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Hematologia – Rosivania Mota

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Maria Eugênia Rosado de Medeiros

Hemoterapia a fim de extrair componentes do sangue estáveis somente


em temperaturas menores:
- Concentrado de plaquetas: Para conseguir plasma com
COMPOSIÇÃO DO SANGUE
propriedades próprias para evitar sangramentos, deve-se
Mais da metade do sangue é, na verdade, água, na qual congelá-lo.
estão contidas substâncias que a enriquecem. Dentre elas, - Plasma fresco congelado: Para que seja possível extrair
as principais são as proteínas, como a albumina – principal plaquetas, o plasma deve ser ainda mais congelado
proteína transportadora do corpo humano – e as proteínas (centrifugado a -20°) e, também, colocado em uma bandeja
do sistema hemostático (fatores de coagulação), especial que mexe suave e continuamente a substância em
responsáveis pela contenção de eventuais sangramentos. questão, a fim de evitar a ativação das plaquetas (caso elas
Nessa porção líquida, também há gases respiratórios (O 2 e sejam ativadas, não terão mais utilidade).
CO2), hormônios, escores nitrogenados, entre outras
substâncias. (2) Concentrado de hemácias: quando conservado em uma
temperatura de 6°C, sua vida será de 35 dias. Do contrário,
Há também uma porção sólida, constituída por: em condições inadequadas de armazenamento, o seu tempo
 Células vermelhas: responsáveis pelo transporte de de vida é de apenas 5 dias (tempo em que ele perderá a
oxigênio; função de transporte de oxigênio).
 Células brancas: Responsáveis pela resposta
imunológica; OBS: A ANVISA determinou que o crioprecipitado (Plasma
 Plaquetas: Responsáveis pelo processo fresco congelado centrifugado) não será mais fabricado,
hemostático (coagulação). apenas em casos de coagulação intravascular disseminada
(alta frequência em casos de Covid-19, de modo que o CRIO
voltou a ser fabricado durante a pandemia).

HEMOCOMPONENTES E HEMODERIVADOS

Hemocomponentes: partículas sólidas que conseguem ser


extraídas individualmente do sangue, a partir do processo de
fracionamento (processos físicos: centrifugação e Hemoderivados: partículas sólidas que são extraídas do
temperaturas diferentes). Usa-se centrífugas e sangue e, para tal, demandam a utilização de processos
refrigeradores de temperaturas diferentes, bem como industrializados. São substâncias liofilizadas (em forma de
acondicionamentos. A bolsa de sangue total é ligada a duas pó). São representados por albumina, globulinas e
outras bolsas fechadas em sistema lacrado, o que é concentrado de fatores de coagulação.
importante para evitar contaminação bacteriana.
USO RACIONAL DO SANGUE
OBS: Se o doador estiver infectado por uma bactéria, mesmo
Hematologistas são os especialistas que mais entendem
que ainda não tenha apresentado sintomatologia, todo o seu
acerca de transfusões sanguíneas, mas, ao mesmo tempo,
sangue já está contaminado e o indivíduo o doará dessa
são os que menos a utilizam. Se um hematologista
forma. Por isso que a hemoterapia tem chances de causar
recomendar a realização de transfusão, considere que é o
reações adversas ao paciente.
“fim da linha”.
A bolsa de sangue total é centrifugada a uma determinada
Isso ocorre em razão da necessidade de realizar transfusões
temperatura e a separo em:
somente quando o risco de NÃO transfundir for maior do
(1) Plasma fresco e rico em plaquetas: Conservado a 4°C. que o de transfundir, já que toda transfusão acarreta
Pode ser centrifugado a temperaturas cada vez mais baixas,
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consequências a curto e longo prazo. Por isso, pacientes


transfundidos precisam ser vigiados pelo resto da vida.

Além disso, quando o procedimento for realmente


necessário e indicado, deve-se transfundir somente o que o
paciente precisa.

Exemplo: Paciente vítima de trauma, apresenta


esmagamento de coxa, está hipotenso, mas não exibe sinais
de hipóxia. Começa a ficar taquicardíaco devido à
hipovolemia → pode-se fazer reposição volêmica com soros
coloides, para que haja expansão do plasma.

