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Transferência de Calor e Esterilização

5.1 Introdução
Os reatores biológicos funcionam de forma não adiabática pelo que o seu projeto deve ter em conta
a troca de calor com o exterior. A necessidade de remover calor surge, nomeadamente:

 Quando a reação biológica produz um excesso de calor que conduz a temperaturas


superiores à temperatura ótima de operação;
 Após esterilização do vaso reacional e dos meios de cultura pelo calor (ver secção
5.3).

Ambas as situações são muito frequentes à escala industrial.

Por outro lado, o calor produzido pela reação biológica não é por vezes suficiente para manter a
cultura à temperatura ótima. Entre os casos em que é necessário adicionar calor refira-se os reatores
de pequena escala onde a razão área de parede por volume útil é elevada e ainda os digestores
anaeróbios (ver Capítulo 14) cuja temperatura de operação se aproxima, em certos casos, dos 60°C.

5.2 Transferência de Calor


5.2.1 Balanço de Energia
As necessidades em termos energéticos de um reator biológico são determinadas com base num
balanço macroscópico de energia. A pressão constante, e desprezando as variações de Ec e Ep do
sistema, o balanço de energia é dado pela seguinte equação:

dE
= Ḣ met +∆ Ḣ + Ẇ ag+ Ẇ gas + Q̇trans
dt
dE/dt – acumulação de energia no sistema

Hmet – taxa de produção de calor pelo metabolismo microbiano

∆H – variação da entalpia, por unidade de tempo, entre as correntes de entrada e saída

Wag – potência comunicada ao meio pelo sistema de agitação

Wgas – potência comunicada ao meio pela expansão exotérmica de gás

Qtrans – taxa de transferência de calor com o exterior

Os termos assumem valor negativo quando correspondem a perda de energia por parte do sistema.
Os reatores biológicos são normalmente projetados para trabalhar a temperatura constantes; sendo
o volume também constante, dE/dt = 0

5.2.1.1 Calor de Reação Biológica


A atividade metabólica dos organismos liberta energia na forma de calor, tanto nos processos
aeróbios como anaeróbios. À exceção da digestão anaeróbia e de alguns processos em que estão
envolvidos microrganismos termófilos, o calor produzido é de tal forma elevado que se não for
removido conduz a um aumento de temperatura do meio reacional para valores acima da gama
ótima da reação biológica.

O calor libertado devido à atividade metabólica está relacionado com a utilização da fonte de
carbono e energia. Na fase de crescimento, quando a fonte de carbono é ativamente incorporada na
massa celular cerca de 40% a 50% da entalpia disponível no substrato é conservada na biomassa,
sendo a restante libertada na forma de calor. Quando a fonte de carbono é catabolizada para
fornecer energia para manutenção (ver secção 1.3.2), toda a entalpia associada à oxidação do
substrato é libertada na forma de calor.

A quantidade de calor libertado é determinada pela estequiometria da reação biológica enquanto a


taxa de libertação de calor está relacionada com a velocidade de reação. No caso de se conhecer a
estequiometria da equação macroscópica (ver secção 1.2.2) pode ser calculado através das entalpias
de formação padrão dos substratos, biomassa e produtos. Para a reação:

a 1 S1 +a2 S 2 +…+a n S n → b1 P1 +b 2 P2 +…+ bm P m

Ḣ met =R ¿)

onde:

ℜ – velocidade da reação (mol/s)


S – substratos
P – produtos (incluindo a biomassa)
∆H – entalpia de reação padrão (J/mol)
HP,i – entalpia de formação padrão de produtos (J/mol)
HS,j – entalpia de formação padrão dos substratos

Roels (1980) apresenta entalpias de formação padrão para os compostos biológicos mais frequentes,
que podem ser também determinadas através das entalpias de combustão (Smith e colaboradores,
1996).

Na maioria das situações a reação expressa pela equação 5.2 não está estabelecida e é necessário
recorrer a valores estimados ou a valores experimentais. No caso de culturas aeróbias o consumo de
oxigénio fornece uma medida do grau de oxidação, pelo que, a taxa de produção de energia pode
ser correlacionada com a taxa de consumo de oxigénio.

