafios do período de parte se elimina a separação entre a vida particular e a da
sucessão. organização. Embora os romancistas gostem de explorar as
tensões causadas por essas transições, elas se processam, por
via de regra, muito suavemente. Depois da guerra, embora
Algumas Observações Críticas não sem crises, a organização muda novamente de direção e
volta a uma estrutura burocrática. Os sindicatos também
Num exame crítico do modêlo de Weber, realizado em passaram de relaÇões burocráticas, em períodos normais, para
outro livro, 5 indicamos que: (a) Os líderes carismáticos au- relações carismáticas, quando as tensões crescem, antes do pe-
ríodo de "combate", de negociações coletivas e greve ou du-
rante o período. ( d) Além disso, o aparecimento de líderes
(3) Edward C. Bursk (org.), Human Relations for Man.agement com qualidades carismáticas não se limita às posições de
(Nova Iorque: Harper, 1956), pp. 56-57.
(4) Bernard Levenson, "Bureaucratic Succession", in Amitai chefia d,a organização. Oficiais de posições inferiores, padres
Etzioni (org.), Complex Organizations: A Sociological Reader (Nova e professôres de universidades apresentam, ocasionalmente,
Iorque: Holt, Rinehart and Winston, 1961), pp. 362-375. grande carisma pessoal.
(5) Amitai Etzioni, A Comparative An.alysis of Complex Orga-
nizations (Nova Iorque : The Fi:ee Press of Glencoe, 1961), Capitulas Depois de examinar alguns antecedentes e componentes
IX e X. da teoria estruturalista, passamos agora à aplicação de algu-

90 91
mas das suas idéias à análise de problemas ·e ·tensões ineren- CAPITULO VI
tes às organizações, e a uma análise de mecanismos utiliza-
dos pelas organizações para lidar com êsses problemas e ten-
sões. Em primeiro lugar, focalizamos os problemas internos,
como os propostos pela necessidade de motivar e controlar
os participantes da organização, bem como os resultantes da
necessidade que a organização tem de criar ou aplicar conhe-
cimento, a fim de manter ou aumentar a racionalidade. Vol-
tamo-nos, depois, para uma discussão limitada das relações C ontrôle e Liderança
externas das organizações com seus clientes e com outras da Organização
organizações.

Em parte alguma é mais evidente a tensão entre as ne-


cessidades da organização e as do participante - entre efici-
ência, competência e satisfação - que na área do contrôle
da organização. 1 Em parte, os dois conjuntos de necessida-
des se apóiam. Um aumento das rendas de uma companhia
pode p ermitir o aumento de ordenados e salários que paga;
um aumento de prestígio de uma escola pode aumentar o.
prestígio dos professôres que nela trabalham. Na medida em
que os dois conjuntos de necessidades são compatíveis, há
pouca necessidade de contrôle. Os participantes tendem a
fazer o que é melhor para a organização, a fim de satisfazer
as suas necessidades, e a organização, ao procurar satisfazer
suas necessidades, satisfará as d êle. Mas uma tal combina-
ção de necessidades nunca é completa, e habitualmente . é
muito incompleta. O lucro d a companhia pode aumentar,
enquanto os salários não aumentam. Portanto, a organização
precisa envidar esforços intencionais para recompensar os
que se conformam a seus regulamentos e ordens e punir os
que não o fazem. O êxito de uma organização depende, em
grande parte, de sua capacidade para manter o contrôle dos
participantes.
Tôdas as unidades sociais controlam seus membros, mas
o problema do contrôle nas organizações é mais agudo. As

(1) A discussão neste e nos capítulos seguintes baseia-se no


livro do a utor A Comparative Analysis of Compl ex Organizations
(Nova Iorque: The Free Press of Glencoe, 1961) .

92
93

Você também pode gostar