Paciente anterior evolui com sinais de desorientação mental


e síncope, indicativos de hipóxia → O soro não é suficiente,
sendo necessário transfundir hemácias. Transfunde-se
apenas o concentrado de hemácias (não o sangue total), pois
o paciente está necessitado que haja transporte de oxigênio,
já que seu problema é hipoxemia. O restante do sangue não
teria utilidade, nesse caso.

O mesmo paciente, após receber concentrado de hemácias,


continua sangrando incessantemente. Usa-se substâncias
anti-fibrinolíticas e anti-hemorrágicas, mas o sangramento
permanece abundante → Torna-se necessário transfundir
fatores de coagulação presentes no plasma fresco congelado
para conter a hemorragia.

OBS: Atualmente, sangue total sequer é produzido. Isso


ocorre em razão de que só se deve usar a parte do sangue
que é necessária para cada situação específica. Cada
Um risco que todo paciente que realiza transfusões
hemoderivado tem sua própria indicação de uso.
regularmente sofre é de, por exemplo, ser contaminado pelo
Como foi dito, a transfusão sanguínea é a última alternativa. vírus da hepatite H, pois ainda não existem testes que
Quando o paciente não puder ser ajudado de nenhuma consigam identificá-lo no sangue. O mesmo aconteceu com
forma, faz-se uso dessa técnica. É importante que assim seja os pacientes que foram submetidos a transfusões antes de
inclusive por conta do estoque necessário para que tal serem descobertas formas de identificar o vírus da HIV, por
alternativa seja possível, o qual é bastante restrito (durante exemplo. Em síntese, existem muitos patógenos que ainda
a pandemia, por exemplo, doar sangue tornou-se bastante não foram identificados, o que é um risco, pois, através de
complicado, o que reduziu os estoques). Assim, quanto mais uma transfusão pode-se até disseminar uma nova cepa de
for possível postergar e evitar a terapia transfusional, Covid.
maiores serão os estoques de sangue para atender aos que
realmente necessitam dele e menor será a quantidade de
pessoas submetidas aos riscos dessa linha de tratamento.
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REAÇÕES TRANSFUSIONAIS

Existem proteínas na superfície das hemácias, das plaquetas,


dos leucócitos... e todas elas podem causar reações
antígeno-anticorpo e eventuais reações transfusionais.

Reação transfusional é qualquer efeito indesejado que


ocorre durante ou após a transfusão sanguínea e à ela
relacionado.

CLASSIFICAÇÃO

1. Tempo de aparecimento:

 Imediatas: até 24h do início da transfusão (mais


vistas por clínicos)
 Tardias: após 24h

2. Gravidade:

 Leve: sem risco à vida


 Moderada: morbidade a longo prazo
 Grave: ameaça imediata à vida; intervenção médica
obrigatória; e óbito (as reações transfusionais que
envolvem o sistema ABO geralmente levam o
paciente a óbito).

3. Mecanismo fisiopatológico

 Imunológica: comprovação de mecanismo antígeno


(ag) - anticorpo (ac) na reação;
 Não imunológica.