Os resultados experimentais indicam que o calor libertado é diretamente proporcional ao consumo


de oxigénio e à produtividade em termos de biomassa.

A correlação seguinte permite estimar a taxa de libertação de calor em função da taxa volumétrica
de consumo de oxigénio (ver Capítulo 4), para uma gama alargada de condições experimentais, bem
como para a maioria das fermentações em que ocorre a formação de produtos.
3
Ḣ met =460× 10 OUR ∙ V
Onde, OUR é a taxa volumétrica de consumo de oxigénio (mol m -3 s-1) e V o volume útil do bioreator
(m3).

No caso de processos anaeróbios não existe uma relação tão geral. Para aplicação na indústria é
frequente relacionar a libertação de calor com a taxa de consumo do substrato utilizado como fonte
de carbono.
Tabela 5.1 Influência do Substrato e Rendimento no consumo de oxigénio e calor libertado
Consumo de
Rendimento observado Calor Libertado
Microrganismo Substrato oxigénio
(gcélulas/gsubstrato) (kJ/gcélulas)
(gO2/gcélulas)
Bactérias n-Alcanos 1 1.72 32.66
Leveduras Carbohidratos 0.5 0.67 15.91
Leveduras n-Alcanos 1 1.97 33.45

Tabela 5.2 Calor Libertado durante a cultura em contínuo


(D=0.10 h-1, X= 15 kg/m)

Rendimento observado Calor Libertado Taxa de calor


Substrato
(gcélulas/gsubstrato) (kJ/gcélulas) libertado (J/s)

Metano 0.6 75.5 34.7


n-Alcanos (C12-C18) 1 32.7 13.9
Leveduras 0.5 15.9 6.9

5.2.1.2 Variação de Entalpia entre as correntes de Entrada e de Saída


∆ Ḣ = Ṅ iG H iG + Ṅ iL H iL − Ṅ oG H oG + Ṅ oL H oL
onde:

H – entalpia específica
N – caudal molar, os índices i e o dizem respeito às correntes de entrada e de saída; os índices L e G
identificam as correntes líquida e gasosa, respetivamente.

Para a gama de temperaturas a que estes reatores trabalham, a variação de calor sensível entre as
correntes de entrada e saída não é significativa, quando comparada com os outros termos do
balanço de energia, podendo como tal ser desprezada. No entanto, o arejamento do meio reacional
conduz à evaporação de elevadas quantidades de água (10 a 20% do volume útil do reator), sendo
esta a principal causa de variação de entalpia entre as correntes, assim:

∆ Ḣ ≅ Ḣ vap=F ∆Ψ H vap

Onde:

F – caudal volumétrico de ar seco (m3/s)


∆Ψ – variação de humidade das correntes gasosas (mol H2Om-3ar seco)
Hvap – entalpia de vaporização da água (J/mol)

É usual aceitar que o ar está saturado. Nas condições em que o ar à entrada está seco, ou por outro
lado, saturado, o cálculo de ∆Ψ é simplificado. Nos casos em que não seja possível admitir tais
simplificações é necessário recorrer a balanços de energia combinados com balanços de massa ou a
cartas psicométricas.
Em alguns casos poderá ser importante contabilizar o calor de dissolução de sólidos ou de diluição
de soluções líquidas concentradas, adicionados no decurso da bioreação.

Estes dados poderão ser encontrados em textos com tabelas de propriedades físico-químicas por
exemplo, Liley e colaboradores (1984), Atkinson e Mavituna (1991).

5.2.1.3 Trabalho realizado pela Agitação Mecânica

O trabalho realizado no meio de cultura pela agitação mecânica e arejamento aparece de acordo
com a lei de Joule como calor. No capítulo 3 apresenta-se o cálculo da potência de agitação para
sistemas com e sem arejamento. Os fermentadores comerciais utilizam potências de agitação
compreendidas entre 0,5 e 5 kWm-3.