4. Infecciosa / não infecciosa (o doador poderia estar


infectado por bactérias ou vírus, por exemplo, e não sabia,
assim como a infecção não foi detectada pela equipe do
hemocentro. Um bom doador deve, contudo, informar ao
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hemocentro caso os sintomas surjam após a transfusão, para REAÇÕES TRANSFUSIONAIS IMUNOLÓGICAS
que o sangue seja descartado).
5. Correlação com a transfusão (imputabilidade - 2015): REAÇÃO HEMOLÍTICA AGUDA IMUNE
 confirmada  É a mais temida! Também é comum!
 provável  Por incompatibilidade ABO (Ac IgM (ABO)/ IgG (Rh)
 possível do receptor contra Ag do doador – HEMÓLISE
 improvável INTRAVASCULAR);
 descartada  Nos primeiros minutos: febre, tremores, náusea,
 inconclusiva vômitos, hipotensão arterial, dor no trajeto venoso,
dor precordial, na loja real, sudorese, agitação,
OBS: Quando um receptor faz alguma reação durante ou taquicardia, sensação de morte iminente...
após o procedimento, o responsável do banco de sangue que  Conduta: interromper imediatamente a Tx,
preparou o sangue deve ser informado, a fim de que seja hidratação vigorosa (estimular diurese) + uso de
feita uma investigação. diurético (furosemida) para manter diurese >
100ml/min e corticóide.
OBS: O procedimento de todo banco de sangue é  Principal causa: erros de identificação das amostras
permanecer ao lado do leito durante 10-15 minutos para
avaliar se houve alguma reação transfusional imediata, mas, OBS: colher amostra sanguínea para exames de hemólise,
se houver reação após esse período, ele só saberá disso caso função renal, hemostasia e urina.
seja informado e, assim, consiga investigar possíveis causas
e determinar se há, de fato, alguma relação com a transfusão REAÇÃO FEBRIL NÃO-HEMOLÍTICA OU PIROGÊNICA
sanguínea.
Incidência: 0,5% a 1,0% (CH) a 4 a 30% (CP)
SINAIS E SINTOMAS / SUSPEITA Com filtro de leucócitos: 0,1 a 1%
++ Multíparas e pacientes politransfundidos
Devem, obrigatoriamente, ser relatados.
 Mais comumente notificada!
• Febre e/ou calafrios  Durante a transfusão ocorre febre (+ 1º), calafrios
• Cefaléia e/ou tremores, sem hemólise.
• Náuseas com ou sem vômitos  Reação de anticorpos leucocitários ou plaquetários.
• Dor no local da infusão Presença de citocinas liberadas pelos leucócitos
• Dor torácica e/ou lombar residuais (Ac anti HLA/anti plaquetas/ anti
• Alterações na PA leucócitos no paciente x Ag do doador – ativação do
• Mialgia sistema complemento e liberação de pirógenos)
• Hipóxia/ Cianose  Conduta: suspender a transfusão, usar anti-térmico
• Dispnéia (meperidina nos casos mais graves), investigar
• Sibilância contaminação bacteriana.
• Edema Pulmonar
• Prurido OBS: só transfundir hemácias lavadas ou pobre em
• Rubor facial leucócitos, deleucocitadas ou filtradas (leucorredução).
• Urticária
• Edema REAÇÃO URTICARIFORME OU ALÉRGICA
• Soro e/ou urina escuros
 Incidência: 0,5% a 10%
TIPOS DE REAÇÕES TRANSFUSIONAIS  Mais frequente! 1-3%
 Reação de hipersensibilidade. Presença no receptor
de Ac contra proteínas plasmáticas do doador, às
quais ele já foi previamente sensibilizado, mediada
por IgE. (anti-IgA em pacientes deficientes de IgA)
 Urticária e prurido cutâneo.
 Conduta: suspender Tx, anti-
histamínicos/corticosteróides, adrenalina e suporte
ventilatório SN.

OBS: Se reação grave, lavar CH


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REAÇÃO ANAFILÁTICA  Dispnéia, taquicardia, pico hipertensivo, edema


 Rara, mas muito grave. (1/18.000 – 170.000 pulmonar, BH positivo, Insuficiência VE ou ↑pró-
transfusões). BNP
 Início abrupto no início da tx com náuseas, dor  Interromper Tx, manter acesso, comunicar o
abdominal e vômitos, associadas com hipotensão médico. Diurético/ morfina, O2 e cabeceira elevada.
arterial e síncope. Arritmias cardíacas, tosse, OBS: Diminuir velocidade de infusão nas Tx futuras
broncoespasmo, dispnéia, urticária e eritema (1ml/Kg/h)
generalizado.
 Presença de anticorpos contra IgA, em pacientes CONTAMINAÇÃO BACTERIANA
com deficiência congênita de IgA, (< 0,05 mg/dl).
 Conduta: suspensão da transfusão, manter linha de  Características: Tx de hemocomponente que
infusão com salina, epinefrina subcutânea (solução contenha bactéria (coleta/ armazenamento/
1:1.000), 0,3 a 0,5 ml/sc (obrigatório); manter vias doador doente)
aéreas assistidas (suporte respiratório e  Febre (>38ºC) + aumento de 2ºC na Tº, tremores,
cardiovascular) e fazer corticosteróides/anti- calafrios, hipotensão
histamínicos.  Contaminação do hemocomponente durante a
coleta/ processamento/ armazenamento.
OBS: só transfundir hemácias após lavadas

LESÃO PULMONAR AGUDA RELACIONADA COM REAÇÕES TRANSFUSIONAIS TARDIAS


TRANSFUSÃO (TRALI)
Identificar Ac envolvido (fenotipagem)

 Componentes com plasma. REAÇÃO HEMOLÍTICA TARDIA


 Ocorre por volta de 6 horas da Tx.
 Hemólise extravascular das hemácias Tx em
 Diagnóstico por exclusão.
pacientes previamente sensibilizados
 Doador inapto definitivo.
 Presença de Ac irregulares no soro do paciente
 (TRALI: transfusion related acute pulmonary injury);
 24h após até 28 dias da Tx
Edema pulmonar agudo, na ausência de
insuficiência cardíaca e sobrecarga hídrica (1/5.000  Mais comum entre 5º e 14º dia
tx). Hemólise extravascular
Assintomático
 Evento imunologicamente imediado, anticorpos do
doador dirigidos contra ag. do sistema HLA. Ocorre  Hemólise clássica
agregados na microcirculação pulmonar, com dano  Coombs direto +/-
ao endotélio vascular e extravasamento de fluido  Hb pós Tx < Hb pré
para o interstício e alvéolo. SOBRECARGA DE FERRO
 Insuficiência pulmonar aguda com edema
pulmonar bilateral, hipoxemia, taquicardia, febre,  Hemocromatose 2ªria à Tx de hemácias
hipotensão e cianose.  1 CH ~ 200-250mg Fe
 Conduta: ventilação assistida com oxigênio/ CPAP;  Após 50-100 unidades CH - manifestações
corticóide...??  O quadro clínico depende do órgão afetado
 Prevenção: excluir doadores envolvidos em casos  Tratamento: quelantes de ferro (desferoxamina,
de TRALI, não utilizar plasma/ CP de doadoras deferiprona, Deferasirox)
multigesta e não utilizar plasma de doadores que já
foram Tx. TRANSMISSÃO DE DOENÇAS INFECCIOSAS

 Diminuição importante:
REAÇÕES TRANSFUSIONAIS IMEDIATAS NÃO IMUNES
- Triagem de doadores - exames sorológicos
Reação hipotensiva, hipotermia, complicações metabólicas  Problemas:
e hemólise físico-química.
-Janela imunológica
SOBRECARGA CIRCULATÓRIA -Microrganismos desconhecidos

 3ª causa mais frequente de reação  Após confirmação da soroconversão:


 Infusão rápida em pacientes pré-dispostos (IC, IRC,
- Informar ao hemocentro responsável,
crianças, idosos, baixo peso)
- Rastreamento do doador e de outros pacientes Tx
- NOTIFICAR
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diferentes e que também têm poder imunogênico. Por conta


AO IDENTIFICAR UMA POTENCIAL REAÇÃO disso, pessoas que têm sangue semelhantes em relação ao
sistema ABO podem, sim, apresentar reações transfusionais,
 Interromper imediatamente a transfusão (mesmo de modo que é importante classificar os indivíduos de
que não haja certeza se a reação é decorrente da acordo com eles também.
transfusão ou não);
OBS: se você transfundir sangue de ABO diferentes, que não
 Comunicar ao médico assistente o que houve e em
sejam compatíveis, você determinará a morte do paciente.
quanto tempo ocorreu;
Exemplo: ofertar sangue do tipo B a um paciente cujo tipo
 Manter acesso venoso com SF0,9% (intensificar a sanguíneo é A.
hidratação do paciente/acelerar sua corrente
sanguínea para lavar os efeitos que qualquer reação OBS: imunogênico diz respeito à reação antígeno-anticorpo.
antígeno-anticorpo poderia promover, como a Quando os tipos sanguíneos não forem compatíveis, o
deposição de imunocomplexos); sangue do paciente sofrerá hemólise, devido à reação que
 Conferir identificação produto x paciente; será produzida.
 Sinais vitais;
Ou seja, apesar dos sistemas ABO e Rh serem os mais
 Coleta de exames (para coletar novas provas
imunogênicos (produzem uma reação antígeno-anticorpo
transfusionais);
mais exacerbada que os demais), há outros sistemas que
 Registar ações no prontuário (caso isso não ocorra,
também têm tal capacidade, como os sistemas Kell, Duffy,
o responsável pela transfusão não pode identificar
MNS, Lewis e Kidd, os quais também são altamente
o erro e tentar consertá-lo);
imunogênicos.
 NÃO DESCARTAR BOLSA E EQUIPO (precisam ser
investigadas e testadas novamente)!
 Notificar ao serviço de Hemoterapia (para proceder
a investigação, inclusive quando as provas são
incompatíveis).