O trabalho realizado devido ao arejamento é principalmente resultante da expansão do gás.


Admitindo que este tem comportamento de gás ideal e que a expansão é isotérmica, vem:
p0
1 p
W gas =nRT ∫ dp=nRTln 0
pi
p pi

Sendo a potência comunicada ao fluído:

pi
Ẇ gas =NRTln
p0

Onde:

pi – pressão do gás à entrada


p0 – pressão na cúpula do reator

5.2.1.4 Calor trocada com o Exterior

Os reatores biológicos operam normalmente a temperaturas superiores à temperatura ambiente;


como consequência há transferência de calor para o exterior por condução através das paredes.

Em reatores de pequena escala (laboratorial) a perda de calor através das paredes é elevada,
quando comparada com os termos de produção de calor que aparecem na equação (5.1), pelo que
pode ser necessário proceder ao aquecimento. Para reatores de maior volume, o aumento da área
externa disponível para a transferência de calor é inferior ao aumento do volume útil do vaso
reacional. Então, a situação inverte-se: o calor total produzido passa a ser superior ao calor perdido
através das paredes. Para manter a temperatura na gama adequada ao crescimento biológico, é
necessário proceder à remoção de calor através de equipamento de permuta de calor. Esta é a
situação mais frequente na indústria. No caso dos digestores anaeróbios, em que as temperaturas
ótimas de operação estão na gama de 55 a 60°C, é necessário fornecer calor, mesmo em grande
escala.

Em vasos reacionais agitados, pode proceder-se à adição/remoção de calor de forma prática,


fazendo passar vapor ou água por uma camisa envolvendo exteriormente o reator.
É também possível aumentar a área disponível para a transferência de calor utilizando superfícies
imersas ou externas. Na figura 5.1 apresentam-se as configurações usualmente utilizadas para
permuta de calor num reator biológico. A camisa e as serpentinas fazem parte do próprio reator, ao
passo que em D) se usa um permutador de calor externo com uma bomba de recirculação.

A camisa de arrefecimento representa a opção mais económica e de manutenção mais fácil. A


utilização de serpentinas só deve ser considerada se a camisa por si só não permitir a área de
transferência necessária ou se a pressão for elevada (>1,1 MPa).

Os permutadores de calor externos evitam a colocação de sistemas de arrefecimento dispendiosos


no interior do fermentador, no entanto é necessário garantir condições de esterilidade. Os
microrganismos deverão aguentar o atrito na bomba, e o tempo de residência no permutador
deverá ser pequeno de forma a prevenir o desarejamento do caldo.

[FOTO]

A forma mais simples da equação que representa esta operação de transferência de calor pode
escrever-se:

Q̇trans=UA ∆T
Em que:

∆T – diferença de temperaturas entre o meio reacional e o fluído de arrefecimento


U – coeficiente de proporcionalidade (Wm -2K-1), coeficiente global de transferência de calor.
1/U representa a resistência total à transferência de calor e traduz o efeito combinado da série de
resistências ao fluxo de calor.

Para o dimensionamento do equipamento de permuta de calor é necessário conhecer a diferença de


temperaturas ∆T e o valor do coeficiente global de transferência de calor. O cálculo do valor de U é
um requisito chave em qualquer problema de projeto que envolva aquecimento ou arrefecimento.

(AQUI JÁ COMEÇA DIMENSIONAMENTOS)


5.2.1.4.1 Diferença Média de Temperaturas

Na maioria das aplicações industriais a diferença de temperaturas ∆T varia de ponto para ponto da
superfície de transferência de calor, pelo que se terá de utilizar uma diferença média de
temperaturas.

No caso de a temperatura de um dos lados ser constante, como acontece nos fermentadores
agitados, e a temperatura do fluído de arrefecimento aumentar na direção do seu escoamento no
interior da serpentina, a média aritmética das diferenças de temperatura ∆Ta pode ser utilizada:

( T −T i ) +(T −T o )
∆ T a=
2
Onde T é a temperatura em globo dentro do reator e T i e To são as temperaturas do fluído à entrada
e à saída, respetivamente.

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