SISTEMAS SANGUÍNEOS

A partir do estudo de Karl Landsteiner, no qual foram


descobertas proteínas sanguíneas que funcionam como
antígenos (Karl descreveu os principais tipos de células
vermelhas: A, B, O e, mais tarde, o AB – misturas com e sem
aglutinação), a medicina transfusional começou a se Como hematologista, quando é requisitado que o sangue
desenvolver. Ao processo de separação dos sistemas seja fenotipado, intenta-se identificar esses outros
sanguíneos, dá-se o nome de imunofenotipagem (técnica grupamentos que também funcionam como antígenos de
utilizada para se identificar qual o tipo exato de célula que superfície. Isso é solicitado, sobretudo, para pacientes que
compõe um determinado tecido). serão submetidos à terapia transfusional para o resto da
vida, já que serão, ao longo do tempo, sensibilizados em
A fenotipagem sanguínea consiste em descobrir a identidade
relação tanto ao sistema ABO quanto às demais proteínas de
proteica das células. Então, a partir dela, pode-se identificar,
superfície.
por exemplo, hemácias, leucócitos e plaquetas. Além disso,
cada um possui seu próprio sistema de identificação. OBS: Não se ouve falar sobre os sistemas menores para a
grande maioria dos pacientes.
Em relação ao sistema de identificação exclusivo da hemácia,
há várias identificações possíveis. Isso que dizer que, na Assim, atualmente, além dos 29 sistemas sanguíneos
membrana da minha hemácia, eu tenho proteínas únicas, identificados, constituídos por antígenos situados na
que pertencem somente a mim. Algumas dessas proteínas superfície das hemácias, há também:
podem ser semelhantes às de outras pessoas, mas não
iguais. Assim, caso haja a mistura de hemácias de um  Outras 270 proteínas que são consideradas
indivíduo com as de um outro, pode não haver a ocorrência antígenos de superfície;
de reações, devido à similaridade entre os sistemas de  Antígenos de superfície nos leucócitos e nas
identificação. plaquetas.

Com base nisso, hoje, são conhecidos 29 sistemas Todas essas proteínas são fabricadas de forma autossômica,
sanguíneos diferentes. ou seja, são controladas por cromossomos que comandam
nossa identidade sanguínea.
Além do sistema ABO e Rh, sistemas mais imunogênicos
conhecidos, há outros sistemas menores, com proteínas  Cromossomo 9: sistema ABO
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 Cromossomo 1: sistema Rh mesmo pensamento serve para as demais possibilidades


transfusionais existentes.
É com base nesse conhecimento que são determinadas (1)
que transfusão é mais segura e (2) qual transfusão podemos Ex: paciente Kell- não pode receber sangue Kell+. Numa
“arriscar”, diante de uma necessidade, quando não há o primeira transfusão, haveria apenas a sensibilização e o
mesmo tipo sanguíneo disponível. consequente desenvolvimento de anticorpos “anti-Kell”.
Dessa forma, uma segunda transfusão desencadearia uma
Como é sabido, deve-se sempre transfundir isogrupos. Por reação antígeno-anticorpo. Assim, pacientes que
exemplo: se alguém tem sangue A+, deve-se transfundir necessitarem de transfusões contínuas/regulares (como
sangue A+. Ou seja, deve-se realizar a transfusão entre pacientes com talassemia major, com anemia falciforme,
sangues que possuam o sistema ABO e Rh iguais, vez que são com doenças medulares, com leucemias, entre outros)
os dois sistemas mais imunogênicos. demandam a realização da fenotipagem sanguínea, pois
No entanto, é necessário que tenhamos conhecimento serão expostos a antígenos que talvez não possua.
transfusional, vez que, não raro, ocorre de um paciente estar OBS:
em risco e demandar a realização de transfusões sanguíneas,
mas não haver sangue do mesmo tipo que o seu onde ele Primeiro sistema imunogênico → ABO
está. Não se pode esperar que o sangue mais apropriado Segundo sistema imunogênico → Rh
chegue ao local de atendimento, pois o paciente pode, por
exemplo, entrar em choque e vir a óbito, de modo que se O ideal é que seja transfundido o sangue de sistema ABO e
deve saber qual outro tipo de sangue pode ser transfundido, Rh semelhantes. Caso não haja o sangue do mesmo sistema
sem que haja risco para o indivíduo. ABO (A+ ou A-), prioriza-se o que tenha Rh semelhante e que
não possua anticorpos contra as proteínas de superfície das
Exemplo: paciente com sangue tipo A+ → possui a proteína hemácias do receptor. Ou seja, paciente com sangue A+, na
A, chamada de aglutinogênio A, na superfície de suas ausência de bolsas de sangue A+, deve receber O+. No
hemácias, que é antigênica. Em seu plasma não pode haver entanto, caso também não haja, pode-se transfundir O-.
proteína anti-A, pois, caso haja, seu sangue irá aglutinar.
Então, em seu plasma, ele terá algo contrário ao que está OBS:
presente na superfície da hemácia. Nesse caso, é a proteína
 Rh+ só pode doar para Rh+, mas pode receber de
anti-B, chamada de aglutinina/anticorpo anti-B. Isso significa
ambos.
que o paciente só irá coagular se for transfundido sangue
 Rh- só pode receber de Rh-, mas pode doar para
que contenha aglutinogênio B (B+, B-, AB+ ou AB-) para ele,
ambos.
sendo possível transfundir, seguramente, apenas sangue A+,
A mesma ideia serve para os demais sistemas.
que é o ideal, A-, O+ ou O- (nessa ordem de preferência).

Só no sistema Rh há 6 proteínas de superfície diferentes (D,


OBS: C, E, c, e, CW), como pode ser observado na imagem acima.

 O sangue do tipo O- é doador universal, pois não Rh- → Todas as 6 proteínas negativas/ausentes
possui nenhum antígeno de superfície/ Rh+ → Presença de, pelo menos, uma proteína positiva entre
aglutinogênio (nem A e nem B). Todas as as seis existentes.
transfusões podem ser realizadas com ele. OBS: A mesma lógica funciona para os demais sistemas.
 O sangue do tipo AB+ é o receptor universal, pois
não possui aglutininas/anticorpos de nenhum tipo O paciente do painel imunofenotípico em questão é Rh+,
(nem anti-A e nem anti-B) e, ao mesmo tempo, Kell+, Duffy+, Kidd+, Lewis+ e MNS+. Desse modo, pode-se
possui todas as proteínas de superfície. É também transfundir, para ele, sangue positivo ou não para esses
o sangue mais raro. sistemas. No entanto, caso ele fosse negativo para algum
deles, ele só poderia receber sangue também negativo para
OBS: Um sangue AB+, apesar de ser receptor universal, pode tal sistema. Assim, vê-se que um paciente positivo para
fazer reação ao receber até sangue do mesmo ABO e Rh, todos os sistemas é muito benéfico, pois ele não fará reação
devido aos outros sistemas sanguíneos que existem. O
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transfusional. No entanto, aqueles que forem negativos anticorpos). Deve-se observar a similaridade
precisarão de doadores específicos. sanguínea entre os pacientes, para certificar-se de
que a transfusão está ocorrendo entre isogrupos ou
Devido aos indivíduos que têm sistemas sanguíneos entre grupos sanguíneos que sejam compatíveis.
negativos, é determinante que 20% das bolsas sanguíneas de Mesmo que a bolsa já venha identificada como
cada hemocentro devem ser fenotipadas. Os pacientes que contendo sangue de determinado fenótipo, antes
precisarem de transfusões contínuas também são de realizar a transfusão deve-se checar se não
fenotipados, de modo que, quando forem submetidos à houve erro humano em tal classificação;
transfusão, já são solicitadas as bolsas de sangue ideais e
adequadas às suas necessidades. Os doadores desse sangue OBS: Prova direta → eu entendo que na superfície da minha
passam a ser selecionados somente para esse paciente, hemácia há uma determinada proteína e uso antissoros para
tornando-se realmente específicos, pois, como as avaliar com qual deles há reação. Exemplo: sangue do tipo A
transfusões são regulares, deve-se guardar o sangue que é (possui proteínas A) aglutinaria ao entrar em contato com o
compatível com seu tipo sanguíneo (que envolve os vários soro anti-A.
sistemas citados). Prova reversa → esse mesmo sangue, que possui em seu
plasma antígenos B (anti-B), só reagiria caso entrasse em
SISTEMA SANGUÍNEO ABO contado com hemácias que apresentam proteínas B em sua
superfície (sangue tipo B).

OBS: É necessário realizar esse teste no paciente e na bolsa


que vai ser transfundida em razão do sistema ABO ser o mais
imunogênico e antigênico, sendo o que mais mata os
pacientes em casos de erro.

 Pesquisa de Anticorpos Irregulares (PAI): Deve-se


pesquisar os outros sistemas imunogênicos, a fim
de ampliar a tipagem daquele sangue;
OBS: O sangue mais frequente é o O (sangue de puta: dá para  Prova de compatibilidade: Deve-se misturar os
todo mundo). Enquanto o sangue mais raro é o AB (IAIB). sangues para avaliar se há coagulação/reação
Além disso, os sangues de Rh- são mais raros em todos os antígeno-anticorpo;
hemocentros do país, sendo os de Rh+ mais prevalentes.  Reclassificação ABO/Rh do doador e receptor: Caso
seja identificado erro na classificação da bolsa (o
A determinação concernente a qual grupo do sistema ABO o que sempre deve ser considerado como possível),
indivíduo pertencerá é cromossômica (cromossomo 9). deve-se reclassificá-la.
Desse modo, “uma mãe O (ii) e um pai O (ii) terem filhos A
(IAIA ou IAi) ou B (IBIBou IBi) indica que a mulher transou com Esse processo demora em torno de 40 minutos para ser
o vizinho”. =) concluído. Assim, em situações de risco iminente, solicita-se
uma bolsa de sangue O-, visto que este é o doador universal
No entanto, indivíduos A e B podem ser heterozigotos (IAi e e, por conseguinte, está veiculado a um menos risco ao
IBi, respectivamente → os genes das proteínas A e B são paciente. Administra-se essa primeira bolsa, enquanto são
dominantes, sobrepondo-se aos genes do tipo O), de modo feitas as provas transfusionais (do doador e do receptor) no
que um pai A (IAi) e uma mãe A (IAi), por exemplo, podem ter banco de sangue, até que seja identificado e enviado o tipo
filhos O (ii). O mesmo ocorre para pais B (ambos IBi). Já em sanguíneo ideal.
relação aos pais AB (IAIB), é impossível que seus filhos
tenham sangue O (ii). OBS: Cada concentrado de hemácias vai subir, em média, de
0,5 a 1,5 na Hb de um paciente. Existe um cálculo através do
PROVAS TRANSFUSIONAIS qual tem-se a quantidade de bolsas que supostamente
deveriam ser perfundidas, mas não é correto, pois exige que
Quais os testes imunohematológicos (provas transfusionais) muitas bolsas de sangue sejam transfundidas.
obrigatórios na rotina transfusional, a fim de assegurar a
segurança terapêutica ao paciente? Não se deve utilizar esse cálculo porque, por exemplo, idosos
não têm hemodinâmica para comportar 6 bolsas de sangue.
Segundo os critérios estabelecidos pelo Ministério da Saúde, Eles têm o coração fraco, que não possui o mesmo
são obrigatórios: ionotropismo e contratilidade de quando eram jovens.
Assim, se transfundir muito sangue para ele, ele fará edema
 Tipagem ABO / Rh: prova direta (identifica o agudo de pulmão/hipervolemia. Um paciente com
antígeno de superfície) e reversa (identifica os
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insuficiência renal também corre o risco de ser acometido


por essas questões.

É necessário trazer esse paciente para um nível de


hemoglobina em que ele atinja a estabilidade
hemodinâmica. Para tanto, deve-se transfundir uma bolsa
de cada vez e, a cada bolsa transfundida, reavaliar o estado
do paciente até que ele consiga atingir estabilizar. Os demais
problemas deverão ser tratados com medicamentos.

Por isso, deve-se sempre usar essa lógica de transfundir


bolsa por bolsa (uma unidade por vez) e reavaliar o paciente
à medida que se faz isso.

Exemplo: Paciente apresenta sangramento que não pôde ser


contido apenas com medicamentos, necessitando de tx.
Após transfundir a primeira bolsa de plasma fresco, o
sangramento cessa. Então, não é necessário transfundir uma
segunda bolsa, ao contrário do que o cálculo diria.

OBS: Um concentrado de hemácias tem meia vida de 10 dias


no corpo humano, uma vez que todo componente que não
pertence ao próprio corpo daquele indivíduo é retirado pelo
sistema retículo-endotelial com muita avidez. Assim, em
uma anemia crônica, por exemplo, é feita a tx para que o
paciente saia de perigo, mas em 10 dias aquela anemia se
fará presente novamente, sendo necessário buscar outras
formas de intervenção.

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